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VIII EXAME DE ORDEM UNIFICADO Coordenação Pedagógica OAB COMPLEXO EDUCACIONAL DAMÁSIO DE JESUS 2ª Fase OAB – EXAME 2012.2 DIREITO TRIBUTÁRIO - 2ª Fase 2012.2 Material Professor - Caio Bartine PRINCÍPIO DA TIPICIDADE CERRADA E ABERTA ARTIGO 01 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS: A LEGALIDADE PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA POR FLÁVIA MATOS O princípio da legalidade tributária ou princípio da legalidade estrita ou princípio da reserva legal é um dos alicerces do Estado Financeiro e é consagrado pela Constituição de 1988 no artigo 150, I que estatui: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei anterior que o estabeleça”. O Código Tributário Nacional, também, expressa o princípio da legalidade em seu artigo 97. Conforme o dispositivo, da mesma forma que só é possível criar ou majorar tributos por meio de lei, também só é possível diminuir ou isentar tributos, perdoar débitos, descrever infrações e cominar sanções, criar obrigações acessórias e etc., por meio de lei. “Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: I - a instituição de tributos, ou a sua extinção; II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo; IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.” Assim, a partir do princípio da legalidade verifica-se só ser possível a instituição ou majoração de tributos por meio de lei formal. Porém, o Supremo Tribunal Federal, estabeleceu que a medida provisória, por ter força de lei, também supre a exigência.(RE nº. 138.284/CE Rel. Min. Carlos Velloso, RTJ 143/313, j. 1º/7/92)

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VIII EXAME DE ORDEM UNIFICADO Coordenação Pedagógica OAB

COMPLEXO EDUCACIONAL DAMÁSIO DE JESUS 2ª Fase OAB – EXAME 2012.2

DIREITO TRIBUTÁRIO - 2ª Fase 2012.2

Material Professor - Caio Bartine

PRINCÍPIO DA TIPICIDADE CERRADA E ABERTA

ARTIGO 01

OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS: A LEGALIDADE

PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA POR FLÁVIA MATOS

O princípio da legalidade tributária ou princípio da legalidade estrita ou princípio

da reserva legal é um dos alicerces do Estado Financeiro e é consagrado pela Constituição de

1988 no artigo 150, I que estatui:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é

vedado a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei anterior que o estabeleça”.

O Código Tributário Nacional, também, expressa o princípio da legalidade em

seu artigo 97. Conforme o dispositivo, da mesma forma que só é possível criar ou majorar

tributos por meio de lei, também só é possível diminuir ou isentar tributos, perdoar débitos,

descrever infrações e cominar sanções, criar obrigações acessórias e etc., por meio de lei.

“Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;

II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos

21, 26, 39, 57 e 65;

III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o

disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;

IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o

disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus

dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;

VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou

de dispensa ou redução de penalidades.”

Assim, a partir do princípio da legalidade verifica-se só ser possível a instituição

ou majoração de tributos por meio de lei formal. Porém, o Supremo Tribunal Federal,

estabeleceu que a medida provisória, por ter força de lei, também supre a exigência.(RE nº.

138.284/CE Rel. Min. Carlos Velloso, RTJ 143/313, j. 1º/7/92)

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Só que a partir da edição da EC nº32/2001, que alterou o artigo 62 da CF,

impõe-se que a majoração ou a instituição de impostos por meio de MP só começará a

produzir efeitos no exercício financeiro seguinte, com a condição de ter sido convertida em lei.

“Além disso, essa mesma EC exige que as MP’s sejam convertidas em Lei, no

prazo de 60 dias de sua publicação, prorrogáveis por tal igual prazo, sob pena perda da sua

eficácia. E ao contrário da limitação da eficácia do parágrafo anterior, aplicável tão somente

aos impostos, a exigência da conversão em Lei no prazo máximo de 120 dias aplica-se a todos

os tributos.”¹

Desta forma, o princípio da legalidade vêm a fim de salvaguardar a segurança

jurídica e os ideais de justiça, impedindo que o Poder Executivo pudesse, livremente, fixar ou

majorar os tributos. Assim, este princípio trata de garantir que sejam os próprios cidadãos, por

meio de seus representantes, determinem a repartição da carga tributária, e, em conseqüência,

os tributos que, de cada um deles, podem ser exigidos.

Dentro do princípio da legalidade tributária, existem três subprincípios, são

eles: a superlegalidade, a reserva da lei e a tipicidade tributária.

→ Subprincípio da superlegalidade à indica estar a lei formal vinculada às

normas superiores da Constituição Federal, e se houver contraste entre as regras financeiras e

as do texto fundamental haverá controle jurisdicional.

→ Subprincípio da Reserva da lei à indica que só a lei formal pode exigir ou

aumentar tributo. Ou seja, por este subprincípio, a legalidade tributária além de necessitar de

um comando abstrato, impessoal e geral(reserva de lei material), necessita que o comando

seja formulado por órgão titular de função legislativa(reserva de lei formal).

→ Subprincípio da tipicidade tributária à trata-se do conteúdo da norma. Assim,

a lei há de delinear todos os aspectos típicos do tributo, como o fato cuja ocorrência fará surgir

o dever de pagar o tributo(hipótese de incidência); estabelecer a base de cálculo; prever a

alíquota; além de indicar o sujeito passivo da obrigação tributária.

O subprincípio da tipicidade pode ter duas facetas distintas: a tipicidade

fechada ou cerrada, ou a da tipicidade aberta.

Tipicidade fechada - a lei não pode definir genericamente os aspectos típicos

do tributo, de forma que se possa tentar dar uma interpretação extensiva e diferenciada,

tentando adaptar o fato descrito ao caso concreto, pois esta prerrogativa dada ao

administrador, ao magistrado, ou intérprete, seria uma forma de burlar a lei e gerar uma

insegurança jurídica. Assim, a tipicidade tributária deveria ser descrita de forma precisa,

taxativa, que não permita dúvidas ou interpretações ampliativas.

Tipicidade aberta - é a mais utilizada, atualmente, nos compêndios jurídicos.

Permite-se uma flexibilidade do tipo legal, de forma a adaptá-lo aos valores da capacidade

contributiva e da isonomia, buscando assim uma relação tributária mais justa e igualitária.

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O princípio da legalidade tributária não comporta exceções referentes a criação

de tributos, porém comporta casos em que as alíquotas podem ser majoradas por instrumentos

que não a lei:

“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

I - importação de produtos estrangeiros;

II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;[...]

IV - produtos industrializados;

V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores

mobiliários; [...]

§ 1º - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites

estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.

[...]”

O parágrafo 1.º, do art. 153, da CF, enumera os impostos que, atendidas as

condições e os limites estabelecidos em lei, podem ter suas alíquotas alteradas pelo Poder

Executivo: o Imposto sobre importação (II), o Imposto sobre exportação (IE), o Imposto sobre

Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

Essa possibilidade existe, por conta da característica de extrafiscalidade que

tais impostos possuem, ou seja, além da mera função arrecadatória (fiscal), servem como

instrumento de atuação do Governo Federal em situações pertinentes à economia (balança

comercial, mercado financeiro, nível da atividade industrial, etc.).

Há quem considere tal dispositivo como uma exceção ao princípio da

legalidade. Tal entendimento, entretanto, não é pacífico, haja vista que, há uma expressa

alusão no texto do dispositivo “...às condições e os limites estabelecidos em lei...”. Desta forma,

mesmo essa flexibilidade concedida ao Executivo deve obediência às prescrições legais,

conforme argumentam os doutrinadores da corrente contrária.

Além dessas exceções, a Emenda Constitucional 33/2001 criou mais uma

exceção, referente a permissão a qual pode ser reduzida e restabelecida a alíquota da

Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) em relação às atividades de

importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e

álcool combustível por ato do Poder Executivo, conforme o dispositivo artigo 177 §4º da

CRFB/88.

Cumpre ressaltar que o Princípio da Legalidade Tributária alcança todos os

tributos, abrangendo os impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios,

impostos extraordinários, contribuições para fiscais e as contribuições presentes no artigo 149

da Constituição Federal.

Bibliografia:

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¹ Lodi, Ricardo. Apostila de Direito Tributário e Finanças Públicas I

Latin, Quartier. Curso de Direito Tributário Brasileiro

Baleeiro, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar.

(http://academico.direito-

rio.fgv.br/wiki/Os_princ%C3%ADpios_constitucionais_tribut%C3%A1rios:_a_legalidade)

Artigo 02

A TIPICIDADE CERRADA FRENTE AOS ASPECTOS GERAIS DAS NOVAS

RELAÇÕES COMERCIAIS E CIVIS

Conforme pode ser verificado nos capítulos antecedentes, a imposição

tributária (obrigação tributária) nasce peremptoriamente da lei, que ainda é responsável por

definir o fato gerador, sua base de cálculo, alíquotas e suas hipóteses de incidências, inclusive,

disciplina suas formas de presunção, ou seja, a lei é que define, além o núcleo elementar do

fato gerador, todas as formas de incidência de tributos, a qual tipifica a relação tributária entre

credor e devedor.

A tipicidade cerrada nada mais é que elemento da legalidade, ou seja, presente

tipicamente no direito público, a lei deve definir e fechar todos os elementos formadores do

tipo, semelhante ao direito penal, de maneira que as hipóteses da incidência do tributo devem

estar prescritas em lei.

A tipicidade é derivada da legalidade, enquanto esta última está ligada

intimamente à lei à tipicidade está ligada à forma, ou seja, a maneira de se aplicar a imposição

tributária, vale dizer que o elemento do tipo na cobrança de tributos deve ser rigorosamente

legislada, inclusive em relação a sua própria formação. O ilustre professor Sacha Calmon

Navarro Coelho, traduz com exatidão este conceito, in verbis:

“Por primeiro, é preciso dizer que enquanto a legalidade formal diz respeito ao

veículo (lei), a tipicidade entronca com o conteúdo da lei (norma). O princípio da tipicidade é

tema normativo, pois diz respeito ao conteúdo da lei. O princípio da legalidade originariamente

cingia-se a requerer lei em sentido formal, continente de prescrição jurídica abstrata.

Exigências ligadas aos princípios éticos da certeza e segurança do Direito, como vimos de ver,

passaram a requerer que o fato gerador e o dever tributário passassem a ser rigorosamente

previstos e descritos pelo legislador, daí a necessidade de tipificar a relação jurídico-tributária.

Por isso, em segundo lugar, é preciso observar que a tipicidade não é só do fato jurígeno-

tributário como também do dever jurídico decorrente (sujeitos ativos e passivos, bases de

cálculo, alíquotas, fatores outros de quantificação, quantum debeatur – como, onde, quando

pagar o tributo). Tipificada, isto é, rigorosamente legislada, deve ser a norma jurídico-tributária,

por inteiro, envolvendo o descritor e o prescritor, para usar a terminologia de Lorival Vilanova.

Assim, se a lei institui imposto sem alíquota, não pode a Administração integrar a lei. Esta

restará inaplicada e inaplicável...

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Em terceiro lugar, a tipicidade tributária é cerrada para evitar que o

administrador ou o juiz, mais aquele do que este, interfiram na sua modelação, pela via

interpretativa ou integrativa. Comparada com a norma de Direito Penal, verifica-se que a norma

tributária é mais rígida. No Direito Penal, o nullum crime nulla poena sine lege exige que o

delito seja típico, decorra de uma previsão legal precisa, mas se permite ao juiz, ao sentenciar,

a desometria da pena, com relativa a liberdade, assim como diminuir e afrouxar a pena a

posteriori. No Direito Tributário, além de se exigir seja o fato gerador tipificado, o dever de

pagar o tributo também deve sê-lo em todos os seus elementos, pois aqui importantes são

tanto a previsão do tributo quanto o seu pagamento, baseado nas fórmulas de quantificação da

prestação devida, e que a sociedade exige devam ser rígidas e intratáveis.” (COELHO: 2002,

199/200)

O direito tributário não admite ficções, se não às definidas em lei, ou seja, o

trabalho do agente público é vinculado à norma, não cabe a este entender pela incidência de

determinado fato gerador se este mesmo fato não está previsto na hipótese legal, assim, por

força do princípio da estrita legalidade e da tipicidade cerrada, o surgimento da obrigação

tributária depende de que se realize em concreto a hipótese prevista abstratamente na lei de

incidência do tributo.

O emprego do fato à norma deve ser completo, ou seja, o evento ocorrido tem

que, obrigatoriamente, satisfazer todos os critérios identificadores tipificados na norma, sob

pena de não se configurar a mencionada incidência.

O fato gerador do tributo deve ser descrito inteiramente na norma, não cabendo

ao intérprete (autoridade fiscal), por analogia, encontrar tipos implícitos e ocultos ou situações

semelhantes para criar hipóteses de incidência ou presumir, em seu próprio beneficio (in casu

o Estado), determinado ato ou fato que se traduz em ficção.

E este tem sido o entendimento da doutrina clássica, como pode ser observada

em breve exposição do Ilustre Professor Alberto Xavier, em artigo publicado em 1978, in verbis:

“E daí que as normas que instituem sejam verdadeiras normas de decisão

material (Sachentscheidungsnormen), na terminologia de Werner Flume, porque, ao contrario

do que sucede nas normas de ação (Handeungsormen), não se limitam a autorizar o órgão de

aplicação do direito a exercer, mais ou menos livremente, um poder, antes lhe impõem o

critério da decisão concreta predeterminando o conteúdo de seu comportamento.”(XAVIER:

1978, 39)

Neste mesmo sentido e citando as lições do próprio Professor Alberto Xavier,

Yonne Dolácio de Oliveira assim conclui:

“Em decorrência da exigência de definição do fato gerador, isto é, da

delimitação exaustiva dos elementos da hipótese de incidência e pelo princípio da implicação

dupla, como necessário, vale dizer, únicos e exclusivos para gerar a conseqüência da

combinação dos arts. 97 e 114 do CTN vemos que estão acolhidos, na matéria em exame, os

princípios dogmáticos bem expostos por Xavier ao cuidar da tipicidade.

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a) princípio da determinação, segundo o qual é necessário que os elementos

integrantes da hipótese de incidência ou fato-tipo legal sejam precisos e determinados, e

assim, o conteúdo da decisão se encontra rigorosamente delimitado na lei ordinária;

b) o princípio do exclusivismo, isto é, sendo os elementos da hipótese de

incidência, únicos e exclusivos para desencadear a conseqüência ou estatuição, isto importa

em que a lei ordinária contém uma valoração definitiva das situações jurídicas dessa hipótese.”

(DOLACIO: 1981, 508)

A doutrina moderna tem confirmado tal posicionamento, em que não basta a

norma formal ou material em definir apenas a criação do tributo, é necessário, contudo, que

defina também suas hipóteses de incidência e todos os elementos da obrigação tributária, em

proteção a eventual arbitrariedade da autoridade fazendária na cobrança de tributos. Neste

sentido, afirma o Ilustre Professor Luiz Emigdio da Rosa Junior, in verbis.

“(...) Assim, segundo o princípio da tipicidade da tributação não basta

simplesmente exigir-se lei formal e material para a criação do tributo, porque tais exigências

não contentam ao moderno Estado de Direito no que concerne à proteção do contribuinte em

face do poder impositivo do Estado. Há necessidade, ademais, que a lei instituidora de tributo

defina tipo fechado, cerrado, todos os elementos da obrigação tributária, de modo a não deixar

espaço algum que possa ser preenchido pela Administração, em razão da prestação tributária

corresponder a uma atividade administrativa vinculada (CTN, art. 3.º). Desse modo, a lei formal

deve conter a hipótese de incidência sob todos os seus aspectos: objetivo, subjetivo, espacial,

temporal e valorativo.” (ROSA: 2007, 233)

Em razão dos princípios citados, que integram todo o sistema tributário

nacional, a analogia, como técnica de hermenêutica jurídica, só é possível se aplicada em favor

do sujeito passivo, como por exemplo, na retroatividade da lei tributária que só é aplicada de

forma benéfica ao sujeito passivo, na interpretação da imunidade que deve ser sempre

interpretada extensivamente em favor do contribuinte e a lei que cria a obrigação tributária

deve ser interpretada sempre de maneira restrita.

Por conseqüência lógica e por aplicação reflexa dos citados princípios, vigem

nos lançamentos fiscais e nos conseqüentes processos administrativos, o princípio da verdade

material, que, segundo o qual, a imposição tributária somente valerá se o evento previsto como

fato gerador (este definido em lei) efetivamente existir.

Na aplicação dos mencionados princípios, o que se verifica é que o direito

tributário é incompatível com as presunções sem condições, uma vez que isso resultaria em

ofensa ao princípio da estrita legalidade e da tipicidade cerrada, criando, por conseqüência

uma ficção não admitida em lei.

O que se verifica na verdade, é que o próprio Estado está sujeito às suas

próprias regras, ou seja, da mesma forma que é definido a hipótese e a forma da incidência do

tributo, o respeito à legislação deve ser observado inicialmente através do próprio Estado. O

ilustre jurista Alfredo Augusto Becker, em sua famosa obra Teoria Geral do Direito Tributário,

assim assevera, in verbis:

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“(...) O Estado cria regras jurídicas com a finalidade de garantir a continuidade

de sua relação constitucional, noutras palavras, a regra jurídica foi criada porque o Estado a

julgou necessária à sua sobrevivência. Ora, estabelecer, com o apontado objetivo, uma regra

de conduta para si próprio, e não se sujeitar a mesma, importa em não existir aquela regra de

conduta, em virtude da prática de dois atos diretamente contraditórios. A contradição torna

impossível a existência de qualquer sistema jurídico.” (BECKER: 2007, 222/223)

Ou seja, o respeito a todas as normas e leis editadas resulta primordialmente

na aplicação do princípio da tipicidade cerrada, pois é o tipo fechado definido na lei que

autoriza a cobrança de tributos. Caso não exista essa correlação substancial entre o fato

conhecido e o fato desconhecido, a imputação da conseqüência jurídica ao fato conhecido não

se dará por presunção, mas por força de outra figura que é a ficção.

E é com este posicionamento que a jurisprudência é pacífica em apontar a

invalidade do ato administrativo, por falta de motivação, além de, em reiteradas decisões,

desconstituírem lançamentos fundados em meras presunções, in verbis:

TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGENCIA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO.

TRIBUTO DECLARADO INCONSTITUCIONAL. JUROS DE MORA. TERMO INCIAL.

(...)

3. O art. 167 do CTN, que trata da incidência dos juros moratórios na repetição

de indébito, não faz qualquer distinção quanto à origem do pagamento indevido, se decorrente

da ilegalidade ou inconstitucionalidade do tributo. É regra de hermenêutica, não cabe ao

intérprete distinguir onde a lei não distingue, principalmente em matéria tributária, que,

assim como no Direito Penal, se socorre do princípio da legalidade e da tipicidade

cerrada.

(...)

5. Agravo regimental improvido.

(Superior Tribunal de Justiça: 2006)

Inclusive, os próprios órgãos administrativos colegiados de julgamento

tributário, in casu o Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, também adota a

aplicação do mencionado princípio da tipicidade cerrada, conforme se depreende:

PROCESSUAL. MULTA. ENQUADRAMENTO. TIPICIDADE CERRADA. Os

fatos acusados como infração deverão estar necessária e suficientemente enquadrados no tipo

legalmente descrito, sob pena de afronta ao princípio da tipicidade cerrada indispensável para

sustentar a pena aplicada. Recurso negado (Conselho de Contribuinte do Ministério da

Fazenda: 2004)

IRPJ – PERDAS DE CAPITAL – FUNDAMENTO LEGAL INFRINGIDO – Por

afetar direito patrimonial do administrado e, em respeito ao princípio da legalidade e tipicidade

cerrada, somente poderá ser cobrado tributo quando o evento do mundo fático se subsumir

integralmente à hipótese abstrata esculpida na lei.

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TRIBUTAÇÃO DECORRENTE A decisão proferida no lançamento principal

estende-se aos lançamentos decorrentes, ante a relação de causa e efeito que os une.

(Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda: 2003)

Desta forma, conforme se observa, o entendimento no ordenamento jurídico

sobre a aplicação do princípio da tipicidade cerrada é pacífica, o que não se admite, por

conseqüência, a aplicação de ficções pela fiscalização para a formalização do fato gerador.

No entanto, diante deste mundo moderno onde a velocidade das informações

passou a ser o ponto crucial da própria evolução humana, seja por meio da internet, bolsa de

valor, etc., novos conceitos de negócios estão surgindo, de forma muita mais rápida e eficaz

que a produções legislativas, vale dizer que as relações civis e comerciais evoluem a tal ponto

que quase que sempre tais leis restam desatualizadas.

Neste papel, o Estado, em sua notória voracidade arrecadatória muitas das

vezes ignora o princípio da legalidade tributária estrita (inclusive a espécie que é o princípio da

tipicidade cerrada), para promover autuações baseadas em ficções inadmissíveis, resultado da

interpretação (distorção) analógica da lei.

Independente da importância que tem o tributo no sustento da máquina pública,

inclusive em relação aos projetos sociais que visam erradicar a pobreza, a fome, a

desigualdade social nas concepções assistencialistas, os princípios e fundamentos do direito

sempre devem ser respeitados, em decorrência de que o Estado está para o povo e não o

povo para o Estado.

A inobservância à lei por parte do Estado não condiz com os fundamentos de

um Estado livre, que deve ser perquirida por todos, objetivo inclusive de aprimoramento da

democracia, sob pena de se transformar em um Estado ditatorial sem qualquer respeito às

garantias fundamentais.

E é sob esta égide que a sociedade brasileira e seu sistema jurídico são

fundados, ao qual no preâmbulo da Constituição da República de 1988, define a instituição de

um Estado Democrático, que visa assegurar ambos os direitos, individuais e sociais, e, aponta

ainda, em seu primeiro artigo como fundamento à República os valores sociais do trabalho e da

livre iniciativa, o que coaduna apenas no modelo econômico capitalista.

Desta forma, há de ser sempre conjeturado o ideal da liberdade, sob pena de

extrapolação do estado democrático de direito, pois como já afirmado, o Estado serve o povo e

não o povo serve o Estado.

AUTOR Yhel Esteves

26/08/2009

(Trecho de um capítulo da monografia entregue na pós-graduação).

http://yhel.adv.br/tipicidade.html

Artigo 03

Princípios Constitucionais Tributários

1. Conceito de princípios:

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Princípios são regras que servem de interpretação das demais normas

jurídicas, apontando os caminhos que devem ser seguidos pelos aplicadores da lei. São as

vigas mestras do edifício jurídico; são vetores para soluções interpretativas. São regras que por

terem âmbito de validade maior, orientam a interpretação de outras regras, inclusive das regras

constitucionais.

Se uma norma possuir uma pluralidade de sentidos, prevalecerá aquela que

esteja de acordo com os princípios constitucionais.

Princípio da Legalidade

1. Abrangência:

O princípio da legalidade não é um principio exclusivamente tributário, em

razão da universalidade da legislação. “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer

alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II da CF).

Desta forma, só a lei obriga validamente as pessoas. Antigamente dizia-se que

a lei obrigava as pessoas porque era a expressão da razão humana, mas hoje é porque ela é

presumidamente a expressão da vontade da maioria. O Princípio da legalidade é fundamento

do estado democrático de direito.

Quando o princípio da legalidade menciona “lei” quer referir-se a todos os atos

normativos primários que tenham o mesmo nível de eficácia da lei ordinária. Não se refere aos

atos infralegais, pois estes não podem limitar os atos das pessoas, isto é, não podem restringir

a liberdade das pessoas.

Não pode haver lei sem a vontade concordante do Poder Legislativo, mas pode

haver lei sem a vontade concordante do Poder Executivo. Ex: Veto do Presidente da República

derrubado pelo Legislativo.

2. Princípio da estrita legalidade ou reserva absoluta de lei formal:

Ao se afirmar que a matéria tributária esta sob reserva de lei, quer-se apenas

dar um reforço, pois toda matéria esta sob reserva de lei.

Segundo Geraldo Ataliba, em matéria tributária vigora o principio da estrita

legalidade ou da reserva absoluta da lei formal, pois a legalidade no campo tributária é mais

rígida até mesmo que em matéria penal. A lei penal é aplicada ao caso concreto pelo juiz com

uma certa discricionariedade (baseado nas circunstâncias judiciais), já a lei tributária é aplicada

pelo agente fiscal ou pelo juiz sem qualquer discricionariedade. Ex: Agente não pode alterar

alíquota com base na situação econômica do contribuinte.

3. Tipicidade fechada:

No Princípio da legalidade, está presente a tipicidade fechada, uma vez que os

tipos tributários devem ser minuciosos, não deixando espaços para discricionariedade e nem

para a analogia, salvo “in bonan parter”.

Se a norma não descrever com detalhes o tributo, não poderá ser cobrado por

insuficiência do tipo. Não pode haver normas tributárias em branco.

4. Princípio da legalidade em matéria tributária:

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O constituinte reforçou o princípio da legalidade no artigo 150, I da Constituição

Federal, ao dispor que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios

exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça.

Da mesma forma que só é possível criar (editar norma jurídica com todos os

seus aspectos) ou majorar (alterar para mais a sua alíquota ou base de cálculo) tributos por

meio de lei, também só é possível diminuir ou isentar tributos, perdoar débitos, descrever

infrações e cominar sanções, criar obrigações acessórias e etc, por meio de lei (art. 97 do

CTN).

5. Aparente exceção ao Princípio da legalidade:

- É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites

estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos seguintes impostos (art. 153, §1º da CF): Imposto

sobre importação (II), imposto sobre exportação (IE), imposto sobre produtos industrializados

(IPI), imposto sobre operações financeiras (IOF).

O Poder Executivo é exercido pelo Presidente e Ministros de Estado, mas só o

Presidente pode alterar as alíquotas dos impostos, através de decretos. É facultada a alteração

das alíquotas destes impostos, pois a obtenção do tributo tem finalidade de fomentar a prática

ou abstenção de determinados atos.

É importante ressaltar que o Presidente embora possa alterar as alíquotas dos

impostos, não pode alterar a base de cálculo e nem mesmo criar tributos. Portanto, o artigo 21

do Código Tributário Nacional não foi recepcionado.

- “A alíquota de contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE)

relacionada à atividade de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás

natural e seus derivados e álcool combustível pode ser alterada por ato do Presidente” (art.

177, §4º, I, “b” da CF).

- As alíquotas do ICMS sobre combustíveis e lubrificantes serão definidas,

mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, mediante convênios, conforme o que

dispõe o artigo 155, §4º da CF. Poderão ser reduzidas e restabelecidas, não lhes aplicando o

disposto no art. 150, III, “b”.

6. Faculdade regulamentar atrelada ao princípio da legalidade (art.

84, IV CF):

Em matéria tributária, os únicos regulamentos válidos são os regulamentos

executivos ou regulamentos de execução, isto é, aqueles que têm a função de prover a fiel

execução da lei.

Enquanto a lei cria o tributo, o regulamento estabelece os pormenores de

ordem técnica para dar operatividade à lei. Assim, os regulamentos subordinam-se

inteiramente a lei, sem criar ou aumentar tributos e nem estabelecer qualquer ônus que possa

repercutir no patrimônio ou liberdade do contribuinte.

http://www.webjur.com.br/doutrina/Direito_Tribut_rio/Princ_pios_Constitucionais

_Tribut_rios.htm

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Artigo 04

O princípio da legalidade tributária

Está previsto na Constituição: Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias

asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos

Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

Portanto, eu preciso de lei para exigir ou para aumentar tributo. Dizer que um

tributo foi criado ou majorado significa dispor sobre os elementos do tributo, os quais são:

ü Fato gerador – é o fato em virtude do qual eu pago tributo. É o fato que, uma

vez realizado gera a cobrança do tributo.

ü Base de Cálculo – indica o montante, o valor sobre o qual o tributo será

recolhido.

ü Alíquota – é o percentual (geralmente) que eu aplico sobre a base de

cálculo.

ü Sujeitos (passivo e ativo)

Eu digo qual é o fato gerador, quanto eu tenho que pagar pela aplicação da

alíquota sobre a base de cálculo, quem paga (sujeito passivo) e para quem paga (sujeito ativo).

Estabelecer todos esses elementos numa lei significa criar um tributo. Se eu altero um

desses elementos, eu preciso de uma lei porque uma vez que o tributo foi criado por lei, pelo

estabelecimento de todos esses elementos, a alteração, necessariamente deve ser feita por

meio de lei. Aqui está o princípio da legalidade.

• Princípio da tipicidade fechada ou tipicidade cerrada ou da

taxatividade – todos os elementos do tributo (fato gerador, base de cálculo, alíquota e sujeitos)

devem estar exaustivamente previstos em lei.

OBS¹.: Prazo de pagamento é elemento do tributo? O STF entende que o

prazo de pagamento está fora do detalhamento de um tributo. É claro que é importante para

disciplinar, mas não integra o mínimo para criar um tributo. E se não está dentro desses

elementos, a consequência disso é: não precisa ser estabelecido mediante lei. Se eu alterar

um prazo de pagamento, não precisa ser por meio de lei. Além disso, também não precisa

observar nenhum dos princípios constitucionais tributários. Então, o prazo de pagamento está

fora do princípio da legalidade e, portanto, de todos os princípios constitucionais

tributários.

OBS².: Multa é elemento do tributo? Porque a multa implica em perda de

dinheiro de particular para o Estado, ela necessariamente estará prevista em lei porque é

uma obrigação patrimonial, mas dizer que a multa deve estar prevista em lei não significa dizer

que ela faz parte do tributo. A multa é devida pelo descumprimento do tributo, não se

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confundindo com este. Mas, mesmo assim, deve estar prevista em lei. Multa é sanção e

tributo não é sanção. Ela se caracteriza, inclusive, como obrigação tributária principal.

OBS³.: Atualizar monetariamente a base de cálculo, de acordo com os índices

de correção monetária, não é aumentar tributo. Não precisa, pois, ser observado o princípio da

legalidade.

• Instrumento legislativo hábil para majorar/instituir tributo - A regra

para modificação ou criação de tributo é lei ordinária. No entanto, existe na Constituição 2

instrumentos além da lei ordinária, que têm força de lei ordinária, são eles:

ü Lei Delegada – Tem força de lei ordinária e está disciplinada no § 1º, do art.

68, da CF;

ü Medida Provisória – Está disciplinada no § 1º, do art. 62, da CF.

De acordo com o STF, tais instrumentos que têm força de lei ordinária, podem

exigir ou aumentar tributo. Nos artigos supracitados há vedações estabelecendo quais matérias

não poderão ser criadas por lei delegada e por medida provisória. E dentro dessas vedações,

não encontramos o direito tributário. E se o direito tributário não está lá, é porque não há

impedimentos. Então, tanto lei delegada quanto medida provisória podem exigir e

aumentar tributo.

* Exceção: lei complementar: O princípio da legalidade exige que os

elementos do tributo venham mediante lei. A regra é a lei ordinária. Só que além da lei

ordinária, eu posso ter medida provisória e lei delegada porque têm força de lei ordinária. No

entanto, há algumas situações excepcionais, expressamente previstas na CF, em que

determinados tributos devem ser criados mediante lei complementar. Nesse caso, só lei

complementar. Não caberá MP e não caberá lei delegada. Que casos são esses?

1. Criação de empréstimos compulsórios – necessariamente serão

criados por lei complementar.

2. Imposto sobre Grandes Fortunas (se um dia vier a ser criado, tem

que ser mediante lei complementar).

3. Impostos e contribuições RESIDUAIS da União.

• Exceções ao Princípio da Legalidade - alguns dos elementos dos

tributos que não precisam ser alterados mediante lei.

1. II, IE, IPI e IOF - são os impostos extrafiscais. Não têm por função primordial

a arrecadação. Tais impostos são usados conforme a conveniência da economia. Tendo em

vista essa necessidade, a estrita observância do princípio da legalidade engessaria o imposto.

Então, em relação a esses impostos, as alíquotas poderão ser alteradas (mas não criadas)

por decreto do Presidente, sem necessidade de todo o trâmite legislativo.

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2. CIDE-combustíveis - é uma contribuição extrafiscal porque serve para

intervir no domínio econômico. Incide na comercialização e importação de combustíveis. As

alíquotas da CIDE também poderão ser alteradas por decreto.

3. ICMS-combustíveis – é o imposto sobre a circulação de mercadorias que

incide sobre a circulação de combustíveis. A Constituição diz que, em relação a esse imposto,

as alíquotas serão estabelecidas por convênio. A determinação de alíquotas deve ser

proveniente de uma deliberação entre os Estados e o DF.

Direito Tributário pela Profª. Tathiane Piscitelli

http://permissavenia.wordpress.com/2011/01/13/o-principio-da-legalidade-

tributaria/

> -PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE

Artigo 05

TRIBUTOS CUMULATIVOS

João da Silva Medeiros Neto

Consultor Legislativo da Área III Direito Tributário (Câmara dos Deputados)

1. CUMULATIVIDADE E NÃO CUMULATIVIDADE

Diz-se que é cumulativo o tributo que incide em duas ou mais etapas da

circulação de mercadorias, sem que na etapa posterior possa ser abatido montante pago na

etapa anterior. Exemplos típicos destes tributos são a COFINS, a contribuição para o PIS e a

CPMF. O tributo é não-cumulativo quando o montante do tributo pago numa etapa da

circulação da mercadoria pode ser abatido do montante devido na etapa seguinte. Os

exemplos brasileiros são o IPI e o ICMS. O tributo não-cumulativo é quase sempre plurifásico,

mas admite-se que ele possa ser monofásico, como os “excise taxes”, cobrados em outros

países sobre os cigarros e os combustíveis, e os impostos únicos, existentes no Brasil até

1988, incidentes sobre combustíveis, energia elétrica e minerais do País.

Hoje, há cobrança parcialmente monofásica da COFINS e do PIS incidentes

sobre remédios, gasolina, óleo diesel, GLP e álcool combustível, mas não se pode dizer que

nesses casos ocorre nãocumulatividade, pois o montante dessas contribuições cobrado sobre

os insumos adquiridos para a fabricação desses produtos não pode ser deduzido na fase da

cobrança monofásica.

2. ICMS E IPI

Mesmo os tributos não-cumulativos apresentam algum tipo de cumulatividade.

Diz-se que um tributo ficaria mais perto da nãocumulatividade pura se fosse admitido, por sua

legislação, o chamado crédito financeiro. Nesse caso, o montante do tributo incidente sobre

todas as mercadorias adquiridas (inclusive para o ativo permanente e para uso e consumo)

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pode ser aproveitado no pagamento do mesmo tributo devido pelo adquirente. O ICMS admite

o aproveitamento do crédito relativo às aquisições destinadas ao ativo permanente, mas os

créditos referentes aos bens de uso e consumo só poderão ser aproveitados a partir de 2003.

Além disso, há casos em que a incipiente estrutura administrativa do

contribuinte impede o aproveitamento do crédito, tornando o imposto cumulativo. É o que

ocorre, por exemplo, com os pequenos agricultores, adquirentes que são de equipamentos,

sementes, fertilizantes e inseticidas tributados pelo ICMS. Como são incapazes de apresentar

registros de suas operações de compra e venda, deixam de aproveitar o crédito relativo às

entradas. Alguns Estados dão permissão aos agricultores para o aproveitamento de créditos

presumidos, mas, é claro, muitas vezes em valor inferior aos reais.

No outro extremo estão os tributos que adotam a não-cumulatividade parcial,

pois admitem apenas o chamado crédito físico. Nesse caso, o aproveitamento se restringe ao

montante do tributo incidente nas aquisições de bens que se destinam a integrar bens

produzidos e comercializados ou só comercializados pelo adquirente. São, portanto, bens que

entram para sair. É o caso do IPI, que impede, por exemplo, o industrial adquirente de

aproveitar crédito do imposto sobre máquinas e equipamentos sujeitos ao imposto.

3. ISS

O ISS, imposto da competência municipal, apresenta inúmeros exemplos de

cobrança cumulativa. A cumulatividade ocorre quando o serviço é prestado para outra empresa

também prestadora de serviço. Assim, se uma empresa de construção civil constrói ou reforma

um hospital, ou se uma empresa de decoração decora um hotel, o usuário do serviço arca com

o ônus do imposto constante da fatura. Não há permissão para o aproveitamento do imposto e

para o abatimento do ISS devido pelo hospital ou pelo hotel.

4. IMPOSTO DE RENDA

Hoje, a maioria das empresas – excetuadas as enquadradas no SIMPLES –

pagam o Imposto sobre a Renda com base no chamado lucro presumido. O lucro presumido é

calculado através da aplicação do percentual de 8% - regra geral, mas há exceções - sobre a

receita bruta (venda de bens e serviços e o resultado auferido nas operações de conta alheia).

Sobre o resultado aplica-se a alíquota do IR, de 25%. Pode-se dizer, então, que no caso do

lucro presumido estamos diante de um tributo cumulativo, que incide à alíquota de 2% sobre o

faturamento das empresas (nele incluídos o montante do ICMS do PIS e da COFINS).

5. SIMPLES

O SIMPLES, embora contenha uma sistemática tributária simplificadora e

redutora das obrigações financeirofiscais, mostra-se também cumulativo. Uma parcela da

alíquota unificada, aplicada pelas microempresas e pequenas e médias empresas industriais

no cálculo do montante a pagar, é representada pelo IPI. Essas indústrias, no entanto, não

podem aproveitar o crédito relativo ao IPI incidente sobre aquisições, nem seus clientes

compradores podem creditar qualquer parcela da importância por elas paga, a título de IPI.

Esse fato pode retirar das indústrias enquadradas no SIMPLES um dos atrativos dos tributos

não-cumulativos, que é a possibilidade de transferência de crédito do tributo para o adquirente.

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Nesse caso o IPI incidente anteriormente representa custo para a empresa enquadrada no

SIMPLES, e o montante por esta pago a título de IPI (incluído na alíquota unificada) representa

novo custo acrescido ao preço do produto que fabrica e vende.

6. CPMF

A CPMF tem todas as características de tributo cumulativo, quando incide

sobre operação bancária efetuada por empresa. Seu montante agrega-se ao custo de

pagamento de compras, por exemplo, e, por conseguinte, agrega-se ao valor das mercadorias

pagas mediante transação bancária.

7. CUMULATIVIDADE GERAL

Há quem inclua no campo da cumulatividade vários outros tributos suportados

pelas empresas, como, por exemplo, imposto sobre a Importação, o IOF e a Contribuição

Previdenciária paga pelo empregador. Argumenta-se que esses tributos representam custos

para as empresas, devem se levados em consideração na formação dos preços de

mercadorias e serviços e que, portanto, são repassados aos adquirentes e usuários. Nesses

casos a cumulatividade apenas é menos transparente, porque os tributos agregados aos

custos e transferidos ao preços, não estão indicados na nota fiscal de venda ou prestação.

8. PRODUÇÃO OU CONSUMO

O Código Tributário Nacional, amparado no que dispunha a Emenda

Constitucional nº 18, de 1965, classificou os impostos em 4 grupos, e incluiu entre os Impostos

sobre a Produção e a Circulação o IPI, o ICM (hoje, o ICMS) estadual e o municipal (hoje,

inexistente), o IOF, o Imposto sobre Serviços de Transportes e Comunicações (hoje,

acrescentado ao ICMS) e o ISS. Trata-se de uma conceituação mais jurídica do que

econômica, na qual o IOF certamente está mal colocado. Com a Constituição de 1988 esta

divisão perdeu sentido, uma vez que o texto constitucional divide os impostos de acordo com

os entes competentes para instituí-los. Por vezes, no entanto, ouve-se falar em tributos sobre a

produção a propósito do IPI, do PIS e da COFINS. Chega-se mesmo a dizer que a

cumulatividade dessas contribuições onera a produção, como se o IPI, por ser não-cumulativo

não onerasse. Certamente esses três tributos oneram a produção, mas oneram, também, as

fases posteriores da circulação das mercadorias e da prestação dos serviços. Porque se

agrega aos preços dos produtos, o encargo representado pelo IPI, cujo último pagamento

ocorre na fase de industrialização, acompanha a mercadoria até seu consumo. O PIS e a

COFINS oneram a produção e a comercialização, mas sua cobrança cumulativa não pode

esconder o fato de que os pagamentos efetuados em todas as etapas da circulação das

mercadorias serão suportados pelo consumidor final, pessoa física. Todos os intermediários

podem repassar custos – aí incluídos os tributos - ao menos em tese, para a etapa seguinte da

circulação, menos o consumidor final. Por isso costuma-se, mais apropriadamente, chamar

esses tributos, e também o ICMS e o ISS, de tributos sobre o consumo. Deve-se acrescentar

que, nesses casos, a transferência do ônus tributário do vendedor para o comprador é

facilmente perceptível.

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Como quer que seja, chamar qualquer tributo, de tributo sobre a produção ou

tributo sobre o consumo, não tem qualquer efeito jurídico prático. Economicamente falando, no

entanto, melhor será utilizar a segunda denominação.

9. VANTAGENS E DESVANTAGENS

9.1 HISTÓRICO. O primeiro tributo com alguma característica de não-

cumulatividade, embora em ponto específico, foi o antigo Imposto de Consumo (hoje, IPI). A

alteração legislativa ocorreu em meados dos anos 50, e tinha por único objetivo facilitar a

instalação da indústria automobilística. Então, como hoje, incidia apenas nas fases de

industrialização. O primeiro tributo não-cumulativo, incidindo em todas as fases da circulação

de mercadorias foi o ICM (hoje, ICMS), que, em 1967, substituiu o Imposto sobre Vendas e

Consignações – IVC, também estadual, cobrado em cascata, isto é, cumulativamente

. 9.2 CUMULATIVIDADE. Os tributos cumulativos reduzem a eficiência do

investimento, ao provocar a verticalização e a horizontalização das empresas. Isso desestimula

a terceirização e a criação de empresas especializadas na fabricação por exemplo, de insumos

e de produtos intermediários para a indústria. Também elevam a tributação dos bens de

capital, geralmente submetidos a longas cadeias produtivas. A tributação em cascata onera a

exportação e impede a desoneração correta nessas operações. As fórmulas de desoneração

presumida (exemplos: COFINS e PIS) geralmente ficam aquém do montante real do tributo que

onerou as fases anteriores à exportação, devendo a esse fato ainda ser acrescidas as

dificuldades impostas pela legislação e pela burocracia para a devolução do indébito. Se os

montantes das desonerações ultrapassarem os valores realmente devidos, o Brasil poderá ser

acusado, na OMC, de estar incentivando exportações através de método vedado pelas

convenções internacionais.

No mercado interno, o tributo cumulativo onera o produto nacional em todas as

fases da produção e da comercialização, ao passo que os produtos importados são tributados

apenas quando ocorre o primeiro faturamento em nosso território. Acarreta, por conseguinte,

menor tributação sobre o produto importado do que sobre o nacional.

Não obstante o que foi dito dos tributos cumulativos, há quem defenda o

retorno de tributo cumulativo para substituir o ICMS. As alíquotas de um tributo cumulativo

seriam bem mais baixas, o que desestimularia a sonegação. Deve ser lembrado que com a

alíquota de 3%, a COFINS teve R$ 40 bilhões de receita em 2000, contra R$ 82 bilhões do

ICMS, que emprega alíquotas bem mais elevadas. As fraudes relativas às notas fiscais

(primeira via com um valor e segunda com valor menor, emissão por estabelecimento

inexistente e outras) seriam reduzidas porque desapareceria o aproveitamento de crédito.

Seriam reduzidas, também, as fraudes decorrentes do emprego de alíquotas

diferentes nas operações interestaduais (remessa para a Zona Franca de Manaus, com

isenção, e entrega em qualquer ponto do País; remessa para outro Estado e entrega dentro do

Estado; notas fiscais que não correspondem a uma operação e outras).

A complexidade do imposto seria reduzida. Hoje essa complexidade está

traduzida nos inúmeros artigos da Constituição relativos ao ICMS, na intrincada

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regulamentação baixada através da Lei Complementar nº 87, de 1996, nos milhares de

convênios celebrados pelos Estados, nas inúmeras leis e nos massudos regulamentos

estaduais, e nas incontáveis vezes em que o Supremo Tribunal Federal foi chamado para

julgar normas e dirimir conflitos relativos ao imposto (isso, sem contar o número elevado de

feitos nas instâncias inferiores).

9.3 NÃO-CUMULATIVIDADE. Os argumentos em prol da não-cumulatividade

são justamente aqueles que se opõem aos defeitos da cumulatividade. Os tributos não-

cumulativos estimulam a terceirização e a especialização - desestimulando, assim, a

integração vertical e horizontal das empresas – e tornam mais eficazes os investimentos.

Permitem desonerar totalmente os bens de capital e de uso e consumo e, também, as

exportações. Na importação, igualam a carga tributária dos produtos estrangeiros à dos

nacionais. No mercado interno, tornam idêntica a carga tributária de produtos com o mesmo

preço, independentemente do número de fases de produção e comercialização.

10. TRIBUTO SOBRE TRIBUTO

Ao se estudar a cumulatividade e a nãocumulatividade dos tributos, não se

pode deixar de fazer uma referência, ainda que ligeira, ao fato jurídico e ao fenômeno

econômico representados pela incidência de tributo sobre tributo. Fato jurídico, porque a

incidência está prevista em lei, e até mesmo na Constituição (art. 155, § 2º, XI). Por isso está

livre dos vícios da ilegalidade e da injuridicidade.

Fenômeno econômico porque a incidência tem sérias repercussões na

formação de preços, acarretando uma espiral de carga tributária. Não se trata, porém, de

fenômeno semelhante ao da cumulatividade. Os efeitos é que são semelhantes, porque em

ambos os casos o ônus tributário é elevado em decorrência da técnica de tributação

empregada. A seguir, são apresentados alguns exemplos a título ilustrativo.

10.1. IPI E ICMS. O IPI e o ICMS são protagonistas de um caso expressivo de

dupla incidência de imposto sobre imposto. Diz a Constituição que o IPI não integrará a base

de cálculo do ICMS, quando a operação configurar fato gerador de ambos os impostos. O IPI,

no entanto, incide sobre o montante do ICMS agregado ao preço do produto, num caso

flagrante de cobrança de imposto sobre imposto. Por outro lado, o IPI incide nas fases de

industrialização de um produto, mas não nas de comercialização. Isso significa que até a

remessa do industrial para o comerciante, o ICMS não incide sobre o IPI que, convém

relembrar, é calculado por fora. Para o comerciante adquirente, no entanto, o IPI incidente na

aquisição representa custo que se agrega ao valor da mercadoria. Quando ele a revende, no

preço da mercadoria está embutido o montante do IPI, cujo ônus suportou, ao comprá-la. Logo,

torna-se fácil concluir que nessa comercialização o ICMS incide, finalmente, sobre o IPI.

10.2. IPI, PIS, COFINS E ICMS. O IPI não incide apenas sobre o montante do

ICMS incluído nos preços. Incide, também, sobre o montante do PIS e da COFINS, tributos

igualmente cobrados por dentro. Por sua vez, o ICMS incide sobre o montante do PIS e da

COFINS agregados ao preço, e o PIS e a COFINS incidem sobre o montante do ICMS

agregado ao preço e sobre o IPI que acarretou custo na fase de comercialização.

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10.3. ICMS SOBRE ICMS. O ICMS apresenta um outro tipo de cumulatividade

que consiste em incidir sobre o montante dele mesmo, que está embutido na base de cálculo,

isto é, no preço da mercadoria ou serviço. Isso ocorre porque o ICMS é calculado por dentro, o

que torna a alíquota real sempre mais elevada do que a alíquota nominal. Vejam-se os

seguintes exemplos de alíquotas reais correspondentes às alíquotas nominais do ICMS mais

aplicadas.

Alíquotas Nominais Alíquotas Reais

7% 7,52%

12% 13,63%

17% 20,48%

18% 21,95%

25% 33,33%

Ressalte-se, a propósito, que a COFINS e o PIS também são cobrados por

dentro. Como suas alíquotas nominais são de 3% e 0,65%, suas alíquotas reais alcançam

3,09% e 0,654%.

http://www2.camara.gov.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/estnottec/tema20/pdf/108559.pdf

Artigo 06

DIREITO FUNDAMENTAL NÃO-CUMULATIVIDADE NOS TRIBUTOS

SOBRE CONSUMO

Túlio Marcantônio Ramos Filho, Paulo Caliendo Velloso da Silveira.

Mestrando em Direito, Faculdade de Direito, PUC/RS.

Introdução

Trata-se de pesquisa cientifica acerca do conceito, do conteúdo e dos limites

de aplicação da não-cumulatividade nos tributos sobre consumo, em fase as limitações

impostas pela Constituição Federal. A delimitação imposta pela Constituição e, especialmente,

pelo Supremo Tribunal Federal, o qual frequentemente em suas decisões acolhe a restrição ao

princípio não-cumulatividade nos casos expressos no ordenamento pátrio, ou ainda em normas

infraconstitucionais. Logo, ocorrerá a análise de aspectos fundamentais da hermenêutica

jurídica, de modo a estabelecer e explicitar as premissas das quais parte o presente estudo.

Somente após assentar-se as bases interpretativas sobre as quais se funda a pesquisa em tela

será possível o exame dos diplomas legislativos e, conseqüentemente, da construção das

conexões adequadas entre não-cumulatividade, neutralidade fiscal e aproveitamento de

créditos tributários. Passa-se, assim, à averiguação do conceito de sistema, de interpretação

sistemática e da superação das lacunas e antinomias. A hermenêutica jurídica, enquanto

ciência que se preocupa com a interpretação do Direito, tem como objeto de estudo o sistema

jurídico. Segundo Claus-Wilhelm Canaris, as duas características básicas do sistema são:

ordem e unidade A ordem é o atributo necessário à apreensão de uma adequada extensão da

realidade, de modo a atribui-lhes juridicidade, ao passo que unicidade é a nota distintiva que

permite a recondução dos elementos do sistema à uns tantos princípios fundamentais, ainda

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conforme o ensinamento de Canaris Consoante o entendimento do mesmo autor, a ordem

jurídica deriva da própria idéia de justiça, de modo a consubstanciar organização axiológica e

teleológica, ultrapassando-se o paradigma lógico-formal e ao contrário do quis fazer crer o

pensamento jurídico de outrora, especialmente o Positivismo e a Escola da Exegese.

Partindo daí, na tentativa de desconstituir o caráter formalista persistente na

tradição positivista, pretendemos propor uma reformulação de tal mecanismo com base numa

racionalidade de valores. Metodologia Investigação da aplicabilidade do Sistema, Interpretação

sistemática e ponderação, a luz da Jurisprudência dos Tribunais Superiores.

Conclusão

O princípio da não-cumulatividade assegura ao contribuinte nas operações de

venda que promova o ônus do imposto que adiantará ao Estado e, ao mesmo tempo, possa ele

creditar-se do imposto suportado em suas aquisições. Tal tributo não onera, assim, a força

econômica do contribuinte que compra e vende ou industrializa. O direito positivo brasileiro

dispõe em caso de isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação,

que o crédito para compensação será anulado. A condição atribuída a essa regra não inibi ou

retira a eficácia do princípio da não-cumulatividade, infringindo diretamente o princípio da

neutralidade fiscal.

Como limites objetivos de aplicação dispôs, o constituinte de maneira

inconjugável aos próprios fundamentos do Estado Democrático e Social de Direito ao atribuir à

lei complementar critérios formais de limitar o aproveitamento ao crédito que lhe dispuserem.

O entendimento de que a lei ou o fisco é que vão poder disciplinar o gozo

desse direito implica em reconhecer, equivocadamente, que o legislativo ou a administração

pública podem, a seu critério, estreitar ou mesmo esvaziar o princípio da nãocumulatividade.

BIBLIOGRAFIA

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CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na

Ciência do Direito. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1996, p. 25.

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na

Ciência do Direito. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1996, p. 26

FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. 4ª ed. São Paulo:

Malheiros, 2004, p. 54 ss. No mesmo sentido: SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa

Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 6 ed. Porto Alegre: Livraria

do Advogado, 2008, p. 71.

ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro d

Estudios Constitucionales, 1997, p. 138 e 139.

FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. 4 ed. São Paulo:

Malheiros, 2004, p.74.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19 ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2006, p. 104 e 105.

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método I: traços fundamentais de uma

hermenêutica filosófica. Tradução de Flávio Paulo Meurer. 8ª ed. Petrópolis: Vozes, 2007, p.

357.

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação de princípios

jurídicos. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 87 ss;

PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2007, p. 69.

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método I: traços fundamentais de uma

hermenêutica filosófica. Tradução de Flávio Paulo Meurer. 8ª ed. Petrópolis: Vozes, 2007, p.

358.

STRECK, Lenio. Porto Alegre: Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: uma

exploração hermenêutica da construção do Direito. Livraria do Advogado, 2007, p. 314-323.

BETTI, Emilio. Interpretação da lei e dos atos jurídicos. Trad.Karina Jannini.

São Paulo: Martins Fontes, 2007, pp. XL ss.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19 ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2006, p. 7.

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VIII EXAME DE ORDEM UNIFICADO Coordenação Pedagógica OAB

COMPLEXO EDUCACIONAL DAMÁSIO DE JESUS 2ª Fase OAB – EXAME 2012.2

ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de

Estudios Constitucionales, 1997, p. 89.

ALEXY, Robert. Direitos Fundamentais, Ponderação e Racionalidade. In:

Constitucionalismo Discursivo. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

2007, p. 110 ss.

ALEXY, Robert. Direitos Fundamentais, Ponderação e Racionalidade. In:

Constitucionalismo Discursivo. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

2007, p. 110.

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.

94, 95, 112-124.

FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. 4 ed. São Paulo:

Malheiros, 2004, p. 185.

TORRES, Ricardo Lobo. Da Ponderação de Interesses ao Princípio da

Ponderação. In: Miguel Reale: estudos em homenagem a seus 90 anos. Porto Alegre:

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FREITAS, Luiz Fernando Calil de. Direitos Fundamentais: limites e restrições.

Porto Alegre: 2007, p. 78.

ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição

Portuguesa de 1976. 3 ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 292.

ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição

Portuguesa de 1976. 3 ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 224 e 225.

http://www.pucrs.br/edipucrs/online/IIImostra/Direito/62564%20-%20TULIO.pdf

Artigo 07

IMPOSTO CUMULATIVO & IMPOSTO NÃO-CUMULATIVO

Publicado por Robson de Azevedo em 04/14/2010

IMPOSTO CUMULATIVO – Diz-se de um imposto ou tributo que incide em

todas as etapas intermediárias dos processos produtivo e/ou de comercialização de

determinado bem, inclusive sobre o próprio imposto/tributo anteriormente pago, da origem até o

consumidor final, influindo na composição de seu custo e, em conseqüência, na fixação de seu

preço de venda.

IMPOSTO NÃO-CUMULATIVO – Diz-se do imposto/tributo que, na etapa

subseqüente dos processos produtivos e/ou de comercialização, não incide sobre o mesmo

imposto/tributo pago/recolhido na etapa anterior. Exemplos: IPI e ICMS.

Talvez em palavras mais simples, significa que quando no regime cumulativo,

não há a compensação de valores desse imposto já pago em algum processo anterior de

industrialização ou comercialização. Por exemplo, se a empresa é do Lucro Presumido, O Pis

Faturamento e a Cofins, quando de seu cálculo, não há credito algum para dedução desses

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impostos. Sempre as alíquotas serão para o Pis 0,65% e para a Cofins 3,00%. Nesse caso

específico a empresa do Lucro Presumido é "Cumulativo".

Já se a empresa for do Lucro Real, ela terá como creditar os valores desses

impostos já pagos na etapas anteriores da circulação, inclusive de Pis e Cofins pagos na

importação, o que não é permitido para a empresa do Lucro Presumido. Então, a empresa do

Lucro Real – "Não Cumulativo", terá créditos desses impostos e só depois ela aplicará sobre a

base de cálculo, as alíquotas específicas, para cada imposto, sendo que neste caso, o Pis

Faturamento será de 1,65% e a Cofins 7,6%.

http://robsonecml.wordpress.com/2010/04/14/imposto-cumulativo-imposto-no-

cumulativo/

Artigo 08

Pacote tributário: não-cumulatividade da COFINS e compensação

tributária

Luiz Roberto Peroba Barbosa

Tércio Chiavassa*

No último dia 31 de outubro, em Edição Extra do Diário Oficial da União

Federal, foi publicada a Medida Provisória nº 135 (“MP 135”), que aprovou parte daquilo que

vem sendo denominado de reforma tributária pelo Governo Federal e está em discussão no

Senado Federal.

Dentre tantas mudanças, analisaremos neste informativo apenas as

significativas alterações relativas à introdução de regime não-cumulativo para a COFINS, além

dos aspectos previstos em relação à compensação de tributos e contribuições arrecadas pela

Secretaria da Receita Federal (“SRF”).

I. - Contribuintes da “COFINS não-cumulativa”

Inicialmente, cumpre mencionar que a nova sistemática da COFINS não é

aplicável a todas as pessoas jurídicas. A exclusão de determinadas pessoas jurídicas explica-

se pelo provável aumento da carga tributária nas respectivas atividades, haja vista que, em

princípio, a nova sistemática deveria, no máximo, manter a mesma carga tributária para os

contribuintes.

Em virtude disso, dentre outras previsões, o artigo 10º da MP 135 exclui as

seguintes pessoas jurídicas e receitas da tributação pelo regime não-cumulativo da COFINS

agora instituído: (i) cooperativas; (ii) instituições financeiras, companhias securatizadoras de

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créditos e operadoras de plano de assistência à saúde; (iii) pessoas jurídicas tributadas pelo

imposto de renda com base no lucro presumido ou arbitrado; (iv) pessoas jurídicas optantes

pelo SIMPLES; (v) as pessoas jurídicas imunes a impostos; (vi) os órgãos públicos, as

autarquias e fundações públicas federais, estaduais e municipais; e (vii) as receitas

decorrentes de operações de vendas canceladas, descontos incondicionais, provisões e

recuperações de créditos baixados como perda e aquelas sujeitas à substituição tributária para

a COFINS; (viii) de serviços de telecomunicações; (ix) de serviços das empresas jornalísticas

e de radiodifusão sonora e de sons e imagens; (x) as pessoas jurídicas que tenham por objeto

social a venda de veículos automotores.

Aparentemente, a intenção do Governo não foi a de instituir nova contribuição

social, mas sim agregar à legislação anterior dispositivos que minimizem a incidência,

introduzindo o regime não-cumulativo para a COFINS e beneficiando determinados setores da

economia, principalmente o industrial, que antes estavam sujeitos a tributação mais gravosa. A

nova sistemática da COFINS será aplicável a partir de 1º.2.2004 (fato gerador), respeitando-se,

portanto, a anterioridade mitigada de 90 dias.

II - Aspectos gerais: base de cálculo, alíquota e regime da não-cumulatividade

A base de cálculo da contribuição será o faturamento (artigo 1o), entendido

como “o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua

denominação ou classificação contábil”. Tal conceituação é idêntica à contida nos artigos 2o e

3o da Lei 9.718/98.

Optou-se pela base de cálculo adotada desde a Lei 9.718/98. Dessa vez,

contudo, permite-se determinadas deduções de tal base de cálculo, além de créditos que, em

tese, tornarão o valor tributável aparentemente menor.

Além disso, conforme definido pelo parágrafo 3º de seu artigo 1º, não integram

a base de cálculo da COFINS da MP 135, as receitas decorrentes de saídas isentas da

COFINS, não alcançadas ou sujeitas à alíquota zero; auferidas pela pessoa jurídica

revendedora, na revenda de mercadorias em relação às quais a contribuição seja exigida da

empresa vendedora, na condição de substituta tributária; as não operacionais de venda de

ativo imobilizado; as decorrentes da venda de produtos submetidos à incidência

monofásica da COFINS; e as decorrentes de vendas canceladas e de descontos

incondicionais concedidos, bem como de reversões de provisões e recuperações de

créditos baixados como perda que não representem ingresso de novas receitas.

Somada às receitas passíveis de exclusão da base de cálculo da COFINS, a

MP 135 inovou ao possibilitar ao contribuinte a apropriação de créditos da contribuição, em

percentual também de 7,6%, em relação a várias operações, que serão compensados contra o

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próprio valor de COFINS que será devido pela pessoa jurídica. O valor desse crédito, aliás,

conforme determinação expressa do §10º do artigo 3º, não constitui receita bruta do

contribuinte.

Diante das inúmeras hipóteses de crédito previstas pela MP 135,

recomendamos a leitura de seu artigo 3o. Destacam-se os créditos: sobre o valor dos bens

adquiridos para revenda, com exceção das mercadorias e dos produtos sujeitos ou ao regime

de substituição tributária ou à incidência monofásica da COFINS; sobre o valor dos bens e

serviços utilizados como insumo na fabricação de produtos destinados à venda ou na

prestação de serviços, inclusive combustíveis e lubrificantes; à energia elétrica consumida nos

estabelecimentos da pessoa jurídica; a aluguéis de prédios, máquinas e equipamentos, além

de créditos em determinadas despesas financeiras decorrentes de empréstimos e

financiamentos; encargos de depreciação e amortização de bens etc.

Referidos créditos serão calculados mensalmente, mediante a aplicação da

alíquota de 7,6% sobre o valor da aquisição do bem ou do serviço adquiridos no mês. Ademais,

com o suposto intuito de incentivar a indústria nacional, a MP 135 estabelece que o

creditamento da COFINS somente será legítimo em relação “aos bens e serviços adquiridos de

pessoa jurídica domiciliada no País, aos custos e despesas incorridos, pagos ou creditados a

pessoa jurídica domiciliada no País; e aos bens e serviços adquiridos e aos custos e

despesas incorridos a partir de 1º.2.2004 (fato gerador).

O artigo 28 da MP 135 criou a figura da retenção na fonte da COFINS, da CSL

e do PIS nas hipóteses de pagamentos efetuados pelas pessoas jurídicas a outras pessoas

jurídicas em relação aos serviços de limpeza, conservação, manutenção, segurança, vigilância,

transporte de valores e locação de mão-de-obra, serviços de assessoria creditícia,

mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a

receber, bem como pela remuneração de serviços profissionais.

O valor da retenção na fonte será equivalente a 4,65% e fica configurado pela

lei como antecipação do valor devido, nos termos em que estabelecido pelo artigo 34, cabendo

ao contribuinte que teve o valor retido efetuar o recolhimento da diferença apurada.

III. - Compensação de tributos federais

Além da nova sistemática não-cumulativa introduzida para a cobrança da

COFINS, a MP 135/03 trouxe ainda algumas modificações nas regras de compensação de

tributos federais arrecadados pela SRF que foram introduzidas em 1996 com a edição da Lei

9.430/96 (artigo 74), com as alterações posteriores da Lei 10.637/2002 (artigo 49).

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De acordo com o artigo 17 da MP, fica expressamente vedada a compensação

de créditos de tributos e contribuições administrados pela SRF com:

(i) débitos que já tenham sido encaminhados à Procuradoria Geral da Fazenda

Nacional (“PGFN”) para inscrição em dívida ativa;

(ii) débito consolidado no âmbito do Refis ou parcelamento a ele alternativo;

(iii) débitos que já foram objeto de compensação anterior e não homologada

pela SRF.

O mesmo artigo, observando as regras constantes do Código Tributário

Nacional (“CTN”) a respeito de lançamento, dispôs ainda que o prazo para homologação da

compensação declarada pelo sujeito passivo será de 5 anos, contado da data do protocolo da

declaração de compensação (“DECOMP”).

Caso haja compensação indevida, a DECOMP constituirá confissão de dívida e

instrumento hábil e suficiente para a exigência dos débitos indevidamente compensados pela

SRF e PGFN.

Não hipótese da não homologação da compensação pela SRF, deverá o

contribuinte ser cientificado para efetuar, no prazo de 30 dias, o pagamento dos débitos

indevidamente compensados ou apresentar manifestação de inconformidade contra a não

homologação da compensação.

Vale ressaltar que, em respeito ao artigo 151, III do CTN, a manifestação de

inconformidade, com acerto, passa a ter expressamente reconhecido o seu efeito suspensivo.

Esta medida assegurará ao contribuinte a obtenção de Certidão Positiva com efeito de

Negativa enquanto perdurar a discussão na esfera administrativa.

Caso o contribuinte não tome nenhuma das medidas indicadas no item 18

acima, quais sejam, o pagamento do débito ou a discussão na esfera administrativa, dispõe a

MP que os débitos serão encaminhados para inscrição de dívida ativa e cobrança por

execução fiscal.

IV. - Conclusões

Há aspectos importantes que foram adotados, como por exemplo a

confirmação da desoneração da COFINS em relação às receitas decorrentes de exportações

de mercadorias e de serviços para pessoa física ou jurídica domiciliada no exterior (artigo 6o,

incisos I e II).

