marcus aurelio taborda de oliveira

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 2610 SILVIO RODRIGUEZ: VAMOS A ANDAR 1 Marcus Aurelio Taborda de Oliveira 2 Sempre que se hace una historia se habla de un viejo, de un niño o de si. Pero mi historia es difícil, no voy a hablarles de un hombre común... Valendo-se da sua própria poesia, em Canción del Elegido, de 1977, assim se poderia começar a tratar de Silvio Rodriguez Dominguez como artista e intelectual. O autor cubano, nascido em San Antonio de los Baños, Havana, em 1946, tem uma vasta obra musical reconhecida internacionalmente, embora seja evidente a sua tímida presença no panorama musical brasileiro. Compositor, cantor, instrumentista, desenhista, escritor, Silvio Rodriguez teve difundido no Brasil apenas um LP, em 1986, apresentado por Milton Nascimento. Algumas poucas obras da sua vasta produção foram gravadas por Nara Leão, Chico Buarque, Tarankón, Olivia Bryington, Miltinho e MPB-4, além do próprio Milton. Considerado um autor que enfatiza na sua criação temas relacionados ao amor, às mulheres, à sua Pátria, e aos ideais internacionalistas e/ou universais, percorre com a sua obra um universo político e estético sempre muito afeito aos problemas do seu tempo, e não apenas àqueles da sua ilha natal. Em inúmeras ocasiões, de forma explicita ou não, o artista tratou o tema da educação, considerado por ele a única possibilidade para que as pessoas possam, de fato, exercer a liberdade, e para o gênero humano elevar-se além da barbárie. No entanto, sua mensagem não é explicita quando se trata daquela criação, até porque as artes da poesia e da música se alimentam de imagens, metáforas e jogos de linguagem que não se pretendem programáticos. Talvez por isso muitos afirmem ter dificuldades com o sentido das suas composições, na medida em que, para ele, a Revolução muitas vezes foi reverenciada como uma mulher a quem se dedica o mais intenso amor, sentimento que oscila entre o singular e o universal. Penso que é justamente aí que o artista pode ser pensado como intelectual. Quando transcende a dimensão pragmática e programática, quando supera rígidos limites 1 O trabalho apresenta alguns dos resultados do projeto A educação dos sentidos na história: o tempo livre como possibilidade de formação (entre os anos finais do séc. XIX e os anos iniciais do séc. XXI), em andamento, desenvolvido junto ao Núcleo de Pesquisas sobre a Educação dos Sentidos e das Sensibilidades NUPES, vinculado ao GEPHE, na Universidade Federal de Minas Gerais. 2 UFMG/ CNPq.

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 2610

SILVIO RODRIGUEZ: VAMOS A ANDAR1

Marcus Aurelio Taborda de Oliveira2

Sempre que se hace una historia se habla de un viejo, de un niño o de si. Pero mi historia es difícil, no voy a hablarles de un hombre común...

Valendo-se da sua própria poesia, em Canción del Elegido, de 1977, assim se poderia

começar a tratar de Silvio Rodriguez Dominguez como artista e intelectual. O autor cubano,

nascido em San Antonio de los Baños, Havana, em 1946, tem uma vasta obra musical

reconhecida internacionalmente, embora seja evidente a sua tímida presença no panorama

musical brasileiro. Compositor, cantor, instrumentista, desenhista, escritor, Silvio Rodriguez

teve difundido no Brasil apenas um LP, em 1986, apresentado por Milton Nascimento.

Algumas poucas obras da sua vasta produção foram gravadas por Nara Leão, Chico Buarque,

Tarankón, Olivia Bryington, Miltinho e MPB-4, além do próprio Milton. Considerado um

autor que enfatiza na sua criação temas relacionados ao amor, às mulheres, à sua Pátria, e

aos ideais internacionalistas e/ou universais, percorre com a sua obra um universo político e

estético sempre muito afeito aos problemas do seu tempo, e não apenas àqueles da sua ilha

natal. Em inúmeras ocasiões, de forma explicita ou não, o artista tratou o tema da educação,

considerado por ele a única possibilidade para que as pessoas possam, de fato, exercer a

liberdade, e para o gênero humano elevar-se além da barbárie. No entanto, sua mensagem

não é explicita quando se trata daquela criação, até porque as artes da poesia e da música se

alimentam de imagens, metáforas e jogos de linguagem que não se pretendem

programáticos. Talvez por isso muitos afirmem ter dificuldades com o sentido das suas

composições, na medida em que, para ele, a Revolução muitas vezes foi reverenciada como

uma mulher a quem se dedica o mais intenso amor, sentimento que oscila entre o singular e o

universal. Penso que é justamente aí que o artista pode ser pensado como intelectual.

Quando transcende a dimensão pragmática e programática, quando supera rígidos limites

1 O trabalho apresenta alguns dos resultados do projeto A educação dos sentidos na história: o tempo livre como possibilidade de formação (entre os anos finais do séc. XIX e os anos iniciais do séc. XXI), em andamento, desenvolvido junto ao Núcleo de Pesquisas sobre a Educação dos Sentidos e das Sensibilidades – NUPES, vinculado ao GEPHE, na Universidade Federal de Minas Gerais.

