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Metodologia de ensino na Matemática nos anos de 1980: dos exercícios de classe e fixação à revisão Mirian Carneiro de Azevedo Meira 1 Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia UESB [email protected] Resumo: Este trabalho tem como objetivo analisar alguns aspectos da metodologia de ensino de um livro didático da autoria de Scipione di Pierro Netto publicado em 1987 e endereçado pelo Ministério da Educação e Cultura-MEC aos alunos da 6ª de série, a qual atualmente, corresponde ao 7º ano do Ensino Fundamental. Direciona a abordagem a seguinte questão: como a metodologia do ensino de Matemática era apresentada no livro didático nos anos de 1980 por intermédio dos exercícios de classe, fixação e revisão? Para responder à interrogação recorreu-se à análise documental, tendo o referido exemplar como fonte histórica privilegiada, visto que o livro didático apresenta uma proposta de ensino definida e muito utilizada pelo professor em sala de aula quanto pelo aluno em situações de atividades extraclasse contribuindo-se assim para entender-se o processo histórico de ensino. A produção dos dados ocorreu por meio da seleção de trechos dos exercícios que foram digitalizados e examinados. Os resultados apontam que a organização pedagógica pauta-se em uma metodologia de ensino em que o exercício de fixação e revisão apresenta-se como um procedimento didático muito utilizado pelo aluno e que, se observado, assimilado e executado pode facilitar a compreensão dos conceitos matemáticos. Verificou-se ainda, que as listas de exercícios são extensas, nos quais a resolução dos cálculos depende da aplicabilidade de fórmulas prontas, o que efetivamente, não facilita aos educandos o desenvolvimento do raciocínio lógico e a aprendizagem matemática. Palavras- chave: Livro didático. Ensino de Matemática. Exercícios. 1. Introdução Estávamos vivendo no ano de 1987. Com a queda das ações na Bolsa de Nova York, os mercados mundiais entraram em pânico e desaceleraram a economia mundial provocando o Acordo de Louvre em Paris, entre os países do G5 com a finalidade de estabilizar o dólar norte- americano. No Brasil, a popularidade do governo Sarney encontrava-se em declínio e algumas manifestações populares foram organizadas, sobretudo, no Rio de Janeiro, como forma de reivindicar alguns direitos trabalhistas e chamar a atenção para a crise política e econômica que 1 Mestranda em Educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação PPGed da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e membro do Grupo de Estudos em Educação Matemática GEEM da Uesb.

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Metodologia de ensino na Matemática nos anos de 1980: dos exercícios de classe e

fixação à revisão

Mirian Carneiro de Azevedo Meira1

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia –UESB

[email protected]

Resumo: Este trabalho tem como objetivo analisar alguns aspectos da metodologia de ensino

de um livro didático da autoria de Scipione di Pierro Netto publicado em 1987 e endereçado

pelo Ministério da Educação e Cultura-MEC aos alunos da 6ª de série, a qual atualmente,

corresponde ao 7º ano do Ensino Fundamental. Direciona a abordagem a seguinte questão:

como a metodologia do ensino de Matemática era apresentada no livro didático nos anos de

1980 por intermédio dos exercícios de classe, fixação e revisão? Para responder à interrogação

recorreu-se à análise documental, tendo o referido exemplar como fonte histórica privilegiada,

visto que o livro didático apresenta uma proposta de ensino definida e muito utilizada pelo

professor em sala de aula quanto pelo aluno em situações de atividades extraclasse

contribuindo-se assim para entender-se o processo histórico de ensino. A produção dos dados

ocorreu por meio da seleção de trechos dos exercícios que foram digitalizados e examinados.

Os resultados apontam que a organização pedagógica pauta-se em uma metodologia de ensino

em que o exercício de fixação e revisão apresenta-se como um procedimento didático muito

utilizado pelo aluno e que, se observado, assimilado e executado pode facilitar a compreensão

dos conceitos matemáticos. Verificou-se ainda, que as listas de exercícios são extensas, nos

quais a resolução dos cálculos depende da aplicabilidade de fórmulas prontas, o que

efetivamente, não facilita aos educandos o desenvolvimento do raciocínio lógico e

a aprendizagem matemática.

