a dama da túnica escarlate - doryol taborda

186

Upload: exilado-de-marilia

Post on 24-Mar-2016

264 views

Category:

Documents


5 download

DESCRIPTION

Escrito em 1939 por Doryol Taborda, o livre trás uma reunião de contos policiais com muita ação, suspense e mistério.

TRANSCRIPT

Page 1: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda
Page 2: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

D o r y o l T a b o r d a

A d a m ad a t ú n i c a e s c a r l a t e

c o n t o s p o li c ia is

Editora A Noite

Rio de Janeiro

1939

Page 3: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

A meus amigos

Doutor Cândido M. da Cunha Lobo Dona Nicoleta V. da Cunha Lobo Alfredo V. daCunha Lobo

e

Amy Müller Santos

Rio, maio de 1939

Page 4: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Índice O aniversário sangrentoAs mortes em sérieOs diamantes acusadoresO Fantasma de LondresO contrabando de platinaA lágrima da deusaO pássaro da morteO segredo da bíbliaA quadrilha do Capuz NegroContrário à evidênciaA vingança do mutiladoHerdeiros da morteA dama da túnica escarlateO mistério do cavalo brancoApêndice do digitalizador

Page 5: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Oaniversáriosangrento

I

ir Malcolm Rost era um dos homens mais proeminentes de toda Londres. Imensamenterico, com grande fortuna conseguida no negócio de jóia, vivia quase exclusivamente de seurendimento, repartindo entre sua filha e os livros toda dedicação.

Estava entregue à leitura quando Margarete o veio prevenir de que os convidadoscomeçavam a chegar.

Seu palacete na Parque do Regente era uma das mais lindas residências de todo o bairro enesse dia abria, como em todos os anos, os salões pra festejar mais um aniversário de sua filha.

Margarete completava 22 primaveras e seu aspecto era o duma avezinha travessa. Muitobela, aliava a esse dom uma primorosa educação.

Os primeiros acordes da música já se faziam ouvir, quando sir Malcolm se retirou àbiblioteca. Se recostou numa cômoda cadeira estofada, junto à lareira e, tomando entre as mãosum bilhete que retirara da escrivaninha, o amassou e atirou ao fogo.

— Não fará isso...Sir Malcolm possuía na alma uma nódoa que ninguém conhecia e que nem mesmo o tempo

conseguira apagar.— Margarete! Estás cada vez mais linda.— Não digas tolice, Cedric. O mais que posso fazer é te conceder esta dança.Cedric diversas vezes a pedira em casamento, mas sir Malcolm se opunha ao enlace. O

rapaz não se dava por vencido e naquela noite tentaria mais uma vez.— Onde está teu pai? Falarei consigo e te garanto que só o deixarei quando souber o motivo

porque não consente que nos casemos.— Creio que está na biblioteca.Quando entrou, sir Malcolm o recebeu com um sorriso.

Page 6: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Estás um pouco nervoso!, Cedric.— Nada tenho, senhor, mas queria me casar com tua filha, porque...— Não. Enquanto eu for vivo não vos casareis. Cedric acabava de sair

quando Emil Ludwig entrou.— Malcolm, acho que não te poderei pagar amanhã. Ficaria muito satisfeito se me desses

mais tempo.— Terás mais trinta dias. Acho que é o bastante.Depois que Emil se retirou, fechou a porta a chave, abriu a janela que dava a um pátio

coberto de trepadeiras e se sentou. Apanhou uma garrafa de uísque e dois copos, os colocandosobre uma pequena mesa, junto a si.

O pequeno relógio-carrilhão batia meia-noite quando um estranho visitante entrou pelajanela.

Trajava um terno que, outrora, deveria ser cinza, muito amarrotado, e a camisa suja dava umaspecto desagradável.

— Aqui estou, velho miserável. Me julgavas morto. Hem?— Marcus, és um canalha. Podes ficar certo de que não te darei um níquel. Como sou

generoso comprei uma passagem à China no Indiano e isso é tudo o que te darei.Uma gargalhada recebeu as últimas palavras de sir Malcolm.— Dispenso tua generosidade. O que quero são as dez mil libras. E deixes de bobagem

porque, do contrário... Vivi durante dezoito anos, na Ásia, na maior miséria, sofrendo todas asamarguras, enquanto enriquecias, vivendo no meio do maior luxo e te apoderando de Margarete,a educaste como se fosse tua filha. Custei muito pra chegar àqui. E, agora levarei esse dinheiropra endireitar minha vida e cuidar mais tarde de Margarete ou direi a ela quem sou e a todosquem és.

— Não. Não farás isso, Marcus. A adoro. É tudo pra mim. Depois que desapareceste cuideidela como se fosse minha filha.

— Não, Malcolm, tu me julgavas morto e tomaste conta de Margarete, porque eu deixara umseguro de 30.000 libras a minha mulher, que morreu, estou certo, com os maus tratos que lheinfligiste. Estavas mal de finança e aquele dinheiro te salvaria. Quando minha mulher morreuvoltaste à Inglaterra e, trazendo

Margarete, a fizeste passar por tua filha. Se isso não é verdade, por que abandonaste amulher da qual tinhas um filho? O que seria dessa pobre infeliz se o destino não lhe tivesse feitoencontrar um homem que a amparou, lhe deu seu nome e a tornou feliz? Sim, canalha. Estásadmirado de que eu saiba tanto! Não é? E sei também, Malcolm, quem é teu filho. Me dás odinheiro ou toda Londres conhecerá o verdadeiro Malcolm Rost e todas as imundícies de suaalma.

— Marcus, não farás isso e nada te darei.Malcolm foi à escrivaninha. Quando Marcus se aproximou viu, apontado a si, um revólver

que brilhava nas mãos dele.— Agora saias por onde entraste e te previno de que se tornares a me aborrecer te matarei

como um cão leproso. Quero que saibas que todo meu haver pertencerá a Margarete após minhamorte.

Page 7: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Um leve rumor como o de folhas pisadas veio da janela.— Muito bem, Malcolm. Sairei mas me pagarás bem caro. E, pro caso de mudares de idéia,

aqui está meu endereço.Depois de riscar com um alfinete a escrivaninha, se dirigiu à janela, a transpondo num salto.— Rua Shadwell, 3. Docas Índias Ocidentais, hem! Cão imundo!Na sala os pares continuavam a dançar.— Ó! Emil, estive te procurando pra dançarmos uma vez.— Fui apanhar um pouco de ar, Margarete.— Viste Cedric?— Sim. Quando entrei o vi dançando.Iam em direção à varanda quando o criado veio correndo.— Senhorita Margarete... Senhorita Margarete... Estou batendo há dez minutos na porta da

biblioteca e sir Malcolm não responde. Acho que algo aconteceu.— Venhas, Emil. E tu, Johnson, chames Senhor Cedric.— Meu pai, meu pai, abras a porta.— Vamos arrombar, Johnson. — Disse Emil.Quando a porta foi aberta um quadro horripilante se apresentou. Sir Malcolm estava

debruçado sobre a escrivaninha, tendo um punhal cravado na nuca.— Meu pai!...Sir Emil e Johnson ampararam Margarete, que acabara de desfalecer.— A levai enquanto telefonarei à polícia.— Alô. Scotland Yard.{1} Capitão Edu Brown ao aparelho.— Aqui fala Cedric Shering, da casa de sir Malcolm Rost, que acaba de ser assassinado.— O quê? Sir Malcolm assassinado? Em nada tocai. Iremos já.

II

— Jaime, Tom, sargento Stanley, vinde comigo.Em poucos minutos o carro da polícia chegava à Parque do Regente. A música já cessara

quando capitão Edu Brown chegou. Duas pessoas o esperavam à entrada.— Sou Cedric Shering, a pessoa que telefonou, e este é meu amigo Emil Ludwig.— Queres ter a bondade de nos mostrar o corpo?, senhor Cedric.— Pois não. Está na biblioteca. Fazei o favor de me seguir.— Bem apunhalado, hem?, chefe.— Jaime, providencies a remoção do corpo e, desde já, encarregues te deste caso. Voltarei

à chefatura. — Disse capitão Edu.Jaime deu as primeiras providências e o acompanhou até a porta.— Sargento Stanley, fiques aqui e não deixes alguém se aproximar do cadáver. Tom, faças

com que os convidados se retirem. Quero somente que fiquem senhor Cedric e senhor Emil.— Senhor inspetor! Senhorita Margarete está recolhida a seu aposento e pede que a vás ver

logo que possas.

Page 8: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Antes de mais nada — principiou Jaime — desejo saber quem descobriu o corpo.— Eu estava com Margarete no salão, quando Johnson veio dizer que estava batendo na

porta e ninguém respondia. Corremos até lá e, como não respondessem, ela nos pediu quearrombássemos a porta. Entramos e deparamos com Sir Malcolm apunha-lado.

— Senhor Cedric poderias me dizer o que fazias quandoJohnson foi te procurar?— Estava dançando com senhorita Lílian.Algum dos senhores esteve com sir Malcolm antes de descoberto o crime?— Sim. — Disse Cedric. — Fui pedir Margarete em casamento. Era a quarta vez que o

fazia e Malcolm, como das outras vezes, me respondeu com um não. Quando ia saindo Emilentrava.

— É verdade, inspetor. Fui pedir a Malcolm, que me concedesse mais alguns dias de prazo,pra lhe pagar uma quantia que pedira emprestada. Fui atendido e satisfeito, indo tomar umpouco de fresco na varanda.

— Creio não haver mais necessidade de vos reter aqui. Se quiserdes vos retirar, podeis,mas advirto, no entretanto, que estais, ambos, sob suspeita. Peço, portanto, que vos conservai nacidade e talvez precise ainda vos fazer algumas perguntas.

Cedric e Emil agradeceram, se retirando em seguida.— Tom, venhas comigo, dar uma espiadela no escritório.Eram três horas da madrugada quando levaram o corpo à morgue. Limpados todos os

vestígios do crime. Ninguém diria que aquele lugar fora teatro dum bárbaro assassínio.Jaime mandou avisar a senhorita Margarete que a iria ver às primeiras horas da manhã e, em

seguida, ligou à chefatura.— Scotland Yard. Capitão Edu Brown. És tu, Jaime? Encontraram algo?— Nada, chefe. Irei a casa, descansar um pouco. Deixarei aqui de guarda o sargento

Stanley. Interroguei Cedric e Emil, e fiquei satisfeito.— Creio que por hoje é tudo, Tom. Digas a Stanley que fique aqui e conserve as coisas

como estão.Eram quase quatro horas quando Jaime entrou em casa.Era um casarão antigo de seis andares. O apartamento em que habitava ficava no último.

Apesar de pequeno, se compondo dum quarto, onde ele dormia, com Tom, uma sala e umbanheiro, era muito confortável. De suas janelas se avistava toda a praça Piccadilly.

Depois de contemplar durante alguns instantes os letreiros luminosos, Jaime se dirigiu aobanheiro, donde saiu pouco depois, de banho tomado e com a força restabelecida.

— Jaime, hoje teremos nevoeiro.— É. O dia será triste, Tom. Estou pensando em como estará sentindo se senhorita

Margarete. Sua alma deve estar como nossa velha Londres. Pobre menina!— Pobre? Bela menina, digo eu, Jaime. Vale atualmente200.000 libras.— Vamos, Tom, que já é dia e tenho que falar com senhoritaMargarete mas, antes, tenho muito que ver naquela sala.

Page 9: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

IIIOs dois detetives atravessaram a pé a praça Piccadilly. Fizeram o desjejum no Bill Bull e

se dirigiram à Parque do Regente.Johnson já estava de pé e foi quem lhes abriu a porta, os conduzindo ao gabinete de sir

Malcolm.Jaime, depois de ordenar a sargento Stanley ir descansar, começou a fazer um exame

cuidadoso em todo o recinto. Estava meditando quando a voz de Tom o despertou dopensamento.

— É estranho que a janela estivesse aberta e a porta fechada por dentro, Jaime.— Eu estava pensando nisso, Tom. É um ponto que preciso esclarecer. A me basear nas

declarações de todos, a porta estava realmente fechada. O que estaria fazendo sir Malcolm, deporta fechada?, o que não era seu hábito. Por que estaria aberta a janela que deita ao pátio?

— Olhes aqui, Jaime. Creio que o assassino é quem esteve por último nesta sala. Emilpoderia muito bem ter apunhalado o velho, fechado a porta e saído pela janela. De mais a mais,ninguém o viu sair do escritório.

— Não creio, Tom, que fosse Emil. Em vez de estar criando hipótese, procures uma pista.Tom, impaciente, percorria todo o aposento. De repente parou, soltando um pequeno

assobio.— Vejas estas marcas!, Jaime.Eram marcas de dois pés, perto da janela. O que fez assobiar foi o fato de que, mesmo aos

olhos dum qualquer, se veria que aquelas marcas eram diferentes uma da outra. Um pé era bemmaior que o outro. Jaime as examinou cuidadosamente.

— Tom, telefones à chefatura e digas a Edu que nos mande um perito, pois quero estasmarcas. E perguntes se acharam impressão na faca. Permaneças aqui enquanto falo comsenhorita Margarete.

Subiu a escada e bateu à porta do quarto. Um leve quem é?Chegou aos ouvidos. — Detetive Jaime Patrício, senhorita.— Ó! Faças o favor de entrar.Margarete estava recostada numa grande almofada. Se via, pelo semblante, que passara uma

noite agitada. Apesar de estar com o cabelo em desalinho, sem pintura e muito pálida, estavalindíssima.

Jaime permaneceu a fitando. Já, muitas vezes, interrogara moças nos aposentos delas masagora, não sabia por que, estava sem saber como principiar. Margarete foi quem, finalmente,rompeu o silêncio:

— Obrigado pelo homem que deixaste aqui, de guarda, senhorinspetor.— Nada tens que agradecer, senhorita. Cumpri somente meu dever. Eu desejava te fazer

algumas perguntas mas acho que estás muito fatigada. Por isso deixarei pra depois.Enquanto Jaime falava ela o olhava, contemplando. Jaime tinha cerca de 2,3m de altura e os

ombros largos davam um aspeto de atleta. Era bonito mas Margarete reparou que as linhas deseu rosto eram duras e a boca parecia nunca se ter aberto num sorriso.

Page 10: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Sabes dalguém que tivesse motivo pra ass... isto é, tem suspeitas de alguém?— Não, inspetor. Meu pai não tinha, que eu saiba, alguém que tivesse razão pra tal. Creio,

mesmo, que não tinha inimigo, pois era muito generoso e todos o estimavam.— Suponho que estás noiva de senhor Cedric Shering. Não é?— Cedric costumava me pedir, a papai, em casamento, mas isso não quer dizer que eu

esteja noiva.— Sabes dalgum motivo pelo qual teu pai se opunha ao casamento?— Não. Cedric sempre gostou muito de jogar e talvez fosse por isso. Mas não creio,

inspetor.Jaime ia fazer novas perguntas, quando notou que os olhos de Margarete estavam cheios de

lágrima.Pediu desculpa por a ter incomodado e avisou que se, acaso, precisasse, estaria na

biblioteca. Desceu a escada e, encontrando Johnson, o mandou levar um calmante à moça.— Jaime, os peritos já retiraram as marcas. Sobre a faca não havia impressão. Tinha

gravadas no cabo as iniciais M. R. e, enquanto estavas lá em cima, verifiquei que a mesmapertencia a Malcolm Rost e foi retirada dessa panóplia, onde há outra igual.

Depois de examinar o lugar donde fora retirada a faca e que ficava justamente atrás daescrivaninha, Jaime principiou a examinar as gavetas. Quando já perdia a esperança de acharuma pista, encontrou na última, uma promissória assinada por Emil Ludwig e que venceria nodia 12. Viu um pequeno revólver Smith and Wesson, calibre 32, niquelado, e um rápido examelhe fez ver que a arma estava carregada. Quanto à promissória, viu que, de fato, Emil falara averdade.

O revólver fez compreender a Jaime que sir Malcolm fora assassinado por uma pessoa aquem não temia, pois deixou que a mesma dele se aproximasse sem tentar se defender.

Portanto, Malcolm morreu sem adivinhar o que lhe sucederia.Ia fechar a gaveta quando um envelope chamou a atenção. Parecia conter qualquer coisa.

Jaime o abriu e encontrou uma passagem do vapor Indiano à China. O que o fez dar um pulo foio nome do passageiro: Marcus Rost.

— Tom, telefones a companhia portuária e indagues o dia e hora da partida do vaporIndiano. Em poucos minutos a ligação foi completada.

— Sairá hoje, às 3h, Jaime.— Capitão Edu, aqui fala Jaime Patrício.— Conserves dois homens a minha disposição. Depois darei a instrução.— Tom, te lembras de alguém chamado Marcus Rost?— O quê? Marcus Rost? Será, por acaso, parente de sirMalcolm.— É o que eu quero saber. Chames Johnson. Ele atendeu prontamente

ao chamado.— Há quantos anos trabalhas pra família?— Há quase vinte anos, senhor.— Conheces alguém chamado Marcus Rost?— Conheci, senhor. Morreu há cerca de dezenove anos, no naufrágio do Victoria, quando se

Page 11: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

dirigia à Itália.— É tudo, Johnson. Podes ir.Jaime se sentou e sua cabeça estalava. Se Marcus Rost estava morto, porque ali estava

aquela passagem prum vapor que sairia hoje?Mandou Tom ir ao Times.— Vejas se consegues, com aquele teu amigo Zezinho, algo a respeito de Marcus Rost.

Quero que faças isso o mais rápido possível, pois preciso de ti à uma hora.— As coisas agora estão se tornando mais claras. — Murmurou Jaime. Se esse homem, que

dizem morto, está vivo, preciso dele.O telefone tilintou.— Alô. És tu?, Jaime. Aqui é Neil. Conseguimos ler o papel queimado. Diz: Irei hoje, à

meia-noite. — Obrigado. Neil.E Jaime desligou.Sim. Era isto mesmo. Marcus Rost estava vivo. Avisou a sir Malcolm que o veria. Agora

Jaime compreendia porque estavam a porta fechada e a janela aberta. Qualquer que fosse omotivo da visita de Marcus, Malcolm não queria que alguém o visse. Recebeu Cedric e Emil,após o que, fechou a porta a chave, abriu a janela e esperou a vinda de Marcus. Aqueles copose a garrafa foram servidos por eles.

Por que sir Malcolm não queria que vissem Marcus? Teria vindo Marcus em busca dapassagem?

Enquanto pensava, Tom entrou, afobado.— Jaime, consegui saber no Times que Marcus Rost pereceu no naufrágio do Victoria. Era

casado e a mulher morreu na Irlanda um ano depois do marido. Zezinho me conseguiu, também,um retrato dele.

— Muito bem, Tom. Era justamente o que eu queria que me trouxesses. Sigas,imediatamente, à Scotland Yard. Edu tem dois homens aguardando minhas ordens. Irá com elesao cais, lhes mostres o retrato e procurai esse homem até a saída do vapor. Não é provável queo encontrem, mas, caso isso se dê o prendei.

— Certo, Jaime, até logo.O criado, pouco depois, veio comunicar a Jaime que senhoritaMargarete o convidava pro almoço.— Obrigado, Johnson. Sabes se teu patrão esteve na Irlanda?— Sim, senhor, esteve lá um ano após a morte de sir Marcus. Quando Jaime entrou na

varanda, onde Margarete costumava fazer a primeira refeição, encontrou uma mesa com doislugares. Ao o ver ela sorriu e o convidou a sentar.