2 UFMG/ CNPq.

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discursivos sem, contudo, deixar de influenciar a dimensão pública valendo-se da produção

de ideias sobre problemas de mundo em comum, as quais normalmente circulam por

suportes que visibilizam a sua obra. No caso deste artista, em especial, essa obra musical e

poética se materializou em livros, discos de vinil ou CDs e DVDs que correm o mundo.

Nesse momento de forte tensão conservadora no mundo, que se expressa não apenas

no Brasil e em outros países latino-americanos com uma raivosa rejeição ao comunismo e

dos seus símbolos, entre os mais destacados, Cuba, reconhecer como um intelectual de rara

sensibilidade supera os estreitos limites da obediência ideológica, poderia ser um alento. Fiel

a uma tradição de intelectuais latino-americanos empenhados na afirmação dos países da

região contra os ideais civilizatórios impostos pela Europa e os Estados Unidos, nem por isso

Silvio Rodriguez se confunde com um intelectual criollo, avesso às realizações culturais em

geral. Para ele a cultura é sempre patrimônio universal, e a sua distribuição desigual é uma

questão política das mais prementes. Basta observar o seu encanto pelos Beatles, que lhe

rendeu censura, demissão e desemprego nos anos 1960, e toda uma constelação de imagens,

palavras e acordes de caráter universalista por ele mobilizada, tais como o elogio do rock and

roll, a reverência a Marc Chagall, Pablo Picasso, Jacques Costeau, Albert Eistein, Herman

Melville, Pier Paolo Pasolini, Charles Chaplin, Ernest Hemingway, Ruben Dario e Jose Martí.

Mas também o senso de pertencimento a uma tradição musical intercontinental que inclui

Violeta Parra e Vitor Jara, no Chile, Atahualpa Yupanqui, Victor Heredia, Mercedes Sosa e

León Gieco, na Argentina, Juan Manuel Serrat e Luiz Eduardo Aute, na Espanha, Chavela

Vargas, no México, Chico Buarque, no Brasil e tantos outros artistas, com destaque ao seu

mentor Silvio Garay. Por outro lado, o autor saudou a abertura cultural da Ilha expressa,

entres outras coisas, pelo show dos Rolling Stones em 2016, e faz a crítica aberta à política

que impede o acesso do povo à internet, assim como à condição de vida dos bairros mais

pobres de Cuba. Pode-se considerar que há 50 anos ele realiza com empenho o diálogo entre

a tradição popular da Ilha de Cuba e as grandes realizações culturais do gênero humano, que

extrapolam o tempo e o espaço e são marcas do internacionalismo que ele não cansa de

professar.

O artista cubano circulou entre as artes plásticas e a música e se tornou um dos maiores

expoentes da chamada Nueva Trova Cubana.3 Mais de uma vez admitiu ter começado a tocar

3 Movimento estético nascido nos anos finais da década de 1960, sob a liderança de artistas como Pablo Milanés, Noel Nicola, Vicente Feliú, Martin Rojas, Eduardo Ramos, além do próprio Silvio. De caráter espontâneo, surgido do encontro e compartilhamento de experiências de diferentes autores, o movimento foi apropriado pelo governo cubano no início da década seguinte. Nesse processo, segundo Rodriguez, foi burocratizado e desvirtuado, uma vez que o regime teria tentado conter o seu potencial estético contestador e revolucionário.

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o violão já tarde, durante o serviço militar, por ser um desenhista e pintos frustrado. Sem ser

um típico músico de protesto, característica de muitos músicos latino-americanos nas

décadas de 1960 e 1970, Silvio Rodriguez participou de muitas maneiras da renovação da

sociedade cubana pós-revolucionária. Atuou nas brigadas culturais que erradicaram o

analfabetismo em Cuba, ajudou a organizar movimentos de renovação estética e contestação

cultural, disseminou pelo mundo os ideais internacionalistas tendo, inclusive, se

voluntariado para lutar na Guerra de Libertação de Angola. Isso sem perder de vista a

sensibilidade e o lirismo característicos da sua poesia que, se não pode ser caracterizada de

maneira rasa como sendo de protesto, não deixou de ser militante das causas políticas,

culturais e estéticas, ao mesmo tempo que trata do amor nas suas múltiplas formas, pela

mulher, pela arte, pela pátria, pela humanidade. O próprio autor reconhece, por exemplo,

que Pablo Milanés e outros compositores e escritores tiveram uma produção artística muito

mais engajada politicamente (MAGGIORA, 2012).