Palavras- chave: Livro didático. Ensino de Matemática. Exercícios.

1. Introdução

Estávamos vivendo no ano de 1987. Com a queda das ações na Bolsa de Nova York, os

mercados mundiais entraram em pânico e desaceleraram a economia mundial provocando o

Acordo de Louvre em Paris, entre os países do G5 com a finalidade de estabilizar o dólar norte-

americano. No Brasil, a popularidade do governo Sarney encontrava-se em declínio e algumas

manifestações populares foram organizadas, sobretudo, no Rio de Janeiro, como forma de

reivindicar alguns direitos trabalhistas e chamar a atenção para a crise política e econômica que

1 Mestranda em Educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação – PPGed da Universidade Estadual do

Sudoeste da Bahia e membro do Grupo de Estudos em Educação Matemática – GEEM da Uesb.

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havia se instaurado no país. Enquanto corria o ano de 1987, o Brasil respirava aliviado o fim da

ditadura militar e a Constituição de 1988, promulgada no ano seguinte, ao tempo em que

colocava-se no papel, a educação formal como um direito de todos e dever do Estado e da

família.

De acordo com historiadores como Aranha (2004), a década de 1980 ficou marcada

como uma década de crise na educação brasileira. Faltavam docentes especialistas nas escolas

públicas de Ensino Fundamental e Médio e por isso, se expande a oferta de emprego

direcionada a “um exército de reserva de mão de obra desqualificada e barata, o que faz manter

nossa dependência para com países desenvolvidos” (ARANHA, 2004, p.215). Há uma

expansão no processo de privatização do ensino e os poucos professores especialistas são

contratados para ministrar aulas nas instituições de ensino particular destinadas a grupos

privilegiados. No contexto da sala de aula, a metodologia de ensino é voltada para uma tímida

formação geral e preparação do aluno para o vestibular predominando, portanto, um ensino

seletista no qual a elite mais bem preparada ocupava a maioria das vagas das universidades

públicas do país. Há indícios de que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBN

nº 7.044/82 que priorizava o ensino profissionalizante era reconhecida como fracassada ao

tempo em que já era idealizada uma educação para uma formação mais abrangente em que são

considerados o aspecto intelectual, afetivo, moral e social do aluno.

Em relação à distribuição do livro didático nas escolas públicas, o histórico apresentado

no portal do FNDE, o Programa Nacional do Livro Didático – PNLD criado no Brasil em 1929

por intermédio do Decreto-Lei n 1.006 de 30 de dezembro de 1938 consolidava uma política de

legislação, controle e distribuição de milhões de livros e acabava excluindo os professores do

direito de escolha dos exemplares que seriam utilizados nas escolas. Em 1966, o Ministério da

Educação e Cultura-MEC faz um acordo com a Agência Norte Americana para o

Desenvolvimento Internacional – Usaid adquire recursos financeiros e cria uma comissão

específica para coordenar a produção e edição do livro didático, bem como firmar parcerias

entre as principais editoras nacionais. Em 1971, o acordo MEC/Usaid é desfeito e as unidades

federativas brasileiras são convocadas a investirem recursos para o Fundo do Livro Didático –

FLD. Mas, mediante o Decreto 77.107 de 04 de fevereiro de 1976 que extingue o Instituto

Nacional do Livro – INL e a escassez de recursos financeiros do Fundo Nacional do

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Desenvolvimento da Educação – FNDE torna-se impossível atender a demanda de todos os

alunos do ensino fundamental e muitas escolas da rede municipal não são contempladas com a

distribuição gratuita dos livros didáticos. Em 1985, o Decreto nº 91.542 de 19/08/85 cria o

Programa Nacional do Livro Didático – PNLD e o livro didático pode ser escolhido pelos

professores, reutilizado pelo aluno durante um período de até quatro anos e o material impresso

em seu aspecto gráfico passa pelo controle de qualidade visando maior durabilidade.