— És muito atencioso. Mais uma vez me vejo obrigada a agradecer.— Não há razão. Senhorita.— Te esqueces do calmante?, inspetor.Ele estava preocupado e ela bem o notara. Se não fosse a chegada de Cedric, o que pra

ambos foi uma felicidade, o silêncio reinante não teria sido rompido.— Bom dia, querida. Estás muito abatida. Sinto imenso e acho que devias estar morando

noutro lugar e não ficar aqui sozinha.— Basta, Cedric. Não tenciono me mudar e estou bem aqui. O inspetor Jaime pôs um homem a

Page 12: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

minha disposição.— Ó! É verdade, queiras me desculpar, inspetor. Ainda não te cumprimentei.Jaime, depois de se levantar e estender a mão, pediu licença a Margarete para se retirar,

pois desejava fazer algumas perguntas a senhor Cedric.— Queiras me acompanhar à biblioteca, senhor. Desejo esclarecer um certo ponto e preciso

que me dês informação.Jaime se instalou na cadeira em que sir Malcolm fora encontrado morto e Cedric

permaneceu de pé, a seu lado— Tanto o senhor como Senhor Emil estiveram nesta sala, em conversa com sir Rost, não

é? Muito bem. Qual dos senhores foi o primeiro?— Eu, inspetor.— Reparaste se aquela janela estava aberta?— Posso garantir que estava fechada. E agora, senhor, se não precisas mais de mim, peço

licença pra fazer companhia à senhorita Margarete. Cedric se retirou e Jaime permaneceusentado.

Seus olhos pareciam buscar qualquer coisa que pairava no ar. Puxou a si uma caixa decigarro e ia abrir, quando viu qualquer coisa riscada sobre a mesa e que lhe pareceu um nome.

Se abaixou e leu:— Rua Shadwell, 3 — Docas Índias Ocidentais.A sorte lhe entregava a solução do que buscava. Ligou à Scotland Yard. Quando capitão Edu

Brown atendeu, disse:— Edu, é Jaime. Preciso de quatro homens. Irei àí imediatamente.Desceu, rápido, a escadaria da casa e deu ordem, a Stanley, pra não permitir que senhorita

Margarete se afastasse da residência.— Se perguntar sobre mim, digas que precisei de sair.— Chefe, já ouviste falar em Marcus Rost?— Sim, Jaime. Eu era inspetor quando ele morreu.Não, não morreu. Tenho certeza, capitão. O prenderei dentro de poucas horas.— Mas, Jaime. Achas que o irmão de Malcolm foi quem o matou?— Não creio, chefe, mas tudo é possível.O telefone tocou e Edu, atendendo, passou a Jaime.Sou eu, Patrício. Tudo saiu como previas. O vapor acaba de sair e o homem não embarcou.

Estou falando do Blue Bird.— Vás à casa de sir Malcolm, Tom, e me esperes lá.

IV

O carro da polícia partiu, levando Jaime Patrício e quatro homens.O nevoeiro era denso. Com a sirene funcionando o carro corria na travessia Charing. Jaime

ordenou a Morgan que virasse em Wapping e parasse no cruzamento com Shadwell.— Vinde comigo, rapazes. Não creio que haja necessidade mas estejais prontos pra atirar.

Page 13: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Seguindo, silenciosos, nas ruas enlameadas desse bairro miserável, que está em comunicaçãocom a cidade pelas ruas de Shadwell e Wapping, os cinco homens iam com a respiração suspensa ededos prontos pra apertar o gatilho.

A não ser Jaime, nenhum deles sabia ao certo sua missão.— Docas!, hem, chefe. — Disse Morgan. Porco...O número 3 era um prédio de aspecto miserável, desses que chamamos casa de cômodo.

Jaime dispôs três agentes à porta e entrou com Morgan.Um homem dormitava sobre um balcão. Ao barulho dos passos dos dois detetives, se

levantou de tal maneira que parecia um sacrifício o se manter em pé.Jaime disse que desejava saber qual o quarto dum homem chamado Marcus Rost.— Hum! Hum! Como é o nome? Marcus Rost? Não conheço.Fez menção de se deitar novamente, quando Jaime, mostrando a credencial, ordenou que o

levasse ao quarto.Morgan bateu à porta e mandou que o estalajadeiro falasse.— Sou eu, senhor.No mesmo instante a porta se abriu e os dois detetives entraram, rapidamente.— Não tentes qualquer coisa, Marcus. Sou o detetive Jaime Patrício. Te prendo pelo assassínio

de sir Malcolm Rost.— Não fui eu, inspetor. Me deixes falar.— Bem... Vás contando tudo no caminho. Tenho pressa. Enquanto o carro regressava à

chefatura, Marcus ia relatando tudo.— Eu ia de viagem à Itália quando o vapor naufragou. Fui salvo por um barco de pesca

chinês, que me levou a Xangai.Longe da pátria, onde todos me acreditavam morto e sem recurso, passei quase dezoito anos

na maior miséria.Mais tarde, por um patrício que chegara e me reconheceu, soube que Malcolm era

milionário. Também me disse que minha mulher falecera um ano após minha desaparição. Deminha filha nada me soube dizer. Quando parti à fatal viagem eu a deixara com três anos deidade. Deixei um seguro de 30.000 libras pra minha mulher. Me admirei de Malcolm estar rico,pois eu o deixara quase na miséria. Me veio uma idéia, e dia a dia essa suposição mais seacentuava em meu espírito. Sim, eu estava certo. Malcolm cobrara o seguro e, quando minhamulher morreu, tomou conta de minha filha.

— Eu desconfiava disso, sir Marcus, falou Jaime. Quando vi teu retrato reparei queMargarete tinha os olhos e o nariz, bem como teus traços fisionômicos. Continues, Marcus.

— Então, com o auxílio desse mesmo homem que me dera as primeiras notícias, se bem quetristes, de minha pátria, consegui embarcar de volta à terra onde todos me acreditavam morto.Ao chegar, me informei da residência de Malcolm e enviei a ele um bilhete. Em resposta memandou outro, que trago comigo.

Passou o papel a Jaime e este leu:Te espero ao bater da meia-noite. Há uma janela que dá a um pátio coberto de trepadeira.

Será fácil a encontrar. Entres por ela, que estarei te esperando.— Segui a instrução. Fiz saber que conhecia toda a verdade.Trocamos insulto. Pedi 10.000 libras pra cuidar do futuro de Margarete e me fez ver que

Page 14: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

somente me daria uma passagem de volta à China. Depois me ameaçou com uma arma e meobrigou a sair, antes tendo me dito que tudo que lhe pertencia passaria às mãos de Margarete,após sua morte. Só no dia seguinte soube de sua morte, pelos jornais. Bem merecia, pois era umcanalha, mas juro, inspetor, que não o matei. Malcolm teve um filho duma mulher a quemabandonou e que, mais tarde, se casou com um banqueiro, que adotou a criança. Não sei doparadeiro dessa mulher, mas ainda me lembro do nome da criança: Cedric.

— Hem? Cedric?!O carro chegou à Scotland Yard e Marcus Rost saltou, escoltado pelos quatro agentes, em

companhia de Jaime.— Capitão Edu, trago a ti o irmão de sir Malcolm Rost, que era considerado morto.— É esse homem o responsável pela morte de Malcolm?, Jaime.— Não, chefe. Este não é o assassino. Preciso ir, imediatamente, a Parque do Regente.

Escutes sua história e estejas, às oito horas, com ele, em casa de sir Malcolm.Eram mais ou menos seis horas quando Jaime saltou na Parque do Regente.Margarete estava na sala, em companhia de Cedric e, ao o ver, cumprimentou e disse que

Tom estava na biblioteca, o esperando.— Senhorita Margarete ,marquei com capitão Edu pra vir a esta casa às 8 horas. Te peço a

gentileza de avisar a senhor Emil pra comparecer.Dito isso, foi encontrar seu auxiliar.— Tom, eu irei ao clube Carlton e vás averiguar aquelas marcas de sapato. Sabes o que

deves fazer. Não?— Sim, chefe. Tudo sairá certo.Quando Tom se retirou, Jaime chamou a Scotland Yard.— Edu, eu tencionava ir àí pra fazer uma pergunta a Marcus mas disponho de muito pouco

tempo e te peço que lhe entregues o telefone.— Marcus?— Sim, inspetor.— Sabes se alguém esteve escutando tua conversa com sir Malcolm?— Creio que ninguém ouviu, senhor inspetor. Esperes. Agora me lembro que, enquanto

Marcus me ameaçava, escutei um ruído como o dalguém pisando em folhas secas, e que veio dajanela.

— É tudo, Marcus. Digas ao capitão Edu pra seguir minha instrução.Jaime tomou um carro e em poucos minutos desceu na rua São Jaime, à porta duma casa, por

cima da qual um anúncio luminoso dizia: Clube Carlton.A sua passagem todos o saudavam e caminhou ao escritório de Louis Carlton.— Jaime! Que é que te traz aqui?— Preciso que me dês uma informação. Conheces, porventura, dois jovens chamados

Cedric Shering e Emil Ludwig?— Ó! Conheço muito bem. São ambos freqüentadores deste clube e, por sinal, creio que não

andam bem de finança, pois me devem alguns pares de mil libras. Emil me deve 6.000 e Cedric7.000.

Sem mais esperar, depois de agradecer a Louis, Jaime se retirou apressado. Consultou o

Page 15: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

relógio e viu que ainda faltavam quinze minutos pras oito.Quando entrou na residência de sir Malcolm, sorria. Margarete o contemplou e achou

estranho que aquele homem sorrisse, pois, durante quatro dias, aquilo acontecia em primeiravez.

— Te vejo alegre. — Disse ela — Creio que algo bom nos revelará. Jaime achou que já eratempo de dizer a Margarete que seu pai ainda vivia.

— Teu pai, senhorita, em verdade não morreu.— Como? Meu pai não morreu?— Justamente. O homem que durante cerca de dezenove anos chamaste de pai não era teu

tio.— Meu tio?— Sim. Teu pai, que julgavam morto num naufrágio, vive ainda, e o capitão Edu teve a bondade

de o trazer.A porta se abriu e o capitão entrou, seguido de Marcus Rost. Os olhos dele se

cravaram em Margarete.— Minha filha!— Meu pai!— Inspetor, — disse sir Emil — tens a certeza de que esse homem é, em verdade, pai de

Margarete?— Absoluta.— Então foi esse homem que assassinou sir Malcolm?— Não. Esteve aqui naquela noite. A janela que estava aberta lhe deu passagem. Veio pra

tratar de negócio com sir Malcolm, que já o esperava e, por isso fechou a porta, pra queninguém os perturbasse. Falaram muitas coisas interessantes e o assassino foi, provavelmente,alguém que escutou a conversa. Tanto tu, Emil, como Cedric tinham razão pra matar sirMalcolm. Ainda não sei qual dos dois é o assassino mas em breve saberei.

Tom acabava de entrar naquele instante.— Jaime, acertaste. Era dele. O levei à chefatura.— Cedric Shering, te prendo como assassino de sir MalcolmRost.Mal Jaime acabara de falar, já Tom estava a seu lado e, se bem que pálido, recebeu com um

sorriso as palavras do inspetor.— Mas, como?, Jaime. — Disse o capitão Edu Brown.— Sim, chefe. Conseguiu ouvir pela janela, que estava aberta, a conversa que Marcus teve

com o irmão. Cedric desejava se casar com senhorita Margarete, porém o velho não permitia.Pela conversa soube que, quando Malcolm morresse, Margarete seria a única herdeira, e comoesse era o único empecilho ao casamento, pensou que matando o velho tudo estaria resolvido.Viu quando Marcus saiu. Esperou um pouco e entrou pela mesma janela. ProvavelmenteMalcolm estava sentado onde foi encontrado morto, e quando viu que era Cedric, continuouonde estava. Se fosse outro, se defenderia, pois encontrei, na escrivaninha de Malcolm, orevólver que utilizara pra intimidar Marcus. Voltou ao salão e, depois de preparar seu álibi,ficou certo de que nada lhe aconteceria, quando soubessem do estranho visitante. Mas, comotodo criminoso, cometeu um grande erro. Enquanto ouvia a conversa seus pés ficaram molhados

Page 16: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

na relva e, quando saltou a dentro da sala, deixou impressa no chão a marca do pé. O mesmoaconteceu com Marcus. Mas o mais lastimável — falou Jaime, se dirigindo a Cedric — é quematou seu próprio pai.

Foi um pouco tarde quando Jaime viu o movimento de Cedric. Ouviu um estampido e, aomesmo tempo, sentiu uma dor aguda, a vista começou a escurecer e caiu inconsciente.

Quando voltou a si estava num leito do hospital de São Tomás.— O que aconteceu?, Tom.— Te baleou, Jaime, e quis fugir mas calculou mal a distância e fui obrigado a o chumbar.— Belo serviço, Jaime. Terás dois meses de férias. — Disse capitão Edu Brown.Jaime viu que Tom, o capitão Edu e sir Marcus iam se retirando e, ao mesmo tempo, outra

pessoa entrava.— Margarete! Tu...— Jaime, quero agradecer tudo que fizeste por papai. Eu queria que me dissesses por que

entraste sorrindo naquele dia. Tom me disse que só sorris quando vais prender alguém. Éverdade? Qual é a pena, Jaime, pruma moça que comete o crime de amar um rapaz?

— Prisão perpétua, Margarete.— Ó! Queres prender esta moça?Se seus companheiros estivessem ali, naquele instante, não diriam que nunca sorria, pois

num só dia era a segunda vez que Jaime Patrício sorria…

Page 17: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Asmortesemsérie

I

m espesso nevoeiro cobria Londres naquele dia triste e frio de dezembro. Sonsestridentes de buzinas rompendo o caminho através da treva, que dominava a cidade, chegaramda rua até o gabinete do capitão Edu Brown, que estava encostado ao peitoril da janela e seusolhos demonstravam agitação e fadiga.

Quatro pessoas estavam ali, reunidas com ele: Os detetives Jaime Patrício e Tom Malloney e opromotor Owen Proust.

Havia uma semana que todo o departamento de Scotland Yard, superintendido pelo capitãoEdu Brown, estava de prontidão.

Sete dias tem uma semana e sete crimes foram cometidos nela, o que equivalia, no caso, aum crime por dia.

Em todos o assassino não deixara pista à investigação policial. Foram todos realizados namesma hora: 11h da noite. Todos morreram da mesma maneira: Estrangulados por uma corda.Ao lado de cada corpo foi encontrado um cartão com o desenho duma forca e as palavras AForca cumpriu sua missão.

Os mortos eram todos homens de posição social e ocupantes de grandes cargos e essa era arazão pela qual os jornais se ocupavam grandemente dos crimes e criticavam acremente a açãopolicial.

O Herald fez imprimir na primeira página uma grande forca, a ladeando pelos retratos dorei e do capitão Edu Brown sobre a legenda: Se a Scotland Yard continuar dormindo A Forcamatará até nosso soberano!

O promotor Owen Proust viera ao gabinete de Edu Brown, ver se conseguia saber algo sobre oúltimo assassinado, que era seu colega Dênis Martin:

— Edu, toda a promotoria está agitada com esses crimes.

Page 18: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Às favas com a promotoria e com os jornais!, Proust. — Se acham que podem fazer maisque eu, venham a meu lugar. Há doze anos sirvo neste departamento e nunca encontrei umcriminoso tão astuto como esse. Mas te juro que às vezes tenho ímpeto de mandar erigir umaestátua em homenagem a ele. Como chefe de polícia o considero um grande criminoso que comohomem é um benemérito, pois todos os que matou eram indivíduos sem caráter, ladrõeselegantes, que conseguiram fortuna e cargo importante à custa de traição e baixeza. Tenho emseu encalço meus melhores agentes e, até agora, o que consegui? Nada!

— Bem... Edu. Sempre tive confiança em ti mas a promotoria não pensa assim...Proust se levantou e, depois de os cumprimentar, se retirou. Se passara uma hora depois da

saída do promotor, quando o telefone bateu furiosamente. Capitão Edu atendeu.Jaime notou que os músculos da face se contraíam os olhos brilhavam de ódio. E foi com

voz fraca que, depois de desligar, se dirigiu a seus auxiliares.— Acabam de assassinar Abel Norton, presidente da companhia de seguro. É melhor irdes

andando.O carro corria com alguma dificuldade nas ruas movimentadas da cidade.A cidade é o lugar onde estão instaladas, em geral, todas as casas bancárias e é, por assim

dizer, o centro comercial da velha Albião.{2}

O carro parou à porta dum edifício de seis andares, onde estava instalada a companhia deseguro. Jaime rompeu caminho entre um grupo de curioso, estacionado à porta do prédio,atraído pelo alarme da ambulância, e conseguiu chegar até o local do crime.

Três pessoas rodeavam o cadáver. Uma era o secretário de senhor Abel Norton, a outra suadatilógrafa e, finalmente, um policial.

Uma olhada foi o bastante pra revelar a Jaime o autor do crime. Abel Norton tinha umacorda de mais ou menos 0,5cm em volta do pescoço.

— Jaime, olhes aqui! — Disse Tom.Um cartão estava preso aos dedos do morto e Jaime já sabia o que dizia. Retirou a corda do

pescoço do morto, guardou o cartãono bolso, ouviu as declarações do polícia e mandou que eleprovidenciasse a remoção do corpo e levasse os dois empregados de Abel Norton à chefatura.

Quando entrou no gabinete de Edu Brown, jogou a cima da mesa a corda e o cartão,exclamando:

— Mais uma corda e mais um cartão, chefe, com os cumprimentos de A Forca.— Vás ao inferno com os gracejos, Jaime... Oito mortes foram cometidas e eis nós aqui,

sem pista segura.Edu Brown falava a verdade. Ninguém poderia supor quantos ainda crimes seriam

praticados!— Chefe, esse sujeito é um louco. Mata por prazer mas não podemos negar que tem feito um

benefício à cidade. O sabes, melhor que eu, que todos estes mortos tinham bastante culpa praserem levados ao patíbulo mas também tinham bastante dinheiro pra fazer calar todos ostribunais. É um plano de vingança diabólico mas, ao mesmo tempo, de saneamento da cidade.

O secretário e a datilógrafa de Abel Norton entraram, escoltados pelo policial.O rapaz disse se chamar João Davis e, se bem que um tanto nervoso, prestou todo

esclarecimento necessário.

Page 19: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Somente duas pessoas estiveram com senhor Abel Norton. Doutor Eduardo Mills epromotor Proust.