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A supressão da incidência da COFINS em cascata e, conseqüentemente, a

possibilidade de o contribuinte apropriar créditos da exação representará avanço na legislação

somente se houver redução ou, ao menos, manutenção da carga tributária dos contribuintes, o

que temos séria e fundada dúvida, especialmente em relação ao setor de prestação de

serviços, já que este segmento terá oportunidade mínima para a escrituração de créditos,

especialmente considerando a vedação do crédito em relação à mão-de-obra paga no mercado

nacional. Temos conhecimento de algumas emendas à MP que serão apreciadas pela Câmara

dos Deputados sobre o assunto.

Vale ressaltar também que na nossa avaliação foram importantes os

esclarecimentos feitos pela MP no sentido de deixar, de forma expressa no texto, as regras,

prazos e recursos cabíveis contra decisões administrativas que não homologam a declaração

de compensação. Não obstante, parece-nos, num exame preliminar, que o Poder Executivo

limitou a utilização de créditos tributários, o que não parece estar em linha com a finalidade do

instituto da compensação. Esperamos assim, que o Congresso Nacional faça as devidas

modificações no sentido de preservar as garantias dos contribuintes.

Por fim, há que se atentar para o fato de que DECOMP passa a ser

considerada, por norma legal, como confissão de dívida do contribuinte. Nesse sentido, deve-

se redobrar o cuidado na sua apresentação, na medida em que eventual indeferimento

acarretará na inscrição do débito em dívida ativa e conseqüente cobrança por executivo fiscal.

* Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados

*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não

devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio

específico.

© 2003. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS.

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Pacote+tributario+naocumulatividade+da+COFINS+e+compensacao+tributaria

PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE

Artigo 09

A Seletividade Tributária no Brasil

Autor Francisco Dromeles Lima

(08 de junho de 2012)

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Sistema Tributário Nacional (STN) vigente, consubstanciado na CF/88

(Art.145 a 162 e 195), bem como numa infinidade de normas e dispositivos

infraconstitucionais (CTN e Legislações Fiscais), representa uma complexidade sem par aos

pagadores de tributos (o povo) e às próprias administrações tributárias (entes tributantes).

São muitos dilemas que se relacionam com a engenharia fiscal / tributária, confusa e

dinâmica, abrangendo gênero, espécies e conceitos tributários, incidências e não-

incidências, fatos geradores, bases de cálculos, alíquotas, competências, formas de

lançamentos, princípios, repartição do produto da arrecadação e outros.

Mas a complexidade posta no STN não para por aí, pois havemos de

considerar a própria função do tributo que não significa tão somente uma fonte de recursos

governamentais para que o Estado possa cumprir com o seu papel na sociedade. Outras

funções importantes, além da mais óbvia (arrecadar ou captar recursos), os tributos servem

como instrumento de distribuição de renda, como regulador de mercado, como inibidor de

externalidades e até como controlador do comércio exterior entre o país e o resto do mundo,

com significativa influência na Balança Comercial e, conseqüentemente, no Balanço de

Pagamentos.

Nessa seara tributária, ainda devemos observar a classificação dos tributos

em: Impostos, Taxas e Contribuições, todos preenchendo diferentes necessidades e funções,

respeitados os comandos dos dispositivos constitucionais pertinentes.

Outras classificações para explicar a pedagogia dos tributos no Brasil são

muito comuns nos estudos da tributação nacional. Por isso se podem elencar as várias

modalidades e tipos dentro do STN em impostos diretos e indiretos; progressivos,

regressivos e Seletivos.

Quanto à incidência dos tributos, os encargos atingem toda a cadeia

econômica, como a produção, o consumo e a circulação dos produtos, a renda da pessoa

física e jurídica, a propriedade e patrimônio, os serviços, a folha de salário (parte paga pelo

empregado e outra parte paga pelo empregador), para fins da seguridade social, incidindo

também sobre o comércio exterior.

No que se refere à Seletividade tributária, assunto sobre o qual iremos tecer

maiores comentários, devemos, de imediato, entender que os tributos/impostos desse grupo

são resultantes de uma seleção dentre o universo de impostos incidentes sobre o consumo

de certos produtos e/ou mercadorias que possuem características diferenciadas, como a

suntuosidade e o luxo.

No Brasil, os impostos ditos Seletivos são aqueles representados pelo

consumo de bebidas alcoólicas, cigarros e demais artigos de tabacaria, fogos de artifícios,

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petróleo e outros que possuem características de demanda inelástica em relação ao preço ou

que causem externalidades (positivas ou negativas). Quer dizer, envolvem a imposição

involuntária de custos ou benefícios a terceiros.

Os produtos sujeitos a esse tipo de tributação normalmente apresentam uma

ou mais das seguintes características: primeiro, sua produção e venda são estritamente

supervisionadas pelo governo. Ou seja, são produtos ou serviços suntuários, demandando

grandes despesas e luxo; segundo, são caracterizados por demanda inelástica em relação

aos preços; terceiro, a elasticidade da demanda em relação à renda é maior do que 1 (hum),

isto é, são produtos ou serviços de luxo; quarto, seu consumo é considerado pelo governo

como destituído de mérito ou provável causa de externalidades negativas. As alíquotas

aplicadas nos impostos seletivos de consumo podem ser definidas em termos específicos ou

ad valorem (depende da valoração do produto) e normalmente são muito mais altas do que

as alíquotas aplicadas no âmbito do IVA ou do imposto geral de vendas. Por causa do seu

foco relativamente estreito, os impostos seletivos de consumo podem ter um grande impacto

sobre a alocação de recursos e a tomada de decisão do consumidor e são, portanto,

instrumentos potencialmente muito eficazes para atingir metas políticas que vão além da

simples geração de receita.

Justifica-se a tributação seletiva do consumo sobre três aspectos básicos: o

da receita, o da correção de externalidades negativas e o da equidade vertical. O primeiro

aspecto, o da receita, indica pouco ou baixo esforço da administração tributária e limitação

para a sonegação; permite-se alta arrecadação com resultado pouco distorcido.

Ainda considerando o aspecto da receita, vejamos bem as seguintes

características: envolvem grandes volumes de vendas, poucos produtores, demanda

inelástica, facilidade de definição e falta de substitutos próximos.

Sobre o aspecto da correção das externalidades negativas, o objetivo é

internalizar essa falha gerada pelo consumidor, considerando os custos pertinentes.

Observe-se que altos impostos suntuários muitas vezes são justificados em termos dos

custos sociais e para a Saúde Pública do alcoolismo e dos riscos para a saúde decorrentes

do tabagismo. Mesmo quando o tratamento médico dos portadores de câncer pulmonar

inexistir ou for custeado inteiramente pelos pacientes, a doença (câncer) causada pelo fumo

passivo é claramente uma externalidade negativa. Altas alíquotas impostas ao tabaco e

álcool também podem ser justificadas pelo fato de que os consumidores, particularmente os

jovens, talvez não estejam plenamente conscientes das conseqüências que o uso desses

produtos pode ter para a saúde a longo prazo.

Acerca da relação dos impostos seletivos de consumo e a equidade vertical

(igualdade de tratamento), normalmente não é aconselhável ampliar o alcance dos impostos

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adotivos de consumo além de produtos suntuários, combustíveis e alguns poucos produtos

de luxo, como jóias raras e alguns tipos de embarcações recreativas e esportivas (jet ski, por

exemplo).

Algumas jurisdições tentam usar esses impostos como um instrumento para

aumentar a eqüidade vertical. O desejo de seguir uma estratégia desse tipo é compreensível,

caso a tributação direta não seja progressiva devido a falhas na administração tributária. Já o

uso da tributação indireta como instrumento para atingir maior progressividade pode levar a

uma proliferação de impostos seletivos de consumo sobre uma grande variedade de

produtos de luxo, resultando em grandes custos administrativos e decisões arbitrárias.

Nesse contexto, há também quem defenda o uso de um sistema de

tributação seletiva do consumo para alcançar maior progressividade na tributação indireta.

Existem cinco condições sob as quais esse sistema pode dar resultados. De início, uma faixa

representativa de bens e serviços a serem tributados deve ter elasticidade da demanda em

relação à renda maior que 1(hum) e a elasticidade da demanda em relação ao preço próprio

deve ser baixa, de forma que a redução da parcela de produtos tributados nos padrões de

despesas familiares depois da adoção do imposto seja baixa. Em segundo lugar, as

despesas com produtos passíveis de tributação pelo imposto seletivo de consumo devem

representar uma grande fração da renda doméstica de famílias de renda média e alta e uma

fração muito menor da renda de famílias de baixa renda. Terceiro, se tiver de ser ampliado

para cobrir produtos comprados por famílias de renda mais baixa, o sistema de imposto

seletivo de consumo deve usar alíquotas diferenciadas aplicadas a subgrupos de produtos,

com base na qualidade ou no preço. Quarto, um sistema de imposto seletivo de consumo

progressivo deve ser viável, de forma que disputas e lançamentos arbitrários possam ser

minimizados e o sistema aplicado segundo a intenção dos legisladores. Como quinta

condição, o sistema deve ser percebido pelo público como progressivo, a exemplo dos

impostos diretos.

Para uma melhor compreensão, diz-se que um imposto é progressivo se a

sua taxa cresce com o valor da renda, de tal forma que sua aplicação faz com que a

desigualdade da distribuição da renda, após o imposto, seja menor do que antes do imposto.

No Brasil, os estudos têm mostrado que a carga tributária decorrente dos

impostos diretos é progressiva e que a regressividade tributária decorre dos impostos

indiretos. Na verdade, se fossemos somar o total de impostos progressivos e o total de

impostos regressivos, teríamos uma desigualdade com uma vantagem maior para o lado dos

impostos regressivos, diferença essa que se justifica pela forte tributação dos impostos

indiretos, como o IPI, o ICMS e o ISSQN.

Outros pontos interessantes e importantes, reconhecemos, mereciam constar

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neste estudo, mas dada à complexidade do tema, preferimos deixar para um próximo módulo

que, oportunamente, haveremos de disponibilizá-lo ao leitor.

Por fim, o que se discorreu acerca da seletividade tributária, convenhamos,

foi no sentido de se dar uma idéia arrazoada do objetivo deste instituto de tributação, como

também dos seus pontos positivos dentro do emaranhado Sistema tributário Nacional. Com

efeito, há de se convir que este aspecto seja apenas uma pequena parte no estudo do

modus da política tributária vigente, não se esgotando, tão somente, à luz deste compêndio.

Revista Contábil & Empresarial Fiscolegis

Artigo 10

Seletividade como forma de extrafiscalidade nos tributos indiretos

Posted by Rodrigo Santhiago Martins Bauer · 07/06/2011

O presente texto tem por escopo analisar e explicar o porquê que a

seletividade nos tributos indiretos é uma forma de extrafiscalidade na tributação.

Para explicar o questionamento acima, recorro ao conceito fornecido pelo

ilustre mestre e doutorandoem Direito Tributário, Eduardo Sabbag, que nos explica, quanto à

seletividade:

A seletividade é forma de concretização do postulado da capacidade

contributiva em certos tributos indiretos. Nestes, o postulado da capacidade contributiva será

aferível mediante a aplicação da técnica da seletividade, uma evidente forma de

extrafiscalidade na tributação. (SABBAG, 2011, p. 182-183)

A técnica da seletividade serve como um instrumento de materialização do

postulado da capacidade contributiva, na medida em que aplicam alíquotas que variam na

razão inversa da essencialidade do bem, ou seja, quanto mais essencial o bem, menor a sua

alíquota. De fato, um produto que é nocivo a saúde das pessoas, como, por exemplo, o

tabaco, incide-se uma alíquota máxima de ICMS e IPI. Ao passo que um produto essencial,

por exemplo, o pão, faz com que incida uma alíquota mínima.

No que tange à extrafiscalidade, posso ilustrar o conceito, com ênfase a sua

finalidade, através do seguinte trecho:

(…) extrafiscalidade – poderoso instrumento financeiro empregado pelo

Estado a fim de estimular ou inibir condutas, tendo em vista a consecução de finalidades não

meramente arrecadatórias. Note que a extrafiscalidade orienta-se para fins outros que não a

captação de recursos para o Erário, visando corrigir externalidades. (SABBAG, 2011, p. 74)

Segundo Sílvia Diniz[1], os ordenamentos jurídicos dos Estados modernos

mesclam diversas técnicas de regrar o comportamento dos destinatários das normas

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tributárias. E, continua, ao afirmar que existem técnicas repressivas (quando o legislador não

quer que algo aconteça, ou deseja que aconteça o mínimo possível) e promocionais (que

desejam que algo se realize, ou seja, incentivando a prática de determinada ação).

O ordenamento jurídico brasileiro se utiliza de várias técnicas para encorajar

ou desencorajar determinados comportamentos, dentre elas, temos as citadas acima: a)

seletividade; e b) extrafiscalidade.

CONCLUSÃO

Posso concluir que, o princípio da seletividade, ao aplicar alíquotas na razão

inversa da essencialidade, prestigia, por conseguinte, a utilidade social do bem. Logo, sob

esse prisma, a seletividade assume um caráter extrafiscal nos tributos indiretos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DINIZ, Silvia. A utilização extrafiscal dos tributos. Disponível em http://www.professorsabbag.com.br/indx.php? Acesso em 19 de maio de 2011.

SABBAG, Eduardo de Moraes. Manual de Direito Tributário. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

NOTAS [1] DINIZ, Silva. A utilização extrafiscal dos tributos. http://rsmartinsbauer.wordpress.com/2011/06/07/sele tividade-como-forma-de-extrafiscalidade-nos-tributos- indiretos/

Artigo 11

A seletividade nos tributos indiretos como forma de extrafiscalidade

Iana Gonçalves Souto Maior Vieira

A partir do momento em que a seletividade dos tributos indiretos culmina na

utilização destes como meio de regulação econômica, tem-se que o referido instituto, a

seletividade, é uma das muitas formas de manifestações da extrafiscalidade, sendo um dos

instrumentos para a atuação estatal em prol do interesse público.

1. INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como objetivo explicar o motivo pelo qual a

seletividade nos tributos indiretos pode ser considerada como uma forma de extrafiscalidade.

2. DESENVOLVIMENTO

Para a resolução da questão proposta, deve-se, primeiramente, tecer

algumas considerações acerca dos institutos da extrafiscalidadee da seletividade.

A extrafiscalidade consiste na utilização do tributo com a finalidade diversa

daquela considerada como sua essência, qual seja, a obtenção de receitas para o Erário

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para abastecimento dos cofres públicos, chamada de finalidade fiscal.

Na realidade, a extrafiscalidade consiste no incentivo ou desestímulo dos

contribuintes a realizar determinadas ações por considerá-las convenientes ou nocivas ao

interesse público. Dito incentivo ou desestímulo pode se materializar de diversas formas,

podendo decorrer de isenções, benefícios fiscais, progressividade de alíquotas, finalidades

especiais, dentre outros institutos criadores de diferenças entre os contribuintess.

Segundo ROQUE ANTONIO CARRAZA, há extrafiscalidade "quando o

legislador, em nome do interesse coletivo, aumenta ou diminui as alíquotas e/ou as bases de

cálculo dos tributos, com o objetivo principal de induzir os contribuintes a fazer ou deixar de

fazer alguma coisa" [01].

Assim, enquanto o Estado exerce a função fiscal quando busca a simples

arrecadação de recursos financeiros, exerce função extrafiscal quando visa, através da

tributação, o atendimento da função socioeconômica do tributo. Desta forma, tem-se que a

extrafiscalidade se presta para a intervenção estatal na economia através da disciplina de

condutas, possuindo caráter regulatório.

A seletividade, por sua vez, como sua própria designação sugere, determina

uma seleção de bens a fim de aplicar-lhes uma oneração diferenciada. Pode-se dizer, assim,

que se trata de uma tributação diferenciada em razão do objeto da exação [02].

Na prática, a seletividade implica na aplicação de diferentes alíquotas, ou de

qualquer outra técnica que influencie no quantitativo da carga tributária, sobre diferentes

objetos.

No Brasil, encontramos na Constituição brasileira previsão expressa quanto à

aplicação da seletividade no Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI (artigo 153, § 3º, I

da CF/88), no Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS (artigo 155, §

2º, III da CF/88) e no Imposto sobre Propriedade Predial Urbana – IPTU (artigo 156,§ 1º, II da

CF/88).

Contudo, como o presente estudo abrange a seletividade apenas nos tributos

indiretos, ou seja, aqueles em que o ônus tributário repercute no consumidor final, vamos nos

ater à aplicação desta quando da incidência do IPI e do ICMS. Em ambos os casos, o critério

para a aplicação da seletividadeé a essencialidade dos produtos sujeitos à incidência dos

referidos tributos, isto é, leva-se em consideração a necessidade dos bens, se útil ou

supérflua, para a sociedade. Significa dizer que, em relação aos bens maior essencialidade a

alíquota será menor e, pela lógica, quanto aos bens de menor essencialidade, a alíquota é

maior.

Salienta-se que, à vista da redação dos dispositivos constitucionais citados, a

seletividade é obrigatória para o IPI e facultativa para o ICMS.

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Partindo desses pressupostos, tem-se que o IPI e o ICMS são utilizados

como meio de regulação econômica, uma vez que, ao fazer incidir menores alíquotas em

razão da maior essencialidade do bem, as operações de industrialização de produtos e

comercialização de mercadorias e serviços que possuam esse caráter de essencialidade são

estimuladas, bem como acesso a esses bens de consumo por parte da população em geral é

facilitado.

Pois bem, a partir dos conceitos expostos, tem-se que a utilização do IPI e do

ICMS como meio de regulação econômica, em razão da tributação atrelada à essencialidade

do bem, coincide com o conceito de extrafiscalidade, uma vez que não leva em conta apenas

o fim arrecadatório, mas efetivamente ordena a vida em sociedade.

Desta forma, pode-se concluir que a seletividade nos tributos indiretos é uma

forma de atuação para obtenção do objetivo caracterizador da extrafiscalidade.

Tal conclusão já foi inclusive objeto de análise pelo Egrégio Supremo

Tribunal Federal, o qual decidiu que o uso da seletividadeconfere caráter extrafiscal à exação

(RE 589.216/RJ, Rel. Min. Eros Grau).

Ademais, dita relação entre extrafiscalidade e seletividadeé corroborada por

PAULO DE BARROS CARVALHO, o qual dá como exemplo de extrafiscalidade prevista na

constituição a previsão de seletividade para o IPI [03].

3. CONCLUSÃO

Ante o exposto, conclui-se que, a partir do momento em que a seletividade

dos tributos indiretos culmina na utilização destes como meio de regulação econômica, tem-

se que o referido instituto, a seletividade, é uma das muitas formas de manifestações da

extrafiscalidade, sendo um dos instrumentos para a atuação estatal em prol do interesse

público.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 24.

ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

PAULSEN, Leandro et al. Impostos federais, estaduais e municipais. 5.

ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São

Paulo: Saraiva, 2005.

ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 2 ed. São Paulo:

Método, 2008.

Notas

1. CARRAZA, Roque Antônio – Curso de Direito Consittucional

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Tributário, 24 ed. São Paulo, Malheiros, 2008 p. 109

2. Cf: PAULSEN, Leandro et AL. Impostos federais, estaduais e

municipaius, 5 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 84

3. CARVALHO, Paulo de Barros. Op. Cit. P. 235

(http://jus.com.br/revista/texto/20132/a-seletividade-nos-tributos-indiretos-

como-forma-de-extrafiscalidade)

SEGURANÇA JURÍDICA

ARTIGO 12

Princípio Da Segurança Jurídica Em Matéria Tributária

BREVE ESBOÇO HITÓRICO

Ao longo dos séculos XIX e XX, todos aqueles ideais trazidos e implantados

pela burguesia, na busca da direção política e cultural da época, foram sofrendo sucessivos

abalos. Desde o Renascimento, passando pela transição do sistema feudal para o sistema

capitalista mercantilista, conduziram a criação do jusnaturalismo. A concepção do homem,

cristão, ocidental, assumia o status de "homem universal", em meio a uma natureza atemporal,

eterna e imutável, fonte dos "valores universais".

O jusnaturalismo teve o seu apogeu na era napoleônica, principalmente com a

criação do Código Civil, reconhecendo e institucionalizado os chamados direitos naturais que

agora saiam da esfera filosófica para ganhar normatividade jurídica.

Neste contexto nasce o juspositivismo, quando o direito passa a ser concebido

como um conjunto coerente e completo de leis positivadas, sem quaisquer ingerências de

outros ramos do conhecimento.

Em assim sendo, o direito ganhava, à época, o aspecto de ciência autônoma,

dotada de métodos e princípios próprios, nos moldes trazidos por Hans Kelsen, em sua Teoria

Pura do Direito.

Com a derrubada dos sistemas nazi-fascistas na segunda guerra mundial, o

juspositivismo tem o seu fim. Não mais seriam aceitos conceitos universais, tanto em relação

aos homens quanto aos valores da sociedade.

Como fim da segunda guerra, a criação da bomba atômica, a guerra fria, a

possibilidade concreta de um holocausto nuclear destruir definitivamente a humanidade, trazem

a necessidade de alternativas à ciência do direito surgindo assim o pós-positivismo, em

momento adverso da história da humanidade.

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No decorrer dos anos 60, com o movimento feminista, as revoluções

estudantis, a contracultura, a luta pelos direitos civis e os movimentos revolucionários no

terceiro mundo apresentam novos sujeitos sociais, que fazem graves criticas à política das

minorias trazendo a fragmentação dos discursos o que impõe o reconhecimento dos múltiplos

pontos de vista e conseqüentemente, dos múltiplos sistemas epistemológicos.

A normatização da vida social, não mais seria aceita sem um dialogo para uma

construção de um sistema comunicativo. Nunca a democracia teria sido tão necessária para a

validação do direito, no intuito de legitimar o exercício do poder estatal.

Neste contexto, surge um dos princípios basilares de um sistema

Constitucional fundado em uma sociedade democrática, qual seja, o principio da segurança

jurídica.

SEGURANÇA JURIDICA NA CONSTITUIÇÃO E NO DIREITO TRIBUTARIO

O principio da segurança jurídica vem exposto no artigo 5° inciso XXXVI[1], da

constituição federal que prevê que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico

perfeito e a coisa julgada.

Nesse sentido, o referido princípio surge no intuito de proteger o individuo na

construção e elaboração de normas novas, visando um mínimo de confiabilidade do individuo

para com o estado, principalmente no que tange a impossibilidade de criação de normas

retroativas e vedação à flexibilização da coisa julgada.

Trazendo o referido principio para esfera tributária, o Doutrinador, Humberto

Ávila, faz uma analise conjunta do artigo 5 inciso XXXVI, com o artigo 37 caput[2] da

Constituição federal, destacando o principio da moralidade como um principio geral da

administração pública.

Segundo o Autor, do principio da moralidade decorrem outros dois princípios da

administração pública, quais sejam o da boa-fé, e o da proteção à confiança. Este ultimo, por

sua vez, esta relacionado ao dever do estado de estabelecer ou buscar um ideal de

estabilidade, confiabilidade, previsibilidade e mensurabilidade na atuação do poder público.

Nesse sentido, conclui Humberto Ávila:

"... das condutas necessárias para garantia ou manutenção dos ideais de

estabilidade, confiabilidade, previsibilidade e mensurabilidade normativa: quanto a forma, a

moralidade constitui uma limitação expressa (art. 37), e a proteção da confiança e a boa-fé com

limitações implícitas, decorrentes dos sobreprincípios do Estado de Direito e da segurança

jurídica, sendo todas elas limitações materiais, na medida em que impõe ao Poder Público a

adoção de comportamentos necessários à preservação ou busca dos ideais de estabilidade e

previsibilidade normativa, bem como de eticidade e confiabilidade." ( Sistema Constitucional

Tributário, 2ª edição, 2006, editora Saraiva, São Paulo)

Confiança e estabilidade estas que visam assegurar aos contribuintes, de

qualquer natureza, uma maior segurança, de forma a facilitar previsões financeiras, sem que

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isto prejudique a contabilidade de uma grande empresa, ou até, de uma família de classe

media.

Em matéria tributária, o principio da segurança jurídica funciona como uma

proteção da confiança do cidadão no estado, ou administração publica, ou seja, protege o

cidadão no intuito de que os atos praticados pela administração pública não serão alterados de

forma repentina.

Em termos práticos, significa dizer que, com base na analise conjunta do

principio da segurança jurídica, e do principio da proteção a confiança, não pode a

administração publica mudar uma interpretação na aplicação de determinado tributo, querendo

cobrar, de forma retroativa.

Para uma maior elucidação, pensemos em um caso hipotético de uma empresa

que comercialize determinado produto pagando uma alíquota x de ICMS. Ocorre que em

janeiro de 2008, a administração publica percebe que o recolhimento vem sendo realizado de

forma equivocada, pois o referido produto deveria recolher o ICMS com base em uma alíquota

maior. Feita essa analise o estado lança a diferença do que deveria ter sido recolhido, nos

cinco anos anteriores.

É neste sentido que o principio da segurança jurídica em matéria tributaria

atua, visto que não pode o Estado, ao mudar a sua compreensão da aplicação de determinado

tributo requerer a cobrança retroativa.

Neste contexto, deve-se utilizar a flexibilização da aplicabilidade da lei no

tempo, com base na aplicação do principio da segurança jurídica, como proteção ao principio

da confiança do cidadão no estado.

REFERENCIA BIBLIOGRAFICA

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 3ª ed. São Paulo: Malheiros,2004.

ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,

2006.

FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 16ª ed.

Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 20 ed.

São Paulo: Malheiros, 2006.

[1] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito

à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: "..."XXXVI

- a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Leia mais em: http://www.webartigos.com/artigos/principio-da-seguranca-

juridica-em-materia-tributaria/6221/#ixzz1xQZpyMZc

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ARTIGO 13

O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA NA CRIAÇÃO E APLICAÇÃO DO

TRIBUTO

Prof. José Souto Maior Borges

Professor .Honorário na Faculdade de Direito da PUC/SP. Ex- Professor Titular

de Direito Tributário nos Cursos de Pós- Graduação da Faculdade de Direito da Universidade

Federal de Pernambuco. Advogado e Consultor Jurídico em Recife.

“Nossa ciência do direito procede de Roma; é uma invenção dos romanos, da

mesma forma que a filosofia é uma invenção dos gregos. É tão insensato para um jurista

ocidental desprezar o direito romano quanto para um filósofo envergonhar-se da filosofia dos

gregos. É ter vergonha de sua mãe” (MICHEL VILLEY, Philosophie du Droit, I/80).

1. A segurança jurídica pode ser visualizada como um valor transcendente ao

ordenamento jurídico, no sentido de que a sua investigação não se confina ao sistema jurídico

positivo. Antes inspira as normas que, no âmbito do direito positivo, lhe atribuem efetividade.

Matéria a ser abordada pela Filosofia do Direito. Sob essa perspectiva, a investigação

filosófico-jurídica incide sobre a ordenação jurídica positiva. Não coincide porém com ela.

Porque a este última só interessa a segurança jurídica enquanto valor imanente ao

ordenamento jurídico. De conseguinte, a segurança jurídica é, sob este último aspecto, matéria

de direito posto. Valor contemplado e consignado em normas de direito positivo.

2. Mas a segurança jurídica é um atributo que convém tanto às normas

jurídicas, quanto à conduta humana, fulcrada em normas jurídicopositivas; normas

asseguradoras desse valor – é já dizê-las informadas pela segurança jurídica. Nessa região

normativa material contudo não costumam as normas positivas enunciá-la tout court, como se

assim estivesse inspirado e formulado o princípio: “É assegurada a segurança jurídica”. Nesse

enunciado, a segurança jurídica soaria quase como uma vã tautologia. Noutras palavras e mais

claramente: a segurança postula, para a sua efetividade, uma especificação, uma

determinação dos critérios preservadores dela própria, no interior do ordenamento jurídico. Por

isso mesmo se interpõe para logo a especificação: princípio da segurança jurídica na criação e

aplicação do tributo, mais sinteticamente: segurança jurídico-tributária. Cabendo

conseqüentemente indagar: quais os valores que a segurança jurídica busca preservar, no

âmbito do sistema constitucional tributário? A irretroatividade? A legalidade? A isonomia? A

efetividade da jurisdição tributária, administrativa ou judicial? Tudo isso junto e muito mais que

isso.

Assim considerada, a segurança é, percebe-se, um problema de direito

positivo. Categoria dogmática portanto. No Brasil, categoria constitucional, primordialmente

plasmada e inclusa dentre os direitos e garantias fundamentais, individuais ou coletivos, no

artigo constitucional 5º. 3. Bem encaradas as coisas – e o direito não passa da res justa, como

ensinavam os romanos – todos os dispositivos que instituem garantias constitucionais, buscam,

em última análise, assegurar, literalmente: “tornar seguros” os direitos que esse dispositivo

adnumera: um experimento de realização da justiça. Para esse fim é que se consociam direitos

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e garantias constitucionais. De meios assecuratórios dos direitos não passam as garantias,

como já ensinava RUI BARBOSA. A desapropriação mediante justa e prévia indenização em

dinheiro (art. 5º, XXIV) é uma garantia do direito de propriedade (art. 5º, XXII), como de certa

forma o é a própria função social da propriedade (art. 5º, XXIII).

4. No plano sintático do interrelacionamento normativo, particularmente no art.

5º, transparece a dependência, o entrelaçamento da segurança com outros direitos e garantias

constitucionais. Manifestação da segurança é por exemplo a proibição de leis retroativas: “A lei

não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (art. 5º, XXXVI).

Esse princípio é reiterado, no âmbito constitucional tributário, com uma significação que lhe

adensa o sentido: é vedado à União, Estados, Distrito Federal e Municípios cobrar tributos em

relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído

ou aumentado (CF, art. 150, III, a). Proibição da retroatividade da cobrança (ato infralegal) do

tributo. O que não pode a lei é com maiores razões defeso à administração pública. O ofício de

administrar consiste em aplicar a lei (SEABRA FAGUNDES).

5. A segurança tributária não se reduz (ponderação trivial não fora sumamente

necessária à arquitetura da demonstração subseqüente) à proibição de leis tributárias

retroativas. Bem por isso ela é sintaticament dependente de outros direitos e garantias

constitucionais. Nenhuma segurança sem justiça tributária; nenhuma segurança sem

legalidade, etc. O privilegiamento da enunicação desses direitos não exclui contudo outros

direitos e garantias que a CF adota. Eles são “apenas” os direitos e garantias mais eminentes,

os mais dignos de serem questionados. Por isso a CF os nomeia “fundamentais”.

6. O princípio implícito não difere senão formalmente do expresso. Têm ambos

o mesmo grau de positividade. Não há uma positividade “forte” (a expressa) e outra “fraca” (a

implícita). Um princípio implícito pode muito bem ter eficácia (= produzir efeitos) muito mais

acentuada do que um princípio expresso. A proibição de leis tributárias retroativas (implícita no

art. 5º, XXXVI) pode ter maior eficácia do que a proibição expressa da cobrança de tributos

com relação a fatos tributáveis ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver

instituído ou aumentado (art. 150, III, a)). Eficácia é havida aqui como relação entre norma de

conduta e conduta normada; relação sindicável pela sociologia jurídica, ao estudar o

comportamento efetivamente adotado pelos “destinatários” da norma. Destinatários estão ai

entre aspas porque a norma recai a rigor, não sobre pessoas, mas sobre determinados

comportamentos humanos.

7. Conclusão dessas ponderações: é tecnicamente desnecessário – e mesmo

desaconselhável – que se reitere um preceito implícito cuja abrangência material e pessoal já

alcança o campo simultaneamente coberto por um preceito expresso. Mas a CF de 1988

reiteradamente o faz. Por exemplo, do direito de propriedade, expresso na CF, é possível

deduzir: nenhum confisco tributário. E a CF é no particular enfática: privação da propriedade só

– como visto – por desapropriação, mediante prévia e justa indenização em dinheiro. Para que

então o art. 150, IV, vedar a utilização de tributo com efeito de confisco? Para nada! Esse

último dispositivo não passa de uma inutilidade.

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8. Mas a regra hermenêutica não sem razão anatematiza a interpretação literal

de um dispositivo isolado e a técnica intepretativa interdita a exegese de um texto, abstraído o

seu contexto. E encontra admirável aplicação no âmbito da segurança jurídica. O art. 5º da CF

de 1988 é um outro nome normativo da segurança jurídica, todo ele o é. E nenhum dispositivo

isolado seu. Mas a segurança é, também ela, um instrumento da justiça.

9. A mais eminente de todas as normas assecuratórias de direitos individuais é

a isonomia. Enunciada no caput do art. 5º: “Todos são iguais perante a lei” (igualdade formal,

no sentido kelseniano). E também no item I desse dispositivo: “homens e mulheres são iguais

em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” (igualdade contenutística – diria

PONTES DE MIRANDA). Sem isonomia, nenhuma segurança. Segurança é pois um

subrogado, na metalinguagem doutrinária, dos dispositivos constitucionais que a contemplam

nas dobras dos direitos e garantias individuais (linguagemobjeto).

10. Não somos iguais, homens e mulheres, diante de atos infralegais (decretos,

portarias, instruções, ordens de serviço, resoluções, pareceresnormativos, etc.). Pobre direito

seria a isonomia se adentrada apenas nesses atos infralegais. Uma contrafacção da

segurança. Somos iguais diante da lei (igualdade formal) e na lei (igualdade material). A

metalinguagem doutrinária não está adstrita à repetição servilmente literal da linguagem-objeto,

a do ordenamento constitucional. Por isso pode descrever a relação entre isonomia e

legalidade como uma relação conversa: nenhuma isonomia, sem legalidade; nenhuma

legalidade, sem isonomia. E enunciar por esta via um só princípio, um só direito-garantia, a

legalidade isônoma: ninguém deve fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de

lei isônoma.

11. A exigência geral da legalidade, na linguagem-objeto, está expressa pelo

art. 5º, II: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da

lei”. Ora, tributo, até por definição infraconstitucional, é uma prestação pecuniária compulsória

(CTN, art. 3º). Logo, do princípio expresso e geral, é possível derivar a regra implícita e

particular: ninguém será obrigado a prestar tributo senão em virtude da lei. É até redundante e

pois desnecessária a sua reiteração, nada obstante ocorrente, no âmbito do sistema

constitucional tributário: é vedado exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (CF, art.

150, I).

12. Nesse âmbito, o do sistema constitucional tributário, todas as normas que

integram o subconjunto constituído pelas normas constitucionais tributárias, sobretudo, não

exclusivamente porém, o art. 150 – “limitações constitucionais do poder de tributar” – são

assecuratórias de direitos e instituidoras de deveres. Mas a competência tributária é a soma da

autorização e limitação para o exercício de funções tributárias. Sem autorização, nenhuma

limitação, sem limitação, nenhuma autorização. Logo a segurança tributária é um produto da

consorciação entre ambas. Mas a segurança é estreada de mão dupla: sem dever, nenhum

direito, sem direito, nenhum dever. Essa relação é admiravelmente expressa pela função social

da propriedade. Não é, a função social da propriedade, ao contrário do que ingenuamente se

supõe, uma limitação à propriedade no sentido de que corresponderia a uma restrição à

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disponibilidade e utilização do bem pelo seu proprietário. E nem é sequer apenas um limite do

direito de propriedade. É também - numa perspectiva de visão mais atenta - uma garantia da

preservação do direito de propriedade. Propriedade legítima é a que responde à sua função

social. Expressa então a justiça tributária a vinculação da propriedade à sua função social.

13. Por essa via, são iluminados os caminhos que vinculam os deveres

jurídicos tributários e direitos subjetivos do contribuinte. A desconsideração da função social da

propriedade privada abre ensancha à tributação extrafiscal. A consideração descomedida do

direito do contribuinte (o seu decantado “estatuto”) introduz o império do individualismo jurídico

e sua insensibilidade congênita para as aspirações sociais. A consideração exclusiva dos

deveres sinaliza e arrasta para a hipertrofia do Estado.

14. Já se vê pois que a virtude está no meio. E a virtude, na relação tributária,

identifica-se com a igualdade de tratamento, o justo equilíbrio, a ponderação equilibrada das

relações isonômicas entre fisco e contribuinte no plano normativo. A justiça fiscal não deve

temer o passo atrás, em direção à aurora romana da meditação sobre o Direito: suum cuique

tribuere: justiça fiscal é também ela a arte de dar a cada um (p. ex., fisco/ contribuinte), o que

é seu. O estatuto tributário é não só do contribuinte. É do fisco e contribuinte numa relação

isônoma. Ao fisco o que é do fisco, mas só o que é dele. Ao contribuinte somente o que lhe

pertence. Tanto resplandece o suum cuique tribuere que torna supérfluos e redutíveis os

demais componentes da fórmula romana: honeste vivere, alterum non laedere. Só vive

honestamente, só não lesiona ninguém, que dá a cada um o que é seu.

15. É tão proeminente a posição da isonomia no contexto da CF de 1988, que

ela se multiplica em várias interseções constitucionais. É antes de tudo uma relação “externa”

porque, nas relações internacionais, o Brasil se rege, dentre outros, pelo princípio da igualdade

entre os Estados (art. 4º, V). Os tributos que recaem sobre o comércio exterior – importação/

exportação – não podem ignorar essa exigência. Sob idênticos pressupostos de fato não é

cabível gravar discriminadamente o comércio exterior com tributos que sobre ele recaiam.

16. Nas relações internas, a primeira preocupação (topograficamente) é a de

reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, in fine). Tampouco os tributos

“internos” podem desprezar a extrafiscalidade como um instrumento que estabelece limites à

isonomia entre contribuintes para paradoxalmente preservá-la no plano maior do

desenvolvimento econômico fundamental nacional: “erradicar a pobreza” – diz a CF – é um

objetivo fundamental do Brasil. Limite não é pois limitação. É só um critério técnico para

demarcar as possibilidades de atuação dos supremos princípios constitucionais. Porque essa

proeminência não constitui óbice aos limites dos âmbitos de validade dos princípios – normas

constitucionais e portanto de direito positivo que são. E toda norma de direito positivo é limitada

pelos seus âmbitos de validade. Um princípio de direito positivo, como a segurança, não pode

aspirar uma validade universal.

17. Não é a igualdade simples, aritmética, que os textos constitucionais visam

preservar. É antes uma proporcionalidade, um analogon entre bens e pessoas. A suprema

iniqüidade é tratar igualmente os desiguais. Os impostos não devem ser uniformes e

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linearmente iguais, mas proporcionais segundo a necessidade de atenuar ou – tanto quanto

possível – erradicar as desigualdades sociais. A progressividade visa também assegurar essa

proporção entre bens e pessoas. Onde porém falha o imposto proporcional (no sentido estrito)

instaura-se e legitima-se o império do imposto progressivo. Segurança é tudo isso muito mais

ainda.

18. No interrelacionamento entre a União, Estados, Distrito Federal e

Municípios interpõe-se igualmente a isonomia, ai visualizada não como uma igualdade de

atribuições. Essas pessoas constitucionais são isônomas porque autônomas. Porque recebem

e extraem a sua competência – inclusive a competência tributária – diretamente do texto

constitucional, sem intermediação legislativa alguma. Por isso a lei federal não corta a lei local:

o direito federal não prevalece sempre e em qualquer hipótese sobre o direito local. No âmbito

das atribuições constitucionais dos Estados-membros e Municípios a sua legislação

prevalecerá contra a lei da União que lhes usurpar a competência, máxime a competência

tributária.

19. Sob esse ângulo de análise, transparece o caráter formal da isonomia entre

as pessoas constitucionais porque a manifestação dessa igualdade desconsidera o conteúdo

das competências legislativas e administrativas da União, Estados, Distrito Federal e

Municípios. E conseqüentemente prescinde da avaliação dos resultados (“os ganhos sociais e

econômicos”) do exercício das respectivas competências.

Mas a extrafiscalidade é problema teleológico: visa quanto menos atenuar as

desigualdades substanciais no plano social e econômico. Objetiva sobretudo a igualdade

substancial dentre as regiões e os Estados, a partir da consideração de que são desenvolvidos

uns e subdesenvolvidos outros. A igualdade se aloja então no altiplano dos interesses

nacionais mais relevantes, o dos objetivos nacionais permanentes (“objetivos fundamentais” é

como os nomeia a própria CF, art. 3º). Essa igualdade responde portanto a um valor imanente

e não transcendente ao ordenamento constitucional do país. Mas é, nesses termos havida, um

conceito-guia a orientar o jurista na busca incessante da justiça para as instituições públicas e

privadas nacionais, como se fora uma estrela polar. Incumbe-lhe indicar a solução mais

consentânea com a justiça distributiva: dar a cada Estado, a cada região, o que é seu. Sublime

manifestação da arte do Direito, suas misérias e grandezas. O suum cuique tribuere nas

relações interregionais e interestaduais não diz, com as suas próprias forças, o que é o seu de

cada Estado e cada região. Mas veda a apropriação de qualquer bem jurídico por quem não for

o seu legítimo titular. Nenhuma região ou Estado há-de economicamente desenvolver-se em

detrimento de outra região ou Estado.

Uma conclusão central se impõe: sem isonomia não há segurança, nem Estado

constitucional, porque a igualdade não se confina aos direitos e garantias individuais,

espraiando-se nas relações internacionais e nas relações internas que entretêm as pessoas

constitucionais entre si. A segurança jurídica na criação e aplicação do tributo é apenas uma

particularização desse quadro mais amplo.

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Referência Bibliográfica deste Artigo (ABNT: NBR-6023/2000):

BORGES, José Souto Maior. Marcos Juruena Villela. O princípio da segurança

jurídica

na criação e aplicação do tributo. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ -

Centro

de Atualização Jurídica, nº. 11, fevereiro, 2002. Disponível na Internet:

<http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: xx de xxxxxxxx de xxxx

(substituir x por dados da data de acesso ao site).

http://www.direitopublico.com.br/pdf_11/DIALOGO-JURIDICO-11-FEVEREIRO-

2002-JOSE-SOUTO-MAIOR-BORGES.pdf

ARTIGO 14

DIREITO CONSTITUCIONAL

Fernando Rabello

A SEGURANÇA JURÍDICA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA E SUA INTERFACE

COM O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA

LEGAL SECURITY REGARDING TAX ISSUES AND ITS INTERFACE

WITH THE PRINCIPLE OF TRUST PROTECTION

Sayonara de Medeiros Cavalcante

ABSTRACT

The author assesses the overall principle of legal security and its application in

tax issues, as a means of providing stability, assurance and trust to tax payers in their

relationship with the Brazilian government.

She shows the importance of the observance and application of such principle –

bringing forward the main dogmatic and jurisprudential views favoring its relevance within the

constitutional scope – as well as its connection with the principle of trust protection.

KEYWORDS

Constitutional Law; Tax law; legal security; overall principle; principle of

legitimate trust.

RESUMO

Analisa o sobreprincípio da segurança jurídica e sua utilização na seara

tributária, como meio de garantir estabilidade, certeza e confiança aos contribuintes em suas

relações com a Administração.

Demonstra a necessidade da observância e aplicação de tal princípio –

apresentando as principais correntes doutrinárias e jurisprudenciais que propugnam pela sua

relevância na esfera constitucional – bem como a ligação deste com o princípio da proteção à

confiança.

PALAVRAS-CHAVE

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Direito Constitucional; Direito Tributário; segurança jurídica; sobreprincípio;

princípio da confiança.

1 INTRODUÇÃO

A ideia de segurança jurídica no âmbito do sistema jurídico brasileiro institui-se

como uma referência de conteúdo essencialmente principiológico, assumindo, muitas vezes, a

condição de paradigma na estrutura de regulação nacional.

Nas complexas relações entre a Administração Pública e os administrados,

qualquer atitude no sentido de buscar a supressão de direitos inerentes a um desses pólos de

imantação de obrigações e de deveres na esfera jurídica reclama sempre uma fundamentação

apoiada em ações racionais, justificadas no sistema constitucional vigente.

Instituindo-se no ordenamento jurídico nacional, assume a segurança jurídica a

condição de sustentáculo para toda asserção relacionada à extinção ou inibição do exercício

de direito, exigindo-se, entretanto, que os motivos para sua concretização estejam associados

à prova de que se situam numa articulação com os objetivos e os fundamentos da própria

ordem jurídica como um todo.

Tal estrutura permite que esse princípio possa assumir a categoria de fiadora

formal dos interesses inerentes à sociedade, como fator imprescindível à existência efetiva do

Estado democrático de Direito.

Na esfera tributária, a segurança jurídica passou a ser compreendida como um

pressuposto essencial para garantir a confiança do contribuinte nas suas relações com o fisco.

Tendo em conta tais premissas, centrar-se-á o foco deste estudo na tentativa

de mostrar como prioridade a ideia de proteção às pessoas e à ordem jurídica, sendo possível

asseverar que, a despeito de não estar radicado em qualquer dispositivo constitucional

expresso, o princípio da segurança jurídica faz parte da essência do próprio Direito.

2 COMPREENDENDO A SEGURANÇA JURÍDICA

No entendimento da Ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha1, a segurança2

jurídica pode ser definida como o direito da pessoa à estabilidade em suas relações. Esse

direito articula-se com a garantia da tranquilidade jurídica que as pessoas querem ter, com a

certeza de que tais relações não podem ser alteradas para se tornarem instáveis e inseguras

quanto ao seu futuro, seu presente e até mesmo seu passado.

Nicolau Júnior (2005) acrescenta que a segurança jurídica é o mínimo de

previsibilidade necessária que o Estado de Direito deve oferecer a todo cidadão, indicando-lhe

quais são as normas de convivência a serem observadas de modo a viabilizar relações

jurídicas válidas e eficazes.

Ante tais argumentos, vê-se que a segurança jurídica atinge um patamar de

relevância ímpar, constituindo-se em instrumento de preservação da justiça. O almejado,

então, é demonstrar a evolução do pensamento e da própria ciência jurídica, de modo a afastar

a insegurança e a instabilidade das relações sociais, inserindo novos aspectos que possam

realmente modificar o atual panorama da legislação brasileira.

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Assim, a segurança jurídica torna possível às pessoas o conhecimento

antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos, sem sujeitar-se à conveniência

política de cada momento.

Registre-se que o conteúdo da segurança não se confina em uma estrutura

eminentemente fechada e impregnada de conceitos estáticos. É, antes, algo dinâmico que

busca a consecução dos valores jurídicos, pautando-se por uma interpretação teleológica3, em

que maior é a finalidade da norma, sobretudo a partir da Constituição de 1988. Nesse

arcabouço teórico, compreende-se, então, que a segurança jurídica se sustenta na garantia de

certeza e estabilidade, mediante as quais as pessoas possam estar sempre cientes de seus

direitos, não havendo dúvida quanto à impossibilidade de eventos inesperados, no campo

jurídico, sem o seu prévio conhecimento.

De fato, o pagamento do tributo é um dever fundamental do cidadão,

imperativo para a sobrevivência do Estado4. Mas essa obrigação deve ser proposta dentro dos

limites axiológicos constitucionais, traduzidos na segurança jurídica das relações tributárias.

Borges (2006) preleciona que, embora a segurança jurídica não esteja

expressamente enunciada no texto constitucional, sua implicitude não lhe retira a eficácia, mas

condiciona, como se expresso fosse, a interpretação de toda Constituição. A importância desse

instituto, portanto, para as pessoas poderem conduzir, planejar e desenvolver seus atos, sejam

estes na vida civil, familiar ou profissional é fundamental.

2.1 A SEGURANÇA JURÍDICA COMO SOBREPRINCÍPIO

No campo das significações, o vocábulo princípio5 oferece farta variedade

conotativa. Pode ser traduzido em expressões como “início ou ponto de origem”.

No plano jurídico, destacam-se as importantes ideias de Larenz (1997). Esse

autor definiu os princípios como normas de grande relevância para o ordenamento jurídico, na

medida em que estabeleceu fundamentos normativos para a interpretação e aplicação do

Direito, deles decorrendo, direta ou indiretamente, normas de comportamento.

Abarcam, igualmente, alto grau de abstração, abrindo-se para a ponderação,

uma consequência da dimensão axiológica que possuem. Significa dizer que a aplicabilidade

dos princípios, segundo as razões e os fins aos quais se referem, determinará o peso de sua

importância (ÁVILA, 2004).

No ordenamento jurídico pátrio, assim, repousam assentados sobre sólidos

pilares os princípios jurídicos. Diante disso, torna-se possível vislumbrar a segurança jurídica

tomando por base sua posição como um desses pilares, pois recebe positividade por meio de

vários princípios constitucionais. Essa ótica de compreensão, no campo dogmático-normativo

das relações jurídicas, tem ajudado a perceber qual a sua real abrangência.

A segurança jurídica é, por excelência, um sobreprincípio, ou seja, um conjunto

de princípios que operam para realizar um entrelaçamento de outros princípios, tais como

legalidade, anterioridade, universalidade da jurisdição, irretroatividade,

[...] a segurança jurídica torna possível às pessoas o conhecimento antecipado

e reflexivo das consequências diretas de seus atos, sem sujeitar-se à conveniência

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política de cada momento.entre outros. Não haverá respeito ao sobreprincípio

da segurança jurídica sempre que as diretrizes que o realizem venham a ser concretamente

desrespeitadas, e tais situações infringentes se perpetuem no tempo, consolidando-se. Seria,

portanto, um conjunto de vários princípios que operam para realizar, além dos respectivos

conteúdos axiológicos, princípios de maior hierarquia (CARVALHO, 2007).

Reforçam os dizeres acima, as palavras de Tôrres (2005, p. 164). Para o

justributarista, a segurança jurídica efetiva-se pela atuação de vários outros princípios: Bastaria

instituir valores que lhe servem de suporte, os princípios que, conjugados, formariam os

fundamentos a partir dos quais se levanta. Vista por esse ângulo, difícil será encontrarmos uma

ordem jurídica-normativa que não ostente o princípio da segurança [...]. Transportando-se a

reflexão para o domínio dos sobreprincípios, em particular o da segurança jurídica, é possível

dizermos que não existirá, efetivamente, aquele valor sempre que os princípios que o realizem

forem violados.

São, pois, os sobreprincípios verdadeiros norteadores de todo o ordenamento

jurídico, capazes de possibilitar a interpretação das normas constantes nos textos expressos,

ampliando ou restringindo seus sentidos. Consoante Ávila (2004), são eles que, por sua função

rearticuladora, permitem a interação de vários elementos que compõem o estado ideal de

coisas a ser buscado.

Extrai-se, então, a ideia de que os sobreprincípios são normas amplas, cuja

abrangência é descoberta quando unidos os respectivos princípios a eles ligados e aplicados

às situações concretas.

2.1.1 O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA

Na linha dos argumentos esposados, defensores da tese que entende a

segurança jurídica como sobreprincípio constitucional, merece um olhar específico a posição

que o princípio da proteção à confiança6 vem conquistando no cenário jurídico nacional.

Saliente-se que o ordenamento jurídico é perpassado por uma constante

tensão entre permanência e ruptura, estabilidade e mudança. Isso, de fato, é reflexo da própria

sociedade, que, do mesmo modo, sempre se equilibrou entre a imutabilidade e a inovação,

bem como pela extrema dinamicidade e complexidade, não devendo ser confinados em uma

disposição conceitual totalmente restrita.

Não obstante essa imensa mutação, quando um ato normativo,

presumidamente válido, cria, na esfera jurídica do particular, uma presumível expectativa

quanto ao seu cumprimento, há incidência do princípio da proteção da confiança (ÁVILA,

2002).

Conforme Martins-Costa (2004), a permanência constitui uma das projeções da

confiança legítima, garantindo o cidadão contra os efeitos danosos, ou ilegítimos, das

modificações adotadas pelo Poder Público. Sob tal aspecto, é preciso reconduzir novo sentido

ao princípio enfatizado, pois o cidadão (o administrado, a pessoa) enfrenta hoje uma

hipercomplexa teia de interlegalidade, de internormatividades cruzadas entre valores e

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interesses públicos e privados, estatais e sociais, corporativos e gerais, nacionais e

internacionais, dignos e espúrios, a perturbar a linearidade daquela cadeia dedutiva.

A efetivação do princípio da confiança dá-se no momento em que é visto como

um desdobramento da segurança jurídica, trazendo a esta uma solidez ímpar, pois solidifica as

ideias como: estabilidade jurídica, orientação adequada, clareza e previsibilidade.

Nessa direção, faz-se concluir que a nova forma da qual se reveste o termo

“confiança” constitui um dos desafios hoje enfrentados pelo Estado democrático de Direito. A

confiança é, pois, a expectativa legítima da ativa proteção da personalidade humana como

escopo fundamental do ordenamento. Lógico que, nada obstante tal princípio possa ser

invocado para tutelar os interesses da sociedade, sua aplicação deve ser feita com cautela,

pois a Administração não pode ficar à mercê de circunstâncias individuais. Ademais, os

administrados não devem invocar tal princípio se tiverem, de alguma maneira, contribuído para

sua aplicação com atitudes desleais ou até ilegais.

Daí concordar-se com as ideias de Couto e Silva (2004), quando este afirma

que a confiança dos cidadãos é parte essencial à realização da justiça material. De resto, a

exigência de um comportamento positivo da Administração Pública na tutela da confiança

legítima dos cidadãos corre paralela ao crescimento, na consciência social, da extremada

relevância da conexão entre a ação administrativa e o dever de proteger de maneira positiva os

direitos da personalidade. Interpretar a norma sem atentar para tal princípio, significa macular o

sistema jurídico presente na Carta Constitucional, que dá a cada contribuinte a certeza de que

pode confiar, sem ver-se surpreendido com mudanças na aplicação ou na interpretação da lei,

afastando ou frustrando a segurança que advém das decisões emanadas do Poder Judiciário.

Dessa forma, a mera existência de irregularidades formais nas relações

estabelecidas conforme comportamentos anteriores do próprio Poder Público, não se coaduna

com os princípios fundamentais do Estado de Direito, particularmente o princípio da proteção

da confiança.

3 APLICABILIDADE EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

A tentativa de minimizar as distorções nessas relações foi um dos maiores

pilares para a construção de uma nova proposta sobre a ideia de segurança jurídica em

matéria tributária, especialmente pelo fato de tal princípio ser considerado um sobreprincípio

constitucional.

Em matéria tributária, é nítida a configuração da segurança jurídica em face da

fixação de inúmeros princípios constitucionais, como: irretroatividade tributária (art. 150, III, a,

CF), anterioridade tributária (art. 150, III, b, CF), capacidade contributiva, vedação ao confisco

(art. 150, IV, CF), legalidade (art. 150, I, CF).

Interessante trazer à baila o ensinamento de Rodrigues (2005, p. 257): O

princípio da segurança jurídica em matéria tributária assegura a tranqüilidade constitucional

que o Estado de Direito procura garantir com a positivação do sistema. É assim traduzido pela

certeza das obrigações tributárias com que terá que arcar como membro da sociedade; o

contribuinte tem o direito assegurado de que não será surpreendido pela atuação dos poderes

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públicos além das competências e segundo as normas constitucionais definidas. A

transgressão dos limites constitucionais dos poderes públicos determinaria a quebra de

confiança no direito e no que o sistema posto estatui.

[...] quando um ato normativo, presumidamente válido, cria, na esfera jurídica

do particular, uma presumível expectativa quanto ao seu cumprimento, há incidência do

princípio da proteção da confiança [...].

Do mesmo modo, é conveniente apresentar o sentido dado por Paulsen (2006,

p. 166) ao assunto, ao prelecionar que: [...] O princípio da segurança jurídica atua como

sobreprincípio em matéria tributária, implicando uma visão axiológica convergente da

legalidade, da irretroatividade e da anterioridade, garantias que asseguram a certeza do direito

de modo mais intenso que nas demais searas de regulamentação das relações com a

Administração.

Tornar possível o conhecimento antecipado das obrigações tributárias

configura-se, efetivamente, como uma ferramenta indispensável à concretização do princípio

da segurança jurídica.

Ademais, as garantias constitucionais do contribuinte devem ficar sempre

protegidas das modificações arbitrárias do Poder Executivo e até do Legislativo, caso contrário,

ensejará direito ao contribuinte em acionar o Judiciário para reivindicar a devida correção do

ato.

Mister informar que, como nenhuma regra é absoluta, a reprodução da

fiscalização é possível, excepcionalmente, mediante ordem escrita e fundamentada da

Administração Tributária, caso haja fundado receio de incorreção no procedimento fiscal. A

fundamentação é exigida como garantia do contribuinte contra abusos (MACHADO, 2005).

A irretroatividade tributária também disputa a atenção da doutrina e da

jurisprudência, especialmente no que toca à instituição e majoração de tributos. Esse princípio

determina que as leis tributárias, como, por regra, todas as leis, devem sempre dispor para o

futuro. Não lhes é permitido atingir momentos passados, ou seja, alcançar acontecimentos

pretéritos. Esse é exatamente o lastro que confere estabilidade e segurança às relações

jurídicas entre fisco e contribuintes.

Segundo Machado (2005), como expressão do princípio da segurança jurídica,

a irretroatividade é preceito universal. Faz parte da própria ideia do Direito. O legislador

poderia, por razões políticas, elaborar leis, com cláusulas expressas, determinando sua

aplicação retroativa. Então, para tornar induvidosa a desvalia de tais situações retroativas e

para dar segurança jurídica, erigiu-se este princípio como norma da Lei Maior, segundo o qual

é vedada a cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da lei

que os houver instituído ou aumentado.

Assim, o Direito brasileiro permitiu que algumas leis tributárias retroagissem,

mas somente as que, de alguma forma, beneficiassem o contribuinte. À guisa de ilustração,

pode-se citar o Programa de Recuperação Fiscal (Refis), instituído pela Lei n. 9.964/00 e

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regulamentado pelo Decreto Federal n. 3.431/2000, o qual concedeu anistia a multas e juros,

decorrentes de infrações cujos fatos geradores ocorreram anteriormente ao decreto.

De qualquer maneira, a importância do sobreprincípio da segurança jurídica em

matéria tributária assume no ordenamento jurídico, juntamente com o princípio da proteção à

confiança, no que tange aos atos, procedimentos e condutas do Estado, uma inestimável fonte

de certeza para o contribuinte, em suas relações com a Administração. Esse equilíbrio torna-se

indispensável para o desenvolvimento do país, uma vez que a função social do tributo é a mola

mestra para o surgimento da justiça fiscal.

Com efeito, é possível existirem várias hipóteses em que situações criadas

administrativamente, sob o manto da ilegalidade, ou mesmo da inconstitucionalidade, perdurem

por vários anos sob aparente normalidade e legalidade, gerando no administrado a justa

expectativa de manutenção de seus efeitos benéficos, uma vez que já consolidados. Decerto

que em uma hipótese como esta, obediente à segurança jurídica e, mais especificamente, ao

princípio da proteção à confiança, o Poder Público não poderia, deliberadamente, invocando

apenas o princípio da legalidade7, frustrar uma justa expectativa criada para o administrado.

Então, se não há meios para o contribuinte planejar-se adequadamente, a fim

de arcar com suas obrigações, se não há organização administrativa capaz de gerenciar a

carga tributária nacional, certamente a desordem generalizada continuará havendo, tornando o

legítimo poder de tributar em verdadeiro poder de destruir.

Para ser possível a convivência social, é preciso um mínimo de confiança e

previsibilidade. As crises políticas e econômicas interferem, internamente, em quaisquer dos

Estados atuais, mas a solução não pode ser encontrada em uma busca incessante por novas

leis, inclusive tributárias. A atual legislação, já bastante inflacionada, deve atender aos ditames

constitucionais, e o Poder Judiciário adquire relevante papel, como bem identificado no voto

vista proferido pelo Ministro Humberto Gomes de Barros, em decisão no AgRg em REsp n.

382.736-SC8, onde se lê: Quando chegamos ao Tribunal e assinamos o termo de posse,

assumimos, sem nenhuma vaidade, o compromisso de que somos notáveis conhecedores do

direito, que temos notável saber jurídico [...]. Somos condutores e não podemos vacilar. Assim

faz o STF [...]. O STJ foi criado para dizer o que é a lei infraconstitucional. Ele foi concebido

como condutor dos tribunais e dos cidadãos. Em matéria tributária, como condutor daqueles

que pagam, dos contribuintes [...]. Em verdade, o Poder Judiciário mantém sagrado

compromisso com a justiça e a segurança [...].

Do referido trecho, depreende-se a grande preocupação que impera nos

órgãos superiores judicantes, resultado da insegurança à qual o cidadão vem sendo submetido

ao longo dos anos, ocasionada pela incessante transgressão dos limites constitucionais

previstos na Constituição. Ressaltem-se, como exemplos, as frequentes ações por parte do

governo, com o uso indevido e desproporcional de instrumentos legislativos, como as medidas

provisórias, sob a falsa retórica de que somente o aumento na arrecadação torna possível a

realização das políticas públicas.

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Tornar possível o conhecimento antecipado das obrigações tributárias

configura-se, efetivamente, como uma ferramenta indispensável à concretização do princípio

da segurança jurídica.

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Poucos são os casos nos quais a Constituição permite à Administração Pública

o uso do poder discricionário em se tratando de matéria tributária, no entanto, não obstante as

severas críticas doutrinárias, as afrontas existentes são em número bastante considerável. A

situação agrava-se, consideravelmente, quando se observa a avassaladora instabilidade que

rege o Poder Executivo, ao editar e revogar seus atos ao sabor das conveniências do momento

político em vigor. Essas atitudes transformam-se em verdadeiros algozes do contribuinte, pois

está ele indefinidamente a esperar, na verdade, atitudes que respeitem e assegurem seus

direitos fundamentais.

A plena capacidade de controle jurisdicional em rever os atos administrativos

na esfera tributária encontra esteio na necessidade primordial do contribuinte de confiança e

certeza em suas relações com o fisco. Esses direitos, quando feridos, fazem brotar para os

administrados as condições legítimas para exigir do Judiciário o adequado reexame do ato.

No plano jurisprudencial denotam-se inúmeras situações sobre as quais o

Judiciário concretizou efetivamente seu poder corregedor. Nesse sentido, expõem-se os

seguintes julgados do Supremo Tribunal Federal:

Nossa preocupação primeira há de ser com a guarda da Constituição. Nenhum

fato da vida econômica ou da vida social, no instante em que somos chamados a dizer se um

determinado ato normativo ou uma certa lei está em desacordo com a Constituição, pode

colocar-se como prioridade em relação ao cumprimento da Constituição9.

O STF – que é o guardião da Constituição, por expressa delegação do Poder

Constituinte – não pode renunciar ao exercício desse cargo, pois, se a Suprema Corte falhar no

desempenho da gravíssima atribuição que lhe foi outorgada, a integração do sistema político, a

proteção das liberdades públicas, a estabilidade do ordenamento normativo do Estado, a

segurança das relações jurídicas e a legitimidade das instituições da República estarão

profundamente comprometidas. O inaceitável desprezo pela Constituição não pode verter-se

em prática governamental consentida. Ao menos enquanto houver um Poder Judiciário

independente e consciente de sua alta responsabilidade política, social e jurídico-institucional

[...]10.

As concepções acima elencadas trazem em seu bojo a importância de uma

eficiente atuação jurisdicional. Daí infere-se o merecido destaque para os princípios tributários,

corolários do sobreprincípio da segurança jurídica, um dos principais esteios da sindicabilidade

dos atos estatais. Na opinião de Harada (2008), o sistema jurídico-tributário depende da correta

aplicação das leis, quer pela Administração, quer, principalmente, pelo Judiciário, a quem cabe

recusar a aplicação de leis desconformes, isto é, daquelas que violam a hierarquia vertical das

normas tributárias, as quais têm, no seu ápice, os direitos fundamentais traduzidos pelo

sobreprincípio da segurança jurídica.

É o caso da Medida Provisória n. 413/2008, que instituiu a majoração da

alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para as empresas atuantes no

setor financeiro, de 9% para 15%. Atualmente, a medida, que já foi convertida na Lei n.

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11.727/08, está em apreciação no STF, em função da ADI n. 4.003, proposta pelo partido

Democrata (DEM).

A principal alegação contida na ação é que a aplicação da alíquota majorada,

pela citada lei, sobre atos ocorridos antes de sua vigência, afronta a segurança jurídica que a

Constituição pretendeu assegurar ao contribuinte, notadamente pelo princípio da

irretroatividade.

Existe, ainda, o Decreto n. 6.339/08, questionado pelas ADI n. 4.002 e ADI n.

