mazzola marco - revista backstage · 2008-06-24 · dade e saber se, realmente, isso pode dar...

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56 www.backstage.com.br 56 Marco Mazzola Mazzola Mazzola arco Mazzola é um grande exemplo do que podemos entender por sucesso. Em 32 anos de carreira, produziu álbuns que geraram mais de 50 milhões de discos vendidos, conquistando 73 discos de ouro, 43 de platina, 16 duplos de platina e 4 discos de diamante. Com seu toque de Midas (assim a revista francesa World o nomeou), ajudou a lançar M Danielle Kiffer [email protected] Um dos maiores produtores musicais do Brasil conta aqui importantes fatos da sua trajetória, dá conselhos para quem quer iniciar e se manter no mercado fonográfico e fala sobre seu livro, a autobiografia “Ouvindo Estrelas” O midas da MPB Marco para o estrelato importantes nomes da MPB como Raul Seixas, Elis Regina, Jorge Ben, entre muitos outros. Recentemente, Mazzola, em uma autobio- grafia, conta como iniciou na profissão, com passa- gens pelos bastidores da MPB, da Jovem Guarda, das dificuldades impostas pela censura até a atual crise no mercado fonográfico. Nessa entrevista, Mazzola

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Page 1: Mazzola Marco - Revista Backstage · 2008-06-24 · dade e saber se, realmente, isso pode dar certo. ... tada por jabás. É preciso detectar e procurar bons ... eu me lembro bem

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MazzolaMazzola

arco Mazzola é um grande exemplo do quepodemos entender por sucesso. Em 32 anosde carreira, produziu álbuns que geraram

mais de 50 milhões de discos vendidos, conquistando73 discos de ouro, 43 de platina, 16 duplos de platina e4 discos de diamante. Com seu toque de Midas (assima revista francesa World o nomeou), ajudou a lançar

M

Danielle Kiffer

[email protected]

Um dos maiores produtores musicais do Brasil conta aquiimportantes fatos da sua trajetória, dá conselhos para quemquer iniciar e se manter no mercado fonográfico e fala sobreseu livro, a autobiografia “Ouvindo Estrelas”

O midas da MPB

Marco

para o estrelato importantes nomes da MPB comoRaul Seixas, Elis Regina, Jorge Ben, entre muitosoutros. Recentemente, Mazzola, em uma autobio-grafia, conta como iniciou na profissão, com passa-gens pelos bastidores da MPB, da Jovem Guarda, dasdificuldades impostas pela censura até a atual criseno mercado fonográfico. Nessa entrevista, Mazzola

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conversou com a Backstage sobre a atual situação domercado fonográfico, sua carreira, o futuro da músi-ca, deu valiosos conselhos para quem está iniciandoe chamou a atenção para um novo movimento: “asgravadoras independentes precisam se unir para fa-zer frente às ‘majors’”.

Backstage – Como foi seu início no mercado

fonográfico?

Marco Mazzola – Desde criança eu sentia que amúsica estava na minha veia e busquei os meios queme mantivessem e os que não pudessem me afastardesse caminho. Enfrentei todas as dificuldades. Desdeaquela época eu estava convencido de que meu mun-do era a música. Foi pura obstinação.

Backstage – Nesses 32 anos de trabalho com os

mais importantes artistas brasileiros, a que você

atribui a razão do grande sucesso nas vendagens dos

discos de sua produção?