É sabido que os livros didáticos são valiosas fontes na investigação da trajetória da

educação matemática no Brasil. No entanto, eles ainda continuam sendo praticamente o único

material didático pedagógico utilizado pelo professor em todas quase todas as aulas. E o plano

de aula, por vezes, ainda é elaborado seguindo-se à risca as orientações contidas no manual de

instruções do livro do mestre que acompanha as coleções distribuídas nas escolas. O

Repositório Institucional da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC armazena,

preserva e oferece-nos um acervo com produções científicas relevantes para a continuidade da

discussão, compreensão e produção histórica do processo de escolarização matemática,

servindo-nos de referencial para a produção desse trabalho.

Neste trabalho intitulado: “Metodologia de ensino na Matemática nos anos de 1980:

dos exercícios de classe e fixação à revisão”, são priorizados. O texto aqui apresentado é fruto

de leituras envolvendo o ensino de Matemática sem, no entanto, perder o foco em alguns

aspectos pontuados na metodologia de ensino apresentada no exemplar analisado. Para fazer a

análise do exemplar escolhido, observou-se algumas de suas características, bem como sua

estrutura e proposta didática envolvendo os exercícios em classe, de fixação e revisão. O livro

foi encontrado no nosso acervo particular. Pertenceu a um membro da família e seu uso

ocorreu durante a sexta serie do Ensino Fundamental em 1991. Como o exemplar foi entregue

ao usuário durante o seu terceiro ano de vida útil, não exigia-se que este fosse devolvido à

escola por considerá-lo consumível após o terceiro ano consecutivo de uso.

2. Objetivo, questão central da pesquisa e breve descrição do exemplar analisado

A presente pesquisa busca analisar alguns aspectos da metodologia de ensino de um livro

didático da autoria de Scipione di Pierro Netto, um professor da rede pública de ensino

durante as décadas de 1950 até 1970, graduado em Matemática pela PUC de São Paulo e

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doutor em Educação pela Universidade de São Paulo - USP. O livro publicado em 1987 pela

Saraiva, encontrava-se na sétima edição e foi endereçado pelo Ministério da Educação e

Cultura-MEC aos alunos da 6ª de série, que atualmente, corresponde ao 7º ano do Ensino

Fundamental.

A compreensão da História é permeada por indagações sobre o ensino no cotidiano

escolar e transmitida por meio de metodologias específicas em cada etapa de escolaridade.

Assim, direciona a abordagem a seguinte questão: como a metodologia do ensino de

Matemática era apresentada nos livros didáticos nos anos de 1980 por intermédio dos

exercícios de classe, fixação e revisão? Percebe-se que o foco central do exemplar trata-se de

conceitos e operações e cada conteúdo abordado traz exemplos, que tinha como finalidade

facilitar a compreensão do aluno mediante a explicação do professor. O exemplar é composto

por 131 páginas e está na 7ª edição em forma de brochura. Na capa, é apresentado o título da

disciplina, o nome do autor, a série, a identificação da editora e um pequeno adesivo no canto

superior direito indicando que o material é uma distribuição gratuita do MEC em parceria

com o PNLD e a Fundação de Assistência ao Estudante – FAE.

Está sistematizado em cinco partes e subdividido em nove unidades e cada uma delas

introduzem, de forma pouco contextualizada, os conteúdos que são conduzidos por um

repertório de algoritmos em que os exercícios apresentam enunciados norteados por uma

proposta de ensino na qual o aluno é direcionado a efetuar cálculos, copiar, determinar,

recordar e assinalar (V) para as sentenças verdadeiras e (F) para as falsas tanto nos exercícios

contendo questões de múltipla escolha quanto nos testes disponibilizados no final de cada

capítulo do livro. Cada etapa possui identificações pouco específicas no intuito de orientar o

aluno.