A moça deu o nome de Elynor Allan.— Fui chamada por senhor Norton pra escrever uma carta. Quando entrei discutia com

doutor Eduardo e me lembro bem de ter ouvido o doutor lhe dizer:— Tomes cuidado, Norton, pois A Forca tudo vê.A essas palavras o capitão deu um pequeno gemido.— Tens certeza de ter ouvido isso?— Absoluta, senhor. Quando entrei, doutor Eduardo se despediu, raivoso, de senhor Norton,

que sorriu. Depois nada mais vi, até que Davis me disse que Senhor Norton estava morto.Capitão Edu mandou que ambos se retirassem.— Jaime, amanhã teremos, com certeza, a nona morte, pois nada podemos fazer para

impedir. É preciso encontrar uma pista.Quando Jaime saiu do departamento uma onda de jornalista o abordou.— Ei!, inspetor, nos dês alguma informação.— Muito bem. Podeis dizer, em vossos jornais, que desta vez o assassino deixou uma pista

importantíssima e estou em seu encalço.Os jornalistas, sem mais espera, o deixaram pra levar a notícia à redação e Jaime entrou no

carro com destino a casa.— Olhes aqui, Jaime. — disse Tom — Que diabo estás fazendo? Quero ser membro do

parlamento se percebo algo.— É um plano, Tom, e espero que dê resultado. Amanhã os jornais darão essa notícia. Estou

procurando, com isso, tirar A Forca da toca.

II

Às primeiras horas da manhã o telefone do apartamento de Jaime tilintou furiosamente.— Jaime, sou eu, Edu. — Disse a voz do outro lado da linha — Nos colocaste mal com essa

história dos jornais.— Chefe, não gosto muito de falar ao telefone. Dentro de meia hora estarei aí.— Posso garantir — disse Jaime, já instalado numa cadeira do gabinete de seu chefe — que

hoje não teremos crime. Certamente leu a notícia e deve estar intrigado com a tal pista. Hojenão agirá... Quero que digas que estou com a prova em minhas mãos.

— Ótimo, Jaime. Mas o que farás?— Não sei, chefe, mas penso que esperarei o que vier.Saiu em direção ao bar Florista e sua cabeça trabalhava. Pediu uma gim tônica e enquanto

sorvia, a pequeno gole, perguntou a Tom se se lembrava de já ter visto aquela datilógrafanalguma parte.

— É esquisito, Jaime. Me lembro de jà ter visto mas não consigo lembrar onde.— Hoje na noite iremos a uma festa na casa de senhor Carol Loose — disse Jaime — e espero

que te portes bem, Tom.

Page 20: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Jaime, depois de sair do bar, pediu a Tom que lhe arranjasse uma lista dos capitalistas ehomens de posição mas de caráter duvidoso.

— Irei até nosso apartamento. O'Hara, do I. S., te ajudará a fazer essa lista. Estejas com elaàs 2h, na chefatura.

Quando Jaime abriu a porta de seu apartamento uma surpresa o esperava. Todas as peças doquarto estavam revoltas. As gavetas abertas estavam desarrumadas e não havia móvel que nãofora tocado pelo visitante.

Telefonou a seu chefe e o pôs a par de tudo.— Eu não te disse?, capitão. A Forca está assustada!Desligou o telefone e correu os olhos no chão. Seu olhar parou sobre um objeto, que bem sabia

não lhe pertencer, nem a Tom. Se abaixou e apanhou um lenço branco de cambraia finíssima e umleve aroma se exalou.

— Gardênia! Hum!...Guardou no bolso e, depois duma rápida arrumação, saiu, apressado, em direção à Scotland

Yard.Contou a capitão Edu Brown a visita que tivera e lhe mostrou o lenço.— Deve pertencer ao homem que cometera todos esses crimes ou a um cúmplice. O

guardarei como lembrança.Ia saindo quando Tom entrou.— Jaime, aqui está o que pediste. E lhe entregou a lista.Trinta nomes entre banqueiros, capitalistas e homens públicos. Jaime entregou a lista a

capitão Edu pedindo informar a todos os listados o perigo que os ameaçava.— Capitão Edu, não posso dizer qual será a próxima vítima mas posso garantir que será um

destes. — E me apontou a lista. Os faças vir àqui pessoalmente, um a um e arranjes um detetivepra proteger cada um.

— Mas Jaime, escutes aqui. Só tenho vinte homens sob meu comando neste departamento enessa lista estão trinta nomes.

— Chefe, peças mais dez homens, pois quero que todos fiquem protegidos.Jaime saiu com Tom e se dirigiu ao escritório da companhia de seguro, procurar Elynor

Allan e foi bem sucedido.— Senhorita, quando não me lembro duma pessoa que tenho certeza de já ter visto antes

gosto muito de tirar a dúvida e creio que não haverá empecilho a isso.Elynor sorriu e disse:— Não te lembras onde me conheceste?, inspetor. Nunca estiveste no hospital São Tomás?Jaime e Tom se entreolharam.— Ó!, senhorita, é verdade. Agora me lembro. Quando Jaime fora ferido tivera como

enfermeira a atual datilógrafa, Elynor Allan.Ela se preparava pra sair e, abrindo a bolsa, tirou um pequenino lenço, que passou de leve

sobre o rosto, e Jaime sentiu um forte cheiro. Se despediu da moça e, na rua, murmurou apenas:— Heliotrópio!Tirou o lenço que trazia consigo e aspirou:— Hum!... Gardênia. Bem diferentes.

Page 21: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Tom não compreendeu o significado das palavras que ele pronunciou mas se soubesse doestranho visitante de seu apartamento talvez as compreendesse.

Os salões da residência de Carol Loose estavam repletos quando os dois detetivesentraram.

Carol era um dos homens que constavam da lista dos marcados pra morrer, que estava nasmãos do capitão Edu Brown.

Quando avistou os dois inspetores, avançou em direção a eles e, os cumprimentando, pediuque tratassem de se divertir.

Jaime percorreu com a vista todo o recinto. A música tocava e os pares dançavamanimadamente.

Seus olhos astutos corriam de rosto a rosto. Num só relance percebeu que ali estavammuitas das próximas vítimas de A Forca e não lhe foi difícil, vendo certos homens espalhadosna sala, compreender que Edu Brown seguira sua instrução.

Tom separara se dele e Jaime resolveu ir até o bufê.Quando passava dum salão a outro percebeu um grupo de convidado que falava sobre os

crimes que tanto abalavam a nevoenta Londres.— Ó!, inspetor. — Chamou Carol Loose. — Estamos falando dum assunto que ninguém

conhece melhor que tu.Estavam ali reunidos, além de Carol e sua senhora, uma mocinha e um rapaz, sobrinho de

Carol, Jorge Sims, diretor do banco Cidade de Londres, e os promotores Guilherme Harringtone Owen Proust.

Jaime, se bem que contrariado, ouviu os maiores absurdos e as maneiras de pôr cobro aesses crimes da boca de todos.

— É, de fato, um criminoso astuto mas isso não impede que receba, algum dia, um bom parde algema.

Riram do dito e aproveitou a ocasião, pra, pedindo licença, se retirar.Consultou seu relógio e se dirigiu ao telefone, fazendo comunicação com a Scotland Yard.— Alô, Edu, és tu? Aqui é Jaime. Alguma novidade?— Não, Jaime, creio que acertaste. São onze e meia e até agora não tivemos chamado,

portanto A Forca não agiu hoje.Era verdade, A Forca não agiu nem agiria tão cedo, antes de... Eram duas da madrugada e

Tom ainda não voltara da festa.Jaime resolveu se deitar.Despertou sobressaltado e notou que a porta de seu apartamento estava sendo aberta

cautelosamente.Devia ser Tom, pensou, mas este não entraria daquela maneira...Apertou fortemente o punho de sua automática. A porta se abriu mais e Jaime viu que não

era Tom. Não pôde distinguir o rosto do visitante mas sua automática vomitou fogo e chumbo ea porta bateu com força. Saltou, rápido, da cama e correu até o saguão. Não viu alguém mas umrastro de sangue lhe fez ver que acertara em quem quer que fosse. Os outros moradoresdespertaram com os estampidos e Jaime, os tranqüilizando, voltou a seu quarto. Estava dispostoa telefonar a capitão Edu mas pensou que não valeria a pena o acordar pruma coisa tão

Page 22: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

insignificante e resolveu se deitar.— O que quereria? — Murmurou Jaime. Seu cérebro trabalhava. É claro, pensou, não

poderia deixar de ser ele. À primeira visita o fizera assustado com a notícia dos jornais e vieraprocurar a tal prova. Perdeu o lenço com a busca e agora queria o reaver.

III

Na manhã seguinte Jaime saiu bem cedo e capitão Edu já o esperava. Jaime nada contou doque lhe sucedera na véspera.

— Todos estão sendo vigiados — falou Edu. Dei ordens severas aos agentes e os fizcompreender que nunca deveriam se afastar mais de dez metros dos homens que devemproteger. Escute Jaime, você tem idéia de quem seja?

— Não, capitão. Tanto pode ser um homem como uma mulher. A única prova que possuímosé um lenço perfumado, que tanto pode pertencer a um como a outro ou mesmo a nenhum deles.

Jaime ia continuar a falar quando percebeu que alguém estava encostado à porta da sala deseu chefe. Se levantou num salto e a abrindo se deparou com o rosto de Elynor Allan.

— Ó!, inspetor! — Disse ela, agitada — Estava te procurando.— Entres, senhorita. Não te fica bem escutar a conversa alheia.— Ó! Não. Eu juro, senhor, que te vim falar. Te lembras quando te falei da conversa de

doutor Eduardo com meu chefe? Pois bem. Acho que poderá vos dar alguma informação, poisontem esteve comigo e parecia muito nervoso. O vim procurar porque me disse que operseguiam.

— Puxa!, Jaime. Íamos deixando escapar esse pássaro. — Disse capitão Edu.— Senhorita Elynor, seria incômodo nos acompanhar até a residência de doutor Eduardo?— Não, inspetor.Bateram à porta e não obtiveram resposta.— É estranho que ninguém venha abrir. — Disse Edu Brown.Elynor disse que o doutor não tinha empregado porque não comia em casa e a limpeza era

feita por uma velha que vinha todas manhã. Jaime fez uso dum pequeno grampo torcido e empouco a porta estava aberta.

Era uma pequenina casa situada no fim da rua Carambola. Jaime a percorreu toda, desde osaguão até a cozinha, chamando o doutor.

— Jaime, subas àqui, depressa! — Gritou capitão Edu.Doutor Eduardo Mills jazia em seu leito, com os olhos horrivelmente esbugalhados, tendo

uma corda em volta do pescoço. No chão estava um pequeno cartão: A Forca cumpriu suamissão.

— Creio que chegamos tarde, chefe. — Disse Jaime. — Mais cordas e cartões pra nossacoleção.

— Jaime, essa menina parece saber dalgo. A reterei.Não faças isso!, chefe. Não tens prova contra ela e, de mais a mais, se ela tiver relação com

ele é melhor a deixar solta e seguir seus passos.

Page 23: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Elynor os esperava no saguão e não demonstrou abalo quando Jaime disse que o doutor foraassassinado.

— Menina, acho melhor ires embora mas, antes, te darei um conselho: Não penses nisso enão metas o nariz onde não és chamada. Isso ainda pode te custar caro.

O médico legista chegou poucos minutos depois, juntamente com o carro da polícia, e foidizendo:

— Ao diabo com os criminosos! Há uma semana que não tenho tempo, nem pra comer. Seesse sujeito matar mais alguém, Edu, pedirei demissão. E depois... Bolas... Não sei pra quê mechamam. Não é o bastante verem que o bichão foi estrangulado ou é preciso que eu vos venhadizer isso?

Edu Brown se dirigiu à chefatura e Jaime resolveu dar uma volta na praça Piccadilly.Entrou despreocupadamente no Blue Bird, estabelecimento de seu velho amigo Zé, e pediu

uma soda.— Então, senhor Jaime. — disse Zé, se aproximando — Como vão as coisas? Os jornais

têm falado muito desses crimes.— Sim, Zé. As coisas não vão bem.Um homem acabava de entrar, com um braço na tipóia. Jaime olhou e reconheceu João

Davis. Se dirigiu a ele e viu que empalidecera.— Como vais?, inspetor.— És tu quem parece que andou se ferindo nalguma coisa. Não?, Davis.— É verdade, senhor, uma briguinha...— Um tiro, com certeza. — Disse Jaime. — É muito perigoso se expor a uma arma.João Davis ficou muito nervoso e Jaime notou que seus lábios e a mão que segurava o copo

de gim tremiam, deixando cair algumas gotas na calça. Davis tirou o lenço do bolso e a limpou.Jaime, depois de assistir esse gesto, o cumprimentou e saiu.

Ia subindo a escadaria da Scotland Yard quando um garoto lhe entregou um grande envelopee partiu correndo. Jaime rasgou o envelope e uma corda lhe caiu aos pés. Abriu o papel e leu AForca continuará a cumprir a sua missão. Te afastes de seu caminho. Eduardo sabia demais emorreu...

Jaime abriu a porta da sala de seu chefe e entrou. O chefe a corda nas mãos dele e perguntou:— O que é isso?, Jaime.— Nada, chefe. Um pequeno aviso de nosso amigo. E entregou o bilhete.— Jaime, acho que enlouquecerei.Eram dez horas quando Tom entrou na chefatura. Fora verificar se os homens encarregados

da vigilância dos marcados pra morrer estavam em seus postos.Os três se sentaram e ficaram olhando o relógio. Os ponteiros marcavam quinze minutos às

onze.Quando o relógio bateu onze horas, uma atmosfera de apreensão reinava no pequeno

gabinete. Nenhum deles se atrevia a romper o silêncio. O telefone tilintou e Jaime notou que amão do chefe tremia ao o segurar. Um leve murmúrio escapou dos lábios.

— Vamos!, rapazes. Carol Loose foi assassinado. Quem estava em guarda de Loose?,Jaime.

Page 24: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Morgan. — Respondeu Tom.Saltaram à porta da residência de Carol Loose e Morgan veio correndo em direção a eles.

Trazia a cabeça enfaixada num pano ensangüentado.— Como foi?, Morgan. — Perguntou Edu.— Não sei, chefe. Eu estava de guarda junto à janela do escritório, donde via senhor Loose

escrevendo. Dessa posição eu via, também, a porta que dá entrada ao escritório. No momentoem que eu ia acender um cigarro senti qualquer coisa bater em minha cabeça e creio que perdi osentido. Quando voltei a mim a primeira coisa que fiz foi olhar a dentro do escritório e vi acorda em torno do pescoço dele. Dei o alarma e mandei o empregado telefonar a ti.

Jaime entrou no escritório onde estava o corpo de Carol Loose e um forte cheiro chegou aonariz.

— Gardênia...Os três homens regressaram à chefatura e cada um tinha um pensamento.O dia seguinte surgiu mais claro, pois fora levantado o espesso véu de nevoeiro que cobria

Londres.Jaime foi à praça Soho, com uma idéia na mente. Mandou que Tom fosse, depressa, à

chefatura e lhe trouxesse uma das cordas de que o assassino utilizara.Todas as cordas eram iguais e queria saber onde foram compradas.A razão de ido à praça Soho, em primeiro lugar, era muito simples. Lá estão instalados

muitos bazares.Jaime esperou um pouco por Tom e, lhe dando instrução, começaram a busca à casa donde

teriam partido aquelas cordas.Numa das casas em que entrou Jaime viu um grosso rolo de corda e não foi preciso mais

que um simples olhar pra que visse que a corda que tinha no bolso era idêntica.Foi ao dono do Soho-Barato e lhe fez ver o que desejava. O homem, imediatamente, se

prestou a toda informação. Disse que era muito raro vender daquela corda por ser muito fina.— Há uma semana, mais ou menos, vendi 10m e me lembro bem disso porque o garoto que

fez a compra me pediu que a cortasse metro a metro.Jaime saiu procurando Tom e lhe contou a descoberta.— 10m!, Tom. O que corresponde a dez mortes, não é? Entendes?— Sim, Jaime. Dez mortes já foram cometidas e com isso acabou a corda. Portanto terá de

comprar mais.— Quero que fiques de olho naquele bazar. Se o garoto aparecer não o sigas porque podem

estar espiando. Entres na loja e o ameaces. Procures saber a quem e onde as entrega.Se despediu de Tom e seus olhos brilhavam, quando foi se encontrar com capitão Edu.— Jaime, — disse Edu — recebi uma carta de meus superiores. Fazem ver que devo

apresentar minha demissão antes de chegado o dia 26 e, sendo hoje vinte e três, tenho três diaspra apresentar.

A voz do capitão Edu tremia. Jaime sabia o quanto ele sentiria se aquilo sucedesse ecompreendeu o quanto seu chefe amava aquele cargo.

— Capitão Edu, faltam dois dias pro Natal e te prometo entregar o assassino antes deWestminster bater a última badalada da meia- noite do dia 25. Será meu presente de Festas.

Page 25: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

O aperto de mão de Edu fez Jaime ver o quanto seu chefe ficaria grato.— Capitão, — disse Jaime — digas a todos os agentes encarregados de vigiar aqueles

homens pra não se afastarem deles e que atirem a qualquer movimento suspeito de pessoa quedeles se aproximar. A Forca não deverá agir hoje.

Havia, seguramente, uma hora que anoitecera. Jaime foi a seu apartamento e, mesmo antesde entrar, sabia que Tom já lá estava, pois alguém assobiava a marcha fúnebre, e esse era umvelho hábito.

— Alô, Jaime. Encontrei o garoto e fui obrigado a lhe dar uns cascudos pra quedesembuchasse. O pequeno de nada sabe. Disse que é vendedor de jornal e, certa vez, umamoça lhe pediu pra ir comprar corda, o que fez, recebendo, em troca do favor, dez xelins. Disseque a mulher ficou esperando na porta do edifício Londres e quando recebeu o embrulho entrouno edifício.

— Tom, — disse Jaime — Temos um servicinho presta noite e que não será muitoagradável. Alguma vez já foste ladrão?

— Ei!, Jaime. Que história é essa?— É o que estou dizendo. Hoje na noite seremos ladrões. Quero dar uma olhada em todos

os escritórios que estão no edifício Londres e, como não quero que suspeitem, prefiro arriscarassim.

— Creio que não deve ser agradável receber uma bala e também acho que não dou pracoisa, mas, já que irás, irei contigo. O que precisaremos levar?

— Basta o grampo, Tom, e uma boa pistola.Eram quase 10:30h quando os dois detetives atravessaram praça Piccadilly. Passaram pela

catedral de São Paulo e tomaram a direção da colina Ludgate.Um prédio de quatro andares se erguia diante deles. Olharam ao redor, como se certificando

de que ninguém os via, e resolveram entrar em ação.Um policial passou naquele instante e Jaime, puxando Tom pelo casaco, se coseu de

encontro à parede.Depois caminharam até o fundo do edifício e em poucos segundos a porta de serviço estava

aberta. Atravessaram um corredor estreito, no primeiro andar, e iam começar a agir, quandoouviram som de passo.Os dois detetives se esconderam atrás duma coluna e viram o guarda do prédio empunhando

uma arma, tendo na mão esquerda uma pequena lanterna.— Tom. — Murmurou Jaime — Não gosto de fazer isso mas há necessidade...Imediatamente Jaime retirou do bolso sua grande automática e esperou que o guarda

passasse junto.Um baque se ouviu e o corpo do guarda rolou a seus pés.— Somente o atordoei, Tom. O amarres e metas naquele quarto.— Amarrar com quê?, Jaime.— Não é preciso, Tom. Vamos depressa.Nos quatro andares estavam instalados vários escritórios e Jaime escolheu cinco pra

revistar.Abriu, finalmente, uma porta no quarto andar, onde se lia no vidro, em letras grandes:

Page 26: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Harrington e Proust, promotores.Jaime examinava peça a peça e Tom se encarregava de colocar tudo como estava antes. Um

pequeno armário de ferro, encostado num canto, parecia não ter mais serventia.Jaime o abriu e viu uma grande quantidade de papel. Seus dedos começaram a o revolver e

tocaram um objeto duro no fundo.— Tom, me passes a lanterna.Quando a luz deixou ver o que estava no fundo do armário, um assobio escapou dos lábios

de Jaime.— Vejas, vejas! — Disse, se dirigindo a Tom.Ali estavam as cordas e um grande envelope cheio de cartões iguais aos muitos que capitão

Edu Brown tinha guardados em seu gabinete da Scotland Yard.Jaime as contou e viu que ali estavam nove.— Tom, deixaste o garoto levar as cordas?— Sim, Jaime. Achei que era melhor.Jaime ligou o telefone à chefatura e falou com seu chefe.— Capitão Edu, aqui fala Jaime. Tenho certeza de que A Forca hoje tentará matar mais um.