Neste texto exploro pequenos fragmentos da sua obra poética para captar ecos do que

poderia ser considerado um labor a favor da formação humana, expresso no desejo não

apenas de uma sociedade mais justa, mas de uma humanidade “mais humana, feliz e

criativa”. Sem que esse seja em última análise o seu propósito, parto do entendimento que

preocupações com múltiplas formas de educação emanam dos seus escritos, das suas ações

culturais e das suas manifestações públicas pela via da grande mídia, os quais me interessam

de maneira especial. Destarte, tomo a sua obra poética expressa nas letras das suas canções,

relativamente pouco conhecidas no Brasil, para analisar a sua contribuição para o que venho

chamando de práticas de educação social, nesse caso, que mobilizam a arte como

possibilidade de formação, não apenas do gosto, mas também da consciência política e da

sensibilidade social. As fontes privilegiadas são as letras de suas canções, disponíveis na sua

ampla discografia, algumas delas acessíveis na rede mundial de computadores.4 Completam o

Para o próprio Silvio aquela experiência foi marcada pelos novos ares na educação do país. La Nueva Trova teria sido produto do ambiente cultural que impulsionou a Revolução: "Esa avidez de conocimiento que impulsó la Revolución nos influyó mucho. Fuimos lo que fuimos gracias a eso” (2016). Por outro lado, para ele a revolução não criou, apenas, uma outra sociedade, mais foi fruto de uma estrutura de sentimentos que a tornou possível. Sobre a noção de estrutura de sentimentos ver Raymond Williams (2003).

4 O site oficial do autor faz referência a 31 álbuns musicais, entre autorais, de shows ao vivo e coletivos, sem contar as participações como convidado, além de 6 livros lançados. Os seus trabalhos mais recentes são o CD Amoríos, de 2015 e o livro Cancionero, de 2009. Também são referidos os inúmeros prêmios e homenagens por ele conquistados desde 1981, entre eles Artista Unesco pela Paz, de 1997, Prêmio Luigi Tenco, na Itália, de 1985, Prêmio Latino por Toda uma Vida, da Academia de Artes e Música da Espanha, de 2006. É, ainda, doutor honoris causa pela Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Peru (2007), pela Universidad Veracruzana, México (2010) e pela Universidad Nacional de Córdoba, Argentina (2011). Ver: http://zurrondelaprendiz.com/ Já, o seu blog atesta o quanto o autor se engajou nos mais diversos debates ao longo do tempo, algo que segue realizando ainda hoje.

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corpus filmes que trataram de shows e viagens do autor, além de documentários e entrevistas

exibidos em diferentes países da América Latina, tais como Venezuela, Chile, Argentina,

Cuba e Brasil, bem como na Espanha e na Alemanha, que demonstram claramente o seu

lugar de intelectual engajado. Dada a pouca circulação da sua obra e do seu pensamento no

Brasil, a rede mundial de computadores foi uma ferramenta crucial para acessar a produção

dispersa por países latino-americanos, além da Espanha, dos Estados Unidos e da Alemanha.

Educação como cultura: esclarecimento geral

Silvio Rodriguez nunca negou o seu apreço pela Revolução Cubana, sendo um grande

defensor das suas realizações. Mas, antes, é um grande defensor da tradição e da cultura

cubanas. Todavia, recentemente tem matizado os seus elogios ao projeto revolucionário,

tornando públicas críticas contra o que considera a negação de alguns dos seus princípios.

Obviamente embora seja quase uma unanimidade artística mesmo para aqueles mais duros e

exaltados críticos da revolução e do governo, o autor é frequentemente execrado como um

títere do regime castrista (RODRIGUEZ, 2016). Talvez por isso em entrevista recente, e

diante de uma clara tentativa de enquadramento da jornalista Pía Castro, do Deutsche Welle,

em relação ao seu pouco interesse em de apresentar em Miami, tenha respondido “Não

preciso suportar acusações. Quero fazer a minha música, a minha poesia. Prefiro ir aonde me

amam. Você quer tirar palavras da minha boca... Por favor não me confunda com o governo

cubano...” (RODRIGUEZ in CASTRO, 2016). Nessa mesma entrevista, inclusive, realizada em

setembro de 2016, cravou a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos.

Também é evidente que as posições que defende publicamente estão em flagrante

desacordo, inclusive, com antigos parceiros. Basta observar o duro debate entre ele e Pablo

Milanés, com veladas acusações recíprocas sobre possíveis práticas de traição dos ideais

revolucionários (AQUEVEDO, 2011). Embora só tenha visitado os Estados Unidos em 1979 e,

mais recentemente, em 2010, depois de ter o seu visto negado um ano antes, muitos dos

discos de Silvio circularam livremente naquele país, principalmente entre a enorme

comunidade cubana radicada ou exilada na Flórida. Recentemente demonstrou o seu

assombro com a precariedade da vida do povo mais pobre da periferia do país, e criticou o

fato de os jovens terem negado o seu direito de se conectar com o mundo e ampliar os seus

horizontes de expectativas, pois é um grande defensor da internet como possibilidade de

intercâmbio de experiências. Os seus comentários lhe renderam duras críticas – algumas

raivosas – de muitos cubanos radicados naquele país (El País, 2010a; Folha de S. Paulo,

2013; PÉREZ, 2014). No entanto, é um claro adversário das tentativas de intervenção sobre a

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vida política, econômica ou cultural de Cuba, como propôs o grupo Plataforma de Españoles

por la Democratización de Cuba, encabeçado, entre outros, por Mario Vargas Llosa (El Pais,

2010b).