Mazzola – É resultado da união de uma série defatores. Atribuo tudo isso à sensibilidade, ao fato deestar antenado ao que está acontecendo no Brasil eno mundo. O artista, basicamente, tem que ter umaluz própria; olho e vejo essa luz, esse brilho. E quandoisso acontece, busco um “namoro” com esse artistapara que possamos desenvolver um nível de intimi-dade e saber se, realmente, isso pode dar certo. Alia-do a isso tudo vem a sorte, e, para aproveitá-la, é pre-ciso estar preparado para trabalhar direito e conse-guir bons resultados. Há cerca de dois anos, contra-tei o Martinho da Vila, que estava sem gravadora.Hoje, ele é um dos maiores vendedores de disco doBrasil e tem um disco em francês, projeto no qualninguém acreditava. Precisamos estar atentos, sa-bendo que o público gosta de novidades. Estou fa-zendo agora um disco com a Margareth Menezes,que contratei para um projeto de MPB. Nós não po-demos mais depender de rádio, porque virou um ins-trumento quase proibitivo por ser praticamente pau-tada por jabás. É preciso detectar e procurar bonsprojetos para dar aos artistas que estão jogados por aí,quase todos sem gravadoras, sem trabalho, e fazercom que eles possam conseguir o sucesso. Esse anoestou me dedicando a lançar dois artistas novos; e,para isso, estou trabalhando há um ano com eles.

Backstage – Muitos artistas estão criando seus pró-

prios selos. Como você vê essa tendência de mercado e

que facilidades e dificuldades podem ser esperadas?

Mazzola – Atualmente, o artista procura ser donoda sua obra até porque, se ele não tem uma gravado-ra que acredite nele, tem que fazer todo o trabalho,pois precisa de um cartão de visita, que, para mim, éo CD. Entretanto, ao ter o seu próprio selo, o artistavai ver que a situação é totalmente diferente dequando ele vivia dentro de uma gravadora e não sepreocupava com nada. Sendo proprietário de umselo, ele vai ter que se preocupar em pagar impostos,fabricação, distribuição. Então, aí é que está o pro-blema: quem tiver condições vai caminhar, quemnão tiver, vai fazer o primeiro CD e, provavelmente,vai desistir no segundo.

Backstage – Na resposta anterior, você citou que

o CD é um cartão de visita para o artista. E o

DVD, também é?

Mazzola – O DVD é um cartão de visita do lado daperformance do artista no palco. Porém, é necessárioprestar atenção ao fato de que, para ver o show, você

precisa estar na sua casa e são poucas pessoas que pos-suem um aparelho de DVD no carro, e mesmo assim,não podem dirigir assistindo ao show. Por isso, o CD émais prático.

Backstage – Na sua visão a mídia virtual vai

acabar com a venda de música ou as gravadoras

acharão um meio de ganhar dinheiro nesse novo ca-

nal de distribuição?

Mazzola – Acho que é inevitável. A Internet estáaí para ser utilizada e trazer recursos. Quando a grava-ção era em cera, eu me lembro bem disso, havia umaquantidade limitada de vendas, depois veio oacetato, mais tarde virou vinil e, quando passou dovinil para CD, todo mundo achou que seria uma ca-

Não podemos mais depender das rádios, elas são

praticamente pautadas por jabás. É preciso

detectar bons projetos para dar aos artistas que

estão jogados por aí, sem trabalho, e fazer com

que eles possam conseguir o sucesso

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tástrofe, porque o custo do aparelho de CD era inviávelna época, cerca de 1.000 dólares. Hoje em dia, um CDplayer pode custar 140 reais. Acredito que qualquer for-mato que venha não vai destruir nada, porque a mú-sica nunca vai acabar, os formatos é que vão mudar.Quem sabe se no futuro com um pequeno chip vocêpoderá chegar ao jornaleiro, comprar suas músicas emontar seu próprio repertório? Eu acho que tem quehaver uma adaptação e não vejo ninguém lutandopara que dê certo, apenas vejo resistência na manu-tenção dos métodos convencionais, mas não é bem as-sim, temos sempre que tentar.

Backstage – Depois de tantas mudanças nas

mídias, hoje temos o MP3. Como você entende essas

transformações em relação à qualidade de gravação e

para aonde estamos

indo?

Mazzola – Eu achoque essas mudançasformaram três públi-cos diferentes: a pes-soa que é aficionadapor música e investeem um aparelho ma-ravilhoso para ouvi-la,compra o CD e até ovinil. Há a pessoa quegosta de música e fazquestão de comprar oCD para ter qualida-de. E tem a pessoa que não está nem aí, que quer bo-tar o fone no ouvido e baixar no MP3, onde o som éextremamente comprimido, sem qualidade. Paramim, é como se você tivesse um disco de vinil e colo-casse um prego para reproduzi-lo. Em suma, semprevai haver música gravada com qualidade.