4.004, propostas pelo mesmo partido, além da ADI n. 4.110, proposta pela Associação

Brasileira Radiodifusão e Tecnologia e Telecomunicações (Abratel), que majorou a alíquota do

Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas operações de crédito envolvendo pessoa

física e também nas operações de câmbio. Com o Decreto, a alíquota diária do IOF para

pessoas físicas passou de 0,0041% para 0,0082%. Também foi criada uma alíquota extra de

0,38% sobre operações de crédito.

Em que pese nenhuma das aludidas Ações Diretas de Inconstitucionalidade

terem sido julgadas no mérito, é de se atentar para alguns comentários feitos pela doutrina,

inconformada com essa “compensação”, por parte do Poder Executivo, para o fim da

Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).

Para Vieira e Ferreira (2008), a constitucionalidade do citado decreto que

majorou o IOF pode ser questionada, devido ao art. 153, § 1º, da Constituição Federal, que

“faculta” ao Poder Executivo a alteração das alíquotas dos impostos de importação,

exportação, sobre produto industrializado e sobre operações financeiras, mas condicionando

essa alteração à observância das condições e limites estabelecidos em lei. A propósito,

destaque-se o teor do citado dispositivo constitucional: Art. 153. [...] § 1º. É facultado ao Poder

Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos

impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V. (Imposto de Importação, Imposto de Exportação,

IPI, e IOF). (Grifo nosso).

Na mesma linha de argumentação, segue a doutrina de Harada (2008a). Para

o justributarista, o IOF, a exemplo do Imposto de Importação (II), do Imposto de Exportação (IE)

e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), tem caráter regulatório. Valer-se, então, da

faculdade prevista no § 1º do art. 153 da CF, não para regular os quatro setores da economia –

mercados de câmbio, de seguro, de créditos e de títulos e valores mobiliários – mas para

promover o aumento da receita tributária, como se depreende da falta de motivação dos atos

praticados, é incorrer no desvio de poder.

Perfilha-se a esses comentários Jacobina (2008), reportando que o IOF não

tem, por natureza, função arrecadatória, laborando como instrumento de intervenção na

economia, previsto na Constituição como exceção ao princípio da anterioridade. Agindo dessa

forma, o governo se valeu de uma exceção constitucional, usando o referido imposto de

maneira diametralmente oposta àquela que balizou a criação do tributo.

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Quanto à cobrança da CSLL, aduzem Vieira e Ferreira (2008) ser importante,

inicialmente, observar que, por ser medida excepcional, a Constituição da República, em seu

art. 62,

[...] o Direito brasileiro permitiu que algumas leis tributárias retroagissem, mas

somente as que, de alguma forma, beneficiassem o contribuinte. condiciona a edição de

medida provisória a dois requisitos essenciais: relevância e urgência. Significa que o

Presidente da República poderia aumentar a alíquota da CSLL, por meio de medida provisória

caso restasse demonstrada a relevância da medida e comprovada a urgência, o que não

houve.

Apesar dos fatos e argumentos apresentados, na verdade, o que ficou na

mente dos contribuintes foi uma burla à proteção da confiança depositada, para ver a

diminuição da atual carga tributária, já tão excessiva. De fato, não se encontra nos

fundamentos utilizados para a criação súbita dos questionados dispositivos legais, a presença

de nenhum dos dois supramencionados requisitos, fincando, por óbvio, demonstrada a

verdadeira pretensão do governo, ao aumentar a alíquota, em recompor tão-somente a perda

da arrecadação com a extinção da CPMF, o que não caracterizaria, em absoluto, a ocorrência

dos fatores relevância e urgência.

Mais salutar ao panorama tributário brasileiro seria espelhar a direção no

julgamento dessas ações, na recém-julgada ADI n. 4.048, oportunidade em que o Supremo

Tribunal Federal decidiu, por maioria, deferir a cautelar pleiteada em ação proposta pelo

Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) para suspender a vigência da Medida

Provisória n. 405/2007, estendendo a decisão a sua lei de conversão – Lei n. 11.658/2008 –,

que propunha abrir crédito extraordinário, em favor da Justiça Eleitoral e de diversos órgãos do

Poder Executivo.

Naquele momento, os ministros entenderam haver um patente desvirtuamento

dos parâmetros constitucionais que permitiriam a edição de Medidas Provisórias para a

abertura de créditos extraordinários. Enfatizou-se, inicialmente, que a abertura de crédito

extraordinário, por meio de medida provisória, não seria vedada, em princípio, pela

Constituição Federal (art. 62, § 1º, I, d). Afirmou-se, entretanto, que a Constituição, além dos

requisitos de relevância e urgência (art. 62), imporia que a abertura do crédito extraordinário

fosse feita apenas para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, sendo exemplos dessa

imprevisibilidade e urgência as despesas decorrentes de guerra, comoção interna ou

calamidade pública (CF, art. 167, § 3º)11.

Acrescente-se que outras medidas provisórias haviam sido editadas nos

mesmos moldes da MP n. 405/2007, antes do julgamento da ADI n. 4.048, podendo citar-se a

MP n. 406/2007 (abre crédito extraordinário de R$ 1.250.733,499,00 em favor de órgãos do

Poder Executivo); a MP n. 408/2007, convertida na Lei n. 11.669/08 (abre crédito extraordinário

de R$ 3.015.446.182,00 a diversos órgãos do Poder Executivo); a MP n. 424/2008 (abre

crédito extraordinário no valor de R$ 1.816.577.877,00 a favor de diversos órgãos do Poder

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Executivo) e a MP n. 430/2008 (abre crédito extraordinário no valor de R$ 7.560.000.000,00 a

favor do Ministério do Planejamento), dentre outras (HARADA, 2008b).

Embora a medida liminar em sede de ADI não possua efeito vinculante, todas

as referendadas medidas provisórias e respectivas leis de conversão restaram atingidas pela

decisão da Corte Suprema, a qual demonstrou estar assentando a tese de que a abertura de

crédito extraordinário deve submeter-se às expressas exigências do § 3º do art. 167 da CF,

não bastando apenas mencionar os requisitos urgência e relevância para edição de medida

provisória, mas evidenciar a presença deles, com outro requisito ínsito e igualmente

fundamental, que é a imprevisibilidade do evento.

Nessa atual realidade, espera-se que o julgamento das mencionadas ações

diretas de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal possa atribuir a essas

situações o melhor entendimento em favor da sociedade contribuinte brasileira.

O sobreprincípio da segurança jurídica, então, deflui da máxima efetividade dos

preceitos constitucionais, e em matéria tributária, tem como importante aporte, além dos

princípios da anterioridade, da irretroatividade, do respeito à capacidade contributiva, da

vedação ao efeito confiscatório, o princípio da proteção à confiança, legítimo e maior

estabilizador das condutas que interligam as relações sociais e jurídicas entre Administração e

contribuintes.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os princípios constitucionais, pela sua força axiológica, representam vetores

responsáveis por guiar e vincular o administrador na busca pela efetividade administrativa. São

a essência e a identidade da própria Carta Magna. Ao admitir-se tal pensamento, constata-se o

constitucionalismo como novo protagonista na aplicação do direito, capaz de irradiar seus

efeitos por todo o ordenamento jurídico.

A aplicação conjugada dos princípios constitucionais é o principal pilar de

sustentação, pelo qual os indivíduos buscam alcançar o direito à gestão pública transparente,

objetiva e imparcial.

Nesse plano, a segurança jurídica configura-se em sobreprincípio, ou seja, um

conjunto de princípios que, no Direito Tributário, operam para realizar, além dos respectivos

conteúdos axiológicos, a manutenção de situações concretas que precisam se perpetuar no

tempo, para oferecer estabilidade, certeza e confiança aos contribuintes, constituindo-se,

assim, em um valor de carga axiológica superior à do próprio princípio.

Princípios como o da irretroatividade tributária vêm preservar o passado,

impedindo que o contribuinte seja afetado por fatos geradores ocorridos antes do início da

vigência da lei que os houver instituído ou majorado. A anterioridade tributária, por sua vez,

traz promessa de conhecimento antecipado ao contribuinte. Tais situações restam culminadas

no princípio da proteção à confiança, corolário máximo da segurança jurídica. A confiança dos

cidadãos é fundamento do Estado democrático de Direito, assim entendido como um Estado de

confiança. Em um contexto já intensamente marcado pelas incertezas, como é a sociedade

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brasileira, seria impensável uma ordem jurídica na qual não se acredite ou que não viabilize,

por meio de seus órgãos estatais, o indispensável estado de confiança.

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Sob este último aspecto, não se pode mais tolerar o abismo construído entre os

valores constitucionais e a realidade factual, aliada a uma Administração indiferente e muitas

vezes hostil à preservação dos direitos assegurados na Constituição Federal.

[...] a importância do sobreprincípio da segurança jurídica em matéria tributária

assume no ordenamento jurídico, [...] uma inestimável fonte de certeza para o contribuinte, em

suas relações com a Administração.

É certo que não se pretende encarar a segurança jurídica como um fenômeno

estritamente formal, enraizado na ideia fixa de absoluta previsibilidade de todos os atos da

Administração Pública, bem como a impossibilidade de sua alteração. O que se coloca é a real

necessidade de observá-la como um direito constitucional, voltado à realização e manutenção

da própria Democracia.

NOTAS

1 Cf. tal entendimento em Rocha (2004, p. 168).

2 Exprime, gramaticalmente, a ação e efeito de tornar seguro, ou de assegurar

e garantir alguma coisa. Assim, segurança tem sentido equivalente a estabilidade, pois o que é

estável é seguro: a garantia, a firmeza, a fiança, sem dúvida, dão sempre idéia do que está no

seguro, para que se evitem prejuízos em caso de danos ou riscos. Segurança, qualquer que

seja a sua aplicação, insere o sentido de tornar a coisa livre de perigos, livre de incertezas,

assegurada de danos ou prejuízos, afastada de todo mal. (SILVA, 2007, p. 1266).

3 Nesse sentido, Hugo de Brito Machado defende que o elemento teleológico

torna-se fundamental para ser possível aplicar as normas jurídicas e obter a solução adequada,

razoável e justa dos conflitos humanos. (MACHADO, 2005).

4 Para maiores aprofundamentos, consultar as seguintes obras: Nabais (1998);

Tipke (2002).

5 Significa normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como

base, como alicerce de alguma coisa. Exprimem sentido mais relevante que o da própria razão

fundamental de ser das coisas jurídicas, convertendo-as em perfeitos axiomas. Nesta acepção,

não se compreendem somente os fundamentos jurídicos, legalmente instituídos, mas todo

axioma jurídico derivado da cultura jurídica universal. Compreendem, pois, os fundamentos da

ciência jurídica, onde se firmaram as normas originárias do direito, que traçam as noções em

que se estrutura o próprio direito. Assim, nem sempre os princípios se inscrevem nas leis, mas

são bases ao direito, preceitos fundamentais para sua prática e proteção. (SILVA, 2007, p.

1095).

6 Nas últimas décadas do século XX, este princípio ganhou mais nitidez,

destacando-se da segurança jurídica, com notável expansão na Europa, particularmente na

Alemanha, onde conquistou enorme sucesso. Dentre os atuais temas dominantes relacionados

aos dois princípios, estão: a responsabilidade do Estado pelas promessas firmes feitas por

seus agentes; o dever do Estado de estabelecer regras transitórias em razão de bruscas

mudanças introduzidas no regime jurídico. (SILVA, 2004, p. 271-315).

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7 A subordinação da Administração Pública não é apenas à lei. Deve haver o

respeito à legalidade sim, mas encartada no plexo de características e ponderações que a

qualifiquem como razoável. Não significa dizer que se possa alternativamente obedecer à lei ou

ao Direito. Não. A legalidade devidamente adjetivada razoável requer a observância cumulativa

dos princípios em sintonia com a teleologia constitucional. A submissão razoável apresenta-se

menos como submissão do que como respeito. Não é servidão, mas acatamento pleno e

concomitante à lei e, sobretudo, ao Direito. (FREITAS, 1997, p. 60-61).

8 Cf. AgRg em REsp n. 382.736-SC, STJ, 1ª Seção, Relator: Ministro Castro

Meira, DJ 25/02/2004. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/decisoes/ doc=382736>. Acesso

em 20 jun. 2008.

9 Cf. ADI n. 447-DF, DJ 05/03/1993.

10 Cf. ADI n. 2.010-2-DF, DJ 22/03/2004.

11 Cf. ADI n. 4.048 MC/DF, DJ 14/05/2008.

REFERÊNCIAS

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expectativa do contribuinte. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, n. 13, abr./mai. 2002. Dis-

ponível em <http://www.direitopublico.com.br./pdf_13-Avila.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2007.

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<http://www.direitopublico.com.br/princ_segurança_jurídica_pbc.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2008.

FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios

fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.

HARADA, Kiyoshi. Aumento do IOF: insubsistência dos argumentos do governo

federal perante o STF. Jus Navigandi, Teresina, v. 12, n. 1709, mar. 2008a. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11016>. Acesso em: 29 abr. 2008.

______. Aberturas de créditos extraordinários: exame da MP n. 405/07: efeitos

da decisão do STF. 2008b. Acesso em: 21 maio 2008.

JACOBINA, Rodrigo. Segurança jurídica e fraude constitucional. Revista Visão

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VIEIRA, Maria Leonor Leite; FERREIRA, Olívia Tonello Mendes. Alteração na

cobrança de IOF e CSLL é inconstitucional. Revista Consultor Jurídico, fev. 2008. Disponível

em:<http://conjur.estadao.com.br/static/section/26_1/articles.htm> Acesso em: 7 mar. 2008.

Artigo recebido em 16/1/2009.

Sayonara de Medeiros Cavalcante é servidora do Tribunal de Justiça do Estado

do Rio Grande do Norte.

http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/cej/article/viewFile/1087/1288

ARTIGO 15

Temporalidade e Segurança jurídica – irretroatividade e anterioridade

tributárias

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Temporality and Legal Certainty – Predictability and

Prohibition of Retroactivity in Brazilian Tax Law

Revista da PGFN

1 A segurança jurídica da temporalidade no Sistema Constitucional

Tributário brasileiro

O homem encontra no tempo a fonte das suas maiores inseguranças. Existir é

coincidir em uma temporalidade contínua na qual somente por uma interpretação do “tempo”

pode-se definir o “agora”, o “passado” e o “futuro”. O tempo interpretado equivale à constituição

em linguagem daquela ontologia que é o “ser” no tempo”, pois, como diz Heidegger, só a

“temporalidade possibilita a unidade da existência”.1 O direito organiza essa unidade de

medida e, por cortes hermenêuticos, “cria” o “tempo público” e “ordena” o viver no tempo.

O tempo é um fato, um dado da realidade construída pela linguagem, mas o

direito não se poderia aplicar sem o tempo “do” fato. Nesse processo heurístico e

institucionalizante da temporalidade, o direito cria seus mecanismos para organizar a atividade

do homem e do Estado ao longo desse contínuo marcado pelos fatos jurídicos. A generalidade

das normas jurídicas perfaz-se na temporalidade do direito2 e, por isso mesmo, tem sua

duração definida pela vigência, seja esta ilimitada ou provisória. Os tipos abstratos contidos na

generalidade positiva da norma permitem que o aplicador os oriente para qualquer ponto da

temporalidade, segundo os fatos ocorridos, daí a necessidade de criação de critérios de

definição quanto ao tempo do fato e certeza quanto à aplicabilidade da lei no tempo. Diz-se,

costumeiramente, que toda norma deve ser irretroativa e que seus efeitos protraem-se para o

futuro; com isso, qualquer retroatividade seria uma excepcionalidade. Entretanto, vale atentar

para o fato de que toda norma jurídica possui uma bidimensionalidade temporal, ou seja, pode

ser aplicada tanto para disciplinar fatos futuros quanto para alcançar fatos passados, salvo nas

hipóteses abrangidas pelas “regras de bloqueio” que vedem seus efeitos retroativos. Portanto,

na falta dessas regras, somente construções amparadas na segurança jurídica ou no princípio

de confiança legítima podem conter essa “disponibilidade” bidimensional da lei na regência do

tempo.3 Dito de outro modo, na falta de “regras de bloqueio da retroatividade” expressas (v.g.,

art. 5.º, XXXVI, art. 150, III, a, da CF; disposição expressa da própria lei; LICC; art. 105 e 106,

do CTN etc.), caberia ao sujeito afetado

1 HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 11. ed. Tradução de Marcia Sá

Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2004. v. 2. p.123 e ss.; para um estudo do tempo e o

direito: OST, François. O tempo do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 2001; ELIAS, Norbert. Sobre

o tempo. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1998; ASKIN, I. F. O problema do

tempo: sua interpretação filosófica. São Paulo: Paz e Terra, 1969; RICOUER, Paul. Tempo e

narrativa. Campinas: Papirus, 1997. t. III.

2 CAPOZZI, Gino. Temporalità e norma. 4. ed. Napoli: Casa Editrice Dott.

Eugenio Jovene, 2000. p. 262 e ss.; HUSSERL, Gerhart. Diritto e tempo. Tradução de Renato

Cristin. Milano: Giuffrè, 1998. p. 3-60. 3 Como enfatiza Juha Raitio, da Universidade de

Helsinki: “The principle of non-retroactivity can be linked to the legitimate expectations of the

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citizens” (RAITIO, Juha. Legal certainty, non-retroactivity and periods of limitation in EC law.

Legisprudence. Oxford: Hart Publishing, 2008, v. 2, n. 1, p. 4). Heleno Taveira Torres a

possibilidade de alegar o princípio de confiança e estabilidade como proteção do estado de

segurança que se exige do ordenamento, para conter a retroação normativa (regras de

bloqueio da retroatividade implícitas). Esta “dominação” jurídica do tempo queda-se, assim,

garantida pela segurança jurídica nas suas distintas formas de expressão. Nesse processo de

juridicização da temporalidade normativa, o direito prescreve o “decurso temporal” entre os

“termos” inicial (a quo) e final (ad quem), qualifica o início da vigência, cria bloqueios

normativos para retroações, estabelece efeitos para a datação do tempo público e gera ficções

temporais. O próprio tempo legal é uma ficção do tempo como serem- si. E além desses

aspectos, pertinentes ao tempo “no” sistema jurídico, não se pode olvidar do tempo “do”

direito,4 que em tudo influi, no curso da sua historicidade e experiências da secularidade dos

institutos, conceitos e aplicações do direito posto e do direito pressuposto.5 Nesse sentido, o

direito constrói seu “tempo” na temporalidade que o faz presente. As regras de anterioridade,

anualidade e irretroatividade tem regime e eficácia típica de “garantia”. E ainda que o art. 150,

caput, da CF, silenciasse sobre assegurar as garantias previstas, posto serem estes princípios

que integram o conteúdo da garantia maior, que é a segurança jurídica, e pela função que

estas exercem no sistema constitucional, de proteção de princípios de direitos e liberdades

fundamentais, o regime de garantia teria preeminência sobre qualquer outro. Como já

assentamos em passagem específica a respeito, nada impede que garantias possam se

qualificar como princípios. A única diferença fica por conta da imponderabilidade, quando em

eventual colisão com qualquer princípio. Neste caso, a garantia há de prevalecer, pelo efeito de

proteção dos valores dos princípios que lhe são inerentes, como é o caso do princípio de não

surpresa. Somente princípios veiculam valores passíveis de preferibilidade. As garantias são

princípios como “limites objetivos”6 e visam a proteger outros princípios que veiculam valores

pertinentes a direitos ou liberdades fundamentais.

4 BRETONE, Mario. Diritto e tempo nella tradizione europea. Bari: Laterza,

2004. p. 33 e ss.

5 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 7. ed. São

Paulo: Malheiros, 2008.

6 A diferenciação entre princípios que veiculam “valores” e princípios como

“limite objetivo” adotada por Paulo de Barros Carvalho, é de fundamental relevância para a

análise da matéria. Ainda que a noção de “garantia” tenha, neste estudo, funções de princípios

como “limites objetivos”, diferenciase pelo caráter protetivo de outros direitos e liberdades

fundamentais que lhe atribuímos, tanto mais naqueles casos referidos expressamente no

âmbito do art. 150 da CF (garantias asseguradas ao contribuinte). Como alude Paulo de Barros

Carvalho: “Entrevemos na consideração do signo ‘princípio’, distinguindo-o como ‘valor’ ou

como ‘limite objetivo’, um passo decisivo, de importantes efeitos práticos. Isso porque, se

reconhecermos no enunciado prescritivo a presença de um valor, teremos que ingressar,

forçosamente, no campo da Axiologia, para estudá-lo segundo as características próprias das

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estimativas” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 21. ed. São Paulo:

Saraiva, 2009. p. 159).

A estabilidade, estimabilidade, calculabilidade ou previsibilidade7 do direito

integram a segurança jurídica na ordem temporal, pela previsão expressa das garantias de

não-surpresa e de vedação de regulação ex post facto; e, assim, o respeito aos direitos

adquiridos, à autoridade da coisa julgada, enquanto preservação da regra patere legem quam

ipse fecisti, segundo a qual a autoridade deve suportar e respeitar a regra editada,8 além de

determinação clara e objetiva de prazos de prescrição e decadência. A segurança jurídica da

norma tributária no tempo e do tempo da norma (estabilidade temporal) requer, ademais de

todos os aspectos já assinalados, determinação objetiva quanto à frequência de exigibilidade

dos tributos a cada exercício financeiro, por unicidade, renovação periódica, exigência

provisória ou trato sucessivo; clara especificação quanto ao início da vigência das leis e

tratamento da vacatio legis; a tipificação, tributo a tributo, incidência por incidência, do critério

temporal da regra matriz de incidência, e, igualmente, toda a designação temporal dos atos ao

longo dos procedimentos e processos de cobrança do tributo, a exemplo do lançamento, dos

casos de extinção ou de suspensão da exigibilidade, inclusive quanto à decadência e

prescrição, afora isenções, sanções aplicáveis ou obrigações formais. Assim, o direito propõe-

se regular as relações no tempo tanto como proibição da retroatividade do não benigno9,

quanto em relação à vigência para o futuro.

Diante do amplo arquétipo de garantias constitucionais de estabilidade

temporal em matéria tributária previsto na Constituição, e da própria norma geral em matéria de

“legislação tributária”, que é o Código Tributário Nacional – CTN, especialmente pelos arts.

105, 106 e 146, confirma-se a vedação sistêmica do ordenamento brasileiro contra qualquer

retroação de efeitos por atos legislativos, administrativos ou judiciais com efeitos erga omnes,

excetuados unicamente os casos de fiscalizações sobre fatos não conhecidos pela

Administração em lançamentos anteriores e as decisões em processos judiciais ou

administrativos de casos concretos.

7 Diz Anne-Laure Valembois: “Stabilité et previsibilité sont en effet les deux

exigences qu’implique la sécurité juridique dans sa dimension temporelle” (VALEMBOIS, Anne-

Laure. La constitutionnalisation de l’exigence... cit., p. 201; cf. RAITIO, Juha. The principle of

legal certainty in EC law. Dordrecht: Kluwer, 2003, p. 201 e ss.).

8 SCHERMERS, Henry G.; WAELBROECK, Denis F. Judicial protection in the

European Union. Hague: Kluwer, 2001. p. 84.

9 Interessante observar que esta formulação foi acolhida por constituições mais

recentes e de influência lusófona. O art. 207 da Constituição de Moçambique, de 1990, prevê

que “as leis só têm efeito retroactivos quando beneficiam os cidadãos e outras pessoas

jurídicas”. De forma menos incisiva, tem-se o art. 96 da Constituição de Cabo Verde, de 1992,

como segue: “A lei fiscal não tem efeito retroactivo, salvo se tiver conteúdo mais favorável para

o contribuinte”. Para um exame dessas diferenciações, veja-se: GOUVEIA, Jorge Bacelar. A

proibição da retroactividade da norma fiscal na Constituição portuguesa. In: CAMPOS, Diogo

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Leite de. Problemas fundamentais do direito tributário. Lisboa: Vislis, 1999. p. 39 e ss. Heleno

Taveira Torres

2 As garantias de irretroatividade , anualidade e anterioridade no direito

brasileiro

Para proteger a previsibilidade, a confiança e a estabilidade no tempo, o

ordenamento constitucional conta com as garantias de irretroatividade, anterioridade e

anualidade das leis tributárias.

A garantia de irretroatividade do não benigno é princípio basilar da segurança

jurídica. Mesmo nas constituições que não o contemplam expressamente, como na

Alemanha,10 Itália,11 França,12 Espanha13 ou 10 Na Alemanha não há regra expressa que

proíba a retroatividade das leis tributárias. Em vista disso, a doutrina esforça-se para construir

esse princípio a partir daqueles do Estado de Direito, da segurança jurídica, da confiança

legítima e da efetividade dos direitos fundamentais, ademais da retroatividade das leis penais.

Cf. TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Direito tributário. Tradução de Luiz Dória Furquim. Porto

Alegre: Fabris, 2008. v. 1. p. 247-259. TIPKE, Klaus. La retroattività nel diritto tributario. In:

AMATUCCI, Andrea (Coord.). Trattato di diritto tributario. Padova: Cedam, 1994. v. 1, t. I, p.

437-447; BOZZA, Nadya. I principi e la tutela del contribuinte nell’abgabenordung e le

esperienze pratiche. Il fisco, Roma: Il Fisco, 2003. n. 10. p. 61-76.

11 Na Itália, este princípio, no âmbito da interpretação constitucional, foi

elaborado a partir da irretroatividade da lei penal e dos princípios da legalidade, da capacidade

contributiva, integridade do patrimônio e até mesmo da dignidade da pessoa humana. Cf.

MICHELI, Gian Antonio. Corso di diritto tributario. 8. ed. Torino: Utet, 1989. p. 64; MELIS,

Giuseppe. Interpretazione autentica, retroattività e affidamento del contribuente: brevi riflessioni

su talune recenti pronunzie della corte costituzionale. Rassegna Tributaria, Roma: 1997. v. 45,

n. 4, p. 864-880. SANTI, Giovanni Grottanelli de. Profili costituzionali della irretroattività delle

leggi. Milano: Giuffrè, 1970. Recentemente, porém, o art. 3.º da Lei 212, de 27 de julho de

2000, que introduziu o “Statuto dei diritti del contribuente”, introduziu tanto o princípio da

irretroatividade quanto aquele da anterioridade em matéria tributária:

“1. Salvo quanto previsto dall’articolo 1, comma 2, le disposizioni tributarie non

hanno effetto retroattivo. Relativamente ai tributi periodici le modifiche introdotte si applicano

solo a partire dal periodo d’imposta successivo a quello in corso alla data di entrata in vigore

delle disposizioni che le prevedono. 2. In ogni caso, le disposizioni tributarie non possono

prevedere adempimenti a carico dei contribuenti la cui scadenza sia fissata anteriormente al

sessantesimo giorno dalla data della loro entrata in vigore o dell’adozione dei provvedimenti di

attuazione in esse espressamente previsti” (Cf. FANTOZZI, Augusto. Il diritto tributario. 3. ed.

Torino: Utet, 2003, p. 199 e ss.; FALSITTA, Gaspare. Manuale di diritto tributario: parte

generale. 6. ed. Padova: Cedam, 2008. p. 97-112; MASTROIACOVO, Valeria. I limiti alla

retroattività nel diritto tributario. Milano: Giuffrè, 2005).

12 Na França prepondera a aplicação do regime civilístico ao direito tributário,

mediante aplicação do art. 2.º do Código Civil: “La loi ne dispose que pour l’avenir; elle n’a point

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d’effet rétroactif”; com o que dispõe o art. 5.º, da Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão: “La Loi n’a le droit de défendre que les actions nuisibles à la Société. Tout ce qui n’est

pas défendu par la Loi ne peut êtr empêché, et nul ne peut être contraint à faire ce qu’elle

n’ordonne pas”. Ver: MALINVAUD, Philippe. L’étrange montée du contrôle du juge sur les lois

rétroactives. 1804-2004, Le Code civil, un passé, un présent, un avenir. Paris: Dalloz, 2004. p.

671-692; DEBAT, Olivier. La rétroactivité et le droit fiscal. Paris: Defrénois, 2006. p. 146 e ss.;

Commission des Finances du Senat – Cefep. Loi fiscale, rétroactivité et sécurité juridique:

quelle conciliation? Revue de Droit Fiscal, n. 17, p. 622-629, Paris: Lexis Nexis, 1999;

LEMAIRE, Fabrice. Actualité du principe de rétroactivité de la loi fiscale. RJF, n. 3. p. 186-190,

Paris: Levallois Perret, 1999.

13 No direito espanhol a Constituição não comporta um princípio semelhante.

Recentemente, a Ley General Tributaria 58, de 17 de dezembro de 2003, introduziu avanços

significativos, mas ainda de reduzida segurança jurídica. Cf. art. 10. “Ámbito temporal de las

normas tributarias. 1. Las normas tributarias entrarán en vigor a los veinte días naturales de su

completa publicación en el boletín oficial que corresponda, si en ellas no se dispone otra cosa,

y se aplicarán por plazo indefinido, salvo que se fije un plazo determinado. 2. Salvo que se

disponga lo contrario, las normas tributarias no tendrán efecto retroactivo y se aplicarán a los

tributos sin período impositivo devengados a partir de su entrada na Bélgica,14 ainda assim se

aceita o postulado (teórico), confirmado em jurisprudência, da irretroatividade das leis

tributárias. Veremos que, no Brasil, são sobremodo relevantes os meios constitucionais

adotados para afirmar a efetividade do princípio-garantia da segurança jurídica, por meio do

art. 5.º, XXXVI, e do art. 150, III, da CF,15 para proteger os fatos e situações jurídicas

consolidados no passado contra qualquer tentativa de modificação posterior; bem como para

impedir inovação ou aumento de tributo sobre fatos anteriores tanto à publicação

(irretroatividade) quanto à entrada em vigor da lei (anterioridade). Por conseguinte, como

observa Tercio Sampaio Ferraz Jr., “a anterioridade, como a irretroatividade, é expressão do

direito à segurança”.16 E acrescentamos: no Brasil, a certeza jurídica e a garantia de

estabilidade de situações jurídicas asseguradas pela Constituição são o que nos diferencia de

experiências alienígenas com significativa vantagem. No cenário internacional, poucos países

contemplam a irretroatividade tributária na Constituição, independentemente do princípio da

proteção ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito ou de uma cláusula de irretroatividade

geral. Exemplos marcantes são Colômbia e Portugal. Outro país que assim o prevê é a Grécia,

cuja Constituição traz em seu artigo 78, § 2 e 3, a previsão expressa de que um tributo ou

qualquer outro ônus financeiro não pode ser cobrado por meio de lei retroativa, não obstante

traga como hipóteses de exceção os impostos de importação, exportação e os impostos sobre

o consumo. Um grupo importante de países, porém, preferiu adotar a irretroatividade geral,

com extensão às normas tributárias. Neste, encontram-se as Constituições da Bolívia, da

Noruega, do México, do Paraguai e da Espanha. É bem verdade que este último país integra

um subgrupo que adota a irretroatividade geral mitigada, pois o faz dentro de certas condições

ou restrições materiais, como se vê no seu artigo 9(3), ou seja, restrita às disposições

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sancionadoras não favoráveis, restritivas de direitos individuais ou como arbitrariedade de

autoridades. en vigor y a los demás tributos cuyo período impositivo se inicie desde ese

momento. No obstante, las normas que regulen el régimen de infracciones y sanciones

tributarias y el de los recargos tendrán efectos retroactivos respecto de los actos que no sean

firmes cuando su aplicación resulte más favorable para el interesado” (NOVOA, César García.

Los límites a la retroactividad de la norma tributaria en el derecho español. Tratado de derecho

tributario. Lima: Palestra, 2003. p. 433-485).

14 Cf. o interessante estudo relativo à construção da jurisprudência belga

quanto a esta matéria:

KIRKPATRICK, John; GARABEDIAN, Daniel. Examen de Jurisprudence (1991

à 2007). Les

impôts sur les revenus et les sociétes – principes généraux. Revue Critique de

Jurisprudence Belge. p. 251-337, Bruxelles: Larcier, 2.º trim. 2008.

15 Como consta do voto do Min. Célio Borja: “O art. 150 da Constituição tornou

explícito que a lei não pode impor obrigações tributárias a fatos ocorridos antes de sua vigência

(inc. III, alínea a) nem, tampouco, a fatos ocorridos no exercício em que editada (inc. III, b)”

(STF, Pleno, ADIn 513, rel. Min. Célio Borja, j. 14.06.1991.

16 .FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Anterioridade e irretroatividade... cit., p. 234

Heleno Taveira Torres

Outro grupo de países integra-se por aqueles que possuem Constituições que

não preveem explicitamente o princípio da irretroatividade, ainda que possa ser deduzido como

corolário da legalidade. Este é o caso da Constituição do Peru, que dispõe sobre a tributação

em seu artigo 74.

Na Alemanha, a Lei Fundamental de Bonn não trouxe uma regra expressa de

proibição da retroatividade para as leis tributárias, limitando-se ao direito penal, o que não é

aplicável por analogia ao direito tributário, como explica Klaus Tipke.17 Diante disso, a

Constituição transferiu para o Tribunal Constitucional a competência para definir diante do caso

concreto as hipóteses de cabimento da irretroatividade das leis tributárias, o que somente seria

possível a partir da segurança jurídica e do princípio do Estado de Direito.

Na nossa história constitucional, a garantia da irretroatividade das leis, em

sentido amplo, aplicável a toda e qualquer matéria, veio expressa nas constituições de 1824 e

de 1891, mantendo-se nas posteriores apenas para a lei penal.18 Em matéria tributária, a

garantia de proibição da retroatividade das

( Notas do rodapé) 17 TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Direito tributário cit., p.

247. Cf. MAURER, Hartmut. Contributos para o direito do estado. HECK, Luís Afonso (Trad.).

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 68.

18 Constituições brasileiras anteriores: Irretroatividade: Constituição Política do

Império do Brazil de 1824: “Art. 171. Todas as contribuições directas, á excepção daquellas,

que estiverem applicadas aos juros, e amortisação da Divida Publica, serão annualmente

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estabelecidas pela Assembléa Geral, mas continuarão, até que se publique a sua derogação,

ou sejam substituidas por outras”. “Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos

Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é

garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. [...] III. A sua disposição não

terá effeito retroactivo”. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891: “Art

11. É vedado aos Estados, como à União: [...] 3.º – prescrever leis retroativas”. Constituição da

República dos Estados Unidos do Brasil de 1934: “Art 17. É vedado à União, aos Estados, ao

Distrito Federal e aos Municípios: [...] VII – cobrar quaisquer tributos sem lei especial que os

autorize, ou fazê-lo incidir sobre efeitos já produzidos por atos jurídicos perfeitos”.

Anterioridade: Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937: “Art 68. O orçamento será

uno, incorporando-se obrigatoriamente à receita todos os tributos, rendas e suprimentos de

fundos, incluídas na despesa todas as dotações necessárias ao custeio dos serviços públicos”.

Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946: “Art 141. A Constituição assegura aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à

vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] § 34.

Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça; nenhum será cobrado

em cada exercício sem prévia autorização orçamentária, ressalvada, porém, a tarifa aduaneira

e o imposto lançado por motivo de guerra”. Constituição da República Federativa do Brasil de

1967: “Art 150. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos

termos seguintes: [...] § 29. Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o

estabeleça; nenhum será cobrado em cada exercício sem prévia autorização orçamentária,

ressalvados a tarifa aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra”. Emenda

Constitucional 1 de 1969: “Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros

residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança

e à propriedade, nos têrmos seguintes: [...] § 29. Nenhum tributo será exigido ou aumentado

sem que a lei o estabeleça, nem cobrado, em cada exercício, sem que a lei que o houver

instituído ou aumentado esteja em vigor antes do início do exercício financeiro, ressalvados a

tarifa alfandegária e a de transporte, o imposto sobre produtos industrializados e o imposto

lançado por motivo de guerra e demais casos previstos nesta Constituição”. Mais tarde

modificado, nos seguintes termos: “§ 29 Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a

lei o estabeleça, nem cobrado, em cada exercício, sem que a lei que o houver instituído ou

aumentado esteja em vigor antes do início do exercício financeiro, ressalvados a tarifa

alfandegária e a de transporte, o imposto sobre produtos industrializados e outros

especialmente indicados em lei complementar, além do imposto lançado leis que instituem ou

aumentam tributos19 só havia aparecido de forma expressa na Constituição de 1934. Por outro

lado, a garantia da anterioridade tributária, que assegura o princípio da não surpresa, ou seja, a

segurança jurídica do tempo futuro,20 é fruto de considerável evolução ao longo da nossa

história constitucional. No passado, esta garantia equivalia ao princípio da anualidade

orçamentária, cuja finalidade era diversa, pois tinha como função autorizar os tributos a serem

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cobrados no exercício posterior. Este foi o regime assentado nas Constituições de 1824, 1934,

1946 e 1967. Devia-se à noção de orçamento como “ato-condição” (Duguit) outrora adotado

entre nós. Este modelo somente foi modificado com a Emenda 1, de 1969, para contemplar a

continuidade das receitas exigíveis sem necessidade de autorização orçamentária anual.

Surge, assim, a anterioridade da lei tributária, sem prejuízo de a arantia da anualidade

continuar a existir, agora, com renovadas funções, afora aquela da demarcação do exercício

financeiro: para os fins de balizamento da própria anterioridade, quanto à publicação da lei (i) e

para periodização dos tributos anuais, geralmente aqueles incidentes sobre propriedade de

bens ou rendas (ii). Na Constituição vigente, a anualidade, combinada com a irretroatividade e

anterioridade das leis tributárias que instituem ou majoram tributos (art. 150 – III, da CF),

adicionadas do regime geral de vedação da irretroatividade para modificar os atos

aperfeiçoados no passado ou os direitos adquiridos, do art. 5.º, XXXVI, configuram o regime da

segurança jurídica na função de estabilidade no tempo do nosso Sistema Constitucional

Tributário.21 Reforça-se, assim, o estatuto constitucional do contribuinte, mediante substancial

proteção a mudanças inopinadas, múltiplas cobranças anuais de tributos sobre patrimônio ou

renda, retrospectividade de leis que instituam ou aumentam tributos, bem como daquelas que

tenham por por motivo de guerra e demais casos previstos nesta Constituição” (Redação dada

pela Emenda Constitucional 8, de 1977).

(nota de rodapé)19 CF, art. 150. “Sem prejuízo de outras garantias

asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos

Municípios: [...] III – cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início

da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; [...]”.

20 CF, art. 150, III: “[...] b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido

publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em

que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;

(Emenda Constitucional 42, de 19.12.2003)

[...] § 1.º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos

arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos

previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos

impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I. (Redação dada pela Emenda Constitucional 42,

de 19.12.2003)”.

21 Esta construção deve-se em muito à larga contribuição que Sacha Calmon e

Misabel Derzi ofertaram ao exame do tema em nosso País. Cf. COÊLHO, Sacha Calmon

Navarro. Comentários à Constituição de 1988: sistema tributário. 10. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2006. p. 246 e ss.; sobre a segurança jurídica na aplicação da irretroatividade, ver:

SANCHES, J. L. Saldanha. Manual de direito fiscal. Coimbra: Coimbra Ed., 2002. p. 75-97.

Heleno Taveira Torres (fim das notas)

finalidade modificar atos ou direitos aperfeiçoados em tempos pretéritos. Com

esse esforço de certeza jurídica, (a) contra modificações de situações jurídicas estabilizadas

antes da vigência da lei e (b) contra tipificação de fatos tributários verificados no passado por

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leis novas que instituam ou aumentem tributos, poucas constituições estrangeiras oferecem

regimes semelhantes.

Some-se a essas duas hipóteses o princípio de irretroatividade da lei penal (art.

5.º, XXXIX: “não há crime sem lei anterior que o defina”), que surte eficácia em relação à

tipicidade dos crimes contra a ordem tributária ou das sanções administrativas, dada a

vinculação do art. 106, do CTN, com efeitos equivalentes para as normas instituidoras de

regras tributárias sancionatórias ou mais gravosas.

3 A segurança jurídica estabilizadora do passado : a garantia de

irretroatividade das leis tributárias

A garantia da irretroatividade de leis que criem ou aumentem tributos consiste

em vedação expressa para cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes

do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado. Segundo Gabba, o único

direito adquirido, quanto à irretroatividade, é o de não suportar imposto maior do que aquele

estabelecido pela lei atualmente em vigor.22 Contudo, isso precisa ser entendido em um

sentido amplo que envolva todos os elementos da norma tributária, e.g., apuração de créditos,

titularidade de sujeição passiva e outros. Como observado por Geraldo Ataliba: “O Estado não

surpreende seus cidadãos; não adota decisões inopinadas que os aflijam”.23 Verdadeiramente,

ao Estado deve impor-se uma ética legislativa coerente com a ordem constitucional e esta, por

todos os princípios e garantias consagrados, veda, com firmeza, a surpresa e a retroação em

matéria tributária. E a razão parece simples: somente manifestações de capacidade

contributiva ao tempo da vigência da lei podem ser alcançadas para a incidência tributária.

O princípio da irretroatividade das leis na esfera tributária representa o respeito

ao direito adquirido de ser tributado em relação a fatos geradores segundo os demonstrativos

de capacidade contributiva no momento da sua constituição. Isso porque aquele que evidencia

capacidade contributiva na

(nota de rodapé) 22 GABBA, C. F. Teoria della retroattività delle leggi. 2. ed.

Torino: Unione Tipografica Editrice, 1884. v. 1, p. 266. 23 ATALIBA, Geraldo. Anterioridade da

lei tributária, segurança do direito e iniciativa privada. Revista de Direito Mercantil, Industrial,

Econômico e Financeiro, n. 50, p. 16, São Paulo: RT, 1983; como diz Eduardo Maneira: “O

princípio da não surpresa da lei tributária é instrumento constitucional que visa a garantir o

direito do contribuinte à segurança jurídica, essência do Estado de Direito, qualquer que seja a

sua concepção” (Cf. MANEIRA, Eduardo. Direito tributário: o princípio da não surpresa. Belo

Horizonte: Del Rey, 1994. p. 161). (fim das notas)

ausência de previsão legal que a qualifique como passível de exação tributária

ou que a alcance em certos limites, adquire o direito de não ser tributado em medida diversa

daquela então vigente ao momento de aperfeiçoamento do fato jurídico tributário.

Não parece correto supor que a regra geral do ordenamento consiste na

máxima de que toda lei gera efeitos apenas para o futuro (lex prospicit, non respicit), defeso a

qualquer disposição normativa alcançar fatos anteriores à sua vigência. Mais do que um

exercício de ontologismo, este aforismo jurídico dissolve-se na complexidade do direito. É

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preciso construir argumentos coerentes com os paradigmas, princípios e garantias adotados

pelo direito positivo.

No caso do direito tributário brasileiro, para os demais casos (exclusive

instituição ou aumento de tributo), o art. 105 do CTN veda a irretroatividade em geral, ao

garantir a todos que a legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros

e aos pendentes.24 Os fatos pendentes, ao serem alcançados pelas leis novas, sofrem

exclusão da proibição de retroatividade para aquelas situações jurídicas ou de fato iniciadas no

passado e cujo fato material ainda não se tenha por aperfeiçoado. E isso valerá tanto para o

fato jurídico tributário de obrigações principais (art. 113 do CTN) quanto para obrigações

acessórias (art. 114 do CTN), ambos compreendidos nas hipóteses dos art. 116 e 117 do CTN,

no que especifica as modalidades dos facta pendentia. É verdade que, em termos literais, a

redação do texto constitucional, aparentemente, não traz um impedimento absoluto à

retroatividade das leis tributárias na sua totalidade de hipóteses. A vedação constitucional

limitase em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que houver

instituído ou aumentado tributo(art. 150, III, a, da CF).

Contudo, numa interpretação sistemática, em combinação com o inc. XXXVI do

art. 5.º, verifica-se que a aplicação da norma tributária tampouco poderá retroagir para agravar

situações consolidadas no passado ou para modificação de critérios de aplicação de tributos,

multas ou 24 Na combinação dos artigos 105 e 116 do CTN, a noção de fatos geradores

pendentes revela que situações jurídicas iniciadas antes da entrada em vigor não são

consideradas como “atos jurídicos perfeitos” e quedam-se passíveis de tributação com o

adimplemento de condição (situação jurídica) ou com o aperfeiçoamento do suporte fático

(situação de fato). Como observa Tercio Sampaio Ferraz Jr.: “Aqui toma sentido a noção de

fatos geradores pendentes. Pendentes no tempo cronológico com sentido cultural, humano, os

eventos só se completam quando termina o prazo, mas o término do prazo apenas lhes dá um

sentido solidário, não os altera como fatos nem os anula. O princípio da anterioridade, assim,

impede que os eventos componentes de um fato gerador, mesmo pendente de um momento

final, sejam atingidos por uma lei publicada durante o período formador. Do contrário, romper-

se-ia a solidariedade entre os eventos como um contínuo segmentado num tempo

determinado” (FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Anterioridade e irretroatividade no campo

tributário. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Tratado de direito constitucional tributário:

estudos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 236).

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense,

2009. p. 257. Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário cit., p. 175;

RABELLO FILHO, Francisco Pinto. O princípio da anterioridade da lei tributária. São Paulo: RT,

2002. Heleno Taveira Torres qualquer tipo de obrigação mais gravosa,25 como nos casos de

regimes de fiscalização, das demais modificações de critérios da regra matriz de incidência, de

sanções administrativas ou capitulações de ilícitos que sejam abrandados ou extintos et

caterva (arts. 105 e 146 do CTN).26 O princípio da interdição de retroatividade veda tudo aquilo

que consista em inovação de obrigações ou deveres mais gravosos para os contribuintes e se

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constitui como verdadeiro direito fundamental, que não se pode restringir, amesquinhar ao

conteúdo de “instituição” ou de “aumento” de tributo, aplicando-se a tudo o quanto possa ser

arbitrário e cause prejuízos ou danos de qualquer tipo ao contribuinte, como criação de

obrigações acessórias, aumento de multas e outros.

A retroação do mais benigno (lex milior) vê-se admitida pelo ordenamento.

Basta ver o que dispõe o art. 150, § 6º, da CF, ao autorizar que a lei possa instituir remissões,

anistias ou modificações que sejam mais benignas ao contribuinte. Seria inconcebível que o

direito não pudesse retroagir, até mesmo para corrigir situações de injustiça ou de técnicas

inadequadas ao tributo aplicado.27 A partir desse quadro normativo e teórico de possibilidades,

a garantia da irretroatividade tributária, decorrente do princípio de segurança jurídica, veda a

retroação de efeitos ao não benigno. E o impedimento de retroação dos efeitos das normas

tributárias impositivas retira do legislador, do juiz ou do agente da Administração28 a

possibilidade de alcançar fatos anteriores ao início da vigência das leis tributárias que instituam

ou

(notas rodapé) 25 Cf. RAMOS, Elival da Silva. A proteção aos direitos

adquiridos no direito constitucional brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 150.

26 Como observa Federico Arcos Ramírez: “No parece posible elaborar un

concepto abstracto de retroactividad que determine, de un modo más o menos exacto y

apriorístico, lo que pueden o no hacer legisladores e intérpretes. Ello obedece, por un lado, a la

dificultad para fijar una línea divisória entre el pasado y el presente, distinción que en el plano

jurídico resulta mucho más compleja de lo que pueda resultar en el devenir de la naturaleza;

por otro, en que el problema no está en las leyes sino em las características de las situaciones

sobre las que recaen que, por definición, son extraordinariamente variadas y merecedoras de

una protección muy diversa frente a las normas innovadoras” (ARCOS RAMÍREZ, Federico. La

seguridad jurídica. Una teoría formal. Madrid: Dykinson, 2000. p. 429).

27 “Uma absoluta proibição da retroactividade de normas jurídicas impediria as

instâncias legiferantes de realizar novas exigências de justiça e de concretizar as ideias de

ordenação social positivamente plasmadas na Constituição” (CANOTILHO, José Joaquim

Gomes. Direito constitucional e teoria... cit., p. 254). “Sólo la lege previa hace posible el cálculo

de las repercusiones jurídicas de nuestras acciones, lo que resultaría del todo imposible si el

Derecho actuara ex post facto. Por otra parte, no tanto La creación como la aplicación

retroactiva de una ley abre un espacio a la arbitrariedad que socava todo sentimiento de

confianza en el Derecho” (ARCOS RAMÍREZ, Federico. La seguridad jurídica... cit., p. 429; cf.

PIZZON, Thommas. La sécurité juridique. Paris: Defrénois, 2009. p. 215).

28 É exigência de segurança jurídica que a irretroatividade seja vinculante para

todos os poderes. São firmes as palavras de Geraldo Ataliba nesse sentido: “Ora, ou a prática

constitucional encerra uma sólida promessa de segurança jurídica – a ser observada pelo

legislador e pela Administração, e garantida pelo judiciário – ou torna-se ridículo e descabido

falar-se em Constituição neste País” (ATALIBA, Geraldo. Anterioridade da lei tributária... cit., p.

12). Ou, na voz de Misabel Derzi: “O princípio da irretroatividade é direito e garantia

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fundamental de todos os cidadãos, que se impõe contra o Estado. Seja o Estado legislador,

administrador ou juiz, a irretroatividade somente pode ser aumentem os tributos já existentes

(irretroatividade constitucional) ou de qualquer outro efeito em matéria tributária mais gravoso

(garantia de estabilidade funcional no tempo do art. 105 do CTN). Não se poderia esperar

menos do princípio da irretroatividade.29

Misabel Derzi postula a intercorrência de um “poder judicial de tributar”, no qual

o princípio da irretroatividade para instituir ou aumentar tributos, em face da proteção da

confiança legítima e da boa-fé objetiva, seria limitação inequívoca, com vistas a preservar o

contribuinte contra mutações inopinadas de jurisprudência.30 Esse entendimento, ainda que

em menor sofisticação, encontra-se também em Klaus Tipke,31 amparado no que chama de

“base de confiança”, para fundamentar o que ele denomina de postulado de proibição de

jurisprudência retroativa agravante, como tutela da confiança na “orientação” dos tribunais.

Como diz Canotilho, “os postulados da segurança jurídica e da protecção da confiança são

exigíveis perante qualquer acto de qualquer poder – legislativo, executivo e judicial”.32 Neste

passo, os atos legislativos, judiciais ou executivos não podem retroagir para agravar situações

ou imputar obrigações, mas devem respeitar o ato jurídico perfeito e o direito invocada em

favor do contribuinte” (DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência... cit., p.

469).

(notas rodapé) 29 “Alguns princípios, como o princípio da segurança jurídica e

o princípio de confiança do cidadão, podem ser tópicos ou pontos de vista importantes para a

questão da retroactividade, mas apenas na qualidade de princípios densificadores do princípio

do estado de direito eles servem de pressuposto matéria à proibição da retroactividade das

leis. Não é pela simples razão de o cidadão ter confiado na nãoretroactividade das leis que a

retroactividade é juridicamente inadmissível; mas o cidadão pode confiar na não-retroactividade

quando ela se revelar ostensivamente inconstitucional perante certas normas ou princípios

jurídico-constitucionais.” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria...

cit., p. 254).

30 Em complementação, esclarece: “Enfim, o núcleo central deste trabalho

limita-se ao exame da proteção da confiança, da boa-fé objetiva e da irretroatividade, em

relação às modificações da jurisprudência, pondo em segundo plano os efeitos dos mesmos

princípios em relação ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo” (DERZI, Misabel Abreu

Machado. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e

irretroatividade como limitações constitucionais ao poder judicial de tributar. São Paulo:

Noeses, 2009, p. 607). A modificação de jurisprudência deve sempre motivar a adoção de

efeitos prospectivos, como se vê em decisão do Min. Carlos Ayres Britto: “O Supremo Tribunal

Federal, guardião-mor da Constituição Republicana, pode e deve, em prol da segurança

jurídica, atribuir eficácia prospectiva às suas decisões, com a delimitação precisa dos

respectivos efeitos, toda vez que proceder a revisões de jurisprudência definidora de

competência ex ratione materiae. O escopo é preservar os jurisdicionados de alterações

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jurisprudenciais que ocorram sem mudança formal do Magno Texto” (STF, Pleno, Conflito de

Competência 7.204/MG, rel. Min Carlos Britto, j. 29.06.2005).

31 “A aplicação do Direito em matéria tributária pelos funcionários da

Administração e adeptos da profissão de consultores tributários cumpre a função de orientar

quanto a preceitos administrativos e a Jurisprudência. Se bem que preceitos administrativos

juridicamente sejam dirigidos apenas a autoridades e sentenças façam coisa julgada apenas

perante as partes processuais, os mesmos formam faticamente, em verdade, uma base de

confiança para os sujeitos passivos e seus consultores” (TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Direito

tributário cit., p. 258-259).

32 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da

Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998. p. 251. Heleno Taveira Torres

(fim das notas)

adquirido no passado. Igualmente, devem criar condições de certeza e

estabilidade para o futuro. Deveras, a coisa julgada não pode ser ferida por ato de qualquer

espécie, seja este judicial, administrativo ou legislativo. Questão controvertida põe-se para as

isenções tributárias. Em geral, isenções deverão ser sempre prospectivas, nunca retroativas.

Qualquer isenção para o passado assumiria o caráter de típica remissão ou de anistia. Por

isso, quando não atendidos os pressupostos para remissão ou anistia, esta retroatividade pode

ser vista como espécie de privilégio odioso e inconstitucional. No que concerne à anterioridade,

a revogação de isenções dependerá de uma série de aspectos. Caso concedida com prazo

certo, ao término deste, o tributo deve recuperar sua exigibilidade, sem qualquer restrição. Não

há surpresa que justifique sua permanência. Diferentemente, a revogação de isenções sem

prazo certo ou sob qualquer outra condição que permita ao beneficiário reconhecer sua

cessação, ou, igualmente, o caso da revogação de isenções com prazo certo, mas antes que

este seja esgotado, haverá sempre o efeito equivalente à “instituição” ou “majoração” de

tributo, razão pela qual o princípio da anterioridade, segundo a espécie de tributo, deverá ser

observado integralmente, como garantia de segurança jurídica.

4 Autorizações para retroatividade no direito tributário brasileiro e o

princípio da coerência do ordenamento

Para preservação da segurança jurídica e da certeza do direito, a aplicação

retroativa de leis tributárias é admitida em hipóteses excepcionais, as quais estão descritas no

art. 106 e 112 do CTN33, como que em oposição à regra geral, segundo a qual a lei vigora e

surte efeitos somente para o futuro (lex prospicit, non respicit). Uma máxima que supostamente

labora a favor da segurança, mas que poderia revestir-se de notável insegurança caso não

contemplasse hipóteses de reconhecimento da permissão para retroagir. Basicamente, esse

efeito de retroação está autorizado nos casos de leis interpretativas (i), de leis sancionadoras

mais benignas (ii) e de atos de aplicação do direito tributário ainda não definitivamente julgados

(iii). As leis mais benignas, nessa hipótese, ganham espaço inconteste, ainda que não se

admita sua qualificação com excessiva amplitude. O art. 112 do CTN estabelece que, em caso

de dúvida, a lei tributária deverá ser interpretada de modo favorável ao contribuinte,

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especialmente quanto à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou

extensão de seus efeitos (i) e à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação (ii),

ademais

(notas rodapé) 33 NOVOA, César García. Los límites a la retroactividad de la

norma tributaria en el derecho español. In: CARVALHO, Paulo de Barros. Tratado de derecho

tributario. Lima: Palestra, 2003. p. 433-485; Cf. MENDONÇA, Maria Luiza Vianna Pessoa de. O

princípio constitucional da irretroatividade da lei: a irretroatividade da lei tributária. Belo

Horizonte: Del Rey, 1996. da capitulação legal do fato (iii) e da autoria, imputabilidade, ou

punibilidade (iv). Como ensina Antonio Roberto Sampaio Doria: “A exemplo das leis penais

benéficas em sentido estrito, também as normas tributárias, definindo infrações tributárias

simples e respectivas sanções, retroagem, se benéficas, para favorecer o infrator.” 34 Portanto,

no âmbito da tipificação dos ilícitos, da imputação de responsabilidade ou da aplicação de

sanções, a lei nova benigna amplianda poderá ser alegada, ainda que os fatos tenham ocorrido

em período anterior, seguido de auto de infração ou emprego de medida coercitiva de qualquer

espécie, o que se aplica inclusive aos responsáveis tributários.

E não poderia ser diferente, afinal, a proibição de retroatividade das leis

tributárias restringe-se aos conteúdos gravosos, aqueles que acrescem dificuldades ou

onerosidades, que suprimem vantagens ou restringem direitos dos contribuintes, enfim,

aqueles que causam qualquer pertubação sobre a situação estabilizada pela confiança ao

tempo de um “comportamento juridicamente relevante” (planejamento tributário, pagamento de

tributo, cumprimento de condições para obtenção de direito ou de isenção etc). Portanto, a

retroação das leis mais benignas não ofende qualquer princípio ou valor jurídico; antes,

apresenta-se como medida de equilíbrio e de coerência sistêmica entre segurança jurídica e

direitos fundamentais.

Ao lado destas hipóteses, para todos os demais casos, a lei nova mais benigna

poderá ser aplicada em se tratando de ato não definitivamente julgado. Afasta-se, assim, a

retroatividade do mais benigno daqueles casos onde não se tenha controvérsias. Assim, em

atenção ao princípio de coerência do ordenamento jurídico, enquanto não julgado o caso que

tenha em discussão determinada matéria jurídica contemplada em lei nova mais benéfica, esta

se deve aplicar na sua integralidade.

Trata-se do disposto no art. 106, II, “b” do CTN, verbis: Art. 106. A lei aplica-se

a ato ou fato pretérito:

II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:

b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou

omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento

de tributo; A condição excepcional não abrange a ilicitude decorrente de fraude ou da falta do

pagamento do tributo. Em qualquer outro caso, quando a lei nova exclui do ordenamento

exigência que se havia ou expressa disposição que impunha conduta proibida ou obrigatória, o

contribuinte terá direito

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(notas rodapé) 34 DORIA, Antonio Roberto Sampaio. Da lei tributária no tempo.

São Paulo: 1968, s.l, p 310-338. Heleno Taveira Torres

(fim da nota)

de alegar essa regra em qualquer fase ou tipo de processo, administrativo ou

judicial, e até mesmo no âmbito de recursos nos tribunais superiores. A jurisprudência

Supremo Tribunal Federal é pacífica desde 1967 para admitir a aplicação retroativa da

legislação mais benéfica ao contribuinte, nas hipóteses de atos não definitivamente julgados,

enquanto perdurar a disponibilidade para arguir, em qualquer esfera, seu cabimento.35 O

Superior Tribunal de Justiça também reconhece a aplicação retroativa de ato não

definitivamente julgado, atendidos os requisitos do CTN.36 Por fim, nos casos das chamadas

“leis interpretativas”, assim entendidas aquelas que não acrescem inovação mais gravosa ou

benéfica aos contribuintes, estas terão equivalente efeito retroativo no nosso ordenamento,

como já o reconheceu o STF em diversas oportunidades.37 Nesse particular, o CTN, assim

dispôs: “Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito: I - em qualquer caso, quando seja

expressamente interpretativa, excluída a 35 “Executivo fiscal. Aplicação de lei nova, com

retroatividade benigna, admitida as questões fiscais, para situações jurídicas em curso. O

lançamento administrativo foi examinado sob o prisma da legalidade. Recurso extraordinário

indeferido e agravo não provido.” (AI 39394/SP, Relator Ministro Evandro Lins, j. 07.03.67, DJ

26.04.67, p. 1137). “Tributário. Beneficio da Lei 1.687-79, art-5. Redução da multa para 5%. Ato

definitivamente julgado - Artigo 106 II, ‘c’, do CTN. Se a decisão administrativa ainda pode ser

submetida ao crivo do Judiciário, e para este houve recurso do contribuinte, não há de se ter o

ato administrativo ainda como definitivamente julgado, sendo esta a interpretação que há de

dar-se ao art-106, II, ‘c’ do CTN. E não havendo ainda julgamento definitivo, as multas

previstas nos arts. 80 e 81 da lei n. 4502/64, com a redação dada pelo art-2., alterações 22 e

23 do decreto-lei n. 34/66, ficam reduzidas para 5% se o débito relativo ao IPI houver sido

declarado em documento instituído pela Secretaria da Receita Federal ou por outra forma

confessado, até a data da publicação do Decreto-lei 1680-79, segundo o beneficio concedido

pelo art-5. Da lei 1687/79. Acórdão que assim decidiu e de ser confirmado.” (RE 95900/BA,

Relator Ministro Aldir Passarinho, j. 04.12.84, DJ 08.03.85, p. 2602). 36 “1. Posicionamento de

ambas as Turmas que compõem a Primeira Seção deste Tribunal no sentido de reconhecer a

retroatividade benigna (art. 106 do CTN) provocada pela revogação dos artigos 43 e 44 da Lei

8.541/92, que continham normas com caráter de penalidade e estabeleciam a incidência em

separado do imposto de renda sobre o valor da receita omitida. 2. Precedentes citados: AgRg

no REsp n. 716.208/PR, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 6/12/2009 e REsp n. 801.447/PR, Rel.

Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 26/10/2009.” (AgRg no REsp 1106260 / PR, Ministro

BENEDITO GONÇALVES, DJe 04/03/2010). Cf. ainda: AgRg no REsp 954521 / ES. Ministro

JOSÉ DELGADO (1105) DJ 22/11/2007 p. 206. 37 “É plausível, em face do ordenamento

constitucional brasileiro, o reconhecimento da admissibilidade das leis interpretativas, que

configuram instrumento juridicamente idôneo de veiculação da denominada interpretação

autentica. - as leis interpretativas - desde que reconhecida a sua existência em nosso sistema

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de direito positivo - não traduzem usurpação das atribuições institucionais do judiciário e, em

conseqüência, não ofendem o postulado fundamental da divisao funcional do poder. - mesmo

as leis interpretativas expõem-se ao exame e a interpretação dos juizes e tribunais. Não se

revelam, assim, espécies normativas imunes ao controle jurisdicional. - a questão da

interpretação de leis de conversão por medida provisória editada pelo Presidente da Republica.

- o princípio da irretroatividade ‘somente’ condiciona a atividade jurídica do estado nas

hipóteses expressamente previstas ela constituição, em ordem a inibir a ação do poder público

eventualmente configuradora de restrição gravosa (a) ao ‘status libertatis’ da pessoa (cf, art. 5º,

Xl), (b) ao ‘status subjectionais’ do contribuinte em matéria tributaria (cf, art. 150, iii, “a”) e (c) a

‘segurança’ jurídica no domínio das relações sociais (cf art. 5º, xxxvi). - na medida em que a

retroprojeção normativa da lei ‘não’ gere e ‘nem’ produza os gravames referidos, nada impede

que o estado edite e prescreva atos normativos com efeito retroativo. - as leis, em face do

caráter prospectivo de que se revestem, devem, ‘ordinariamente’, dispor para o futuro. O

sistema jurídico- constitucional brasileiro, contudo, ‘não’ assentou, como postulado absoluto,

incondicional e inderrogável, o princípio da irretroatividade. - a questão da retroatividade das

leis interpretativas”. (ADI-MC 605-DF. Rel. Min. Celso de Mello. Julgamento: 23/10/1991).

aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados.” Nesse

particular, pelo princípio da coerência, as leis interpretativas somente podem ser aplicadas

quando não prevejam tratamentos gravoso, pela vedação genérica do ordenamento à

retroatividade do que for não benigno. Como “lei” interpretativa (defeso o emprego desse

sentido para atos administrativos normativos), sua eficácia permite que se possa aplicar

retroativamente “em qualquer caso”, seja a que título for, quer dos elementos da estrutura

fundamental da norma tributária quer sobre procedimentos, desde que coincida com o mesmo

âmbito de competência e conteúdo material da lei interpretada, vedada qualquer inovação

material ou formal.

A permissão de retroatividade das leis aplica-se às regras específicas do

lançamento tributário. A partir da vigência, em conformidade com o art. 144 do CTN, o

lançamento deverá reportar-se necessariamente à data da ocorrência do fato gerador da

obrigação e rege-se pela lei então vigente, no que concerne à matéria do fato jurídico tributário,

ainda que posteriormente modificada ou revogada. Desse modo, não há qualquer

retroatividade na aplicação do lançamento sobre fatos verificados no passado, para os fins do

lançamento tributário, cujo tratamento jurídico e regime aplicáveis hão de ser aqueles em vigor

ao momento do respectivo fato. A exceção, prevista no § 1º do referido art. 144, autoriza a

retroatividade das leis que aplicam ao lançamento novos critérios de apuração (i), introduzem

novos processos de fiscalização, ampliados os poderes de investigação das autoridades

administrativas (ii), ou outorgam ao crédito maiores garantias ou privilégios (iii), desde que não

instituam gravames retroativos ou modifiquem a regra matriz de incidência dos tributos.

