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54 www.backstage.com.br CAPA 54 Como chegar ao sucesso? Artistas Além de tocar um instrumento ou de cantar*, muita gente que começa na profissão de músico também tem que ser artista nos bastidores dos bailes da vida e ´ralar´ muito fora dos palcos para se divulgar, gravar, ensaiar e ter infra-estrutura para poder fazer o seu melhor em cima dele. Quem não faz, aliás, pode começar, mas dificilmente continua. dentro e fora do palco João Pequeno [email protected] Backstage coversou com alguns cantores, compo- sitores e instrumentistas para conhecer detalhes de suas carreiras e de suas impressões sobre a carreira musical, quando começaram e como estão hoje em dia. Migrações de um nordestino não ortodoxo Quando o cantor e compositor paraibano Chico César começou a aparecer como “revelação” em meados dos anos 90, por meio de vozes como as de Maria Bethânia e Daniela Mercury, pouca gente imaginava que, somente no Sudeste, suas andanças para viver de sua música já pas- savam de dez anos, período suficiente para muito artistas ser um considerado veterano. Só para comparar, em um mesmo intervalo de tempo Eric Clapton entrou e saiu de nada menos que cinco bandas. Muito antes de Daniela gravar À primeira vista, Bethânia, Onde estará o meu amor?, e Elba Ramalho mais Zizi Possi, Béradêro, Chico César, natural de Catolé do Rocha, interior da Paraíba, chegou ao Sudeste, no A Fotos: Divulgação

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ArtistasAlém de tocar um instrumento ou de cantar*, muita gente quecomeça na profissão de músico também tem que ser artista nosbastidores dos bailes da vida e ´ralar´ muito fora dos palcospara se divulgar, gravar, ensaiar e ter infra-estrutura para poderfazer o seu melhor em cima dele. Quem não faz, aliás, podecomeçar, mas dificilmente continua.

dentro e fora do palco

João [email protected]

Backstage coversou com alguns cantores, compo-sitores e instrumentistas para conhecer detalhes desuas carreiras e de suas impressões sobre a carreira

musical, quando começaram e como estão hoje em dia.

Migrações de umnordestino não ortodoxoQuando o cantor e compositor paraibano Chico César

começou a aparecer como “revelação” em meados dosanos 90, por meio de vozes como as de Maria Bethânia e

Daniela Mercury, pouca gente imaginava que, somenteno Sudeste, suas andanças para viver de sua música já pas-savam de dez anos, período suficiente para muito artistasser um considerado veterano. Só para comparar, em ummesmo intervalo de tempo Eric Clapton entrou e saiu denada menos que cinco bandas.

Muito antes de Daniela gravar À primeira vista,Bethânia, Onde estará o meu amor?, e Elba Ramalhomais Zizi Possi, Béradêro, Chico César, natural de Catolédo Rocha, interior da Paraíba, chegou ao Sudeste, no

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fim de 1984 para o começo de 1985. Após vi-ver um mês em Ouro Preto, em Minas Gerais,ele passou mais cinco anos em Barra Mansa,no interior do Rio de Janeiro. Nesse período,fez algumas apresentações na TV Educa-tiva, em um programa dirigido e apresentado porFernando Lobo, pai de Edu Lobo, que o aconselhou anão ficar no Rio e ir para São Paulo, que consideravamais promissora.

“Era para cá (São Paulo) mesmo que eu já viria, paraficar perto da música de Itamar Assumpção e ArrigoBarnabé, da vanguarda paulistana. Eu sabia que haviamesmo mais espaço para o tipo de música que eu fazia eainda faço, MPB com raízes nordestinas”.

Havia, mas logo depois deixou de haver, quando fe-chou o Teatro Lira Paulistana, onde nasceu um movi-mento musical de vanguarda em São Paulo lançandoos artistas citados e ele via a cidade como o local ondetalvez pudesse ter mais chance. “Os espaços mais intelec-tualizados e alternativos, onde tocavam artistas tipo Mu-lheres Negras, Luni ou os remanescentes da chamadavanguarda paulistana, me viam como nordestino demaisou um nordestino a mais. E os lugares de música nordes-tina, as casas de forró, me viam como excessivamentecool, urbano e até experimental. Ao lado do rock, quevivia seu momento de afirmação, a música nordestinahavia se tornado o mainstream”, lembra.