Sua militância pela causa da educação começou ainda na sua juventude quando, aos 15

anos, participou das Brigadas Conrado Benitez, uma das ações da Campanha Nacional de

Alfabetização, que praticamente erradicou o analfabetismo de Cuba em 1961.5 Essa militância

permanece nas suas declarações públicas ainda hoje,

Desde niño salí a la calle a apoyar con entusiasmo el proceso revolucionario, pero cuando me puse a cantar evité hacer panfletos. Las pocas alabanzas que he suscrito suelen señalar su excepcionalidad desde el título, con un distanciamiento casi brechtiano. Canción urgente a Nicaragua es buen ejemplo. Oda a mi generación tuvo y tiene implicaciones desafiantes, ante una generación del Moncada aún vigente y a veces demasiado paternal. He preferido estos riesgos porque para hacer propaganda sobran especialistas, pero también porque soy de ese tipo de gente que no soporta adular lo que respeta. Creo que la Revolución ha sido un hermoso proyecto de Nosotros, con mayúsculas, a pesar de momentos que pudieran confundir su nobleza. El nosotros que identificas en esas canciones debe ser necesidad de establecer que el cantor es parte de una dignidad colectiva (RODRIGUEZ, 2009).

Uma das muitas ações que o autor tem conduzido se refere aos chamados Conciertos de

los Barrios. Partindo do seu diagnóstico que “a gente está bem e está mal”, entende que é

necessário levar aos bairros mais pobres do país a arte e a cultura. A música e a poesia, como

formas de estimular a criação: “... estimular os livros entre os mais jovens, muito

dependentes dos aparatos eletrônicos” (CASTRO, 2016). Para ele a “gente mais humilde” tem

tanto direito à arte de qualidade quanto aqueles mais privilegiados. Sobretudo porque

conhecendo essa arte pode conhecer muito do que é sua própria capacidade de produzir e do

que o seu povo já produziu. Respondendo porque compõe e canta, afirmou uma vez mais que

“o papel da arte é fazer a gente feliz”. “Que as pessoas sonhem, fantasiem, imaginem. A mente

humana está cheia de imaginação” (RODRIGUEZ, 1983). Esses concertos servem, assim,

para compartilhar experiências. Indagado como a cultura cubana poderia suportar a

aproximação com os Estados Unidos sem sucumbir à indústria cultural, responde:

5 As Brigadas Conrado Benitez, em homenagem a um jovem educador morto por um grupo ligado ao antigo ditador Fulgêncio Batista, reuniam jovens de até 19 anos que percorriam o país ensinando a população sem acesso à educação formal. 1961 foi declarado o ano da Educação em Cuba. Naquele ano, após a Campanha, apenas 3,9% da população do país era analfabeta, contra 20% em 1958. Em relação ao índice de escolarização, foi reduzida de 40% para 20% a taxa de crianças sem escola, no mesmo ano. Cuba se auto declarou, em dezembro de 1961, Território Livre do Analfabetismo. Tanto a UNESCO quanto estudiosos estadunidenses reconhecem que aquela foi uma das iniciativas mais exitosas em prol da educação, no mundo. Para um balanço completo daquela iniciativa, inclusive em relação às críticas que recebeu, ver o estudo de Ruth Supko (1998), da Arkansas State University.

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Creo en la identidad. Sin confundirla con lo característico a ultranza, que puede resultar caricaturesco, como esa pinturita de lo cubano que parece seducir a tantos. Y es que la identidad también evoluciona con la instrucción de un pueblo, como ha sido el caso. Incluso cuando no teníamos la consciencia que nos ha dado medio siglo de confrontación política, Cuba resistió y siguió siendo Cuba. ¿Por qué no habría de hacerlo ahora? (RODRIGUEZ, 2015).

Talvez por isso, em função das suas convicções, entre as suas ações esteja aquela

retratada em um documentário de 1983, realizado pelo Grupo de Experimentación Sonora

del ICAIC (Instituto Cubano de Artes e Indústria Cinematográfica), no qual aparece tocando

no pátio de recreio de uma escola para crianças do que seria o ciclo fundamental. Ali ele toca

Pioneiros e explica às crianças que aquela é uma música em homenagem às crianças-soldado

que lutavam pelo libertação de Angola quando ele esteve no país em 1976, algo que o

impressionou muito. Diante dos olhos e ouvidos atentos do seu público afirma “afinal, vocês

também são pioneiros” (RODRIGUEZ, 1983).

Essas intervenções seriam, inclusive, para o autor, uma possibilidade de

questionamento dos problemas do turbulento mundo contemporâneo:

En las últimas dos décadas la posibilidad de un mundo más justo, al menos de la forma en que se preconizó entre el siglo XIX y el XX, se ha hecho más dudosa. He visto como los explotadores se proclaman progresistas y como la frescura que antes representaba lo revolucionario ha sido reducida a las más lamentables experiencias del socialismo real. Veo que años después del derrumbe de la Europa del Este continúa un bombardeo mediático que distorsiona el sentido de la redención humana. Pero según muchos investigadores -como Chomsky- la mayoría de los grandes medios, incluyendo Internet, pertenecen a poderosos consorcios de derecha. Entre los ejemplos revolucionarios que esa globalización machaca para pulverizar, siempre está el Che (Ibid.).

Tendo clareza que a política é uma arena de conflito entre interesses antagônicos e, às

vezes, poderosos, com frequência o autor recorreu a imagens sobre ambivalência e a

incompletude do humano, como anunciava a letra da canção El Mayor de 19756:

El hombre se hizo siempre de todo material, de villas señoriales o barrio marginal. Toda época fue pieza de un rompecabezas, para subir la cuesta del gran reino animal. con una mano negra y otra blanca mortal.