Segundo Aliomar Baleeiro, por serem disposições de natureza processual, têm eficácia

imediata para aplicação aos casos pendentes38 de lançamento, investigação e emprego de

garantias ou privilégios. É induvidoso que por “novos critérios de apuração” não se pode

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conceber os procedimentos inerentes à apuração da base de cálculo. Numa interpretação

conforme a Constituição, presente a proibição de retroatividade das leis que aumentam

tributos, resta defeso admitir que a “apuração” da base de cálculo possa ser objeto de lei

retroativa. Nesse caso, somente tem cabimento falar em critérios formais de lançamento para a

determinação da matéria tributável, sem qualquer modificação dos elementos de quantificação

do tributo. Regras que modificam os critérios de apuração do lucro líquido, a formação das

receitas ou da presunção de rendimentos não podem ter efeito retroativo; diversamente, o

procedimento de atuação administrativa na formação do lançamento poderá ser objeto de

retroatividade, por não significar câmbio de expectativas do contribuinte.

(nota rodapé) 38 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2005. p. 794.

Heleno Taveira Torres(fim da nota)

No conceito de processos de fiscalização e de poderes de investigação das

autoridades administrativas devem ser considerados apenas aqueles tipicamente

administrativos e que não signifiquem inovações de exigências condutas ou de obrigações

acessórias retroativas contra o contribuinte. Nesse grupo, por exemplo, não podem ser

inseridos os métodos de controle de elusão tributária, métodos de controle de preços de

transferência ou introdução de exigências onerosas ou gravosas para o contribuinte, para os

fins de aplicação retroativa. Limita-se, assim, aos poderes de acesso a documentos ou dados,

como o sigilo bancário e outros. De igual modo, as leis que outorgam ao crédito maiores

garantias ou privilégios, ao tempo que não se convertem em modificação do regime aplicável

ao fato jurídico tributário, podem perfeitamente aplicar-se ao crédito formado a partir do

momento em que se aperfeiçoa o lançamento.

5 Considerações finais

Como visto, a segurança jurídica e a certeza do direito conferem a todos o

direito de sujeitarem-se unicamente à lei previamente existente, vedada qualquer retroatividade

(lex prospicit, non respicit). Para tudo o que se possa considerar como “novo” conteúdo,

deveras, aplicar-se-á o princípio de proibição da retroatividade, dos arts. 5.º, XXXVI, e 150, III,

a, da CF. Nas palavras de César García Novoa, “la seguridad jurídica outorga al particular un

derecho a la certeza, no un derecho al mantenimiento de una determinada tributación”.39 Esta

excepcionalidade encontra-se nos mais recentes diplomas normativos, como nos “códigos

tributários” (leis gerais ou estatutos dos contribuintes) de diversos países, a exemplo de Itália,

Espanha, Portugal e outros.40 Não é simples uso ou tradição. Efetivamente, nada impede que

a lei cumpra aquele papel que muitas vezes é deixado à regulamentação, para esclarecer

ambiguidades ou situações causadoras de dúvidas que poderiam ensejar longos conflitos ou

afetações à eficácia da lei, nos atos de sua aplicação. E como o regulamento não pode e não

deve retroagir, somente à “lei” pode-se conferir este efeito.

(nota de rodapé)39 GARCÍA NOVOA, César. El principio de seguridad

jurídica... cit., p. 193.

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40 Cf. FANTOZZI, Augusto. Il diritto tributario. 3. ed. Torino: Utet, 2003. p. 199

e ss.; FALSITTA, Gaspare. Manuale di diritto tributario: parte generale. 6. ed. Padova: Cedam,

2008. p. 97-112; DEBAT, Olivier. La rétroactivité et le droit fiscal. Paris: Defrénois, 2006. p. 146

e ss.; MASTROIACOVO, Valeria. I limiti alla retroattività nel diritto tributario. Milano: Giuffrè,

2005; MELIS, Giuseppe. Interpretazione autentica, retroattività e affidamento del contribuente:

brevi riflessioni su talune recenti pronunzie della corte costituzionale. Rassegna Tributaria, v.

45, n. 4, p. 864-880, Roma: 1997; TIPKE, Klaus. La retroattività nel diritto tributario. In:

AMATUCCI, Andrea (Coord.). Trattato di diritto tributario cit., p. 437-447; GOUVEIA, Jorge

Bacelar. A proibição da retroactividade da norma fiscal na Constituição portuguesa. In:

CAMPOS, Diogo Leite de. Problemas fundamentais do direito tributário. Lisboa: Vislis, 1999. p.

39 e ss.; NABAIS, José Casalta. Direito fiscal. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2007. p. 87. (fim da

nota)

A segurança jurídica exige o acertamento das situações previstas em lei

quando do seu cumprimento.41 Essa é a razão pela qual, a título de preservação da confiança

legítima dos contribuintes perante a Administração, autoriza-se o afastamento de multas, nos

termos do art. 106, I, do CTN, nas hipóteses de “leis interpretativas”; bem como de multas e

juros de mora, nos termos do parágrafo único, do art. 100, do CTN, se e enquanto perdurou

“prática reiterada da Administração” suficiente para gerar o estado de confiança assinalado.

Em vista disso, é de admitir que a lei, e somente a lei – defeso este recurso a

qualquer tipo de ato regulamentar de caráter administrativo, por expressa vedação

constitucional e do próprio CTN –, possa “retroagir” e cumprir essa função especificadora ou

interpretativa das leis anteriormente publicadas. Nenhum ato administrativo tributário, portanto,

pode ter efeito retroativo prejudicial no ordenamento jurídico brasileiro. Somente a “Lei” pode

retroagir, e dentro de condições muito limitadas, como estabelece o art. 106 do CTN.

(nota rodapé) 41 Como anotara Fernando Sainz de Bujanda, “la seguridad, en

su doble manifestación – certidumbre del Derecho y eliminación de la arbitrariedad – ha de

considerarse ineludiblemente en función de La legalidad y de la justicia. Esta última y la

seguridad son valores que se fundamentan mutuamente y que, a su vez, necesitan de la

legalidad para articularse de modo eficaz” (SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Reflexiones sobre

un sistema de derecho tributario español – en torno a la revisión de un programa. In: Hacienda

y Derecho. Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1963. t. III, p. 147).

http://www.pgfn.fazenda.gov.br/revista-pgfn/ano-i-numero-i/heleno.pdf

ARTIGO 16

SEGURANÇA JURÍDICA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

Leandro Paulsen

Considerações gerais sobre o princípio da segurança jurídica em matéria

tributária Texto extraído do livro: PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário, 3ª ed. Porto

Alegre: ed. Livraria do Advogado, 2010.

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O preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil anuncia a

instituição de um Estado Democrático que tem como valor supremo, dentre outros, a

segurança. Segurança é a qualidade daquilo que está livre de perigo, livre de risco, protegido,

acautelado, garantido, do que se pode ter certeza ou, ainda, daquilo em que se pode ter

confiança, convicção. O Estado de Direito constitui, por si só, uma referência de segurança.

Esta se revela com detalhamento, ademais, em inúmeros dispositivos constitucionais,

especialmente em garantias que visam a proteger, acautelar, garantir, livrar de risco e

assegurar, prover certeza e confiança, resguardando as pessoas do arbítrio. A garantia e a

determinação de promoção da segurança revelam-se no plano deôntico (“dever ser”),

implicitamente, como princípio da segurança jurídica.

O princípio da segurança jurídica constitui, ao mesmo tempo, um subprincípio

do princípio do Estado de Direito (subprincípio porque se extrai do princípio do Estado de

Direito e o promove) e um sobreprincípio relativamente a princípios decorrentes que se

prestam à afirmação de normas importantes para a efetivação da segurança (sobreprincípio

porque dele derivam outros valores a serem promovidos na linha de desdobramento da sua

concretização). Diversos Ministros do STF referem-se à segurança jurídica como sobreprincípio

em matéria tributária, conforme se pode ver dos votos proferidos quando do julgamento do RE

566.621, relativo à aplicação retroativa da LC 118/05.

Para uma melhor identificação da potencialidade normativa do princípio da

segurança jurídica, impende que sejam identificados os seus conteúdos, quais sejam: 1 –

certeza do direito (legalidade, irretroatividade, anterioridade);

2 – intangibilidade das posições jurídicas (proteção ao direito adquirido e ao ato

jurídico perfeito);

3 – estabilidade das situações jurídicas (decadência, prescrição extintiva e

aquisitiva);

4 – confiança no tráfego jurídico (cláusula geral da boa-fé, teoria da aparência,

princípio da confiança);

5 – devido processo legal (direito à ampla defesa inclusive no processo

administrativo, direito de acesso ao Judiciário e garantias específicas como o mandado de

segurança).

Todo o conteúdo normativo do princípio da segurança jurídica se projeta na

matéria tributária.

O conteúdo de certeza do direito diz respeito ao conhecimento do direito

vigente e aplicável aos casos, de modo que as pessoas possam orientar suas condutas

conforme os efeitos jurídicos estabelecidos, buscando determinado resultado jurídico ou

evitando conseqüência indesejada. A compreensão das garantias dos artigos 150, I (legalidade

estrita), 150, III, a (irretroatividade), b (anterioridade de exercício) e c (anterioridade

nonagesimal mínima), e 195, § 6º (anterioridade nonagesimal das contribuições de seguridade

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social), da Constituição como realizadoras da certeza do direito no que diz respeito à instituição

e à majoração de tributos permite que se perceba mais adequadamente o alcance de cada

uma e o acréscimo de proteção que representam relativamente às garantias gerais da

legalidade relativa (art. 5º, II, da CF), do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa

julgada (art. 5º, XXXVIII, da CF).

O conteúdo de intangibilidade das posições jurídicas pode ser vislumbrado, por

exemplo, no que diz respeito à consideração da formalização de um parcelamento de dívida

tributária como ato jurídico perfeito, a vincular o contribuinte e o ente tributante, gerando todos

os efeitos previstos nas normas gerais de Direito Tributário, como a suspensão da exigibilidade

do crédito tributário (art. 151, VI, do CTN) e o conseqüente direito a certidões negativas de

débito (art. 206 do CTN). Já no caso das isenções onerosas, cumpridas as condições, surge

para o contribuinte direito adquirido ao gozo do benefício pelo prazo previsto em lei, restando

impedida a revogação ou modificação da isenção a qualquer tempo quando concedida por

prazo certo e em função de determinadas condições (art. 178 do CTN). Nesses casos,

inclusive, é aplicável a garantia estampada no art. 5º, XXXVI, da CF.

O conteúdo de estabilidade das situações jurídicas evidencia-se nos arts. 150,

§ 4º, 173 e 174 do CTN, que estabelecem prazos decadenciais (para a constituição de créditos

tributários) e prescricionais (para a exigência compulsória dos créditos). Também há garantia

de estabilidade no art. 168 do CTN, em combinação com o art. 3º da LC 118/04, que

estabelece prazo decadencial contra o contribuinte, dentro do qual deve exercer seu direito ao

ressarcimento de indébito tributário por compensação ou repetição.

O conteúdo de proteção à confiança do contribuinte, por sua vez, fundamenta,

por exemplo, o art. 100 do CTN, que estabelece que a observância das normas

complementares das leis e dos decretos (atos normativos, decisões administrativas com

eficácia normativa, práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas e

convênios entre os entes políticos) exclui a imposição de penalidades e a cobrança de juros de

mora e inclusive a atualização do valor monetária da base de cálculo do tributo. O art. 146 do

CTN, igualmente, resguarda a confiança do contribuinte, mas quanto a mudanças nos critérios

jurídicos adotados pela autoridade administrativa para fins de lançamento. Mesmo a título de

proteção à boa-fé, tem-se, ainda, a proteção do contribuinte em casos de circulação de bens

importados sem o pagamento dos tributos devidos. Em todos esses casos, assegura-se a

confiança no tráfego jurídico.

O conteúdo de devido processo legal nota-se na ampla gama de instrumentos

processuais colocados à disposição do contribuinte para o questionamento de créditos

tributários, tanto na esfera administrativa, através, principalmente, do Decreto 70.235/72 (o

chamado processo administrativo fiscal, que assegura direito à impugnação e recursos), como

na esfera judicial, destacando-se a amplitude que se reconhece ao mandado de segurança em

matéria tributária e os meios específicos para a dedução de direitos em juízo, como a ação

anulatória prevista no art. 40 da LEF e as ações consignatória e de repetição de indébito

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tributário, disciplinadas, respectivamente, nos arts. 164 e 165 do CTN. Em se tratando de

acesso à jurisdição, remédios e garantias processuais, impende considerar, ainda, que têm

plena aplicação, também em matéria tributária, dentre outros, os incisos XXXV, LIV, LV, LVI,

LXIX e LXX do art. 5º da Constituição. Evidencia-se, assim, a segurança jurídica enquanto

devido processo legal e, mais particularmente, enquanto acesso à jurisdição.

http://www.leandropaulsen.com/site/textos_detalhe.asp?ID=37

ARTIGO 17

(In)segurança jurídica e proteção à confiança

Rubia Erthal dos Santos

Falamos em princípio da segurança jurídica quando designamos o que

prestigia o aspecto objetivo da estabilidade das relações jurídicas, e em princípio da proteção à

confiança, quando aludem ao que atenta para o aspecto subjetivo.

SUMÁRIO: 1.Introdução. 2.Segurança Jurídica no Direito Tributário.

3.Segurança Jurídica e Proteção à Confiança.4.Considerações Finais. Referencias

Bibliográficas

RESUMO - O Estado Democrático de Direito – sobre o qual se constitui a

República Federativa do Brasil (art. 1º da CF) –assenta-se, basicamente sobre o princípio da

segurança jurídica, compreendendo a legalidade, a irretroatividade e a anterioridade,

traduzindo-se na previsibilidade e estabilidade da atuação jurídica estatal. No Direito Tributário,

o referido princípio surge como grande protetor do cidadão, visando um mínimo de

confiabilidade do indivíduo para com o Estado, garantindo o convívio pacífico. E como valor

fundante de todo o sistema jurídico, o princípio da segurança jurídica bem como o principio da

proteção a confiança, devem ter sua receptividade, usos e aplicação, a fim de proporcionar

uma melhor efetivação do princípio do Estado de Direito, que se quer vigente.

ABSTRACT - The Democratic Law State – the one that Brazil Republic is

based on ( 1st article of The Federal Constitution) is basicaly related to the law security

principles, as legality, translated on the prediction and stability of the law performance state. On

tributary law, this principle appears as the biggest protection of the man, aiming confidence from

the man to the state, a guarantee to a pacific contact. And the security law principle as well as

the protection and trust ones, must have its receptivity, uses and application to give a better and

permanent principle of the current law state.

PALAVRAS CHAVE

Direito Tributário. Segurança jurídica. Legalidade. Anterioridade.

Irretroatividade. Proteção à Confiança.

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1 - INTRODUÇÃO

A segurança jurídica é, sem dúvidas, um valor fundante do sistema jurídico, já

que uma das principais funções do direito é a de estabilizar as relações sociais, garantindo o

convívio pacífico.

No âmbito tributário, em que o Estado faz valer a sua força, cobrando do

cidadão a participação nas contas e despesas públicas, a segurança e a proteção da confiança

assumem grande relevância, servindo como um limitador, evitando e coibindo os excessos do

poder público.

A proposta deste trabalho é justamente investigar os formadores da segurança

jurídica, sua dimensão valorativa no Estado de Direito e sua aplicabilidade no direito tributário

brasileiro em cotejo com o princípio da proteção à confiança.

Insta consignar que o trabalho desenvolvido possui especial relevância, pela

própria natureza do objeto de sua disciplina jurídica, que regula uma limitação estatal, e pelo

comportamento historicamente verificado do Estado em relação a vida privada dos cidadãos, o

que torna imperativo a fixação de uma delimitação precisa da esfera privada em oposição ao

Poder Público.

2 - SEGURANÇA JURÍDICA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

O princípio da segurança jurídica atua no ordenamento jurídico pátrio como

grande protetor do cidadão na construção e elaboração de normas novas, visando um mínimo

de confiabilidade do indivíduo para com o Estado, principalmente no que tange a procurar

estabilizar as relações sociais, garantindo o convívio pacífico.

É consabido que o poder público hoje nos transmite a idéia de Estado pai, e

por esse motivo deve satisfazer as necessidades públicas. No âmbito tributário o Estado faz

valer a sua força, cobrando do cidadão a participação nas contas e despesas públicas a fim de

prover aos cidadãos saúde, segurança, educação, lazer e todas as demais necessidades do

cidadão. Para tanto, a segurança e a proteção da confiança assumem grande relevância,

servindo como limite, capaz de evitar e coibir possíveis excessos da administração pública.

Para que a arrecadação ocorra sem maiores problemas, e para que haja

reciprocidade na relação jurídico-tributária faz-se necessário que as pessoas possam afastar

uma possível sensação de insegurança, sendo possível uma previsão de figuras normativas

que digam como devem ocorrer certos comportamentos.

Essa previsibilidade deve ocorrer principalmente dentro do Estado de direito,

que é conceituado como "aquele que, tanto quanto os particulares, respeita as leis e as

decisões judiciais".[01]

A partir desse primeiro conceito temos que as idéias do Estado Democrático de

Direito estão ligadas intimamente com a dignidade da pessoa humana, respeitando as

premissas e comprometendo-se com a busca existencial por essa dignidade, e podemos

afirmar isso com mais propriedade quando lemos o preâmbulo da nossa Constituição Federal.

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Talvez por isso, o Estado Democrático de Direito – sobre o qual se constitui a

República Federativa do Brasil (art. 1º da CF) –assente-se, basicamente sobre o princípio da

segurança jurídica, compreendendo a legalidade, o ato jurídico perfeito, a coisa julgada, etc.,

traduzindo-se na previsibilidade e estabilidade da atuação jurídica estatal.

A segurança jurídica entra em nosso ordenamento jurídico como princípio vez

que é esse o nome que se dá a regras do direito positivo que introduzem valores relevantes

para o sistema, valores que influenciam vigorosamente sobre a orientação de setores da ordem

jurídica.

Pela importância e por todas as consequências que se extraem da chamada

segurança jurídica, ela significa, justamente, um "ponto de partida", um "início", além de ter

presença obrigatória em qualquer ciência, em qualquer estudo específico, não é diferente com

o direito e com a sociedade em geral.

E uma vez ser tão imperioso que se obtenha a tal segurança jurídica, é

necessário que caminhe junto com as demais normas, balizando-as, indicando o caminho a ser

seguido, como princípio, como sustentação, orientação e realização do direito.

Eis o motivo pelo qual os princípios da estrita legalidade, irretroatividade e

anterioridade guardam enorme conexidade entre si, já que atuam conjuntamente visando tornar

efetivo o princípio da segurança jurídica.

Por esse motivo, como parte essencial dessa segurança, o princípio da

legalidade assegura que nenhum cidadão no Estado de Direito pode ser obrigado a fazer ou

deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II, da CF).

Da mesma forma, o cidadão deve ter a certeza de que as situações

consolidadas no tempo assim permanecerão (art. 5º, XXXVI, da CF) e a previsibilidade de que

os atos praticados pelo Estado, presumidamente legítimos, serão assim reconhecidos.

Assim também ocorre com o princípio da anterioridade, como ele protela a

eficácia dessas novas exações para o exercício financeiro subsequente ao da publicação de

suas leis criadoras, a segurança jurídica dos contribuintes estaria assegurada já que poderiam

planejar, previamente, suas atividades econômicas, sabendo com antecedência, os gastos que

teriam com relação ao Fisco.

Nesse sentido, é possível afirmarmos que não existirá, efetivamente,

segurança jurídica, sempre que os princípios que o realizem forem violados.

Impossível imaginar qualquer sistema tributário sem a observância desses

princípios.

3 - SEGURANÇA JURÍDICA E PROTEÇÃO À CONFIANÇA

A segurança jurídica, como visto, decompõe-se em duas perspectivas distintas:

de um lado, o aspecto formal-temporal (anterioridade e irretroatividade); e, do outro, a

dimensão material (legalidade). Dessa forma os cidadãos devem saber previamente quais

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normas vigentes, se elas estão em vigor antes que os fatos por ela regulamentados sejam

praticados, e também o conteúdo das leis.

Nesta mesma senda, o cidadão deve dispor de compreensibilidade, clareza,

calculabilidade e controlabilidade do conteúdo das leis. A idéia diretiva obtida a partir dessas

determinações está em consonância com o conteúdo da lei, denominado também de

legalidade no sentido material.

Sob esta óptica, portanto, a segurança jurídica atua sobre a estrutura do

sistema normativo. É necessário que todo o ordenamento preencha requisitos objetivos de

previsibilidade e calculabilidade dos efeitos decorrentes da prática de determinados atos pelos

destinatários da norma, ou seja, pelo contribuinte.

Em razão do princípio da Segurança Jurídica, o Estado deve obedecer a

determinados proclames objetivos de conduta, o que gera nos cidadãos expectativas legítimas

em relação a determinadas condutas. Estas expectativas são uma dimensão subjetiva da

segurança, que é, precisamente, o que se identifica como o princípio da proteção da confiança.

Assim, sob esta ótica falamos em princípio da segurança jurídica quando

designamos o que prestigia o aspecto objetivo da estabilidade das relações jurídicas, e em

princípio da proteção à confiança, quando aludem ao que atenta para o aspecto subjetivo.

A segurança jurídica subjetiva equivale, portanto, precisamente, à confiança

depositada pelos particulares sobre os atos administrativos, pois estes, tendo em vista o

princípio da legalidade, gozam de presunção de legitimidade.

Em termos práticos podemos afirmar que o princípio da proteção à confiança

visa gerar ao cidadão uma maior segurança e estabilidade, de forma a facilitar previsões

financeiras, sem que isto prejudique a contabilidade de uma grande empresa, ou até, de uma

família de classe média.

Assim, temos que em matéria tributária, o principio da segurança jurídica

funciona a própria proteção da confiança do contribuinte no Estado, ou seja, protege o cidadão

no intuito de que os atos praticados pelo ente tributante não serão alterados de forma

repentina.

Significa dizer que, com base na análise conjunta do principio da segurança

jurídica, e do principio da proteção a confiança, que não pode a administração pública mudar

uma interpretação na aplicação de determinado tributo, querendo cobrar, de forma retroativa,

por exemplo.

O princípio da proteção à confiança decorre, pois, da boa-fé, significando que o

fisco não poderá prejudicar os interesses do contribuinte, se este agiu conforme a legislação

vigente a época do fato. A boa-fé atua aqui como um limitador de ações, exigindo certo

respeito àquilo que a outra parte acredita, coibindo assim, condutas contrárias a sua própria

conduta, ou seja, aquela que até então se tinha como correta.

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O Fisco deve agir com lealdade a certeza das pessoas, sejam físicas ou

jurídicas. Certeza de que não serão surpreendidas com as medidas adotadas pela

administração pública, dando a todos a tranqüilidade e a possibilidade de planejamento futuro.

Essa certeza é a própria confiança que o cidadão deve ter no Estado.

A existência desse princípio deve conferir ao contribuinte uma certa garantia

que essa previsibilidade será ponderada quando acontecer alguma mudança inesperada, ou

seja, em decorrência do princípio da proteção a confiança o aplicador do direito deverá

ponderar a garantia da inviolabilidade do ato jurídico perfeito e a alteração na tributação

aplicada ao fato gerador praticado pelo contribuinte, de forma que àquilo que era entendido

como correto seja mantido.

O princípio da Confiança trata-se de preceito ao qual, assim como ocorre com

a segurança jurídica, se deve devotar particular atenção. As hipóteses de utilização deles são

abertas e muito amplas, prontas para serem estendidas diante de novas e inusitadas situações,

afim de garantir ao contribuinte maior estabilidade em suas relações comerciais e financeiras.

4 Considerações finais

Primeiramente há que se ressaltar que as hipóteses de aplicação do princípio

da segurança jurídica e do princípio da proteção da confiança em matéria tributária não se

esgotam com essas apresentadas até aqui. Suas hipóteses de utilização são, e sempre serão,

abertas; prontas para serem estendidas diante de novas e inusitadas situações.

Estes princípios, como vimos, têm amplitude suficiente para afastar a

possibilidade de se delimitar suas repercussões de modo exaustivo. Suas hipóteses de

aplicação permanecem sempre em aberto, podendo ter seu conteúdo acrescido na medida em

que novas situações concretas se apresentem.

O princípio da segurança jurídica, como vimos, confere ao contribuinte, na

relação com o Estado, confiança e estabilidade, de forma a facilitar previsões financeiras, sem

que isto prejudique a contabilidade de uma grande empresa, ou até, de uma família de classe

média, ou seja, visa proteger o cidadão contra atos repentinos praticados pela administração

pública, evitando a surpresa fiscal.

Tais princípios constitucionais exigem e conferem ao contribuinte condições de

prever objetivamente seus direitos e deveres tributários, e por isso mesmo, podemos afirmar,

que não haverá respeito ao princípio da segurança jurídica sempre que as diretrizes que o

realizem venham a ser concretamente desrespeitadas, em outras palavras, não se pode falar

em segurança jurídica, ou proteção à confiança se a criação do tributo não respeitar os

princípios da legalidade, da anterioridade e da irretroatividade.

Após essa análise fácil concluir que o princípio da segurança jurídica é um

componente de ética jurídica e sua aplicação nas relações jurídicas de direito público é

obrigatória, tendo por precípua finalidade a obtenção de um estado de coisas que enseje

estabilidade dos atos, procedimentos ou simples comportamentos das atividades estatais.

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E somente com a devida importância que se deve ofertar aos princípios em tela

é que poderemos atingir a efetiva realização da Justiça na seara do Direito Tributário.

Nota

01 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário,

26ªed. Malheiros. 2010.

Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/20402/in-seguranca-juridica-e-

protecao-a-confianca#ixzz1xQuDZXm5

SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO

ARTIGO 18

A invocação do interesse público em matéria tributária

Raquel Cavalcanti Ramos Machado*

Introdução

Observa-se nos últimos tempos uma crescente invocação do princípio da

prevalência do interesse público sobre o particular, ou mesmo só do interesse público, na

solução de problemas de Direito Tributário, tanto materiais, como processuais.

Com efeito, medidas processuais em favor da Fazenda Pública são aceitas ao

fundamento de que a prevalência do interesse público as autoriza:

“TRIBUTÁRIO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO

FISCAL. INSTÂNCIA ESPECIAL. RECURSO

HIERÁRQUICO. INCONSTITUCIONALIDADE.

INEXISTÊNCIA. 1 . O recurso hierárquico em benefício

da Fazenda Pública, desde que previsto em lei, não viola

a Constituição Federal, notadamente os princípios da

isonomia e do devido processo legal. 2 . A lei processual

criada em favor da Fazenda não rompe o equilíbrio entre

as partes, face a prevalência da supremacia do interesse

público ao privado, instituída na Lei Maior. 3 . Recurso

ordinário a que se nega provimento.”1

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. PENHORA

SOBRE O FATURAMENTO DA EMPRESA.

POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ.

1. A presunção de legitimidade do crédito tributário, a

supremacia do interesse público e o princípio de que a

execução por quantia certa deve ser levada a efeito em

benefício do credor, justificam a penhora sobre o

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faturamento, no módico percentual de 5% (cinco por

cento) à míngua de outros bens penhoráveis.

2. O patrimônio de uma sociedade é servil a suas

obrigações, notadamente a tributária, que é ex lege, e

destinada a receita pública, cuja função é satisfazer as

necessidades coletivas.”

Do mesmo modo, por vezes convalidam-se inválidas

exigências tributárias também mediante a invocação do

interesse público. Como exemplo, tem-se o julgado do

Supremo Tribunal Federal, que para a perplexidade da

maioria da comunidade jurídica, negou o direito do

contribuinte à restituição da diferença do ICMS recolhido

por substituição tributária “para frente”, nas hipóteses em

que o preço final é inferior ao previsto na antecipação:

“(...) O fato gerador presumido, por isso mesmo, não é

provisório, mas definitivo, não dando ensejo à restituição

ou complementação do imposto pago, senão, no

primeiro caso, na hipótese de sua não-realização final.

Admitir o contrário valeria por despojar-se o instituto das

vantagens que determinaram a sua concepção e

adoção, como a redução, a um só tempo, da máquina-

fiscal e da evasão fiscal a dimensões mínimas,

propiciando, portanto, maior comodidade, economia,

eficiência e celeridade às atividades de tributação e

arrecadação...”2

Essa invocação do interesse público, demasiadamente ampla, longe de

coadunar-se com o ordenamento jurídico, implica insegurança e muitas vezes autoriza atitudes

arbitrárias do Estado. Em conseqüência, acarreta a diminuição do âmbito de eficácia dos

direitos individuais, conquistados a tão duras penas ao longo da História, trazendo ainda

grandes prejuízos para a Ciência do Direito Tributário.

Na verdade, somente uma noção distorcida sobre o conceito de interesse

público e sobre o significado do princípio da prevalência do interesse público sobre o particular

justifica essa invocação.

É na tentativa de demonstrar essa distorção, e afastá-la, que se desenvolve o

presente estudo.

1. Interesse Público

O maior equívoco em relação ao interesse público está em confundi-lo com o

interesse do Estado, sendo certo que tal equívoco vem agravando-se em face da idéia do

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Estado Social, que, pelo menos no plano teórico, age sempre em nome do povo e baseia-se na

solidariedade. Assim, afirma-se que, por conta do interesse público, os cidadãos em geral

teriam de “abdicar” de alguns direitos individuais para o bem da coletividade.

Esse raciocínio, por exemplo, é invocado por aqueles que defendem a

constitucionalidade da quebra do sigilo bancário diretamente pela Receita Federal,

independentemente de autorização judicial, e por aqueles que invocam o princípio da

capacidade contributiva como justificativa para a tributação de fatos não previstos em lei

(interpretação distorcida da chamada norma anti-elisão).

Essa noção sobre o interesse público contém dois equívocos. Um é o

elementar de confundir interesse do povo com interesse do Estado. O outro é o de imaginar

que, no Estado Social, deve-se abrir mão de direitos individuais – conquistados ao longo do

processo de democratização da sociedade – como se a mera imposição de deveres positivos

ao Poder Público o impedisse de realizar as arbitrariedades que justificaram a proteção

constitucional dos direitos individuais.

1.1. Interesse Público e Interesse do Estado

As pessoas que confundem interesse público e interesse do Estado ignoram,

ou por inocência ou por malícia, o fenômeno da deturpação do poder.

É certo que, no plano do “dever ser”, o Estado, através de seu governante,

deve sempre agir de acordo com a vontade do povo consubstanciada na Constituição. Ocorre

que também é certo que, no plano do “ser”, muitas vezes, os governantes, apesar de agirem

em nome do Estado, ignoram a norma suprema. A propósito bastante pertinente é a

observação de Gilmar Mendes, que afirma:

“A experiência histórica de diferentes países parece confirmar que os eventuais

detentores de poder, inclusive o legislador, não são infalíveis e sucumbem, não raras vezes, à

tentação do abuso de poder e da perversão ideológica. É por isso que, tal como apontado por

Peter Schneider, o Estado de Direito caracteriza-se, ao contrário de um sistema ditatorial, pela

admissão de que o Estado também pratica ilícitos.”3

Foi levando em consideração essa possibilidade de deturpação do poder que a

melhor doutrina administrativista, ao conceituar o interesse público, dividiu-o em duas

categorias, quais sejam, o interesse público primário e o interesse público secundário.

Interesse público primário é aquele relacionado de modo imediato com as

necessidades do povo, como educação, saúde, moradia, etc. Interesse público secundário diz

respeito ao uso dos meios necessários à realização desses anseios do povo, tais como a

arrecadação de tributos. E esses meios somente podem ser considerados como “interesse

público” quando efetivamente utilizados para o alcance do interesse público primário, e ainda

assim quando forem validamente instituídos.

Nesse ponto, é de se observar que, na discussão sobre a validade de uma

exigência tributária qualquer, – com exceção das relacionadas com contribuições – não se

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perquire sobre o destino da arrecadação tributária. Assim, como não se pode verificar a efetiva

destinação da arrecadação para a realização do interesse público primário, a invocação do

interesse público é indevida.

Além disso, mesmo em relação às exigências tributárias em que importa

analisar o destino da arrecadação, como, por exemplo, quando se discute a validade de

contribuições, não se pode invocar o interesse público. Isso porque ainda que determinada

contribuição tenha sido validamente criada, a mera previsão legal de que o valor arrecadado

com essa contribuição será destinado para a realização de alguma finalidade que seja do

interesse público primário não garante que assim o seja na prática; logo, não garante que a

cobrança da contribuição discutida realize efetivamente o interesse público.

De todo modo, nesse ponto, é de ser feita outra observação. Ainda que, no

exame da validade de um tributo, seja examinado e comprovado que o tributo questionado é

efetivamente destinado à realização do interesse público primário, não se poderá afirmar que

esse tributo realiza o interesse público se sua criação não tiver respeitado as exigências

formais e materiais contidas na Constituição e nas leis com ela compatíveis. Isso porque, em

um Estado de Direito, os fins não justificam os meios. Aliás, é o próprio interesse público

primário (liberdade do cidadão) que autoriza o controle da legalidade dos atos do Estado, atos

que englobam a elaboração de leis e a realização de lançamentos tributários. Bastante

pertinente é a conclusão de James Marins sobre o assunto:

“(...) não é lícito ao Estado pretender impingir derrotas ao

direito subjetivo individual do cidadão contribuinte sob o

pálio da defesa do interesse público ou do bem comum.

Concretamente podemos afirmar que certas garantias

que assistem o contribuinte alcançam relevo tal que não

podem ser sobrepujadas pelo sofisma consistente em

afirmar-se o caráter de interesse público da arrecadação

tributária.”4

Por conta disso, é que Hugo de Brito Machado assevera:

“Alguns afirmam prontamente que pagar tributo é um

dever de solidariedade social, e que a finalidade do

Direito Tributário é viabilizar para o Estado os recurso

financeiros dos quais necessita para alcançar seus

objetivos. Confundem, como se vê, uma relação

meramente social com uma relação jurídica, e

confundem a finalidade do tributo com a finalidade do

Direito Tributário - o que nos leva a concluir que essas

duas questões fundamentais ainda estão a merecer

nossa reflexão e nosso esforço no sentido de espancar

um desastroso equívoco.

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É certo que temos de admitir o tributo como instrumento

da solidariedade social, até porque esta deve ser o

fundamento da própria instituição do Estado. Isto, porém,

não quer dizer que a relação tributária seja simplesmente

uma relação social, e o dever de pagar o tributo seja um

dever de solidariedade. Uma vez estruturado o Estado,

instituída a ordem jurídica e com esta delimitado o dever

de tributar, o dever de pagar tributo já não será

simplesmente um dever de solidariedade social. Sua

existência passa a depender da lei e sua dimensão há

de ser nesta definida. Elaborada a lei, com a delimitação

da relação tributária, o dever de pagar tributo passa a ser

um dever jurídico, cujo adimplemento independerá do

sentimento de solidariedade do sujeito passivo daquela

relação.”5

Dessa última observação decorrem importantes implicações práticas, quanto à

invalidade da invocação do interesse público em matéria tributária.

Como o interesse público maior em um Estado de Direito é a sujeição do

Estado às normas constitucionais e às demais normas com ela compatíveis, se o Poder

Público quiser demonstrar que o ato por ele realizado é do interesse público, deve, em

verdade, invocar diretamente as normas válidas do ordenamento aplicáveis ao caso. Por conta

disso, a invocação genérica do “interesse público” ou será inútil – nos casos em que a simples

invocação da Constituição e das demais normas já autorize a prática do ato realizado pelo

Poder Público – ou será inválida, e estará sendo utilizada como artifício de retórica para

encobrir a violação ao ordenamento jurídico.

Assim, por exemplo, em uma ação judicial na qual se requer a tutela

antecipada para suspender a exigibilidade de um tributo, não se pode invocar o interesse

público para indeferi-la; importa, sim, e tão somente, examinar a presença dos requisitos legais

necessários à sua concessão. O mesmo deve ocorrer em relação ao exame de validade de

qualquer outra faceta da relação tributária, momento no qual não cabe a invocação do

interesse público.

1.2. Interesse Público e Estado Social

Quanto à idéia de que o interesse público, interpretado à luz do Estado Social,

autoriza a diminuição ou a relativização de alguns direitos e garantias do cidadão, a mesma,

como dito, também é equivocada. E essa errada noção deve-se, em regra, ao uso não

refletido/adequado da afirmação segundo a qual, no Estado Social, em face do princípio da

igualdade e da solidariedade, tais direitos não podem ser entendidos de modo absoluto. Assim,

por exemplo, considerando o direito ao sigilo de dados, como o mesmo não é absoluto,

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independentemente de autorização judicial, a Fazenda Pública teria direito de quebrá-lo para

investigar a idoneidade das declarações do contribuinte (LC n.º 105).

Esse raciocínio, em verdade, é um sofisma.

Realmente, os direitos individuais não são absolutos e podem ser relativizados.

Tal fato, porém, não autoriza a flexibilização desses direitos frente ao Poder Executivo. Isso

porque a igualdade e a solidariedade implicam tão somente a flexibilização de direitos

individuais de um cidadão frente a outro, como meio de garantir que todos os cidadãos gozem

efetivamente dos direitos individuais assegurados desde os primeiros modelos de constituição

do estado moderno. Por outro lado, representando o Estado Social um meio para assegurar a

eficácia dos direitos individuais a todos os cidadãos, não poderia amesquinhá-los, notadamente

no que diz respeito às garantias negativas frente ao Estado, razão maior da positivação dos

direitos individuais.6

Em relação ao sigilo bancário, por exemplo, por mais que se autorizem as

quebras, nos casos em que existem fortes indícios de sonegação, com fundamento no princípio

da isonomia (que não permite que dois contribuintes com a mesma capacidade contributiva e

regulamentados pela mesma lei previsora do fato gerador sejam tratados de modo diverso),

não se pode aceitar que a Fazenda invoque o interesse público “interpretado à luz do Estado

Social” para realizar ela própria a quebra, sem submeter a questão ao Poder Judiciário. Isso

porque a única diferença que existe entre a quebra do sigilo submetido à apreciação do Poder

Judiciário e a quebra feita diretamente pela Fazenda Pública é o aumento de poder que, neste

último caso, estaria sendo dado ao Poder Executivo. Esse aumento de poder, quando o

mesmo resultado pode ser obtido com o controle jurisdicional da legalidade dos atos

administrativos, não guarda qualquer relação com a efetividade do Estado Social; implica, em

verdade, e tão somente retrocesso histórico.

O mesmo ocorre em relação à norma anti-elisão. Há quem afirme que o

interesse público, interpretado à luz do Estado Social, autoriza a desconsideração, pelo Fisco,

da forma de alguns fatos jurídicos para permitir a tributação dos mesmos, uma vez que o que

se deve levar em consideração é a relevância econômica desse fato. Ora, nesse caso, como

na situação relativa à quebra do sigilo bancário antes referida, a autorização ao Fisco para

desconsiderar a forma de alguns fatos jurídicos visa a uma finalidade (tributar todos os fatos

que revelem capacidade econômica) que pode ser alcançada por outros meios que não

desprezam o direito do cidadão de somente ser obrigado a recolher tributo mediante previsão

legal. Com efeito, é do Estado o poder de criar leis. Assim, se o Poder Público vislumbra que

alguma situação economicamente relevante não está sendo tributada, pode criar lei que a

tribute, e é o que tem feito constantemente - o que aumentará a arrecadação (possível

interesse público secundário) sem desprezo à segurança jurídica do cidadão (interesse público

primário). A autorização, portanto, para se desconsiderar a forma de negócios jurídicos não

guarda relação com o Estado Social e, em verdade, implica tão somente aumento do poder do

Estado, com possível desprezo pela segurança jurídica e pela regra da legalidade7.

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O interesse público, portanto, somente pode ser invocado em matéria tributária,

no máximo, para autorizar a criação de tributos e permitir a exigência do crédito tributário, nos

exatos e estritos termos da lei e da Constituição, com respeito a todas as garantias processuais

que os cidadãos gozam em qualquer processo.

2. Princípio da prevalência do interesse público sobre o particular

Há ainda aqueles que, percebendo o evidente equívoco dos argumentos

refutados ao longo de todo o item 1, acima, afirmam que o que legitima a invocação do

interesse público em matéria tributária não é o interesse público propriamente, mas o princípio

da prevalência do interesse público sobre o particular.

Com suposto fundamento na nova hermenêutica constitucional – que tem no

sopesamento de princípios um modo de conciliar os valores aparentemente antagônicos

contidos nas Constituições dos Estados Democráticos pós-modernos e de reconhecer a

positividade dos princípios – há quem afirme que os princípios que asseguram direitos e

garantias ao cidadão devem ser sopesados com o princípio da prevalência do interesse público

sobre o particular.

Não obstante o respeito que se tem pelos que assim raciocinam, há em seu

argumento apenas uma tentativa de sofisticar uma idéia antiga e autoritária, que permanece

equivocada.

2.1. Princípios, Regras Jurídicas, Interesse Público e a Técnica do

Sopesamento

Antes de se verificar a correção do “sopesamento” de algumas normas

constitucionais com o princípio da prevalência do interesse público sobre o particular, importa

analisar os fundamentos e a história da técnica do sopesamento.

Essa técnica foi introduzida pela atual Hermenêutica Jurídica como meio de

garantir eficácia concreta aos enunciados que consagram valores/finalidades a serem

alcançados pelo Ordenamento Jurídico, mas que não trazem em seu corpo uma sanção para o

caso desses valores não serem observados (nem como os valores seriam atingidos).

A mesma tornou-se conhecida notadamente através da obra de Robert Alexy

que, utilizando-se da teoria desenvolvida por Ronald Dworkin, classifica como princípios

somente essas normas que enumeram valores/finalidades a serem alcançados pelo

Ordenamento. Daí o nome “técnica do sopesamento de princípios”.

Ocorre que, como observa com bastante precisão Virgílio Afonso da Silva 8,

parte da doutrina, notadamente a doutrina brasileira, não conceitua os princípios da mesma

forma que Robert Alexy, pois entende que este tipo de norma se caracteriza não em face da

sua estrutura, mas em face da sua importância/fundamentalidade para o Ordenamento

Jurídico.

Para se entender essa distinção na classificação dos princípios, basta

considerar duas normas da Constituição Federal de 1988:

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“Art. 145, §1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão

graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte...”

“Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é

vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

a) exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;”

Segundo a classificação de Robert Alexy, somente é princípio a norma

veiculada no art. 145, § 1.º, pois a mesma enumera um valor a ser alcançado pelo

Ordenamento, sem contudo afirmar o meio de alcançar a concretização desse valor. Essa

norma, portanto, não é de aplicação absoluta. A norma do art. 150, por sua vez, não é um

princípio, mas sim uma regra, pois prescreve imediatamente um modelo de conduta e

estabelece uma sanção para o caso dessa conduta não ser observada, ou seja, a própria

norma prevê o meio de sua concretização para o caso de a conduta prescrita não ser

observada. Não existe tributo “mais ou menos” previsto em lei.

Segundo a doutrina prevalente no Brasil, porém, ambas as normas são

princípios, pois são fundamentais para o Ordenamento Brasileiro. Assim é que comumente se

faz referência ao princípio da capacidade contributiva e ao princípio da legalidade.

Por conta dessa última classificação, muitos que não atentam para a história e

os fundamentos da técnica do sopesamento de princípios pretendem sopesar normas tais

como a do art. 150, ‘a’ da CF/88 com outras normas da Constituição. Esse sopesamento,

porém, não é possível.

As regras ou aplicam-se ou não se aplicam. Em outros termos, não podem ter

seu conteúdo reduzido quando de sua aplicação. O princípio da legalidade tributária, por

exemplo, ou é observado e o tributo exigido com base em lei poderá ser válido, ou não é

observado, e o tributo exigido com base em norma infralegal certamente não será válido. Com

efeito, não existem casos, fora os expressamente enumerados pela Constituição Federal, em

que a legalidade tributária ceda em face de um princípio constitucional (por exemplo, o

princípio da isonomia), para diminuir sua atuação.

Já os princípios têm seu conteúdo definido apenas no momento de sua

aplicação. Não se trata de aplicá-lo ou não, pois pode o mesmo ser aplicado em parte,

conciliando-se seu conteúdo com outros. O princípio da capacidade contributiva, por exemplo,

induz que todos aqueles com capacidade econômica para contribuir devem pagar impostos,

que devem ser graduados conforme essa capacidade. Assim é que uma pessoa jurídica que

obtém renda tem de recolher o imposto de renda proporcional a essa renda. Pode ocorrer,

porém, que este princípio seja sopesado com o princípio da redução das desigualdades

sociais, e uma pessoa jurídica que obtenha renda em região pobre do país seja dispensada do

pagamento do imposto de renda. A intensidade com que o princípio da capacidade contributiva

é prestigiado também pode mudar conforme a natureza pessoal ou real do imposto

correspondente.

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Feito esse esclarecimento quanto à correta aplicação da técnica do

sopesamento, cabe examinar o sopesamento que alguns pretendem fazer entre o princípio da

prevalência do interesse público sobre o particular e algumas normas da Constituição Federal.

É comum, com efeito, invocar-se o princípio da prevalência do interesse público

para relativizar normas de tributação que, em verdade, são regras. Exemplo dessa invocação

ocorreu no julgado do STF que declarou ser constitucional a não devolução do ICMS pago

antecipadamente a título de substituição tributária, e cuja base de cálculo, na prática, foi menor

do que a efetivamente tributada. Com efeito, esse julgado invocou como fundamento o

interesse público secundário correspondente à necessidade de “maior comodidade, economia,

eficiência e celeridade às atividades de tributação e arrecadação”9.

No caso, estava em jogo a regra do § 7.º, art. 150 da CF/88 e, supostamente, o

princípio da prevalência do interesse público. Normas que, por sua natureza não poderiam ser

sopesadas.

Conclui-se, portanto, que o princípio da prevalência do interesse público, ainda

que fosse um princípio constitucional de nosso ordenamento, não poderia, como qualquer outro

princípio não pode, ser invocado para relativizar regras constitucionais que imponham deveres

à Administração e/ou reconheçam direitos ao contribuinte.

Resta agora examinar a correção do sopesamento do princípio da prevalência

do interesse público com princípios constitucionais que consagram valores protetores do

cidadão.

2.2. Princípio da prevalência do interesse público e sopesamento de

princípios

O princípio da prevalência do interesse público, amplamente considerado,

norteia todo o ordenamento jurídico, na medida em que autoriza a própria limitação de

liberdade, com a criação de direitos e deveres. Sobre o assunto, afirma Celso Antônio

Bandeira de Mello:

“O princípio da supremacia do interesse público sobre o

interesse privado é princípio geral de Direito inerente a

qualquer sociedade. É a própria condição de sua

existência. Assim, não se radica em dispositivo

específico algum da Constituição, ainda que inúmeros

aludam ou impliquem manifestações concretas dele,

como por exemplo, os princípios da função social da

propriedade, da defesa do consumidor ou do meio

ambiente (art. 170, III, V e VI), ou em tantos outros.

Afinal, o princípio em causa é um pressuposto lógico do

convício social.” 10

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E, nesse sentido amplo, não é princípio constitucional que possa ser sopesado

com outros princípios. Com efeito, estando presente em todo o ordenamento, logicamente, não

pode ser colocado como princípio específico, antagônico a outros contidos no mesmo sistema.

E, quando se fala em sopesamento de princípios não se pode perder de vista essa idéia de

antagonismo, já que tal técnica de interpretação visa exatamente a conciliar valores

aparentemente distintos consagrados pelo Ordenamento, nas Constituições Democráticas.

Para se compreender essa impossibilidade de sopesamento do interesse

público com outros princípios constitucionais, basta considerar dois princípios constitucionais

que alguns pensam ser antagônicos ao princípio da prevalência do interesse público sobre o

particular. Trata-se dos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência.

É inegável que a livre iniciativa e a livre concorrência são do interesse do povo,

até porque, consubstanciam, no campo profissional, a liberdade essencial ao bem estar

humano, sob a ótica capitalista adotada por nossa Constituição. Por outro lado, é certo que, no

caminhar histórico da sociedade, a livre iniciativa, aceita sem qualquer limitação, não se

mostrou mais interesse do povo, pois trouxe, como conseqüência, grave crise social. Essa

realidade fez com que, em face do interesse do povo, fossem inseridos no ordenamento

jurídico valores/princípios que implicam limitações à livre iniciativa, tais como valorização do

trabalho humano, proteção ao meio ambiente, defesa do consumidor, busca do pleno emprego

etc (art. 170 da CF/88).

Assim, o que o princípio da prevalência do interesse público sobre o particular

faz é autorizar a inserção (positivação), no ordenamento jurídico, de princípios consagradores

de valores aparentemente antagônicos entre si e o conseqüente sopesamento desses valores.

Não poderia ser diferente, até porque o princípio da prevalência o interesse

público sobre o particular, em face da vaguidade de seus termos, tem de encontrar na

Constituição e somente nela, seu conteúdo, sob pena de ensejar as mais arbitrárias condutas.

Basta imaginar o confronto de qualquer princípio constitucional com o princípio

da prevalência do interesse público sobre o particular, para verificar que não haveria princípio

que resistisse a esse último, seria o mesmo que, em outros termos, inutilizar todos os demais

valores consagrados na Constituição.

Por conta disso, é que Celso Antonio Bandeira de Mello conclui:

“O princípio cogitado, evidentemente, tem, de direito,

apenas a extensão e compostura que a ordem jurídica

lhe houver atribuído na Constituição e nas leis com ela

consoantes. Donde jamais caberia invocá-lo

abstratamente, com prescindência do perfil constitucional

que lhe haja sido irrogado, e, como é óbvio, muito menos

caberia recorrer a ele contra a Constituição ou as leis.

Juridicamente, sua dimensão, intensidade e tônica são

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fornecidas pelo Direito posto e só por este ângulo é que

pode ser considerado invocado.”11

Assim, amplamente considerado, o princípio da prevalência do interesse

público sobre o particular consiste no princípio que autoriza a própria criação do Estado, e a

criação de normas limitadoras da liberdade individual, criação esta que envolve a inserção de

valores antagônicos no ordenamento para que seja realizado o sopesamento entre eles e se

chegue à “norma de equilíbrio”, em face de cada caso concreto. Nesse sentido bastante amplo,

portanto, o princípio da “prevalência do interesse público” impõe que a conduta de todos seja

disciplinada por normas previamente estabelecidas, e impõe que tais normas sejam fielmente

observadas ou, caso necessário, devidamente aplicadas. Isso mostra o quanto é absurdo

invocar a “prevalência do interesse público” para justificar a prática de atos contrários ao

Direito.

Diante disso, cabe-nos ainda analisar o sentido “estrito” do princípio da

prevalência do interesse público sobre o particular, para que reste completamente

demonstrada a impossibilidade de sopesá-lo com os demais princípios do ordenamento.

Estritamente considerado, o princípio da prevalência do interesse público sobre

o particular norteia os atos da Administração para que esta sempre aja levando em

consideração o interesse da maioria e não o interesse de uns. Exemplo de aplicação desse

princípio observa-se na decisão do Poder Público de construir uma estrada importante para o

desenvolvimento local, sendo que nesse mesmo lugar onde se pretende realizar a construção

já existem duas casas e seus donos não desejam a construção. Coloca-se, então, a questão

de saber se deve ser preservado o interesse dos donos das casas, ou de todas as demais

pessoas da comunidade que anseiam por ver a estrada construída. É evidente que, nesse

caso, deve prevalecer o interesse do povo (público) em detrimento do interesse particular.

Nesse ponto é de se observar mais um dado importante: o princípio da

prevalência do interesse público sobre o particular, como o próprio nome está a indicar, cuida

de interesses e não de direitos. Parece algo evidente e banal, mas assim não é na prática, pois

muitas vezes sob a invocação desse princípio pretende-se, como demonstrado acima, que o

interesse público prevaleça sobre direitos individuais. Interesse é vontade, e a conciliação de

interesses enseja a criação de direito para a compartição de liberdades. O que o princípio em

questão autoriza, portanto, é tão somente a prevalência do interesse público sobre o particular

na criação das normas jurídicas, mas não a prevalência do interesse público sobre o direito do

particular, até porque logicamente isso não é possível, pois, como dito, a consagração e a

efetividade desses direitos individuais é do interesse público.

Assim é que no caso da construção da estrada, o Estado, apesar de ignorar o

interesse particular dos donos das casas, não pode deixar de respeitar o direito patrimonial dos

mesmos, indenizando-os pelo valor do imóvel desapropriado.

Esse princípio destina-se ainda a evitar que o administrador faça prevalecer

seu próprio interesse na condução da coisa pública que deve, em verdade, ser usada e dirigida

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em benefício do povo; em outros termos, esse princípio é ainda o fundamento dos princípios da

indisponibilidade e da impessoalidade.

De nenhum modo, como se vê, o princípio do interesse público pode ser

invocado, seja para ser sopesado com princípios constitucionais protetores dos cidadãos,

individualmente considerados, seja para desprezar direitos legalmente assegurados.

Conclusão

Do exposto ao longo do presente texto, podemos concluir o seguinte:

a) o interesse público, em matéria tributária, realiza-se e exaure-se com a

limitação do direito de propriedade de cada contribuinte através da criação e da exigência

válida de tributos;

b) como o interesse público maior em um Estado de Direito é a observância

das leis pelo Poder Público, e como nem sempre o interesse do Estado, revelado por seus atos

na prática, coincide com o interesse público, a invocação do interesse público em prol da

Fazenda Nacional para justificar a cobrança de tributos não é admissível. E, em regra,

representa apenas artifício para desprezar as normas constitucionais – e outras com elas

compatíveis. Com efeito, ou a invocação das normas jurídicas é suficiente para demonstrar a

validade do tributo, ou este não será válido. A invocação genérica do interesse público,

portanto, ou é inútil (nos casos em que a simples invocação das normas já é suficiente), ou é

inválida;

c) o interesse público, interpretado à luz do Estado Social, longe de conceder

maior liberdade ao Estado para diminuir direitos e garantias individuais, implica, em verdade,

uma limitação ainda maior ao Estado, na medida em que este terá atribuições não apenas

negativas, mas também positivas. Em outros termos, o interesse público, interpretado à luz do

Estado Social, somente autoriza a diminuição do núcleo dos direitos individuais de um cidadão

frente ao outro cidadão, mas não frente ao Estado. Assim, como a relação tributária é sempre

entre Estado e cidadão, não é possível a invocação do interesse público na tentativa de

diminuir o núcleo dos direitos do contribuinte.

d) o princípio da prevalência do interesse público sobre o particular também

não autoriza a relativização dos direitos do contribuinte. Primeiro, porque muitos dos direitos

dos contribuintes são consagrados por regras, normas estas que, pela sua própria estrutura,

não podem ser relativizadas. Segundo, porque, amplamente considerado, o princípio da

prevalência do interesse público é princípio inerente ao Direito como um todo; assim não é

princípio constitucional que consagre valor que se oponha a nenhum outro do ordenamento;

logo, também não pode ser sopesado. Por fim, o princípio da prevalência do interesse público,

estritamente considerado, é guia para a Administração, enquanto executora da lei, e autoriza o

sopesamento de interesse público e interesse privado, e não o de interesse público e direitos

individuais, porquanto esses últimos direitos já decorrem da conciliação de interesses.

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NOTAS

1 Ac. un. da 2.ª T do STJ - rel. Min. Paulo Medina - ROMS 13592 - DJ

DATA:02/12/2002, p. 266

2 Ac. do Pleno do STF - mv - rel. Min. Ilmar Galvão - ADI 1851/AL - DJ

22/11/2001, p. 55

3 Gilmar Mendes, Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, 2

ed., São Paulo, Editora Celso Bastos, p. 32

4 James Marins, Direito Processual Tributário Brasileiro (administrativo e

judicial), São Paulo: Dialética, 2001, p. 348.

5 Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 22 ed, São Paulo:

Malheiros, 2003, p. 16

6 Sobre o fato de o Estado Social, consagrador dos direitos fundamentais

sociais (dimensão objetivo-institucional), não implicar a supressão ou diminuição dos direitos

fundamentais individuais (dimensão subjetiva-individual), Paulo Bonavides, citando a opinião

de Peter Häberle, afirma: “A teoria institucional da segunda fase parece haver resolvido com

Häberle outro problema deixado sem solução por Schmitt, a saber, o da antinomia entre a

dimensão jurídico-individual e a dimensão jurídico-institucional dos direitos da liberdade. (...)

Com um traço de originalidade, fez ele a nova teoria institucional se assentar sobre um

pedestal de relações mútuas bastante fortes entre o lado subjetivo-individual e o lado objetivo-

institucional. Da aproximação de ambos os lados e de sua equiparação valorativa promana a

verdadeira essência do direito fundamental, segundo a nova corrente institucional. Conjugados,

assim, esses dois aspectos supostamente heterogêneos, nem por isso deixou-se de proclamar

a preponderância do elemento objetivo. Antes a preserva e defende, ao mesmo passo que fez

nascer na sociedade mais direitos, estes derivam em grande parte do aumento de

complexidade da organização social e se caracterizam sem sacrificar o aspecto subjetivo, sem

coarctar no grupo a sua liberdade e no ser individual a sua personalidade. Não há, portanto,

como desmembrar dos direitos fundamentais a sua feição subjetiva do seu caráter objetivo,

sendo que a primeira se insere na interioridade do segundo.” (Paulo Bonavides, Curso de

Direito Constitucional, 8 ed, Malheiros, São Paulo, 2003, p. 574/5)

7 Precisamente quanto a essa questão não se pode deixar de observar que,

até por questão de lógica, nada justifica que o cidadão, que se utiliza validamente das formas

jurídicas previstas em lei para realizar um negócio jurídico, tenha essas formas

desconsideradas pelo Fisco, com o único fim de tributar a realidade econômica não prevista em

lei como fato gerador. A questão deve resumir-se ao exame da validade do negócio jurídico e

não à desconsideração de suas formas com o único fim de tributá-lo.

8 “Princípios e Regras: Mitos e Equívocos acerca de uma Distinção”, in Revista

Latino Americano de Estudos Constitucionais n.º 1, dir. Paulo Bonavides, Belo Horizonte: Del

Rey, 2003, p. 607 e segs.

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9 Ac. un. do Tribunal Pleno do STF - rel. Min. Ilmar Galvão - ADI 1851/AL - DJ

22-11-2002, p. 55

10 Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 9 ed.,

Malheiros, São Paulo, 1997, p. 55

11 Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 9 ed.,

Malheiros, São Paulo, 1997, p. 56

_____________________________

* Advogada em Fortaleza/CE. Membro do Instituto Cearense de Estudos

Tributários – ICET e Membro da Comissão de Estudos Tributários da OAB/CE

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI4156,21048-

A+invocacao+do+interesse+publico+em+materia+tributaria

ARTIGO 19

Jornada de Estudos ESMAF, Distrito Federal, v. 1, dez. 2009, P.50-1 Harada22

define que “Muitos contribuintes, coagidos de forma ilegítima e inconstitucional, acabam

abrindo mão do contraditório e, quando possível financeiramente, pagando o que, na verdade,

não devem, como meio de manter sua subsistência.” Machado23 associa as idéias: Todas

essas práticas são flagrantemente inconstitucionais, entre outras razões, porque: a) implicam

indevida restrição ao direito de exercer atividade econômica, independentemente de

autorização de órgãos públicos, assegurado pelo art. 170, parágrafo único, da vigente

Constituição Federal; e b) configuram cobrança sem o devido processo legal, com grave

violação do direito de defesa do contribuinte, porque a autoridade que a este impõe a restrição

não é a autoridade competente para apreciar se a exigência é ou não legal.

A liberdade de atuação que é conferida ao executivo na incidência destas

restrições, é outro embasamento para a vedação destas atividades. Primeiro, porque, mais

uma vez nas palavras do Juíz Federal aposentado Hugo de Brito Machado, “a autoridade que a

este impõe a restrição não é autoridade competente para apreciar se a exigência do tributo é

ou não legal”. Depois, porque o Fisco ignora visivelmente o procedimento formal instituído em

lei para tal cobrança. Por fim, em relação à afirmativa de necessária Supremacia do Interesse

Público em relação aos interesses privados, Fontenele24 afirma:

O Fisco ao praticar esse tipo de atividade, qual seja, a imposição de Sanções

Políticas como condição ao exercício dos diversos direitos fundamentais já analisados, muitas

vezes, defende a constitucionalidade desse comportamento, refugiando-se no principio

administrativo da Supremacia do Interesse Público.

Porém, não é legitimo concluir que o referido principio se confunda com mero

interesse arrecadatório da Administração Fazendária, haja vista que o Interesse Público- isto é,

a finalidade geral de todos os atos da Administração Pública – é justamente caracterizado pelo

atingimento dos objetivos do estado democrático de Direito, ou seja, pelo respeito dos direitos

fundamentais previstos no ordenamento jurídico pátrio.

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Assim, não se pode dizer que a Supremacia do Interesse Público é fundamento

para a aplicação de Sanções Políticas. A Administração Pública deturpa este conceito na

tentativa de justificar suas atitudes, da mesma forma que restringe indevidamente os direitos

fundamentais, quando aplica as medidas desproporcionais.

22 HARADA, Kyoshi. Sanções Políticas como Meio Coercitivo Indireto de

Cobrança do Crédito

Tributário. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/39530>. Acesso em: 17 set.

2010.

23 Op. Cit., 1998, p.46-7

24 Op.Cit. p.57

2.4 ENTENDIMENTO SUMULADO PELO STF

O Supremo Tribunal Federal rechaça reincidentemente as denominadas

Sanções Políticas. Quando analisamos o entendimento sumulado por esta

Corte, observamos que esta prática é muito antiga, tanto que as primeiras súmulas a respeito

do tema são as súmulas 7025 e 323,26 aprovadas em sessão plenária no dia 13 de dezembro

de 1963.

Como se não bastasse, na sessão plenária de 03 de dezembro de 1969, foi

aprovada a súmula 547,27 que teve como fundamento para a sua formação quatro

precedentes (RE 63045; RE 60664; RE 63047 e RE 64054), nos quais, os recorrentes se

insurgiam contra a aplicação de Decretos que previam a interdição do estabelecimento, a

vedação em adquirir estampilhas, etc. No julgamento do Recurso Extraordinário 63047

(19/06/1968), o Min. Aliomar Baleeiro fundamentou seu voto em argumentos que até hoje

parecem atuais: Estou de acordo com esta decisão. A Fazenda há de valer-se da ação

competente para cobrança do débito, não pode determinar a interdição de estabelecimento,

nem fazer determinações do art. 1º transcrito. O constitutivo há que estimular a produção e não

fechar os estabelecimentos que produzem sob alegação de que impostos são devidos.

No mais, parece pertinente demonstrar que as sanções políticas vão

rechaçadas em todos os graus de jurisdição. Sendo o entendimento do Supremo Tribunal

Federal o prevalente em caso de irresignação, reflete-se aos demais colegiados o

entendimento por este firmado. Neste sentido, apenas exemplificando:

TRIBUTÁRIO. IPI. MANDADO DE SEGURANÇA.

OBTENÇÃO DE SELOS DE CONTROLE DE BEBIDAS

ALCOÓLICAS. DÉBITOS COM A FAZENDA PÚBLICA.

PRINCÍPIO DO LIVRE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE

ECONÔMICA. ARTIGO 170, PARÁGRAFO ÚNICO, DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SÚMULA Nº 547 DO STF.

25 BRASIL. STF. Súmula 70. É INADMISSÍVEL A

INTERDIÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMO MEIO

COERCITIVO PARA COBRANÇA DE TRIBUTO. 26

BRASIL. STF. Súmula 323. É INADMISSÍVEL A

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APREENSÃO DE MERCADORIAS COMO MEIO

COERCITIVO PARA PAGAMENTO DE TRIBUTOS. 27

BRASIL. STF. Súmula 547. NÃO É LÍCITO À

AUTORIDADE PROIBIR QUE O CONTRIBUINTE EM

DÉBITO. ADQUIRA ESTAMPILHAS, DESPACHE

MERCADORIAS NAS ALFÂNDEGAS E EXERÇA SUAS

ATIVIDADES PROFISSIONAIS.