Quatro anos depois, em 1989, ele conheceu outromigrante da música, o maranhense Zeca Baleiro. Eles seidentificaram justamente por não se encaixaram em ne-nhum dos nichos predominantes na música que se fazia emSão Paulo na época e acabariam se tornando parceiros emmúsicas como Mend´ela e Pedra de responsa.

Até de ser “descoberto” pelo mainstream da MPB,Chico, que é formando em jornalismo, trabalhou comorevisor de textos “para sobreviver” enquanto fazia showsem bares e teatros, sempre cantando suas próprias músicas.“Foi assim que consegui divulgar meu trabalho”, lembra.

Dos pequenos aos grandes palcos, Chico César, quelançou seu disco mais recente, De uns Tempos pra Cá,pela gravadora Biscoito Fino, diz que não se preocupaseriamente com as quedas de vendagens de CDs edowloads de música via internet. “Artista nunca ga-nhou muito dinheiro com disco”, afirma.

“Atualmente, é o show que muitas vezes vende o disco.Seja na banquinha que a produção coloca no saguão dolocal do show, seja pela presença do artista em tal praça,

que de alguma maneira sempre mexe com asvendas locais. Os suportes de música vão sempre

mudar, mas nada substitui a presença do artista,a magia que isso envolve e coloca na relaçãoentre quem faz e consome música”.

Já as definições sobre estilo de música continuam in-definidas. “No Brasil, posso ser MPB, nova MPB, regio-nal. Fora do Brasil posso ser world music, latin jazz, newbeats, afro, afro-latino, lusófono. Tem de tudo e maisum pouco. Mas, pra mim, se eu puder e tiver que meencaixar, peço que me considerem MPB”.

E ainda atrapalha? “Se são rótulos que ajudam a en-tender e a encontrar o meu trabalho, vá lá. Mas issomuitas vezes cria ligações empobrecedoras e passa comouma motoniveladora sobre coisas que nem sempre têma ver. Aí atrapalha”, afirma o cantor.

Samba de muitos verõesHá mais de quatro décadas vivendo de música, Mar-

cos Valle vê mais que em simples rótulos, mas em deter-minados nichos do mercado musical, uma boa saídapara músicos que iniciam suas carreiras nos dias de hoje.

Foi por meio de um desses nichos, o da música eletrôni-ca, que ele viu o interesse por sua música no Brasil crescernovamente na década de 90, principalmente para um pú-blico mais jovem, que nem pensava em nascer quando elelançou seu primeiro disco, Samba demais, em 1962.

Formado em piano clássico e teoria musical em 1956,com apenas 13 anos, com os amigos Edu Lobo e DoriCaymmi, ele passou a freqüentar reuniões de bossa novana casa de Vinícius de Moraes, onde conheceu RobertoMenescal, que o levou à gravadora EMI (na época,Odeon). Além de gravar seus próprios LPs, Marcos e seuirmão, o letrista Paulo Sérgio Valle viraram sucesso emoutras vozes, como a de Cauby Peixoto, que em 1965 gra-vou sua Samba de verão que, no ano seguinte, chegou aosegundo da parada nos Estados Unidos com a gravaçãoinstrumental do pianista e organista Walter Wanderley.

Os espaços mais intelectualizados e alternativos,

onde tocavam artistas tipo Mulheres Negras, Luni ou

os remanescentes da chamada vanguarda paulistana,

me viam como nordestino demais ou um nordestino

a mais (Chico César)

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Um caminho simples e difícil de imaginarpara a maioria dos músicos, mas que até para opróprio Marcos Valle foi se perdendo diantedas vendagens milionárias alcançadas prin-cipalmente nas décadas de 80 e início da de90. “Nessa época, as gravadoras eram mais abertas a ar-tistas que talvez não vendessem tanto, mas que eles sa-biam que iam ter uma carreira sólida e iam vender algu-ma coisa, sempre. Foi assim comigo, com o próprio Mil-ton Nascimento (que ajudou a lançar no show Viola