6 Centenas de composições de Silvio Rodriguez foram realizadas a partir da segunda metade da década de 1960. No entanto, o seu primeiro disco só foi gravado em 1975, sendo que duas das músicas foram censuradas. Dias y flores, pelo franquismo, na Espanha, e Santiago de Chile, pela ditadura de Augusto Pinochet. As datas aqui indicadas se referem, portanto, ao ano de lançamento dos discos, e não ao ano da criação.

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Essa ambivalência das possibilidades de realização do humano em mais de uma vez

foram objetos das manifestações públicas do autor. Ao ponto de em um outro trabalho, de

2003, no qual narra a epopeia dos anjos para salvar o gênero humano, reclamar dos seres

humanos e suas atitudes. Ao tomar como exemplos desde os assassinados de Giordano

Bruno, Jose Martí, Martin Luther King e John Lennon, até os atentados contra Hiroshima ou

o Word Trade Center de Nova York, convoca: “seámos um tilin mejores y mucho menos

egoístas” (RODRIGUEZ, 2003). Ou seja, somente com a participação ativa dos homens no

controle dos seus destinos poderia a humanidade almejar um mundo melhor. Na sua

imagética nem mesmo seres angelicais seriam capazes de salvar o homem se este não se

lançasse a um profundo esforço de autodeterminação.

Esse esforço combina a volição individual com uma perspectiva de devir comum. Te

doy una canción, música de 1975, em sua última estrofe assinala o quanto, para o autor, agir

no mundo é um ato de amor. Ele nunca é um ato isolado, mas sem uma forte vontade de

indivíduos que se sintam livres é impossível apostar em um outro mundo possível.

Te doy una canción y hago un discurso Sobre mi derecho a hablar Te doy una canción com mis dos manos Com las mismas de matar Te doy una canción e digo Patria Y sigo hablando para ti De doy una canción como un disparo Como un libro, una palavra, una guerrilla Como doy el amor...

A noção de pátria, que para alguns pode ser considerada uma limitação nas posições

políticas e formativas do autor, segundo penso devem ser entendidas no contexto da

Revolução Cubana e do subsequente boicote econômico perpetrado pelos Estados Unidos.

Mas também o vincula a uma longa tradição, conforme veremos. Francamente anti-

imperialista, em várias ocasiões Silvio Rodriguez enfrentou os críticos rememorando o que

era a ditadura de Fulgêncio Batista até o ano de 1959, ano da Revolução. Mais do que uma

simples peça no quebra-cabeças da Guerra Fria, Cuba enfrentava os seus próprios problemas

de violência política-institucional, funcionava como um balneário de lazer sexual dos Estados

Unidos e o seu povo não tinha acesso a direitos básicos tais como educação, saúde, moradia,

assistência etc. Segundo ele, ainda, seria falso sugerir que havia liberdade em um lugar onde

as necessidades mais prementes da vida eram negadas para a maior parte da população e

onde a violência e o medo imperavam (GARCIA, 2013). A Revolução era a promessa –

realizada apenas em parte, segundo o autor – que era possível uma vida diferente e melhor

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para o conjunto do povo cubano (RODRIGUEZ in CASTRO, 2016). Por isso não se furta, ao

seu modo bastante lírico, de denunciar oque considerava a monstruosa violência dos Estados

Unidos contra uma pequena ilha caribenha, mas também contra um pequeno e pobre país

como a Nicarágua. Por quiém merece amor, de 1982, que foi gravada no Brasil por Miltinho e

pelo MPB-4 inicia assim:

¿Te molesta mi amor? Mi amor de juventude Y mi amor es un arte de virtude ¿Te molesta mi amor? Mi amor sin antifaz Y mi amor es un arte de paz.

Depois de um longo caminho questionando as bases sobre as quais se erige a sociedade

estadunidense – a falácia do livre mercado, a afã pelo lucro, a atualíssima obsessão pela

proteção das fronteiras –, o poema se encerra com a seguinte evocação:

Mi amor, el más enamorado Es del más olvidado En su antiguo dolor Mi amor abre pecho a la muerte Y despeña su suerte Por um tempo mejor Mi amor, este amor aguerrido Es um sol encendido Por quien merece amor.

Como no caso de El mayor, anteriormente citada, muito do material da poética de

Silvio ele busca na história do seu próprio país, nas experiências do povo cubano. Só por isso

a sua obra em larga medida cumpriria um papel educativo. El mayor foi assim apresentada

pelo compositor em praça pública:

Esta canción que voy a cantar, la compuse para conmemorar el centenario de la caída de unos de los próceres de nuestra independencia, uno de los próceres más eminentes, él fue un hombre muy joven cuando murió, pero por su talento excepcional, tanto militar como político llego a ser el segundo al mando de la primera revolución, del primer levantamiento en armas que hubo en Cuba en 1868 contra el colonialismo español. La canción pretende ser una especie de recorrido por su vida, y puedo agregar que sus compañeros de armas le llamaban, como se llama la canción, cariñosamente le llamaban El Mayor (RODRIGUEZ, 1973, apud RODRIGUEZ, s.d.)