- Violação que o Poder Público pratica, pelo ato de seus

agentes, negando ao comerciante em débito de tributos

à aquisição dos selos necessários ao livre exercício das

suas atividades. Artigo 170, parágrafo único da Carta

Magna.

- Ratio essendi das Súmulas 70, 323 e 547 do E. STF e

127 do STJ no sentido de que a Fazenda Pública deve

cobrar os seus créditos através de execução fiscal, sem

impedir direta ou indiretamente a atividade profissional

do contribuinte.

- É defeso à administração impedir ou cercear a

atividade profissional do contribuinte, para compeli-lo ao

pagamento de débito, uma vez que tal procedimento

redundaria no bloqueio de atividades lícitas, mercê de

representar hipótese da autotutela, medida excepcional

ante o monopólio da jurisdição nas mãos do Estado-Juiz.

- Recurso improvido.

(REsp 414486/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA

TURMA, julgado em

07/05/2002, DJ 27/05/2002 p. 142).

Na corte estadual:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO.

MANDADO DE SEGURANÇA. AIDF. LIMINAR.

CABIMENTO. A ausência do despacho administrativo

que indeferiu a autorização de impressão de

documentos, é de todo dispensável, porque a negativa

do Fisco quanto ao pedido de impressão de notas fiscais

se consubstancia na retenção do formulário, o qual

constitui condição para que a impressão seja realizada.

Ademais, é sabido que as sanções políticas que

impedem o livre exercício do comércio são vedadas,

consoante reiteradas decisões do STF e deste Tribunal

AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO, POR

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MAIORIA, VENCIDO O RELATOR. (Agravo de

Instrumento Nº 70020550521, Segunda Câmara Cível,

Tribunal de Justiça do RS, Relator: Arno Werlang,

Julgado em 12/09/2007).

Atinente ao estudo destas decisões são as palavras do Min. Marco Aurélio,

relator no julgamento do RE 413.782 (D.J. 03.06.2005): “não aplico sumula, não reconheço a

verbete de sumula contornos normativos”. Assim, as sumulas não se limitam às situações

fáticas que lhe deram causam, os princípios que as preenchem são subjacentes.

3 RESTRIÇÕES ASSEMELHADAS ÀS SANÇÕES POLÍTICAS, PORÉM

ADMITIDAS PELA JURISPRUDÊNCIA DO STF

Em contrapartida às verdadeiras sanções políticas, estão as situações em que

o Fisco se vê obrigado a aplicar medidas sancionadoras em contribuintes que insistem em

burlar as normas tributárias. A respeito dessas, podemos afastar o conceito de sanção política,

concluindo que não são reprováveis, visto que a natureza da norma jurídica tributária é a de

uma norma de garantia, portanto, pode ser sancionadora, e ainda assim, consagrada, e

reconhecida pelo Estado. O Ministro Joaquim Barbosa elucida a questão quando da relatoria

da ADI 173 (D.J. nº53, publicação 20/03/2009):

É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal

Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não

há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam

combater estruturas empresarias que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente

sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício

de atividade econômica deve ser desproporcional e não razoável (grifei).

Assim como as sanções anteriormente estudadas, estas se valem de variadas

formas no nosso ordenamento jurídico. Contudo, serão abordadas somente algumas espécies,

a título exemplificativo, para que seja possível estabelecer uma visão comparativa entre

ambas.

3.1 ESPÉCIES

Da leitura da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 395 (D.J.17/08/2007,

Min. Cármen Lúcia) percebe-se uma das espécies de restrição mais aplicada aos contribuintes,

porém que, em determinadas situações, não se caracteriza como sanção política: a apreensão

de mercadorias. A decisão que se referiu à legalidade do art. 163, § 7º, da Constituição de São

Paulo28, teve como resultado do seu julgamento a ausência de afronta ao art. 5º, inciso XIII, da

Constituição Federal. Restou ementado que “a retenção da mercadoria, até a comprovação da

posse legítima daquele que a transporta, não constitui coação imposta em desrespeito ao

princípio do devido processo legal tributário”. A Corte Suprema afirmou que o direito de livre

exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (art. 28 BRASIL. Artigo 163 - Sem prejuízo

de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Estado: § 7º - Para os efeitos do

inciso V, não se compreende como limitação ao tráfego de bens a apreensão de mercadorias,

quando desacompanhadas de documentação fiscal idônea, hipótese em que ficarão retidas até

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a comprovação da legitimidade de sua posse pelo proprietário. 5º, inc. XIII, da C.F.) , assim

como os demais direitos fundamentais, não é um direito absoluto. No caso, a “retenção

temporária de mercadorias prevista no art. 163, § 7º, da Constituição de São Paulo, é

providência para a fiscalização do cumprimento da legislação tributária no território e

consubstancia no exercício do poder de polícia da Administração Pública Fazendária”.

Consta no corpo do referido acórdão: Não se tem no caso em pauta, hipótese

normativa de coação para fins de pagamento de valores ao Fisco, porque a mercadoria fica

retida até a comprovação da posse legítima por parte daquele que a transporta e que, então, a

tem em sua posse lícita. Também não procede o argumento de que o §7º do art.163 da

Constituição de São Paulo afrontaria o art. 5º, inc. XIII, da Constituição da República.

A garantia fundamental do livre “... exercício de qualquer trabalho, ofício ou

profissão...” está subordinada ao atendimento das “...qualificações profissionais que a lei

estabelecer...”. É este o entendimento assentado na Suprema Corte, consoante o trecho

abaixo colacionado:29

É inequívoca a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal relativa às

sanções políticas, isto é, à proibição do uso de punições não-pecuniárias desproporcionais

como forma de coagir o contribuinte ao pagamento do crédito tributário (cf. Súmula 323/STF).

Contudo, a orientação firmada pela Corte não escusa o contribuinte e o responsável tributário

de observarem rigorosamente as normas que dispõem sobre a fiscalização e a cobrança do

tributo. Entendo, ao menos neste momento de juízo inicial, que não se caracteriza como

apreensão vedada pela Constituição a retenção de mercadoria, por prazo determinado e

razoável, destinada a assegurar às autoridades fiscais a possibilidade de determinar os sujeitos

passivos da relação jurídica tributária e a obediência à legislação de regência (grifei).

A obra de Fontenele30 também discorre sobre o assunto: Diante disso, conclui-

se que a partir do momento em que a posse legítima de mercadoria for comprovada, não mais

se justifica a sua apreensão, devendo a mercadoria ser imediatamente liberada. Vale dizer, não

importa se o Fisco entenda que o modelo de nota fiscal está errado ou que o preço não

corresponda ao valor da mercadoria, visto que a apreensão, como já mencionado, só se

justifica até o momento de identificação do possuidor para fins do lançamento do crédito

tributário e de eventual multa.

29 BRASIL. STF. ACO 1216, Min. Joaquim Barbosa, DJe-164, publicada em

02/09/2008.

30 FONTENELE, Alysson Maia. As Sanções políticas no direito tributário e os

direitos fundamentais do contribuinte. In: Coleção Jornada de Estudos ESMAF, Distrito Federal,

v. 1, p. 19-58, dez. 2009 Semelhante aos casos supracitados é a questão suscitada por Ives

Gandra da Silva Martins

31, em sua obra Da Sanção Tributária, onde, ao citar as espécies mais

aparentes de sanções políticas, o mestre menciona o contrabando. Sobre tal, expõe que a

apreensão é legítima e esclarece que “o fundamento jurídico dessa perda não é o confisco; a

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mercadoria ilicitamente entrada no país não tem título de legitimação ou propriedade e essa

aquisição pela Fazenda visa impedir a formatação de título ilegítimo.”

Hugo de Brito Machado levanta a questão que deu causa a parte da Ação

direta de Inconstitucionalidade 17332 quando comenta o Código Tributário Nacional:33

Não há dúvida de que a exigência de quitação de tributos como condição para

participar em licitações e para contratar com o Poder Público constitui forma de impor sanções

ao contribuinte e configura também em muitos casos uma via oblíqua de cobrança de tributos.

O mesmo concluiu falando “que o supremo tribunal federal já reconheceu que,

em princípio, não há inconstitucionalidade no dispositivo, mas o mesmo há de ser considerado

inconstitucional quando a exigência nele apoiada puder implicar proibição ao livre exercício da

atividade empresarial.” A decisão da Corte quanto a matéria reside ao final da ementa34,

afinal, como a “quitação de tributos” foi legalmente substituída por “regularidade fiscal” não

havia mais razões de inconstitucionalidade, in verbis:

5. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida, em relação ao art. 1º, II

da Lei 7.711/1988, na medida em que revogado, por estar abrangido pelo dispositivo da Lei

8.666/1993 que trata da regularidade fiscal no âmbito de processo licitatório.

6. Explicitação da Corte, no sentido de que a regularidade fiscal aludida implica

"exigibilidade da quitação quando o tributo não seja objeto de discussão judicial" ou

"administrativa". Ações Diretas de Inconstitucionalidade parcialmente conhecidas e, na parte

conhecida, julgadas procedentes.

31 Op. Cit. p.37

32 BRASIL. STF. Relator: Min. Joaquim Barbosa, DJe-053, publicada em 20-

03-2009.

33 MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. São

Paulo: Atlas,

2005. v. III. p. 741.

34 BRASIL. STF. ADI 173, Min. Joaquim Barbosa, DJe-053. Publicada em 20-

03-2009.

Novamente na lei tributária, o autor35 faz relevante declaração: A nosso ver, a

exigência de regularidade de situação há de ser entendida em termos. Não devemos entendê-

la como exigência de plena quitação das fazendas federal, estadual e municipal. Nem mesmo

como exigência de quitação com tais fazendas no que concerne à atividade na qual licita ou

contrata. Há de ser entendida, isto sim, como prova de que o licitante, ou contratante, cumpre

regularmente suas obrigações tributárias e por isto não está na clandestinidade, mas pode

estar a dever, desde que em condições de obter a denominada certidão positiva com efeitos de

negativa. A Fazenda entende que limitar a atuação do contribuinte faltoso é uma forma de

incentivar o seu adimplemento tributário. Nesta senda se justificam as restrições aqui tratadas

e assim ele esclarece:36 O próprio STF reconheceu a inconstitucionalidade apenas quando

houvesse impedimento absoluto ao exercício da atividade empresarial.

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A simples limitação, tal como a proibição de contratar com instituições

financeiras governamentais, foi reconhecida como válida (grifei).

A imposição de Regime Especial pode ser empregada tanto como sanção

política quanto sanção válida. Mais uma vez esbarramos na adequação da norma com a

Constituição vigente e com o princípio da proporcionalidade, isto é, com a análise da

adequação e da proporcionalidade em sentido estrito. Oportunos os esclarecimentos do

magistrado H.B. Machado:37 Podemos dizer, portanto, que temos para cada tributo dois

regimes jurídicos, a saber: a) o regime jurídico substancial, ou material, que concerne à

obrigação tributária principal. Ou, em outras palavras, aos critérios de determinação do

montante do tributo devido; e b)o regime jurídico formal, ou procedimental, que concerne às

obrigações tributárias acessórias e ao procedimento de controle, pelas autoridades da

Administração Tributária, do cumprimento das obrigações tributárias. (...)

Os regimes especiais devem constituir, ao menos em princípio, opções para os

contribuintes - que, se com eles não estiverem satisfeitos, podem optar pelo regime ordinário

de tributação. (...) No IRPJ (imposto de renda das pessoas jurídicas), por exemplo, todos têm o

direito de pagar o imposto com base no lucro real. A opção pelo regime do lucro presumido,

exemplificando, tem a vantagem de dispensar o contribuinte da exigência de escrituração

contábil, que tratando-se de pequenas empresas, pode ter custo bastante

significativo.(Grifei).(...)

35 MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. São

Paulo: Atlas, 2005. v. III. p. 741. 36 Ibidem, p. 739.

37 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo:

Malheiros Editores, 2005. p. 86-7.

Da mesma forma que não é válido um regime especial atinente ao aspecto

substancial da obrigação tributária que implique tributação mais gravosa a determinados

contribuintes sem lhes dar a opção pelo regime ordinário de tributação, também não é válido

um regime especial atinente ao aspecto formal ou procedimental da relação tributária – em

alguns casos denominado regime especial de fiscalização – que seja simplesmente uma forma

oblíqua de compelir o contribuinte a fazer o pagamento do tributo. Em recente decisão38 a

Suprema Corte definiu outra situação de restrição ao contribuinte que não se configura como

inconstitucional. Trata-se de regime especial, porém, na espécie, o contribuinte foi excluído de

tal regime, sendo este condição essencial para a produção de cigarros. De acordo com o

Decreto-Lei nº. 1.593 de 1977 e suas alterações, o cancelamento unilateral neste regime

especial é válido no caso de “não-cumprimento de obrigação tributária principal ou acessória,

relativa a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal.”39

Com efeito, o Ministro Cezar Peluso explica que sobre a produção de cigarros

incide a alíquota mais alta da tabela do IPI, sendo sabido que em cada maço do produto há

cerca de 70% de tributos (conforme memorial da ETCO). Por isso, a inadimplência tributária da

empresa poderia gerar uma vantagem comercial incompatível com o principio da livre

concorrência. Assim, ele aduz: Ao investigar a ratio iuris da necessidade de registro especial

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para a atividade de produção de cigarros, vê-se, logo, que provém de norma inspirada não só

por objetivos arrecadatórios, senão também por outras finalidades que fundamentam a

exigência jurídica dos requisitos previstos para a manutenção do registro especial, entre os

quais se inclui o da regularidade fiscal.

Esta finalidade extrafiscal que, diversa da indução do pagamento de tributo,

legitima os procedimentos do Decreto lei n. 1.593/77, é a defesa da livre concorrência. Toda a

atividade da industria de tabaco é cercada de cuidados especiais em razão das características

deste mercado, e, por isso, empresas em débito com tributos administrados pela SFR podem

ver cancelado o registro especial – que é verdadeira autorização para produzir-, bem como

interditados os estabelecimentos.

38 BRASIL. STF. AC 1657 MC, Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, Relator(a) p/

Acórdão: Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 27/06/2007, DJe-092.

39 BRASIL. Art 2º - O registro especial poderá ser cancelado, a qualquer

tempo, pelo Secretário da Receita Federal se, após a sua concessão, ocorrer um dos seguintes

fatos: II - não-cumprimento de obrigação tributária principal ou acessória, relativa a tributo ou

contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal; (Redação dada pela Lei nº

9.822, de 1999).

Foi um caso muito particular, que dividiu os ministros reunidos para julgamento

no tribunal pleno. Ao final, a lide que pretendia a atribuição de efeito suspensivo para Recurso

Extraordinário recebido pela união foi indeferida. Em julgamento, restaram vencidos o relator e

outros três ministros, os demais entenderam que estavam ausentes os requisitos essenciais

para o provimento da cautela. Desta forma, resta claro que os direitos fundamentais podem ser

limitados.

Entretanto, apenas quando há previsão legal ou situação fática justificante para

tanto. Portanto, garantir a efetividade deste direito não se confunde, por exemplo, com a

certeza de que todos os contribuintes poderão realizar contrato público (ou licitação) com a

Administração Pública; ou até mesmo trafegar com mercadorias em quaisquer condições.

Da mesma forma, a adoção de Regime Especial não conduz, necessariamente,

à inconstitucionalidade, pois se impõe, por exemplo, uma análise da possibilidade dessa

adesão pelo contribuinte.

3.2 FUNDAMENTOS QUE JUSTIFICAM A SUA APLICAÇÃO

A restrição de direitos ou prerrogativas imposta pelo Estado aos seus tutelados

deve sempre ser evitada. Há casos em que estas atitudes são bem motivadas, tornando-se

válidas, mas em regra, as imposições neste sentido são impróprias. O próprio Supremo já

decidiu: É certo – consoante adverte a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal

Federal – que não se reveste de natureza absoluta a liberdade de atividade empresarial,

econômica ou profissional, eis que inexistem, em nosso sistema jurídico, direitos e garantias de

caráter absoluto.40 Deste modo, por não serem absolutos os direitos fundamentais, há casos

em que se faz necessária a sua restrição em nome do Interesse Público. Sobre este, se faz

mister esclarecer:

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40 BRASIL. STF. RE 413782, Relator: Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno,

julgado em 17/03/2005, DJ 03-06-2005.

(...) O Estado concebido que é para a realização de interesses públicos,

(situação, pois, inteiramente diversa da dos particulares), só poderá defender seus próprios

interesses privados quando, sobre não se chocarem com os interesses públicos propriamente

ditos, coincidam com a realização deles.41

Destarte, essencial a distinção feita pela doutrina dos interesses públicos

primários e secundários. Os interesses primários são aqueles que deram origem ao Estado,

toda a sociedade é titular desses interesses, como por exemplo, a saúde pública, a justiça, a

conservação dos recursos naturais, etc. Já os interesses secundários, são aqueles que advêm

da pessoa jurídica que a Administração Pública incorpora nas relações em que participa, em

outras palavras, é o interesse do Erário. Assim, presume-se das palavras supracitadas do

constitucionalista Celso Bandeira de Mello, que os interesses públicos secundários não podem

fundamenta as limitações estatais eventualmente impostas.

Conforme disposto na Constituição Federal, a Fazenda Pública (da União, dos

estados ou dos Municípios) é quem deve se insurgir contra a violação de norma tributária.

Neste sentido se fortifica a alegação do Fisco pela necessidade de rígido controle das

atividades tributárias. Pois o descumprimento da obrigação de pagamento de tributo faz com

que os demais que contribuem sejam sobrecarregados pelo erário. Neste caso, compelir o

sujeito passivo de cada relação tributária ao pagamento dos impostos seria uma preocupação

com o bem comum. Celso Antonio Bandeira de Mello42 prossegue:

Todo excesso, em qualquer sentido, é extravasamento de sua configuração

jurídica. É, a final, extralimitação da competência (nome que se dá, na esfera pública, aos

“poderes” de quem titulariza função. É abuso, ou seja, uso além do permitido, e, como tal,

comportamento inválido que o judiciário deve fulminar a requerimento do interessado.

No mais, a Fazenda utiliza o fundamento denominado dever de tributar – uma

vez que o tal demonstra a essencialidade da imposição de tributos para a evolução

41 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São

Paulo: Malheiros, 2008. p. 66.

42 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São

Paulo: Malheiros, 2008, p.99

do estado Social de Direito. Principio este decorrente do dever de agir próprio

da Administração Pública:

O poder do administrador público, revestindo ao mesmo tempo o caráter de

dever para a comunidade, é insuscetível de renúncia pelo seu titular. Tal atitude importaria

fazer liberalidades com o direito alheio, e o poder público não é, nem pode ser, instrumento de

cortesias administrativas.43 Neste sentido Machado refere: “Tem a Fazenda Pública o poder-

dever, ou direito potestativo, de constituir seus créditos tributários, contando ou não com a

colaboração do sujeito passivo, e mesmo contra a vontade deste.”44 Inclusive, em outra obra,

o mesmo autor continua: (...) constitui ato de improbidade administrativa “agir negligentemente

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na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do

patrimônio público”. Essa definição legal, que nos parece ser meramente explicitante, há de ser

entendida em consonância com o parágrafo único do art. 142 do Código Tributário Nacional,

segundo a qual a atividade administrativa é vinculada e obrigatória, sob pena de

responsabilidade funcional.45

Concluindo, a restrição de direitos fundamentais se funda na lesividade que a

inadimplência significa para toda a sociedade. Até porque, o Estado impõe aos seus

contribuintes cobranças de cunho mais restritivo porque não essa cobrança não lhe parece

como uma opção, mas sim um dever.

4 DISTINÇÃO ENTRE AS SANÇÕES POLÍTICAS E AS DEMAIS FIGURAS

CARACTERÍSTICAS

Para diferenciar as limitações que se assemelham às sanções políticas das

próprias, faz-se necessário que se aviste o entendimento assentado pelo Supremo Tribunal

Federal, uma vez que, ao fim e ao cabo, é este quem define quais são as práticas compatíveis

com a Magna Carta, ou quais não, caracterizando, eventualmente, as recém vistas Sanções

Políticas. Muito bem, já que nos dois

43 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 2. Tiragem. São

Paulo: Malheiros Editores, 1991. p. 89.

44 Op. Cit. 2008, 96

45 Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p.93-4

capítulos anteriores foram detalhadas as Sanções Políticas e as limitaçõesproporcionais, neste

capítulo trataremos de fundir as características, com o intuito de alcançar uma diferenciação

objetiva. Características próprias das Sanções Políticas:

1. restrição à atividade econômica – como visto, quando não as restringem,

atrapalham de forma significativa;

2. negativa à discussão do débito – isto é, impedem o acesso ao judiciário,

tanto em relação ao débito quanto à medida administrativa imposta;

3. falta de opção à adesão da medida imposta – ou seja, arbitrariedade

excessiva de procedimento para o Fisco;

4. aplicadas em razão de interesse do erário (em última análise, é o argumento

que fulmina a validade das restrições).

Características que afastam às Sanções Políticas.

1. Limitação, não restrição, das atividades econômicas – por não

preenchimento dos requisitos legalmente previstos.

2. Previsão Constitucional para a medida adotada – se a medida foi

recepcionada pela Constituição Federal, não há como ser considerada inválida.

3. Opção de aderir à imposição, ou, na escolha de não aderir, não ser

prejudicado.

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4. Aplicadas em razão de interesse social (característica capaz de transformar

uma sanção política em restrição válida, caso os argumentos aplicáveis à situação concreta

sejam proporcionais e compatíveis com o interesse público).

4.1 BENS JURIDICOS PROTEGIDOS

Como bem afirma Fontenele, é imprescindível uma breve apresentação do

conceito de direitos fundamentais ao estudarmos os bens protegidos, já que são encontradas

diversas formas de denominar a expressão “direitos fundamentais”. A respeito disso, “a

doutrina, a exemplo de Sarlet, entende que o termo direitos fundamentais melhor se aplica

àqueles direitos reconhecidos pelo ordenamento jurídico constitucional; enquanto os direitos

humanos são aqueles retratados no âmbito do direito internacional.”46

No estudo dos bens afetados pelas sanções políticas, acompanho a

sistemática de Aliomar Baleeiro47, mencionando a ameaça dos seguintes direitos:

a) Exercer em plenitude suas atividades comerciais, em regime de livre

concorrência, a teor dos arts. 5º, XIII, e 170, IV da Constituição;

b) Ser tributado nos termos estritos da lei, com espeque nos arts. 5º, II e 150, I,

da Constituição; arts. 97 e 128 do CTN;

c) Discutir, na via administrativa, plenamente as autuações e cobranças que

sofreram, sem garantia de instância mediante contraditório e ampla defesa, conforme art. 5º

LV.

d) Discutir suas pretensões jurídicas em face do Estado, seguindo o devido

processo legal, segundo o artigo 5º, XXXV, LIV e LV.

e) Não tolerar confisco nem perdimento de bens sem o devido processo legal,

conforme art. 5º, LIV.

f) Ser tratado com igualdade, mormente em face de seus concorrentes, sem

discriminações odiosas, como preceitua o art.5º, I, XIX, e 150, II, combinados;

g) Ser tratado com respeito e dignidade, implicando a motivação dos atos

administrativos contra eles lavrados, conforme arts. 5º, V, LV, c/c art.37 da Lei Fundamental.

Em suma, as sanções políticas contrariam o principio da legalidade, porque a

Administração Pública não realiza a cobrança de acordo com o procedimento legalmente

previsto (o que também enseja o descumprimento do princípio administrativo da vinculação,

mas este não é fundamental). O professor Machado esclarece “Sendo a lei manifestação

legítima da vontade do povo, por seus representantes nos parlamentos, entende-se que o ser

instituído em lei significa ser o tributo consentido.”48

Do mesmo modo, as restrições desproporcionais ferem o livre exercício da

atividade econômica, que prevê: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou

46 FONTENELE, Alysson Maia. As Sanções políticas no direito tributário e os

direitos fundamentais do contribuinte. In: Coleção Jornada de Estudos ESMAF, Distrito Federal,

v. 1, p. 19-58, dez. 2009.

47 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Atualizado por Misabel

Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.986

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48 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo:

Malheiros Editores, 2005. p. 53.

profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.” Sobre o assunto,

Fontenele esclarece que “a lei não pode dificultar a livre iniciativa e o livre exercício de

atividades econômicas, sob pena de violar de forma flagrantemente a Constituição, e tornar-se

inválida.” Por fim, violam os princípios da igualdade por diferenciar contribuintes em virtude de

débito, e não de acordo com a capacidade contributiva, única reserva prevista para a aplicação

do principio da igualdade no Direito Tributário. Assim como impedem o acesso ao judiciário,

violam claramente os princípios da ampla defesa e do devido processo legal. Sobre este,

esclarecedor o voto do Min. Joaquim Barbosa:49

A sanção política coloca desafios de duas ordens ao controle da restrição. A

primeira ordem de desafios se refere ao controle de validade da própria restrição. Como as

restrições ao exercício profissional e à atividade econômica podem comprometer a própria

existência da empresa ou o desempenho empresarial, a sanção política pode por um fim

abrupto ao processo administrativo ou judicial de controle da validade da própria sanção

política. (...)

Na segunda ordem de desafios, a sanção política desestimula, pelo mesmo

modo, o controle da validade da constituição de créditos tributários. A interdição de

estabelecimento ou a submissão de contribuinte a regime mais gravoso de apuração tributária

pode impedir a discussão administrativa ou judicial sobre matéria tributária, pois é incontestável

que uma empresa fechada terá menos recursos para manter um processo administrativo ou

judicial.

Dito de outro modo, a sanção viola o direito de acesso ao Estado, seja no

exercício de suas funções Administrativa ou Judicial, para que ele examine tanto a aplicação

da penalidade como a validade do tributo. Enfim, as sanções políticas ferem flagrantemente

várias previsões constitucionais, ameaçando os direitos fundamentais. Pior do que isso, o

fazem em nome do interesse do erário. Por outro lado, as restrições compatíveis com a Carta

da República por vezes restringem algum direito fundamental específico, porém o fazem para

proteger interesses comuns à sociedade. Essas restrições se afirmam em três importantes

institutos jurídicos:

a) Supremacia do Interesse Público

49 BRASIL. STF. ADI 173, Min. Joaquim Barbosa, DJe-053, publicada em 20-

03-2009.

A supremacia do interesse público é um conceito que está em constante

transformação, porém, para o estudo deste trabalho, não cabem grandes explanações a

respeito. Há de ser considerada a vasta aplicação deste principio (segundo Humberto Ávila,50

deste axioma) no âmbito jurídico, assim como a finalidade deste na sociedade. Ou seja, a

supremacia do interesse público está relacionada tanto com os atos mais simples que o

Executivo opera, quanto às questões mais complexas que o poder legislativo positiva ou o

judiciário decide, e em todos estes aspectos deve prevalecer o interesse social.

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Para o estudo deste axioma, é recomendável o artigo de Aragão,51 que em

obra muito esclarecedora, explica de forma simples a referida supremacia e as alterações no

seu emprego: Por essas razões, a mais moderna hermenêutica constitucional tem formulado

critérios de identificação e categorização dos argumentos jurídicos, partindo, então, em um

segundo momento, para a enumeração de que espécies de argumentos devem ser

consideradas prioritárias sobre as outras.

Sintetizando: o que não pode ser feito é a invocação dos chamados interesses

públicos para justificar conceitos filosóficos e abstratos em detrimento dos interesses sociais

legalmente positivados. Há de se buscar o bem comum, porém considerando os interesses da

sociedade, os quais, na maioria das vezes, encontram-se escrito nas normas.

b) Separação de Poderes

Humberto Ávila diz: “A Constituição Brasileira estabeleceu expressamente que

os poderes são independentes e harmônicos entre si (art. 2º). Isso significa que cada poder

possui uma função pormenorizada regulada na constituição.”52 Não cabem aqui grandes

indagações sobre o tema, mas é importante assinalar que esta

50 ÁVILA, Humberto. “Repensando o principio da Supremacia do Interesse

Público sobre o Particular”. In: Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo

o Princípio de Supremacia do Interesse Público. 3ª tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

p. 177-9.

51 ARAGÃO, Alexandre Santos de. “A ‘Supremacia do Interesse Público’ no

advento do Estado de Direito e na hermenêutica do Direito Público Contemporâneo.” In:

Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio de Supremacia do

Interesse Público. 3ª tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 9.

52 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 4. ed. São Paulo:

Saraiva, 2010, p.66 independência assegura, numa situação hipotética, a presunção de

legalidade dos atos administrativos.

O legislativo transforma em lei os interesses do povo, o executivo, por sua vez,

os toma necessariamente como base (vinculação) para toda sua atuação de fiscalização social

e o judiciário assegura que ambos estão cumprindo com seus deveres. Se pressupõe que a

administração age de acordo com os preceitos legais, assim sendo, para que seja provado o

contrário, é necessário um processo administrativo.

c) Livre Concorrência

Principio quase que financeiro, porém inclusive resguardado no artigo 170 da

Magna Carta. Prevê a intervenção estatal no mercado financeiro sempre que alguém estiver

gozando de situação favorável injustificadamente. Sobre este tema destacase o acórdão

anteriormente citado, que restringiu a atividade tabagista em nome da Livre Concorrência. Vide

trecho abaixo: Então a livre iniciativa é um valor estruturante do nosso Estado Federativo

Republicano. Ela já comparece, no corpo normativo da constituição, como fundamento da

Republica Federativa- artigo 1º, inciso III – e volta a desfilar pela passarela dos mais excelsos

valores da Constituição na cabeça do artigo 170, ao lado da valorização do trabalho,

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evidentemente.53 Na realidade, embora hajam sido mencionados apenas os bens acima, há

outros direitos fundamentais ameaçados ou tutelados pela Administração, porém seria

impossível abordar a todos.

5 CONCLUSÃO

O nome Sanções Políticas no Direito Tributário remete a uma idéia distorcida

desse instituto. Em realidade, o título correto para esta medida seria restrições

53 BRASIL. STF. AC 1657 MC, Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, Relator(a) p/

Acórdão: Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 27/06/2007, DJe-092.

desproporcionais que objetivam a cobrança de débito tributário, ainda assim, elas são

amplamente denominadas como sanções políticas. Hugo de Brito Machado (1998, p. 47) foi

responsável pelo conceito mais divulgado: “restrições ou proibições impostas ao contribuinte,

como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento de tributo, tais como a interdição de

estabelecimento, a apreensão de mercadorias, o regime especial de fiscalização, entre outras.”

Entretanto, ao adentrar na análise desse instituto, se percebe que é essencial

uma distinção entre as verdadeiras sanções políticas e os meios restritivos de liberdade que a

Fazenda se vale para manter a ordem na Administração Pública. As restrições que objetivam a

cobrança de crédito, utilizando métodos desproporcionais, ou ainda, causando impedimento

muito grave à atividade financeira do contribuinte, são as únicas que se caracterizam como

Sanções Políticas.

É sabido que a relação de supremacia do Estado em relação aos contribuintes

é inevitável e necessária. Porém, os entes estatais devem levar em conta essa superioridade

em detrimento dos direitos fundamentais que o Poder Legislativo definiu como

constitucionalmente resguardados. Nenhuma submissão ao poder público, como se observou

neste caso, especialmente na esfera executiva, pode ferir ou ameaçar os direitos essenciais

aos seres humanos, sob pena de nulidade, por não coadunar-se com o estado democrático de

direito. Neste aspecto, as restrições impostas pela Administração pública devem respeitar os

direitos dos contribuintes ou, em casos excepcionais, onde for imprescindível uma intervenção

mais radical, tais atos devem ser aplicados da forma menos prejudicial possível. Não se pode

olvidar que as principais características das sanções políticas são a ilegitimidade do agente

coator, ou seja, aquele que determina a aplicação da limitação não detém competência para

tanto, a inobservância do procedimento legalmente instituído para a cobrança do crédito e a

finalidade de constranger o devedor ao pagamento de tributos.

A doutrina não aborda de maneira clara e expressiva este tema. Assim mesmo,

quando o faz, se preocupa apenas em reafirmar que as Sanções Políticas não condizem com a

vida em sociedade, frisando a clara inconstitucionalidade que as reveste. Em contrapartida, a

jurisprudência cumpre seu papel de forma admirável. Os ministros do Supremo aplicam

seguidamente o principio da proporcionalidade, tendo como principio norteador à supremacia

do interesse público, sem esquecer os ditames normativos previamente aceitos. Não obstante,

na maioria das vezes, a matéria sequer alcance a Corte Suprema, uma vez que é

entendimento assentado, sendo bem aplicado em quase todos os níveis de jurisdição.

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Com efeito, de uma análise empírica, se constata a confusão que pode surgir

da generalização destas limitações, pois conforme estudado, a apreensão de mercadorias

significa uma sanção desproporcional quando o Ente que as retêm o faz por não concordar

com a Nota Fiscal apresentada, ou o tributo por elas recolhido, porém, não tem o mesmo

significado, se esta apreensão foi realizada apenas até que se comprovasse a posse legítima

de tais mercadorias. Destarte, a distinção entre as restrições válidas e as Sanções Políticas,

requer uma análise prática e valorativa. Não há que se falar em limitação justa ou injusta antes

de observados os fundamentos e objetivos que as originaram. Assim, tanto os contribuintes

quanto as autoridades competentes devem fiscalizar a legalidade das intervenções Públicas

praticadas. Logo, sempre que as restrições impostas aos contribuintes não seguirem as ordens

legalmente recepcionadas pela Constituição, ou, se mesmo seguindo estas, ferirem direito

líquido e certo de forma desmotivada, ocorreu uma Sanção Política no direito tributário. Esta

situação é notoriamente descabida, e não pode existir no Estado Democrático de Direito.

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Hermenêutica Jurídica no Uni-Centro Izabela Hendrix, Belo Horizonte/MG.

Advogado. email: qpedron@ gmail.com

ARTIGO 20

- O dogma da supremacia do interesse público… Revista Jurídica UNICOC

Supremo Tribunal Federal foram modificadas após a promulgação da

Constituição de 1988?” Essas são as perguntas principais feitas por Baracho Júnior

(2004:509), em seu ensaio sobre a possibilidade de se identificar uma “nova hermenêutica” nos

julgados do Supremo Tribunal Federal (STF).

Ora, se é possível identificar alguma forma de inovação, no curso da linha de

raciocínio que o Tribunal vinha tomando, é de se pressupor também a existência de algo

anterior, algo que foi ou está sendo superado.2 Para tal empreitada, faz-se necessária a

observância dos julgados não apenas como casos isolados, mas como “precedentes”, ou seja,

como fundamentos para as decisões seguintes – prática utilizada pelo STF para possivelmente

representar uma forma de sistematizar a sua jurisprudência.3

Mas, diante da história institucional brasileira, esse trabalho pode se ver

ameaçado: “Evidentemente que uma corte cujo trabalho é constantemente interrompido por

golpes de Estado, tem maior dificuldade em consolidar uma orientação jurisprudencial

minimamente coerente” (BARACHO JÚNIOR, 2004:510). O tema que pode funcionar como

guia dessa tarefa, uma vez que sempre esteve presente, sendo tomado como um dogma, é a

prevalência do interesse público sobre o interesse privado. Como lembra Ávila (2005:171), para

a dogmática jurídica, seu desenvolvimento teórico viria a partir dos estudos do Direito

Administrativo,4 mas com ramificações e influências para outros “ramos” do Direito, como o

direito tributário. Se, por um lado, a discussão sobre a supremacia do interesse público sobre o

privado era posta como um axioma5 – por partir das lições do positivismo jurídico, que

considerava a separação rígida entre Direito e Política, excluindo a possibilidade de

2 Torna-se muito comum a afirmação de uma mudança hermenêutica no

Direito brasileiro, ver, por exemplo, os trabalhos de Streck (2003) e Barroso e Barcelos (2004),

que vêm desenvolvendo diversas pesquisas sobre o que seria essa

“nova interpretação” assumida pelo Supremo Tribunal Federal em seus

julgados.

3 “Na Suprema Corte Americana é possível identificar nitidamente alguns

períodos nos quais houve a consolidação de determinados princípios de interpretação

constitucional, como o período de prevalência do devido processo substantivo, entre 1905 e

1937, o período da Corte de Warren, a partir de 1954, até 1969, que foi um período fortemente

interventivo em relação às leis estaduais. Ou, ainda, a suprema Corte da Década de 1990, que

é uma Suprema Corte fortemente preocupada com o princípio federativo e, por outro lado,

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abandona, em certa medida, os direitos fundamentais como principal foco de sua atuação,

possibilitando que os Estados tenham maior liberdade de atuação legislativa em questões que

importam em restrição ao exercício de tais direitos” (BARACHO JÚNIOR, 2004:511).

4 Nesse sentido, encontra-se a lição de Bandeira de Melo (2003:60): “Trata-se

de verdadeiro axioma reconhecível no moderno Direito Público. Proclama a superioridade do

interesse da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o do particular, como condição, até

mesmo da sobrevivência e asseguramento deste último”. Todavia, nota-se que essa afirmação

parte, ainda, de uma compreensão paradigmática do Direito que se olvida do atual paradigma

procedimental do Estado Democrático de Direito. Como será explorado, no quarto capítulo,

Habermas (1998) busca reconstruir os princípios do Estado de Direito e da Democracia para

lançar uma compreensão não mais dicotômica da relação público/ privado, mas, ao invés

disso, equiprimordial. Para o filósofo alemão: “Os cidadãos só podem fazer um uso adequado

de sua autonomia pública quando são independentes o bastante, em razão de uma autonomia

privada que esteja equanimemente assegurada; mas também no fato de que só poderão

chegar a uma regulamentação capaz de gerar consenso, se fizerem uso adequado de sua

autonomia política enquanto cidadãos” (HABERMAS, 2002:294).

5 Como lembra Ávila (2005:176): “Axioma (usado, originalmente, como

sinônimo de postulado) denota uma proposição cuja veracidade é aceita por todos, dado que

não é nem possível nem necessário prová-la. Por isso mesmo, são os axiomas aplicáveis

exclusivamente por meio da lógica, e deduzidos sem a intervenção de pontos de vista

materiais”.

um Tribunal apreciar “questões políticas” – por outro, tal afirmação também

serviu como “forma de fragilizar a tutela de direitos individuais em face do poder público”

(BARACHO JÚNIOR, 2004:513).

Com isso, evitava a tutela de direitos individuais. E essa não era um debate

novo no Supremo Tribunal Federal. Já no governo Floriano Peixoto, no início da República,

logo após a implantação do Supremo Tribunal Federal, algumas questões que envolviam

ofensas a direitos individuais não foram por ele apreciadas, pois, segundo dizia a Corte, eram

questões políticas. Em 1893, em estado de sítio decretado por Floriano Peixoto, o Supremo se

recusou a apreciar uma série de lesões a direitos individuais ao argumento de que aquelas

questões eram políticas e que, portanto, não poderiam ser objeto de apreciação pelo Poder

Judiciário (BARACHO JÚNIOR, 2004: 512-513). Entretanto, havia opositores a essa tese,

como lembram Rodrigues (1991:20) e Souza Cruz (2004:277). Segundo a historiadora, o

discurso de Rui Barbosa,6 na defesa dos direitos individuais, representa um contraponto

necessário ao exercício democrático dos direitos políticos:

As palavras de Rui Barbosa em 1892 indicam essa concepção: “os casos, que,

sei por um lado toca a interesses políticos, por outro lado, envolvem direitos individuais, não

podem ser defesos à intervenção dos tribunais, amparo de liberdade pessoal contra as

invasões do executivo. [...] Onde quer que haja um direito individual violado, há de haver um

recurso judicial para a debelação da injustiça. Quebrada a égide judiciária do direito individual,

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todos os diretos desaparecem, todas as autoridades se subvertem, a própria legislatura

esfacela-se nas mãos da violência; só uma realidade subsiste: a onipotência do executivo, que

a vós mesmos vos devorará, se nos desarmardes da vossa competência incontestável em

todas as questões concernentes à liberdade” (RODRIGUES, 1991:20-21, grifos no original).

Dessa forma, como afirma Souza Júnior (2004:88), foi-se construindo a noção de que a

condição para o exame judicial de questões políticas seria a possibilidade de lesão a direitos

individuais. Em um dos [julgados] mais antigos (HC 3061, julgado em 1911), o Supremo

afirmou a possibilidade de conhecimento judicial do caso político quando acompanhado de

uma questão judiciária. Logo depois, em 1914, aquela corte resguardou do exame judicial os

motivos determinantes ou as conseqüências políticas dos atos de intervenção nos Estados.

Construiu também o entendimento de que podia o Judiciário conhecer de casos puramente

políticos, desde que se alegasse lesão de direito individual (SOUZA JÚNIOR, 2004:88).

Todavia, a noção de prevalência do interesse público sobre o interesse privado, mesmo com

riscos à violação de direitos fundamentais, acaba se fortalecendo, principalmente a partir de

1960, intensificando-se no período autoritário que se seguiu. 6 Como lembra Souza Júnior

(2004:89), a figura de Rui Barbosa foi determinante para o desenvolvimento do debate sobre

as questões políticas, pois “[p]ropunha um diálogo franco entre os grandes poderes do Estado,

estipulados em textos formais,de um lado, e, de outro, os direitos individuais, taxativamente

assegurados. A interpretação judicial desempenha, neste diálogo, a missão de mediação com

o objetivo de evitar as possíveis colisões. Se os poderes exercidos extrapolam o círculo de

competências, ou se direitos individuais são feridos, a intervenção judicial é legítima. Se se

quer debater a existência constitucional de uma faculdade administrativa ou legislativa, também

o judiciário será o assunto”.

Vamos ter, especialmente, a partir de 1965, com a edição do Ato Institucional

n. 2, decisões do Supremo Tribunal Federal que importam em negar tutela de uma série de

direitos individuais, fortalecendo a idéia de prevalência do interesse público sobre o privado. É

o que vamos ver em algumas decisões, como por exemplo, no caso João Goulart, em 1967. De

uma maneira geral, as questões que envolviam a segurança nacional se pautavam pela idéia

de prevalência do interesse público sobre o privado (BARACHO JÚNIOR, 2004:514).

Essa interpretação permaneceu, contudo, com o advento da Constituição da

República de 1988; como afirma Baracho Júnior (2004-514), basta analisar a decisão proferida

na ADI n. 47, que tratou da interpretação do art. 100 da Carta Magna, estabelecendo que “à

exceção dos créditos de natureza alimentícia, a execução contra a fazenda pública se fará

através de precatório”.7 De uma maneira geral, para os publicistas, mas principalmente para os

administrativistas, o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular se

apresenta como um princípio implícito na ordem jurídica brasileira e seria usado para justificar

uma série de prerrogativas titularizadas pela Administração Pública. Isso ocorre por se

entender que a mesma seria a “tutora” e a “guardiã dos interesses da coletividade”

(SARMENTO, 2005:24). Como conseqüência, verifica-se a existência de uma verticalidade na

relação entre a Administração Pública e os administrados, de modo que o desequilíbrio seria

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sempre em favor do Estado. Mas o que se pode considerar como interesse público? Talvez

essa questão devesse ser mais bem problematizada pelos publicistas, que muitas vezes

igualam a dimensão do público à coletividade e, outras vezes, ao estatal (governamental).

Para Bandeira de Melo (2003:57) – valendo-se das lições de Alessi8, seria

possível distinguir dois tipos de interesse público: interesse público primário e interesse público

secundário (SARMENTO, 2005:24; BARROSO, 2005:xiii). Nessa ótica, identifica- se o

interesse primário como sendo a razão de ser do Estado ou como os interesses gerais da

coletividade; já o segundo tipo representa os interesses particulares que o Estado possui como

pessoa jurídica e não mais como expressão de uma vontade coletiva. Logo, alguns

administrativistas buscam fazer uma ponte entre o interesse público primário e o bem comum

como forma de afirmação de sua superioridade em face do interesse privado.

Binenbojm (2005:137) faz uma crítica precisa à tentativa de alguns juristas de

justificar a supremacia do interesse público como princípio norteador da ação administrativa.

7 Lembra Baracho Júnior (2004:514-515): “ Nesta [ADI], o Supremo Tribunal

Federal interpretou o art. 100 de uma maneira que contraria os próprios anais da Assembléia

Nacional Constituinte. O Constituinte pretendeu retirar os créditos de natura alimentícia desta

forma de execução, qual seja, a execução através de precatórios. O Supremo Tribunal Federal,

entretanto, afirmou que a única especificidade que decore do art. 100 da Constituição é a

possibilidade dos créditos de natureza alimentícia terem prioridade em relação a outros

créditos contra a fazenda pública. Assim, os créditos alimentícios terão sempre prioridade na

ordem de pagamento em relação a outros créditos”.

8 Sistema Istituzionale del diritto amministrativo ilaliano, 1960, p. 197, apud

Bandeira de Melo (2003:57).

Nesse sentido, a supremacia do interesse público atuaria como garantia de

proteção, inclusive do interesse privado, já que impediria o Estado de atuar a favor de

interesses privatísticos, desviando-se dos fins coletivos. Todavia, a corrente a que se filia Di

Pietro (2004:69-70) nada esclarece sobre a relação público/privado; além do mais, os

problemas por ela apontados não são resolvidos nesse plano, mas no plano dos princípios da

impessoalidade e da moralidade. Salles (2003:58) reconhece a dificuldade de se chegar a um

conceito de fácil assimilação, haja vista a natureza genérica que o conceito deve assumir para

abranger uma pluralidade de interesses dispersos pela sociedade. Dessa forma, vale-se do

Teorema de Arrow (Arrow’s theorem)9 para assegurar que tomadas de posição que parecem

envolver uma discricionariedade, seria melhor, se deixadas a cargo da decisão estatal

(política), representativa do interesse público. Todavia, tal posição pode parecer por demais

cética e, até mesmo, ingênua – por vezes, autoritária – ao imaginar que o Estado seja capaz de

corporificar todos os anseios e desejos de uma sociedade. Além do mais, vale aqui o alerta de

Sarmento (2005:27), já que tal tese pode representar uma forma de ressurreição das “razões

de Estado”, colocando-se como obstáculo intransponível para o exercício de direitos

fundamentais.10 A outra proposta que identifica o público ao componente majoritário também

se mostra delicada. Tomando como referência aplicada dessa concepção a decisão proferida

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no julgamento do Recurso Extraordinário n. 153.531-8, de Santa Catarina, fica claro que o

interesse público aqui é igualado a uma maioria da sociedade. Ao examinar o questionamento

de se a farra do boi – prática de alguns descendentes de açoreanos residentes em

Florianópolis – representaria um risco para a segurança dos participantes e uma ação cruel

para com os animais, Baracho Júnior afirma que: O Supremo Tribunal Federal trabalha com

dois fundamentos para dizer que o Estado de Santa Catarina deveria atuar, através da Polícia

Militar, no sentido de reprimir a farra do boi. O primeiro argumento é que os animais estariam

submetidos à crueldade.

O art. 225 da Constituição, inciso VII, diz que o Estado não deverá tolerar

crueldades contra animais. O segundo fundamento é o mais curioso desta decisão, porque é

exatamente a prevalência de uma visão majoritária sobre a de uma coletividade [minoritária].

Há uma idéia de que as tradições de um grupo minoritário não podem prevalecer sobre as

tradições que não são compartilhadas pela maioria da sociedade brasileira.

-

9 Segundo Salles (2003:59), Kenneth J. Arrow “demonstrou [seu teorema] no

começo da década de 60. Arrow tomou hipoteticamente três indivíduos com poder para tomar

uma decisão e, considerando que cada um deles tem uma ordem de preferências diferentes,

demonstrou, matematicamente, que o cruzamento dessas preferências individuais pode levar

a decisões inteiramentes aleatórias, dependendo de fatores estruturais do processo decisório”.

10 Aragão (2005:7) alerta para o risco de que supostos “interesses públicos”

sejam utilizados pelo Estado como forma de justificar restrições aos direitos fundamentais. Cita,

para tanto, dois precedentes norte-americanos: no primeiro, Dennis vs. United States, esse

dogma possibilitou restrições à liberdade de manifestação de idéias que fossem consideradas

esquerdistas; no outro, Korematsu vs. United States, permitiu que cidadãos norte-americanos

de origem japonesa ficassem confinados em campos de concentração durante a Segunda

Guerra Mundial.

As expressões utilizadas no voto vencedor são ilustrativas, pois os

descendentes de açoreanos são comparados a uma “turba ensandecida”que adota

procedimentos estarrecedores (2004:516).

Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal deixou de observar a dimensão

hermenêutica envolvida na questão. Tomando apenas a posição de um observador

sociológico, compreendeu-se que o interesse público aqui seria o de proteger os animais de

uma prática violenta. Todavia, [...] esta idéia de violência não existe para os açoreanos. Os

descendentes de açoreanos que faziam da farra do boi uma celebração anual, não associavam

à manifestação uma idéia de violência que nós, que não somos descendentes de açoreanos,

associamos. Este é um dado importante, pois, na Espanha, por exemplo, em práticas

semelhantes, a idéia de violência não está associada. Dificilmente tais práticas seriam

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atribuídas a uma “turba ensandecida” na Espanha. Muito menos seriam os procedimentos

onsiderados como estarrecedores (BARACHO JÚNIOR, 2004:517).

Dessa forma, pode-se perceber que a associação do interesse público ao

interesse de uma maioria da sociedade mostra-se insuficiente sob o prisma de uma

democracia pluralista, que garante a inclusão da perspectiva de todos os envolvidos.

Logo, definir o interesse público como interesse geral de uma coletividade e

contrapô-lo a um interesse privado limitado ao perímetro das vivências experimentadas pelos

indivíduos fora do alcance da polis (SARMENTO, 2005:30) é insuficiente. Primeiro, porque não

pode o indivíduo ignorar a dimensão imposta pela vida em sociedade; sua casa não pode servir

como metáfora da ilha imaginada por Crusoé, ou ser entendida como uma fortaleza que

coloque o público na porta da rua; pois o processo de socialização acontece

concomitantemente com o processo de individualização.

11 Sarmento (2005:47) lembra que a sociedade contemporânea é por demais

complexa para se apoiar em pilares estanques. Vive-se em um tempo que imprime um novo

sentido à concepção de espaço público, que não vem mais associada unicamente ao elemento

estatal.

12 A pergunta sobre qual é o interesse da coletividade leva, então, a uma outra

pergunta: quem é a coletividade?, ou a outra ainda mais radical: “quem é o povo?”, que já

suscitou um importante ensaio pelo jurista alemão Müller (1998). Nesse trabalho, 11 Ver

HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos. Trad. Flávio Beno

Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990; HABERMAS, Jürgen. Teoría de la

acción comunicativa. Trad. Manuel Jiménez Redondo. Madrid: Taurus, 1987. 2 v. (Tomo I:

Racionalidad de la acción y racionalización social; Tomo II: Crítica de la razón funcionalista); e

FERREIRA, Rodrigo Mendes. Individualização e Socialização em Jürgen Habermas: um estudo

sobre a formação discursiva da vontade. São Paulo: Annablume, 2000.

12 “De fato, se no Estado Liberal o público correspondia ao Estado e o privado

a uma sociedade civil regida pelo mercado considerada como o locus em que indivíduos

perseguiam egoisticamente seus interesses particulares, robustece-se agora um terceiro setor,

que é público, mas não estatal. Ele é composto por ONG’s, associações de moradores,

entidades de classe e outros movimentos sociais, que atuam em prol de interesses da

coletividade, e agem aglutinando e canalizando para o sistema político demandas importantes,

muitas vezes negligenciadas pelas instâncias representativas tradicionais” (SARMENTO,

2005:48).

Müller alerta para a figura do povo como um ícone – em igual precisão,

Carvalho Netto (2003:84) lembra que o conceito de povo é por demais “gordo”, isto é, pode ser

manipulado ao sabor de conveniências políticas.

Outro importante trabalho é o texto de Rosenfeld sobre a Identidade do Sujeito

Constitucional (2003). Através das reflexões do professor da Cardozo School of Law, pode-se

compreender o conceito de povo como um eterno hiato, aberto a um processo dinâmico de

elaboração e revisão. É justamente no seu fechamento como conceito que se encontra o

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perigo para a democracia: Esse rápido olhar inicial sobre a identidade constitucional, bem

como sobre o sujeito e a matéria constitucionais revela que é bem mais fácil determinar o que

eles não são do que propriamente o que eles são. Ao construir essa intuição, esse insight,

exploro a tese segundo a qual, em última instância, é preferível e mais acurado considerar o

sujeito e a matéria constitucionais como uma ausência mais do que como uma presença. Em

outros termos, a própria questão do sujeito e da matéria constitucionais é estimulante porque

encontramos um hiato, um vazio, no lugar em que buscamos uma fonte última de legitimidade

e autoridade para a ordem constitucional. Além do mais, o sujeito constitucional deve ser

considerado como um hiato ou uma ausência em pelo menos dois sentidos distintos:

primeiramente, a ausência do sujeito constitucional não nega o seu caráter indispensável, daí a

necessidade de sua reconstrução; e, em segundo lugar, o sujeito constitucional sempre

envolve um hiato porque ele é inerentemente incompleto, e então sempre aberto a uma

necessária, mas impossível, busca de completude. Conseqüentemente, o sujeito constitucional

encontra-se constantemente carente de reconstrução, mas essa reconstrução jamais pode se

tornar definitiva ou completa. Da mesma forma, de modo consistente com essa tese, a

identidade constitucional deve ser reconstruída em oposição às outras identidades, na medida

em que ela não pode sobreviver a não ser que pertença distinta dessas últimas. Por outro lado,

a identidade constitucional não pode simplesmente dispor dessas outras identidades, devendo

então lutar para incorporar e transformar alguns elementos tomados de empréstimo. Em suma,

a identidade do sujeito constitucional só é suscetível de determinação parcial mediante um

processo de reconstrução orientado no sentido de alcançar um equilíbrio entre a assimilação e

a rejeição das demais identidades relevantes acima discutidas (2003:26-27).

Para isso, Rosenfeld utiliza três instrumentos teóricos: A negação, a metáfora e

a metonímia combinam-se para selecionar, descartar e organizar os elementos pertinentes

com vistas a produzir um discurso constitucional no e pelo qual o sujeito constitucional possa

fundar sua identidade. A negação é crucial à medida que o sujeito constitucional só pode

emergir como um “eu” distinto por meio da exclusão e da renúncia. A metáfora ou

condensação, por outro lado, que atua mediante o procedimento de se destacar as

semelhanças em detrimento das diferenças, exerce um papel unificador chave ao produzir

identidades parciais em torno das quais a identidade constitucional possa transitar. A

metonímia ou deslocamento, finalmente, com a sua ênfase na contigüidade e no contexto, é

essencial para evitar que o sujeito constitucional se fixe em identidades que permaneçam tão

condensadas e abstratas ao ponto de aplainar as diferenças que devem ser levadas em conta

se a identidade constitucional deve realmente envolver tanto o eu quanto o outro (2003:50).

Dessa forma, dentro de uma mesma sociedade, há não apenas uma identidade

coletiva, mas diversas e até mesmo concorrentes, de modo que uma interpretação da

Constituição que leve em conta apenas uma identidade, por mais majoritária que seja, pode

lançar complicações para o desenvolvimento da democracia. Afinal a identidade constitucional,

embora aberta às diversas identidades coletivas, não se confunde com nenhuma delas.

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Todavia, como o próprio julgamento do Recurso Extraordinário n. 153.531-8 irá

revelar, a noção de interesse público não foi tomada como um dogma, mas sim compreendida

de maneira a ter de se “compatibilizar” com o interesse privado pela via da utilização.

Para tanto, conforme inspiração no Direito alemão, mais exatamente na

tradição da jurisprudência de valores alemã, o STF fez uso da técnica de ponderação, por meio

da qual: “[...] Quanto maior o grau de não satisfação ou de afetação de um princípio, tanto mais

tem que ser a importância da satisfação do outro” (ALEXY, 1997:161, tradução livre).13

Como observa Souza Cruz (2004:160), o pensamento utilitarista serve de base

para a ponderação;14 todavia seus defensores alegam que o “princípio” da proporcionalidade

seria capaz de impedir a escolha arbitrária, vinculando o operador jurídico ao uso de meios

adequados e proporcionais. Um desses defensores é o jurista de Kiel, Alexy (1997). Mas, como

se verificará, o presente trabalho irá sustentar a tese de que, no pensamento de Alexy, ainda

persiste uma dificuldade em assimilar completamente o giro hermenêutico-pragmático,15 por

ainda buscar no método a expressão de uma racionalidade capaz de neutralizar toda a

complexidade inerente à linguagem (ALEXY, 1998:32; 2003:139; 1997:98; 1997b:136).16

13 “[...] Cuanto mayor es el grado de la no satisfacción o de afectación de un

principio, tanto mayor tiene que ser la importância de la satisfacción del otro”.

14 A popularidade do método da ponderação adquire cada dia mais destaque

nos julgamento proferidos pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro (STF). Tanto assim, que

Barroso e Barcelos (2004:471) e Baracho Júnior (2004:520) defendem que sua adoção

representa uma mudança no curso da interpretação levada a cabo pelo tribunal, equivalendo à

adoção de uma Nova Hermenêutica na Jurisprudência do STF. O precedente representado

pelo HC n. 82.424/RS mostra-se como exemplo de uma aplicação prática da teoria de Alexy.

Isso porque o caso ganhou notoriedade por examinar um suposto conflito entre os princípios da

liberdade de expressão e da dignidade da pessoa humana, envolvendo a acusação de prática

de racismo durante a publicação de livros anti-semitas. As bases da ponderação foram bem

explicitadas através dos votos dos Ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio.

15 Cabe destacar, desde já, que, diferentemente de Alexy, Dworkin desenvolve

sua teoria levando em conta o giro hermenêutico empreendido por Heidegger e Gadamer,

sendo que o último irá adotar uma postura de ruptura com as posições objetivistas de

Schleiermacher e Dilthey, radicalizando a experiência hermenêutica e se apoiando

principalmente no modo de ser do Dasein (do ser-aí) heideggeriano. Desta forma, a

Hermenêutica Filosófica entende que “a compreensão humana se orienta a partir de uma pré-

compreensão que emerge da eventual situação existencial e que demarca o enquadramento

temático e o limite de validade de cada tentativa de interpretação” (GRONDIN, 1999:159). Os

reflexos da percepção de tal “consciência histórica” podem ser sentidos no pensamento de

Dworkin, como lembra Carvalho Netto: “Para ele, a unicidade e a irrepetibilidade que

caracterizam todos os eventos históricos, ou seja, também qualquer caso concreto sobre o qual

se pretenda tutela jurisdicional, exigem do juiz hercúleo esforço no sentido de encontrar no

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ordenamento considerado em sua inteireza a única decisão correta para este caso específico

irrepetível por definição” (1999:475).

16 Importante lembrar a colocação de Cattoni de Oliveira (2001:77-78) no

sentido de que, para Alexy (2001:17-18), a racionalidade de um discurso prático pode ser

mantida se forem satisfeitas as condições expressas por um sistema de regras ou

procedimentos.

A partir dessa ótica, tanto o interesse público quanto o interesse privado podem

ser considerados à luz de princípios. Alexy (1998:09) concorda com a compreensão de regras

e de princípios como espécies de normas jurídicas – o que leva à necessidade de empreender

uma digressão sobre uma compreensão do Direito para além de um mero conjunto de

regras.17 Partindo dessa premissa, lembra-se que freqüentemente a distinção entre ambos os

standars normativos se dá em razão da generalidade dos princípios frente às regras. Isto é,

muitos autores compreendem os princípios como normas de um grau de generalidade

relativamente alta, ao passo que as regras seriam dotadas de uma menor generalidade.18

Contudo, tal abordagem quantitativa, levada adiante por autores como Del Vecchio e Bobbio,

mostra-se insuficiente à luz do pensamento desenvolvido já em Esser,19 como demonstra

Galuppo (2002:170-171). Tal tese é denominada por Alexy (1998:09) como a tese fraca da

separação, de modo que uma tese forte, como a que o autor pretende adotar, considera a

distinção como qualitativa. Logo, pode-se perceber que a generalidade não é um critério

adequado para tal distinção, pois é, quando muito, uma conseqüência da natureza dos

princípios, sendo incapaz de proporcionar uma diferenciação essencial (GALUPPO, 1999:137).

Afirma-se, então, que regras, diferentemente dos princípios, são aplicáveis na

maneira do tudo-ou-nada (all-or-nothing-fashion);20 isso significa dizer que, se uma regra é

válida, ela deve ser aplicada da maneira como preceitua, nem mais nem menos, conforme um

procedimento de subsunção silogístico (AFONSO DA SILVA, 2002:25). Todavia, o principal

traço distintivo com relação aos princípios é observado quando, diante de um conflito entre

regras, algumas posturas deverão ser tomadas para que apenas uma delas seja considerada

válida (ÁVILA, 2004:30). Como conseqüência, a outra regra não somente não será considerada

pela decisão, mas deverá ser retirada do ordenamento jurídico, como inválida, salvo se não for

estabelecido que essa regra se situa em uma situação que excepciona a outra – trata-se do

critério da excepcionalidade das regras. Um exemplo é fornecido pelo próprio Alexy

(1997b:163-164):

17 Aqui é preciso lembrar, que Alexy toma como referência de norma o

conceito “semântico” de norma (GALUPPO, 1999:135-136) presente já em Kelsen (1999), de

modo que compreende que a norma é o significado extraído de um enunciado.

18 Nesse sentido, ver Hart (1994:321-325) em resposta a distinção dworkiana

entre princípios e regras.

19 “Para Josef Esser, princípios são aquelas normas que estabelecem

fundamentos para que determinado mandamento seja encontrado. Mais do que uma distinção

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baseada no grau de abstração da prescrição normativa, a diferença entre os princípios e as

regras seria uma distinção qualitativa. O critério distintivo dos princípios em relação às regras

seria, portanto, a função de fundamento normativo para a tomada de decisão” (ÁVILA,

2004:27).

20 Muitos autores atribuem a Alexy a originalidade da distinção entre regras e

princípios; todavia, esses se olvidam do importante ensaio publicado por Dworkin, Model of

Rules, originalmente, na Chicago Law Review no. 35 (1967-1968), sendo, depois, republicado

como o capítulo 2 da obra Levando os Direitos a Sério (com tradução para o português pela

Editora Martins Fontes, em 2002). Todavia, importante lembrar, mais uma vez, que a distinção

dworkiana se pauta pelo prisma lógico-argumentativo, e não por critéiros estruturais – ou

morfológicos –. Reconhecendo isso, tem-se Sarmento (2000:44).

uma Lei Estadual proibia o funcionamento de estabelecimentos comerciais após as 13:00 e,

concomitantemente, existia uma Lei Federal estendendo esse funcionamento até às 19:00.

Nesse caso, o Tribunal Constitucional alemão solucionou a controvérsia, apoiando-se no

cânone da hierarquia das normas, de modo a entender pela validade da legislação federal.

Já os princípios, por sua vez, não são determinantes para uma decisão, de

modo que somente apresentariam razões em favor de uma ou de outra posição argumentativa

(ALEXY, 1998:09-10); logo apresentam obrigações prima facie, na medida em que podem ser

superadas em função de outros princípios (ÁVILA, 2004:30; AFONSO DA SILVA, 2005:32), o

que difere na natureza de obrigações absolutas das regras. É, por isso, que o autor afirma

existir uma dimensão de peso entre princípios – que permanece inexistente nas regras –

principalmente nos chamados casos de colisão, exigindo para a sua aplicação um

procedimento de ponderação (balanceamento). Destarte, em face de uma colisão entre

princípios, o valor decisório será dado a um princípio que tenha, naquele caso concreto, maior

peso relativo, sem que isso signifique a invalidação do princípio compreendido como de peso

menor. Em face de outro caso, portanto, o peso dos princípios poderá ser redistribuído de

maneira diversa,21 pois nenhum princípio goza antecipadamente de primazia sobre os

demais.22 É desta forma que Alexy (1998:12) apresenta a distinção fundamental entre regras e

princípios: [...] princípios são normas que ordenam que algo se realize na maior medida

possível, em relação às possibilidades jurídicas e fáticas. Os princípios são, por conseguinte,

mandamentos de otimização que se caracterizam porque podem ser cumpridos em diferentes

graus e porque a medida de seu cumprimento não só depende das possibilidades fáticas, mas

também das possibilidades jurídicas. [...]. Por outro lado, as regras são normas que exigem um

cumprimento pleno e, nessa medida, podem sempre ser somente cumpridas ou não. Se uma

regra é válida, então é obrigatório fazer precisamente o que se ordena, nem mais nem menos.