Enluarada, em 1967). A partir de uma época, elas passa-ram a querer vendagens muito grandes, de forma ime-diata. Ao mesmo tempo, os custos de produção aumen-taram. Isso fechou portas que, de uns dez anos para cá,acho que estão se reabrindo através de nichos”, conta omúsico, que nos anos 70 compôs com o irmão várias tri-

lhas de novelas e teve em Bicicleta, de 1981, seu últimohit antes de ser “redescoberto”.

“Hoje, o melhor caminho que eu vejo para os músicosé procurarem um nicho para se apresentarem. Aqui noRio mesmo existem vários, do samba à música eletrônica,passando pela bossa, música pop, regional, e o público quegosta de um estilo musical procura, se interessa, enquan-to veículos de massa, comoo rádio, perderam a força”,avalia ele, que em 1998 foipremiado pela APCA (As-sociação Paulista de Críti-cos de Arte) como melhorarranjador pelo disco Nova

bossa nova, seu primeiro ál-bum de inéditas em 12 anos,lançado originalmente pelagravadora inglesa Far Out.

Nesse meio tempo, gra-vações antigas de sua auto-ria, como Os Grilos/Crickets

sing for Ana Maria, tornavam-se sucesso empistas de dança da Europa e do Japão, o que

acabou ajudando sua volta às gravações e aosouvidos de novas gerações da música brasi-leira. “Eu acho muito válido o recurso dos

remixes, porque a música passando a ser dançante émais um sentido que ela atinge, mais pessoas chegam àsua música. Me levou a trabalhar com vários artistasnovos para mim, como Gabriel, o Pensador, Cidade Ne-gra, Lulu Santos e Bossacucanova”. Além de parcerias,Marcos Valle foi regravado por Caetano Veloso (Samba

de verão, em 2000), e até pela ex-Spice Girl EmmaBunton (Crickets..., em 2004). Já em 1996, o Paralamasdo Sucesso havia regravado Capitão de indústria, da ver-são original da novela Selva de pedra.

Em Recife, o mangue beat refezo faça você mesmoMais do que um nicho, a Nação Zumbi, ainda com

Chico Science e vários outros artistas pernambucanos,sentiram a necessidade de chamar atenção do país paraa cena cultural que era produzida no estado, principal-mente na região metropolitana de Recife, de onde tam-bém vieram o Mundo Livre S/A, Eddie, MestreAmbrósio, veteranos como Erasto Vasconcellos – irmãode Naná -, Lia de Itamaracá, Selma do Coco, os cineas-tas Lírio Ferreira e Paulo Caldas, etc.

“A coisa do mangue beat não se restringiu à NaçãoZumbi ou ao Mundo Livre, era uma cena de muitagente, em cinema, literatura, artes plásticas... E, mes-mo na música, gente que fazia estilos completamentediferentes. O que a gente fez (referindo-se ao mani-festo de lançamento do movimento mangue beat) foi

chamar a atenção do restodo país para uma agitaçãoque já acontecia em Reci-fe. A gente via que todofestival enchia. Tinha al-gumas bandas boas e mui-tas, mas muitas bandas ru-ins, como em todo lugar.Mas dava para sentir queaquilo poderia crescer, oque de certa forma come-çou a acontecer com oAbril pro Rock, que inspi-rou festivais por todo o

Hoje, o melhor caminho que eu vejo para os

músicos é procurarem um nicho para se

apresentarem. Aqui no Rio mesmo, existem vários, do

samba à música eletrônica, e o público que gosta de

um estilo musical procura, se interessa (Valle)

Leo Gandelman se apresenta durante o Búzios Jazz Festival

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Brasil”, lembra Lúcio Maia, guitarrista daNação Zumbi e um dos guitarristas mais influ-entes de sua geração.