Temos de impedir.— Jaime, onde estás?— Num bar, chefe, perto de minha casa. Desligou o aparelho e se

dirigiu a Tom:— Vamos, Tom. Tenho muito a fazer.O relógio batia 11h quando os dois detetives entraram no gabinete do capitão Edu Brown.Quinze minutos decorreram e o telefone ainda não tocara.— Creio, chefe, — disse Jaime — que tudo saiu bem.

IV

Na manhã seguinte capitão Edu estava de muito mau-humor, e foi nesse estado que recebeu avisita de promotor Harrington.

Jaime e Tom estavam encostados à mesa de seu chefe, e ambos tinham o mesmopensamento.

Os olhos de Jaime não cessavam de contemplar o promotor. A vinda dele se prendia à visitanoturna a seu escritório. E se naquele momento tivesse olhado o rosto de Tom Malloney teriavisto a força que ele fazia pra conter o riso.

Quando o promotor se retirou capitão Edu fez ver a Jaime ter dois dias pra resignar aocargo.

— Muito bem, chefe. Tenho, ainda, 48h pra o entregar em tuas mãos, e hei de entregar.Jaime ia entrando no edifício Londres quando avistou promotor Proust.— Vinha falar a ti a respeito da visita que os senhores tiveram em seus escritórios.— Ó! ,inspetor, creio não haver necessidade de prosseguir neste caso. Harrington ficou um

pouco assustado mas, felizmente, nada roubaram e a única coisa grave foi espancar o guarda do

Page 27: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

prédio e o prender no quarto de limpeza.Um táxi que o promotor chamara acabara de parar à porta do edifício.— Se o senhor inspetor irá aos lados da travessia Charing, o poderei conduzir.— Obrigado, senhor Proust. Aceito teu convite.Enquanto conversava Jaime sentia um forte cheiro de perfume e, se inclinando, abriu a

janela do carro pra entrar um pouco de ar.— O inspetor parece não ser amigo de perfume!— É verdade. Gosto muito pouco. — Disse Jaime.Este, que estás sentindo, — disse Proust — é gardênia, um dos melhores perfumes da

praça.{3}

Não era preciso que o promotor dissesse, pois Jaime já conhecia aquele cheiro.No cruzamento da travessia Charing com rua Euston, Jaime agradeceu ao promotor Proust e

saltou.

Estava atordoado com o que descobrira. Todo seu pensamento residia ,agora, em JoãoDavis e seu ferimento.

Foi aos escritórios da companhia de seguro e o encontrou redigindo uma carta.— Olá Davis. — Disse Jaime — Como vai o braço?— Inspetor, em que posso ser útil?— Olhes aqui, Davis, quero que me contes muito direitinho a história desse teu ferimento.

Há dois dias estavas bom e agora estás ferido. Sei que qualquer um pode estar bom hoje eamanhã ser ferido mas este teu ferimento está coincidindo com um que fiz em alguém que tentouentrar em meu apartamento. E esse alguém, Davis, é um homem procurado pela polícia, por dezhomicídios e conhecido pelo nome de A Forca.

— Ó! Não!, inspetor. Posso provar que não fui.Jaime notou que, apesar da pronta resposta de Davis, a cor lhe fugira do rosto e a boca

tremia.— Inspetor, quero que me leves a um lugar onde eu pudesse falar contigo em particular.— Muito bem. Gosto de tratar com pessoas que sabem pensar.— Disse Jaime.Quando saíram do edifício Jaime chamou um táxi e mandou que o chofer rodeasse Parque

do Regente.— Fui ferido por ti mesmo!, inspetor.— O quê! ?, Davis. O que querias em meu apartamento?— Naquela noite, quando saíste da casa de Carol Loose, uma pessoa te seguia. Eu já tinha

suspeita e quis ter a certeza de não estar errado, pra depois o denunciar. Assim, o indivíduo quete seguia era também seguido por mim.

Quando entraste em teu apartamento o sujeito ficou parado em frente ao prédio. Quando asluzes se apagaram entrou no edifício, movimento que também fiz.

Perdi de vista e supus que tivesse ido a teu quarto. O resto conheces.— Muito bem, Davis. Viste quem era o homem que me seguia?— Sim, inspetor. Era A Forca. É... Pim!...Jaime ouviu um ruído de vidro quebrado e o corpo de João Davis ficou imóvel. Tinha um

Page 28: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

ferimento acima do ouvido esquerdo.Jaime saltou e, afastando os curiosos que se aglomeravam em volta do carro, providenciou

a ambulância e apanhou um envelope que jazia no chão e que viu estar lhe endereçado. Abriu eleu:

Eduardo sabia demais e João Davis também. Se foram...Serás o próximo, inspetor.A ForcaIsso simplifica as coisas, pensou Jaime. Suspeitava de JoãoDavis e A Forca o matara. Agora só restava prender o criminoso.Entrou na sala do chefe, que notou que Jaime sorria.— Esperemos até as 11h, capitão Edu e talvez te entregue teu homem.Jaime, em poucas palavras, contou a visita que fizera aos escritórios da companhia de

seguro e a entrevista com o promotor Proust. Falou dele usar perfume gardênia, justamente omesmo de que estava impregnado o lenço que encontrara em seu apartamento.

— Mas, Jaime, será possível que Proust fosse capaz...Às 23h, Jaime Patrício, seu chefe e Tom Malloney entraram na residência do promotor

Owen Proust, que estava em seu gabinete de trabalho e ali recebeu os detetives.Poucos minutos decorreram quando chegou o promotor Harrington.— Ó! — Disse, cumprimentando a todos. — Parece que a Scotland Yard hoje se transferiu

a tua casa, Proust. Vieram te dar os votos de feliz Natal?— Sim, é verdade. — Disse o capitão Edu Brown.— Inspetor Jaime, — perguntou Proust — como vão as coisas?— Muito bem, senhor promotor. Ao menos já te posso dizer, segundo penso, o móvel desses

crimes, e estou certo que não tiveram outro móvel além da vingança. A dedução que tirei é queo autor desses crimes os praticou para vingar qualquer coisa. Li, há muito tempo, não merecordo onde, a história dum indivíduo cujo pai foi arruinado por certo homem e, desgostoso,suicidou. O filho, mais tarde, sabedor de tudo, e ocupando um cargo que o punha a salvo dequalquer suspeita, resolveu pôr termo à vida do homem que lhe arruinara o pai e que ostribunais absolveram. Como vede, este bem pode ser também nosso caso. Os outros crimespraticados são a seqüência do primeiro. Neste quis vingar o suicídio do pai e naqueles vingaras outras criaturas que sofreram como ele e resolveu, então, liquidar, um a um, todos os homensmerecedores da forca, mas que, imensamente ricos, tapavam a boca de qualquer tribunal. Oplano estava bem arquitetado e pra pôr em execução, bastava somente um pouco de calma econhecimento dos movimentos da polícia. Todo criminoso pratica, em geral, um erro. Não hácrime que seja perfeito. Pode haver os quase perfeitos mas nunca perfeitos. Esse criminoso,conhecido pelo nome de A Forca,

é um homem astuto mas, infelizmente pra ele e felizmente pra nós, cometeu um erro que mepôs em sua pista.

Os olhos do promotor Proust estavam fixos em Jaime, enquanto ele falava.— Francamente, inspetor, estou maravilhado com tuas deduções.— O que eu disse, senhor promotor, com um pouco de raciocínio qualquer um diria. Mas,

pras completar, — disse Jaime, se levantando — eu desejava que me dissesses o que estavam

Page 29: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

fazendo aquelas cordas e cartões num armário de teu escritório?Jaime tirou do bolso um par de algema e, quando capitão Edu Brown se dirigiu a Proust, Jaime

disse:— Te entrego, chefe, o homem conhecido pelo nome de A Forca e que é, na realidade, o

promotor Guilherme Harrington.Unindo o gesto à palavra, Jaime lhe ligou as algemas ao pulso. Capitão Edu e mesmo Tom

não puderam conter um Ó! de espanto.— Julgaram Proust o culpado, não é? — falou Jaime. — vos enganastes como também me

enganei a princípio.As cordas, os cartões e o perfume do lenço, me fizeram supor que Proust era realmente A

Forca. João Davis foi morto quando ia me revelar quem era o criminoso. Sem ter dito palavra,pois morrera, Davis, apesar disso, me mostrou quem era o verdadeiro culpado. Proust estiveracomigo e me conduzira, num táxi, até rua Euston. Ele não sabia que eu ia procurar João Davis e,portanto, de nada poderia desconfiar, como de nada desconfiou quando falamos sobre operfume de gardênia, o que me fez ver que estava inocente. Harrington viu todos meusmovimentos naquela tarde e, temendo que Davis falasse, resolveu o liquidar. Quanto ao lenço,pertence, de fato, a Proust. Harrington se apoderou dele e resolveu o deixar em meuapartamento, como uma pista a minha investigação.

— Sim, é verdade. — Disse Proust — Perdi um lenço branco.— Harrington supôs que se algum dia encontrassem as cordas e os cartões no escritório e

Proust usando gardênia, isto serviria pra o incriminar. Foi ainda com o mesmo pensamento que,na noite em que matou Carol Loose, usou gardênia em suas roupas, pra que o ambiente ficasseimpregnado daquele cheiro.

Iam saindo quando ao longe soaram os sinos de Westminster! Jaime esperou ouvir a últimabadalada e atravessou a rua sorrindo…

Page 30: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Osdiamantesacusadores

I

relógio da chefatura batera 11h e o capitão Edu Brown tamborilava, impacientemente,os dedos sobre a escrivaninha apinhada de papel.

Toda a Scotland Yard estava procurando o misterioso assassino do célebre Gordon Steam,opulento mercador de diamante, vulgarmente conhecido pela alcunha de O Africano.

O detetive Jaime Patrício, encarregado do caso, nada conseguira saber além do que todo odepartamento sabia: Gordon fora morto por um colte calibre 38, a 45m de sua residência, no diaem que carregava consigo uma caixa contendo vinte e dois diamantes estimados em grandevalor.

Jaime era considerado, por seus companheiros, o mais arguto dos detetives e era tão bom nogatilho que o diziam capaz de atravessar, com uma bala, um buraco de agulha.

Todas as missões perigosas lhe eram confiadas por capitão Edu, que nele depositava inteiraconfiança. Jaime entrou no gabinete do chefe, que, impaciente, mastigava um charuto há muitoapagado.

— Jaime, os jornais estão comentando nossa lentidão nesse caso e acho que haverá muitademissão na polícia se não conseguirmos algo dentro de quarenta e oito horas.

— Chefe, a única coisa que posso dizer é que muito antes de esgotado esse tempo faremosuma prisão. Estudei todo o passado de Gordon e consegui saber que tinha muitos inimigos mascreio que nenhum deles seria capaz de o assassinar. Gordon era solteiro e possuía um seguro devida de 50.000 libras a favor duma irmã, Catharina Steam, que ora está na América.

— Jaime, não me interessam esses teus estudos sobre a pessoa de Gordon. O que quero éque me tragas o assassino e não dedução.

— Pois bem, chefe. Terás.Assim falando Jaime saiu calmamente do gabinete do chefe e, atravessando a rua, entrou no

Page 31: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

bar Praça onde o esperava seu ajudante, Tom Malloney.— Jaime, as coisas estão ficando pretas, hem!— Guardes tuas piadas proutra ocasião, Tom. Façamos uma busca no apartamento de

Gordon. Mesmo que nada consiga encontrar prenderei o assassino dentro de poucas horas.

II

Jaime desceu do carro no 56 da rua Regente. O criado que abriu a porta se limitou a meneara cabeça dando passagem aos dois detetives. Jaime disse:

— Júlio, antes de tudo quero que me digas algo sobre os hábitos de teu amo. É preciso quete diga que já cumpriste uma sentença em Dartmor, por furto. Te lembres, portanto, que posso teacusar de ter roubado os diamantes de teu patrão e por isso trates de falar direitinho.

— Não, inspetor. Juro que não fui. E sobre a vida de meu patrão pouco sei. Era muitobondoso pra mim e a única coisa que te posso dizer é que todas as quintas-feiras recebia avisita duma mulher. Nesses dias, invariavelmente, me mandava sair, entre 10h e 1h damadrugada.

— Viste essa mulher ou teu patrão se referiu a ela em tua presença?— Não, inspetor.— Me leves a seu quarto.Jaime revolveu todas as gavetas e finalmente, entre os papéis que estavam na escrivaninha,

retirou um livrinho de cheque que, depois de examinar, guardou, cuidadosamente, no bolso.Agradecendo a Júlio, saiu seguido de Tom, que acompanhava todos seus movimentos.

— Te lembras, mais ou menos, em que ponto foi encontrado o corpo?, Tom. — Jaimeperguntou, na rua.

— Sim chefe. Estava neste lugar. — Respondeu Tom, apontando a um lugar na calçadaenquanto a cabeça estava voltada à casa.

Jaime olhou em todos os sentidos da rua e, depois de contar uns trinta e cinco passos, deuum pequeno assobio e gritou a Tom:

— Vamos à chefatura, depressa!O carro partiu a grande velocidade e a sirene funcionando quebrava o silêncio que reinava

naquela hora na rua Regente.Jaime desceu rapidamente, esbarrando numa pessoa que saía naquele momento.— Ei!, doutor, preciso de ti. Me digas de que distância foi disparado o tiro e qual foi o

resultado da autópsia.— A autópsia revelou que o tiro foi disparado duma distância de cerca de 30m e a bala

penetrou no pulmão direito.— Notaste particularidade no ferimento? Por exemplo, o revólver teria sido disparado por

uma pessoa que estivesse em nível diferente do morto?— Sim, Jaime. Agora me lembro de ter notado isso. A bala foi disparada por uma pessoa

que devia estar a alguns metros acima do solo. Provavelmente numa janela.— Obrigado, doutor. É tudo o que preciso.

Page 32: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Chefe, — disse Jaime, entrando no gabinete de capitão Edu — preciso dum mandado debusca pras casas 34 e 38 da rua Regente.

— Impossível, Jaime, positivamente enlouqueceste. O número 38 é a residência dum doshomens mais influentes de toda Londres, é a casa de senhor Pitt, um dos diretores do banco Cidade.

— Como é o nome do banco? Banco Cidade? Até logo e obrigado, Edu.Em dois segundos, Jaime desceu a escadaria da Scotland Yard e deu o endereço a Tom.— Depressa! Rua Regente, 38.Uma empregada abriu a porta e Jaime, mostrando a credencial, disse que desejava falar com

senhor Pitt.— Não está, senhor, mas se quiseres falar com a senhora faças o favor de esperar que

avisarei sobre tua presença.Jaime sabia que Pitt não era casado e foi essa a razão pela qual quis falar com a senhora.Em poucos minutos a porta da biblioteca se abriu, dando passagem a uma mulher trajando

um belíssimo vestido azul claro e que, pela aparência, não devia ter mais de trinta anos.Quando Jaime disse quem era notou que a mulher empalideceu, e aproveitou o momento pra

dizer o motivo da visita.— Me chamo Violeta Brum, senhor inspetor, e vivo com Pitt há três anos. Creio que Pitt e

eu nada temos a ver com esse crime e acho muita ousadia de tua parte. Peço, portanto, que teretires.

— Pois bem. — Disse Jaime, se levantando, mas poderás me dizer qual era tua relação comGordon Steam?

— Senhor! Creio que estás equivocado. Nem conheço esse tal Gordon, a que te referes.Jaime mostrou o livro de cheque que retirara da escrivaninha de Gordon.— Então me sinto forçado a te levar à chefatura pra explicar os vários cheques que Gordon

te deu e que constam deste libreto.Violeta empalideceu de tal forma que Jaime a fez se sentar. Quando voltou a si do susto,

começou a relatar os fatos.— Na verdade, inspetor, eu e Gordon éramos amantes. O conheci a bordo numa das viagens

em que ele voltava da África e nos tornamos amigos. Sempre gostei muito de gastar e nesseponto Pitt é muito seguro. Gordon me dava muito e eu tinha grande amizade por ele. Pittignorava tudo e eu me sentia feliz, porém Gordon achava que devíamos falar claramente comele. Na noite em que foi assassinado estivera aqui disposto a lhe contar tudo. Felizmente Pittestava no banco, o que muito me alegrou, pois eu temia qualquer coisa em virtude de Pitt sermuito ciumento. Gordon, depois de estar aqui durante uma hora, resolveu se retirar.

— Te lembras a que horas Gordon deixou esta casa?— Sim. Eram quase 11h, pois, pouco depois, Pitt me telefonou do banco dizendo que não o

esperasse, pois chegaria mais tarde.— Que tempo houve entre a saída de Gordon e o telefonema de Pitt?— Mais ou menos uns 15min, inspetor.— Muito bem, senhora. Estou satisfeito e desculpes o incômodo que te dei mas hás de

compreender que somos obrigados a isso. Se trata dum crime e não podemos deixar umcriminoso impune.

Page 33: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Creias, senhor inspetor, que, se minhas palavras o ajudaram nalguma coisa, fico muitocontente, pois amava Gordon.

Entrando no carro Jaime apalpou o bolso no qual sempre trazia sua automática como pra secertificar de que ali estava.

— Faças funcionar essa sirene, Tom e vamos ao banco Cidade.— Ei! Jaime. Se não me engano estás muito satisfeito.De fato, sempre que Jaime estava preste a solver um mistério a alegria se estampava no

rosto. Naquele momento sabia o quão alegre estava, pois solveria o enigma que durante setedias o pusera em constante agitação.

— Jaime, há muito tempo que trabalho contigo e nunca me disseste uma palavra. Mas destavez te juro que gostaria de saber antes quem é o assassino. Jaime saltou do carro fazendo umgesto a Tom pra que o seguisse.

Entrou no gabinete de senhor Pitt, que estava recostado numa cômoda cadeira estofada decouro vermelho, tendo entre os dedos uma carta que deixou cair pra armar um sorriso a Jaime eo convidar a se sentar.

— O que desejas de mim o grande inspetor?— Te prender como assassino de Gordon Steam. — Retrucou Jaime, simulando a maior

indiferença, mas não tanta que deixasse de perceber a cólera que se estampou nos olhos de Pitt.— Senhor Patrício, pagarás bem caro esta afronta.— Teu cinismo me revolta a tal ponto que me vejo obrigado a te levar até a chefatura, e te

advirto de que qualquer violência de tua parte só te trará complicação.