As regras contêm por isso determinações no campo do possível fático e juridicamente (ALEXY,

1998:12, grifos no original, tradução livre).23

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21 “No caso das colisões entre princípios, portanto, não há como se falar em

um princípio que sempre tenha precedência em relação a outro. [...] É por isso que não se

pode falar que um princípio P1 sempre prevalecerá sobre o princípio P2 – (P1 P P2) –,

devendo-se sempre falar em prevalência do princípio P1 sobre o princípio P2 diante das

condições C – (P1 P P2) C” (AFONSO DA SILVA, 2005:35).

22 Isso pode ser percebido no julgamento do HC n. 82.424/RS. Como já

comentado, o STF identificou um conflito envolvendo os princípios da dignidade da pessoa

humana e da liberdade de expressão. Em momento algum, afirmou-se que a dignidade da

pessoa humana (ou mais exatamente, não discriminação) seria hierarquicamente superior à

liberdade de expressão. Assim, um ou outro princípio pode ser ponderado através de sua

aplicação gradual no caso sub judice. Assim, como bem reconhece o Min. Marco Aurélio em

seu voto, “as colisões entre princípio [sob essa ótica] somente podem ser superadas se algum

tipo de restrição ou de sacrifício formem impostos a um ou os dois lados. Enquanto o conflito

entre regras resolve-se na dimensão da validade, [...] o choque de princípios encontra solução

na dimensão do valor, a partir do critério da ‘ponderação’, que possibilita um meio-termo entre

a vinculação e a flexibilidade dos direitos”.

23 “[...] principios son normas que ordenan que se realice algo en la mayor

medida posible, en relación con las posibilidades jurídicas y fácticas. Los principios son, por

consiguiente, mandatos de optimización que se caracterizan por que pueden ser cumplidos en

diversos grados y porque la medida ordenada de su cumplimiento no sólo depende de lãs

posibilidades fácticas, sino también de las posibilidades jurídicas. […] En cambio, las reglas

son normas que exigen un

Mas como explicar a natureza de mandamentos de otimização24 atribuída aos

princípios? Ou de outra forma, como uma norma pode ter sua aplicação em diferentes graus?

Para Alexy (1998:14, 1997:138), isso pode ser explicado quando se compreende que princípios

podem ser equiparados a valores. Uma concepção sobre valores – isto é, axiológica – dirá

Alexy (1997:139), traz uma referência não no nível do dever- ser (deontológico), mas no nível

do que pode ou não ser considerado como bem. Os valores têm como características a

possibilidade de valoração, isto é, permitem que um determinado juízo possa ser classificado,

comparado ou medido. Destarte, Com a ajuda de conceitos de valor classificatório se pode

dizer que algo tem um valor positivo, negativo ou neutro; com a ajuda de conceitos de valor

comparativo, que a um objeto que se deve valorar corresponde um valor maior ou o mesmo

valor que outro objeto e, com ajuda de conceitos de valor métrico, que algo tem um valor de

determinada magnitude (ALEXY, 1997:143, tradução livre).25

Todavia, apesar de dizer que princípios podem ser equipados aos valores,

Alexy (1997:147) dirá que princípios não são valores. Isso porque os princípios, como normas,

apontam para o que se considera devido, ao passo que os valores apontam para o que pode

ser considerado melhor.26 Assim, mesmo tendo uma operacionalização idêntica aos valores,

ainda assim princípios apresentam uma diferença básica frente aos valores.27

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Para concluir, dirá que, se alguém estiver diante de uma norma que exige um

cumprimento na maior medida do possível, estará diante de um princípio; em contrapartida, se

tal norma exigir apenas o cumprimento em uma determinada medida, ter-se-á uma regra. Logo,

a diferença se centraria em um aspecto da estrutura dos princípios e das regras, de uma

maneira morfológica, fazendo com que regras sejam aplicadas de maneira silogística e

princípios, por meio de uma ponderação ou balanceamento (ALEXY, 2003; AFONSO DA

SILVA, 2002:25).

Dessa forma, os princípios que prescrevem a proteção tanto do interesse

público cumplimiento pleno y, en esa medida, pueden siempre ser sólo o cumplidas o

incumplidas. Si una regla es válida, entonces es obligatorio hacer precisamente lo que ordena,

ni más ni menos. Las reglas contienen por ello determinaciones en el campo de lo posible

fáctica y jurídicamente”.

24 Afonso da Silva (2002:25) alerta que, devido à influência das traduções

espanholas das obras de Alexy, tornou-se comum referir-se aos princípios como “mandados de

otimização”. Todavia, trata-se de utilização imprópria, preferindo esse autor o termo

mandamentos de otimização. 25 “Con la ayuda de conceptos de valor clasificatorios se puede

decir que algo tiene un valor positivo, negativo o neutral; con la ayuda de conceptos de valor

comparativos, que a un objeto que hay que valorar le corresponde un valor o el mismo valor

que a otro objeto y, con la ayuda de conceptos de valor métricos, que algo tiene un valor de

determinada magnitud”.

26 “La diferencia entre principios y valores se reduce así a un punto. Lo que en

el modelo de los valores es prima facie ló mejor es, en el modelo de los principios, prima facie

debido; y lo que en el modelo de los valores es definitivamente ló mejor es, en el modelo de los

principios, definitivamente debido” (ALEXY, 1997:147).

27 Apenas para demarcar a dissonância, adianta-se que tese alexyana é

refutada tanto por Dworkin quanto por Habermas, que defendem a impossibilidade de

equiparar princípios a valores, sob pena de desnaturar a própria lógica de aplicação normativa.

Ambos os autores ainda lançarão mão não de uma diferenciação morfológica entre princípios e

regras, preferindo o que se pode considerar como uma distinção em razão da natureza lógico-

argumentativa.

de um lado, quanto do interesse privado de outro, deverão ser ponderados por

meio do “princípio” da proporcionalidade,28 para que se possa atingir um resultado em face de

um caso concreto. Assim, o próximo passo da presente explanação é analisar melhor o

mecanismo da proporcionalidade teorizado por Alexy. Para tanto, deve- se lembrar que nem

princípios nem regras são capazes de regular por si mesmos suas condições de aplicação, de

modo que o jurista de Kiel reconhece a necessidade de promover uma compreensão da

decisão jurídica regrada por uma teoria da argumentação (ALEXY, 1997b:173).29 A partir

disso, o sistema jurídico, além de conter regras e princípios, comporta um terceiro nível, no

qual são feitas considerações sobre um procedimento – seguindo o modelo da razão prática –

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que permitiria alcançar e assegurar a racionalidade de aplicação jurídica (CHAMON JUNIOR,

2004:103). A argumentação jurídica é vista por Alexy (1998:18) como um caso especial da

argumentação prática geral, ou seja, da argumentação moral. Sua peculiaridade, contudo, está

na série de vínculos institucionais que a caracteriza, tais como a lei, o precedente e a

dogmática jurídica.30 Mas mesmo esses vínculos – concebidos como um sistema de regras,

princípios e procedimento – são incapazes de levar a um resultado preciso. As regras do

discurso serviriam apenas para que se pudesse contar com um mínimo de

28 Afonso da Silva (2002:24-27) sustenta que seria errônea a referência à

técnica da ponderação como “princípio da proporcionalidade”. Segundo o autor, “[o] chamado

princípio da proporcionalidade não pode ser considerado um princípio, pelo menos não com

base na classificação de Alexy, pois não tem como produzir efeitos em variadas medidas, já

que é aplicado de forma constante, sem variações”. Dessa forma, tratar-se-ia de uma regra de

ponderação, aplicável por meio da subsunção, bem como suas sub-regras. Ávila (2005) refere-

se a um dever de proporcionalidade, termo considerado correto por Afonso da Silva, mas

pouco adequado, já que a idéia de dever remete apenas ao gênero norma jurídica, sem

explicitar sua espécie – princípios ou regras. Também não se deve confundir proporcionalidade

com racionalidade, como lembra Afonso da Silva (2002:28). Muitos juristas tratam como se

fossem termos sinônimos, como se proporcionalidade fosse o termo adotado pelos autores de

tradição germânica, ao passo que a razoabilidade tivesse sua difusão na tradição do common

law. Segundo o constitucionalista, a diferenciação se dá não pela origem, mas pela estrutura.

“A regra da proporcionalidade no controle das leis restritivas de direitos fundamentais surgiu

por desenvolvimento jurisprudencial do Tribunal Constitucional alemão e não é uma simples

pauta que, vagamente, sugere que os atos estatais devem ser razoáveis, nem uma simples

análise da relação meio-fim. Na forma desenvolvida pela jurisprudência constitucional alemã,

tem ela uma estrutura racionalmente definida, com subelementos independentes – a análise da

adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito –, que são aplicados em

uma ordem pré-definida e que conferem à regra da proporcionalidade a individualidade que a

diferencia, claramente, da mera exigência de razoabilidade” (AFFONSO DA SILVA, 2002:30).

É, por isso, que esse autor afirma que o STF apenas consegue exercer sua função nos limites

da razoabilidade, pouco ou nada compreendendo sobre a dimensão da proporcionalidade. O

órgão judicante, então, apenas mencionaria as sub-regras da proporcionalidade, sem, contudo,

analisá-las perante o caso específico que tem a sua frente.

29 “[...] el agregado del nivel de los principios conduce sólo condicionadamente

a una vinculación en el sentido de una determinación estricta del resultado. También después

de la eliminación de las lagunas de apertura a nivel de las reglas quedan las lagunas de

indeterminación del nivel de los principios. Sin embargo, de aquí no podrían inferirse un

argumento a favor del modelo de la regla e en contra del modelo regla/principio, tampoco si

ésta fuera la última palabra. Lo que hasta ahora se ha descrito, el nivel de la regla y el de los

principios, no proporciona un cuadro completo del sistema jurídico. Ni los principios ni las

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reglas regulan por sí mismos su aplicación. Si se quiere obtener un modelo completo, hay que

agregar al costado pasivo uno activo, referido al procedimiento, de la aplicación de las reglas y

los principios. Por lo tanto, los niveles de las reglas y los principios tienen que ser completados

con un tercer nivel. En un sistema orientado por el concepto de la razón práctica, este tercer

nivel puede ser sólo al de un procedimiento que asegura la racionalidad” (ALEXY, 1997b:173,

grifos nossos).

30 Sobre isso, um maior detalhamento pode ser obtido pela leitura do capítulo

3 da obra ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a Teoria do Discurso Racional

como Teoria da Justificação Jurídica. Trad. Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy,

2001. racionalidade. Tudo, para Alexy (1998:18-19), gira em volta de um problema referente à

racionalidade jurídica. Como não é possível uma teoria moral de cunho substantivo, somente

se pode apelar para as teorias morais procedimentais, que formulariam regras ou condições

para a argumentação ou para uma decisão racional.

31 Para desenvolver sua teoria da argumentação, o professor alemão irá

proceder a uma minuciosa análise de diversas teorias, retirando delas o que considera notável,

como lembra Souza Cruz:

Dos julgamentos morais de Stevenson, destacou as distintas formas de

argumentos e de argumentações. Da filosofia lingüística de Wittgenstein, observou que a

linguagem normativa não poderia ser reduzida à linguagem descritiva, ao passo que da Teoria

Discursiva de Austin aproveitou os aspectos performativos da linguagem e sua relação com os

dados da realidade.

Da teoria metaética de Hare, destacou o esforço na comensurabilidade de

valores, ao exigir que o juiz não apenas se colocasse na posição do réu, mas que levasse a

sério todos os interesses daqueles que de alguma forma pudessem ser afetados pela decisão,

enquanto da filosofia psicológica de Toulmin aproveitou a concepção da existência de regras

no discurso moral que permitiam um exame racional. Da Teoria da Argumentação Moral de

Baier notou que a argumentação prática possui regras distintas da argumentação desenvolvida

nas ciências naturais, mas que ambas devem/podem ser taxadas como atividades racionais.

Por sua vez, da Teoria do Consenso da Verdade de Habermas, ele percebeu que as ações são

jogos de linguagem e que num discurso é possível depurar-se argumentos válidos de

argumentos inválidos, em razão de sua aceitabilidade numa “situação ideal de discurso”.

Contudo, ao entender que tal situação dificilmente ocorreria factualmente,

Alexy estipulou o critério de Hare como condição mínima de sua teoria. Da Teoria da Liberação

Prática da Escola de Erlanger, observou a necessidade da padronização da linguagem.

Finalmente, da Nova Retórica de Perelman assumiu a idéia de que não é

possíve definir um único resultado como correto e duradouro, dando abertura a um criticismo

heurístico (2004:165-166).

Todo esse instrumental teórico irá contribuir para estruturar o procedimento da

ponderação a partir de três sub-regras (regra de adequação, regra da necessidade e regra da

proporcionalidade em sentido estrito). Essas sub-regras são estruturadas de maneira a

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funcionarem sucessiva e subsidiariamente, mas nunca aleatoriamente;32 por isso nem sempre

será necessária uma análise de todas as três sub-regras.33

31 Em consonância com essa afirmação, tem-se Souza Cruz (2004:164-165),

que observa que Alexy irá divergir da Corte Constitucional alemã, uma vez que essa exige a

relativização de todos os direitos fundamentais, inclusive o da dignidade humana (ALEXY,

1997:108-109). Assim, a adoção pelo paradigma procedimental sustenta uma proteção aos

direitos fundamentais por um aspecto dialógico do discurso e conforme a racionalidade do

método de ponderação.

32 “Se simplesmente as enunciarmos, independentemente de qualquer ordem,

pode-se ter a impressão de que tanto faz, por exemplo, se a necessidade do ato estatal é, no

caso concreto, questionada antes ou depois da análise da adequação ou da proporcionalidade

em sentido estrito. Não é o caso. A análise da adequação precede a da necessidade, que, por

sua vez, precede a da proporcionalidade em sentido estrito” (AFONSO DA SILVA, 2002:34).

33 “A impressão que muitas vezes se tem, quando se mencionam as três sub-

regras da proporcionalidade, é que o juiz deve sempre proceder à análise de todas elas,

quando do controle do ato considerado abusivo. Não é correto, contudo, esse pensamento. É

justamente na relação de subsidiariedade acima mencionada que reside a razão de ser da

divisão em sub-regras” (AFONSO DA SILVA, 2002:34).

Em termos claros e concretos, com subsidiariedade quer-se dizer que a análise

da necessidade só é exigível se, e somente se, o caso já não tiver sido resolvido com a análise

da adequação; e a análise da proporcionalidade em sentido estrito só é imprescindível, se o

problema já não tiver sido solucionado com as análises da adequação e da necessidade

(AFONSO DA SILVA, 2002:34). Afonso da Silva alerta que, no Brasil, difundiu-se o conceito de

adequação como aquilo que é apto a alcançar o resultado pretendido (SARMENTO, 2000:87;

MENDES, 1994:371). Todavia, trata-se de uma compreensão equivocada da sub-regra,

derivada da tradução imprecisa do termo alemão fördern como alcançar, ao invés de fomentar,

o que seria mais correto. Nessa leitura:

Adequado, então, não é somente o meio com cuja utilização um objetivo é

alcançado, mas também o meio com cuja utilização a rejeição de um objetivo é fomentada,

promovida, ainda que o objetivo não seja completamente realizado. Há uma grande diferença

entre ambos os conceitos, que fica clara na definição de Martin Borowski, segundo a qual uma

medida estatal é adequada quando o seu emprego faz com que o “objeto legítimo pretendido

seja alcançado ou pelo menos fomentado”. Dessa forma, uma medida somente pode ser

considerada inadequada se sua utilização não contribuir em nada para fomentar a realização

de objetivo pretendido (AFONSO DA SILVA, 2002:36-37).

Pode-se tomar o exemplo da ADC n. 9-6 (racionamento de energia), como

forma de esclarecer melhor o conteúdo da regra da adequação: para impedir o risco de

questionamento judicial, principalmente dos artigos 14 a 18 da Medida Provisória n. 2.152-2 –

que disciplinava as metas de consumo de energia elétrica e previa as sanções no caso de

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descumprimento, foi proposta a ADC n. 9-6, visando à declaração de constitucionalidade, com

efeitos vinculantes. O STF entendeu, em sede de medida cautelar, que estava demonstrada a

proporcionalidade e a razoabilidade das medidas tomadas pelo governo. Como lembra Afonso

da Silva, o teste de adequação da medida deveria se limitar “ao exame de sua aptidão para

fomentar os objetivos visados” (2002:37). Assim, mesmo que fosse questionável o fato de

essas medidas tomadas serem as mais adequadas, para o constitucionalista, mostra-se

inegável – devido ao caráter coercitivo – que as medidas levariam os consumidores a

economizarem energia elétrica e, mesmo que sozinhas não possam solucionar o problema de

interrupção do fornecimento de energia elétrica, as medida tomadas mostram-se capazes de

colaborar para que o mesmo seja atingido. Por tal observação, elas poderiam ser considerada

adequadas nos termos exigidos pela proporcionalidade.

Mas será que elas poderiam passar também pelo grifo da regra de

necessidade? Essa afirma o seguinte: “Um ato que limita um direito fundamental é somente

necessário caso a realização do objetivo perseguido não possa ser promovida, com a mesma

intensidade, por meio de outro ato que limite, em menor medida, o direito fundamental atingido”

(AFONSO DA SILVA, 2002:38). Segundo Sarmento, “impõe que o Poder Público adote sempre

a medida menos gravosa possível para atingir a determinado objetivo” (2000:88). Assim, a

adequação exige um exame absoluto do ato, ao passo que a necessidade, um exame

comparativo (ALEXY, 1998:30), isto é: Suponha-se que, para promover o objetivo O, o Estado

adote a medida M1, que limita o direito fundamental D. Se houver uma medida M2 que, tanto

quanto M1, seja adequada para promover com igual eficiência o objetivo O, mas limite o direito

fundamental em menor intensidade, então a medida M1, utilizada pelo Estado, não é

necessária (AFONSO DA SILVA, 2002:38).

Voltando ao exemplo do julgamento da ADC n. 9-6, Afonso da Silva considera

que as medidas tomadas pelo governo podem ser consideradas adequadas, por ajudarem a

promover a economia de energia. Mas o exame da necessidade exige que, primeiro, se

identifique os direitos que serão limitados. Muitos, então, poderiam ser apontados como direitos

possivelmente lesionados: direito de acesso a um serviço público, direito de igualdade, direito à

livre iniciativa, direito ao trabalho, e, em última análise, o direito a uma vida digna (AFONSO DA

SILVA, 2002:38-40). O passo seguinte seria identificar medidas alternativas que também

pudessem satisfazer os objetivos da medida governamental.34 Se fosse demonstrada a

existência – o que é bem plausível – de medida tão (ou até mais) adequada que as tomadas

pelo governo, o STF teria de considerar a medida escolhida como desproporcional e, por isso,

declarar a inconstitucionalidade da Medida Provisória n. 2.152-2. O último passo a ser

verificado, a proporcionalidade em sentido estrito, apenas acontecerá depois de verificado que

o ato é adequado e necessário (ALEXY, 1998:31). Por isso, [...] o exame da proporcionalidade

em sentido estrito, que consiste em um sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito

fundamental atingido e a importância da realização do direito fundamental que com ele colide e

que fundamenta a adoção da medida restritiva (AFONSO DA SILVA, 2002:40).

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Segundo Sarmento (2000:89), há aqui um raciocínio baseado na relação custo-

benefício da norma avaliada, isto é, o ônus imposto pela norma deve ser inferior ao benefício

que pretende gerar. A constatação negativa deve ser tomada, portanto, como um juízo pela

inconstitucionalidade do ato. Todavia, [p]ara que uma medida seja reprovada no teste da

proporcionalidade em sentido estrito, não é necessário que ela implique a não-realização de

um direito fundamental.

Também não é necessário que a medida atinja o chamado núcleo essencial de

algum direito fundamental. Para que ela seja considerada desproporcional em sentido estrito,

basta que os motivos que fundamentam a adoção da medida não tenham peso suficiente para

justificar a restrição ao direito fundamental atingido. É possível, por exemplo, que essa

restrição seja pequena, bem distante de implicar a não-realização de algum

34 Afonso da Silva (2002:39-40) destaca que, durante o julgamento da ADC n.

9-6, deixou-se de proceder à identificação de medidas alternativas para a crise brasileira de

energia, mesmo havendo outras soluções que foram apresentadas e discutidas pelos meios de

comunicação na época. Logo, ficou prejudicada a aplicação da proporcionalidade neste caso

específico.

direito ou de atingir o seu núcleo essencial. Se a importância da realização do direito

fundamental, no qual a limitação se baseia, não for suficiente para justificá-la, será ela

desproporcional (AFONSO DA SILVA, 2002:41, grifo no original).

No exemplo que até agora foi desenvolvido, o STF, por olvidar analisar a

necessidade das medidas do governo, prejudicou a análise da proporcionalidade em sentido

estrito. Mas, em um outro exemplo – ADI n. 855-2 (pesagem de botijões de gás), a exigência

de pesagem dos botijões de gás na presença dos consumidores foi considerada adequada

pelo STF. Também pode ser considerada por Afonso da Silva (2002:40-41) necessária, pois a

medida alternativa apresentada – pesagem por amostragem – embora pudesse restringir em

menor escala a livre iniciativa das empresas distribuidoras de gás, não pareceu ter a mesma

capacidade de fomentar a proteção do consumidor.

Assim, pode-se avançar para a análise da proporcionalidade em sentido estrito:

verificar se a proteção ao consumidor se justifica em face da limitação à liberdade de iniciativa

sofrida pelas empresas distribuidoras de gás. Para Afonso da Silva (2002:41), o peso maior

deveria ser dado à proteção do consumidor, todavia o entendimento do STF pendeu para uma

solução inversa. Evidenciar-se-ia, então, uma mudança em termos de compreensão do

Supremo Tribunal Federal sobre a questão da supremacia do interesse público. Todavia, os

julgados existentes ainda revelariam que o dogma persiste; o que se teria admitido seria

apenas a relativização através da técnica de ponderação da supremacia do interesse público

em algumas situações especiais, mas com um caminho aberto para revisão dessa

compreensão (BARACHO JÚNIOR, 2004:520). Cattoni de Oliveira, entretanto, apresenta uma

outra leitura desse quadro: O que eu discordo, em princípio, é quanto à afirmação de parte da

doutrina atual segundo a qual, recentemente, o STF estaria relativizando o “princípio da

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supremacia do interesse público”, ao ponderar, usando como critério a proporcionalidade,

interesse público (estatal) e interesse privado. Não penso assim. Há uma tendência

jurisprudencial a se relativizar, isto sim, a distinção entre questões políticas e questões

jurídicas, com consequências para a compreensão da separação de poderes, para o papel do

STF, para a práxis e para a metódica constitucionais. Por exemplo, ao considerar que, no

exercício do controle concentrado, o STF exerce “tarefas não somente jurídicas mas políticas”,

ele é “legislador negativo”, mas também “legislador positivo”, ainda que excepcional, em prol de

um “interesse público ou social maior” (2006:12).

A partir da crítica acima, deve ser posta uma questão: mesmo se o STF

levasse a sério a ponderação – o que foi demonstrado que não ocorre, conforme a técnica

desenvolvida por Alexy – poder-se-ia considerar essa uma resposta adequada ao paradigma

procedimental do Estado Democrático de Direito? Cattoni de Oliveira (2004:535), pautando-se

no pensamento de Habermas (1998:327- 333), apresentará uma resposta negativa à questão.

Como problemas que pesem contra a sua utilização podem ser levantados os seguintes: (1) ao

se admitir uma compreensão dos princípios jurídicos como mandamentos de otimização,

aplicáveis de maneira gradual, Alexy emprega uma operacionalização própria dos valores: isso

faria, então, com que os princípios perdessem a sua natureza deontológica, transformando o

código binário do Direito em um código gradual;35 (2) como conseqüência desse raciocínio, o

Direito passaria a indicar o que é preferível, ao invés de o que é devido;36 (3) o Direito – como

pretensão de universalidade sobre a correção de uma ação – então, não mais pode ser

considerado como um “trunfo”,37 como quer Dworkin, nas discussões políticas que envolvam o

bem-estar de uma parcela da sociedade; desnatura-se, portanto, a tese de Rawls (2003:199;

1996:171) sobre a prevalência do justo sobre o bem; (4) além disso, a tese de Alexy nega a

diferenciação entre discursos de justificação e discursos de aplicação, transformando a

atividade judiciária em um poder constituinte permanente; e, por fim, (5) olvida-se da

racionalidade comunicativa, uma vez que todo o raciocínio é pautado a partir de uma

racionalidade instrumental, deixando a aplicação jurídica a cargo de um raciocínio de

adequação de meios a fins, ficando para segundo plano a questão da legitimidade da decisão

jurídica; exatamente por isso o raciocínio sobre a ponderação acaba por cair em um

decisionismo de cunho irracionalista, isto é, ausência de uma racionalidade comunicativa

(HABERMAS, 1998:332).38

35 “O Direito, ao contrário do que defende uma jurisprudência dos valores,

possui um código binário, e não um código gradual: que normas possam refletir valores, no

sentido de que a justificação jurídico-normativa envolve questões não só acerca de o que é

justo para todos (morais), mas também acerca de o que é bom, no todo e a longo prazo para

nós (éticas), não que dizer que elas sejam ou devam ser tratadas como valores [...]” (CATTONI

DE OLIVEIRA, 2002:88-89,grifos no original).

36 “[...] normas – quer como princípios, quer como regras – visam ao que é

devido, são enunciados deontológicos: à luz de normas, posso decidir qual é a ação ordenada.

Já valores visam ao que é bom, ao que é melhor; condicionados a uma determinada cultura,

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são enunciados teleológicos: uma ação orientada por valores é preferível. Ao contrário das

normas, valores não são aplicados mais priorizados” (CATTONI DE OLIVEIRA, 2002:90). Em

outro texto, lembra o mesmo autor: “[...] ou nós estamos diante de uma conduta ilícita, abusiva,

criminosa, ou então, do exercício regular, e não abusivo, de um direito. Tertium non datur!

Como é que uma conduta pode ser considerada, ao mesmo tempo, como lícita (o exercício de

um direito à liberdade de expressão) e como ilícita (crime de racismo, que viola a dignidade

humana), sem quebrar o caráter deontológico, normativo, do Direito? Como se houvesse uma

conduta meio lícita, meio ilícita?” (CATTONI DE OLIVEIRA, 2006:6-7, grifos no original); é por

isso mesmo que: “Esse entendimento judicial, que pressupõe a possibilidade de aplicação

gradual, numa maior ou menor medida, de normas, ao confundi-las com valores, nega

exatamente o caráter obrigatório do Direito. Tratar a Constituição como uma ordem concreta de

valores é pretender justificar a tese segundo a qual compete ao Poder Judiciário definir o que

pode ser discutido e expresso como digno de valores, pois haveria democracia, nesse ponto de

vista, sob o pressuposto de que todos os membros de uma sociedade política compartilham, ou

tenham de compartilhar, de um modo comunitarista, os mesmos supostos axiológicos, uma

mesma concepção de vida e de mundo. Ou, o que também é incorreto, que os interesses

majoritários de uns devem prevalecer, de forma utilitarista, sobre os interesses minoritários de

outros, quebrando assim, o princípio do reconhecimento recíproco de igual direitos de liberdade

a todos” (CATTONI DE OLIVEIRA, 2006:7, grifo no original).

37 “[...] um direito não pode ser compreendido como um bem, mas como algo

que é devido e não como algo que seja meramente atrativo. Bens e interesses, assim como

valores, podem ter negociada a sua ‘aplicação’, são algo que se pode ou não optar, já que se

estará tratando de preferências otimizáveis. Já direito não. Tão logo os direitos sejam

compreendidos como bens e valores, eles terão que competir no mesmo nível que esses pela

prioridade no caso individual. Essa é uma das razões pelas quais, lembra Habermas, Ronald

Dworkin haver concebido os direitos como ‘trunfos’ que podem ser usados nos discursos

jurídicos contra os argumentos de políticas” (CATTONI DE OLIVEIRA, 2002:90-91).

38 Nesse sentido, Cattoni de Oliveira (2006:5) denuncia que, no caso do HC

82.424-2 (Relator Min. Maurício Correia),

Essas críticas servem para fomentar a discussão e sinalizam a necessidade de

uma compreensão do Direito à luz do paradigma procedimental do Estado Democrático de

Direito. Por isso, a proposta habermasiana desponta como a mais adequada. Mas as razões de

tal opção transbordam os limites do presente artigo, devendo ser exploradas em outro estudo.

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ARTIGO 21

A tributação ambiental como instrumento de defesa do meio ambiente

Raniere Franco Viana

Resumo: A atual crise ambiental reclama uma reação do Direito e o meio

ambiente passa a ocupar, de forma perene, parcela das suas discussões. Dessa forma, muda-

se o panorama jurídico, passando-se os ordenamentos jurídicos nacionais a albergarem em

suas Constituições a idéia de proteção ao meio ambiente. Como de outra forma não poderia

ser, no direito tributário, como parte do sistema, deve ser explorada sua finalidade social

através da extrafiscalidade dos tributos, tendo em vista a consecução do direito sustentável

como direito das presentes e futuras gerações.

Palavras-chave: Direito tributário. Desenvolvimento sustentável. Tributação

ambiental.

Sumário: Introdução.1 A tutela jurídica do meio ambiente. 2 Estado, ordem

econômica e defesa ambiental. 3 Tributação e meio ambiente. 3.1 Conceito. 3.2

Extrafiscalidade tributária e proteção ambiental. Conclusão. Referências.

Introdução

É crescente a preocupação com a tutela do meio ambiente em razão dos

desastres ecológicos que ameaçam a qualidade de vida no planeta. Nesse sentido, é premente

compatibilizar crescimento econômico e preservação ambiental, através do propalado

desenvolvimento sustentável, que consiste na obtenção de riquezas através da exploração

racional dos recursos naturais, tendo em mente o bem-estar das presentes e futuras gerações.

De acordo com a Declaração do Meio Ambiente,elaborada na Conferência das

Nações Unidas sobre o Meio Ambiente em Estocolmo, em junho de 1972, o direito a um meio

ambiente ecologicamente equilibrado é considerado um direito fundamental das presentes e

futuras gerações. Nessa esteira, a Constituição do Brasil contempla diversos dispositivos de

regramento do meio ambiente que contribuem com sua política ecológica preservacionista,

como, por exemplo, o art. 225, caput, que confere ao Poder Público e a coletividade o dever de

defender e preservar o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, de uso comum

do povo e essencial à sadia qualidade de vida.

Com efeito, diante do agravamento, nos últimos tempos, dos problemas

climáticos ocasionados pelas ações humanas – também denominadas ações antrópicas –, têm

surgido, por parte da sociedade civil e dos governantes, forte interesse em mudar o quadro

climático de nosso planeta.

Não é dispendioso lembrar que o desenvolvimento econômico depende do

meio ambiente, razão porque é preciso considerar-se, para o adequado desenvolvimento da

atividade econômica, a utilização racional dos recursos naturais.

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Destarte, mais do que nunca é premente o desenvolvimento sustentável

através de meios de produção efetivamente compromissados com a perpetuação das matérias-

primas obtidas na natureza, bem como a participação de toda a população nos benefícios

obtidos no progresso econômico, de forma a se concretizar a erradicação da pobreza e a

redução das desigualdades regionais através da distribuição da riqueza social.

Portanto, no momento em que os debates sobre políticas ambientais estão na

pauta das grandes reuniões internacionais – tendo em vista as consequências globais dos

desastres ecológicos, o presente trabalho visa dar uma singela contribuição ao estudo desse

tema, apresentando o direito tributário sob um aspecto que contribua de modo satisfatório para

com a preservação ambiental, suprindo, assim, os recursos voltados à prestação de serviços

públicos ambientais.

1 A tutela jurídica do meio ambiente

A intensificação, nos últimos tempos, dos desastres ecológicos que assolam o

planeta Terra tem feito despertar, de uma maneira geral, a consciência ecológica na

humanidade. [01] A partir daí, adveio a preocupação com a tutela jurídica do meio ambiente

[02], surgindo legislações ambientais em diversos países, tornando-se o meio ambiente objeto

jurídico do Direito. Assim, o aumento da qualidade de vida, sendo este considerado corolário

da preservação ambiental, se transforma em interesse público a ser defendido.

Como observa Muñoz [03], a ecologia, ou seja, o estudo da relação do homem

com o meio ambiente se caracteriza não só como uma mera intranquilidade da população com

a preservação da natureza, mas, sobretudo, significa verdadeira valoração da conduta

humana, de forma a realizar desejável formação de uma consciência coletiva como elemento

indispensável da axiologia ambiental de nosso tempo.

É necessário um equilíbrio para que as relações humanas, a relação entre

homem e natureza, não sejam predatórias, haja vista que esta interação homem-natureza é

necessária para sua coexistência. O esgotamento dos recursos naturais traz consigo a

imediata destruição da vida na Terra. A tomada de consciência dessa realidade leva a uma

organização social para o inarredável tratamento jurídico da relação entre ser humano e meio

ambiente.

O estudo da intrínseca relação do homem com a natureza é definido de forma

percuciente por Derani [04]:

Quer dizer, não há o romantismo idílico da vida do homem em harmonia com a

natureza, pois, em realidade, ao mesmo tempo em que a natureza se apresenta como fonte de

vida, se mostra também como ameaça. Os distintos comportamentos humanos revelam esta

ambivalência, pois como preservar a natureza se é de seu consumo que o ser humano retira

sua fonte de existência. [...] Sendo o ser humano, ele mesmo, parte da natureza, não lhe é

possível ultrapassar seu contexto natural. Sua dependência da natureza é imanente e contra

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isso não pode lutar. Resta-lhe resolver os princípios de sua dependência com a natureza,

esclarecendo o modo como apropriá-la da forma mais satisfatória. Há, sim, uma necessidade

de constante ajuste de um relacionamento insuperável do ser humano com suas bases

naturais de reprodução de existência.

É pertinente salientar que essa crise ambiental é única, pois não é isolada e

envolve interesses globais, já que os efeitos nocivos da degradação ambiental de um

determinado local pode ser sentido em parte diferente do planeta. Aliás, essa idéia de

encurtamento das fronteiras já é antiga na Economia, tendo surgido com o progresso dos

meios de comunicação e através do estreitamento das relações comerciais entre países. Assim

como os efeitos do meio ambiente são globais, qualquer mudança no panorama econômico de

uma parte do mundo ocasiona imediatos efeitos no restante do planeta.[05]

Para Derani [06], "A questão ambiental é, em essência, subversiva, posto que

é obrigada a permear e a questionar todo o procedimento moderno de produção e de relação

homem-natureza, estando envolvida com o cerne da conflituosidade da sociedade moderna."

Não se pode negar que a normatização da apropriação dos recursos da

natureza tem interesse maior na perpetuação desses recursos para a produção econômica.

Contudo, a evolução do direito ambiental tem como legado uma ampliação da visão sobre a

necessidade de preservação ambiental e, aos poucos, sua regulamentação no Direito mostra

que essa idéia deve ser conservada, tendo em vista seu valor para a evolução da humanidade

nos seus mais amplos desdobramentos.

Por seu turno, as ciências do Direito e da Economia não podem se manter

alheias ao que, conforme demonstrado, começa a se enraizar no seio da sociedade. Aliás, é

tomando por base essa consciência da defesa dos valores ambientais que se demanda das

áreas do conhecimento não só que se reconheça a defesa do meio ambiente em toda a sua

amplitude, mas que também articulem instrumentos que possam ser postos a disposição da

defesa do meio ambiente. [07]

Dentre os primeiros textos internacionais que trataram do tema, a Declaração

do Meio Ambiente, adotada pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente,

celebrada em Estocolmo, em 1972, fixa o direito a um meio ambiente ecologicamente

equilibrado como direito fundamental das presentes e futuras gerações. A referida Declaração

do Meio Ambienterepresentou verdadeira guinada no trato das questões ambientais pela

comunidade internacional, elencando 26 princípios fundamentais de proteção ao meio

ambiente, tendo influenciado a elaboração do capítulo sobre meio ambiente da Constituição

Federal de 1988.

Vinte anos depois, novos princípios de proteção ambiental foram apresentados

na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio

de janeiro de 3 a 14 de junho de 1992, conhecida como ECO-92, reafirmando os princípios da

Declaração do Meio Ambiente e adicionando outros sobre o desenvolvimento sustentável e o

meio ambiente. Parte do reconhecimento da natureza interdependente e integral da Terra,

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nosso lar, e do princípio que os seres humanos estão no centro das preocupações com o

desenvolvimento sustentável, e têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com

a natureza (Princípio 1). Põe-se, nesse primeiro princípio, a correlação de dois direitos

fundamentais do homem: o direito ao desenvolvimento e o direito a uma vida saudável. [08]

A Declaração de Estocolmo abriu caminho para que os ordenamentos jurídicos

supervenientes elencassem o meio ambiente ecologicamente equilibrado como uma extensão

do direito à vida, portanto, direito fundamental das presentes e futuras gerações. Com isso, é

importante ter em mente que o direito à vida, como direito fundamental supremo, deve orientar

a atuação do Estado no âmbito da tutela do meio ambiente. É premente que o texto

constitucional vise compatibilizar desenvolvimento econômico e preservação ambiental.

2 Estado, ordem econômica e defesa ambiental

O Estado Moderno veio a subsidiar o desenvolvimento da economia burguesa

necessitada de universalização. Igualdade entre pessoas, igualdade de câmbio, ampliação de

mercados e de mão-de-obra, garantia do "laisser-faire" e da organização produtiva que lhe

viabilizava. Este mesmo Estado, parte integrante da sociedade, é também parte indispensável

ao funcionamento do mercado, o que indubitavelmente afasta a ilusão neoliberal em voga de

um "fundamentalismo mercantil" – uma crença inabalável no poder do mercado em gerenciar

com máxima eficiência os recursos disponíveis. Daí a asserção clássica de que o Estado como

agente econômico não é a negação do modo de produção capitalista, mas responde à

necessidade de sua lógica interna de expansão. [09]

Antes do surgimento do Estado neoconcorrencial [10]ou intervencionista, o que

ocorreu na passagem do século XIX para o século XX, não era permitido ao Estado interferir na

"ordem natural" dos mercados, mesmo que para garantir a propriedade privada. Havia um

equivocado consenso de que Estado e sociedade tinham existências independentes uma da

outra.

Contudo, assevera Eros Grau que, mesmo desde o Estado Moderno, a

burguesia obtinha vantagens no mercado, pondo à sua disposição instrumentos de políticas

públicas através da ação estatal sobre o domínio econômico, o que demonstra que não era

absoluta a afirmação de que o Estado não interferia na economia. Dessa forma, o "Estado

Moderno nasce sob a vocação de atuar no campo econômico. Passa por alterações, no tempo,

apenas o seu modo de atuar, inicialmente voltado à constituição e à preservaçãodo modo de

produção capitalista, posteriormente à substituição e compensaçãodo mercado". [11]

Porém, o Estado da revolução francesa já foi ultrapassado e o mesmo não

mais perdura. O advento do Estado do Bem-Estar enfrenta agora um desafio de redimensionar

suas feições, pois a relação entre economia privada e Estado nunca foi tão forte desde a

revolução industrial. O homem nunca se utilizou de tanta matéria e energia, a sociedade nunca

demandou tantos recursos naturais para sua subsistência quanto hoje. O Estado, portanto, não

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pode se quedar inerte no seu papel de fiduciário dos interesses da sociedade, na medida da

realização da Justiça Fiscal. Como explica Tipke: [12] "Em um Estado de Direito deve-se atuar

com justiça na medida do possível. Está, é a máxima exigência que se deve projetar o ente

político. Esta exigência não pode permanecer anulada ou desprezada em seu conteúdo

essencial por outras aspirações. Este também é o ponto de partida das constituições que

invocam de modo expresso a Justiça ou a Justiça tributária".

Com efeito, a Constituição do Brasil tem em seu bojo um modelo econômico de

bem-estar. Esse modelo é consubstanciado nos seus artigos 1°. e 3°., bem como no enunciado

do art.170. [13] Tais preceitos não podem ser olvidados dentro das políticas públicas de

Governo. Com efeito, a dignidade de pessoa humana é adotada em nosso texto constitucional

tanto como fundamento da República Federativa do Brasil (art.1°., III), como fim da ordem

econômica (art. 170).

Como acima referido, para a concretização de uma existência digna que

proporcione efetiva qualidade de vida, é fundamental um meio ambiente ecologicamente

equilibrado. De fato, a defesa do meio ambiente é princípio constitucional que dever ser

incorporado no processo econômico (art. 170, VI), bem como dedutível da norma expressa do

art. 225, §1°., IV, o que torna de imediato inconstitucional a desenvolvimento de atividade

econômica que despreze os valores naturais.

Destarte, o desenvolvimento econômico do Estado brasileiro deve se coadunar

com o uso sustentável da natureza, com vistas ao aumento da qualidade de vida da população,

como bem sintetiza Derani: [14]

Este modo de pensar o desenvolvimento econômico decorre da interpretação

dos princípios da ordem econômica constitucionalmente construídos, e que se destinam a

reger a atividade econômica e seus fatores. Um novo ângulo de se observar o desenvolvimento

econômico, inserindo outros fatores na formação de políticas públicas, é conformado pela

presença do capítulo do meio ambiente na Constituição Federal. O direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado exposto no art.225 se faz presente como princípio a ser respeitado

pela atividade econômica no artigo 170, VI. A positivação deste princípio ilumina o desenvolver

da ordem econômica, impondo sua sustentabilidade.

Em conformidade com os ditames da justiça social, não se pode imaginar

desenvolvimento econômico sem o uso adequado dos recursos naturais, haja vista que, por

motivos elementares, esta atividade é dependente do uso da natureza. Assim, as políticas

públicas devem ser orientadas segundo um desenvolvimento econômico sustentável.

3 Tributação e meio ambiente

Diante do importante papel do direito tributário como instrumento de fomento

do desenvolvimento econômico, através da função extrafiscal dos tributos (incentivo ou

desestímulo a atividades consideradas pertinentes ou não aos interesses da comunidade), é

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latente sua relevância na consecução de políticas públicas que contemplem simultaneamente:

proteção do meio ambiente e desenvolvimento econômico.

3.1 Conceito

Inicialmente, vale salientar que a evolução da atuação do Estado, antes

revestido de uma postura liberal, para a assunção de uma postura intervencionista voltada à

consecução dos interesses coletivos albergados pelo ordenamento jurídico, em especial na

Constituição, fez surgir uma faceta do direito tributário antes não explorada, já que o mesmo

era visto somente como instrumento de arrecadação. É como vislumbra Becker: "A principal

finalidade de muitos tributos (que continuarão a surgir em volume e variedade sempre maiores

pela progressividade transfigurada dos tributos de finalismo clássico ou tradicional) não será a

de um instrumento de arrecadação de recursos para o custeio das despesas públicas, mas a

de um instrumento de intervenção estatal no meio social e na economia privada". [15]

A recente denominação "tributação ambiental" quer revelar a relevância que

vem obtendo a relação entre tributação e preservação do meio ambiente, de forma que este

desiderato seja alcançado através do direcionamento daquela atividade do Estado.

Segundo García, [16] a possibilidade de proteger o meio ambiente com

instrumentos fiscais pode ter surgido em 1920 com a proposta do economista inglês A.C. Pigou

de isentar os impostos que afetassem os custos "externos" da produção e consumo privados.

Segundo o autor, "semelhante proposta logrou êxito no âmbito acadêmico, porém não teve

conseqüências práticas na política ambiental até os anos 70, quando foram introduzidas as

primeiras taxas ecológicas, tendo o princípio do poluidor-pagador sido adotado pela OCDE [17]

no primeiro programa de ação das Comunidades em matéria ambiental".

Talvez em razão do estudo do direito ambiental ainda ser incipiente em nosso

país, o tema que não era objeto de muitos estudos vem adquirindo destaque, sob a ótica de

que os instrumentos tributários podem revelar-se importantes ferramentas para a obtenção de

uma satisfatória qualidade do meio ambiente.

Do ponto de vista da política ambiental, pode-se qualificar como tributo

ecológico todo aquele cuja principal finalidade é servir à proteção do meio ambiente. Esta

abrangente definição inclui também aqueles tributos cujo fato gerador não está relacionado

com atividades contaminantes, desde que a arrecadação seja afetada para a proteção do meio

ambiente. Os efeitos desses tributos constituem um instrumento de financiamento de políticas

públicas. [18]

Dessa forma, como leciona Tôrres, [19] o objeto de estudo do Direito Tributário

Ambiental pode ser definido como "ramo da ciência do direito tributário que tem por objeto o

estudo das normas jurídicas tributárias elaboradas em concurso com o exercício de

competências ambientais, para determinar o uso de tributo na função instrumental de garantia

ou preservação de bens ambientais".

Tratando do tema, Costa [20] assim elucida a definição de tributação ambiental:

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A tributação ambiental pode ser singelamente conceituada como o emprego de

instrumentos tributários para gerar os recursos necessários à prestação de serviços públicos

de natureza ambiental (aspecto fiscal ou arrecadatório), bem como para orientar o

comportamento dos contribuintes à proteção do meio ambiente (aspecto extrafiscal ou

regulatório).

Dentro das políticas públicas de governo podem ser albergados instrumentos

tributários que compatibilizem a tributação com a preservação ambiental por meio da

fiscalidade, ou que contemplem – através da extrafiscalidade – um duplo benefício, qual seja,

arrecadar e incentivar a conservação ambiental. [21]

O grande desafio que hoje possuiu a doutrina é a busca de uma aliança entre

ambas as modalidades de competências ambiental e tributária, solucionando o aparente

conflito principiológico, entre aqueles que visam à proteção dos interesses difusos ou coletivos

homogêneos inerentes ao meio ambiente, nas suas diversas manifestações (natural, cultural,

artificial e do trabalho); com os direitos de propriedade e liberdade, além daqueles de garantia

dos limites da tributação, como legalidade, isonomia, e capacidade contributiva, ao determinar

o exato espaço para a ação fiscal. [22]

3.2 Extrafiscalidade tributária e proteção ambiental

A extrafiscalidade consiste no emprego de fórmulas jurídico-constitucionais

para a obtenção de objetivos que superam a simples finalidade arrecadatória de recursos

financeiros, cujo regime que há de orientar tal prática não poderia diferir daquele próprio das

exações tributárias. [23] Quer dizer que o direito tributário deve suplantar os fins meramente

arrecadatórios que orientam a sua função fiscal, para a ascensão do exercício do poder de

tributar objetivando a realização da finalidade social do tributo [24] como indutor de

comportamentos do sujeito passivo da obrigação tributária.

Nesse sentido, para conseguir lograr êxito no alcance de suas finalidades, o

Estado deve se utilizar de instrumentos tributários e financeiros para saciar as necessidades do

interesse público. Hodiernamente, esses instrumentos não se limitam somente à obtenção de

somas em dinheiro para financiar os gastos públicos, senão para também obter outros fins

constitucionalmente legítimos. A propósito, tratando da coexistência entre finalismo fiscal e

extrafiscalidade tributária, Becker [25] proclama que "na construção jurídica de todos e de cada

tributo, nunca mais estará ausente o finalismo extrafiscal, nem será esquecido o fiscal. Ambos

coexistirão sempre – agora de um modo consciente e desejado – na construção jurídica de

cada tributo; apenas haverá maior ou menor prevalência neste ou naquele sentido, a fim de

melhor estabelecer o equilíbrio econômico-social do orçamento cíclico"

Na construção de seus escólios, Baleeiro [26]assim sentencia sobre as

finanças do Estado e seus fins extrafiscais:

Os progressos das ciências econômicas, sobretudo depois do impulso que lhes

imprimiu a teoria geral de Keynes, refletiram-se na Política Fiscal e esta, por sua vez,

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revolucionou a concepção da atividade financeira, segundo os preceitos dos financistas

clássicos. Ao invés das "finanças neutras" da tradição, com seu código de omissão e

parcimônia tão do gosto das opiniões individualistas, entendem hoje alguns que maiores

benefícios a coletividade colhera de "finanças funcionais", isto é, a atividade financeira

orientada no sentido de influir sobre a conjuntura econômica.

Nesse jaez, com a consolidação do intervencionismo estatal, o tributo

demonstra uma capacidade especial para ser utilizado na perquirição dos fins públicos, não

como instrumentos arrecadador, mas como ferramenta que influi diretamente nos direitos

econômicos e fiscais. [27] As políticas governamentais devem ser orientadas na esteira do

interesse público, dentro da tributação extrafiscal, como vaticina Gouvêa: [28]

Ao traduzir este fenômeno em linguagem do Direito, é necessário sustentar um

fundamento jurídico que permita ao Estado tributar, com vistas a objetivos diversos, distintos da

arrecadação, afastando osinteresses individuais contrários à incidência tributária. Revela-se,

assim, outra faceta do corolário da supremacia do interesse público sobre o interessedo

particular, no Direito Tributário. O Estado tributa com vistas a auferir receitas, e assim a

supremacia do interesse público consubstancia o princípio da fiscalidade; quando se apreciam

objetivos outros, que se afastam da pura arrecadação, apresenta-se a extrafiscalidade.

Assim sendo, a extrafiscalidade tributária é instrumento que caminha lado a

lado com as políticas públicas estatais, na razão em que a mesma se concretiza como a ação

do Estado sobre o domínio econômico,[29] vale dizer, no campo da atividade econômica,

enquanto regulador desta atividade. Nesse sentido, altera-se o conceito de justiça fiscal, na

medida em que não se leva em consideração somente a capacidade econômica do

contribuinte. Isso, de certa forma, demanda uma mudança na postura do legislador, o que

pressupõem um conhecimento das possibilidades de intervenção de que se pode cogitar e o

desiderato de fazer uso desses instrumentos, pois a extrafiscalidade não se coaduna com

desídia governamental. Para isso, a tributação deve ser pensada em consonância com o

desenvolvimento sustentável, enquanto aspiração da sociedade contemporânea. É nesse

sentido que se pronuncia Falcão: [30]

Ficou visto, pelo conceito que albergamos antes, que o progresso é apenas

uma marcha para frente. Essa marcha pode ou não reverter em benefício da sociedade como

um todo, ou, pelo menos, em sua parcela nitidamente majoritária. Desenvolvimento, por sua

vez, envolve conceito cúbico, e não somente linear, isto é, conceito que não se subsume ao de

crescimento, mas se dirige para os anseios da sociedade, uma vez que assume as diversas

dimensões e direções. Seus efeitos plenificam o espaço social e é isso que auguramos

aconteça com manejo da extrafiscalidade.

Como aqui já foi frisado, o direito tributário tem como um dos mais relevantes

papéis, o de implementar políticas públicas através da ação coordenada da intervenção estatal

na atividade econômica. Destarte, o direto tributário deixou de ser mero aparelho para angariar

receitas, para se tornar instrumento de transformação da sociedade.

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No que concerne ao meio ambiente, a possibilidade de utilizar o tributo como

instrumento para sua conservação está intrinsecamente ligado a aplicação da extrafiscalidade

tributária, enquanto orientação econômica dirigida pelo Estado através de estímulo ou

desestímulo da atividade econômica. A finalidade do caráter extrafiscal do tributo na proteção

ambiental propõem que o intervencionismo fiscal seja utilizado como instrumento eficiente na

reeducação socioambiental.

Ao tratar da inerente relação entre meio ambiente e direito tributário, assim se

pronuncia Ribas: [31]

O direito ambiental transpassa diferentes áreas jurídicas, que se devem levar

em conta princípios de natureza ambiental, por isso chamado de horizontal e também de

integração, uma vez que se penetra em todos os setores do direito, para neles introduzir a idéia

ambiental. A tributação atua basicamente sobre fatores econômicos, que têm que estar de

acordo com princípios estabelecidos no direito ambiental. A atividade legislativa deve

implementar os instrumentos jurídicos e, entre eles, os tributários são de extremar relevância e

eficácia, pois se revelam hábeis à proteção do ambiente.

Com efeito, medidas fiscais, como se tem tentado demonstrar, são eficazes

instrumentos jurídico-constitucionais para a consecução das finalidades econômicas, sociais e

ambientais constitucionalmente colimadas. Os instrumentos tributários podem intervir na

realidade sócio-econômica para alcançar referido objetivo constitucional. Para isso o legislador

tem a possibilidade de configurar juridicamente o tributo de modo que o mesmo obtenha os fins

fiscais e extrafiscais. [32]

As benesses da utilização dos tributos para fins ambientais consistem no fato

de que aqueles, no primeiro momento, estimulam o comportamento individual que se direciona

a uma postura ambientalmente correta e, justamente porque interfere nas suas finanças, estes

optam por abstrair comportamentos danosos ao meio ambiente. Ao revés, a efetivação de uma

rede de tributos ambientais não exige grandes mudanças na infra-estrutura e aparelhagem

estatal de fiscalização dos tributos.

Portanto, a proeminência dos fins extrafiscais ou regulatórios no emprego dos

tributos se constitui um relevante instrumento para a conservação ambiental. Aliás, pode-se

argumentar que a existência de normas que viabilizem um equilíbrio ecológico encontram nas

normas tributárias de natureza extrafiscal a possibilidade de consolidarem o desenvolvimento

sustentável e a melhoria da qualidade de vida.

Conclusão

Por meio da interpretação sistemática de nossa Constituição da República, não

se pode olvidar a concretude do uso do direito tributário para a obtenção do desenvolvimento

sustentável, no esteio de que o mesmo cumpre um novo papel, diverso do tradicional, de

instrumento de estabilidade social. Além disso, ele deve ser utilizado como ferramenta para

consecução dos fins colimados pelo Estado.

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Nessa perspectiva, acredita-se que o direito tributário desempenha um novo

papel, diverso do tradicional, de ferramenta de consecução de políticas públicas que

contemplem a preservação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado como

componente da própria dignidade da pessoa humana.

Assim, recentemente foi introduzida a denominação "tributação ambiental" para

designar a importante doutrina que identifica a intrínseca relação entre política tributária e

preservação do meio ambiente, de forma a direcionar às ações daquelas, tendo em vista

realização desta.

A tributação ambiental, dessa forma, consiste no direcionamento de

instrumentos tributários visando à obtenção de receitas necessárias para a realização de

políticas públicas ambientalmente relevantes, bem assim para promover ações de

conscientização da importância de hábitos de preservação ecológica por parte da população.

Destarte, a proteção fiscal do meio ambiente tem se revelado um dos mais

importantes instrumentos de política pública ambiental. Essa ferramenta detém inúmeras

vantagens técnicas frente a outras medidas, haja vista que apresenta características,

principalmente quanto a seu caráter político, que exige uma aplicação não só do ponto de vista

técnico, como também de um ponto de vista ético.

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Taveira (Org.). Direito tributário ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005. (p. 96 – 156).

Notas

Transformações essas que ameaçam as espécies de vida, como: aquecimento

global, chuvas ácidas, desertificação progressiva, terras inférteis para produção agrícola,

aumento da mortalidade infantil, além das conhecidas tragédias de Tchernobil, Bhopal, Cidade

do México, Rio Reno, Nova Orleães (Furacão Katrina), as tempestades em Santa Catarina e as

enchentes no Nordeste.

Importante frisar que o conceito de meio ambiente aqui adotado não se

restringe ao meio ambiente natural (ar, água, terra etc), mas considera o conjunto de

elementos que dão suporte à existência humana, albergados pela influência dos

relacionamentos entres os homens, sua qualidade de vida e seu pleno desenvolvimento.

MUÑOZ, José Manuel Rodríguez. La alternativa fiscal verde. 1. ed. Valladolid:

Lex Nova, 2004.

DERANI, Cristiane. Aplicação dos Princípios do Direito Ambiental para o

Desenvolvimento Sustentável. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Org.). Direito tributário ambiental.

São Paulo: Malheiros, 2005, p. 641-642.

A crise econômica mundial é uma comprovação cabal dessa assertiva.

DERANI, Cristiane., op. cit., 2005, p. 643.

MUÑOZ, José Manuel Rodríguez., op. cit., 2004.

SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 5. ed. São Paulo:

Malheiros, 2004, p. 63-64.

DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad,

1997.

A expressão é de Eros Roberto Grau. A ordem econômica na constituição de

1988. São Paulo: Malheiros, 2007.

GRAU, Eros Roberto. ibid., 2007, p.19. (grifo original)

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TIPKE, Klaus. Moral tributaria del estado y de los contribuyentes. Tradução de

Pedro M. Herrera Molina. Madrid: Marcial Pons, 2002, p.27.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos

Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e

tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV

- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único.

Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente,

nos termos desta Constituição.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I -

construir uma sociedade livre, justa e solidária; II- garantir o desenvolvimento nacional; III -

erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV -

promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer

outras formas de discriminação.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na

livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça

social, observados os seguintes princípios.

DERANI, Cristiane., op. cit., 1997.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3 ed. São Paulo:

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313.

Ver, a propósito dos mais diversos instrumentos tributários para a conservação

ambiental: TÔRRES, Heleno Taveira. Da relação entre competências constitucionais tributária

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(Org.)., op. cit., 2005., p. 96 – 156. COSTA, Regina Helena. Apontamentos sobre a Tributação

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José Manuel Rodríguez., op. cit., 2004. MOLINA, Pedro Manuel Herrera; VASCO, Domingo

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TÔRRES, Heleno Taveira. Da relação entre competências constitucionais

tributária e ambiental – os limites dos chamados "tributos ambientais". In: TÔRRES, Heleno

Taveira (Org.)., op. cit., 2005., p. 96 – 156.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva,

1993.

É bem verdade que esse objetivo tem cunho eminentemente político, vale

dizer, o legislador, enquanto artífice do caráter definidor do tributo, deve concretizar a

extrafiscalidade tributária e buscar influenciar comportamentos humanos através da alteração

do sistema de tributos no que concerne às alíquotas, à base de cálculo, à outorga de isenções

ou mesmo à alteração dos critérios definidores da repartição das receitas tributárias.

BECKER, Alfredo Augusto., op. cit., 2002, p.597.

BALEEIRO, Aliomar; CAMPOS, Dejalma de (atualizador). Uma introdução à

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Sobre as formas de intervenção do Estado no e sobre o sobre o domínio

econômico ver GRAU, Eros Roberto., op. cit., 2007, p.148-149.

FALCÃO, Raimundo Bezerra. Tributação e mudança social. Rio de Janeiro:

Forense, 1981, p.79-80.

RIBAS, Lídia Maria Lopes Rodrigues. Defesa ambiental: utilização de

instrumentos tributários. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Org.)., op. cit., 2005. (p.675 – 723),

p.684-685.

MORO, Cristobal J. Borrero., op. cit., 1999.

Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/13052/a-tributacao-ambiental-como-instrumento-de-

defesa-do-meio-ambiente/2#ixzz1xRAbwi8g

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INDISPONIBILIDADE DOS BENS PÚBLICOS

ARTIGO 22

A Transação como Forma Alternativa de Solução de Conflito em Matéria

Tributária

SUMÁRIO : 1 Introdução; 2 Do Instituto da Transação;3 O Instituto da

Transação no Direito Tributário; 4 Projeto de Lei de Transação em Matéria Tributária; 5 A

Transação Tributária e os Princípios Constitucionais; 5.1 Princípio da Legalidade; 5.2 Princípio

da Impessoalidade; 5.3 Princípio da Moralidade Administrativa;5.4 Princípio da Eficiência

Administrativa; 5.5 Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público; 6 Considerações Finais;

7 Referências.

1 Introdução

A dívida tributária inscrita em favor da União ultrapassava a cifra de R$ 900

bilhões de reais, sendo que desse total, boa parte é irrecuperável. E isto tem com causa

principal o modelo atual de cobrança da dívida tributária adotado pelo Brasil, o qual tem se

mostrado ineficiente e desacreditado perante a sociedade brasileira.

Tentando mudar essa realidade, o Poder Executivo encaminhou um projeto de

lei ao Congresso Nacional que tem por objetivo aplicar o instituto da transação na cobrança da

dívida tributária. Nesse viés, o instituto da transação aplicado no direito tributário visa a diminuir

consideravelmente a litigiosidade entre os contribuintes e a Fazenda Pública, além de

viabilizar, a médio prazo, um aumento da arrecadação tributária, que retornará a sociedade

brasileira na forma de políticas públicas. Diante dessa sucinta introdução, esclareça-se que a

empreitada aqui proposta consiste em analisar o instituto da transação e a sua aplicação na

cobrança do crédito tributário; o anteprojeto de lei geral de transação em matéria tributária;

bem como a aplicação dos princípios constitucionais nas questões de transação tributária.

2 Do Instituto da Transação

O art. 1.025 do Código Civil Brasileiro de 1916 preceituava que: “É lícito aos

interessados prevenirem, ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas”. Esta redação

foi mantida pela o art. 840 Código Civil Brasileiro de 2002.

Sob tal enfoque, pode-se definir o instituto da transação como o contrato,

acordo ou ajuste pelo qual as partes, fazendo concessões mútuas, declarando ou

reconhecendo direitos, ou estabelecendo novas obrigações, previnem ou extinguem

obrigações litigiosas ou duvidosas. O tributarista Hugo de Brito Machado preleciona que: “No

sentido jurídico restrito, a palavra transação reflete mais adequadamente a sua origem, posto

que ela deriva do latim, de transactio , resultando da ação expressa pelo verbo transigere , que

quer dizer transigir, albergando, portanto a idéia de renúncia”. (1)

Nesse mesmo sentido se manifesta o civilista Clóvis Beviláqua, ao definir a

transação como sendo “um ato jurídico, pelo qual as partes, fazendo-se concessões

recíprocas, extinguem obrigações litigiosas ou duvidosas”. (2) Questão tormentosa que divide a

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doutrina é quanto à natureza jurídica do instituto da transação. Atualmente existem dois

entendimentos: a primeira corrente entende que a transação tem natureza jurídica contratual; e

a segunda corrente defende a ideia de que a transação tem natureza jurídica de uma das

modalidades de extinção da obrigação. Inobstante, prevalece o entendimento de que a

transação tem natureza jurídica de contrato, haja vista tratar-se de um ato jurídico bilateral. Por

oportuno, cabe esclarecer que, anteriormente, pelo Código Civil de 1916, a transação tinha

natureza jurídica de meio de extinção da obrigação (3). Assim, foi somente com a entrada em

vigor da Lei nº 10.406/2002 (novo Código Civil Brasileiro) que passou a prevalecer o

entendimento de que a transação tem natureza jurídica de contrato (4).

Nessa perspectiva, cumpre trazer à baila os ensinamentos de Pontes de

Miranda, para quem, o instituto da transação é um: “Negócio jurídico bilateral, em que duas ou

mais pessoas acordam em concessões recíprocas, como o propósito de pôr termo à

controvérsia sobre determinada ou determinadas relações jurídicas, seu conteúdo, extensão,

validade ou eficácia”. (5) Assim, pode-se dizer que o instituto da transação tem natureza

jurídica de contrato, bem como as seguintes características: (i) acordo entre as partes; (ii)

intenção de por fim a um litígio existente; e (iii) a existência de concessões mútuas pelas partes

envolvidas. É um acordo de vontade entre as partes por se tratar de um negócio jurídico

bilateral. Ou seja, a transação se constitui em um pacto firmado pelas partes conflitantes, as

quais divergem com relação à obrigação existentes entre si. A transação deve ter por objetivo

por fim a um litígio existente em as partes. Conforme assevera Manoel Ignácio Carvalho de

Mendonça, a transação não tem por finalidade criar qualquer tipo de obrigação, nem a de

substituir ou tomar o lugar de uma que se extingue, mas sim, extinguir uma obrigação

existente. (6) É necessária a existência de concessões recíprocas para que seja possível

aplicar-se o instituto da transação. Assim, as partes envolvidas no conflito devem ceder parte

dos seus direitos para que haja de fato uma transação. Caso contrário, não estaríamos diante

de uma transação, mas sim, de uma doação, de dação em pagamento ou de remissão,

conforme o caso. Entretanto, há que se esclarecer que para existência da transação não é

necessário que as concessões apresentadas pelos envolvidos sejam iguais ou equivalentes.

Com esse mesmo entendimento, manifesta-se Manoel Ignácio Carvalho de Mendonça, quando

afirma que: As concessões recíprocas das partes não implicam proporcionalidade no dado,

retido, ou prometido. Ellas podem consistir em satisfazer-se em parte a razão do litigio ou

duvida, ou renuncial-a; reconhecel-a em parte e noutra não; em renuncial-a ou satisfazel-a in

totum uma vez que haja reciprocidade. Ordinariamente, si não sempre, as concessões contêm

renuncia, desistencia de direitos, córtes em pretenções, como meios de poderem as partes

chegar a um acordo. Si tal renuncia não tem o carater de reciprocidade, ou ha doação, ou ha

remissão de divida; nunca, porém, transação. Renuncia sem recompensa não é transacção; é

liberdade.