No entanto, é justamente essa característica que permite a alguns críticos acusá-lo de

elitista, pois os seus poemas e a complexidade da sua música seriam inacessíveis ao “povo”. E

aí reside um dos principais pontos da sua militância pela expansão das oportunidades

educacionais, consequentemente, de acesso à cultura. No projeto que desenvolve há anos

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pelos bairros mais pobres de Cuba, segundo ele incialmente sugerido por um capitão do

exército, toca, canta e recita gratuitamente para a população local, nas ruas ou praças, em

condições técnicas evidentemente muito precárias (GARCIA, 2012). Segundo ele, se as

pessoas mais simples não têm condições de fruir aquele tipo de experiência que implica o

acesso à produção artística e cultural de qualidade, é porque isso lhes foi negado ao longo da

sua história. Logo, elas precisam ter a oportunidade de conhecer para poder, se desejarem,

apreciar a arte.

Experiência parecida conheceu já na década de 1970 quando embarcou no pesqueiro

Playa Girón, e compôs ao longo de quase seis meses embarcado muitas das suas canções que

se tornariam referência tais como Ojalá!, Ojo de mujer con sombrero, essa baseada na obra

de Marc Chagal, El mayor e Playa Girón, entre outras. Naquela que procura retratar a

experiência dos trabalhadores do barco, o compositor não deixou de estabelecer uma conexão

entre as experiências de todos aqueles que trabalham e são expropriados do mais essencial.

Sem, contudo, deixar de lembrar que as pessoas devem escrever a sua própria história e

valorizar a sua experiência (PLAYA GIRÓN, 1975).

Compañeros de historia, tomando en cuenta lo impacable que debe ser la verdad, quisiera preguntar me urge tanto! Qué debiera decir? Qué fronteras debo respetar? si alguien roba comida y después da la vida qué hacer? Hasta donde debemos, practicar las verdades... hasta donde sabemos... que escriban pues la historia, su historia, los hombres del playa girón.

Segundo Rodriguez, um dos papéis do artista é justamente oferecer às pessoas mais

simples tanto um pouco de beleza, quando elementos para pensarem que o mundo pode ser

diferente. Questionar todo tipo de verdade não se trata de pão e circo, mas para Silvio o pão é

insuficiente. Há muita luta e beleza na trajetória do povo simples que este nem mesmo

reconhece. Para ele o maior exemplo é a própria música cubana, tanto quanto a sua poesia e a

sua arte gráfica. Assim, todo tipo de apresentação pública gratuita e não estatal é uma forma

de permitir ao povo reconhecer as suas próprias raízes, além de estabelecer contato com as

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grandes realizações culturais do gênero humano, independentemente das cores ideológicas

ou das fronteiras entre os países. Logo, se trata de reconhecer e fomentar a experiência de

cada um e de todos. Diga-se que essa prática de se apresentar gratuitamente à gente comum

o autor levou à maioria dos países latinoamericanos, deixando pelo menos um registro em

DVD, na República Dominicana, país que conheceu uma das mais perversas ditaduras da

América Latina (RODRIGUEZ, 2012). Em maio de 2016 fez um show gratuito no histórico

bairro operário de Vallecas, em Madrid (El Pais, 2016). O autor argumenta que a difusão

dessa prática foi por ele aprendida na sua própria experiência, o que apenas reforçaria a

necessidade de estimular a continuidade de determinadas tradições do país no que se refere

ao acesso à cultura.

Lo empecé a experimentar desde niño, a principios de la Revolución. Yo vi ballet no por formación familiar o por posibilidades económicas, sino porque de pronto Alicia Alonso bailaba en una plaza. ¿Qué es lo que cuenta el primer documental de Octavio Cortazar, Por primera vez?: la visita de un camión proyector a las montañas, donde nunca había estado el cine. ¿Qué hacíamos en nuestra juventud nosotros mismos, constantemente, sino cantar en todas partes? Yo nunca he dejado de cantar así, sobre todo en mi país (RODRIGUEZ, 2014).

Não é demais observar que nesses eventos de caráter público raramente se vê

manifestações de propaganda do artista a favor da Revolução ou do regime cubanos, como se

poderia supor. Mas ele sempre tem uma mensagem de caráter universalista sobre o direito a

uma vida boa, digna, que todos, indistintamente, merecem. Esse elogio normalmente está

ligado às críticas aos donos do poder que jogam na miséria, material e cultural, uma parte

significativa da humanidade. São recorrentes nas suas apresentações os temas do amor, da

liberdade, da beleza. Já, nas suas entrevistas é comum que faça apologia da Revolução e o

elogio a Cuba e ao socialismo. Diante dos dilemas da civilização o autor frequentemente teve

uma postura cautelosa em relação ao autoelogio das realizações individuais, muito própria

dos artistas e intelectuais:

Es importante tener memória. Es importante no olvidar de donde sale uno. Es importante saber haber visto, retener haber sentido el padecimento, la escassez; la falta de oportunidades a tantas personas inteligentes que uno ha conocido en la vida. Ha que darse un poco de cuenta de que uno puede haber tenido el talento que tu quieras, pero también há tenido mucha suerte (RODRIGUEZ, 2012).