“No início, a gente se encontrava emshows de bandas do Rio, de São Paulo,como o Ira! e os Titãs. A partir daí, começamos a fazertambém nosso próprio som. O pessoal da Nação eratodo de Rio Doce (bairro de Olinda), enquanto que oque veio a formar o Mundo Livre, de Barra de Jangada(em Recife). Toquei em várias bandas, com vários no-mes, antes de ser a Nação Zumbi, mas sempre comChico, Dengue (baixista), basicamente o mesmo pes-soal”, lembra.

A mistura de guitarra com a percussão pesada, quecaracterizou a Nação Zumbi, ainda não era um objeti-vo. “A gente não se reuniu já com o intuito de fazer

determinado tipo de som, até porque tínhamos influên-cias diferentes. Mas gostávamos de tocar juntos, que éessencial, e dali fomos naturalmente, formatando o queacabou vindo a ser a banda que está junta até hoje”.

Na época, Lúcio virava-se com guitarras emprestadas,porque a dele, uma Golden, teve o braço empenado “e, aí,não afinava de jeito nenhum”. Foi com o adiantamento dopagamento pelo disco de estréia, Da lama ao caos, queLúcio Maia comprou uma Fender Telecaster, a qual eleaparece tocando nos primeiros clipes da banda, como ACidade e A Praieira.

“Particularmente, gosto dos modelos clássicos daFender e da Gibson, porque, além do padrão de quali-dade, são muito versáteis e, hoje, mais fáceis de encon-trar em Recife. Na época, era complicado. Acho queisso tem a ver com o crescimento que houve naquelaépoca, não só por nossa causa, mas de todos. Lia, porexemplo, hoje vive exclusivamente de sua música, oque não acontecia antes. E nem todos tiveram que des-cer para o Sudeste, como nós fizemos (primeiro para oRio, onde ficava a sede da Sony, sua primeira gravado-

ra, atualmente em São Paulo). Há muita gen-te que está em Recife, como o próprio Mundo

Livre, que nunca saiu totalmente de lá. Issodepende do que você tem como objetivo”,frisa. “O mais importante é que hoje existe

uma cena no Recife que se sustenta, sem tanta depen-dência do Rio ou de São Paulo”.

Além da maior facilidade para adquirir instrumen-tos, hoje a capital pernambucana tem uma casa deshows mega, o Chevrolet Hall, nos moldes das que exis-tem nas metrópoles do Sudeste. Há dez anos, os showsde grande porte ocorriam no Centro de Convenções eno ginásio Geraldão, que não têm acústica específicapara este fim. “Tem que passar por cima quando se mos-trar o trabalho. Até mais tarde, após a morte do Chico,nós às vezes saíamos com um ampzinho, guitarra baixo ebateria e fazíamos uns shows de surpresa na cidade.Tem que mostrar para as pessoas, da melhor maneiraque puder, mas do jeito que puder”.

A importância desempre aprender maisJr. Tostói, por sua vez, sempre tocou com muita gente

diferente. O que sempre foi uma das maiores dificulda-des – e também dos mais prazerosos desafios – para oguitarrista de 37 anos, há cinco anos acompanhandoLenine e ainda tocando, de vez em quando, com sua ban-da Vulgue Tostói. “Tenho que estar sempre aprendendocoisas novas, de acordo com o que o cantor pede, porqueestou ali para solucionar isso para ele. É mais difícil aindaquando a gente tem que tocar uma música já gravada ouque vinha sendo tocada em uma turnê”, conta.

Um dos casos que mais quebraram a cabeça de Jr.aconteceu ao substituir Billy Brandão na banda queacompanhava Paulo Ricardo. “A questão nem é só deharmonia e melodia, mas de uso de timbres, ainda maisentrando no lugar do Billy, que é mestre em tirar sons.Eu tive que aprender todos os macetes que ele usava.Quando toquei com o Lobão, também foi trabalhoso,porque tive que aprender um repertório muito vasto”,diz o músico, que fez alguns shows do Vulgue Tostói comLobão, entre 1999 e 2000.