Noutras palavras, a reciprocidade não é apenas a presença de suas

concessões contrapostas. Deve-se ter presente em mente que uma é causa da outra e vice-

versa. Todavia, essa reciprocidade, de acordo com a lição de Manoel Ignácio Carvalho de

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Mendonça, não implica, necessariamente, em proporcionalidade. Por fim, cumpre registrar que

o instituo da transação na cria novo direito e nem declara ou reconhece os direitos pré-

existentes. Ademais, depende de forma pré-estabelecida para ter eficácia e validade, bem

como pode ser realizada através de escritura pública ou por termo nos autos de um processo

judicial e somente pode tratar de direitos patrimoniais (7).

3 O Instituto da Transação no Direito Tributário

A transação é um instituto eminentemente do Direito Privado. Internamente é

tratada no âmbito no Direito Civil, mais precisamente no art. 840 e seguintes do Código Civil

Brasileiro de 2002. Todavia, o instituto da transação também tem previsão legal no Direito

Público, tipificado no Código Tributário Nacional como uma das causas extintivas do crédito

tributário.

O art. 156, inciso III, do Código Tributário Nacional dispõe que a transação

extingue o crédito tributário. Mais adiante, o art. 171 do Código Tributário Nacional estabelece

que: “A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da

obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em

determinação de litígio e conseqüentemente extinção do crédito tributário”. E mais, no seu

parágrafo único assevera que: “A lei indicará a autoridade competente para autorizar a

transação em cada caso”. De acordo com Carlos Valder do Nascimento: O vocábulo transação

é tomado aqui na acepção jurídica pelo Código Tributário Nacional. Portanto, não é empregado

no sentido vulgar a caracterizar negócio de qualquer natureza. É sempre acionado com o

objetivo de prevenir ou terminar litígios mediante concessões recíprocas entre os sujeitos da

relação jurídica tributária. (8)

Na esteira desse raciocínio, cabe citar a posição do jurista Yoshiaki Ichihara, o

qual leciona que a finalidade da transação é facilitar a extinção do crédito tributário. O que,

segundo ele, pode vulgarmente ser chamado de “acordo”. Nesta conjuntura, pode-se dizer que

a transação tributária prevista no Código Tributário Nacional tem as seguintes características:

(i) existência de lei autorizativa; (ii) condições estabelecidas na lei; (iii) existência de

concessões mútuas entre os sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária; (iv) terminação ou

fim do litígio; (v) extinção do crédito tributário; e (vi) indicação pela lei da autoridade

competente para autorizar a transação. Em primeiro lugar, a transação tributária somente

poderá ser efetivada caso exista lei autorizativa (9). Deveras, o instituto da transação tributária

se submete ao subprincípio da reserva da lei tributária (art. 97 do CTN), consectário do

princípio da legalidade, que decorre do valor supraconstitucional da "segurança jurídica".

Sob tal enfoque, o Procurador da Fazenda Nacional Aldemiro Araújo Castro

exarou parecer quanto à necessidade de lei especifica que autorize a realização de transação

tributária pela Fazenda Pública, nos seguintes termos: A lei da entidade tributante, autorizadora

da transação, e não a simples previsão genérica do CTN, é considerada pacificamente pela

doutrina e jurisprudência como condição inafastável de validade dos acordos realizados. A

própria indisponibilidade do interesse público pelo administrador, viga-mestra do direito

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administrativo, corrobora a necessidade da lei especificada. (10) Com esse mesmo

entendimento, manifesta-se Paulo de Barros Carvalho, ao versar sobre o instituto da transação

em matéria tributária, quando afirma que: "O princípio da indisponibilidade dos bens públicos

impõe seja necessária previsão normativa para que a autoridade competente possa entrar no

regime de concessões mútuas, que é da essência da transação”. (11)

De outra parte, a doutrina encontra-se divida quanto à necessidade de ser a lei

autorizativa: a) lei complementar; ou b) lei ordinária. Os críticos do projeto de lei de transação

tributária defendem a tese de que a lei autorizativa deve ser veiculada através de lei

complementar e não por meio de lei ordinária. Asseveram que para dispor sobre normas gerais

em matéria de legislação tributária, faz-se necessário, fazê-la através de lei complementar, nos

termos do art. 146, inciso III, da Constituição Federal.

Lado outro existe aqueles que defendem a tese de que esta lei pode ser tanto

ordinária quanto complementar. Contudo, sentenciam que existe a obrigatoriedade de edição

desta lei autorizativa, haja vista a indisponibilidade do crédito tributário para o agente público.

Ou seja, a validade da transação tributária fica na dependência de autorização legislativa, haja

vista que a Administração Pública somente pode fazer aquilo que a lei permite, nada mais. Em

segundo lugar, as condições para a realização da transação tributária devem ser estabelecidas

em lei. Nesse sentido se manifestou o renomado tributarista Aliomar Baleeiro, pontificando que:

“A autoridade só pode celebrá-la, com relativo discricionarismo administrativo, na apreciação

das condições, conveniências e oportunidades que a lei lho faculta e dentro dos limites e

requisitos por ela fixados”. (12) Em terceiro lugar, a transação requer a existência de

concessões mútuas entre os sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária. Noutras palavras,

o contribuinte desiste de discutir administrativamente ou judicialmente o débito tributário e se

dispõe a pagá-lo nas condições e termos propostos pela Fazenda Pública. Lado outro, o

Estado renuncia parcialmente ao direito de receber seus créditos na integralidade.

Em quarto lugar, a transação tributária deve terminar ou por fim ao litígio.

Nesse sentido, vale destacar que a transação tributária somente é admitida para por fim ao

litígio, diferente do que acontece no âmbito do direito privado, onde pode ocorrer transação

preventiva ou extintiva do litígio. Nesse sentido se manifesta o insigne tributarista Paulo de

Barros Carvalho, aduzindo que: “Ao contrário do que sucede no direito civil, em que a

transação tanto previne como termina o litígio, nos quadrantes do direito tributário só se admite

a transação terminativa. Há de existir litígio para que as partes, compondo seus mútuos

interesses, transijam”. (13) Em quinto lugar, a transação tributária importa sempre a extinção do

crédito tributário. Conforme enfatiza Ricardo Lobo Torres, o requisito essencial da transação

tributária é a existência de direitos duvidosos ou relações jurídicas subjetivamente incertas,

revelando-se necessária a reciprocidade de concessões para se pôr fim à controvérsia e

consequentemente extinguir o crédito tributário. (14) Por último, tem-se que caberá a lei dizer

qual autoridade será competente para autorizar a transação tributária. Isso se faz necessário

tendo em vista que a Administração Pública deve se pautar em suas relações pelos princípios

da indisponibilidade e supremacia do interesse público. Nessa perspectiva, ilustrativas são as

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palavras de José Jayme de Macedo Oliveira ao dispor que a transação tributária é hipótese

especialíssima, tanto é assim que a lei tem que indicar a autoridade competente para firmá-la.

(15)

Em suma, pode-se dizer que a transação tributária é um dos meios existentes

para extinção do crédito tributário. Isto é, trata-se de um acordo de vontades entre as partes

envolvidas, permitido somente através de lei, no qual a Fazenda Pública credora e o devedor

realizam concessões mútuas com a finalidade de terminarem o litígio.

4 Projeto de Lei de Transação em Matéria Tributária

No dia 20 de abril de 2009, o Poder Executivo Federal enviou à Câmara dos

Deputados projeto de Lei que trata da Lei Geral de Transação Tributária, autuado sob o nº

5.082/2009.

Segundo o Governo Federal, este instrumento constituirá uma nova forma de

relação entre a administração tributária e os contribuintes, por meio de uma aplicação mais

homogênea da legislação tributária e o entendimento direto entre as partes.

Além disso, este instrumento viabilizará uma execução mais rápida, eficaz e

eficiente do crédito tributário, em cujas fases administrativa e judicial, consomem-se, em média

16 (dezesseis) anos.

Assim, a aplicação do instituto da transação em matéria tributária tem por

finalidade possibilitar a terminação de litígios e otimizar a arrecadação de tributos e

consequentemente extinguir o crédito tributário ainda na fase administrativa.

O projeto de lei de transação em matéria tributária prevê as seguintes

modalidades: (i) transação administrativa; (ii) conciliação em processo judicial; (iii) transação

judicial no caso de insolvência tributária; (iv) transação por recuperação tributária; (v) transação

por adesão; e (vi) termo de prevenção de conflitos tributários.

Aqueles que defendem a posição de perfeitamente legal e constitucional a

aplicação do instituto da transação em matéria tributária sustentam que:

a) O projeto de lei de transação tributária tem previsão autorizativa no Código

Tributário Nacional, bem como vai ao encontro do princípio constitucional a eficiência da

Administração Pública, no qual se inclui a administração tributária. (16)

b) O instituto da transação em matéria tributária propicia maior “maleabilidade”

ou confere certa discricionariedade à Administração Pública para compor ou solucionar

conflitos e possibilita maior eficácia no que pertine à satisfação do crédito tributário,

respeitando sempre o interesse público. (17)

c) A celebração da transação tributária, na esfera judicial ou extrajudicial, é

melhor do que a rigidez de uma decisão judicial, que muitas vezes não reflete a melhor técnica

tributária ou é imprecisa, ou quando vem a ser prolatada a prestação jurisdicional, não é mais

eficaz ou de difícil execução. (18)

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d) A morosidade na resolução dos litígios tributários produz graves distorções

nos mercados, sendo profundamente danoso para a livre concorrência. As sociedades

empresárias que honram pontualmente suas obrigações fiscais vêem-se, muitas vezes, na

contingência de concorrer com outras que protraem no tempo o pagamento de tributos, por

meio de discussões administrativas e judiciais meramente protelatórias. (19)

De outra parte, tem-se uma corrente contrária a aplicação do instituto da

transação em matéria tributária que é capitaneada pelo Unifisco (20). Estes sustentam que o

instituto da transação aplicada em matéria tributária ofende os princípios da supremacia e da

indisponibilidade do interesse publico, da eficiência administrativa, da segurança jurídica, da

impessoalidade e da discricionariedade.

Inclusive, houve solicitação de parecer por parte da Unifisco aos tributaristas

Hugo de Brito Machado e Hugo de Brito Machado Segundo (21) a respeito dos projetos de leis

ordinária e complementar que tratam da transação em matéria tributária. Por oportuno, segue

abaixo as perguntas e respostas fornecidas pelos paraceristas:

1ª Pergunta – A ampliação do instituto da transação em matéria tributária é

compatível com os ditames do art. 37 da Constituição Federal, especialmente com o primado

da impessoalidade?

Resposta: Não. A ampliação do instituto da transação confere à Administração

poder discricionário que lhe permitirá tratar o contribuinte em razão de circunstâncias pessoais,

o que está expressamente vedado.

2ª Pergunta – O instituto da transação tributária é compatível com a definição

legal de tributo, albergada pelo art. 3º do Código Tributário Nacional, especialmente no que

esse dispositivo estabelece que o tributo é cobrado mediante atividade administrativa

plenamente vinculada?

Resposta: Evidentemente não. Com o instituto da transação tributária, como

está nos projetos em exame neste parecer, a autoridade administrativa poderá agir com

“maleabilidade”. O Tributo deixará de ser cobrado mediante atividade administrativa

plenamente vinculada e a discricionariedade conferida à Administração Tributária, além de ser

contrária ao princípio da legalidade, dá espaço para a prática de corrupção que agride o

interesse público. Essa “maleabilidade”, ainda que não seja utilizada para a prática de

corrupção, poderá transformar o tributo em instrumento político, com a redução de ônus em

troca de apoio ao governo.

3ª Pergunta – O instituto da transação tributária ofende ao primado da

indisponibilidade do interesse público?

Resposta: Sim. O interesse público não se confunde com interesse do

governante, nem com o próprio interesse da Administração Tributária. Aliás, o mais legítimo

interesse público consiste precisamente na obediência à lei como instrumento da harmonia

social e da segurança jurídica.

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4ª Pergunta – O Projeto de Lei Complementar nº 469/09, que altera o Código

Tributário Nacional para ampliar o âmbito da transação em matéria tributária, é compatível com

os princípios constitucionais, em especial com o princípio da isonomia?

Resposta: Não. A ampliação do âmbito da transação em matéria tributária é

flagrantemente incompatível com o princípio da legalidade e na prática poderá implicar graves

lesões ao princípio da isonomia, porque a “maleabilidade” a que se referem os defensores

dessa ampliação permitirá à Administração Tributária tratar os contribuintes desigualmente, em

razão de conveniências do momento, vale dizer, transformando o tributo em verdadeiro

instrumento político.

5ª Pergunta – O Projeto de Lei nº 5.082/09, que institui a denominada Lei Geral

de Transações fere os princípios constitucionais, em especial o princípio da isonomia?

Resposta: Sim. A transação, por sua própria natureza, envolve concessões de

ambas as partes na relação jurídica obrigacional. Qualquer concessão que a Fazenda Pública

venha a fazer estará concedendo ao contribuinte em favor do qual transige, um tratamento

diferenciado, quer dizer, tratamento desigual.

Noutro giro, o Procurador da Fazenda Nacional Arnaldo Sampaio de Morais

Godoy rebate as críticas ao Projeto de Lei de Transação em Matéria Tributária aduzindo que:

(...) O acompanhamento das manifestações dos críticos do projeto pode revelar que há quatro

fantasmas quer ondam as discussões sobre o referido projeto de transação. Refiro-me,

explicitamente, à escravidão para com o passado, à falta de imaginação institucional, a uma

certa monoglossia crônica, bem como a uma cultura patologicamente macunaímica, que tem

como a idéia de que seríamos sistematicamente corruptos. (...)

A falta de imaginação institucional do alegre coro avança a ponto de que se

esqueça que transação é circunstância já prevista no Código Tributário Nacional. Refiro-me ao

art. 171, que dispõe que a lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e

passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, implique

em término do litígio e consequente extinção do crédito tributário. É dessa lei que o projeto

trata. Como diria Gilberto Amado, é difícil achar um brasileiro capaz de ligar causa e efeito. É

essa falta de imaginação institucional que nos mantém prisioneiros de um custo de

aquiescência que consome energias empresariais, que Roberto Campos diria gastas na

engenharia da evasão. A transação tributária poderia acenar com a possibilidade de que

discussões entre fisco e contribuinte fossem estancadas na própria administração. Poderia se

evitar a judicialização. Poderia haver um maior diálogo entre o fisco e o contribuinte. Dessa

angústia já compartilhava Rubens Gomes de Sousa, que em carta a Aliomar Baleeiro, datada

de 25 de setembro de 1944, já colocava a sobrecarga do judiciário na ordem do dia. A adeão

principiológica do modelo de transação à veracidade, lealdade, boa-fé, confiança, colaboração

e celeridade é fundamento pragmático que formata um escudo que nos defende contra aqueles

para quem princípios são guarda-roupas nos quais cabem todas as fantasias.

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A transação, em princípio, repele qualquer negociação do montante do tributo

devido. Bem entendido, a transação poderá dispor somente sobre multas, de mora e de ofício,

juros de mora, encargos de sucumbência e demais encargos de natureza pecuniária, bem

como valores oferecidos em garantia. A transação é modelo conhecido na Espanha

(reclamaciones economico-administrativas), na Itália (accertamento con adesione, que substitui

o concordato tributario), na Alemanha, onde a Tatsächliche Verständigung suscita acordo sobre

os fatos. Nos Estados Unidos da América há os acordos conclusivos (close agreements) e as

promessas de compromisso (offerts in compromise). Como observou José Casalta Nabais, “(...)

os países mais progressivos, com o estado de direito estabilizado há centenas ou várias

dezenas de anos, solucionam a maior parte dos litígios, incluindo os que surgem no agitado

domínio do direito dos impostos, em sede administrativa (lato sensu)”.

O projeto de transação ameaçaria eventual e imaginário advogado de plantão

que poderia ganhar a vida na exploração da miríade de alternativas que a litigância oferece.

Reporto-me ao filoxera social, na deliciosa imagem de Monteiro Lobato. O projeto de

transação, no entanto, quebra o tédio das discussões analíticas, entoadas por oradores que se

disfarçam de lógicos, e que esquecem que o direito é menos lógica do que experiência, e que

vivem no frustrante debate entre os limites da lei complementar e da lei ordinária. Faz

exatamente 20 anos que não passam disso. É hora de mudar. O projeto de transação inova,

avança, desafia, instiga. É talvez por isso que assusta. E é justamente por isso que revela

nossos medos, angústias e fraquezas. E que nos torna tão agressivos em momento que exige

esforço único para o fortalecimento das instituições democráticas, centradas no diálogo e na

confiança. (22)

Em suma, a possibilidade de aplicação do instituto da transação em matéria

tributária vem trazendo debates acalorados, e isso é bom, haja vista que aprimora o projeto de

lei ou em caso extremo pode resultar em sua rejeição. Inobstante, registre-se que o próprio fato

de desafogamento do Poder Judiciário já justificaria os estudos a respeito da aplicação do

instituto da transação em matéria tributária. Cabe Lembrar que justiça tardia não passa de

“arrematada injustiça”, nas palavras de Ruy Barbosa.

5 A Transação Tributária e os Princípios Constitucionais

Nesse momento cumpre analisar o projeto de Lei Geral de Transação

Tributária em face dos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e

eficiência previstos expressamente no art. 37 da Constituição Federal e aplicados à

Administração Tributária.

5.1 Princípio da Legalidade

O princípio da legalidade prevê que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de

fazer alguma coisa senão em virtude de lei, sendo a expressão máxima do Estado Democrático

de Direito, bem como garantia de que a sociedade não está presa à vontade particular

daqueles que a governam, mas somente das leis.

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Sob tal enfoque, Hely Lopes Meirelles assevera que: “Na Administração Pública não há

liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo o que

a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza”. (23)

O administrador público é mero executor da Lei. Esta é ato normativo genérico,

impessoal, abstrato, e o administrador a transforma em atos administrativos concretos,

materiais.

Nesse sentido, o art. 171 do Código Tributário Nacional estabelece que: “A lei

pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação

tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de

litígio e conseqüentemente extinção do crédito tributário”.

Assim, num primeiro momento não presenciamos qualquer ofensa ao princípio

constitucional da legalidade pelo fato da aplicação do instituto da transação em matéria

tributária, haja vista que, o projeto de lei pretende dar efetividade ao que está previsto no art.

171 do CTN.

5.2 Princípio da Impessoalidade

O princípio da impessoalidade possui duas conotações, quais sejam: a primeira

que decorre do princípio a igualdade ou isonomia; e o a segunda que decorre da própria

atuação da Administração Pública.

Numa primeira leitura deste princípio, requer-se que no desempenho das

funções públicas o tratamento seja indistinto entre todos os administrados. Noutro giro, a

segunda leitura do princípio da impessoalidade assevera que não é a pessoa do administrador

que atua, mas sim o próprio Estado.

Nesse viés, o princípio da impessoalidade visa à neutralidade e a objetividade

das atividades administrativas no regime político, que tem como objetivo principal o interesse

público. Este princípio traz consigo a ausência de marcas pessoais e particulares

correspondentes ao administrador que esteja no exercício da atividade administrativa.

A pessoa política é o Estado, e as pessoas que compõem a Administração

Pública exercem suas atividades voltadas ao interesse público e não pessoal. O princípio da

impessoalidade proíbe o subjetivismo.

Celso Antônio Bandeira de Mello discorre sobre o princípio da impessoalidade

nos seguintes termos:

Nele se traduz a idéia de que Administração tem que tratar a todos os

administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem

perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não

podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou

grupos de qualquer espécie. O Princípio em causa não é senão o próprio princípio da

igualdade ou isonomia. (24)

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Portanto, conclui-se que na aplicação do instituto da transação em matéria

tributária deve o administrador público estrita obediência ao princípio constitucional da

impessoalidade.

5.3 Princípio da Moralidade Administrativa

O princípio da moralidade assevera que o administrador público tem que ter um

comportamento ético e jurídico adequado. Este princípio esta associado à honestidade. Veda

condutas eticamente inaceitáveis e transgressoras do senso moral da sociedade, a ponto de

não comportarem condescendência.

A moralidade administrativa abrange padrões objetivos de condutas exigíveis

do administrador público, independentemente, da legalidade e das efetivas intenções dos

agentes públicos.

Neste sentido, cabe trazer à baila decisão do Supremo Tribunal Federal

proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 2.661, conforme transcrição abaixo:

A atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência,

está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético jurídicos que se refletem

na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa. Esse postulado

fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma

pauta de valores éticos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado. O princípio

constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal,

legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam os valores

éticos que devem pautar o comportamento dos agentes e órgãos governamentais. (25)

Assim, a moralidade administrativa compreende o tipo de comportamento que

os administrados esperam da administração pública para a consecução de fins de interesse

coletivo, segundo uma comunidade moral de valores.

Conclui-se que a moralidade, sendo princípio constitucional, envolve juízo tanto

de legalidade formal quanto de legitimidade formulado com base na tábua de valores

socialmente vigentes, ao que deve estar atento o agente administrativo no exercício de sua

atividade, inclusive, os agentes públicos responsáveis pela aplicação do instituto da transação

em matéria tributária.

5.4 Princípio da Eficiência Administrativa

O princípio da eficiência estabelece que toda ação administrativa tem que ser

de bom atendimento, rapidez, urbanidade, segurança, transparente, neutro e sem burocracia,

sempre visando a qualidade. O contribuinte, que paga a conta da Administração Pública, tem o

direito de que essa administração seja eficiente, ou seja, tem o direito de exigir um retorno

equivalente ao que pagou, sob a forma de tributos.

A Administração Pública deve atender o cidadão na exata medida de sua

necessidade, com agilidade, mediante adequada organização interna e ótimo aproveitamento

dos recursos disponíveis, evitando desperdícios e garantindo uma maior rentabilidade social.

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Conforme lição lapidar de Kildare Gonçalves Carvalho:

O princípio da eficiência foi introduzido pela Emenda Constitucional n° 19/ 98.

Relacionasse com as normas da boa administração no sentido de que a Administração Pública,

em todos os seus setores, deve concretizar suas atividades com vistas a extrair o maior

número possível de efeitos positivos ao administrado, sopesando a relação custo benefício,

buscando a excelência de recursos, enfim, dotando de maior eficácia possível as ações do

Estado. (26)

Consoante a lição da irreparável professora Maria Sylvia Di Pietro, o princípio

da eficiência apresenta dupla necessidade: 1. Relativamente à forma de atuação do agente

público, esperasse o melhor desempenho possível de suas atribuições, a fim de obter os

melhores resultados? 2. Quanto ao modo de organizar, estruturar e disciplinar a Administração

Pública, exigisse que este seja o mais racional possível, no intuito de alcançar melhores

resultados na prestação dos serviços públicos. (27)

Enfim, o princípio da eficiência tem o condão de informar a Administração

Pública, visando aperfeiçoar os serviços e as atividades prestados, buscando otimizar os

resultados e atender o interesse público com maiores índices de adequação, eficácia e

satisfação.

5.5 Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público

Outro princípio de suma importância é o princípio da indisponibilidade dos

interesses públicos pela Administração. Nesse sentido, a indisponibilidade dos interesses

públicos significa que sendo interesses próprios da coletividade, não se encontram à livre

disposição de quem quer que seja, nem mesmo da própria Administração Pública ou de seus

dirigentes máximos. Trata-se de interesses em relação aos quais incumbe apenas curá-los, no

sentido de cuidar de tais interesses.

Este princípio afirma que o administrador não pode dispor livremente do

interesse público, pois não representa seus próprios interesses quando atua, devendo assim

agir segundo os estritos limites impostos pela lei. O Administrador é mero gestor da coisa

pública, não tem disponibilidade sobre os interesses confiados à sua guarda e realização.

Nesta perspectiva, cumpre-nos citar a lição do mestre Celso Antônio Bandeira

de Mello, o qual entende que:

A indisponibilidade dos interesses públicos significa que, sendo interesses

qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público -, não se encontram à

livre disposição de quem quer que seja por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que

os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-

los – o que é também um dever – na estrita conformidade do que predispuser a intentio legis .

(28)

A aplicação deste princípio traz algumas consequências para Administração

Pública, quais sejam: (i) poderes administrativos (segundo Celso Antônio Bandeira de Mello

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trata-se de um dever-poder); (ii) impossibilidade de renunciar competências atribuídas por lei; e

(iii) inalienabilidade dos direitos concernentes a interesses públicos.

Via de regra, os interesses públicos e os direitos a eles associados são

indisponíveis, de forma que, em geral, não podem ser submetidos à transação. Para que um

interesse público venha a tornar-se disponível é necessária uma manifestação legal neste

sentido, sendo que apenas os interesses públicos secundários (ou derivados) poderão ser

considerados disponíveis. Destacamos, a respeito, o comentário de Diogo de Figueiredo

Moreira Neto:

A indisponibilidade absoluta é a regra, pois os interesses públicos, referidos à

sociedade como um todo, não podem ser negociados senão pelas vias políticas de estrita

previsão constitucional. A indisponibilidade relativa é a exceção, recaindo sobre interesses

públicos derivados, referidos às pessoas jurídicas que os administram e que, por esse motivo,

necessitam de autorização constitucional genérica e, por vezes de autorização legal.

Em outros termos e mais sinteticamente: está-se diante de duas categorias de

interesses públicos, os primários e os secundários (ou derivados), sendo que os primeiros são

indisponíveis e o regime público é indispensável, ao passo que os segundos têm natureza

instrumental, existindo para que os primeiros sejam satisfeitos e resolvem-se em relações

patrimoniais e, por isso, tornaram-se disponíveis na forma da lei, não importando sob que

regime.”

De acordo com a “teoria dos fins” ou “teoria da finalidade pública”,

determinadas atividades da Administração visam à consecução de finalidades primárias do

Estado, enquanto outras atividades são meramente instrumentais para a consecução de

referidas finalidades. Essa teoria fundamenta-se, ainda, na distinção entre “atos de império” e

“atos de gestão”. Segundo o saudoso Hely Lopes Meirelles, os atos de império são aqueles

praticados pela Administração com supremacia sobre as demais partes envolvidas, sendo que

no caso dos atos de gestão a Administração está no mesmo patamar das outras partes.

Os atos de império visam à consecução de finalidades primárias do Estado e,

conseqüentemente, os direitos da Administração a eles relacionados são absolutamente

indisponíveis. Os direitos da Administração decorrentes ou relacionados a atos de gestão, por

sua vez, são relativamente indisponíveis e, portanto, podem se tornar disponíveis via

autorização legal.

É razoável considerar que a autorização legal específica contida no projeto de

lei de transação tributária que disciplinará a aplicação do instituto da transação em matéria

tributária supre a exigência de previsão legal afastando a presunção geral de indisponibilidade

dos interesses da Administração Pública.

6 Considerações Finais

Face ao exposto, podemos concluir que a aplicação do instituto da transação

em matéria tributária consiste em um acordo envolvendo a Fazenda Pública e o contribuinte,

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que tem por objetivo por fim ao litígio, extinguindo o crédito tributário, nos estritos termos em

que ficar definido em lei.

A efetiva utilização da transação em matéria tributária poderá trazer muitos

efeitos positivos para sociedade em geral. A saber: (i) aliviar a sobrecarga a que vem sendo

submetido o Poder Judiciário; (ii) diminuição na procura pelas instâncias administrativas de

julgamento; (iii) diminuição da litigiosidade na aplicação da legislação tributária; (iv) favorecer

uma maior eficiência na arrecadação dos tributos; e (v) aumentar o cumprimento voluntário das

obrigações tributárias.

Todavia, na aplicação do instituto da transação em matéria tributária devem ser

obrigatoriamente observados e cumpridos os princípios constitucionais da Legalidade, da

Impessoalidade, da Moralidade, da Eficiência e da Indisponibilidade do Interesse Público.

Enfim, a aplicação do instituto jurídico da transação, que tem por fundamento o

princípio constitucional implícito da praticabilidade na tributação, permitirá uma atuação mais

transparente, célere e eficiente da Administração Tributária. Decerto que o referido instituto não

se revela como um remédio para todos os males, mas apenas mais uma possibilidade a ser

considerada, devendo se aplicada com cautela e sob os ditames legais e constitucionais.

7 Referências

BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro . 10. ed. Rio de Janeiro:

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transação tributária, nas hipóteses que especifica, altera a legislação tributária e da outras

providências. Publicado no Diário da Câmara dos Deputados de 25 abr. 2009. Disponível em: <

http://www.camara.gov.br/sileg/integras/648733.pdf>. Acesso em: 27 set. 2009.

______. Câmara dos Deputados. Projeto de lei complementar nº 469/2009 .

Altera e acrescenta dispositivos à Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário

Nacional. Publicado no Diário da Câmara dos Deputados de 25 abr. 2009. Disponível em: <

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Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios.

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______. Lei nº 6.830, de 22 de setembro de . Dispõe sobre a cobrança judicial

da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República

Federativa do Brasil , Poder Executivo, Brasília, DF, 24 set. 1980. Disponível em: <

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Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869.htm>. Acesso em: 27 set.

2009.

______. Ministério da Fazenda. Exposição de motivos nº 78, de 21 de maio

de 2008 . Submete, em anexo, o anteprojeto de lei da Lei Geral de Transação em Matéria

Tributária ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República.

______. Supremo Tribunal Federal. ADI 2.661, Rel. Min. Celso de Mello,

julgamento em 05/06/2002, publicado no DJ de 23/08/2002. Disponível em: . Acesso em: 25

out. 2009.

______. Poder Executivo. Exposição de motivos interministerial nº

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OLIVEIRA, José Jayme de Macedo. Código tributário Nacional : comentários,

doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1998.

Notas:

(1) MACHADO, Hugo de Brito. A transação no direito tributário. Revista

Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 75, p. 60, dez. 2001.

(2) BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado.

10 ed. Rio de Janeiro: Editora Paulo de Azevedo Ltda., 1955, v. 4. p. 144.

(3) Nesse sentido, Clóvis Beviláqua asseverava que: “Para o Código Civil, a

transação não é, propriamente, um contrato. Ainda que a lição da maioria dos Códigos seja em

sentido contrário, o certo é que o momento preponderante da transação é o extintivo da

obrigação”. Ibidem, p. 144.

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(4) Conforme Carlos Alberto Dabus Maluf, o Código Civil Francês, Italiano,

Espanhol, Português e Alemão tipificam a transação como sendo um contrato. MALUF, Carlos

Alberto Dabus. A transação no direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 23.

(5) MIRANDA, Pontes. Tratado de direito privado. 3. ed. São Paulo: RT, 1971.

v. 25. p. 117.

(6) MENDONÇA, Manoel Ignácio Carvalho de. Doutrina e prática: das

obrigações ou tratado geral dos direitos de crédito. Curityba: Typ. e Lith. a vapor Imp.

Paranaense, 1908. p. 463.

(7) Nesse sentido se manifesta Clóvis Beviláqua, ao esclarecer que: “Não é

lícito transigir sobre questões relativas ao estado das pessoas, legitimidade do matrimônio,

pátrio poder, relações pessoais entre os cônjuges, filiação. As vantagens, porém, oriundas

dessas relações, desde que sejam de ordem patrimonial, pode ser objeto de transação”.

BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. 10 ed. Rio de

Janeiro: Editora Paulo de Azevedo Ltda., 1955, v. 4. p. 153.

(8) NASCIMENTO, Carlos Valder do. Comentários ao código tributário

nacional. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

(9) ACORDO CELEBRADO ENTRE AS PARTES. AUSÊNCIA DE LEI

MUNICIPAL DISCIPLINADORA DO INSTITUTO DA TRANSAÇÃO NA ESFERA

JURISDICIONAL DO MUNICÍPIO. INVALIDADE. A OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA, PELA

NATUREZA, CONSTITUI BEM INDISPONÍVEL POR PARTE DOS AGENTES

ADMINISTRATIVOS E POLÍTICOS, NÃO PODENDO, POR ISSO, NA AUSÊNCIA DE LEI

MUNICIPAL DE CARÁTER GERAL OU ESPECÍFICO, SER OBJETO DE TRANSAÇÃO E,

BEM ASSIM, OS ÔNUS DECORRENTES DA SUCUMBÊNCIA, COM BASE EM DECISÃO

TRANSITADA EM JULGADO. (TARS. 1ª Câmara Cível. Unânime. Apelação Cível nº

194019311. Rel. Juiz SALVADOR HORÁCIO VIZZOTTO. Em 31.05.94)

(10) CASTRO, Aldemiro Araujo. N O T A PGFN/PFN-AL/Nº 02/97-AAC.

Disponível em: < http://www.aldemario.adv.br/artigo1.htm>. Acesso em: 27 set. 2009.

(11) CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004. p. 461.

(12) BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1986. p. 575.

(13) CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004. p. 461-462.

(14) TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12. ed.

Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 298

(15) OLIVEIRA, José Jayme de Macedo. Código tributário Nacional:

comentários, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 486.

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(16) MARTINS FILHO, Luiz Dias; ADAMS, Luis Inácio Lucena. A transação no

Código Tributário Nacional (CTN) e as novas propostas de lei autorizativa. In: SARAIVA FILHO,

Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. Transação e arbitragem no âmbito

tributário. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 23.

(17) Ibidem, p. 28.

18) Ibidem, p. 28.

(19) Ibidem, p. 37.

(20) Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal.

(21) MACHADO, Hugo de Brito; MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito.

Transação em matéria tributária. Limites. Inconstitucionalidades. Fortaleza, 20 ago. 2009.

Disponível em:< www.sindifisconacional.org.br/mod_download.php?id>. Acesso em: 27 set.

2009.

(22) GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. A transação tributária e seus

descontentes. Valor Econômico, 08 out. 2008. Disponível em: <

http://www3.pgfn.gov.br/assesssoria-de-comunicacao/Entrevistas/a-transacao tributaria-e-seus-

descontentes/>. Acesso em: 27 set. 2009.

(23) MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São

Paulo: Malheiros, 2000. p. 82.

(24) MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26.

ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 100.

(25) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 2.661, Rel. Min. Celso de Mello,

julgamento em 05/06/2002, publicado no DJ de 23/08/2002. Disponível em: . Acesso em: 25

out. 2009.

(26) CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional didático. 8. ed. Belo

Horizonte: Del Rey, 2002. p 303.

(27) DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 10. ed. São Paulo:

Atlas, 1998. p. 73-74.

(28) MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26.

ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 45.

Texto confeccionado por (1)Cidinei Bogo Chatt

Atuações e qualificações (1)Procurador da Fazenda Nacional. Mestrando da

Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URI.

Bibliografia:

CHATT, Cidinei Bogo. A Transação como Forma Alternativa de Solução de

Conflito em Matéria Tributária. Universo Jurídico, Juiz de Fora, ano XI, 03 de set. de 2010.

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http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/7149/a_transacao_como_forma_alternativ

a_de_solucao_de_conflito_em_materia_tributaria

ARTIGO 22

REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008

A COMPENSAÇÃO DE PRECATÓRIOS JUDICIAIS COM CRÉDITOS

TRIBUTÁRIOS

A COMPENSAÇÃO DE PRECATÓRIOSJUDICIAIS COM CRÉDITOS

TRIBUTÁRIOS

Manoelle Brasil Soldati Simionato1

Resumo: O presente artigo tem por objetivo o estudo dos precatórios judiciais

enquanto objeto de compensação de dívidas tributárias. Feita breve análise histórica da

evolução dos precatórios nas Constituições brasileiras, busca mostrar a razão maior de sua

instituição no sistema jurídico nacional, qual seja, a indisponibilidade e impenhorabilidade dos

bens públicos, bem como, a inegável cultura de inadimplemento formada pelos responsáveis

por seu pagamento.

Com o advento da Emenda Constitucional n°30 de 2000, introduzido na ordem

constitucional nova regra para cumprimento dos precatórios não pagos, o entendimento dos

tribunais brasileiros passa por uma guinada jurisprudencial, admitindo o uso dos precatórios

como forma de garantia em execuções fiscais, bem como, de sua compensação com eventuais

débitos tributários existentes com o mesmo ente político parte daquele processo.

Palavras-chave: Precatórios judiciais. Penhora. Compensação. Créditos

tributários. Planejamento tributário.

1 Aluna da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina –

ESMESC. Mestre em Ciências Jurídico-Empresariais pela Universidade de Lisboa. Pós-

Graduanda em Direito Processual Tributário pela Unisul – SC. E-mail:

[email protected]. MANOELLE BRASIL SOLDATI SIMIONATO

Abstract: *is article aims to study the object of order of payment court as

compensation for tax debts. Made brief historical analysis of changes in the constitutions of

order of payment Brazilian, seeks to show the biggest reason for their institution in the national

legal system, which is the unavailability of public goods and the undeniable culture of default

made by those responsible for its payment . With the advent of Constitutional Amendment No

30 of 2000, introduced the constitutional order to meet the new rule of orders of payment

unpaid, the understanding of the Brazilian courts through a legal shift, allowing the use of order

of payment by way of security in fiscal executions, and as of their compensation with any

existing tax rates with the same political party ly that process.

Keywords: Order of payment proceedings. Attachment. Compensation. Tax

credits. Tax planning.

1. INTRODUÇÃO

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Os precatórios judiciais, instituídos há algumas décadas no ordenamento

jurídico brasileiro, justificam sua razão de existir em nome do privilégio garantido ao Poder

Público de não ter seus bens alienados ou penhorados. Assim, toda dívida pública, ao contrário

do que acontece com o cidadão comum, ao invés de submeter-se a um processo executivo

com ordem de penhora, fica salvaguardada pela previsibilidade orçamentária de pagamento

parcelado.

Em uma conceituação mais técnica, o precatório é uma requisição de

pagamento feita pelo Pode Judiciário Estadual e Federal – por intermédio do Presidente do

Tribunal de Justiça dos Estados, em demandas contra Fazenda Pública Estadual ou suas

autarquias, dos Presidentes dos Tribunais Regionais Federais, quando se tratar de processos

judiciais que tramitaram em desfavor da Fazenda Pública Federal ou suas autarquias, e pelos

Presidentes dos Tribunais Regionais do Trabalho, quando a demanda tratar das normas e

disposições contidas na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT – sempre formados a

pedido do contribuinte/exeqüente, vencedor da ação judicial e após o seu transito em julgado.

Assim, o montante estipulado na condenação judicial deverá ser requisitado e

provisionado no orçamento anual dos referidos entes até 1° de julho de cada exercício, para

que o pagamento atualizado ocorra até o final do exercício, seguinte, conforme determina o

artigo 100 da Constituição Federal.

Diante da drástica realidade apresentada pela Administração Pública no

cumprimento dos precatórios, a qual deixando muito a desejar não honra com o cumprimento

das determinações judiciais, o legislador brasileiro, prestigiando um maior prazo para que o

Estado pudesse cumprir suas obrigações, edita a Emenda da Constituição n° 30 de 2000.

Alterando a dicção normativa do artigo 100 da Constituição Federal e

acrescendo o artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a Emenda altera

substancialmente a normatização que disciplina o pagamento de dividas públicas

exteriorizadas em precatórios.

Com efeito, previu o artigo 78 da referida Emenda que os precatórios ainda

pendentes de pagamento e relacionados às demandas ajuizadas até 31 de dezembro de 1999

seriam liquidados por meio de prestações anuais, iguais e sucessivas no prazo máximo de dez

anos, admitida sua cessão.

Destarte, é diante de um possível acertamento de contas entre a Fazenda

Pública, então devedora de precatórios, e os contribuintes, devedores de tributos, que repousa

o instituto da compensação, previsto legalmente como forma de extinção do credito tributário.

A pacificação jurisprudencial na utilização dos precatórios para quitação de

dívidas fiscais, mediante compensação coloca o precatório em evidência e discussão

doutrinária e jurisprudencial, buscando, enfim, a segurança jurídica que faltava.

Com a entrada em vigor da norma constitucional, a polêmica passa a girar em

torno de necessidade de lei regulamentadora do tema, em nível estadual, que efetivamente

autorize a compensação de dividas tributárias, diante da norma consagrada no artigo 170 do

Código Tributário Nacional que prescreve que a compensação de créditos tributários com

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créditos líquidos e certos, contra a Fazenda Pública, regular-se-á pelas condições e garantias

que a autoridade administrativa estipular. A discussão, no entanto, perde força quando a

jurisprudência começa a solidificar-se no entendimento da autoaplicabilidade da norma

constitucional, isto é, prescindível a necessidade de nova norma que venha a regular a matéria.

A jurisprudência de nossos tribunais superiores era consolidada em uma

posição contrária à compensação de tributos, mas a partir de 2004 o Superior Tribunal de

Justiça fixa seu entendimento a favor do uso dos precatórios vencidos como garantia em ações

judiciais de execuções tributárias, abrindo as portas para os contribuintes arquitetarem

operações de planejamento tributário, visando sobretudo, a diminuição da tão pesada e mal

falada carga tributária brasileira, que há muito saiu do seu reduto, antes restrito aos escritórios

de advocacia e contabilidade para ocupar grande espaço de discussão entre todas as classes

sociais do país.

Em nome do poder liberatório para pagamento de tributos atribuído aos

precatórios não pagos, e da aceitação jurisprudencial destes em serem oferecidos em garantia

às execuções fiscais, para futuro objeto de penhora pelo Estado, os precatórios passam a

representar uma verdadeira moeda de mercado. O precatório é um dos ativos fiscais mais

negociados hodiernamente, particularmente entre pessoas jurídicas, empresas que buscam,

mediante um planejamento tributário, diminuir sua carga tributária, os precatórios passam a ser

objeto de cessão de direitos, negociados no mercado com deságio de quase 70%. Uma

alternativa que representa ao titular do precatório (cedente; vendedor do precatório), a

possibilidade de ter, ao menos, parte de sua decisão judicial efetivada, e de outro, ao

cessionário (comprador do precatório) uma nova alternativa de estruturação e reorganização

de sua empresa. Não obstante infindáveis previsões constitucionais e infraconstitucionais,

regularem a aplicação de sanções aos Governos que não cumprem a ordem judicial de

pagamento dos precatórios, os próprios tribunais nacionais acabaram esvaziando o teor

intimidatório do instituto, como a previsão de intervenção federal, a responsabilização política e

pessoal dos próprios Governantes, seqüestro de verbas, entendendo serem de uso

estritamente excepcional. È diante dessa falta de segurança jurídica e da ausência de coerção

das decisões judiciais proferidas, que a Suprema Corte do país, em recente e histórica decisão

monocrática do Ministro Eros Grau demonstra ter pacificado a polêmica dos impagáveis

precatórios.

2. PRECATÓRIO JUDICIAL: CONCEITO E EVOLUÇÃO

HISTÓRICA

O precatório é uma ordem de pagamento, resultante de uma condenação

judicial transitada em julgado, contra a Fazenda Pública (nas três esferas – Federal, Estadual e

Municipal), feita pelo Presidente do Tribunal (Tribunal de Justiça, Tribunal Regional Federal ou

Tribunal Regional do Trabalho).

O Presidente do Tribunal, ao requisitar o pagamento, expede o competente

precatório e entrega-o ao ente político devedor para que este o inclua na ordem cronológica de

pagamento. Esta inclusão em ordem cronológica busca respeitar o principio da moralidade

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administrativa, através do qual se proíbe a designação de casos ou pessoas nas dotações

orçamentárias, conforme preceituado pelo artigo 100 da Constituição Federal.

Mas nem sempre foi assim. Segundo os ensinamentos de José Augusto

Delgado (2003, p.121), “nas ordenações Manuelinas e Filipinas a execução contra Fazenda

Pública se processava da mesma forma contra qualquer pessoa, inclusive com penhora”.

Conforme estudos de Américo Luiz Martina da Silva (1998, p.36), só em 1851 é

que se começou a vedar a penhora sobre bens da Fazenda Publica, quando o Directório do

Juízo Fiscal e dos Feitos da Fazenda Pública editou instrução, instituindo em seu artigo 14, a

impenhorabilidade dos bens da Fazenda Pública Nacional. Logo em seguida (1863 e 1865),

passou-se a prescrever a impenhorabilidade dos bens provinciais e municipais.

A Constituição Federal de 1934 foi a primeira a conferir status constitucional ao

precatório, no entanto, o texto da Carta cuidava apenas das dívidas da Fazenda Pública

Nacional, dando liberdade aos Estados e Municípios para regulamentar o modo como fariam

seus pagamentos referentes às dívidas sobrevindas de sentenças judiciais2.

A redação trazida pela Constituição seguinte, de 1937, concedeu idêntico

tratamento ao instituto, inovando apenas na previsão de necessidade de inserir no orçamento a

quantia suficiente para satisfação dos débitos da Fazenda Nacional. A Constituição de 1946

estendeu o alcance constitucional dos precatórios às três esferas do Poder Público (agora

também estadual e municipal).

Só com a Constituição de 1967 (e a EC de 1969) é que se fortaleceu a

sistemática dos precatórios, prevendo a inserção de verba obrigatória no orçamento;

transmitindo-se ao Presidente do Tribunal a competência para sua expedição, bem como, que

seu descumprimento ensejaria crime de responsabilidade. Por fim, a atual Constituição Cidadã,

em seu artigo 100 caput, ao disciplinar o pagamentos dos precatórios, dispensa tratamento

2 Art 182 - Os pagamentos devidos pela Fazenda federal, em virtude de

sentença judiciária, far-se-ão na ordem de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos

respectivos, sendo vedada a designação de caso ou pessoas nas verbas legais. Parágrafo

único – Estes créditos serão consignados pelo Poder Executivo ao Poder Judiciário,

recolhendo-se as importâncias ao cofre dos depósitos públicos. Cabe ao Presidente da Corte

Suprema expedir as ordens de pagamento, dentro das forças do depósito, e, a requerimento do

credor que alegar preterição da sua precedência, autorizar o seqüestro da quantia necessária

para o satisfazer, depois de ouvido o Procurador- Geral da República. privilegiado aos créditos

de natureza alimentícia e determina o respeitoà ordem cronológica e atualização monetária dos

valores: Art.100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela

Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão

exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos

respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos

créditos adicionais abertos para este fim.

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Aqueles precatórios que forem entregues dentro do chamado “período

requisitorial”3, terão obrigatoriamente seus valores incluídos na Lei Orçamentária Anual do ano

seguinte, para que seja feito seu pagamento, atualizado, até o final daquele exercício.

Nesse sentido, partindo-se do ponto de que as despesas fixadas, ou seja,

aquelas decorrentes de condenações judiciais devem se ajustar com as receitas estimadas

para o exercício seguinte, o não pagamento dos precatórios resulta de qualquer outra razão,

que não a falta de verbas para tanto.

Vale ainda lembrar, que a Fazenda Pública, enquanto parte processual, goza

de uma gama de privilégios, tais como: fixação diferenciada de honorários advocatícios em

casos de sucumbência, dispensa do adiantamento de despesas dos atos processuais,

eventualmente requeridos, pagos ao final pelo vencido, prazo em quádruplo para contestar e

em dobro para recorrer, dispensa de depósito prévio para ajuizamento de ação rescisória, entre

outros. No entanto, nem todas as prerrogativas que lhe cabem são suficientes para incentivar o

Estado a cumprir suas obrigações, quando se fala em pagamento dos precatórios.

3 Até o dia 1° de Julho de cada ano. A justificativa da escolha desta data

repousa no próprio sistema orçamentário, vez que o artigo 35, §2°, III da ADCT, prevê que o

projeto de lei orçamentária será encaminhado pelo Poder Executivo, ao Legislativo, até quatro

meses antes do encerramento do exercício. Assim, entendeu o Constituinte que o interregno

de dois meses – entre 1° de julho e 31 de agosto – seria suficiente para que o Executivo

ajustasse seu projeto de orçamento de modo a suportar o pagamento dos precatórios

apresentados.

2.1 Emenda Constitucional n° 30 de 13 de setembro de 2000

É exatamente neste momento histórico, como resultado de uma cultura de

descumprimento de decisões judiciais e buscando reorganizar o verdadeiro calote generalizado

do Estado, que se editou a Emenda Constitucional n° 30, de 13 de setembro de 2000, trazendo

nova redação ao artigo 100 da Constituição Federal e acréscimo ao artigo 78 do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).

O artigo 2° da emenda decretou nova moratória para pagamento dos

precatórios pendentes na data de sua publicação, para pagamento em até dez parcelas anuais,

iguais e sucessivas, ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor e os de

natureza alimentícia. Esse mesmo dispositivo ainda permitiu a cessão de créditos

representados por estes precatórios4.

Mais que isso, o §2° acrescido ao artigo 78, buscando conferir efetividade ao

pagamento das parcelas, prevê que estas, se não liquidadas até o final do exercício a que se

referem, terão poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora.

No entanto, nem o considerável alongamento do prazo de liquidação dos

precatórios foi suficiente para as entidades estatais cumprirem com seus pagamentos. Se é

verdade que por um lado a Emenda admitiu o parcelamento da dívida em dez anos, por outro,

não é menos verdadeiro que buscou-se garantir que as parcelas devidas fossem pagas no seu

vencimento, ao atribuir ao precatório devido, e não pago, sua utilização para pagamento de

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débitos fiscais. Nesse sentido insurgiu-se a doutrina alegando que o dispositivo trazido pela EC

n° 30 seria inconstitucional em face da cláusula pétrea do artigo 60 §4, IV da Constituição

Federal que proíbe ser

4 Ressalta-se aqui que já havia sido instituída uma moratória para pagamento

dos precatórios judiciais, pelo artigo 33 da ADCT, facultando aos entes políticos devedores o

pagamento em até oito parcelas anuais iguais e sucessivas. Mas esta solução não resolveu e

poucos foram os precatórios que vieram a ser liquidados integralmente, razão pela qual, o

Congresso Nacional concedeu nova moratória com a EC 30/00

objeto de deliberação das propostas de emenda tendentes a abolir os “direitos e garantias

fundamentais”. Sustentam estes doutrinadores que ao estabelecer uma nova forma de

pagamento dos débitos judiciais, modificando o que fora determinado nas sentenças judiciais, o

artigo 78 da ADCT estaria violando frontalmente o inciso XXXVI do artigo 5° da Constituição

que garante: “A lei não prejudicará o direito, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Todavia, a tese é contestada por renomados constitucionalistas que entendem

que a norma contida no referido inciso limita o arbítrio do Poder Legislativo, pois a lei ordinária,

como as demais formas inferiores, não poderá ser aplicada a projeções de fatos anteriores.

Nada, entretanto, impede que o próprio constituinte ao fazer a Constituição, ou

ao emendá-la determine expressamente que um preceito novo aplica-se a projeções de fatos

anteriores, pois a limitação trazida pela Constituição, não se aplica a ele. Nesse sentido

Hugo de Brito Machado (1995,p.19): (...) Essa garantia constitucional é uma

limitação de poderes do legislativo ordinário. O legislador dotado de poder constituinte, mesmo

que apenas reformador ou derivado, a ela não está submetido. (...) A nível constitucional,

portanto, a proteção se dirige contra o legislador, que não poderá modificar situações de fato

consolidadas pelos efeitos da coisa julgada.

Militam igualmente nesse sentido, doutrina e jurisprudência formadas á luz das

Constituições anteriores, na qual a garantia constitucional era assegurada nos mesmos termos

que a atual. Nesse sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Federal, relatado pelo Ministro

Moreira Alves5, o qual assenta que não há direito adquirido resultante do Poder Constituinte

Originário ou Derivado. As normas constitucionais se aplicam de imediato sem que se possa

invoca contra elas a figura do direito adquirido.

5 Recurso Extraordinário 94.414-1/SP, publicado no Diário da Justiça de

19.04.85.

À luz desses entendimentos, o artigo 78 da ADCT, introduzido pela EC n° 30,

ao estabelecer a moratória sobre precatórios judiciários pendentes de pagamento, mesmo

afetando a coisa julgada, não violou a cláusula pétrea da nossa Constituição. Não houve,

assim, abuso do poder constituinte reformador.

Oportuno, por fim, esclarecer que por poder liberatório entende- se a liberação

do pagamento da obrigação, decorrendo que o titular do precatório (credor do Estado) fica

liberado do pagamento de dívidas com o ente federativo de que é credor, até o limite do seu

crédito. Este poder liberatório que se agregou aos precatórios não pagos no prazo, representou

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uma forma de pagamento de tributos devidos aos entes federativos (federais, estaduais,

municipais ou distritais).

Ou seja, o §2° do artigo 78 da ADCT passou a ser interpretado como sinônimo

de possibilidade de se fazer uma compensação tributária.

3. CRÉDITO TRIBUTÁRIO E SUAS FORMAS DE EXTINÇÃO

Antes de entrar no estudo da compensação, enquanto forma de extinção do

crédito tributário, oportuno se faz resumidamente relembrar o conceito de crédito tributário e as

suas formas de extinção. O crédito tributário nasce com o surgimento do vínculo obrigacional,

ou seja, quando se materializa no mundo físico exterior o fato que fora hipoteticamente descrito

na norma – ocorrência do fato gerador. Ou seja, o crédito é o vinculo que obriga o contribuinte

(pessoa física ou jurídica) a pagar um tributo, previsto em lei, ao ente público competente

(União, Estado, Distrito Federal ou Municípios).

Da mesma forma que prevê a criação de um crédito tributário, a lei também se

responsabiliza por regular suas formas de extinção, consubstanciada em qualquer ato ou fato

jurídico que faça desaparecer a respectiva obrigação, cabendo ao artigo 156 do Código

Tributário Nacional dispor sobre o tema: Art. 156. Extinguem o crédito tributário: I - o

pagamento; II - a compensação; III - a transação;IV - remissão; V - a prescrição e a

decadência;VI - a conversão de depósito em renda;VII - o pagamento antecipado e a

homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º;VIII - a

consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164;IX – a decisão

administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais

possa ser objeto de ação anulatória;X - a decisão judicial passada em julgado. XI – a dação em

pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei. (grifo nosso).

Vale assinalar que muito já se discutiu acerca da taxatividade ou não deste rol

de hipóteses de extinção do crédito, no entanto, o Supremo Tribunal Federal firmou posição no

sentido de tratar-se de um artigo com previsão taxativa, que só pode ser alterado mediante Lei

Complementar, quando suspendeu a eficácia de leis que autorizavam a dação em pagamento

como forma de extinção do credito tributário, em razão da ausência de previsão expressa no

Código Tributário Nacional.

No entanto, a doutrina tributarista defenda a não taxatividade do dispositivo,

como se depreende do magistério de Luciano Amaro (1998, p.367): O rol do artigo 156 não é

taxativo. Se a lei pode o mais (que vai até o perdão da dívida tributária) pode também o menos

que é regular outros meios de extinção do dever de pagar tributo. Um exemplo, é a dação em

pagamento. Outro que sequer necessita de disciplina específica na legislação tributária é a

confusão que se dá quando se acumulam (ou se confundem) na mesma pessoa, a condição de

credor e de devedor da mesma obrigação (artigo 1049). Há ainda a novação.

O pagamento é a forma mais usual de extinção do crédito. É a prestação que o

devedor, ou alguém por ele, faz ao sujeito ativo, da importância pecuniária correspondente ao

débito do tributo. Ele pode ser feito em moeda corrente, cheque, vale postal, estampilha, papel

selado ou mediante processo mecânico. O sistema brasileiro, todavia, não admite a prestação

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in natura contrapondo-se ao que enuncia o artigo 3° do CTN quando enuncia que pode ser em

moeda ou cujo valor nela se possa exprimir.

A compensação será analisada de forma mais minuciosa na seção seguinte,

por ser o objeto principal deste estudo. A transação, assim entendida é o instituto mediante o

qual, por mútuas concessões, credor e devedor põem fim ao litígio, extinguindo a relação

jurídica. Os sujeitos da relação jurídica tributária, podem realizar a transação, nos termos e

condições estabelecidas em lei. Curioso verificar que a extinção da obrigação tributária,

quando ocorre a figura da transação, não se dá propriamente por força das concessões

recíprocas, mas sim pelo pagamento. Assim, nas palavras de Paulo de Barros Carvalho (1999,

p.311): “O processo de transação tão-somente prepara o caminho para que o sujeito passivo

quite sua divida, promovendo o desaparecimento do vínculo.”

A remissão, por sua vez, representa o perdão, indulgência, total ou parcial do

crédito tributário, que no direito tributário, enquanto forma extintiva da obrigação, somente pode

se dar se houver lei autorizadora, razão que se explica pelo primado da indisponibilidade dos

bens públicos, que permeia o complexo de regras tributárias. A prescrição e decadência,

representam, respectivamente, a perda da Fazenda Pública ajuizar a competente execução

fiscal, vez que fluido o prazo de 5 anos sem que o titular do direito subjetivo tenha deduzido

sua pretensão pelo instrumento processual adequado; como também, a perda do direito da

autoridade administrativa efetuar o lançamento do tributo. A decadência é um fato jurídico que

faz perecer um direito pelo seu não-exercício durante certo lapso de tempo.

A conversão do depósito em renda ocorre quando o sujeito passivo perde, no

curso de procedimento administrativo ou no âmbito do processo judicial, o depósito que efetuou

a titulo de garantia do juízo, revertendo-se para a própria Fazenda Pública.

Ao prever o pagamento antecipado e a homologação no catálogo das causas

extintivas, o legislador quis referir-se àqueles tributos que independem do lançamento para que

o devedor possa satisfazer sua prestação. A autoridade administrativa limita-se a fiscalizar o

contribuinte, controlando o fiel cumprimento das obrigações tributárias.

Lícito inferir que o pagamento, por si só, não extingue de forma definitiva o

credito tributário, mas coloca-o sob condição resolutória. A ação de consignação em

pagamento é o remédio processual adequado àquele que pretende pagar sua dívida mas não

consegue fazê-lo em função de recusa ou exigências que considera descabidas da Fazenda

Pública, seja em razão do valor que o contribuinte está se propondo a pagar ou em razão de

dúvida de quem seria o competente sujeito ativo daquela exação.

A decisão administrativa reformável, assim como a decisão judicial passada em

julgado fazem coisa julgada contra o Fisco, isto é, ao reconhecer de forma definitiva que o

crédito tributário não é devido, extingue a obrigação tributária.

Por fim, a dação em pagamento, enquanto forma de extinção do crédito

tributário, só passou a integrar o ordenamento jurídico brasileiro a partir de 2001, com a edição

da Lei Complementar 104/01. Ela permite que o contribuinte ofereça espontaneamente bens

imóveis ao Fisco, a fim de liquidar seus débitos tributários.

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3.1 Compensação Tributária

A compensação, enquanto forma de extinção das obrigações, é originária do

direito romano, vez que baseada no princípio da equidade, não seria lógico permitir que duas

pessoas, concomitante e reciprocamente credoras e devedoras, tivessem contra si o direito de

ação.

A palavra compensação vem de pensare cum, pensare aliquam cum aliqua ,

que na tradução de J.M. de Carvalho Santos (1986, p.215) quer dizer pesar na balança uma

coisa com outra para ver se o peso é igual.

Trata-se de um instituto originário do direito civil, onde a compensação opera-

se de pleno direito, conforme regência do artigo 368 do Código Civil: Art. 368. Se duas pessoas

forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até

onde se compensarem.

Em homenagem ao princípio da indisponibilidade dos bens públicos, o Código

Tributário Nacional acolhe o instituto da compensação, como uma das formas extintivas do

crédito tributário, mas desde que haja lei que autorize, repousando sua eficácia e validade no

artigo 156, II do Código Tributário Nacional, como forma de extinção do crédito tributário.

O artigo 170 do mesmo diploma prevê a necessidade de regulamentação das

respectivas condições para efetivação da compensação: “A lei pode, nas condições e sob as

garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa,

autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou

vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública”. A compensação tem por pressuposto

duas relações jurídicas diferentes, em que o credor de uma é devedor da outra e vice-versa.

Quatro são os requisitos tidos como necessários à compensação: a)-

reciprocidade das obrigações; b)-liquidez das dividas; c)-exigibilidade das prestações; e d)-

fungibilidade das coisas devidas. Como preleciona Alexandre Barros Castro (2002, p.68):

O CTN aceita compensação de créditos tributários como créditos líquidos,

certos e exigíveis (vencidos ou por vencer) de titularidade do credor em face da Fazenda

Pública, devendo ser aplicado, no que se refere aos créditos vincendos, o imperativo contido

no artigo 170, parágrafo único do Código Tributário, onde se criou um limite, não se podendo

conceder redução que exceda à taxa de 1% ao mês, pelo tempo decorrido entre a data de

compensação e a do vencimento. Segundo Paulo de Barros Carvalho, a compensação

representa uma modalidade extintiva tanto do direito subjetivo, como do dever jurídico, vez que

o crédito do sujeito pretensor, num dos vínculos, é anulado pelo seu débito, no outro, o mesmo

se passando com o sujeito devedor (1999, p.311).

No âmbito federal a compensação é regulada pelo artigo 74 da Lei 9.430/94,

com redação que lhe deu a Lei 10.637/2002, que assim prevê: Art. 74. O sujeito passivo que

apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição

administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento,

poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e

contribuições administrados por aquele Órgão. É certo que no direito civil, a compensação

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pode ser legal, convencional ou judicial; ao passo que no direito tributário ela será sempre

legal, isto é, só será admitida a compensação de créditos com dívidas da Fazenda Pública

quando a lei expressamente autorizar.

Nesse sentido, e em consonância com o §2° do artigo 78 da ADCT, alguns

estados expediram leis sobre o tema, como são exemplos as leis 13.646/2000 expedida pelo

Estado de Goiás, a lei 13.294/2003 do Estado do Ceará, a lei 13.213/2001 do Estado do

Paraná, e a lei 1.142/2002 expedida pelo Estado de Rondônia, todas com o objetivo de realizar

a compensação de precatório com débitos tributários.

Esta última, objeto de Ação Direita de Inconstitucionalidade, que veio a ser

julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal, que decidiu pela constitucionalidade da

lei que autoriza a compensação do crédito com débito da Fazenda do Estado, decorrente de

precatório judicial pendente de pagamento, no limite das parcelas vencidas a que se refere o

artigo 78 da ADCT.6

Assim, o precatório ao alcançar poder liberatório de tributos, passou a ser, em

um primeiro momento, utilizado em ações judiciais, particularmente, como forma de garantir

execuções fiscais propostas pelo Estado. No entanto, tentando eximir-se de sua obriga-

6 Supremo Tribunal Federal – Ação Declaratória de Inconstitucionalidade

n°2.851-1/RO, Relator Ministro Carlos Veloso, julgada em 28 de outubro de 2004

ção, a Fazenda Pública Estadual (a maioria dos Estados-membros não expediram lei

regulamentadora) passa a alegar que o precatório se constitui em direitos e ações e, por isso,

deve vir em último lugar da ordem legal de bens a serem penhorados, não admitindo a

compensação com títulos desta natureza, ou qualquer compensação em executivo fiscal,

aduzindo ainda, que a falta de lei regulamentadora não autoriza que se faça tal compensação.

Segundo inteligência do artigo 620 do Código de Processo Civil a execução

deve sempre ser regida de forma menos gravosa ao devedor. Assim, para fins de garantia de

juízo, deve-se admitir a nomeação de créditos oriundos da própria Fazenda exeqüente,

consubstanciados num precatório, máxime por suas características de certeza e liquidez. A

penhora sobre precatórios representa uma penhora de créditos, regida pela subseção IV do

CPC que cuida da penhora de créditos e outros direitos patrimoniais.

Já a lei 6.830/80 – Lei de Execução Fiscal - atribui ao executado a prerrogativa

de nomear bens à penhora, que pode recair sobre direitos e ações. O artigo 11 desta lei,

juntamente com o artigo 655 do CPC regem a ordem preferencial de bens que serão oferecidos

a penhora em ações judiciais, e os direitos e ações estão previstos no último inciso do

dispositivo. Todavia, esta ordem não pode ser entendida como absoluta, sob pena de obstruir a

possibilidade de pagamento da dívida. Nessa linha o Superior Tribunal de Justiça firmou

entendimento que a ordem estabelecida por estes dispositivos não tem caráter absoluto,

devendo ser observado o interesse e as circunstâncias do caso concreto7:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL – EXECUÇÃO

FISCAL - PENHORA SOBRE CRÉDITO EM FASE DE PRECATÓRIO - DIREITO DE CRÉDITO

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DECORRENTE DE AÇÃO INDENIZATÓRIA EM FASE DE PRECATÓRIO - EXECUÇÃO

FISCAL - ORDEM DE NOMEAÇÃO - ART. 11 DA

7 Embargos de Divergência em Recurso Especial - EREsp 399.557/PR, relator

Ministro Franciulli Neto, Primeira Seção, unânime, DJ 03.11.03

LEI N. 6.830/80. Este egrégio Sodalício tem decidido, em recentes julgados, pela possibilidade

de nomeação de créditos decorrentes de precatório em fase de execução contra o próprio ente

federativo que promove a execução fiscal.