Imagem 01: Capa do exemplar

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Fonte: recorte fotográfico do (LD) feito pela autora em 11/07/2016.

Na apresentação do livro, encontra-se um texto endereçado ao aluno, no qual o autor

expõe a sua proposta didática e descreve, de maneira sucinta, cada parte do exemplar e indica

a intenção pedagógica de cada exercício. O autor divide o livro em cinco partes chamando-as

de etapas que contêm: breve exposição dos conteúdos com foco em conceitos e operações,

primeiros exercícios de classe, exercícios de classe e de fixação, exercícios de revisão e

aprofundamento e última parte dos testes.

Observa-se que cada uma dessas partes estão desarticuladas umas das outras, assim como

os conteúdos apresentados em cada capítulo. Não há uma preocupação do autor em retomar

um assunto anterior para introduzir um subsequente. Percebe-se também que nos exercícios

não há nenhuma orientação para que professor e alunos possam interagir em sala de aula. Não

há evidências de que o trabalho em grupo, a troca de ideias entre docente e discentes fossem

priorizadas durante a realização de atividades em classe. Verificou-se que não há uma

preocupação do autor em produzir enunciados nos exercícios que levassem o aluno a refletir e

raciocinar sobre diferentes possibilidades de resolver os problemas, conforme enfatiza os

autores: “quando trabalhamos num problema, o nosso objetivo é, naturalmente, resolvê-lo. No

entanto, para além de resolver o problema proposto, podemos fazer outras descobertas que,

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em alguns casos, se revelam tão ou mais importantes que a solução do problema original”

(PONTE; BROCARDO; OLIVEIRA, 2013, p. 17).

Imagem 02: Texto de apresentação do livro direcionado ao aluno

Fonte: recorte fotográfico do (LD) feito pela autora em 11/07/2016.

No texto de apresentação do livro Scipione (1987) apresenta a primeira etapa das

“exposições dos conteúdos”, colocadas como um instrumento facilitador de aprendizagem,

nas quais os alunos observam os exemplos modelos apresentados para compreensão do

assunto mediante a explicação do professor. A segunda etapa, “primeiros exercícios de

classe”, tem como objetivo “fixar” a aprendizagem imediata, no sentido de memorizar ou

reter os conteúdos estudados. Tais exercícios eram efetuados pelos alunos em sala de aula,

após a explicitação do conteúdo pelo professor. Posteriormente, a terceira etapa é chamada de

“exercícios de classe e fixação” contém atividades para os alunos realizarem tanto em classe

quanto em casa. A penúltima parte é denominada de “exercícios de revisão e

aprofundamento” tinha o intuito de atender os alunos que possuíam um interesse maior pelos

conteúdos matemáticos e á medida em que faziam os exercícios revisavam a matéria e

aumentava os conhecimentos matemáticos ora estudados. E por último, a quinta parte, no

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final de cada capítulo do livro, é composta por diversos “testes” de múltipla escolha, que

visava preparar o aluno para futuras seleções em concursos e vestibulares.

3. Aporte teórico-metodológico

Desde o início do século XX que a utilização de livros didáticos vem sendo muito comum

nas instituições de ensino no Brasil, sobretudo, no ensino de Matemática. Os Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCN) reforçam a ideia de que o livro didático é um instrumento

pedagógico propício para auxiliar o professor no processo de ensino.

O problema é que tal prática, na maioria das vezes, é exercida pelos professores

considerando o livro didático como um importante recurso pedagógico sem haver uma

preocupação com a análise do material, a reelaboração e adaptação das atividades à realidade

do aluno, a análise dos exercícios e das propostas de ensino que são veiculadas e aplicadas

durante as aulas de uma determinada disciplina. Ou seja, os livros didáticos sempre ocuparam

um espaço relevante no ensino de Matemática, são fontes privilegiadas para a compreensão

histórica, mas precisam passar por uma avaliação para atenderem, especificamente, cada

realidade sociocultural.