Antes disso, porém, mas já tocando em uma bandaconceituada no underground carioca (a Juliete, de ondetambém saíram B Negão, César Nine e o baixista BrunoMigliari (Lobão, Frejat, etc.), Jr., que ainda não usava opseudônimo Tostói, passou a estudar harmonia “para en-

Há muita gente que está em Recife, como o próprio

Mundo Livre, que nunca saiu totalmente de lá. Isso

depende do que você tem como objetivo. O mais

importante é que hoje existe uma cena no Recife que

se sustenta (Lúcio Maia)

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tender coisas que eu não entendia, até por-que precisava me comunicar com os outrosmúsicos”, lembra. “Comecei a tocar acompa-nhando discos, de Deep Purple, LedZepellin, Van Halen, coisa de guitarrista.Mas, com o tempo, fui me abrindo para outros tipos demúsica e tocando com outras pessoas vi que me faltavaum conhecimento maior de harmonia”.

Quem despertou o interesse em ‘voltar à escola’na época, por volta de 1993, 1994, foram companhei-ros de banda, como Bruno, que estudava música naUni-Rio. “Fiz aulas particulares de harmonia, que meacrescentaram bastante. Claro que não dispensotudo o que havia aprendido antes, na marra, mas, porexemplo, se meu filho quiser tocar guitarra, vou botarele para fazer, até porque fica mais fácil aprender as-sim”, conclui.

Com Lenine, porém, Jr. nem se preocupa tanto comesta parte. “Ele me chamou pelo jeito que eu já tocavacom o Vugue, com muitos efeitos. No acústico (MTV,recém-lançado), por exemplo, eu, que não sou bem umviolonista, deixei o grosso da harmonia e ritmo com ele,que sempre fez isso, e muito bem, e me concentrei emriffs e melodia. Tambémusei uma craviola de 12cordas, que, pelo tipo desom, entra onde eu pensa-ria em pôr em efeito de pe-dal Chorus”, conta o gui-tarrista, que também jáatuou como produtor – dealgumas faixas de CDs dopróprio Lenine e do discode estréia da banda de surfmusic Netunos, Alto Mar.“Gosto de propor timbresalternativos, riffs diferen-

tes, então acabo estendendo como produtoro trabalho que faço músico, além de apren-

der também”.

O palco no berçoNascer em famílias de músicos, ajudou o desenvolvi-

mento de artistas consagrados de diferentes gerações einstrumentos como o saxofonista Leo Gandelman e o vi-olonista Yamandu Costa. Mais do que “puxar aos pais”, ocrescimento em um ambiente permeado pela música fazcom que se cresça tratando desde criança a música comocoisa de gente grande.

Tradição, renovação e rupturaTudo juntoYamandu, natural de Passo Fundo, no Rio Grande do

Sul, começou a estudar violão aos 7 anos, com o pai AlgacirCosta, líder do grupo Os Fronteiriços, especializado em mú-sica folclórica da região Sul e das zonas de fronteira com Ar-gentina e Uruguai. O contato veio de forma natural, já queYamandu, nascido em 1980, costumava viajar com a famíliapelas cidades onde o grupo do pai se apresentava.

O primeiro aprendizado fora da música do Sul se deu porvolta dos 15 anos, quando, após ouvir Radamés Gnatalli, seinteressou por músicos do resto do Brasil, como BadenPowell, Tom Jobim, Raphael Rabello.

Yamandu prefere não apontar um caminho que con-sidere o melhor a seguir para se tornar músico caso nãoaprendesse a lição em casa. “Não posso dar lição do ca-minho das pedras, não tive formação acadêmica, masme apaixonei pela música e pelo instrumento e tratoesta relação com muita seriedade, pois sempre fui umcurioso não só pela música, mas pelos autores e seus ca-

minhos musicais. Estudaré sempre uma excelentedica, desde que se entre-gue a este ato como tudona vida”, ressalta.

