melhor & abrh brasil - o rh está pronto para o presente
TRANSCRIPT
1
O RH está pronto para o
presente? Por Leandro Quintanilha, - 7 de março de 2014
http://www.revistamelhor.com.br/o-rh-esta-pronto-para-o-presente/
O tempo mostra que trabalho transforma a sociedade e que a sociedade
também transforma o trabalho. Mas em que ritmo as corporações
assimilam transformações sociais? Quais mudanças são mais palatáveis
para as empresas, mais fáceis de implementar, e quais representam um
desafio maior? A Melhor conversou com especialistas em RH e em
tendências sobre qual é a responsabilidade dos departamentos de
recursos humanos para que as empresas alcancem o presente, no que diz
respeito não às inovações tecnológicas, mas às práticas corporativas e às
relações de trabalho.
São muitos e complexos os desafios. Os hábitos urbanos contemporâneos
e os valores das novas gerações estão sendo devidamente contemplados?
Como RH de hoje lida com a equivalência salarial entre os diferentes sexos
e etnias? Cônjuges de funcionários homossexuais têm os mesmos direitos
oriundos de uma união tradicional? As relações de trabalho estão menos
hierárquicas e mais colaborativas? Qual é o papel do RH no que diz
respeito à sustentabilidade da empresa e à sua função social?
“Mudanças comportamentais levam gerações para se concretizar”, afirma
o sociólogo Dario Caldas, fundador do Observatório de Sinais, consultoria
de tendências pioneira no Brasil. “Devemos ter isso em mente, sobretudo
no momento atual, em que o culto à mudança e à aceleração embasam
todo tipo de raciocínio equivocado.” Caldas frisa que a empresa é o lugar
do status quo. “Essa afirmação pode soar paradoxal, no momento em que
2
o discurso mainstream é o da mudança, da inovação, da criatividade, do
reinventar-se, de ter um propósito para além da simples atividade
comercial.” Mas o lucro, ele garante, continua sendo o objetivo
primordial.
Contudo, Caldas reconhece que há
empresas mais arrojadas. Ao mesmo
tempo, argumenta que elas estão
para o setor empresarial como as
vanguardas artísticas e os intelectuais
estão para a sociedade: são minoria,
mas influenciam e formam opinião.
Para Eline Kullock, que já foi diretora
de RH na Mesbla e hoje é sócia da
caça-talentos multinacional britânica
Stanton Chase International, os novos
tempos exigem a consciência de que a
sociedade vive hoje em transformação
constante. Eline é também especialista
em comportamento de gerações.
Mas o que sinaliza
contemporaneidade? Empresas como o gigante da internet Google se
destacam nos noticiários por promover um ambiente de trabalho flexível
e divertido. No ano passado, o escritório brasileiro desembarcou em São
Paulo em um espaço de nove mil metros quadrados na Avenida Faria Lima.
São quatro cozinhas decoradas com temas paulistanos, de livre acesso
para os funcionários, que podem preparar seus próprios lanches ali
mesmo e usufruir de cerveja, garrafinhas de leite fermentado e
guloseimas grátis. Há também mesas de sinuca e videogames, além de
um estúdio musical e um terraço com espreguiçadeiras.
Exotismo
O Google foi destaque nos meios de comunicação justamente por ser uma
exceção, e uma exceção muito chamativa. O grupo pode representar uma
Eline, da Stanton Chase International:
estar atento às constantes
transformações
3
vanguarda – mas ainda é visto como exotismo. De todo modo, há mais
questões contemporâneas além de tornar o trabalho um lugar divertido.
No escritório brasileiro, a média etária é de 30 anos, com um percentual
masculino de 65%, o que é sintomático.
O último grande estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), referente ao ano de 2012, mostrou um retrocesso no processo de
equiparação salarial entre homens e mulheres. Em 2011, elas recebiam o
equivalente a 73,9% do salário deles, média que caiu para 72,9%. Para o
IBGE, o recuo se deve ao fato de que a renda das mulheres subiu menos
do que a dos homens – 5,8%, contra 6,3%.
Os dados são oriundos da Pesquisa Nacional de Amostragem por
Domicílios (Pnad), que traça um panorama da situação da sociedade em
diversas áreas, como trabalho, educação, saúde e rendimento. A edição
de 2012, divulgada no segundo semestre de 2013, ouviu 362.452 pessoas
em todos os estados do país.