Backstage – Em seu livro você cita: “o que se

venderá daqui pra frente é música e não mais CD e

DVD, mas sim, conteúdo”. O que quer dizer com

essa afirmativa?

Mazzola – Eu não estou dizendo que o CD e oDVD vão acabar hoje. Não é isso. O CD é um registro,um livro que fica para a história. Quer dizer, para mim,a mídia do CD e do DVD pode ainda durar uns cincoou seis anos. Prevejo o seu fim porque essa mídia ocu-

pa espaço dentro das lojas. Se a loja disponibiliza 50discos de cada artista brasileiro ou internacional, vaiter que ser uma mega store e essa estrutura custamuito dinheiro. A música não vai acabar porque sem-pre haverá outras formas de vender música, pode serpela Internet com qualidade, ou até, de repente, porum terminal como se fosse uma bomba de gasolina,onde o consumidor pode chegar e projetar uma espé-cie de mídia e carregar as músicas que quiser. Maisuma vez não estou dizendo que o CD vai acabar hojeou já acabou. Pelo contrário, houve um boom de ven-das no final de 2007, a recuperação do CD e do DVDfoi astronômica, entramos nesse ano com uma recu-peração ótima. Mas isso não quer dizer que vamosvoltar aos números que tínhamos na época do vinil,milhões de vendas. Não, hoje em dia o mercado se

acomodou, tanto quemuitos executivos queganhavam muito di-nheiro foram demiti-dos, substituídos porfuncionários que ga-nham menos, as mor-domias de gravadorasacabaram como auto-móvel, estacionamen-to, cartão de créditoliberado, garçons paraservir café, isso tudofoi exterminado, por-que as despesas têm

que bater com as entradas. Quando eu digo dessa for-ma é que eu sei que está acontecendo uma mudançanesse sentido no mundo. No Japão, por exemplo, estãobuscando novas tecnologias para substituir o CD e oDVD. Por isso, eu sei que vai mudar.

Backstage – Você acredita que as “majors” do

mercado fonográfico e as gravadoras independentes

podem se transformar em gerenciadoras da carreira,

inclusive empresariando shows e imagem comercial

do artista? Como você vê essa tendência? As grava-

dores independentes podem levar desvantagem nesse

ramo por possuírem uma estrutura menor?

Mazzola – A gravadora banca o disco, banca omarketing, coloca o disco na rua, trabalha, põe na te-levisão, e aí vem um empresário que muitas vezes está

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Antigamente o técnico era um profissional

extremamente preparado para fazer tudo que

um Protools faz hoje. Atualmente todo mundo

pega um quarto, põe um protools, grava e acha

que está abafando

ali do lado não dando nada, não dando cobertura,não investindo em nada para poder ajudar, e só mor-de, ou seja, vende show, porque o CD está em crise, oDVD está em crise, o mercado está em crise, mas oshow não está em crise – nunca houve tantos showscomo hoje em dia. O que está acontecendo é que agravadora que investe em tudo analisa e vê o empre-sário que não faz nada e ganha. Nesse caso, a diferen-ça entre as “majors” e as gravadoras independentes éa seguinte: as “majors” estão reformulando os contra-tos com os artistas, o que eu acho mais difícil por causados compromissos que elas assumiram. Para as grava-doras independentes já é mais fácil. Na atualidade,há 126 gravadoras independentes (a MZA está entre

as 5 primeiras). Na minha opinião, eu possuo o teco-teco e com ele vou aonde eu quero. Se tem umterreninho de 1.000 m eu posso pousar, depois facil-mente levanto vôo. Isso a “major” não consegue, poisela representa o jumbo e precisa de uma grande pista,de mais abastecimento para poder pousar e levantar. Aíestá a diferença e é o motivo das gravadoras indepen-dentes estarem crescendo e as “majors” encolhendo.Há gravadoras independentes que estão faturandomais do que uma multinacional. Eu acho que as grava-doras pequenas deveriam se juntar e não ficar lutandoentre si para ter o seu espaço. Assim como as “majors” sejuntaram, agora chegou o momento das gravadoras in-dependentes se unirem para fazer frente ao mercado eàs “majors”. Juntam-se, por exemplo, três gravadorasindependentes, cada uma num nicho de mercado.