A entrega – mesmo apósa fama que possibilita umaexigência maior por partedo artista – inclui lá suasfrustrações, como em rela-ção à infra-estrutura médiadas casas em que se apre-senta Brasil afora. “Em SãoPaulo e em várias cidades

Moska, antes da fama, sempre quis estar no palco

Ele me chamou pelo jeito que eu já tocava com o

Vugue, com muitos efeitos. No acústico (MTV, recém-

lançado), por exemplo, eu, que não sou bem um

violonista, deixei o grosso da harmonia e ritmo com

ele, que sempre fez isso (Jr. Tostói)

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do estado encontramos excelentes teatroscom qualidade e manutenção. A acústica àsvezes é renegada, mas de qualquer maneiraexiste a preocupação com um bom resultado.Em outros estados, há poucos teatros e algunscom manutenção precária – e isso é lastimável”, analisa.

“Exigir melhores condições, você sempre solicita paraquem te contrata, mas ser atendido é outra etapa do as-sunto, tudo depende do lugar onde se apresenta. Mas jáaconteceu de estar num palco super mambembe e rolarum som de qualidade e também o inverso: estar numasala maravilhosa e o som sair ruim”, completa.

O medo é inimigo da músicaFilho da professora de piano Saloméa Gandelman

(fundadora da Pró-Arte], do advogado especializadoem direito autoral Henrique Gandelman) e pai dotambém saxofonista Miguel, Leo Gandelman se ufanaao falar do assunto. “Pertencer a uma família musical éum grande privilégio! Devo muito à minha família,que além de me ensinar sempre me apoiou em meus

passos na vida. A mesma coisa em relação aomeu filho, sempre procurei incentivá-lo e

apoiá-lo em seu percurso”.Ele não é tão otimista em relação às

mudanças ocorridas no cenário musicaldesde que teve importante participação em uma épocaquando surgiram bares como Mistura Fina e Jazzmaniae o festival Free Jazz. Esses movimentos ajudaram a po-pularizar a música instrumental no Brasil e ele própriochegou a vender 70 mil cópias de seu terceiro disco,Solar, recorde no segmento e marca que hoje é mais doque um disco de ouro.

“Com o aparecimento da tecnologia digital, o merca-do ficou muito pulverizado no que diz respeito à vendade discos e visibilidade de carreira. Tocar em rádio hojeé mais difícil também, pois o jabá ficou cada vez maisinstituído. Com relação a shows, com o fácil acesso detodos a uma multimídia poderosa dentro de casa e coma violência das ruas, as temporadas diminuíram – tudoisso em relação há vinte anos”, afirma o saxofonista, quenão reconhece ‘música instrumental’ como um estilo

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Cinco pecados mortais para iniciantes

Preguiça“Música não é para os preguiçosos; (...) música não é para os

cabeças de vento. Música é um negócio sério” . A declaração dogaitista norte-americano Sugar Blue resume como a preguiça é umpecado mortal para quem quer ser músico. Uma gravação dela foiincluída na introdução do álbum 3 Lugares Diferentes, lançado em1987 pela banda paulistana Fellini. O gaitista é um dos mais reconhe-cidos no universo no blues, e também tocou em Miss you, hit dosRolling Stones no álbum Some girls (1978). O Fellini foi uma dasbandas mais criativas e influentes entre as surgidas no Brasil na déca-da de 80, inclusive em relação à produção – faziam gravações casei-ras bem antes delas se popularizarem. A banda se separou quando omultiinstrumentista Thomas Pappon foi para a Inglaterra, para traba-lhar na BBC.

Os caminhos para um músico iniciante mudam conforme os tem-pos, como demonstram as diferenças entre as histórias de MarcosValle e de artistas recentes. Alguns pecados, porém, são atemporais.Luxúria e vaidade até são permitidos, mas a preguiça é passaportecerto não para o inferno, mas para lugar nenhum mesmo. “Tendouma estrutura mínima em que você pode se ouvir e ser ouvido corre-tamente pelo público, sendo iniciante tem que tocar, não pode terfrescura”, avalia o baterista Cid Boechat, dos Netunos. Ele conseguiuentrar na banda tendo apenas seis meses de aula de bateria, masnão se acomodou e continuou estudando.