“Na prática, o que se percebe é que a diferença salarial entre homens e
mulheres praticamente não existe no início da carreira, mas ainda é
comum nos cargos mais altos”, pondera Fernando Montero Capella,
diretor da consultoria Capella RH. As funções operacionais tendem a ser
mais igualitárias, ao passo que homens continuam faturando mais nos
cargos de chefia. “Nesses cargos, a diferença chega facilmente a 20%,
30%.”
Cogita-se que uma razão para o aumento da desigualdade de renda entre
gêneros seja o fato de a presença feminina ter aumentado no setor de
serviços (de 59,5% em 2011 para 60,2% em 2012), um ramo que
historicamente paga salários mais baixos. Faz sentido, já que a taxa de
desemprego entre mulheres recuou de 9,1% para 8,2% no mesmo
período.
“O tema voltou às manchetes com força total, sobretudo nos Estados
Unidos, onde a tendência ficou estagnada – isto é, a diferença entre os
salários de homens e mulheres parou de diminuir”, afirma Dario
4
Caldas. Há hipóteses para justificar a situação. Para alguns, as mulheres
estariam se contentando com postos de remuneração mais baixa, para
conseguir equilibrar trabalho, família e filhos.
Outra vertente, mais criticada, pode ser exemplificada pelo best-seller
Faça acontecer (Companhia das Letras), recém-publicado pela vice-
presidente do Yahoo, Sheryl Sandberg. Para ela, as mulheres têm parte
da culpa e precisam ser mais ambiciosas e proativas no mercado de
trabalho. Na Europa, essa teoria não cola. Especificamente na Espanha,
a disparidade é punida por lei – mas a recente crise econômica estancou
os avanços, por ora.
Para Eline Kullock, a modernização dos valores e das práticas das
corporações é só uma questão de tempo – e não muito tempo. “Hoje, há
mais mulheres do que homens nas universidades”, diz. Mas ela vê mesmo
uma relação entre os salários mais baixos e a dupla jornada feminina. “As
demandas por jornadas longas e viagens também são um preço a pagar,
especialmente em cidades com tanto trânsito quanto São Paulo e Rio.”
Eline afirma que muitas mulheres recusam mesmo esse pacote, em
especial quando têm filhos pequenos.
Peneira racial
Outra ‘minoria’ afetada por disparidades no mercado de trabalho no Brasil
é a população negra. A edição anterior do Pnad, referente a 2011, apontou
um grande salto no ingresso de jovens negros nas universidades no correr
de uma década: 35,8% dos jovens negros e pardos entre 18 e 24 anos
que estudavam no Brasil em 2011 estavam em faculdades – o que
representa um aumento de 350% em relação aos 10,2% de 2001.
Para Fernando Montero Capella, o problema mais grave é a absorção
desse público pelo mercado de trabalho. “Uma vez que conseguem
ingressar nas empresas, negros brasileiros têm uma trajetória semelhante
à dos brancos”, diz. “O mais difícil é ultrapassar essa barreira inicial.” E
ele destaca que o preconceito contra negros não se reproduz em outras
etnias não brancas. “Descendentes de asiáticos não passam por esse
5
problema no Brasil.” Ainda não há estudos sobre como são tratados os
novos imigrantes, vindos do Peru e da Bolívia, entre outros.
De todo modo, Dario Caldas acredita
que a situação dos negros no mercado
de trabalho é hoje mais desconfortável
que a dos gays. “Faltava uma
estrutura legal, no nível social, que
legitimasse essa igualdade – não falta
mais”, diz. Capella confirma essa
impressão e diz que, em todas as
empresas que sua consultoria atende,
cônjuges homossexuais contam com
os mesmos direitos de cônjuges
heterossexuais desde que a união civil
entre pessoas do mesmo sexo foi
reconhecida no Brasil via Supremo
Tribunal Federal (STF), em 2011.
“Se pensarmos que o movimento gay
eclodiu nos anos 1960 e que foram necessários 50 anos para chegarmos
à situação atual, podemos entender como essas evoluções são lentas”,
pondera Caldas. Com a inclusão legal, entretanto, esse processo se
acelera e não são mais necessários outros 50 anos para que a equiparação
se torne a regra no mercado de trabalho.
“A valorização das pessoas pelo que são capazes de entregar, com base
em sua formação, dedicação e comprometimento, já acontece”, afirma o
consultor Reinaldo Passadori, especialista em RH e presidente do Instituto
Passadori. “As políticas internas, cada vez mais transparentes e mais
discutidas, também tendem a minimizar privilégios e seleções de pessoas
por critérios subjetivos.”