Dessa forma, em mais de uma ocasião o tema da necessidade de compartilhamento

emerge na sua lírica, como no caso de La mazza, de 1982.

Si no creyera en lo mas duro Si no creyera en el deseo

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Si no creyera en lo que creo Si no creyera en algo puro Si no creyera en cada herida Si no creyera en la que ronde Si no creyera en lo que esconde Hacerse hermano de la vida Si no creyera en quien me escucha Si no creyera en lo que duele Si no creyera en lo que quede Si no creyera en lo que lucha Que cosa fuera corazón, que cosa fuera Que cosa fuera la mazza sin cantera...

Um dos sentidos atribuídos à palavra “cantera” segundo o Diccionario de la Lengua

Española é o de “talento, ingenio y capacidade que muestra alguna persona”. Essa parece ser

uma ênfase na produção de Silvio Rodriguez, conforme afirma a um diário galego:

Eu sempre julguei que todas as ocupações e preocupações humanas cabem na poesia e na arte, e com certeza na canção. E que é dever da nossa sociedade socialista defender que assim seja, porque nesses testemunhos se imprimirá parte da nossa memória histórica como povo, além de parte da nossa capacidade de inventiva. Acho que as artes não só têm o direito, mas o dever de exprimirem-se, porque isso, juntamente com os dados que chegam à imprensa e outras manifestações, contribui para deixar um registo histórico suficientemente variado para que o amanhã compreenda todas as nossas características e se possa aprender sobre nós mesmos (RODRIGUEZ, 2002).

Novamente a preocupação com a memória é destacada pelo autor. Memória,

experiência, são condição de educação no sentido mais pleno. Bem afeito ao modus operandi

dos intelectuais, o autor tem clara a necessidade de produzir uma obra, no sentido que ela

deve servir como registro do presente para as gerações futuras.

Yo quiero seguir jugando a lo perdido, yo quiero ser a la zurda más que diestro, yo quiero hacer un congreso del unido, yo quiero rezar a fondo un "hijo nuestro". Dirán que pasó de moda la locura, dirán que la gente es mala y no merece, más yo seguiré soñando travesuras (acaso multiplicar panes y peces). yo no se lo que es el destino, caminando fui lo que fui. allá dios, que será divino. yo me muero como viví, yo me muero como viví. ... Será que la necesidad parió conmigo, la necedad de lo que hoy resulta necio: la necedad de asumir al enemigo, la necedad de vivir sin tener precio.

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Se a realidade é estúpida então é preciso agir sobre ela para que deixe de sê-lo. E isso

não é possível em um mundo feito de “verdades” produzidas por alguns, mas disseminadas

para todos. Em relação aos efeitos da mídia sobre a visão de mundo da maioria das pessoas,

Silvio afirmava em uma entrevista concedida na Venezuela em 2008, que só via saída no

esclarecimento geral, na educação, e que esta deveria ser a primeira e maior bandeira de

qualquer governo. As pessoas deveriam ser estimuladas a pensar e a duvidar, mas isso seria

potencialmente revolucionário, portanto, algo raramente estimulado pelos poderosos. Ilustra

com a sua própria experiência, novamente:

Cuando empezamos a cantar, las canciones que se consideraban revolucionarias eran las apologéticas, como las que hacía aquel singular trovador que fue Carlos Puebla. La autocrítica comprometida era un fenómeno nuevo en la canción cubana y los primeros que la hicimos pagamos el precio de la incomprensión. Sólo nos sostenía el ánimo que nos dábamos entre amigos. Entonces Haydeé Santamaría y Alfredo Guevara nos dieron un apoyo que nos vinculó a las instituciones que dirigían, lo que a ojos vistas fue importante para nuestra identidad política. Pero a nivel personal cada uno de nosotros asumió los rechazos, censuras y suspensiones oficiales como pudo (RODRIGUEZ, 2012).

Na poesia também reivindica o jogo entre a dúvida e a verdade como na belíssima

Alabanzas, de 1967 mas publicada apenas em 2003:

Cada vez son más enanos los “tal vez” y cresce la condenación de los “asi será”. los perdidos reinventan la ocasión del comillo animal. Alabado el todavia que me sirve una canción Alabado cada día Alabado cada día de labor e ilustración ... Alabada la verdade Como material de luz...

Contra os caninos da barbárie as bênçãos da ilustração. Na sequência dos seus versos

não deixa dúvidas quanto ao que pode suceder com o gênero humano sem um amplo esforço

de esclarecimento geral: “nueva edad media habrá”.

Há aqueles que acusam as opiniões de Rodriguez a partir de uma automática e

mecânica polaridade entre capitalismo e comunismo, entre Estados Unidos e União

Soviética. Mas muitas das suas intervenções públicas críticas ao socialismo real e aos

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desajustes da própria revolução cubana parecem atestar que o autor se filia muito mais a uma

tradição crítica latino-americana. Não é demais recuperar as palavras de Martí:

La historia de América, de los incas acá, ha de enseñarse al dedillo, aunque no se enseñe la de los arcontes de Grecia. Nuestra Grecia es preferible a la Grecia que no es nuestra. Nos es más necesaria. Los políticos nacionales han de reemplazar a los políticos exóticos. Injértese en nuestras repúblicas el mundo; pero el tronco ha de ser el de nuestras repúblicas. Y calle el pedante vencido; que no hay patria en que pueda tener el hombre más orgullo que en nuestras dolorosas repúblicas americanas (2005, p. 34).