III

Meia hora mais tarde Jaime entrou no gabinete do chefe tendo, entre ele e Tom, Senhor Pitt.— Eis o assassino de Gordon, chefe. Prometi o trazer antes de decorridas 48h e cumpri

minha palavra.— Capitão Edu, responderás pela acusação sem fundamento que me faz teu subordinado.— Senhor Pitt tem razão. Nada podemos fazer contra ele, Jaime.— Talvez queiras, no entanto, ouvir a minha história. — Retrucou Jaime, obrigando Pitt a se

sentar.— Quando te disse ter estudado o passado de Gordon, chefe, e te falei no seguro de vida e

nos inimigos, afastei a possibilidade do crime ter sido praticado pelo beneficiário do seguro oupor um desses últimos porque os quatro únicos inimigos de Gordon estão na África. E tambémposso garantir que nenhum deles seria capaz de o matar pelas costas a uma distância de 30m. Obeneficiário do seguro era, como te fiz ver, uma irmã residente em Estados Unidos, e umtelegrama da polícia ianque me afastou essa hipótese porque no dia do crime Catharina Steamestava em Estados Unidos, em sua residência na 5a avenida.

Eu tinha diante de mim um crime misterioso que, a princípio, julguei perfeito. Revistando oapartamento de Gordon encontrei um livro de cheque do banco Cidade e dele constavam váriassaídas a favor duma tal Violeta Bruni. O exame do cadáver revelou que o tiro partira duma

Page 34: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

distância de 30m e o corpo foi encontrado a 45m de sua residência. Tinha uma bala calibre 38no pulmão direito, bala esta que fora disparada por uma pessoa que estava em nível muitosuperior ao do morto.

Me restavam essas duas trilhas: Procurar a dama misteriosa das quintas-feiras, ou sejaVioleta Brum, e revistar as casas compreendidas na distância de 30m do local em que foiencontrado o corpo. Verifiquei que o tiro só poderia ter partido duma das janelas do 34 ou do38 da rua Regente. Quando me disseste que o 38 era a residência dum dos diretores do bancoCidade, nome que estava no livro de cheque, cheguei à conclusão de que senhor Pitt talvez mepudesse dar informação. O acaso me pôs, então, diante de Violeta Brum e, por sua história,cheguei a uma conclusão: Senhor Pitt era o assassino de Gordon Steam.

Muito ciumento, sabendo dos encontros de Violeta com Gordon, resolveu estudarpacientemente um meio de liquidar o rival.

Sabendo que Gordon, na noite do crime, iria a sua residência, disse a Violeta que teria de irao banco. Mas em lugar disso se limitou a dar um giro por parque Hyde e meia hora depoisvoltou a casa. Aproveitando a ausência dos criados, entrou pela porta de serviço e dali divisouVioleta no sofá, em companhia de Gordon.

Subiu a escada e, entrando em seus aposentos, cujas janelas dão à rua, se limitou a esperar asaída de Gordon. Adaptou um silenciador ao revólver pra evitar o estampido e não provocar,assim, suspeita de Violeta. Quando Gordon saiu foi covardemente alvejado pelas costas.

Depois de praticado o crime saiu da mesma maneira que entrara. Na rua reparou que aindanão havia alguém junto ao corpo. Pra parecer furto retirou o pacote contendo os diamantes. Foià drogaria e dali telefonou a Violeta, dizendo que chegaria mais tarde. Tudo isso fez em 15min,de acordo com a declaração de Violeta. Depois tomou um táxi e foi ao banco, onde guardou, emseu cofre particular, os diamantes pertencentes a Gordon, bem como o revólver que usara.

Entretanto cometeu, como todo criminoso, um erro.No bolso de Gordon foi encontrada uma carteira contendo 2.000 libras e somente o pacote

com os diamantes desaparecera. Portanto a hipótese de roubo ficou afastada.Somente duas pessoas sabiam que Gordon portava, naquele dia, uma caixa com diamante.Uma era o secreta do banco, pois todas as remessas de diamante que Gordon recebia lhe

eram entregues pelo capitão do navio Tetrágono. A outra pessoa era o mui digno senhor Pitt,que na qualidade de diretor do banco recebia o recibo de entrega das mãos de Gordon Steam.

Na noite do crime o secreta estava longe do local, em missão que lhe confiara o banco.Gordon guardou a caixa no bolso, na presença de senhor Pitt e do secreta. Segundo o que o

secreta me disse, às 7h da noite, e às 10:55h, depois de praticado o crime, Pitt a retirou dobolso de Gordon, se explicando, assim, o fato de não estarem os bolsos do morto remexidos.

— Só nos resta, chefe, abrir o cofre particular de Pitt e de lá retirar as provas contra ele.No momento em que Jaime ia colocar as algemas em Pitt, ele, rápido como uma bala, sedebruçou no parapeito da janela, indo se precipitar na rua.

— Belo trabalho Jaime. Creio que mereces férias.— Bem, Tom. Parece que podemos terminar nosso jantar de ontem.Nesse momento o telefone da mesa de capitão Edu tilintou furiosamente.— Capitão Edu Brown ao aparelho. O quê!? Hem!? Um crime... Onde?

Page 35: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Jaime abriu a porta e ia saindo, sorrateiramente quando a voz de Edu Brown chegou aosouvidos.

— Ei!, Jaime. Escutes. É um caso pra ti... A porta bateu violentamente e Jaime foisaborear o jantar da véspera que, pelo tempo, já devia estar frio…

Page 36: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

OFantasmadeLondres

I

á crimes que se tornaram famosos pela selvageria dos ataques, bem como semprehouve, em todos os cantos do mundo, criminosos dotados de grande imaginação, que tecemverdadeiros enredos em torno de seus assaltos e mortes. Em muitos casos esses indivíduostalhados pro mal desde o berço, agem de maneira desconcertante, procurando encobrir o móveldo crime, ou o variando de maneira a escapar a espíritos argutos e atilados que os combatem ecombaterão eternamente como defensores da lei. Homens cuja vida periga noite e dia mas quejamais recuam, se atemorizam nem perdem a esperança ante o mais insondável e tenebrosomistério! Homens soturnos e corajosos, sempre prontos a manter a paz e livrar a sociedade deverdugos sem consciência! Homens poderosos como o silêncio eloqüente de suas armas e cujasvozes são como o reflexo da própria morte!

Foi contra esses incansáveis trabalhadores cujos cérebros meditam sobre fios de cabelo,papéis queimados, pontas de cigarro e tantas outras minúcias, buscando a verdade, e cujasarmas, quando detonam, não são mais que o eco da dos assassinos, que se revoltou uma cidadeinteira, pela voz terrível de sua imprensa.

Não resta dúvida de que Chicago e Londres sempre foram as duas cidades onde os crimestêm maior curso. Se, porém, em Chicago o combate é mais feroz em vista do aparelhamento deque se munem os quadrilheiros, no entanto, a polícia não deixa de levar certas vantagens sobreeles, tanto mais que são, na maioria, conhecidos como homens-g. Em Londres, no entanto, sebem que o combate não seja tão feroz, a polícia encontra, muitas vezes, sérias

dificuldades, não só pela maneira misteriosa de proceder dos grandes criminosos como,também, pela própria natureza que, sem o querer, se tornou a mais perigosa aliada dosburladores da lei. E assim é Londres! Soturna e misteriosa, como o próprio véu com que anatureza a cobre perpetuamente!

Page 37: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Naquela manhã fria e nevoenta de dezembro o movimento parecia muito pequeno. Se nãofosse o som estridente de buzina rompendo caminho através da escuridão e o relógio marcarapenas 9h se diria ser noite em Londres.

Num prédio baixo e imundo, na imediação das docas, dois homens discutiamacaloradamente um assunto ao qual há muito se voltaram os olhos dos inspetores da ScotlandYard. Ambos, pela aparência, não eram mais que simples trabalhadores mas em realidade eramdois temíveis bandidos. Disse o mais alto dos dois, tipo horrivelmente feio e de compleiçãohercúlea:

— Não, Lanzy. Não faremos isso. Não podemos praticar esse assalto e sabes tão bemquanto eu que há, em Londres, um indivíduo mais poderoso que nós, que também quer. Sequiseres vás sozinho, Lanzy. Não irei.

— Muito bem, medroso! Me deixes, se quiseres. Continuarei e garanto que levarei a cabomeu plano.

— Não, Lanzy, encontrarás com morte prosseguindo nisso. Te lembres de que o Fantasmatudo vê.

— Fantasma! Ora, Ricardinho, não sejas tolo! Pode ser muito esperto pros agentes, não pramim. De mais a mais, praticarei o assalto à luz do dia e só me consta que o Fantasma aja nanoite.

— Estás enganado, Lanzy. Ontem foi visto na manhã! Repito que encontrarás a morte!— Ela que venha, Ricardinho. Não temo o Fantasma e só acreditarei em sua existência

quando o encontrar em minha frente.O homem mais baixo, chamado Ricardinho, fez um gesto com as mãos, como quem diz:

Paciência! e se levantou pra sair. Um leve ruído veio da porta e uma figura grotesca, quasesobrenatural, assomou à soleira da mesma.

— Me procurais?, cavalheiros.— O Fantasma!...As pernas do homem mais baixo começaram a tremer e o homem alto, Lanzy, fez um

movimento qualquer no intuito de retirar algo do bolso mas parou em meio do gesto e um gritosurdo saiu da garganta, como um gorgulho.

— Eu bem te preveni de que o...Suas palavras também não saíram mais dos lábios e o corpo pendeu inerte ao solo,

produzindo um baque surdo ao se encontrar com a madeira do assoalho.Apenas minutos decorreram da aparição do Fantasma, quando as pessoas que estavam na

imediação das docas ouviram aquela gargalhada sinistra de cuja existência todos sabiam.O Fantasma! O Fantasma! Era o grito que partia dos lábios dos que ouviam aquela terrível

gargalhada, que era a trombeta anunciadora da morte, da morte impiedosa e sanguinolenta e queanunciava, ao mesmo tempo, mais uma vitória do Fantasma, naquela guerra sem quartel, sobreos bravos rapazes da Scotland Yard.

Passados os primeiros instantes de terror os homens acorreram em massa à casa ondejaziam mortos Lanzy e Ricardinho. Seus corpos eram prova eloqüente da culpa do Fantasma,

Page 38: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

pois na semi- obscuridade reinante no interior da sala, aqueles que se comprimiam no umbralda porta viram a fosforescência em torno do pescoço das vítimas.

— Vos retirai! — Gritou um homem que, momentos antes rompia caminho entre os curiosos,cujo nome era Guilherme Pharison, chefe duma secção na Docas Índias Ocidentais.

Depois de fazer com que os homens se retirassem, se dirigiu ao telefone mais próximo:— Me ligues com Scotland Yard, por favor.— Scotland Yard, capitão Edu Brown, falando.— Capitão, o Fantasma foi visto nas docas e sua passagem semeou a morte.Desligando o telefone capitão Edu olhou rapidamente as faces dos homens que estavam em

seu gabinete e cujos olhos o interrogavam em silêncio. Se virando a Tom falou em voz ásperamas que não deixava de transparecer um pouco de agitação.

— Irradies este alarme: Atenção! Todos os carros. O Fantasma foi visto nas docas. O trazeivivo ou morto.

— Se puderdes... — Ainda murmurou, quando Tom se afastava batendo a porta.Os rostos dos homens que ali estavam se fixaram no capitão, exceto um, Jaime Patrício, que

fugiu ao olhar do chefe, se afundando mais na cadeira na qual estava sentado. Disse FredinhoStone, chefão da Scotland Yard:

— Capitão Edu, essas mortes agravaram ainda mais tua situação e creio que só te restaabandonar este departamento. Tens sob tua ordem, há quase uma semana, um verdadeiroexército de investigador e soldado e até agora nada conseguiste. Um fracasso completo! Te douvinte e quatro horas pra apresentar tua demissão. Compreendo como te sentes mas concordarásque é a única solução. Dezenas de mortes e assaltos já foram cometidos por esse homem queespalha o terror e ainda não descobriste sua identidade. Não sou quem exige tua demissão. É apromotoria, a imprensa, o próprio povo.

Capitão Edu Brown ouviu sem comentário todas as palavras de seu chefe e seus olhosfaiscavam de raiva quando se levantou pra sair.

— Perfeitamente, senhor. Apresentarei minha demissão dentro do prazo concedido.— Muito bem, Edu. Estévio Benton ocupará teu posto.Estévio Benton, que até aquele momento não proferira palavra, se levantou e, acompanhado

por seu filho e Fredinho Stone, cumprimentou Edu Brown, murmurando um irônico Sinto muito,capitão, se retirando a seguir.

Após a saída dos três homens Jaime Patrício se levantou da cadeira, há muito alheio a tudoe se dirigiu à mesa de seu chefe.

— Sinto muito, Edu. Podes contar comigo até o fim.— Escutes, Jaime. Estás neste caso desde o início. Me digas se descobriste algo!— Não, Edu. Nada descobri. Desconfio de três pessoas mas não acredito que tenham

imaginação tão fértil a ponto de criar uma figura como o Fantasma.— Vejas, Jaime: Estévio Benton em meu departamento!...— Sim, Edu, Estévio Benton!...Pela janela do gabinete chegaram, da rua, os gritos dos jornaleiros:— Extra! Extra! O Fantasma foi visto nas docas. Extra! Extra! Hoje o Fantasma matou duas

pessoas!

Page 39: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Capitão Edu Brown fechou, encolerizado, as janelas, mergulhando, a seguir na poltrona.

IIJaime caminhava lentamente, em direção à Scotland Yard, tendo inspetor Tom Malloney a

seu lado.— Se ao menos tivéssemos uma pista, Jaime, ainda bem, mas trabalhar às cegas...— É verdade, Tom. Mas acredites que se dentro de 24 horas eu não encontrar esse sujeito

tanto eu, quanto tu e Edu teremos de abandonar nossos postos, mas em troca surgirá, emLondres, um sósia do Fantasma.

— Um sósia do Fantasma?, Jaime.— Sim, Tom. É uma parte de meu plano pra o agarrar.— Tenho receio, Jaime, de que morra mais alguém nesta noite, agravando ainda mais nossa

situação.— Vamos à chefatura, Tom, porque é justamente isso que está me preocupando.Um carro patrulha estava parado em frente ao edifício da Scotland Yard. No momento em

que Jaime e Tom se aproximavam, capitão Edu entrava no carro.— Edu!— Olá, Jaime. Alguma novidade?— Não, Edu, mas preciso que me ajudes.— Venhas comigo, Jaime. Tenho muita coisa a te dizer. Ao menos sei quem é o Fantasma!...— Hem?! Edu. O que disseste? — Disse Jaime, se sentando ao mesmo tempo em que o

carro partia velozmente.— Sim, Jaime. Só agora é que o soube, porém será difícil o apanhar. Hoje recebi um

telefonema nas primeiras horas da manhã, de rua Vitória, 312, residência de João Lucks, diretordo hospício, que disse precisar me ver, incontinenti.

— João Lucks, hem!— Sim, Jaime. Mas não me interrompas. João não quis falar tudo ao telefone mas me

afiançou que o Fantasma é um doido que fugiu há algum tempo, coisa que guardou até agora,com receio de perder lugar. Lhe prometi que guardaríamos segredo do fato e é à casa de Joãoque iremos agora.

— Muito bem, Edu. Assim fica tudo mais fácil.Rua Vitória, 312, era uma magnífica e grandiosa residência. João Lucks demonstrava um

fino gosto no mobiliário da casa.Capitão Edu e seus auxiliares, Jaime Patrício e Tom Malloney foram introduzidos num

amplo salão, onde brilhava um enorme lustro. Se sentaram pra esperar João, que entrou poucosminutos após, num impecável traje noturno. Era um homem que não aparentava mais de quarentaanos, bastante saudável e jovial. Riu, satisfeito pela vinda de Edu e depois de o abraçar sesentou, cumprimentando Jaime e Tom.

— Edu. Antes de mais, quero que me perdoes por te ter causado tanto dissabor com meusilêncio mas darei toda informação que puder. O doido que fugiu sempre teve mania de grandeza. A

Page 40: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

princípio não acreditei que fosse autor de todas essas monstruosidades mas agora acreditopiamente. Tanto mais que Jângal sempre teve períodos de lucidez muito largos. Tenho em meupoder esta fotografia, que te entrego. É o retrato de Jângal e creio que, talvez, te seja útil. Isso équase tudo. O resto é o silêncio que peço em torno disso. Sempre foste meu amigo, Edu...

— Podes ficar tranqüilo, João. Ninguém saberá.Iam saindo da casa de João Lucks quando ouviram o grito furioso duma sirene se

aproximando aos poucos, aumentando de intensidade.Um carro da polícia, vindo do parque Hyde, entrou na rua Vitória, estacionando à porta da

casa de João Lucks. Dali saiu, correndo, um policial a encontro de capitão Edu.— Capitão! Mataram o caixa da Estação de Londres, no Terraplenagem Vitória. O Fantasma foi

visto!, senhor.— Vamos, rapazes, depressa!O caixa jazia no chão, estrangulado. Jaime contemplou o corpo do rapaz alguns instantes e,

se virando a Edu, disse:— Chefe, levaremos este cadáver conosco.— O Fantasma?, Jaime.— Veremos, Edu.Naquela sala escura, na Scotland Yard, várias pessoas reunidas presenciavam o exame que

Jaime fazia no corpo do rapaz. Ao cabo dalguns minutos, quando as luzes foram acesas, Jaimefalou.

— Não foi o Fantasma quem matou!, Edu. No pescoço deste homem nada se nota, ao passoque em todos os outros, aquela mancha fosforescente era bem visível.

Doutor Jorge, que fora chamado por Jaime, acabava de entrar, sempre brincalhão, nogabinete de capitão Edu Brown.

— Doutor, eu queria que me informasses algo sobre os exames que fizeste nos corpos doshomens estrangulados. O podes me dizer que substância empregou o Fantasma pra deixaraquelas marcas?

— Sim, Jaime. É uma pasta fosforescente. Mas o que estranhei é não terem ficado marcadosos dedos do homem.

— Sim, doutor, mas isso poderia ter sido feito com o auxílio de luvas. Não?— Naturalmente, Jaime.— Muito bem. Apenas mais uma pergunta. Haverá, por acaso, um crânio humano capaz de

ser adaptado à cabeça dum homemnormal?— Não, Jaime. É verdade que todas as pessoas que conseguiram avistar o Fantasma

afirmaram tal, porém garanto que só um crânio feito em gesso ou massa pode ser adaptado àcabeça de alguém, por menor que ela seja.

— Obrigado, doutor. É tudo o que eu precisava.Jaime se levantou e foi até um mapa preso à parede. O contemplou alguns instantes.— Edu, não importa que a Scotland Yard fique deserta mas faças o que direi. Disponhas

todos os carros e os espalhes de maneira que todas as estradas fiquem patrulhadas. Irradies adescrição de Jângal e que da cidade nenhum carro saia. Quero todos os homens bem equipados

Page 41: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

e, se possível, munidos de metralhadora. Reúnas todo o destacamento policial e o distribuas emtodas as ruas, contanto que em cada uma fiquem duas sentinelas, dia e noite, com ordem deatirar pra matar. Feito isso, Edu, chames os rapazes da imprensa e digas que dentro de 24 horasentregarás o Fantasma à forca.