Nada obstante se entenda ter o precatório natureza de direito sobre crédito,

possui este a virtude de conferir à execução maior liqüidez, uma vez que o exeqüente poderá

aferir o valor do débito que lhe incumbiria pagar, não fosse a sua utilização para quitação do

débito fiscal do executado.

Não se recomenda, dessarte, levar a ferro e a fogo a ordem de nomeação

prevista no artigo 11 da LEF, sob pena de, não raro, obstruir a possibilidade de pronto

pagamento da dívida8. (grifo nosso).

Ademais, a lei 11.382 de 2006 dando nova feição do processo de execução,

modificou a redação do artigo 668 do CPC, como segue: “O executado pode, no prazo de 10

(dez) dias após intimado da penhora, requerer a substituição do bem penhorado, desde que

comprove cabalmente que a substituição não trará prejuízo algum ao exeqüente e será menos

onerosa para ele devedor”.

Destarte, a substituição do bem penhorado passa a ser admitida como

homenagem ao princípio da menor onerosidade. A substituição não causa prejuízo algum à

Fazenda, pelo contrário, facilita e agiliza o recebimento do crédito tributário.

Sobre o tema, decidiu o Superior Tribunal de Justiça9, reconhecendo, inclusive,

que o crédito decorrente do precatório equivale a dinheiro:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PENHORA. DIREITO DE

CRÉDITO DECORRENTE DE AÇÃO ORDINÁRIA. PRECATÓRIO JÁ

EXPEDIDO.POSSIBILIDADE. (...) 4. Com o objetivo de tornar menos gravoso o processo

executório ao executado, verifica-se a possibilidade inserida no inciso X, do artigo 655, do

CPC, já que o credito de precatório equivale a dinheiro, bem este preferen-

8 Precedentes no mesmo sentido: RESP 480.351/SP, relator Ministro Luiz Fux,

DJU 23.06.03; AGA 447.126/SP, relator Ministro Francisco Falcão, DJU 03.02.03; RESP

325.868/SP, relator Ministro Jose Delgado, DJU 10.09.01.

9 STJ – RESP 325868/SP, Relatos Ministro José Delgado, julgado em 10 de

setembro de 2001. –

cial (inciso I, do mesmo artigo). 5. A Fazenda recorrida é devedora na ação que se findou com

a expedição do precatório. Se não houve pagamento, foi por exclusiva responsabilidade da

mesma, uma vez que tal crédito já deveria Ter sido pago. Trata-se, destarte, de um crédito da

própria Fazenda Estadual, o que não nos parece muito coerente a recorrida não aceitar como

garantia o crédito que só depende de que ela própria cumpra a lei e pague aos seus credores.

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Surge a partir dessa possibilidade a discussão em torno da titularidade do

precatório, isto é, quanto à possibilidade de penhora de precatório oriundo de direito de crédito

com Pessoa Jurídica diversa da exeqüente10. No entanto, no voto do Ministro Humberto

Martins, o Superior Tribunal de Justiça, reconhece que não há nenhum impedimento para que

a penhora recaia sobre precatório expedido em favor de pessoa jurídica distinta da

exeqüente11. Não obstante o reconhecimento judicial da possibilidade do precatório ser dado

como forma de garantia de execuções fiscais, resta reconhecer a possibilidade da

compensação do precatório com dívidas tributárias realizar-se de forma autônoma, ou seja,

independente de lei Estadual ou Municipal que venha a regê-la. E é exatamente o que se vê na

regra esculpida no §2° do artigo 78 da ADCT, uma regra peremptória, prevendo que as

prestações do precatório, uma vez vencidas e não pagas, terão poder liberatório para

pagamento de tributos devidos pelo contribuinte à entidade estatal devedora.

A imperatividade na relação dos interesses envolvidos – de um lado

contribuinte-credor e de outro o Estado-devedor inadimplente – justifica-se pelo próprio caráter

excepcional da norma que permitiu o parcelamento das dívidas dos precatórios.

Portanto, se o legislador estadual foi omisso quanto à edição de lei específica

para regular o tema ou se até mesmo editou norma ve-

10 Nesse sentido os Embargos de Divergência em Recurso Especial n°

852.425/RS, no qual o Estado do Rio Grande do Sul (embargante) busca uniformização de

jurisprudência.

11 Acórdãos nesse sentido: AGA 551.386/RS, relator Ministro João Otávio de

Noronha, publicado no DJ de 03 de maio de 2004; e EREsp 399.557/PR, relator Ministro

Franciulli Netto, publicado no DJ de 03 de novembro de 2003.

tando o exercício do direito compensatório não lhe socorre o artigo 170 do CTN que não pode

prevalecer sobre o §2° do artigo 78 da ADCT.

As normas constitucionais, no que se refere à sua condição de ser aplicável e

produzir efeitos são classificadas pela doutrina em: plena, contida e limitada. Estas duas

últimas, de algum modo têm sua aplicabilidade dependente de ato ou lei a ser editada pelo

legislador ordinário, de acordo com o que foi previamente delimitado na Constituição. Já com

as normas de eficácia plena isso não ocorre, elas são plenamente aplicáveis desde sua

publicação, sem necessitar de qualquer ato ou lei ulterior por parte do Poder Público

competente. Segundo José Afonso da Silva, são auto-aplicáveis àquelas normas que estão

aptas a produzirem imediatamente seus efeitos, ou seja, aquelas normas da Constituição que

contêm em si todos os elementos e requisitos necessários para sua incidência. Nesse sentido

leciona o constitucionalista (2003, p.99):

Todas as normas regulam certos interesses em relação a determinada matéria.

Não se trata de regular a matéria em si, mas de definir certas situações, comportamentos ou

interesses vinculados a determinada matéria. Quando essa regulamentação normativa é tal

que se pode saber, com precisão, qual a conduta positiva ou negativa a seguir, relativamente

ao interesse descrito na norma é possível afirmar-se que esta é completa e juridicamente

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dotada de plena eficácia, embora possa não ser socialmente eficaz. Isso se reconhece pela

própria linguagem do texto, porque a norma de eficácia plena dispõe peremptoriamente sobre

os interesses regulados.

Não restam dúvidas que se trata de uma norma auto-aplicável, um preceito

constitucional completo onde já está expressos seus meio de execução, sendo desnecessária

qualquer designação de uma autoridade para tal.

A compensação é um direito inexorável das obrigações jurídicas e a Fazenda

Pública não pode tentar se excluir deste contexto. È um absurdo pensar que alguém sendo

credor e devedor ao mesmo tempo, de uma mesma pessoa, possa dela exigir o pagamento

devido e sem que também esteja obrigado a efetuar o pagamento do seu débito.

Da mesma forma, reconhecer que a Fazenda Pública tem o direito de cobrar o

que lhe é devido, como um reservado privilégio, sem pagar o que deve, configura cristalina

violação ao princípio da isonomia, pois não há interesse público maior que a própria

preservação da ordem jurídica na obediência à Constituição Federal e abolição de privilégios

descabidos.

Possibilitar uma compensação nesse sentido, não é criar ônus ao Erário, mas

pelo contrário, é também permitir que ele se desonere de suas dívidas, refletindo o verdadeiro

princípio constitucional da igualdade. E isto não pode ser jamais considerado ou alegado fator

de desequilíbrio nas finanças públicas pois assim como as arrecadações são previstas, o são

também as despesas com precatórios.

O Superior Tribunal de Justiça, na mesma linha, ressalta a possibilidade do

direito compensatório:

TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇAO PARA O FINSOCIAL.COMPENSAÇÃO.

(...) Não obstante curvar-me à jurisprudência pacificada em sentido oposto, por

isso que o PIS só é compensável com a mesma contribuição, ressalvo meu ponto de vista no

sentido de que o advento da lei 9430/96 com os correspectivos Decretos 2138/97 e Instruções

Normativas SRF 21/97 e 73/97, reforçadas pelo novel espírito inaugurado pela emenda 30

de 13-09-2000 (art.78 ADCT) que permitiu essa forma de extinção do credito tributário até

mesmo mediante a compensação de precatórios não liquidados, revela inequívoca

postura ideológica tributária no sentido de admitir a compensação entre os tributos e

contribuições ainda que de espécies diferentes bem como de créditos de um

contribuinte com o debito de outro. (...)12 (grifo nosso)

Assim, o contribuinte, comprovada a mora da Fazenda Pública, pode pleitear

administrativamente a compensação de seu crédito

12 Superior Tribunal de Justiça – RESP 391400, Relator Ministro Luiz Fux,

julgada em 29.04.2002.

tributário com o débito emergente do precatório não depositado no prazo legal. Uma vez

negada tal pretensão pela autoridade fazendária, resta ao contribuinte-credor a propositura de

medida judicial, que admite, ainda, medida liminar ou antecipação de tutela.

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Desta maneira, expedido o precatório e incluído no orçamento, com seu

especifico número de acordo com a ordem cronológica, cabe à Fazenda Pública proceder a

seus pagamentos, de forma igual e sucessiva, com os juros legais incluídos, no intuito de

cumprir a determinação e comprovar sua conduta em consonância com a precisão

orçamentária. No entanto, a não disponibilização por parte da Fazenda, no tempo certo, do

valor pertencente ao credor, caracteriza a mora que enseja o pedido de compensação, diante

de um débito do contribuinte, líquido e exigível para com a entidade devedora.

Assim, a demonstração da mora é prova pré-constituída que comporta

ao contribuinte. Certamente, o que não pode subsistir é o desrespeito que se

vê por parte dos entes federados pelo não pagamento de seus precatórios, que, mais que

violar o Princípio da Moralidade Administrativa, passa a desprestigiar o Poder Judiciário e a

segurança jurídica de suas decisões, eis que o crédito que será compensado (precatório) já

passou pela análise e crivo das instâncias do Poder Judiciário, sendo assim indubitavelmente,

certo e líquido. Ademais, a compensação aqui discutida encontra respaldo no Principio do

Estado democrático de Direito, uma vez que o Estado, ao não pagar seus precatórios está

agindo de forma a não medir mais as conseqüências de seus atos.

3.2 Quebra da Ordem Cronológica

É de se registrar que o Poder Constituinte originário, ao cuidar dos precatórios,

faz menção à imprescindibilidade de respeito à ordem cronológica. Assim, os precatórios serão

pagos exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos ofícios requisitórios,

emitidos pelo juiz da execução que prolatar a decisão a ser executada.

Referida imposição possui fundamento de grande relevo quando busca

respeitar aos princípios constitucionais que regem a atuação da Administração Pública. Como

bem assinalado pelo Ministro Celso de Melo13:

O sentido teleológico desta norma constitucional – cuja gênese reside, no que

concerne a seus aspectos processuais, na Constituição Federal de 1934 (art.182) – objetiva

viabilizar, na concreção de sua alcance, a submissão incondicional do Poder Público ao dever

de respeitar o princípio que confere preferência jurídica a que, dispuser de precedência

cronológica (prior in tempore, potior in jure).

Entretanto, o caput do artigo 100 da Constituição, abre uma exceção à ordem

cronológica quando prevê que os créditos de natureza alimentícia e de pequeno valor

independem dela. Vale lembrar que os débitos alimentares também estão sujeitos a

pagamentos via precatórios, mas em uma ordem diferenciada dos demais débitos fazendários,

o que se convencionou chamar de “ordem dupla dos precatórios”.

Tem-se então duas classes de precatórios: (a) precatórios alimentares –

decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações,

benefícios previdenciários, indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade

civil em virtude de sentença judicial transitada em julgado. Em sentido amplo, abarca toda a

prestação em dinheiro relativa às despesas ordinárias a que tem direito o alimentando, ou seja,

habitação, transporte, vestuário, sustento, saúde, educação, instrução e lazer. (b) não

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alimentares – entendidos como todos os outros com origem que não nas verbas não arroladas

como alimentares.

Contudo, na prática, os créditos alimentares que teoricamente gozam de

privilégios, vêm tendo seu pagamento preterido, pois não foram atingidos pela regra constante

da EC n° 30/2000. Como o descumprimento das parcelas dos precatórios comuns, confere po-

13 Voto proferido no RE n° 188.285-9/SP, relator Ministro Celso de Mello,

julgado em 28.11.95.

der liberatório de pagamento de tributos da entidade política devedora,os governantes,

buscando dar preferência nos pagamentos destas parcelas, acabam congelando a fila de

precatórios alimentares.

E não só isso, não raras são as vezes em que, apesar de estarem

contemplados no orçamento anual e devidamente aprovados pelo Poder Legislativo, têm suas

verbas contingenciadas e direcionadas pelo chefe do Poder Executivo para outros setores, por

vezes mais visíveis pelos eleitores, como obras das mais diversas, estradas, saúde, educação,

dentre outras.

Em uma interpretação sistemática da Constituição, poder-se-ia dizer que a

paralisação da fila dos precatórios alimentares em detrimento do pagamento das parcelas

anuais dos precatórios comuns, conduz a uma quebra da ordem cronológica, implicando

desrespeito à classificação privilegiada daqueles.

No entanto, a alteração constante da EC n°30, ao prever o parcelamento no

pagamento dos precatórios pendentes, ressalva desta moratória os créditos definidos em lei

como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o artigo 33 da ADCT e

suas complementações, bem como os que já tiveram seus respectivos recursos liberados ou

depositados em juízo. Com efeito, o regime de parcelamento oferecido pela Emenda, ao não

alcançar os precatórios alimentícios e de pequeno valor, oferece aos credores de precatórios

comuns uma contrapartida, que não o faz em relação àqueles, qual seja a possibilidade de

seqüestro do numerário em poder do entre político devedor, a fim de garantir o pagamento da

prestação em mora.

Estabelece a Constituição, no §2° do artigo 100, que competirá ao Presidente

do Tribunal, mediante requerimento do credor interessado, o seqüestro da quantia suficiente à

garantia do débito, no entanto, o mesmo dispositivo deixa claro que só se fará exclusivamente

para o caso de preterimento do seu direito de precedência.

Este artigo tem recebido da Suprema Corte interpretação restritiva, diga-se,

não se admitindo qualquer outra razão que justifique o seqüestro em tela. O Supremo Tribunal

Federal14 assentou que a Emenda n° 30 não introduziu nova modalidade de seqüestro de

verbas públicas para satisfação de precatórios concernentes a débitos alimentares,

permanecendo inalterada a regra imposta pelo artigo 100, §2° da Carta que somente o autoriza

no caso de preterição do direito de preferência do credor.

Neste julgamento o Supremo Tribunal, derrubou parcialmente a Resolução

Normativa n°11/97 do Tribunal Superior do Trabalho que previa o seqüestro de renda para

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pagamento dos precatórios alimentares dos Tribunais Regionais do Trabalho, quando

houvesse atraso, pagamento a menor ou a não inclusão no orçamento do ente devedor.

Pelo entendimento daquela Corte apenas a quebra de ordem cronológica

dentro de cada espécie é que poderá autorizar um sequestro de verbas. Assim, não há que se

falar em quebra da ordem cronológica, quando se autoriza a fazer o parcelamento de um

precatório não alimentar, mesmo que em preferência à ordem de precatórios alimentares, pois

a Constituição ao excepcionar os créditos que teriam poder liberatório de tributos, limitou

somente àqueles que restassem vencidos e não pagos pelo ente público devedor, sendo

descabida a intenção deste, vir a se prevalecer de sua própria torpeza ao inviabilizar a

pretensão que se originou do seu inadimplemento.

4. DESCUMPRIMENTO DOS PRECATÓRIOS

Como é sabido, os precatórios requisitados até 1° de julho, serão inseridos no

orçamento para pagamento no ano seguinte, no período de janeiro à dezembro, ou seja, a

Fazenda Publica tem prazo suficiente (de 6 a 18 meses) para efetuar o prognóstico de sua

receita a fim de cumprir com o pagamentos de seus precatórios.

14 No julgamento da ADIN 1.662/SP, relator Ministro Mauricio Corrêa, julgado

em 30.08.01.

Não obstante a possibilidade de previsão antecipada no orçamento para

pagamento, os precatórios judiciais continuam a ser descumpridos pelos Estados. Apenas a

título exemplificativo, vale lembrar a CPI dos precatórios na cidade de São Paulo, que detinha

mais de R$ 8 bilhões de reais para pagar em precatórios, mas que não os adimpliu

corretamente, além de ter expedido títulos para financiar o pagamento das referidas obrigações

judiciais.15 As conseqüências pelo descumprimento dos precatórios judiciais podem ser das

mais inúmeras ordens.

Inicialmente, a possibilidade constitucional de intervenção, pois o Município que

descumpre um precatório fica sujeito á intervenção do respectivo Estado-membro (artigo 35, IV

da Constituição Federal)16, assim como, o Estado que não paga, no prazo, o precatório

judicial, sujeita-se à intervenção federal (art. 34, VI da Constituição Federal)17. É sabido,

todavia, que este instrumento, com intuito moralizador, nunca surtiu o efeito que deveria, nem

mesmo como uma potencial ameaça.

Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal federal aponta no sentido de

que a intervenção “limita-se à hipótese de atuação dolosa e deliberada do ente devedor de não

efetuar o pagamento, não bastando a simples demora de pagamento na execução da ordem

judiciária, por falta de numérico.” 18 Com essa decisão, a Corte esvaziou por completo o efeito

intimidatório do instituto da intervenção.

15 Outro exemplo é o Estado de Roraima que tem mais de R$ 2 bilhões de

reais em dividas de precatórios a pagar e desde o ano de 1995 não realiza pagamentos.

16 Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos

Municípios localizados em Território Federal, exceto quando: IV- o Tribunal de Justiça der

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provimento a representação para assegura a observância de princípios indicados na

Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou decisão judicial.

17 Art.34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto

para:VI-prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial.

18 IF n°4426/SP, relatos Ministro Presidente Mauricio Correia, publicado em

11-12-2203.

A melhor doutrina critica esse entendimento jurisprudencial. A prática

administrativa coloca o credor de condenação judicial do Poder Público em posição de extrema

desvantagem. Neste sentido, são oportunas as considerações do ilustre administrativista Celso

Antônio Bandeira de Mello (2005, p.279):

Acresce que o Poder Público freqüentemente nem ao menos obedece a esta

exigência constitucional. Deixa ultrapassar os prazos sem lhes dar atendimento. É claro que

seria caso de intervenção federal nos Estados, estadual nos Municípios (a teor dos arts. 34, V,

“a”, ou 35, I), ou impeachment do Presidente da República (art. 85, VII). Só que nada disso

acontece. Há centenas de pedidos de intervenção federal em Estados e Municípios, sem que

sejam atendidos. Com isto, a responsabilidade do Estado no âmbito de inúmeros Estados e

Municípios possui um induvidoso caráter de ‘ficção’. Ou seja: sua existência em muitas partes

do País tem uma realidade próxima àquela que se supõe seja a de um saci, de uma iara, de

um gnomo ou de uma fada. Sem embargo, as pessoas do mundo jurídico escrevem sobre o

tema – como eu mesmo venho fazendo – tal como se estivessem perante uma realidade. Se

alguém duvida desta assertiva, basta verificar a documentação existente na Comissão de

Precatórios da OAB de São Paulo, ou da Bahia, ou de Santa Catarina, ou do Rio Grande do

Sul, para tomar apenas alguns exemplos. Precatórios trabalhistas do Ceará não são pagos há

20 anos. Em segundo, poder-se-ia cogitar da responsabilização política dos governantes, por

violação de normas orçamentárias, por deixar de incluir no orçamento a verba que foi regular e

tempestivamente solicitada pelos Tribunais, ou incluí-la, porém promovendo o seu desvio,

configura crime de responsabilidade do Presidente da República por atentar à Constituição

Federal, especialmente contra a probidade da administração e contra a lei orçamentária (artigo

85, incisos V e VI da Constituição Federal). No mesmo sentido, a responsabilização dos

Governadores19 e Prefeitos, estes, conforme preconizado pelo artigo 4°, VI do Decreto Lei

201/67: descumprir o orçamento aprovado para o exercício financeiro.

19 Previsão nas Constituições Estaduais.

Vale lembrar que deixar de consignar o montante requisitado pelo Poder

Judiciário na Lei Orçamentária Anual, ou promover o desvio das verbas consignadas,

constituem atos de improbidade administrativa, nos termos no artigo 11, incisos I e II da Lei

8429/92, cuja penalidade consiste na perda da função pública, suspensão dos direitos políticos,

multa e ressarcimento integral dos danos, quando houver.

Ademais, as verbas consignadas ao Poder Judiciário para pagamento de seus

precatórios, pertencem juridicamente a este, e não ao Poder Executivo. Assim, cabe ao

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Presidente do respectivo Tribunal, responsável pelo controle de tais verbas determinar o

seqüestro de recursos financeiros correspondentes às verbas incluídas no orçamento anual da

União, Estados e Município e desviadas para outras finalidades.

Conforme resumidamente demonstrado, existem normas constitucionais e

infraconstitucionais que regulam e penalizam autoridades e entidades federativas pelo não

pagamento de seus precatórios se aplicadas corretamente, todavia, a leniência das

autoridades, particularmente do próprio Poder Judiciário que não busca fazer valer suas

decisões, tem encorajado mais os governantes a desviar verbas, não incluí-las no orçamento

ou apenas demonstrar total desinteresse em cumprir a ordem judicial.

Esta flexibilização e falta de coercibilidade das decisões judiciais proferidas

contra o Poder Público conduz a uma situação de mitigação, senão, rompimento com a idéia

do Estado Democrático de Direito.

5. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO:PRECATÓRIO COMO MOEDA DE

MERCADO

O sistema tributário brasileiro prevê atualmente em torno de 70 tributos

diferentes que representam um alto custo para todos, mas em particular às empresas

nacionais. No intuito de aumentar seus lucros, diminuir seus custos e poder manter sua

competitividade no mercado, as empresas cada vez mais, têm buscado ao planejamento

tributário, que nada mais é do que a implantação de uma variedade de medidas e

procedimentos legais que objetivam diminuir, senão, extinguir com a carga tributária daquela

empresa.

A carga tributária brasileira continua em ritmo crescente, atingindo no 1°

trimestre de 2008, quase 39% do PIB20 (produto interno bruto) brasileiro. Por isso, o

contribuinte tem o direito de estruturar seu negócio da maneira que melhor lhe beneficie,

procurando diminuir os custos de seus empreendimentos, inclusive dos tributos, desde que não

esteja infringindo a lei, e a maneira legal de fazê-lo chama-se elisão fiscal ou economia legal

(planejamento tributário). Assinale-se que precatório não é um título de valor mobiliário, como

ações e debêntures, mas sim um direito adquirido de receber um valor monetário do Poder

Público. Todavia, o atraso no pagamento dos precatórios pelos Governos, acabou por criar um

mercado paralelo de negociações desses ativos.

O acúmulo de precatórios judiciais atrasados tem sido enfrentado de diversas

maneiras, mas os seus credores, já sem paciência para esperar pelo seu pagamento – que,

diga-se, pode levar mais de dez anos – desistem de receber a integralidade do que o Governo

lhe deve, e acabam vendendo o precatório com descontos que podem chegar a 70% do seu

valor de face. Seus maiores compradores são empresas que o utilizam para compensar seus

débitos tributários com o respectivo ente público devedor.

Com exceção do Governo Federal, que ainda pode ser considerado um bom

pagador, os Estados e Municípios possuem um estoque de débitos judiciais vencidos e não

pagos que acumulam em torno de dezenas de bilhões de reais.

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Em regra, trata-se de precatórios referentes a débitos dos Governos com seus

funcionários, aposentados e pensionistas, ou seja, 20 IBPT – Instituto Brasileiro de

Planejamento Tributário - http://www.ibpt.com.br/home/publicacao. precatórios alimentares.

Mas, como estes acabaram não sendo tratados pela EC n° 30, e a despeito de seu caráter

alimentar – diga-se, desnecessário aguardar a fila de precatórios por entender-se que são

prioritários – acabaram ficando paralisados na fila em razão do parcelamento dos precatórios

não alimentares atrasados.

Assim, a maior parte dos precatórios vendidos no mercado paralelo possuem

natureza alimentar. Estes, ao serem transferidos para terceiros, via cessão de créditos,

acabam perdendo este status e passam a ser precatórios de caráter não alimentar, como outro

qualquer. Referida cessão de créditos, por se tratar de uma cessão civil, está regida pelo artigo

286 do Código Civil que estabelece: “O credor pode ceder o seu credito, se a isso não se

opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da

cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da

obrigação.” A cessão de crédito é um negócio jurídico bilateral, pelo qual o credor de uma

obrigação (cedente) transfere no todo ou em parte a terceiro (cessionário), independentemente

do consenso do devedor (cedido), sua posição na relação obrigacional, com todos os

acessórios e garantias. Qualquer crédito pode ser objeto de cessão, constante ou não de um

título, esteja vencido ou por vencer, desde que não seja contrário à natureza da própria

obrigação, contrário à lei ou não tenha sido ajustado pelas partes a sua intransmissibilidade –

pacto de non cedendo.

Cumpre assinalar que uma das exigências da lei civil para que se reconheça a

eficácia da cessão em relação ao devedor, é a notificação deste, como exige o artigo 290 do

Código Civil.21 E tratando-se de uma cessão de crédito de precatório, que se faz necessária a

habilitação do cessionário na respectiva execução.

21 Artigo 290: A cessão de crédito não tem eficácia em relação ao devedor,

senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito publico

ou particular, se declarou ciente da cessão feita.

Ainda, o artigo 557, inciso II do Código de Processo Civil, ao regular a

execução prevê que podem promover ou prosseguir na execução o cessionário, quando o

direito resultante do título lhe foi transferido por ato entre vivos. Vale ainda lembrar o que

dispõe o artigo 42 §1 do Código de Processo Civil, quando prevê que a alienação da coisa ou

do direito litigioso não altera a legitimidade das partes, e que ao cessionário é imprescindível à

autorização da parte contrária para ingressar em juízo, não se aplica às cessões de

precatórios, vez que o referido artigo aplica-se tão somente ao processo de conhecimento, por

referir-se à coisa ou direito litigioso. Já em fase de execução de sentença, como é o caso dos

precatórios, a coisa ou direito não é mais litigioso, deixando assim de se aplicar a regra

esculpida no referido artigo.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça colaciona vários precedentes:

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(...) No caso sub examine, o credor cessionário goza do direito de substituir no

processo administrativo, a cedente, sem que para tanto haja necessidade de obter o

consentimento do devedor. A norma subsidiária do art. 42, § 1º, do CPC, não se aplica ao

processo administrativo, porquanto a obrigação patrimonial da parte vencida já está

definida. Assim já definiu a Corte Superior, verbis: ‘I - A cessão de créditos é disciplinada pelos

artigos 1.065 e seguintes do Código Civil. A teor de tais dispositivos, o credor é livre para ceder

seus créditos, ‘se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei ou a convenção com o

devedor.’ Em se tratando de créditos provenientes de condenações judiciais, existe permissão

constitucional expressa, assegurando a cessão dos créditos traduzidos em precatórios (ADCT,

Art. 78). Se assim acontece, não faz sentido condicionar a cessão ao consentimento do

devedor – tanto mais, quando o devedor é o Estado, vinculado constitucionalmente ao princípio

da impessoalidade. II - ‘O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração

do direito à compensação tributária. (grifo nosso)22 23

22 AG 636242/RS, relator Ministro Nilson Naves, publicado no DJ de 26.11.04.

23 No mesmo sentido: ROMS 12735/RO, relator Ministro Humberto Gomes de

Barros, publicado no DJ de 23.09.02; RESP 631110/RS, relator Ministro Gilson Dipp, publicado

no DJ de 18.05.04.

Como dito, os precatórios alimentares, uma vez objeto de cessão, perdem sua

natureza alimentar, pois já não mais se presta para tal fim. Os precatórios alimentares são

personalíssimos e sua cessão quebra o caráter alimentar, transformando-os em precatórios

não alimentares de parcela única, incluindo-os no poder liberatório de pagamento da EC n°30.

Há inúmeros atrativos no uso do precatório como forma de pagamento dos

tributos, pois gera uma redução da carga tributária da empresa ou pessoa física devedora da

exação, representando uma forma de capitalização e planejamento tributário. Ao oferecer o

precatório como garantia em ações judiciais (penhora), o precatório além de ser corrigido pelos

mesmos índices da dívida fiscal, ainda impede que outros bens da empresa ou pessoa física

sofram constrição judicial a fim de acautelar a execução. Ademais, estes bens, se oferecidos

em penhora, jamais teriam a mesma correção e constante valoração de um precatório.

O valor a ser pago pelo precatório varia muito em razão da localidade, tipo,

valor e outras circunstâncias. Em média, o deságio trabalhado no mercado gira em torno de

50% a 80% sobre o valor de face, isto quer dizer, por exemplo, que um precatório no valor de

R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) pode ser comprado por R$150.000,00 (cento e cinqüenta

mil reais). Assim, quem vendeu, ao menos recebe parte do que lhe é devido por direito, não

tendo que aguardar a interminável fila dos precatórios; o comprador, por sua vez, consegue um

bom desconto na compra e utilizará 100% do valor de face do precatório ao compensá-lo com

o ente político.

Trata-se de uma operação totalmente segura, pois a cessão de direitos é

regida pelas regras do Código Civil, e via de regra é realizada judicialmente pois, apesar da

forma administrativa ser possível, torna-se inviável pela infindável burocratização contida nas

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regras que regem o assunto, sem falar da total oposição por parte das Fazendas Públicas, que

deixam de arrecadar os tributos compensados.

A comercialização dos precatórios ainda é incipiente, mas com a falta de um

horizonte visível para o recebimento desses débitos por seus credores, diante desse cenário de

inadimplência, e com a jurisprudência nacional consolidando seu entendimento a favor dos

contribuintes, nasce um novo mercado de cessão de precatórios com o objetivo de receber

antecipadamente o que não há prazo para se pagar.

6. A PEC 12/2006

Resultado de um anteprojeto elaborado pelo então Ministro Presidente do

Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, entregando a sugestão ao Presidente do Senado,

Renan Calheiros, em março de 2006, Governadores e Prefeitos finalizaram a prévia discussão

sobre a Proposta de Emenda à Constituição n°12 que visa instituir um regime especial de

pagamentos de precatórios da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Se aprovada, a

emenda acrescerá um novo parágrafo ao artigo 100 da Constituição e o artigo 95 da ADCT.

Pela instituição deste novo regime, o ente público terá a opção de escolher o

novo regime de pagamento de seus precatórios. Opção esta, de caráter irretratável e de

iniciativa privativa do representante do Poder Executivo de cada ente federado, consoante o

texto proposto para o artigo 95 da ADCT:

Art. 95. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão optar,

por ato do poder executivo, de forma irretratável, por regime especial de pagamento de

precatórios relativos às suas administrações direta e indireta, a ser efetuado com recursos

calculados com base na vinculação de percentual de suas despesas primárias líquidas, nos

termos, condições e prazos definidos em lei federal. Pela proposta, a União e os Estados

deverão destinar o equivalente a 3% de suas despesas primárias líquidas do ano anterior para

pagamento dos precatórios, e os Municípios, no mesmo sentido, mas no montante de 1,5%.

Pelo texto proposto para o parágrafo 1º do artigo 95 do ADCT, do total dos

recursos incluídos no orçamento, 30% serão destinados ao pagamento à vista de precatórios

de acordo com uma fila que terá como prioridade os precatórios de menor valor,

independentemente da data de apresentação. A outra parcela de recursos, correspondente a

70% da verba vinculada ao pagamento de precatórios, será destinada ao pagamento de

dívidas judiciais após leilões, nos quais União, Estados e Prefeituras se beneficiarão de

deságios oferecidos pelos credores.

Assim, quem tiver precatório vencido e não pago poderá participar desses

leilões, e aqueles que tiverem o maior desconto, terão prioridade na ordem de pagamento.

Contudo, não poderão participar dos leilões, credores cujos precatórios estejam pendentes de

recurso judicial ou impugnação de qualquer natureza.

Além disso, e talvez esse seja o ponto mais pertinente da proposta no que

respeita o tema deste trabalho, caso o credor dos precatórios que venha a aderir ao novo

modelo de pagamento tenha débitos inscritos em dívida ativa, os pagamentos destes

precatórios somente serão realizados após prévia compensação de valores. Desse modo, a

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quitação, pelo regime especial, será pelo valor da diferença entre o valor dos precatórios e a

dívida do credor com a fazenda pública do ente respectivo.

Desta vez, o próprio legislador vem reconhecer que a compensação de

precatórios judiciais não pagos, com dívidas ativas da Fazenda configura o meio mais justo,

eficaz e célere de cumprimento recíproco de obrigações. Entre outras disposições, a PEC

também traz sanções aplicáveis ao Poder Público em caso de descumprimento das regras de

pagamento de precatórios pelo novo regime. Ocorrendo a opção pelo novo procedimento, a

não liberação tempestiva dos recursos previstos ensejará o seqüestro por ordem do Presidente

do Tribunal de Justiça local ou, no caso da União, do Presidente do Superior Tribunal de

Justiça, até o limite do valor não liberado, caso em que o Chefe do Poder Executivo responderá

por crime de responsabilidade.

Por fim, vale ressaltar que este regime especial de pagamento de precatórios

será transitório e vigorará enquanto o valor dos precatórios devidos e não pagos for superior ao

valor dos recursos vinculados para a quitação das dívidas pendentes. Ou seja, após a

amortização da dívida de precatórios por um determinado ente federativo a níveis inferiores ao

total da verba orçamentária destinada para este fim, o respectivo ente da Federação voltaria a

observar o regime geral previsto no artigo 100 da Constituição Federal.

Segundo a Secretaria da Fazenda do Estado de Santa Catarina, que

juntamente com outros Estados, está engajada na aprovação da PEC, se ela vier a ser

sancionada, permitirá ao Governo do Estado quitar todos seus pagamentos num prazo médio

de 8 anos. O saldo de precatórios em Santa Catarina, atualizado em 31.12.07, era de 398

milhões de reais24.

A PEC já foi aprovada pela CCJ – Comissão de Constituição e Justiça – do

Senado e agora segue para aprovação pelo plenário da Câmara.

A intenção consignada na PEC, sem duvida busca solucionar a caótica

situação dos precatórios não pagos, no entanto, cabe a toda sociedade, e particularmente ao

Poder Judiciário dar o efetivo tratamento aos casos de violação das regras de pagamento dos

precatórios, no sentido de fazer valer a vontade da lei.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não se pode perder de vista a realidade reinante, na qual as despesas com

precatórios não vem sendo extintas de forma regular ocasionando um estoque de precatórios

acoimados de “impagáveis”, a demandar providências legislativas no âmbito constitucional.

24 Secretaria de Estado da Fazenda de Santa Catarina –

http://www.sef.sc.gov.br.

A flexibilização das decisões judiciais acabou por gerar no âmbito da classe

política uma cultura de descumprimento dos precatórios judiciais e endividamento

irresponsável. À vista das infindáveis garantias processuais conferidas ao Poder Público,

justamente no intuito de fazer valer a segurança jurídica, a sociedade vivencia uma eterna

insegurança, quando se trata de uma sentença judicial proferida em, desfavor do Estado.

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O artigo 100 da Constituição Federal, admitindo, através da Emenda

Constitucional n°30 de 2000, a viabilidade de compensação entre o crédito tributário e o debito

do precatório em mora, deve ser interpretado de forma sistemática, sendo impossível admitir

uma interpretação isolada do mesmo. Deve orientar-se e levar em consideração, antes de mais

nada, o próprio preâmbulo da Constituição Federal, que menciona o dever do Estado em

resolver as controvérsias pacificamente, possibilitando assim, que a prestação jurisdicional

tenha como objetivo primordial proporcional a paz ao cidadão.

O precatório, enquanto fruto de uma decisão imodificável do Poder Judiciário,

representando um direito de credito que o contribuinte conquistou, em face do Estado. E se,

este mesmo Estado tem débitos em haver, com o mesmo contribuinte, não há que se falar em

impossibilidade de compensação, vez tratar-se de um instituto que remontando há época

romana, sempre fora entendido e utilizado no acerto de contas entre duas pessoas, quando

são concomitantemente credora e devedora uma da outra.

Nesse ponto, a doutrina e jurisprudência convergiu por muito tempo, e mesmo

com a publicação da EC 30, que acrescentou o artigo 78 da ADCT, prevendo expressamente a

possibilidade de, as parcelas não pagas do precatórios adquirirem poder liberatório de

pagamento de tributos, as autoridades administrativas ainda recusam-se a efetivar o direito à

compensação, seja de forma direita ou apenas omitindo-se na manifestação, obrigando, desta

forma, o contribuinte a propor a medida judicial cabível.

A indolência do legislador em modificar o tratamento dispensado à Fazenda

Pública, notadamente no que concerne ao cumprimento das decisões judiciais impõe ao

julgador o reconhecimento dos direitos e garantias do cidadão.

Necessário se faz reconhecer ainda que, a compensação, enquanto forma de

extinção da obrigação tributária, é um predicado da celeridade processual, sobretudo de

economia no relacionamento entre as partes.

O tema debatido chegou a julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, e em

recente e histórica decisão, aquela Corte, sinalizando o amadurecimento da jurisprudência

tributária a favor do contribuinte, pelo voto do Ministro Eros Grau, no RE 550.400-0 (19.09.07),

inovou a permitir que uma pessoa jurídica compensasse o tributo que devia (no caso um

imposto estadual, ICMS) com precatórios alimentares que havia adquirido de terceiros.

A decisão do Ministro superou ao menos dois pontos relevantes, criando um

importante precedente para os contribuintes brasileiros. Inicialmente reconheceu a auto-

aplicabilidade do artigo 78, parágrafo 2° da ADCT deixando claro seu posicionamento favorável

aos contribuintes, pela desnecessidade de lei estadual ou municipal regulamentadora para

efetivar as compensações, questão à qual as Fazendas Públicas (Federal, Estadual e

Municipal) sempre defenderam o posicionamento contrário.

Em seguida, a decisão pacificou outra polêmica ao admitir o uso de precatório

de entidade diversa daquela que cobra o tributo, fundamentado que ambos os órgãos integram

a Fazenda Pública do mesmo ente federado, levando em conta, portanto, o fato do tributo ser

destinado aos mesmos cofres dos quais sairia o dinheiro para a quitação do precatório.

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Muito embora essa decisão tenha sido proferida de forma monocrática, ela já

sinaliza uma possível postura da mais alta corte do País em um momento no qual o Judiciário

tem se mostrado cada vez mais preocupado com a política oficial de calote contra os credores

de precatórios alimentares, justamente os que mais necessitam de recebimento dos valores

devidos pelo Poder Público.

REFERÊNCIAS

ABRÃO, Carlos Henrique de. O Precatório na Compensação Tributária. Revista

Dialética de Direito Tributário, numero 64/54.

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 2ª edição. São Paulo: Editora

Saraiva, 1998.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 11ª edição. São

Paulo:Saraiva, 1999.

CASTRO, Alexandre Barros. Teoria e Prática do Direito Processual Tributário.

2ª.Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2002, pg.68.

DELGADO, José Augusto. Precatório judicial e evolução histórica. Advocacia

administrativa na execução contra a fazenda pública. Impenhorabilidade dos bens públicos.

Continuidade do serviço público. In: SILVA, Ricardo Perlingeiro Mendes da (Coord.). Execução

contra a Fazenda Pública. Brasília, Centro de Estudos Judiciários, CEJ, 2003, p. 121-140.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19ª

edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.

____________________________. Elementos de Direito Administrativo. 1ª

edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1980.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 26ª edição. São Paulo:

Malheiros Editore, 2005.

______________________. Direito Adquirido e Coisa Julgada como Garantias

Constitucionais. Revista dos Tribunais n° 714/19-26, ano 1995.

SANTOS, J.M. de Carvalho. Código Civil Brasileiro Interpretado. Volume XIII.

11ª edição. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1986,

SILVA, Américo Luiz Martins da. Do Precatório-Requisitório na Execução

contra Fazenda Pública. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1998.

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6ª edição.

São Paulo: Malheiros, 2003.

http://www.esmesc.com.br/upload/arquivos/4-1246975203.PDF

ARTIGO 23

O Parcelamento De Débitos Tributários Em Perspectiva Atual

José Cardoso Dutra Junior - Procurador do Distrito Federal.

1.Introdução

O direito tributário se revela como um dos ramos do direito brasileiro em que a

contribuição doutrinária vem ganhando vulto desde o advento do Código Tributário Nacional,

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principalmente após a promulgação de nossa Carta Magna. Juristas de renome, nessas três

décadas, dedicaram-se à pesquisa científica e à difusão de teses primorosas nos livros e

periódicos que hoje cada vez mais pedem espaço nas livrarias e bibliotecas do País. Todavia,

mesmo em terreno tão explorado ainda é possível encontrar lacuna a ser colmatada, até

porque o direito tributário positivo nunca descansa do assédio de propostas legislativas

capitaneadas, ora pela Fazenda, ora pelos contribuintes. Dentre os temas suscetíveis de

especulação, a natureza jurídica do parcelamento de débitos tributários, que há tempos sugere

muita discussão, brota agora com mais força diante de recentes inovações legislativas, como

as materializadas na Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, que alterou o Código

Tributário Nacional e tratou, entre outros assuntos, do instituto do parcelamento.

Impende, destarte, definir o parcelamento de débitos tributários em perspectiva

atual e consolidar entendimento sobre sua natureza jurídica e sua relação com a moratória,

fazendo antes, por imprescindível, breve digressão sobre o que existia em doutrina e em

jurisprudência antes do advento daquele diploma complementar.

2. A legislação de regência e os questionamentos que o tema sempre

ofereceu

O Código Tributário Nacional instituiu a moratória como forma de suspensão da

exigibilidade do crédito tributário (CTN, 151, I) e traçou as regras básicas de sua concessão,

abrangência e revogação (CTN, 152 a 155). Noutro passo, nada disse a Lei nº 5.172/66 sobre

parcelamento, nem como instituto diferente de moratória, nem como instituto contido no

conceito de moratória individual ou geral.

Noutro giro, a análise da legislação ordinária editada na vigência do CTN

relativa ao pagamento atrasado de débitos de natureza tributária para com a União, Estados e

Distrito Federal, permite aferir que o legislador, raríssimas vezes, usou a expressão moratória

para identificar tal natureza de benefício fiscal. Ao invés disso, sempre se fez menção a

parcelamento, mas nunca definiu o instituto, talvez porque essa tarefa coubesse mesmo à lei

complementar.

A doutrina, então, logo se dividiu. Alguns se atreveram a identificar dois

institutos distintos: moratória sendo dilação de prazo sem acréscimo de acessórios (juros e

multas); e parcelamento como dilação de prazo para pagamento no qual se incluíssem aqueles

encargos. Outros defenderam uma relação de gênero e espécie, onde o parcelamento seria

uma modalidade de moratória em que se fraciona o pagamento em prestações.

A jurisprudência sempre se mostrou rica no enfrentamento dos chamados

efeitos jurídicos da moratória e do parcelamento, sendo pesadamente majoritário o

entendimento de que o parcelamento implica suspensão da exigibilidade do crédito tributário tal

como a moratória[1]. Entretanto, nunca foi verdadeiramente possível captar das decisões

judiciais existentes um posicionamento majoritário e seguro a respeito da natureza jurídica dos

dois institutos em questão.

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A utilidade da diferenciação entre parcelamento e moratória está relacionada à

necessidade de saber se os sistemas federal, estadual, distrital ou municipal de parcelamento

de débitos tributários têm ou não que guardar conformidade com as regras do CTN sobre

moratória, como por exemplo, a do art. 154, parágrafo único, da lei nacional, que trata da

vedação da concessão do benefício para os casos de dolo, fraude ou simulação.[2]À míngua

de uma teorização completa sobre o tema na doutrina pátria, ou de seu perfeito tratamento

legislativo, as discussões sempre desembocavam nas velhas perguntas: parcelamento e

moratória são dois nomes de um mesmo instituto? Ou seria possível definir o parcelamento

como uma forma atípica ou sui generis de suspensão da exigibilidade do crédito tributário? E

mais: quais seriam as conseqüências jurídicas de uma ou outra resposta?

3. A doutrina que se construiu sobre a matéria

Nos mais conhecidos cursos e manuais de direito tributário, o parcelamento é

geralmente estudado junto com a moratória, portanto, dentro dos comentários às formas de

suspensão da exigibilidade do crédito tributário. De tudo o que se escreveu sobre o tema, é

certo dizer que a natureza jurídica do parcelamento deu origem a diversas correntes

doutrinárias, dentre as quais se destacam: a) parcelamento como modalidade de moratória; b)

parcelamento como transação; c) parcelamento como novação; d) parcelamento como causa

sui generis de suspensão do crédito tributário.

Parcelamento como modalidade de moratória: Para alguns, a moratória

consiste na dilação do prazo para o pagamento do crédito tributário, sendo o parcelamento do

débito a modalidade mais utilizada. Sob essa perspectiva, a moratória pode se dar tanto pela

simples dilatação do prazo para pagamento único como também pela dilatação de prazo para

pagamento em prestações, caso em que ganha o nome de parcelamento.[3]

Os que trilham esse caminho, interpretam o CTN segundo as lições de Fábio

Fanucchi, que assim doutrinou sobre o tema:

"(...) A moratória poderá abranger créditos vencidos e vincendos, tudo

dependendo das condições insertas no diploma legal específico (...) A respeito dos

parcelamentos, tem-se discutido sobre a legitimidade da inclusão, ao crédito, de multa e juros

moratórios verificados devidos após a concessão do favor. Em princípio, não houvesse na

legislação específica ordenamento de inclusão das multas e juros moratórios ao valor original

do crédito como condição para a concessão da moratória, parece claro que não deveria haver

o acréscimo, desde que concedida a prorrogação do prazo para pagamento do crédito. Tal

acréscimo, como se conclui pela letra da lei nacional tributária, se justificaria quando e se

revogada a moratória, por inadimplemento de condições que justificassem a concessão do

favor, com ou sem a prática de dolo ou simulação pelo beneficiado, ou por terceiro em

favorecimento daquele (...) Se, pela lei nacional, o acréscimo de simples juros moratórios só é

cogitado no instante em que se ditam as normas de revogação do favor de prorrogação no

prazo do pagamento, infere-se daí não ser cabível esse acréscimo enquanto não revogada a

moratória".[4]

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Contra essa corrente, opõe-se àquela que declara inconfundíveis parcelamento

e moratória, exatamente porque essa, à luz da inteligência do art. 155, caput, do CTN, não

comporta encargos (multa e juros), visto que quando de sua concessão o débito ainda não se

acha vencido, ao passo que o parcelamento contempla ditos encargos e, por isso, afasta-se do

conceito de moratória. [5]

Parcelamento como transação. O Código Tributário Nacional, em seu art.

171, diz que "A lei pode facultar, nas condições que esta beleça, aos sujeitos ativo e passivo da

obrigação tributária, celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em

determinação[6] de litígio e conseqüente extinção do crédito tributário".

Na transação[7], a Fazenda flexibiliza o princípio da indisponibilidade do crédito

tributário, para, mediante concessões (que hão de ser menos custosas que o mecanismo de

cobrança), ganhar a certeza do recebimento do crédito, ou pelo menos sua recuperação mais

rápida[8]. Para Bernardo Ribeiro de Moraes[9](com a ressalva de que este autor não relaciona

transação e parcelamento), a transação se assenta, sob a ótica da Fazenda, na incerteza

sobre o momento da efetiva satisfação do crédito ou sobre a capacidade do contribuinte de

suportá-lo por inteiro (em condições que não as da transação), de tal sorte a provocar o

acordo.

Nesse contexto e a partir da análise da vasta legislação federal, estadual e

distrital sobre parcelamento, vem aumentando o número de estudiosos que vêem nesse

instituto um instrumento de transação, pois claras são concessões mútuas realizadas entre os

sujeitos da obrigação tributária, a saber: sujeito ativo aceitando receber o crédito tributário em

dezenas de parcelas, com redução do que seria devido a título de juros, multa e outros

encargos da dívida ativa; sujeito passivo confessando a dívida, renunciando a recursos[10] na

esfera administrativa e judicial, e comprometendo-se a pagar um número determinado de

parcelas num prazo certo de tempo.[11]

A esse modo de ver as coisas se opõem aqueles que defendem que o

parcelamento se afasta da transação porque, diferentemente dela, não extingue o crédito

tributário, mas apenas suspende sua exigibilidade.[12]O certo, entretanto, é que o

parcelamento, a despeito de não extinguir o crédito tributário, serve como instrumento primeiro

de seu alcance. E seu enquadramento no conceito de transação depende, por óbvio, da

adesão à insuperável doutrina de Sacha Calmon Navarro Coelho, verbis:

"Transacionar não é pagar, é operar para possibilitar o pagar. É modus

faciendi, tem feitio processual, preparatório do pagamento. Por meio de uma transação, muita

vez ocorre pagamento em moeda, consorciado a pagamento por compensação, a aplicação de

remissões e anistias, ou mesmo a dação em pagamento de coisa diversa do dinheiro".[13]

O parcelamento, portanto, subsume-se à norma geral sobre transação. Uma

vez firmado, suspende a exigibilidade do crédito. Honrado, extingue-o. Essa é a corrente

encampada em recente apreciação do tema no âmbito da Procuradoria-Geral do Distrito

Federal, de que resultou a emissão do Parecer nº 8.068/2000-PRG. [14]

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Parcelamento como transação e novação. Roque Antônio Carraza, em

brilhante estudo, defende que o parcelamento de débitos tributários é uma modalidade de

transação que, inevitavelmente, deságua em novação. Para o reconhecido Professor, o

instituto da transação, previsto nos artigos 156, III e 171 do CTN, a par de levar a cabo a

primitiva obrigação tributária, determina o surgimento de novas. E sendo o parcelamento, a seu

ver, instituto que se coaduna com o conceito de transação, ele faz com que a obrigação

tributária desapareça e dê lugar a tantas obrigações tributárias novas quantas forem as

prestações, todas com valores e vencimentos próprios. O contribuinte passa a ficar em dia com

a Fazenda e ganha direito a certidões de regularidade (CTN, 205 e ss.).[15]

Esse entendimento é rebatido pelos que entendem que o pagamento não se

confunde com a novação, pois esta implica substituição da relação jurídica, com mudança de

devedor, de credor, ou do objeto da prestação, e o parcelamento, ao contrário, mantém a

relação jurídica (sujeitos e objeto) e repercute apenas nas condições de pagamento. A novação

extingue o crédito tributário (CTN, 156); o parcelamento é causa de suspensão de exigibilidade

do crédito, embora seja certo que honrado o parcelamento, extinto estará o crédito. [16]

Parcelamento como causa sui generis de suspensão do crédito tributário.

Caminhando em sentido independente, há um grupo de tributaristas que vê o parcelamento

como clara e simples dilatação do prazo de pagamento de dívida tributária vencida, o que o

diferencia da moratória, na qual se adia o vencimento da dívida. Por isso, noparcelamento

incluem-se os encargos, enquanto que na moratória não se cuida deles. Esse é linha de

pensamento de Bernardo Ribeiro de Moraes, Hugo de Brito Machado e Luiz Emygdio F. da

Rosa Jr.[17]

É certo que esses doutrinadores não declararam expressamente - pelo menos

nos trabalhos escritos que fundamentaram o presente estudo - ser o parcelamento causa sui

generis de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Todavia, não se confessaram

adeptos de nenhuma das correntes doutrinárias acima expostas, de modo que só se pode

enquadrá-los como defensores do parcelamento enquanto instituto diferenciado, atípico ou sui

generis de suspensão da exigibilidade do crédito tributário.

4. A Lei Complementar nº 104 e a abordagem da matéria sob perspectiva

temporal adequada

A Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001 (DOU 11.01.01.) operou

diversas alterações no Código Tributário Nacional, merecendo destaque, entre elas, por

pertinência temática com este pequeno trabalho, o acréscimo de um inciso VI no art. 151 e do

art. 155-A, caput e §§1ºe 2º. Com as citadas alterações, o CTN passou a rezar que:

"Art. 151.Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:

(...)

VI - o parcelamento."

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"Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas

em lei específica.

§ 1º Salvo disposição de lei em contrário, o parcelamento do crédito tributário

não exclui a incidência de juros e multas.

§ 2º Aplicam-se, subsidiariamente, ao parcelamento as disposições desta Lei,

relativas à moratória."

Como se vê, numa só penada o legislador contribuiu e muito para a solução de

questões doutrinárias que há anos estavam carentes de melhor sistematização e efetivo

enfrentamento.

Caminhando na linha da jurisprudência majoritária, o CTN agora inclui o

parcelamento dentre as causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (CTN, 151,

VI). O parcelamento passa a ser tratado pelas normas gerais do Código, sendo que a criação

de novel dispositivo (CTN,155-A) afastou de vez teseda sinonímia com a moratória. Garantiu-

se, todavia, a subsidiariedade das normas da moratória ao parcelamento, de modo que a ele

se aplica o disposto nos artigos 152 a 155 do CTN, sempre que haja compatibilidade.

A moratória, nos termos do art. 154, caput, do CTN, abarca apenas os créditos

definitivamente constituídos (lançamento notificado e prazo para pagamento in albis), embora a

lei autorizadora possa permitir que ela atinja os casos em que tenha havido a notificação de

lançamento, mas ainda não esteja esgotado o prazo para pagamento. A moratória pressupõe,

assim, o lançamento iniciado (leia-se: notificação recebida pelo sujeito passivo).

Essa regra não se aplica ao parcelamento, pois ao estabelecer que o

parcelamento contemplará juros e multas, salvo de modo diverso dispuser a lei que autoriza

sua concessão (CTN, 155-A, §1º), o Código não deixa lacuna para a aplicação subsidiária da

norma atinente à moratória. Isso porque, se o parcelamento contempla juros e multas (salvo

quando o legislador dispensar tais encargos), uma conclusão é certa: ele incide sobre débitos

já vencidos e não pagos, pouco importando se houve ou não o lançamento. Então, o §1º do

art.155-A acrescentado ao Código deixa clara a abrangência do parcelamento, que acaba

firmando-se como uma via mais vantajosa que a Fazenda, eis que abrange um maior plexo de

débitos e permite a cobrança de encargos.

5. Conclusões

À luz dessas recentes alterações no CTN, cuja clareza e objetividade

dispensam maiores comentários, e dos fragmentos de doutrina colhidos no período que

precedeu a citada inovação legislativa, é possível inferir que:

a) data venia das opiniões em contrário de ilustres tributaristas, parcelamento e

moratória são institutos que nunca se confundiram, restando sepultadas as discussões em

torno do tema a partir da edição da LC nº 104/01, que acrescentou ao Código Tributário

Nacional o inciso VI do art. 151 e o art. 155-A;

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b) o parcelamento só pode ser concedido a partir de lei autorizadora específica,

que fixe os limites das concessões que a Fazenda possa fazer ao contribuinte, entre elas o

número máximo de parcelas, os juros e as multas incidentes (art. 155-A, caput, do CTN);

c) a lei que concede parcelamento deve ser interpretada de forma restritiva

(CTN, 111, I), uma vez que constitui exceção à regra de que ocorrido o fato gerador, a

autoridade administrativa não pode deixar de fazer o lançamento e notificar o contribuinte para

pagar integralmente o valor em prazo legalmente fixado, e nem deixar de cobrar extrajudicial

ou judicialmente a dívida se esse prazo transcorrer in albis (CTN, 142, parágrafo único e 201, e

Lei nº6.830/80, artigos 1º e ss);

d) na concessão do parcelamento, diferentemente do que ocorre na moratória

(inteligência do art.155, II, CTN), a regra é cobrar juros e multas, podendo o legislador dispor

de modo diverso (CTN, 155-A, §1o);

e) se pode existir, nos termos de disposição expressa em lei ordinária (art. 155-

A, §1º, do CTN), parcelamento sem inclusão de juros e multas, tais encargos não compõem

necessariamente o conceito de parcelamento e, portanto, não servem de traço distintivo dele

em relação à moratória, como defenderam, no passado, reverenciados juristas. A possibilidade

de inclusão dos encargos no parcelamento é que representa, verdadeiramente, um dos traços

que o distingue da moratória;

f) entretanto, a possibilidade de cobrança de juros e multas no parcelamento

não significa a confirmação da tese de que o parcelamento pressupõe débito vencido, ao passo

que a moratória recai apenas sobre débitos vincendos, haja vista a inconfundível dicção do art.

154, caput, do CTN, no sentido de que a moratória alberga, em regra, créditos definitivamente

constituídos (lançados e não pagos no prazo, portanto, vencidos), embora possa o legislador,

excepcionalmente, incluir créditos não definitivamente constituídos, desde que já notificado o

lançamento ao contribuinte (débito vincendo);

g) assim sendo, parcelamento cuida de débitos vencidos (CTN, 155-A, §1º) e

moratória também (CTN, 154, caput), embora nesta a lei autorizadora possa também incluir os

vincendos cujo lançamento já tiver se operado;

h) as regras do CTN sobre moratória se aplicam subsidiariamente ao

parcelamento (CTN, 155-A, §2o), entre elas a do art. 154, parágrafo único, do Código, sem

prejuízo da remissão (CTN, art.172) que couber na hipótese ali especificada;

i) o parcelamento, a partir da edição da LC nº 104/01, é causa de suspensão

da exigibilidade do crédito tributário expressamente prevista no Código (CTN, 151, I e VI),

sendo certo que antes do advento de tal diploma o parcelamento tinha o efeito de suspender a

cobrança do crédito, mas não em decorrência do art. 151 do CTN, e sim do pacto

administrativo firmado entre contribuinte e Fazenda, assentado na lei autorizadora do

parcelamento;

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j) a identificação do parcelamento enquanto causa de suspensão da

exigibilidade do crédito tributário (CTN, 151, VI) não obsta seja ele, noutra dimensão,

instrumento de transação (CTN,171), eis que não sendo, de imediato, um pagamento, o acordo

para pagamento parcelado configura ato jurídico que irá possibilitar e preparar o pagamento,

para onde convergem concessões mútuas de Fazenda e contribuinte, gerando, num primeiro

instante, a suspensão da exigibilidade e, num segundo instante, a extinção do crédito tributário

(CTN, 156, III);

k) nesse último prisma (parcelamento enquanto instrumento de transação), é

de se salientar que ele termina litígio, entendido este vocábulo como qualquer controvérsia

administrativa, inclusive a presunção, decorrente do não pagamento do débito no vencimento,

de que o contribuinte não quer pagar e de que o Estado sempre quer receber (princípio da

indisponibilidade dos bens públicos);

l) as concessões fazendárias materializadas em parcelamento não ofendem o

princípio da indisponibilidade dos bens públicos, uma vez que, em perspectiva atual, tal

princípio deve ser balanceado com outro, o da eficiência do Estado, segundo o qual deve

interessar à Fazenda fazer mutuamente com o contribuinte concessões que, sendo menos

custosas que o mecanismo de cobrança, imprimam a certeza do recebimento do crédito ou,

pelo menos, de sua recuperação mais rápida (em relação à cobrança judicial), sempre

considerando a capacidade ou não do contribuinte de suportá-lo por inteiro (em condições que

não as do parcelamento);

m) nada impede que o acordo de parcelamento, enquanto instrumento de

transação, albergue institutos como a remissão (CTN, 172) ou a anistia (CTN, 180 e ss.) com

as regras que lhe são próprias;

[1]Cf. STJ, Resp 162.887, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 04.05.98, Resp

88.786, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 03.03.98, TRF 4ª Região, e AMS 97.04.64710, Rel

Juiz Fábio Bittencourt Rosa, DJ de 29.07.98.

[2]Essa matéria está sendo versada na Ação Civil Pública proposta pelo

MPDFT contra o Distrito Federal, na qual se questiona, entre outras matérias, a concessão de

parcelamento de débitos tributários com redução de multa aplicada em casos de dolo, fraude

ou simulação, firmados com base nas Leis Complementares Distritais nº 191/99, 212/99 e

277/2000.

[3]Nesse sentido TORES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e

Tributário, Rio de Janeiro: Renovar, 1993, p.244. No mesmo passo, SAKAHIHARA, Zuudi. In:

FREITAS, Vladimir Passos, coordenador. Código Tributário Nacional Comentado. São Paulo:

RT, 1999, p.600, e PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à

luz da doutrina e da jurisprudência, 2ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p.506. É

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possível ainda ver essa doutrina na jurisprudência do TRF 4ª Região, como na REO 4430538,

Rel. Juiz Jardim de Camargo, DJ de 22.05.96.

[4] Curso de Direito Tributário Brasileiro, 4 ed., Vol. I, São Paulo: Resenha

Tributária, 1977, p.310/313.

[5]Vide nota 8 infra. Essa é a doutrina de Bernardo Ribeiro de Moraes em seu

consagrado Compêndio de Direito Tributário, Rio de Janeiro, Forense, 1987, p. 594. Assim

também MACHADO, Hugo de Brito, Curso de Direito Tributário, 8 ed. São Paulo: Malheiros,

1993, p.124, e ROSA JR., Luiz Emygdio F., Manual de Direito Financeiro e Tributário, 14 ed.

Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 566.

[6] Leia-se terminação.

[7]Aliomar Baleeiro registra que, a despeito de prestigiosas opiniões em

contrário, o legislador empregou o vocábulo no sentido jurídico e não vulgar de negócio

qualquer, pois quis falar sobre ato jurídico que modifica e extingue obrigações. Cf. Direito

Tributário Brasileiro, 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1975, p.510.

[8] Cf. ABRÃO, Carlos Henrique. Parcelamento do débito tributário, in Revista

Dialética de Direito Tributário, Vol.21, p.13-17.

[9] Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 623-624.

[10]A expressão recursos aqui é usada para englobar todos os expedientes

administrativos e judiciais de que se pode valer o contribuinte para contestar um crédito fiscal.

[11] Na jurisprudência, há uma aceitação do parcelamento enquanto transação,

valendo conferir: no

TRF da 5ª Região, a AC 97.05.36429-0, Rel. Juiz Geraldo Apoliano, DJ

24/11/2000, e a ACr 89.05.09050- 8, DJ de 25.04.90, Rel. Juiz José Delgado; no TRF da 2ª

Região, a AC 96.02.38170-1, Rel. Des. Fed. Ney Fonseca, DJ 17/09/1998.

[12]Cf. STJ, 1ª Turma, Resp 38.245, Rel. Min. Milton Pereira, DJ de 19.06.95.

TRF 2ª Região, AC 92.02.15126-1, Rel. Desembargadora Federal Tânia Heine, DJ 05.11.92.

Assim também entende Manoel Álvares, in Código Tributário Nacional Comentado/

coordenação de Vladimir Passos Freitas, São Paulo, RT, 1999, p.654.

[13] Apud. Curso de Direito Tributário Brasileiro, 4ª ed. São Paulo: Forense, p.

716-717.

[14]Esse parecer foi elaborado por uma comissão composta pelos ilustres

colegas: Ada Stella Bassi Damião, Evaldo de Souza da Silva, Maria Vilma Silva Mansur,

Tarcísio Vieira de Carvalho Neto e Osiris de Azevedo Lopes Neto.

[15]A extinção da punibilidade no parcelamento de contribuições

previdenciárias descontadas, por entidades beneficentes de assistência social, dos seus

empregados, e não recolhidas no prazo legal. Questões conexas, in Revista dos Tribunais, V.

728, jun. 1996, p. 433-450.

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[16] Cf. STJ, ROHC 3.973, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ de 15.05.95.

[17] Essa é a doutrina de Bernardo Ribeiro de Moraes em seu consagrado

Compêndio de Direito Tributário, Rio de Janeiro, Forense, 1987, p. 594. Assim também

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 8ªed. São Paulo: Malheiros 1993,

p.124, e ROSA JR., Luiz Emygdio F. Manual de Direito Financeiro e Tributário. 14ª ed. Rio de

Janeiro: Renovar, 2000, p. 566. O STJ parece ter acolhido essa doutrina em julgamentos como

o dos Recursos Especiais de nº 39.020 (DJ 15.05.95) e 54.531 (DJ 18.09.95), ambos relatados

pelo Ministro Milton Pereira.

http://www.arcos.org.br/periodicos/revista-dos-estudantes-de-direito-da-unb/5a-edicao/o-parcelamento-de-debitos-tributarios-em-perspectiva-atual