Desde os seus primórdios, ficou assim caracterizada, para a matemática

escolar, a ligação direta entre compêndios didáticos e desenvolvimento de

seu ensino no país. Talvez seja possível dizer que a matemática se constitua

na disciplina que mais tem a sua trajetória histórica atrelada aos livros

didáticos. Das origens de seu ensino como saber técnico-militar, passando

por sua ascendência a saber de cultura geral escolar, a trajetória histórica de

constituição e desenvolvimento da matemática escolar no Brasil pode ser

lida nos livros didáticos (VALENTE, 2008, p.141).

É nessa perspectiva que os livros didáticos de Matemática se tornaram importantes fontes

de pesquisas em Educação Matemática, sobretudo, quando decide-se investigar a trajetória do

ensino de Matemática e construir a história dos saberes escolares.

4. Reflexão sobre a organização pedagógica apresentada nos exercícios de classe,

fixação e revisão

Para responder a nossa questão de pesquisa, selecionamos alguns exercícios de classe,

fixação e revisão apresentados na segunda e terceira unidade do livro envolvendo “os inteiros

relativos”. Empregando a análise textual e foi possível perceber que a metodologia de ensino

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adotada não se preocupou em levar o aluno a associar o conhecimento matemático à situações

do cotidiano, tornando-se evidente que o foco do ensino tradicional de matemática muito

presente nos anos de 1980 pautava-se na memorização de fórmulas, na realização de testes e

provas escritas, bem como na preocupação com a fixação de uma aprendizagem mecanicista e

distante de uma aproximação com o cotidiano do aluno. Nos exercícios, há um formalismo de

regras, algoritmos e fórmulas que objetiva levar os educandos a resolverem atividades de

cálculos em caráter rígido e complexo em que percorria-se um caminho previamente

delineado pelos cientistas matemáticos para se alcançar a exatidão dos resultados. Nas

palavras de Schliemann (2006, p. 21):

O ensino de matemática se faz tradicionalmente, sem referencia ao que os

alunos já sabem. Apesar de todos reconhecerem que os alunos podem

aprender sem que o façam na sala de aula, tratamos nossos alunos como se

nada soubessem sobre tópicos ainda não ensinados.

A segunda unidade do livro introduz o conteúdo envolvendo os números relativos no

qual o autor apresenta o conceito e chama a atenção do aluno para quantias monetárias

mantendo a nomeclatura cruzeiro e a simbologia Cr$, moeda brasileira que não estava mais

vigente na década de 1980, porque havia sido substituído pelo cruzado. O Plano Cruzado,

lançado em 28 de fevereiro de 1986 no governo do presidente José Sarney, tinha como meta

principal reduzir e controlar a inflação.

O texto que introduz o conteúdo na unidade dois é muito sucinto, não há gravuras

representando o sistema monetário, nem situações envolvendo uma simulação em que os

alunos reflitam sobre uma feira livre ou supermercado em que os inteiros relativos são

empregados em diferentes situações de compra e venda dos produtos,fazendo alusão aos seus

preços, a soma, subtração e multiplicação dos valores na negociação de tais produtos

comercializados tanto no atacado quanto no varejo. A abordagem envolvendo situações

problemas que levassem o aluno a refletir sobre o preço de alguns produtos, a quantia

necessária para a aquisição de bens e serviços em uma determinada empresa, bem como a

comparação entre diferentes escalas de temperaturas poderia servir como elemento facilitador

na aprendizagem do referido conteúdo.

Imagem 03: introdução e abordagem de um conteúdo

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Fonte: recorte fotográfico do LD feito pela autora em 11/07/2016.