— Mas, Jaime...— Sim, Edu. Sei que dentro de oito horas terás de entregar o Fantasma ou o cargo mas não

faz mal. Prometo que entregarás somente o primeiro.— Mas, Jaime. Não posso dispor de todos os homens!...— É preciso, Edu. Chames Duggan e Carlos, àqui, imediatamente.Os dois inspetores entraram, satisfeitos, no gabinete do capitão, pois gostavam de trabalhar

com Jaime.— Tu, Tom, Duggan e Carlos ireis, agora, procurar todas as casas vazias ou em construção

dentro da cidade. Não importa quantas sejam. O fato é que preciso dum policial em cada uma.Se restar alguma me encarregarei dela.

Os três rapazes saíram dispostos a cumprir a determinação de Jaime. Disse Jaime, depois quese retiraram:

— Bem, Edu. Creio que também irei e espero que faças o que pedi.— Muito bem, Jaime. Farei, custe o que custar. Perdido, perdido e meio.

IIIO clube Ouro regurgitava de gente naquela hora da noite. Jaime Patrício subiu os três únicos

degraus da escada e no patamar, um porteiro vistosamente fardado levou a mão ao quepe.— Boa noite!, inspetor.— Fazendo bastante negócio. Não?, Riny.— Mais ou menos, senhor. Esta chuvinha é que espanta um pouco os fregueses.— Sabes se teu patrão está?— Está sim. Hoje tem convidado.O luxo com que fora montado o clube Ouro era realmente notável. Plafoniês{4} de cristal dos

feitios mais variados, emprestavam um quê de graça ao ambiente, que era formado por círculosde mesas, em anfiteatro. No centro do salão, muito bem encerado, se apresentavam os artistasdo clube. No fundo uma grande orquestra e, se seguindo em estreito corredor à direita, sedesembocava em duas salas de jogatina.

Jaime parou no topo da pequena escada que conduzia ao salão, contemplando as fisionomiasdas pessoas sentadas às mesas. Não foi demorado o exame e seus olhos caíram sobre ZezinhoRedenport, proprietário do clube. Zezinho, Edu e Jaime sabiam, era o chefe da quadrilha decontrabandista que há muito infestava a cidade, porém era tipo bastante hábil pra se livrar deencrencas com a polícia. Não foi, no entanto, o fato de ter visto Zezinho que causou surpresa aJaime mas sim as pessoas que o acompanhavam. Sentados à mesma mesa de Zezinho, estavamEstévio Benton e seu filho. Jaime se dirigiu a passo rápido àquela mesa. Nem se aproximara obastante já notou a perturbação estampada no rosto de Estévio Benton, o futuro chefe dum dos

Page 42: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

departamentos de Scotland Yard.— Boa noite, cavalheiros. Sinto muito vos interromper mas preciso falar com Zezinho.— Te sentes, inspetor. — Disse o dono do clube.— Não, obrigado, Zezinho. Prefiro conversar em particular.— Não tenho segredo a Estévio Benton. Podes falar aqui mesmo.— Muito bem, Zezinho. Já que queres assim! Tenho certeza de que um assalto levado a

efeito hoje na estação de Londres foi cometido por teus homens e desejo te avisar que...— Não desejas avisar coisa alguma. — Disse Estévio Benton, encolerizado — Te retires

já.— Senhor Benton, — disse Jaime — por enquanto não trabalhas conosco e pouco me

importa se és amigo de Zezinho. Por isso faças o favor de ficar calado.O filho de Estévio Benton, rapaz franzino, meio apatetado, se levantou e, pegando uma

garrafa, tencionou agredir o inspetor Jaime que, furtando o corpo, enviou um certeiro soco, oderrubando. O rapaz avançou, encolerizado:

— Te matarei, cão. Sou o...O rapaz não terminou o que falaria porque seu pai, num salto, lhe tapou a boca.— Zezinho. — Disse Jaime, sacudindo a roupa e fingindo nada ter percebido da frase

incompleta do filho de Estévio Benton — Estás avisado. Tenhas cautela porque ainda teapanharei. Quanto a ti, — disse Jaime, se dirigindo a Estévio Benton — sinto muito ter sidoobrigado a isso.

Aquela cena, passada entre o inspetor da Scotland Yard e o filho do futuro chefe dodepartamento ocupado por Edu, não chegou a perturbar o ambiente do clube Ouro.

Já na rua Jaime retirou do bolso seu relógio. Os ponteiros marcavam 10:45h, hora em quedeveria estar na praça Piccadilly esperando Tom.

Deixou rua São Jaime e, enterrando mais seu chapéu desabado, partiu a encontro de seuauxiliar.

Jaime Patrício sabia que Tom jamais falhava nos momentos em que era necessária suacooperação e assim foi que ouviu, sem surpresa, Tom lhe dar notícia do desempenho cabal desua missão.

— Todos os guardas já estão a postos, Jaime. Pedi a Duggan e Carlos assumirem ocomando dos policiais. Deixei pra ti, isso é, pra nós, uma casa abandonada na travessiaCharing.

— Muito bem, Tom.— Ó! É verdade, Jaime. O departamento está em polvorosa! Arrebentaram Edu por causa

da requisição da força policial e ele precisa te ver imediatamente.— Iremos já, Tom, mas passemos, primeiro, em casa de doutor Jorge.Em vinte minutos Jaime e Tom batiam à porta da casa do doutor.— Me esperes aqui, Tom. Não demorarei.O doutor recebeu Jaime em seu laboratório particular, no subsolo da casa.— Então, Jaime. Sempre disposto a levar avante o plano?— Mais que nunca doutor! Já preparaste tudo?— Sim, Jaime. E creio ter ficado bem justa.Assim falando, doutor Jorge abriu um armário embutido na parede, retirando dele um crânio de

Page 43: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

tamanho regular, feito duma mistura de massa e gesso.—Eis!, Jaime. Mais perfeita seria impossível fazer.— Certo, doutor. Agora verei se caracterizo nosso amigo Fantasma.Jaime tomou o crânio entre as mãos e o enfiou na cabeça. Somente seus olhos e sua boca

apareciam naquela máscara. Apanhou um enorme manto de cetim negro que o doutor lheentregou e o enrolou em volta do corpo.

Se uma pessoa entrasse ali no laboratório, naquele momento, diria que o doutor estavaconversando com o Fantasma, tal era a semelhança entre a indumentária que Jaime usavanaquele instante com a descrição feita pelos que viram o Fantasma.

— Estás perfeito!, Jaime.— Creio que devo estar, doutor. Este é o truque do Fantasma. Por fora já o conhecemos.

Agora quero ver o interior daquela máscara! Certo, doutor. Parece que as coisas se estãoprecipitando e já devo agir. Peço o obséquio de conservar contigo estas coisas até amanhã,quando virei buscar.

Jaime entregou a caracterização a doutor Jorge e da porta falou.— O brigado por tudo, doutor. És um verdadeiro perito. Parece até que o Fantasma te serviu

de modelo!— Está bem, Jaime. Quererás, também, luvas e pasta fosforescente?— Talvez, doutor! De nada te esqueces, hem!Jaime deixou, apressado, a residência de doutor Jorge, indo em companhia de Tom

Malloney ao edifício da Scotland Yard.Antes mesmo de abrir a porta do gabinete do capitão Edu Brown, Jaime já sabia que ali

estavam Fredinho Stone e Estévio Benton, pois através da parede da sala distinguiaperfeitamente as vozes dos dois homens, encolerizadas e ameaçadoras. Segurou com mão firmea maçaneta e, a torcendo, entrou calmamente. Fredinho Stone nem mesmo se voltou pra fitar orosto de Jaime.

Tens três horas pra abandonar o cargo, capitão Edu. — Disse Fredinho Stone e prosseguiu,se virando a Jaime — e poderás acompanhar teu chefe, tanto mais que tua atitude desta noitenão foi digna dum inspetor da Scotland Yard.

Senhor Stone. — Disse Jaime — Não precisarei esperar mais três horas. Aqui está minhacredencial. O Fantasma continuará solto e rirei muito quando o futuro chefe deste departamento,Estévio Benton, se encontrar com ele.

Assim falando, Jaime se retirou e da porta disse a Estévio Benton:— Com certeza, quando estiveres sentado na cadeira de Edu, o Fantasma desaparecerá.

Não? Apresentes meu cumprimento a teu ilustre amigo, Zezinho Redenport... e Jaime saiu,fechando a porta.

IVDecorreram umas seis horas desde que Jaime se demitira.Capitão Edu Brown, chefe dum dos departamentos de Scotland Yard, também apresentara

Page 44: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

demissão. Era a primeira vez em dez anos que isso acontecia. Edu, no entanto, não deixava dedar, em parte, razão a seu chefe, Fredinho Stone. Desde que o Fantasma aparecera em primeiravez, nunca mais deixara de o fazer, todas as noites, espalhando o terror. Todos esforço dosrapazes da Scotland Yard resultavam inúteis ante a argúcia do Fantasma. Mesmo as últimastentativas de Jaime foram inúteis e só serviram pra irritar ainda mais o irascível FredinhoStone. Com a entrada de Estévio Benton ao departamento que Edu ocupara, o Fantasmacontinuaria a espalhar o terror em seu rastro de morte, pois o primeiro passo que Estévio daria,sem dúvida, era o da retirada das patrulhas postas por Jaime nas pegadas do Fantasma.

Jaime Patrício atravessou a rua não mais como um agente de Scotland Yard mas comosimples transeunte, em direção à casa de João Lucks, diretor do hospício.

João Lucks recebeu a visita de Jaime, se mostrando penalizado pelo que lhe sucedera.— Boa noite, inspetor!— Retribuo, senhor Lucks. Porém não sou mais inspetor.— Sim, sei. O rádio me anunciou isso há poucos instantes.— Se bem que não esteja mais no exercício de meu cargo, desejo, particularmente, ajudar a

polícia, senhor. Creias que este caso me interessou vivamente desde o princípio e se isso nãofosse o bastante pra que eu prosseguisse, bastaria a saída de Edu Brown, pra que eu fizesse tudono intuito de conseguir sua volta ao cargo a que tanto ama.

— Posso te ser útil?, inspetor.— Sim. O conheces o filho de Estévio Benton?— Perfeitamente, Jaime. Até demais! Já o tratei algum tempo. É um débil mental. Certa vez

foi acometido dum ataque de fúria, o que penso não se ter repetido mas te afianço que poderá serepetir.

— É justamente o que eu esperava ouvir do senhor, pois assim me pareceu, desde aprimeira vez em que o vi.

— Desconfias dele?, inspetor— Ó! Quem sabe?, senhor Lucks.Quando Jaime Patrício deixou a residência de João Lucks, ia bastante satisfeito e naquela

hora, se tivesse o dom da ubiqüidade, isto é, se pudesse ao mesmo tempo estar ali e no clubeOuro, mais satisfeito ainda ficaria, pois teria ocasião de presenciar um fato que há muitodesejava.

No gabinete reservado do proprietário do clube, Zezinho Redenport, com os olhoshorrivelmente arregalados, a boca aberta e pálido, contemplava na semi-obscuridade reinante, agrotesca figura que o fitava, muda, com os braços cruzados sobre o peito.

— Redenport! Morrerás! — Exclamou a grotesca figura conhecida pelo nome de Fantasma.— Mas eu...— Pagarás com a vida, Redenport, a culpa que tentou atirar sobre mim no assalto à estação

Londres. Sou o Fantasma...Zezinho Redenport compreendeu que resistindo ou não, sua vida estava nas mãos do

Fantasma e sabia que de qualquer maneira morreria. O Fantasma nunca ameaçava em vão... Suamão desceu à gaveta da escrivaninha mas já era tarde demais... Zezinho Redenport tomboumorto sobre a escrivaninha.

Page 45: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

O Fantasma abriu a porta do escritório no momento em que dois capangas de Zezinho seaproximavam. Não chegaram a ver distintamente o que acontecia porque as luzes foramapagadas, mas o que viram e ouviram fez com que o sangue gelasse nas veias. O Fantasmapassara rápido entre eles, os empurrando violentamente. Só tiveram tempo de ver o crâniobrilhando no escuro e aquela gargalhada sinistra repercutindo através das paredes do clubeOuro.

— Zezinho Redenport fora morto pelo Fantasma! Era a notícia que corria de boca a bocanos corredores da Scotland Yard.

Todo o departamento superintendido por capitão Edu, agora na mão de Estévio Benton,estava satisfeito com aquela nova. Aquilo significava que Edu não prendera o Fantasma porquenão pudera mas Estévio Benton também não o prenderia.

Jaime Patrício só soube do acontecido na casa de capitão Edu Brown. Disse, depois que ooutro lhe relatou tudo:

— Edu, no fundo o que sucedeu a Zezinho me agrada. Zezinho merecia, mesmo, tal fim.Podes crer agora, que é quase chegado o momento de retornares ao posto. Estou compressentimento de que nesta noite me encontrarei com o Fantasma. Quero saber qual dos meussuspeitos é.

— Jaime! Por que não me disseste antes que suspeitavas dalguém?— Não podia provar, Edu. Como ainda não posso. Apenas desconfio. É tudo.— De quem?— Ó! Doutor Jorge, Estévio Benton, o filho, Jângal e João Lucks.— Jaime!— Sim, Edu. É a verdade. O Fantasma só pode ser um louco ou alguém que lucrasse com

tua saída do departamento. No primeiro caso, suspeito de Jângal e do filho de Estévio Benton.No segundo caso, do próprio Estévio Benton, pois se saísses, Edu, como saíste, quem lucraria,como lucrou, senão Estévio Benton? Eu desconfiava, também, de Zezinho Redenport, pois ele eEstévio eram muito amigos e ninguém poderia saber até que limites ia essa amizade. Além dumlouco ou duma pessoa que pudesse lucrar com tua saída, o Fantasma pode ser um aventureiro oualguém que te odeie e seja ambicioso ao mesmo tempo. Assim sendo, desconfio, no primeirocaso, de doutor Jorge. Sempre foi dado a aventura... No segundo caso, então, ponho doutor JoãoLucks, pois não resta dúvida de que é um ambicioso. Basta dizer que pra não perder o cargochegou a ponto de ocultar a fuga dum louco. Agora pergunto, Edu: Algum desses homens temmotivo pra te odiar?

— Não, Jaime. De forma nenhuma!— Certo, Edu. Então veremos...Nessa mesma noite Jaime recusou a companhia de Tom, preferindo ir só aonde queria. Foi,

sem pressa, à casa de doutor Jorge. Recebeu de suas mãos o embrulho com seus disfarces e foiao telefone:

— Tom, procures saber, na chefatura, se os lugares que estavam sendo vigiados ainda oestão e te comuniques comigo imediatamente. Estou na casa de doutor Jorge.

Jaime conversou pouco com o doutor. Instantes depois o telefone tilintou, recebendo um simcomo resposta de Tom. Disse Jaime, depois de desligar o telefone:

Page 46: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Muito bem, doutor. Agora irei me encontrar com o Fantasma.—Felicidades, Jaime, estou certo de que o encontrarás.

VLondres parecia um deserto naquela noite. Depois da última e nova façanha do Fantasma,

seus habitantes evitavam se expor a um encontro com tão indesejável personagem. O Fantasmaatacava quando menos era esperado e sempre desordenadamente, sem método, é claro, prosrapazes de Scotland Yard. Mas, talvez pra ele aquela maneira incerta de atacar fosse correta eobedecesse a um plano determinado.

Jaime caminhava confiante em si, em direção à casa abandonada a travessia Charing,levando nas mãos um grande embrulho no qual só ele e doutor Jorge sabiam conter os disfarcesdo Fantasma.

Em frente à casa abandonada susteve o passo. Olhou em volta como pra se certificar de queestava só. Ninguém! A rua estava deserta. Jaime atravessou um jardim onde a relva crescida eabundante demonstrava o abandono em que jazia a casa. Era um prédio velho, bastante velho,mesmo, duma cor que já não se podia distinguir, se cinza, branca ou amarela. Nas paredesenormes buracos. Jaime contornou a casa e, segurando a maçaneta, duma porta, no fundo, atirouo corpo sobre a mesma, que cedeu ao impulso. No interior da casa um ar abafado e fétidochegou às narinas. Atravessou cautelosamente o aposento. A madeira do assoalho, apodrecidanalgumas partes, cedia a seu peso. Percorreu todos os aposentos da casa. Ouviu um pequenoruído e se voltou rapidamente, acendendo sua pequena lanterna. Eram ratos... O coração batiaapressadamente. Colocou o embrulho no chão e retirou o disfarce. Introduziu o crânio na cabeçae enrolou o manto em volta do corpo. Ele ali era o Fantasma! Jaime compreendeu que estavaarriscando o jogo da morte. Só doutor Jorge sabia que ele não era o Fantasma. Se a polícia oprendesse o doutor o salvaria. Um estranho pensamento lhe acudiu à mente: E se o doutordesaparecesse? E se o Fantasma fosse o doutor?

Uma lufada de vento entrou por qualquer parte da casa e o cheiro que Jaime sentira aoentrar se acentuou mais. Começou a inspecionar cuidadosamente todos os recantos. Junto àcozinha, já em ruína, uma coisa estirada no chão lhe chamou a atenção. Ali o cheiro era maisintenso. Voltou a luz de sua lanterna à coisa no chão e contemplou, horrorizado, o corpo dumhomem já em decomposição. Suas feição estava irreconhecível mas o traje não permitia dúvida.Era um fugitivo do hospício... Jângal! Exclamou Jaime. Enquanto inspecionava o resto dohomem, qualquer coisa se movia lentamente atrás. Tão entretido estava em seu mister que nãoprestou atenção a um pequeno ruído vindo duma porta que dava a um pequeno aposento. Sódepois de se ter posto em pé é que compreendeu tudo ao ouvir uma voz grotesca. Se virou,rapidamente. Era o Fantasma, que o fitava e que se espantou com a roupa que Jaime vestia e queo tornava semelhante a si.

— Quem sois? — Perguntou o Fantasma.Aqueles dois homens ali, um diante do outro, eram perfeitamente idênticos. Jaime estava

desarmado. Seu coração batia loucamente. Contemplando o Fantasma Jaime parecia se ver

Page 47: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

diante dum espelho. O Fantasma perguntou de novo:— Quem sois?— Sou tua sombra!Não era preciso inteligência pra compreender o significado do gesto do Fantasma.

Avançava a Jaime e qualquer coisa lhe brilhava nas mãos. Jaime calculou a distância que oseparava daquele louco. Dois passos... Esperou mais e, quando o Fantasma avançou, se atirouàs pernas dele. Os dois homens caíram a terra. Jaime cedia aos poucos. Teve idéia de verqualquer coisa subindo acima de sua cabeça e cair sobre ela. Sua nuca doía muito. O crânio degesso que enfiara na cabeça, se partira. Quis se erguer mas não pôde. Viu aquela coisa subir denovo e sentiu uma dor profunda na cabeça. Teve uma vaga idéia de ouvir apitos e correrias edepois nada mais viu...

Quando voltou a si estava no gabinete de capitão Edu, na Scotland Yard. Sim, Edu aliestava, a seu lado, mas ali estavam, também, Fredinho Stone e Estévio Benton, que ocontemplavam ferozmente. Olhou as suas mãos. A cabeça começava a clarear e quase tremeu aover um par de algemas preso a seus pulsos.

Sua situação era bem clara. Fora encontrado inconsciente na casa deserta, na travessiaCharing, usando a vestimenta do Fantasma, tendo a seu lado, morto, o louco Jângal.