AvarezaA única ressalva que ele faz é em relação a casas de show e

contratantes que não cumprem os acordos. “Mas esses se queimamna propaganda de boca a boca. Em Copacabana, tinha uma casaque criou (má) fama por conta disso”. Exemplo avesso da preguiça,ele passou quatro anos tocando simultaneamente em duas bandas,mas recentemente, disposição à parte, teve que largar seu outrogrupo, o glam/hard Cabaret e se dedicar integralmente aos Netunos.

“É uma situação pela qual muitos músicos passam, especialmentebateristas, que são mais raros e, por isso, frequentemente tocam emmais de uma banda. No início, dava para conciliar as duas, mas elascresceram, gravaram disco e eu acabava tendo um show um dia comuma em São Paulo, depois com outra em Minas, com a primeira denovo no Rio e acabei optando pelos Netunos com quem tocava hámais tempo, conta”. A dedicação ao estudo não é apenas para osiniciantes, como atesta o depoimento do produtor do disco de estréiados Netunos, Jr. Tostói, que foi estudar harmonia pra se aprimorarquando já era um guitarrista razoavelmente experiente.

InvejaNada de querer aparecer sozinho. Se unir a outros artistas para

criar um movimento, que não depende de homogeneidade musical,

nem como segmento mercadoló-

gico. “Ela não existe nem como de-

finição de rótulo musical nem

como nicho de mercado, ou seja,

quando falamos em música instru-

mental estamos apenas dizendo

que essas canções não têm letra.

Pode ser clássico, pop rock, etc.”

O palco como

habitat natural

Ainda que indiretamente, uma

influência familiar também levou o

cantor/compositor Paulinho Moska

aos palcos – “A idéia de estar num

palco sempre me acompanhou na

infância”, assume. Idéia que sur-

giu quando acompanhava o pai

que trabalhava em uma casa de

shows no Pão de Açúcar. Vendo os

bastidores dos espetáculos, come-

çou a entender como funcionava a

música profissional. “Aprendi que

há algo de teatro também nos

shows de música. Entendi que o

espetáculo era composto de muitas

coisas que tinham que dar certo ao

mesmo tempo. A equipe técnica é

muito importante e tem que ser

formada por pessoas que sejam de

bom convívio”.

Este princípio, afirma, é o que

leva para exercer sua função de

‘patrão’ dos músicos que o acom-

panham. “Sou amigo da minha

equipe e tento fazer com que eles

se sintam como uma banda, escuto

o que todos pensam, discuto todos

os assuntos com eles. Sei que cada

um é o melhor em sua área. Res-

peito é o mais importante. Existem

várias formas de trabalhar e todas

elas se baseiam na confiança pes-

soal. Começar trabalhando em

grupo me facilitou o entendimen-

to de que todos na equipe são fun-

damentais para o espetáculo”.

Dois grupos, aliás, pelos quais

Moska passou antes de seguir solo.

Antes, estudou teatro na CAL

(Casa das Artes de Laranjeiras),

mas lá mesmo assistiu a uma apre-

sentação do coral Garganta Profun-

da, fez um teste e entrou no grupo,

que chegou a contar com 23 canto-

res. “Havia momentos onde peque-

nas formações (duplas, trios, quarte-

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Saiba o que não é permitido

como foi o caso do mangue beat, conforme ressaltou o guitarrista daNação Zumbi, Lúcio Maia, sobre a união de artistas – não apenasmúsicos – da Grande Recife que acabaram fazendo a cenapernambucana dos anos 90 se tornar conhecida em todo o Brasil,com um banda despertando o interesse para outra. Manifestaçõesartísticas de outros áreas, como o cinema ainda reforçaram o inte-resse, como foi o caso do filme Baile perfumado, de Lírio Ferreira ePaulo Caldas, também de Recife, que incluía músicas comoRisoflora, da Nação (ainda com Chico Science) e Compromisso de

mporte, do mundo livre S/A.Organizar festivais, divulgar na imprensa esses festivais, que, por

ser um evento, tem mais chance de conseguir uma boa divulgaçãodo que shows isolados de músicos iniciantes. Além disso, acabadivulgando vários músicos ou bandas de uma só tacada. Mais umavez, a região metropolitana de Recife é referência, tendo o festivalAbril Pro Rock ajudado várias bandas como Eddie, MestreAmbrósio e Jorge Cabeleira e o Dia em que Seremos Inúteis a apa-recer para o resto do Brasil, especialmente quando, calcado nosucesso local das primeiras edições, o produtor Paulo André conse-guiu o apoio da MTV, o que garantiu ampla cobertura da emissora –na época, em meados dos anos 90, fazendo bem mais jus ao M donome e bem mais influente neste aspecto.