Para introduzir o conceito de um número inteiro relativo, o autor menciona de forma

sucinta a situação de um professor que fez depósitos em um determinado banco e em seguida

começou a fazer diversos saques do dinheiro depositado, chamando a atenção do aluno para o

saldo bancário que envolve crédito e débito. No entanto, percebe-se que o texto é escrito de

forma fragmentada, composto por frases soltas, dificultando, portanto, o raciocínio lógico do

aluno. Primeiro, entende-se que o professor tinha 5 mil cruzeiros que foram depositados na

sua conta. Mas ele precisou de 2 mil e fez o primeiro saque, restando apenas 3 mil em sua

conta. Posteriormente, ele fez o segundo saque e retirou mais uma quantia de 2 mil restando-

lhe apenas mil cruzeiros. Em seguida, o professor faz o terceiro saque e retira mais 2 mil. Mas

não é explicado como é possível uma pessoa possuir um crédito de mil cruzeiros e realizar o

terceiro saque de 2 mil reais de sua conta. No final da página 20, apresentada na figura 03, há

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uma nota de rodapé na qual o autor menciona que os bancos emprestam dinheiro aos seus

clientes por meio dos cheques especiais.

Mas não aparece uma explicação clara do que significa um cheque especial, o que o

professor precisou fazer para conseguir do banco, o empréstimo dos mil cruzeiros, como são

feitas as transações bancárias envolvendo empréstimos, juros simples e como os inteiros

negativos são explicitados nessa abordagem. Tais explicações, são, ao nosso ver,

fundamentais para contextualização do conteúdo, porque elas podem estar associadas a

situações socioeconômicas e culturais como forma de facilitar o desenvolvimento do

raciocínio lógico do aluno (SCHLIEMANN, 2006).

Nesse sentido, verifica-se uma lacuna na maneira do autor apresentar o texto para explicar

o conceito do número inteiro relativo. Nas atividades selecionadas neste trabalho o ensino

matemático aparece isolado do cotidiano e os exercícios perdem o significado para o aluno

porque não há uma preocupação com a resolução de problemas vivenciados no cotidiano, mas

com a aplicabilidade de regras e fórmulas de uma determinada operação matemática. O livro

didático não apresenta tabelas, ilustrações e esquemas que facilita a compreensão do aluno e

possibilita uma relação com conceitos e princípios matemáticos. No início da página 21 do

livro aparece o primeiro quadro contendo exemplos para o aluno observar e resolver os

primeiros exercícios de classe.

Imagem 04: exemplo dado ao aluno para resolução do exercício apresentado na imagem 05

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Fonte: recorte fotográfico do (LD) feito pela autora em 11/07/2016.

Na imagem 04 aparece o exemplo como um modelo que deve ser observado para o aluno

resolver as questões do exercício 1,2 e 3 que será apresentado na imagem 05. Averiguando cada

enunciado, percebe-se que não há clareza no que é solicitado ao aluno para que ele se sinta

entusiasmado em responder os exercícios. Observa-se que é questionado, por exemplo, “quem deve 5

tem menos 5, quem deve 8 tem menos 8. As expressões “deve” e “tem” estão destacadas em vermelho,

deixando muita confusão na cabeça dos discentes da sexta série do ensino fundamental. O exemplo

dado trata-se de credor e devedor, sem clarificar os termos: crédito e débito e o sinal de menos (-)

aparece nas operações matemáticas sem uma conexão com situações concretas.

Assim, a elaboração do exemplo modelo apresenta-se pouco atrativa e de difícil

compreensão. Observou-se nas informações da imagem 04 que quem deve 5 reais estará sempre com

saldo negativo de 5 reais. Mas, se o aluno deve 5 reais e, no entanto, ele possui uma quantia maior ou

menor que a quantidade que deve e que aparece representada no referido exercício, fica complicado

responder as demais questões. Assim, acredita-se que o exercício torna-se cansativo, repetitivo e

desvinculado de um contexto em que possibilite ao aluno pensar em situações concretas, visto que não

há estratégias para o desenvolvimento do raciocínio lógico e a autonomia na aprendizagem,

considerando que a linguagem não é clara e objetiva para que o aprendiz compreenda o que e como

deve responder.

Imagem 05: primeiros exercícios de classe baseado no exemplo da imagem 04

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Fonte: recorte fotográfico do (LD) feito pela autora em 11/07/2016.