O próprio capitão Edu Brown que ali estava, em seu ex- gabinete, estava aturdido econfuso, na impotência de qualquer gesto pra salvar seu melhor amigo e detetive.

Fredinho Stone, chefão da Scotland Yard, olhava, impassível, o rosto inexpressivo doinspetor Jaime Patrício, enquanto Benton, com um sorriso irônico brincando nos lábios,vociferava contra ele. Disse, apontando a Jaime:

— Agora compreendo porque o Fantasma não era agarrado. Eis!— Estás enganado. — Disse Jaime, se erguendo bruscamente — Não sou o Fantasma. Se

tivesses alguma coisa capaz de produzir raciocínio dentro desse teu cérebro vazio, não diriastal, nem tão pouco terias sido tão amigo do maior contrabandista da cidade. E por falar nisso,senhor Benton, pra ti não teria sido uma grande coisa ocupar o lugar de Edu? Quem lucrariamais?, enfim. Tu, propriamente, ou Zezinho Redenport?

— O quê? Levai esse homem daqui!— Um momento, senhor. — Disse Edu Brown — Peço a capitão Fredinho Stone que permita a

Jaime contar sua história.— Não tenho história a contar, Edu. Só quero que chamem doutor Jorge. Provará que eu não

sou o Fantasma.Duas horas decorreram do pedido que Jaime fizera, quando a porta foi aberta por um

inspetor, que entrou afobado, soltando a novidade pior que uma bomba no gabinete de EstévioBenton.

— Doutor Jorge desapareceu!Os cinco homens ali presentes se entreolharam. Fredinho Stone, Estévio Benton e Edu

Brown, permaneceram silenciosos. Jaime compreendeu o que significava o desaparecimento dodoutor. Se passara por alguém que de fato não era...

— Isso é ridículo! — Exclamou Tom — Jaime não é o Fantasma.— Sim. Acredito. — Disse Fredinho Stone — Mas...— É verdade, capitão Stone. — Disse Jaime — Crês que eu não seja o Fantasma mas a

Page 48: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

evidência dos fatos é contra mim. Não? De fato eu poderia dizer o que fui fazer naquela casamas não acreditaríeis, sem dúvida, tanto mais que momentos antes eu renunciara a meu cargo. Oúnico homem que poderia provar minha inocência desapareceu mas juro que eu gostariabastante de saber aonde foi doutor Jorge!

Naquela hora da noite a Scotland Yard estava deserta. A não ser dois ou três policiais nocorredor e os cinco homens no gabinete de Estévio Benton, havia ninguém mais.

Débeis luzes iluminavam pobremente os recintos do edifício onde estava instalada a Yard.Um homem atravessava o corredor, silencioso, se cosendo às paredes. Numa passagem maisescura sua cabeça brilhou. Era o Fantasma, que ali estava, afrontando a tudo e a todos, nopróprio edifício da Scotland Yard.

Se aproximou, vagarosamente, do gabinete de Estévio Benton. Segurou a maçaneta da porta,a torcendo um pouco à direita e rapidamente imergiu no centro da sala, empunhando duaspesadas pistolas.

— Quietos!, cavalheiros...A audácia e o sangue frio daquele homem fez com que os cinco homens permanecessem

como estavam, como se as palavras os prendessem ao solo. Nenhum movimento fizeram, senãode espanto talvez pelo receio daqueles dois canos que os fitavam silenciosos.

— O Fantasma!— Sim, meus senhores. Sinto muito interromper mas sou o Fantasma. O único! Ouvistes

bem? — E seus olhos se fixaram em Jaime Patrício. — Sabei que sou o Fantasma e continuareiem meu caminho porque sou mais forte que vós.

Dito isto, segurou na porta e, a batendo violentamente, correu no corredor do prédio. Edu,Estévio, Fredinho e Tom correram, rápidos, pistolas em punho, à porta. Apitos tocaram ouvir ecomo resposta veio o eco daquela sinistra gargalhada repercutindo através do corredor daScotland Yard. Fredinho Stone exclamou:

— Francamente! Esse homem é doido. É fantástico o que fez!— O que dirão os jornais? — Perguntou Estévio Benton, se sentando, aniquilado.Um jovem entrou naquele instante no gabinete. Perguntou o recém-chegado, que era o filho

de Estévio Benton:— O que houve aqui?— O Fantasma nos visitou.— Como? Aqui na Scotland Yard?Jaime olhou o rosto do filho de Estévio Benton e sorriu. Ele, notando as algemas nos pulsos

do inspetor, também sorriu e lhe falou, quase ao ouvido:— Eu não disse que aquele soco te custaria caro?— Inspetor Jaime. — Disse Fredinho Stone — Peço me perdoar pelo que aconteceu e

também peço que assumas novamente teu posto.— Não, capitão, obrigado. Só sei trabalhar com Edu Brown.— Capitão Edu Brown continuará neste departamento. — Disse Estévio Benton — Depois

do que aconteceu só me resta abandonar o cargo.— Se Edu ficar ficarei. — Disse Jaime.Fredinho Stone deixaria o gabinete em companhia de Estévio Benton e seu filho, nos olhos

Page 49: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

do qual brilhava intenso ódio, quando uma pessoa entrou.— Doutor Jorge! — Exclamou Fredinho Stone.— Sim, Fredinho. Sou eu, mesmo. Já estou a par de tudo. Sinto muito, Jaime, pelo que te fiz

passar.— Sim, doutor. como soubeste o que sucedeu?— Ó! Carlos me disse tudo lá em baixo, quando entrei. Não desapareci, felizmente. Fui ver

um amigo que me chamou, fora da cidade.— Chegou há muito tempo?, doutor. — Perguntou Jaime.— Não, Jaime, mas... O que houve?, afinal.—Nada houve!, doutor.Tom ia falar qualquer coisa mas Jaime lhe fez sinal pra ficar calado.

VIVinte e quatro horas decorreram do momento em que o Fantasma, demonstrando grande

coragem e sangue frio, entrara no edifício de Scotland Yard, quando um novo alarme surgiu,inquietando todos os inspetores.

O chamado viera da residência de Estévio Benton e a pessoa que falara ao telefone estavabastante alarmada.

Capitão Edu, que segurava o receptor, ouviu, distintamente, a voz do filho de EstévioBenton. Ouviu bem forte, como se fora dita junto ao bocal, a palavra assassino e depois, umgemido, uma pequena pausa e uma voz diferente falou:

— Boa noite, capitão. Sou eu, o Fantasma.Capitão Edu Brown desligou rapidamente o aparelho. O rosto estava lívido e os dedos

tremiam:— Jaime, corras à residência de Estévio Benton. Lá alguém foi morto por aquele demônio.

Ouvi a voz, Jaime! Ele próprio falou ao telefone!Na casa de Estévio Benton, em São Paulo, um verdadeiro exército de pessoa estava

reunido. Eram os rapazes da imprensa, os fotógrafos, policiais e homens da impressão digital.Num canto da sala, Jaime e Tom conversavam, quando entrou doutor Jorge, que saudou osdetetives, tirou o paletó, arregaçou as mangas da camisa e se entregou a sua tarefa.

O corpo de Estévio Benton jazia no meio da sala, estrangulado. A seu lado, perto dumamesa onde ficava o telefone, que fora derrubado, jazia o corpo de seu filho.

— Algo novo?, doutor. — Perguntou Jaime, se aproximando.— Não, Jaime. Os mesmos sinais. Foram estrangulados da mesma maneira que os outros.Jaime passou as mãos no pescoço e se lembrou daquele dia, quando estivera nas mãos do

Fantasma. Pensou:— É estranho. Por que não me estrangulou também?— Algo?, Jaime. — Perguntou Tom.— Nada...Depois que a casa foi esvaziada os dois detetives e mais capitão Edu, que chegara poucos

Page 50: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

instantes atrás, se entreolharam.Não encontraram impressão digital mas de duas coisas estavam certos: Pai e filho foram mortos

pelo Fantasma, que era alguém que ambos conheciam. Não restava dúvida de que Estévio Bentonfora o primeiro a morrer e o fato do filho ter tentado se comunicar com Edu significava ter seencontrado com o Fantasma depois de Benton morrer. Aquela palavra assassino, que Edu ouvirafora dirigida ao Fantasma pelo filho de Estévio Benton e provava que o garoto conhecia aidentidade do Fantasma.

— Creio que não estamos muito longe do fim, Edu. — Disse Jaime — Ao menos só merestam dois suspeitos. Portanto a coisa está mais fácil.

No automóvel que os conduzia à Scotland Yard os três detetives quase não falavam.Jaime, desde que o carro se pusera em movimento, brincava com uma pequenina bola de

ouro, tendo em cima uma águia com as asas abertas.— Edu. — Disse Jaime — O Fantasma é doido mas não é um doido comum.— Sim, Jaime, mas... O que é isso que tens nas mãos?— Ó! Creio ser quase nada. É uma bolinha de ouro.— Esperes aí, Jaime...Capitão Edu retirou do bolso uma pequenina bola semelhante àquela que Jaime tinha nas

mãos e a mostrou.— Edu! Isto tem alguma significação?— Sim, Jaime. É mais ou menos assim, em rápidas palavras: Há muitos anos eu fazia parte

dum grupo de rapazes que fundaram um clube e todos os associados possuíam uma bolasemelhante a esta, como emblema. A águia significava o nome do clube. À entrada um porteiroindagava de maneira interessante se o indivíduo era de fato associado e como prova deveriasegurar a bola com a mão esquerda, de maneira a que a águia ficasse de cabeça a baixo.

— Muito interessante, Edu. Continues...— Mas, Jaime...— Sim, Edu. Sei o que estás pensando. Sabes como me veio parar nas mãos esta bola? Foi

naquele dia em que o Fantasma me atacou na casa deserta, na travessia Charing. Durante a lutaela me ficou nas mãos.

— Jaime, isso já é uma boa pista! Foi um membro do extinto clube quem te feriu e ele é oFantasma!

— Sim, Edu. Seria uma boa pista, se tivesses, por exemplo, uma lista ou alguma fotografiados antigos sócios.

— E tenho!, Jaime.Reunidos no gabinete de capitão Edu Brown estavam ele, Jaime e Tom debruçados sobre

uma grande fotografia dum grupo de pessoa e uma folha de papel, já um tanto amarelada, ondeestavam escritos quinze nomes. Pastas repletas de papel estavam sobre a mesa. Tom as abriuenquanto Edu lia os nomes dos antigos sócios do clube.

— Roberto Smith!— Morto. — Disse Tom, olhando os papéis da pasta.—Paulo Scherer!— Morto pelo Fantasma. — Disse Tom.

Page 51: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

E assim leram dez nomes. Os últimos cinco nomes interessavam grandemente a JaimePatrício, o ás da polícia Londrina. Eram Estévio Benton, doutor Jorge, João Lucks, ZezinhoRedenport e Edu Brown;

— Edu! — Exclamou Jaime — Repares nesta coincidência: Contigo eram quinze osassociados do clube da Águia. Doze estão mortos, incluindo Estévio Benton e ZezinhoRedenport. Restam vivos, portanto, três. O Fantasma é um alucinado, garanto. Como tambémgaranto que é doutor Jorge ou João Lucks. De qualquer maneira, um dos três restantes morreránesta noite. Me palpita que serás o escolhido pra morrer. Irradies este alarme: Atenção todos oscarros! Patrulhai as ruas, atentos e vigilantes, a qualquer aparição do Fantasma! Prevenis aospoliciais rondantes a se acautelar. Aguardai ordem. É tudo.

— Mas, Jaime. O que faremos depois?— Muita coisa, Edu. Serás a isca pro Fantasma. Iremos agora, imediatamente, a tua casa.Sairiam do gabinete quando doutor Jorge entrou.— Parece que encontrastes algo importante! Há muito movimento aqui, hoje!— Sim doutor, de fato. — Disse Jaime — Nesta noite prenderemos o Fantasma.— Deveras?, Jaime. Não creio...— É verdade, doutor. Podes me dizer o nome duma loucura na qual o indivíduo tenha

intervalos lúcidos bastante largos pra que possa ser, nesses momentos, pessoa útil?— Sim, Jaime. Há algumas, porém a mais sujeita a isso é a conhecida pelo nome de

epilepsia psíquica.— Então é disso que sofre nosso homem!— Que homem? — Perguntou o doutor Jorge.— O Fantasma, doutor. E por falar nele: Conheces isso? — Perguntou Jaime, mostrando aos

olhos arregalados do doutor a esfera emblemática do clube da Águia.— Ó! A conheço, Jaime. Também tive uma. Creio que Edu também possui uma idêntica.— Sim, doutor. Mas disseste que já tiveste uma? Por que disseste isso? Não a tens mais?— Não. A perdi há algum tempo. Não sei onde nem como.Jaime e Tom se entreolharam. Aquelas palavras do doutor pareciam sua própria sentença.Os quatro homens saíram pouco depois. Enquanto o doutor se afastava Jaime, Tom e Edu

entraram num carro.Capitão Edu se sentou a sua mesa, em seu escritório de casa. A sala estava bastante

iluminada, porém Jaime achou conveniente que se apagassem as luzes centrais, deixando acesaapenas a que estava sobre a escrivaninha. Feito isso deixaram, propositalmente, a portaentreaberta. Jaime se postou por trás dum grande e pesado reposteiro, tendo a sua direita seuinseparável amigo e companheiro Tom Malloney.

Um pequeno relógio carrilhão, sobre a lareira, bateu 11h. Era grande a tensão nervosadaqueles três homens que ali estavam impacientes. A testa de capitão Edu estava alagada emsuor,

Poucos instantes decorreram quando os olhos dos dois inspetores, se cravaram na porta queia sendo lentamente empurrada. Um rosto surgiu na abertura. Era doutor Jorge... Mas sumiu derepente e a figura que então imergiu era outra, bem diversa. Ali estava o Fantasma, empunhandoum grande revólver.

Page 52: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Tom cutucou o braço de Jaime.— Doutor Jorge, hem?— Psiu!A figura se movia em direção à mesa de Edu, que só a pressentiu quando ela se achava

quase em frente dele.— Boa noite!, capitão. Sou eu, o Fantasma...Se o Fantasma tivesse compreendido o que se passava atrás de si, entre as dobras do

reposteiro, não teria dado as costas àquele lugar e talvez seu revólver fosse utilizado.O Fantasma, arma em punho, avançava a Edu mas ao mesmo tempo alguém avançava

cautelosamente atrás, enquanto ainda outra, de revólver em punho, o visava.Os olhos do capitão não estavam encarando o Fantasma nem sua arma mas sim aquela figura

que avançava lentamente à retaguarda do Fantasma.O Fantasma chegou bem junto à mesa e, no momento em que a sua mão esquerda avançava

ao paletó de Edu Brown, dois braços, poderosos, se fecharam em torno de seu corpo, ao mesmotempo que Tom, rápido, corria a ele.

— Quieto, ou te meterei uma bala!Se bem que o Fantasma já estivesse desarmado e algemado, capitão Edu, ainda se mostrava

nervoso. O Fantasma começou a rir, a rir loucamente.Positivamente estava doido, doido completo.— Eis teu homem, capitão Edu. — Disse Jaime— Prometi o entregar antes de vinte e quatro horas. Acho que cumpri minha promessa.— Sim, Jaime. Cumpriste tua promessa!— Nunca pensei que fosse o doutor! — Exclamou Tom.O Fantasma continuava rindo. Jaime lhe tomou o crânio entre as mãos e o levantou numa só

vez. Então apareceu, aos olhos espantados de Tom e Edu, a face de... João Lucks, diretor dohospício.

— João Lucks!— Sim, Edu. — Disse Jaime — Creio que no corredor encontrarás o corpo do pobre doutor

Jorge.— Mas, Jaime. Sabias que era ele? — Perguntou Tom.— Quase, Tom. Desconfiei ainda mais quando adquiri a certeza de que João era louco.

Aqueles seus olhos...Quando saíram em direção à Scotland Yard o Fantasma continuava rindo. João perdera

totalmente a razão e Londres ganhara, em troca, a tranqüilidade perdida.

Page 53: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Ocontrabandodeplatina

IUm dia aborrecido

ma chuva fina e impertinente caía sobre Londres naquele dia triste e nevoento deinverno. Jaime Patrício passou a mão aberta numa pequena parte do vidro da janela de seuapartamento que deita à praça Piccadilly, o limpando do bafo característico da umidade e,colando o rosto à vidraça, tentou distinguir os anúncios luminosos ao longe.

Aborrecido, voltou as costas à janela e, bocejando, caminhou em direção à cama.Havia cinco dias que aquela chuva não cessava e o nevoeiro continuava denso, tornando

quase impossível a visibilidade.Jaime olhou o relógio de pulso que colocara, como sempre o fazia, em cima duma pequena

mesa ao lado da cama. Os ponteiros marcavam 8h.— Há 20min, comentou consigo, já devia estar na chefatura, mas... com este tempo... e,

bocejando novamente, enfiou a mão no bolso direito do colete, retirando um pequeno maço decigarro, já bastante amarrotado.

Enquanto contemplava as espirais de fumo que iam subindo ao teto, Jaime monologava:— É bastante ingrata a vida dum policial. Passar, às vezes, noites inteiras acordado,

caçando ladrões e criminosos. Enfim, a toda essa canalha. E pra quê?... Se não se tiver adesgraça de cair nas mãos dum deles, como Morgan Flewer e tantos outros, ouvir o chefe dizer:

— Muito bem fulano ou sicrano, o departamento se orgulha de ti. Te recomendarei.Felizmente ainda temos, a nosso favor, esse bendito nevoeiro e essa chuvinha gostosa, queentorpecem e esfriam o cérebro desses malditos transgressores da lei e nos dão uns dias de

Page 54: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

sossego.Se levantou sem pressa e, depois de colocar o inseparável 38 a tiracolo, vestiu o casaco e,

segurando a capa, saiu.

IIJaimeentraemação

Eram quase nove horas da noite quando Jaime Patrício entrou no gabinete de capitão EduBrown, chefe do departamento onde trabalhava na Scotland Yard.

Capitão Edu estava sentado a sua mesa, diante da porta, com seu cachimbo predileto, demadeira escura, entre os dentes. Seus olhos fitavam qualquer parte do teto.

Com a súbita aparição de seu subalterno, que era, na realidade, seu melhor detetive etambém amigo, Edu despertou da abstração em que estava.

— Alô!, chefe. — Disse Jaime, tirando o chapéu e se sentando comodamente numa cadeirade braço.

— Creio que esse tempo acovarda os ratos.— Não tanto. — Retrucou Edu Brown. — Se não estiveres muito cansado, Jaime, leias a

última página desse jornal que está diante de seus olhos.Jaime esticou o corpo a diante e segurou a última edição do Times. Leu os tópicos da última

página e, subitamente, seus olhos pararam sobre algo que o interessou, visto o bruscomovimento que fez, se ajeitando melhor na cadeira.

— Ei!, chefe. Onde esses diabos de repórteres conseguiram isso? E como querendo secertificar que seus olhos não o enganaram, leu novamente e em voz alta:

— Paris, 16. Vítima de vultoso roubo a companhia de câmbio. Mais de 1 milhão em barrasde platina. A polícia até agora não conseguiu efetuar prisão. A cada vez se torna maismisterioso esse roubo.