Backstage – Você acredita que os poucos recursos

tecnológicos no processo de gravação da época do

vinil possibilitavam e exigiam uma maior criativi-

dade do técnico?

Mazzola – Naquela época, o técnico era um ver-dadeiro artista, porque, obviamente, não havia as fer-

ramentas de mixagem que temos hoje. O técnico eraum cara extremamente preparado para fazer tudoaquilo que um protools faz hoje, eu às vezes até brincocom isso aqui no estúdio, pois temos todos os equipa-mentos, analógico, digital, protools, etc e falo: “Vocêssabem como se fazia essa emenda que está aqui?”, aíeu conto e o cara fala: “Como assim?”, quer dizer, hojeem dia não há sequer conhecimento da dificuldadeque era fazer emenda de uma fita, de como os recur-sos dos estúdios eram imensos, porque existia umacaptação de qualidade que era necessária. Atual-mente todo mundo pega um quarto, põe um protools,grava e acha que está abafando; a música feita dessaforma não chega ao consumidor exigente e sim aoconsumidor do MP3. Antigamente, os técnicos eramgrandes artesãos, hoje em dia não, hoje um técnicotem uma ferramenta extremamente qualificada, quepossibilita ao músico fazer um solo de guitarra no iní-cio e depois não precisa mais, o técnico repete lá nofinal o mesmo solo, copia e acabou. O disco feito dessaforma torna-se frio, e eu não deixo fazer esse tipo decoisa. O músico vai ter que tocar do começo ao fim. Amesma coisa que o artista fez no início, vai fazer nomeio e no final. Cadê a criatividade? Nunca o músicofaz tudo igual, nunca sai a mesma coisa, nunca repete omesmo solo. É impossível. Nunca a pessoa canta damesma forma! Então, se você monta uma voz, se, porexemplo, o artista cantou a primeira parte e o técnicocopia a voz para a segunda. Isso é muito mecânico, nãocombina com música.

Backstage – Você acha que o uso da tecnologia

digital pode causar comodismo e limitar o talento e a

criatividade dos músicos?

Mazzola – Pode sim. Os músicos mesmos, que têmprotools em casa, costumam dizer: “Se quiser levo paracasa, gravo as guitarras e mando para você”. Como é quepode isso? É claro que esse avanço da tecnologia é mara-vilhoso, mando um CD para o Japão, o músico faz umsolo de saxofone lá e me retorna. Eu já fiz algumas grava-ções das quais eu me aproveitei da Internet, já pedi paraum artista dos EUA fazer um solo de saxofone, colo-quei e acabou, não precisei viajar. Isso tende a facilitartudo, mas também pode tornar a gravação fria. Oprotools é uma ferramenta que permite que você fa-brique a música por todos os recursos que possui, vocêafina a voz do artista. Maria Rita, Marisa Monte, um mon-

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te de artistas faz questão de cantar do início ao fim; o téc-nico pode até usar o protools, mas esses artistas cantam enão querem cópias ou emendas em suas gravações. Elesquerem cantar, interpretar a música.

Backstage – Qualidade musical, faixa dinâmica,

gravação de todas as freqüências musicais. Você

acha que esses fatores ainda têm importância ou a

praticidade tornou-se mais importante para o mer-

cado fonográfico?

Mazzola – Como disse anteriormente, semprehaverá exigibilidade para a qualidade na música, in-dependente do que aconteça. Para tecnicamentegravar um artista classe A é necessário chamar bonsmúsicos com bons instrumentos e ter o cuidado defazer com que aquele som saia com a melhor quali-dade possível. Exemplificando, você tem que sabercaptar uma bateria, ela tem que estar bem afinada, osom dos graves, dos tambores, tudo isso tem que estararrumado para a gravação poder ficar “gorda”,como a gente costuma falar.