Se isso é correto, então não espanta que o tema da educação como via de emancipação

percorra parte da sua obra. Esse seria ainda é um eco das emanações iluministas que

influenciaram diferentes movimentos políticos desde o séc. XIX, os quais apostavam no

esclarecimento como via para a emancipação. Nesse sentido Silvio Rodriguez, pode ser

caracterizado como um herdeiro da tradição, compartilhando uma mesma estrutura de

sentimentos cada vez mais fora de moda, ao mesmo tempo que é um profundo renovador da

estética latino-americana nos últimos 50 anos. Se a estética implica a fruição do mundo, algo

que não se realiza apenas pela arte mas tem nela um dos seus principais vetores, então a

educação como exercício do deixar-se afetar pelo mundo não é de pouca monta na produção

estética deste artista-intelectual. Pois é de educar novas sensibilidades que se trata.

Mas é possível sugerir, ao menos, que o autor se filia também a uma outro longa

tradição, aquela do mutualismo, da cultura consuetudinária, que teria uma estrutura de

sentimentos baseada na economia moral, e na qual se reivindicava constantemente o direito

a uma vida boa para todos, indistintamente (Thompson, 1976 e 1998; Williams, 2003). Essa

mesma tradição, segundo Williams (1991), permite pensar o artista, afinal, como um

produtor, como um trabalhador, e não com um ser descolado da vida dos “homens comuns”.7

Nesse aspecto, o autor parece ter clara percepção do seu papel de criador e difusor

cultural, com uma obra que não é ou pretende ser pedagógica como muitas canções latino-

americanas dos anos 1960 e 1970, mas que evoca constantemente o conhecimento, o saber, a

experiência, a memória, a história e a educação como possibilidades de transformação da

realidade. Educação que é, para ele, em muitos casos, a tomada de consciência em relação a

todo o potencial criativo de todos os indivíduos, assim como em relação a necessidade de

instrumentalizar-se para tentar superar todas as formas de opressão, material ou simbólica.

Assim, não me parece exagerado afirmar que o autor pode ser caracterizado como um

intelectual engajado, possuidor de um claro sentido de missão, com voz inequivocamente

7 Para uma discussão das possibilidades das obras de Raymond Williams e Edward Thompson para pensar a história dos intelectuais ver Taborda de Oliveira (2014).

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polêmica no debate público e na defesa de claras posições políticas, algo que, de resto, poucos

intelectuais costumam assumir. Como artista, se expressa através de uma linguagem

simbólica, metafórica na sua arte, o que confere ao seu papel como produtor de ideias e

estimulador de emoções uma coloração pouco usual para o nosso entendimento mais

ordinário do que seria um intelectual.

Em relação às suas convicções políticas, em um momento tão clivado por polarizações

mecanicistas e de instalação de tanto ódio, não deve estranhar que a sua intervenção tão

direta e assertiva contribua para produzir tanta inimizade, rejeição e até mesmo rancor.

Afinal, a estrutura de sentimentos que parecia mobilizar parte significativa das diferentes

sociedades em relação ao capitalismo, parece ter perdido força diante da sua afirmação

incontestável em relação ao socialismo, pelo menos nos últimos 30 anos.

Há um momento em que o artista não precisa provar mais nada a ninguém. Nem aos fãs e nem aos inimigos. Já fez o que tinha que ser feito. Já brigou o que tinha que ter brigado. Nem por isso se acomoda na confortável cadeira do reconhecimento. Contribui. Canta. Compartilha suas notas e pensamentos. Aponta caminhos para um mundo melhor. Silvio é daqueles que entende que uma Revolução é construída por seres humanos passíveis de acertos e erros e é composta de avanços e retrocessos. Ele mesmo é filho de uma revolução que se transmuta sem perder sua essência. A serenidade de Silvio expressa a tranquilidade de quem já passou por muitas tormentas e não se assusta com qualquer ventania (PABLO, 2012).

Segundo Theodor Adorno, em Tabus acerca da profissão de ensinar (ADORNO, 1991),

apesar do desgaste do termo não é possível pensar a educação sem amor. Em tempos de

obsessão pela pedagogia das competências, e de um mundo cada vez mais propenso a instruir

e treinar, enquanto esvazia de sentido formativo as práticas de compartilhamento, a relação

nem sempre explicita entre amor e formação na obra de Silvio Rodriguez poderia ser pensada

como a atualização de uma tradição, que, por seu turno, deve ser constantemente atualizada.

Como, no entendimento desse intelectual-artista, a revolução é algo que também acontece em

nós todos os dias, sejam as políticas ou as estéticas, ele não cansa de nos instar ao amor e de

nos convidar para andar juntos.

Vamos a andar en verso y vida tintos levantando el recinto del pan y la verdad vamos a andar matando el egoísmo para que por lo mismo reviva la amistad. Vamos a andar hundiendo al poderoso alzando al perezoso

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sumando a los demás vamos andar con todas las banderas trenzadas de manera que no haya soledad.

Referências

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