Eline Kullock afirma que as transformações em geral ocorrem hoje com
mais rapidez porque a Geração Y sofreu influência direta da internet –
Passadori, do Instituto Passadori:
políticas transparentes tendem a
minimizar privilégios
6
outras gerações tiveram uma infância analógica e uma maturidade digital.
Múltiplas informações geram múltiplas escolhas, o que, por sua vez,
requer velocidade de decisão. As relações são mais fluidas, fugazes ou
“líquidas”, como na célebre definição do sociólogo polonês Zygmunt
Bauman (Modernidade líquida, Editora Zahar). Tudo se transforma e nada
permanece.
Presentismo
A especialista ressalta que, no Brasil, a Geração Y foi ainda beneficiada
por um momento econômico de relativa estabilidade, sem hiperinflação.
O país também é predominantemente jovem (47% da população tem até
25 anos) – no Japão, são 25%. “Há um estímulo muito grande para viver
o momento, o que podemos chamar de ‘presentismo’.” Tudo isso favorece
mudanças.
Outro ponto levantado pela última Pnad está diretamente relacionado a
uma tendência contemporânea (ou à necessidade de que ela seja de fato
implementada em larga escala), o home office: piorou o tempo de
deslocamento nas regiões metropolitanas do país entre 1992 e 2012 em
12%. O tempo médio subiu de 36,4 minutos para 40,8 minutos. E as
cidades com maiores aumentos não foram São Paulo e Rio, mas Belém e
Salvador.
“A questão do teletrabalho se coloca desde os anos 1980 e,
tendencialmente, pode-se afirmar que sim, há cada vez mais gente
trabalhando em casa ou a distância, de modos variados”, afirma Dario
Caldas. Mas isso ocorre em nichos. Esse perfil de trabalhador ainda está
muito ligado à ascensão dos serviços como atividade principal no
capitalismo pós-industrial, e, mais recentemente, às profissões da
chamada economia criativa. “Não se pode afirmar que isso já se verifique
entre a maioria das empresas ou dos trabalhadores, longe disso.”
#L# Uma postura recente do Yahoo é emblemática. Após anos de
flexibilidade, a empresa voltou a exigir horários e presença no escritório,
por concluir que os esquemas de home office estavam sendo
7
contraproducentes para a companhia. “Em um momento de competição
cada vez mais acirrada, em todos os níveis, agravado por um quadro de
crise econômica, as práticas empresariais tendem a ser mais
conservadoras, a despeito de todo o discurso em contrário”, explica
Caldas.
Em casa ou no escritório, as relações de trabalho estão ao menos mais
horizontais? Eline Kullock acredita que a chamada Geração Y deve firmar
essa tendência. “É uma ideologia colaboracionista, menos hierarquizada,
bastante avessa a estruturas muito verticalizadas”, diz. “Mas não há nada
de revolucionário na adoção de práticas mais colaborativas – apenas o
bom senso e a lógica dizendo que assim se produzirá mais e melhor, daqui
por diante.”
Para Caldas, o caso recente do grupo Inbev é exemplar (ou antiexemplar,
de acordo com a perspectiva). “Quando compram uma nova empresa ou
marca, os dirigentes cortam postos, espremem espaços, colocam
diretores ao lado de funcionários de patente menor para trabalhar juntos”,
ilustra. Esse tipo de estímulo a um estreitamento de relações entre os
funcionários estaria muito distante dos preceitos da ‘inovação social’, que
os entusiastas das formas de colaboracionismo contemporâneo gostam de
propagar.
Mais otimista, Eline prevê muitas mudanças e num futuro muito próximo.
Além da flexibilização do expediente, do local e das relações de trabalho,
e da equiparação de salários e direitos entre funcionários de diferentes
gêneros, orientações sexuais e etnias, outras pequenas grandes coisas
podem se transformar, como o uso de terno e gravata, por exemplo. “O
traje não é prático para o país quente em que vivemos, nem para as
demandas de transporte por que passa o brasileiro”, diz.
Com maior ou menor otimismo, os especialistas acreditam que mudanças
estão em processo e os departamentos de RH têm responsabilidade nisso.
“Acredito que seja preciso investir em treinamentos que oxigenem as
ideias e as visões de mundo”, ressalta Dario Caldas. Com um treinamento
de pessoal que propague valores contemporâneos, a mudança não precisa
8
ocorrer apenas de cima para baixo, a partir de decisões da diretoria. Pode
se tornar um desdobramento mais natural do desenvolvimento da
sociedade.