Backstage –

Na sua história profissional, quando

ingressou na Philips, teve oportunidades de realizar

diversos cursos no exterior. Você acredita que um

curso no exterior é imprescindível para ingressar no

mercado fonográfico?

Mazzola – Não acredito que o curso no exteriorseja essencial, mas para quem tem dinheiro e podefazer, é muito melhor para a carreira e é um diferenci-al. Mas, aqui no Brasil, já estão se criando escolas paraprofissionais que ensinam métodos para ajudar as pes-soas que querem começar. A MZA, por exemplo,presta consultoria a artistas novos, pois, muitas vezes, o

cara tem um disco mas não sabe o que fazer, ele nãosabe quem procurar, manda o material dele pra grava-dora e ninguém escuta. Na MZA, a pessoa faz umaconsulta com a nossa equipe, analisamos o material eindicamos um direcionamento, apontando os erros epontos fortes. Há também casos em que aparecem ar-tistas que estamos desenvolvendo para a própriaMZA, coisas muito boas. Esse é um novo serviço quecriei há dois anos e que está tendo bons resultados.

Backstage – Na época em que trabalhou com

Raul Seixas, o estilo de vida do artista orientava as

suas músicas e o conceito do álbum. Hoje é o

marketing que direciona a carreira e o estilo adotado

pelos artistas? Como você vê essa mudança?

Mazzola – Se você olhar os artistas que acontece-ram de 10 anos para cá, pode perceber, todos têm muitapersonalidade. Como também nessemesmo período apare-

ceram milha-res de artistas que rapidamente aca-

baram. Isso eu acredito que seja o que eu falei no início,a pessoa tem que nascer com o dom da música.

Backstage – Em uma antiga conversa com

Belchior a respeito do panorama da música brasilei-

ra, citada em seu livro, você disse que não havia

oportunidades no mercado para novos artistas. De-

pois de vários anos e muitas mudanças, qual a sua

opinião a respeito desse panorama?

Mazzola – Eu acredito que a situação atual é piorainda, pois há um grande número de artistas com ta-lento com os quais você não pode fazer nada. Antiga-mente, se o artista fizesse algo novo, mostrava o traba-lho para o radialista e ele ficava louco para escutar. Na

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atualidade isso não existe mais, pois quem toma contadas rádios são pessoas voltadas apenas para o lado fi-nanceiro, querem apenas ganhar dinheiro e espaçopara eles. Claro que têm algumas pessoas com sensibi-lidade artística que dirigem rádios, que têm talento,mas apenas colocam o que as que agradam, quer di-zer, têm que cair no gosto especificamente dessas pes-soas. Eu vejo, por exemplo, o programa Fama, que é amaior oportunidade que a gente tem de trazer gentenova para o mercado e eles fazem os artistas apenascantarem sucessos já gravados. Colocam um progra-ma para as pessoas ficarem tocando cover, é um desper-dício. O Fama seria muito melhor se escolhessem ar-tistas com discos independen-

tes, que compõem su-as próprias músicas. Eu duvido que se fizes-

sem uns 4 ou 6 programas desse tipo aqui no Brasil,não surgiriam grandes talentos revelados na mídia. AFernanda Takai, do Pato Fu, que é um grande talen-to, está batalhando há tanto tempo e já disponibilizouo disco na Internet. Se ela cair na mão de uma grava-dora, como ela não compõe, provavelmente vão ten-tar convencê-la de que ela terá que gravar a músicaque eles quiserem e ela tem duas opções: ir atrás oudizer que não vai encarar. Eu acredito que os artistasnovos que têm muita personalidade não vão se prosti-tuir em fazer qualquer coisa.

Backstage – Em toda a sua história como produ-

tor, qual foi a sua maior emoção?