Na imagem 04 observamos um quadro modelo que servia para o aluno resolver estes

exercícios sobre os números inteiros relativos com foco em valores positivos e negativos aqui

apresentados na imagem 05. Era exigido que o aluno resolvesse as operações de forma isolada

do contexto que o cercava. É interessante notar que não há, nessas questões, nenhum

enunciado que aponte uma situação cotidiana, quando, no caso de tratar-se de um conteúdo

matemático envolvendo números inteiros relativos, haveria uma oportunidade privilegiada

para ensinar ao aluno sobre matemática financeira e, por conseguinte, a importância de

realizar operações com dinheiro durante a compra e venda de um produto, o empréstimo de

dinheiro, o pagamento de contas como água, luz, aluguel que são realizadas no cotidiano das

pessoas e pode se tornar um facilitador para o entendimento do aluno no que diz respeito a

aplicabilidade da matemática financeira e a introdução de outros conteúdos envolvendo razão

e proporção, porcentagem, juros simples, etc.

O exemplo apresentado na imagem 04, não auxilia o aluno aprender resolver as questões

a, b e c da primeira questão do exercício da imagem 05, porque não há uma coerência no que

lhe é solicitado, considerando que todo o exercício é baseado no único modelo apresentado,

cujos enunciados solicitam que o aluno responda, copie as sentenças e complete seguindo o

modelo dado e repita situações já efetuadas anteriormente para resolver outras sentenças.

Nesse sentido, a matemática apresentada no livro didático é rígida, preocupa-se com a

precisão dos resultados e está associada à matemática pura, formal e descontextualizada do

cotidiano do aluno. Para Schliemann (2006), “a aprendizagem de matemática e a resolução de

problemas, se não estão diretamente relacionadas com a solução de problemas práticos, não

são facilmente transferidas para a prática”. Dessa forma, compreender e aprender matemática

sem haver uma interação entre a reflexão abstrata e a experiência concreta fica mais difícil. O

livro didático Matemática: conceitos e operações que empregamos nesse estudo, apresenta

uma lista extensa de exercícios nos quais o aluno é direcionado a calcular, efetuar, determinar,

resolver e assinalar a alternativa correta nas questões de múltipla escolha.

A aplicação dos aprendizados em contextos diferentes daqueles em que

foram adquiridos exige muito mais que a simples decoração ou a solução

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mecânica de exercícios: domínio de conceitos, flexibilidade de raciocínio,

capacidade de analise e abstração. Essas capacidades são necessárias em

todas as áreas de estudo, mas a falta delas, em Matemática, chama a atenção

(MICOTTI, 1999, p. 32).

É sabido que o termo contextualização refere-se ao conhecimento de uma determinada

situação com o intuito de facilitar o processo de assimilação e aprendizagem de uma

informação ou conteúdo associada a uma situação concreta vivenciada, possibilitando que o

aprendiz assimile com maior facilidade o conteúdo matemático ensinado na escola. Observa-

se que os exercícios são elaborados de forma mecanicista, fragmentada, e difícil de ser

compreendido pelo aluno porque trata-se de uma metodologia de ensino tradicional com

atividades pouco atrativas, pois não há gráficos, jogos, quebra-cabeça, tabelas e gravuras que

ilustrem os conteúdos apresentados e estimulem os alunos a resolverem os exercícios.

Percebe-se, que são priorizadas a memorização em detrimento a uma compreensão lógica,

pois os conteúdos matemáticos são transmitidos aos alunos por intermédio de regras e

reproduzidos de acordo com os exercícios modelos colocados como instrumentos

pedagógicos suficientes para a aprendizagem matemática.

Imagem 06: exercícios de classe e fixação

Fonte: recorte fotográfico do (LD) feito pela autora em 11/07/2016.