IraA ira também não é recomendável e – ainda que com tensões de

âmbito profissional – a boa relação em um grupo de músicos éfundamental, como em qualquer ambiente de colegas que traba-lhem juntos e, portanto, convivam, como ressaltou Paulinho sobresua amizade com os integrantes de sua banda. Nomes à parte, abanda Ira! também não faz jus neste caso, felizmente para EdgardScandurra e Nasi, amigos desde o colégio.

SoberbaRelações conturbadas são um luxo reservado a músicos milioná-

rios e com atividades em conjunto esporádicas, como PeteTownshend e Roger Daltrey, do The Who. A inimizade com ovocalista Ian Gillan fez com que o guitarrista Ritchie Blackmore, hámais de dez anos, se afastasse (definitivamente?) do Deep Purple,que fundou em 1968. E um desentendimento por falta de créditosafastou Jards Macalé de Caetano Veloso, logo após a parceria –Caetano como cantor e compositor, ele como produtor einstrumentista – que resultou no maravilhoso álbum Transa, de 1972.Caetano e Macalé já tinham carreiras estabelecidas, mas músicosiniciantes que racham a banda no primeiro ensaio na garagem po-dem abortar de cara suas pretensões. Tocar com amigos, comogostar de exaltar B.B. King, é um prazer que também pode serprático e evitar este pecado mortal.

tos, quintetos…) também se apresen-

tavam. Uma dessas era justamente

com os três cantores que saíram do

Garganta para formar o Inimigos do

Rei – o espírito teatral do Inimigos

vem desse casamento da CAL com o

Coral”, lembra. “Nunca estudei can-

to, mas no Coral Garganta Profunda

os ensaios eram bem rigorosos, com

exercícios de relaxamento e alguma

técnica. Isso me ajudou muito, estu-

dar é sempre bom, mas não sei se é in-

dispensável, há tantas formas de se

cantar que fica difícil dizer isso. Não

tem regra”, fala sobre sua formação.

A carreira-solo começou a se dese-

nhar durante os quatro anos em que

esteve com os Inimigos e, em quartos

de hotéis durante as turnês, escrevia

canções que não se encaixam no esti-

lo do grupo. “O humor tinha que pre-

valecer e eu não queria passar a vida

toda tendo essa obrigação. Os inte-

grantes discordaram de mim em rela-

ção à mudança e eu me vi obrigado a

sair do grupo. Foi algo natural.”

O cantor também encara de for-

ma natural os momentos de maior e

menor sucesso da carreira. “O fato de

algumas músicas minhas terem toca-

do em rádio e novela me ajudou a

construir uma carreira onde eu pude

me dar o direito de experimentar.

Nunca tive uma exposição do nível

de um Roberto Carlos, e isso também

colaborou para que tivesse calma e

tranqüilidade para administrar mi-

nha carreira. Pude desenvolver uma

assinatura e isso demora mesmo, ain-

da me sinto no meio do processo”.

Quanto a comparações com o antigo

grupo, ele considera que “ninguém

esperava de mim algo parecido com o

Inimigos, isso nunca passou pela mi-

nha cabeça na minha carreira-solo.”

A calma de Moska só desaparece

quando o assunto são as finanças e a

obrigação de administrar a carreira.

“Sou paranóico com dinheiro, detesto

dívidas. Tive que dar um upgrade no

escritório para funcionarmos como

selo, editora e produção de shows.

Até agora tem andado tudo muito

bem, na verdade, está melhor do que

quando eu estava contratado por uma

gravadora. Mas dá trabalho.

* Nos bailes da vida - Milton Nascimento/Fernando Brant