Mazzola – Foram muitas, mas tem uma que memarcou demais – a Elis Regina. No dia em que eu es-tava gravando o disco Falso Brilhante, ela cantou odisco inteiro a ponto de ficar rouca. Faltava cantar uma

música, Velha Roupa Colorida, do Belchior. Depois deuma tarde inteira, eu imaginei que ela não fosse conse-guir. De repente, ela disse: “Vou cantar a música, va-mos gravar de primeira”. Eu fiquei muito emocionado.Se você perceber essa gravação, vai ver que ela está rou-ca e quem ouve pode achar que é de propósito. Ela usou arouquidão para dar uma interpretação diferente àmúsica e, apesar do cansaço, cantou de corpo e al-ma. Eu pensei: “nossa, que mulher é essa?” Tambémposso citar momentos que eu convivi com RaulSeixas, em que eu via que o

fim dele estava seaproximando e não conseguia fazer

nada, apenas me afastar e deixar as coisas seguiremseu rumo.

Backstage – Na sua opinião, qual foi o me-

lhor álbum produzido por você, levando em con-

ta a gravação e a mixagem? E, seguindo o mes-

mo critério, qual o álbum que gostaria de ter

produzido?

Mazzola – Isso não sou nem eu que estou falando, arevista Rolling Stones elegeu os 50 discos mais bem pro-duzidos do século XX nomundo, e o disco que euproduzi, o África Brasil(1976), gravado por JorgeBen Jor (incluindo o suces-so Taj Mahal) está em 21ºda lista , à frente de FrankSinatra, Miles Davis e Ma-donna, entre outros. O dis-co que eu gostaria de terproduzido foi o Thriller,

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Para ser um artista, é preciso dedicar-se 24

horas a essa causa e ver realmente se é isso

mesmo que quer fazer, pois música é a coisa

mais difícil do mundo, ser artista e jogador de

futebol, para mim, são duas carreiras que

todos querem ter mas só a minoria consegue

com Michael Jack-son. Na verdade, eufiquei extremamen-te arrependido denão tê-lo feito, por-que eu quase ganheio Guiness como omaior produtor domundo de vendas eperdi porque che-guei a cerca de 50milhões e o Thrillervendeu 72 milhões(dados obtidos no fi-nal de 2006).

Backstage – Qual conselho daria para quem

está iniciando, tentando seu lugar no mercado

fonográfico?

Mazzola – O conselho que eu dou é o seguinte.Primeiro, dedicar-se 24 horas a essa causa e ver re-almente se é isso mesmo que quer fazer, pois músi-ca é a coisa mais di-fícil do mundo, serartista e jogador defutebol, para mim,são duas carreirasque todos queremter, mas só a minoriaconsegue. O artistainiciante que tem odom e essa obstina-ção deve procurarlugares, guetos paramostrar sua música,para ver se aquelaressonância que ele

acredita emitir podevoltar para ele, e nes-ses próprios guetos eleir aumentando o seupúblico. Não adian-ta eu dizer para o ar-tista procurar umagravadora indepen-dente porque nãovai acontecer nada.Todos os artistas queaparecem vêm deguetos, fazendo umshowzinho pequenoali, e, posteriormen-

te, passando para uma casa maior. Não estou ape-nas me referindo ao Rio de Janeiro e São Paulo.Ana Carolina surgiu em Minas Gerais, fazia showsem bares e em todos os lugares que apareciam,aproveitava as oportunidades. A própria AdrianaCalcanhoto fazia pequenos shows lá em PortoAlegre, com 50 pessoas. Em um show que ela fezno no Mistura Fina, eu estava presente, tinha cer-ca de 20 pessoas. Então o artista tem que saberconquistar esses guetos, fazer sua música, dispo-nibilizá-la na Internet, fazer blogs, procurar todosos meios possíveis de divulgação, e, provavelmen-te, o resultado ele vai tirar daqui a uns 2 ou 3 anos,e ele vai poder avaliar se está valendo a pena real-mente essa insistência.

Se ficar batalhando, batalhando e não crescer,não adianta. É fundamental que quem quer iniciar

na música seja umobreiro, um escravodo que faz, mas queseja compositor. Sefor viver apenas deinterpretação temque ser realmenteum grande fenôme-no como uma novaPitty, uma nova Cás-sia Eller, uma MariaRita. Para chegar aotopo desse mercadovocê precisa ter suaprópria bagagem.