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Na imagem nº 06 aparece o exercício de classe e fixação. Esse tipo de atividade é

encontrada em cada final de unidade do livro didático. Observa-se que o aluno é orientado a

resolver os exercícios assinalando (F) para sentenças falsas e (V) para as verdadeiras e em

seguida deveria copiar somente as sentenças verdadeiras em seu caderno e em nenhum

exercício do livro analisado encontramos questões dissertativas. As questões de múltipla

escolha não provocam uma reflexão nos alunos sobre questões do cotidiano dificultando a

elaboração de novas situações que possam motivar o aluno a respondê-las.

A seguir, a imagem 07 trata-se de um exercício teste que aparece em cada final de capítulo

do livro analisado. Esse tipo de atividade contém diversas questões de múltipla escolha nas

quais os alunos respondem assinalando a alternativa correta ou falsa de acordo com o que é

solicitado nos enunciados de cada questão. Observa-se que há uma preocupação do autor em

aproximar o aluno, desde as séries finais do ensino fundamental, dos mesmos tipos de

questões presentes nas provas em vestibulares e concursos públicos. Foi encontrada, no final

do livro, as respostas contendo as alternativas corretas para cada questão apresentada nos

exercícios testes do livro analisado.

Imagem 07: página de testes encontrada no final da unidade 03

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Fonte: recorte fotográfico do (LD) feito pela autora em 13/07/2016.

Durante a análise do material selecionado, foi possível perceber que, de forma geral,

as questões dos exercícios foram elaboradas sem a preocupação com a apresentação de uma

situação problema clara e objetiva que provocasse no aluno uma reflexão que o desafiasse a

respondê-las. Faltaram informações que auxiliasse o discente a situar-se sobre o problema

proposto e de que forma deveria resolvê-lo. Enunciados como “a afirmação correta é”,

“assinale a alternativa verdadeira,” “a afirmação falsa é” são confusos e não trazem

esclarecimentos sobre o que se deve fazer para evitar dúvidas.

Conclusão

Durante a análise deste livro didático foi-nos é possível perceber uma metodologia de

ensino tradicionalista, a existência de falhas na composição e elaboração dos exercícios, na

forma de apresentação do conteúdo, nas atividades propostas, no desenvolvimento

apresentadas nos conceitos no decorrer das páginas, a inadequação à realidade cotidiana do

aluno, às práticas sociais em questão. No exemplar analisado, verificou-se a falta de cantigas,

fábulas, receitas culinárias e quadrinhos na composição dos textos e questões

problematizadoras que poderiam contribuir para ilustrar o conteúdo matemático e aproximar o

aluno do seu contexto social.

Por esse motivo destaca-se a importância de utilizar diversos livros, mas, também,

variados recursos pedagógicos, para oferecer aos educandos outras fontes de informações e

materiais didático-pedagógicos. Nessa direção, a análise crítica e criteriosa do livro didático

utilizado em sala de aula de matemática durante os anos de 1980 mostra-se de fundamental

importância para que compreenda-se que o ensino de Matemática é historicamente construído

e está em constante evolução. O aluno é capaz de pensar filosoficamente, cientificamente e

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socialmente para exercer o seu papel de cidadão na sociedade em que vive. Nessa direção, a

analise dos livros didáticos de matemática levando em consideração sua trajetória histórica e a

evolução do conhecimento matemático é relevante para desmistificar ideias equivocadas

sobre a matemática enquanto ciência estanque e concluída.

Referencias

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BRASIL/MEC/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática, v3, Brasília:

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MICOTTI, Maria Cecília de Oliveira. O ensino e as propostas pedagógicas. In: BICUDO,

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São Paulo: Editora UNESP, 1999.

PONTE, João Pedro da; BROCARDO, Joana; OLIVEIRA, Hélio. Investigações

matemáticas na sala de aula. 3ª ed.Belo Horizonte: Autêntica,2013.

SCHLIEMANN, Analúcia Dias. Na vida dez, na escola zero. 14 ed. São Paulo: Cortez,

2006.

SCIPIONE, Di Pierro Netto. Matemática: conceitos e operações, 6. 7 ed. São Paulo,

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