— Sim, Jaime. É isso mesmo— Caramba!, Edu. Mais de 1 milhão! Mas, enfim, que se arranjem. Estão sempre falando de

nossa organização. Agora é que quero ver se desembrulharem dessa.— Não, Jaime. Isso não é assim. Também estamos no embrulho. Recebi um telegrama

confidencial da Sûreté,{5}5 em código, me informando que tentarão passar o contrabando àInglaterra.

— O quê!? Mesmo assim isso não pertence à seção de homicídio.— É verdade. Mas Helton, da contrabandos, me pediu que lhe enviasse um de meus homens

mais competentes. Não conheço alguém além de ti, Jaime.— Ó, não!, Edu. Agradeço o elogio mas não gosto de me meter onde não sou chamado.Assim falando Jaime se levantou e, sem esperar, pôs o chapéu e foi saindo.Um carro da polícia estava parado alguns metros adiante da entrada da Scotland Yard e de

dentro uma voz gritou:

Page 55: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Inspetor!Jaime foi até o carro e, olhando o interior, disse:— Alô, Shane. Como vão os garotos?— Ó! Vão bem. Te chamei pra dizer que Tom Malloney te espera no Blue Bird.Jaime ia se afastando quando ouviu o rádio do carro anunciar: Chamando todos os carros. 3, 5 e

2. Correi à rua Carambola, 195, foi cometido um crime. Não deixai alguém sair. DisseJaime, entrando no carro:— Esperai aí, rapazes. Irei convosco.

IIINapista

O número 195 de rua Carambola era uma casa de boa aparência, típica residência inglesa, e

o dono denotava bom gosto, a julgar pela maneira que a tinha mobiliado.O corpo dum homem de presumíveis 35 a 40 anos jazia sobre a cama. No quarto se notou

vestígio de breve luta. Jaime desceu a escada, deixando os dois policiais montando guarda aocorpo. O sargento O'Hara acabava de entrar quando Jaime chegou ao saguão.

— Tu aqui?, Jaime. — Disse, espantado.— Em pessoa, sargento. O corpo do homem está lá em cima, com Shane e Rhodes. Ninguém

está na casa, exceto um casal de empregado. Já os chamei ao escritório. Mandes remover ocorpo pra autópsia.

— Como foi o negócio?, Jaime.— Tiro no pescoço, sargento. Não existe arma. Esperemos a palavra do médico.Jaime foi ao escritório e lá encontrou os dois empregados.— Senhor, meu nome é Matílson e esta é minha mulher. Trabalhávamos há mais de oito anos

pra sir Válter Alencastro. Estávamos no quarto quando ouvimos um tiro e, correndo até lá emcima, encontramos sir Válter morto.

— Muito bem, Matílson, mas me digas: Sabes dalguém que o pudesse matar ou dalgumacoisa que nos leve a esse alguém?

— Não inspetor. Meu patrão não tinha parente. A senhora morreu há pouco mais de doisanos e ele vivia quase só, pois a sobrinha estava sempre viajando, o que muito o aborrecia. Melembro dele ter recebido, ontem, um telegrama que o deixou muito agitado, e até creio que temiaalgo, pois me recomendou fechar bem as portas, coisa que nunca, desde que trabalho pra ele,me mandou fazer.

— Acho que estou satisfeito por ora, Matílson. Podes ir. Se precisar de alguma coisa, techamarei. Onde fica o telefone?

— Ali, senhor. — Disse o empregado, apontando uma mesinha e se retirando.— Me ligues à Scotland Yard, capitão Edu Brown.

Page 56: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Alô. Jaime?— Sim, Edu. Creio que já sabes onde estou. Não? Rua Carambola, 195, em casa do ex-

Válter Alencastro, um dos diretores da companhia de câmbio de Londres. Por falar nisso, tecomuniques com Helston e lhe digas que aceito o caso do roubo, ou, melhor, colaborarei comseu departamento porque este crime está ligado ao roubo. Até logo.

— Espere aí, Jaime. Ligado ao roubo? Alô... Jaime...

IVOnde entra uma mulher

Naquela manhã, capitão Edu Brown, falando com Jaime, se mostrava intrigado com o súbitodesejo dele de tomar conta dum caso que até então não o interessava.

— Sim, Jaime. Sei. Dizes que o crime está ligado ao roubo da platina mas o que quero é queme diga o que te leva a pensar assim.

— Isso chefe. Disse Jaime, mostrando um escudo niquelado de fundo azul, tendo gravadasnas costas as iniciais R. P. e no verso a palavra Exchange. — Somente este escudo, capitão, mefaz ligar uma coisa a outra. O encontrei na mão fechada de Válter Alencastro.

— Mas, Jaime. Isso poderia pertencer a ele próprio.— Sim, Edu. A princípio pensei assim. Mas lembres que o vestígio no quarto era de luta e

acho bem provável que, na luta, Válter arrancasse isto da pessoa que o matou. Também podeser que eu esteja errado mas é a única pista que possuímos e a seguirei. Peças à políciafrancesa os nomes dos diretores da Exchange.

— Muito bem, Jaime.Ia saindo quando disse, se voltando:— Edu, aquele contrabando está aqui. O encontrarei mas antes preciso achar a sobrinha de

Válter Alencastro, que me levará, sem dúvida, até ele. Se Tom aparecer o mandes a meuencontro, na rua Carambola, 195.

VAs coisa se complica

Na rua a chuva continuava caindo e o nevoeiro se adensava. Jaime levantou a gola da capa e

se dispunha a seguir em direção ao carro quando um cochicho vindo de trás o fez parar:— Se prezas a vida, inspetor, não faças movimento.

Page 57: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Jaime era bastante forte mas compreendeu que de nada adiantaria resistir naquele escuro eestava, mesmo, arriscado a levar uma bala nas costas.

Sentiu que o aliviavam de seu pesado revólver e o obrigavam a caminhar a um carro pretoparado com as cortinas descidas.

Uma voz de moça falou de dentro, extremamente calma, não tanto que ocultasse a Jaime aagitação de quem falava.

O homem que o algemou estava na direção do carro.— Fizeste bem em não resistir, inspetor. — Disse a moça.— Sim, senhorita Guilhermina Alencastro. Creias que eu ia, mesmo, te procurar. Me

evitaste um grande incômodo.Os olhos da moça brilharam quando Jaime pronunciou seu nome.— Espertinho! Hem? Te divertiremos com joguinhos de salão.O carro agora corria numa estrada e Jaime podia sentir os pneus deslizando no barro

molhado.Subitamente o chofer fez uma brusca manobra, enveredando o carro num atalho.Jaime foi obrigado a sair e caminhar entre a moça e o homem, que o ameaçava, tendo

sempre uma grande automática, a julgar pela espessura do cano, colada a suas costas.Depois dalguns segundos divisou uma pequena casa e, mais adiante, um barracão de

madeira.Foi conduzido a uma sala pobremente iluminada, onde estavam dois homens que logo

reconheceu como ex-sentenciados. O terceiro estava sentado numa grande cadeira, de costas aJaime, que notou que o sujeito fazia questão de se conservar assim, deixando somente à vista aspernas cruzadas.

— Trouxemos o homem, senhor. — Disse o sujeito que o conduzira àli.— Belo trabalho, Spunck. — Disse o homem. Depois se dirigiu a Jaime:— Inspetor, não gosto que atrapalhem meu negócio. Mas agora que estás aqui não faz mal

que saibas mais alguma coisa. Meu nome é Roger Perrot. O contrabando está aqui. Ouvistebem? Todinho. Eu poderia te matar mas não o farei. Uso métodos mais humanitários.

Donde estava Jaime podia ouvir a respiração forte do homem que falava e todo o ódio quetinham suas palavras.

— Matei o velho Alencastro porque sabia de meu plano e agora usarei meu método contigo.Consiste em fazer certas modificações na língua, na vista e nas mãos. Ouviste?

O homem soltou uma enorme risada e Jaime começou a se sentir mal ali. Pensou:— Se ao menos tivesse as mãos soltas...— Te deixarei vivo, inspetor, mas não poderás mais escrever, ler ou falar.Jaime suava e percebeu que estava diante dum louco, que não hesitaria em cumprir o que

prometia.O homem soltou uma nova gargalhada, dessa vez mais forte ainda, e berrou:— Spunck, Hert e Jack! — Levai este homem e aplicai o castigo.Jaime foi violentamente arrastado através dum estreito corredor e, na passagem, teve a certeza

de ter ouvido alguém lhe segredar:— No carro.

Page 58: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Ei! Imbecil. Não tentes alguma gracinha! — Disse Spunck — Estes meus amigos nãohesitarão em te passar fogo.

Agora Jaime estava certo de que o arrastavam ao barracão que vira ao entrar.

VINobarracão

Uma das portas foi aberta, rangendo muito nas dobradiças, eJaime foi empurrado ao interior.Viu um carro verde escuro num canto. O barracão estava bem sujo e a graxa em toda a parte

emprestava ao ambiente maior sujeira ainda.Os olhos de Jaime percorreram rapidamente todos os cantos. Viu duas grandes latas, dois

balões de oxigênio num canto, uma lata com uma substância branca, parecendo gesso, umenorme saco cheio de qualquer coisa que não podia ver donde estava.

Um forte cheiro chegou às narinas. Estavam derretendo qualquer coisa. Comentou consigomesmo.:

— Chumbo!... Sim, chumbo derretido.— Ei!, Spunck. Tires esses ferros de seus pulsos! — Gritou o homem menor, que Jaime

agora sabia se chamar Jack.Viu o outro homem trazer uma lata com um líquido qualquer. Era o chumbo derretido...

Olhou à porta por onde entrara. Pensou:— Será agora ou nunca.A automática de Helt estava apontada a ele.Spunck segurava a lata a uns dois passos dele e Jack estava agachado atrás.Jaime prendeu a respiração quando Spunck se aproximou. Torceu o corpo à direita,

enviando um pontapé nas costas de Spunck, ao mesmo tempo que pulava fora da linha de mirade Helt. Spunck caiu sobre a vasilha, soltando um berro de dor, ao mesmo tempo que aautomática de Helt vomitava fogo.

Jaime se atirou ao chão, se resguardando atrás das latas de gasolina. Um súbito movimentoatrás o advertiu da presença de Jack. Segurou uma barra de ferro que estava caída no chão e, selevantando rapidamente, a vibrou sobre a testa dele, no mesmo instante em que um tiro partiu dadireção de Helt, e Jaime sentiu qualquer coisa lhe queimando os ombros. Pensou:

— Dois estão fora de combate. Se eu pudesse...Um clique surdo, como já muitas vezes ouvira, lhe deu a entender que a pistola de Helt

engasgara. Não esperou mais e saiu de trás da lata, correndo em zigue-zague.Helt levantou a arma, tentando lhe vibrar com a coronha mas Jaime, aparando o golpe com o

braço ferido, enviou um direito seguro, que acertou justamente a carótida do adversário, quetombou inerte. Era um golpe eficaz aquele que aprendera na polícia, pensou...

Page 59: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Tratou de correr ao lugar onde sabia estar parado o carro preto que o trouxera.Uma voz segredou:— Por aqui, inspetor.Era Guilhermina Alencastro...

VIIA história de Guilhermina Alencastro

O carro negro voava na estrada, não respeitando a chuva que tornava perigosíssimo correr.— Obrigado, senhorita, por me ter ajudado.— Ó!, inspetor. Julguei que não escapasses mais. Creio que acharás estranho que te

salvasse, depois de te conduzir àqui. Eu mesma não posso explicar meu gesto. Mas só agoracomecei a compreender certas coisas. Regressara à Inglaterra e fiquei espantada de encontraraqui meu noivo, que eu julgava estar em Paris. Quando titio foi morto, Roger me levou consigo,nada me dizendo. Ontem ouvi uma conversa dele com aqueles homens. Falavam calmamente damorte de titio. Também falaram sobre um negócio de platina. Compreendi que Roger mataratitio e o abominei desde aquele instante. Eu precisava dalguém que me ajudasse e, como estavasempre vigiada, só encontrei um meio. Foi o que pus em prática: Ajudar aquele homem a teseqüestrar.

— Senhorita, esse Roger é alguém importante em Paris?— É diretor da Exchange.O carro chegara à Scotland Yard e Tom Malloney vinha descendo a escada em direção a

ele.— Ei!, Jaime. O pessoal estava assustado. Te esperei na rua Carambola e, como não

aparecias, me comuniquei com Edu. Nesta hora deve haver uma boa dezena de rapazes teprocurando!

Jaime entrou no gabinete do chefe com Guilhermina Alencastro.Pôs capitão Edu Brown a par da história da moça e relatou o sucedido.— Isso talvez nos traga alguma luz. Disse Edu, entregando a Jaime uma folha de papel com

três nomes escritos. O último que Jaime leu era o de Roger Perrot.— Conheces esse nome?, senhorita. — Disse, mostrando à moça o nome que estava escrito

no papel.— Sim, inspetor. É o homem sobre quem te falei.Jaime enfiou a mão no bolso do casaco e, retirando um pequenino escudo, o apresentou aos

olhos da moça.— E este escudo? Conheces?— É o escudo que Roger sempre levava consigo.— Bem, Edu. — Disse Jaime, com voz calma — Creio que a morte de Válter Alencastro

Page 60: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

está explicada. Agora pegarei aquele pássaro. Tenho um palpite quanto à platina...

VIIITudo resolvido

Jaime Patrício seguia num carro da polícia, com Tom Malloney a seu lado. Atrás iam cinco

rapazes decididos.— Rapazes, — disse Jaime — já sabeis o que fazer.Não decorrera muito tempo e já estavam descendo no atalho que conduzia à casa escondida

pela mata.Silenciosos, comprimindo os cabos dos revólveres, se dirigiram, em linha, até casa.Jaime espreitou por uma das janelas e sussurrou ao ouvido de Tom:— Entres com Shane e Brian por aquela porta do lado. Melwin e Guilherme: Ficai aqui,

protegendo a saída. Douglas, corras ao carro e atires a qualquer movimento suspeito. E tu,Riskin, venhas comigo.

No interior da casa estavam três homens. Um deles, pela aparência, pensou Jaime, devia serRoger Perrot.

A porta foi aberta e Riskin se atirou ao interior, gritando:— Ficai quietinhos!O homem que estava à direita de Roger fez um gesto e Jaime, sacando a arma, atirou. Os

outros dois, vendo o companheiro caído, levantaram as mãos.Os rapazes da polícia os conduziram ao carro e receberam as ordens de Jaime:— Rapazes, os levai a Edu. Ficarei aqui com Tom. E, indo até Tom, disse:— Venhas comigo.Jaime começou a inspecionar todos os objetos no barracão.— Esses balões, Tom. Esse gesso e compressores!... me dão o que pensar. A menos que eu

esteja enganado, a platina está aqui neste barracão, mas já não em barra. Esses balões servempra derreter e o gesso pra muita coisa!...

Seus olhos pararam, enfim, sobre o saco que notara na véspera. Foi até ele e Tom oacompanhou.

— Ei!, Jaime. Pra que tanta ferramenta?Jaime olhou o interior do saco e, dando um pequeno assobio, apanhou, ao acaso, uma

ferramenta suja de graxa.— Tom, levemos este saco à chefatura. Este carro, — disse, apontando ao que estava

parado num canto — servirá pra nos levar.Quase no fim da tarde Jaime Patrício, Tom Malloney e capitão Edu Brown, estavam

sentados no gabinete de Edu, esperando o resultado do exame químico das ferramentas.A porta foi aberta e um rapaz louro entrou com um sorriso nos lábios. Disse, se dirigindo a

Page 61: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Jaime:— Tinhas razão, inspetor. É platina.E saiu fazendo um cumprimento com a cabeça. Jaime se levantou satisfeito e,

se virando ao chefe:— Creio, Edu, nada mais ter a fazer. Agora descansarei.Um perfil de moça se desenhou na soleira da porta e uma voz graciosa disse:— Poderias me levar até casa?, inspetor. Era Guilhermina

Alencastro…

Page 62: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Alágrimadadeusa

I

movimento naquela hora da noite, na rua São Jaime, era pouco intenso.Um rapaz decentemente vestido, chapéu desabado, entrou, nervoso, numa drogaria. O

homem atrás do balcão o olhou inquieto e, a pedido, apontou o lugar onde estava o telefone, játranqüilo, pois se tratava somente do uso de seu telefone.

Quem revistasse os bolsos do rapaz ao telefone encontraria um cartão da Scotland Yardcom o nome de Roberto Bell.

— Me ligues com o departamento do capitão Edu Brown, na Scotland Yard.Poucos segundos decorreram do pedido e uma voz calma respondeu do outro lado da linha:— Capitão Edu ao aparelho.— Capitão! Aqui é Roberto Bell. Jaime está aí?— Sim, Beto, esperes um pouco.Jaime Patrício, o orgulho da polícia londrina, segurou o receptor com aparente calma, pois

o fato de o chamarem ao telefone era raríssimo.— Ei!, Jaime. Descobri algo que, se estourar, nos dará bastante trabalho e mexerá com a

tranqüilidade de nossa velha cidade.— Calma, Beto! Estás agitado. Te expliques melhor.— Jaime, estou numa drogaria na rua São Jaime, 3. Venhas depressa.Desligando o aparelho, o inspetor Beto Bell agradeceu ao homem da drogaria, se retirando

a seguir. Acabara de dar algunspassos quando dois automóveis, vindos em sentido contrário, foram diretamente sobre ele.

Beto não teve tempo de recuar e mal ouviu o grito de advertência do empregado da drogaria.

Page 63: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Alguns transeuntes correram ao lugar onde jazia o corpo do agente, a tempo de ver um sujeitode estatura mediana, tipo estrangeiro, se afastando rapidamente do local do desastre

Nos carros não havia passageiro. Um deles estava completamente abandonado e no outro,no lugar do chofer, estava um homem, de cabelo horrivelmente louro, sangrando muito por umabrecha no lado direito do rosto.

O pronto-socorro já fora chamado e o empregado da drogaria acabava de colocar o corpodo inspetor Beto Bell num banco de sua loja, quando uma sirene se fez ouvir e um carro dapolícia parou no local do acidente, saindo o detetive Jaime Patrício e um policial.

— Alguém viu o que houve? — Perguntou Jaime, se dirigindo aos presentes.— Não vimos bem, senhor. — Respondeu um deles, mas o empregado da drogaria viu tudo.— Um homem está morto lá dentro.Jaime correu à drogaria e um estranho pressentimento o assaltou não vendo Beto à porta,

pois jazia, disforme, sobre um banco. Jaime contemplou seu colega morto e foi ao empregado,mostrando a credencial.

— Viste tudo?, rapaz.— Sim, inspetor. Este senhor, — apontando o corpo de Beto, — momentos antes de morrer

me pediu o telefone e, depois de falar com alguém, deixou minha casa, atravessando a rua.Percebi que estava um pouco inquieto e cheguei até a porta pra ver aonde se dirigia, quandoavistei dois carros em sentido contrário, a grande velocidade. Previ o que aconteceria ao rapaze gritei. Mas já era tarde...

Jaime providenciou a remoção do corpo de seu bravo colega. O chofer do carro, que járecuperar o sentido, estava seguro pelos dois policiais que vieram com Jaime.

— Ambos levai esse camarada a um hospital enquanto irei à chefatura.Capitão Edu ouviu, impassível, o que Jaime relatou e se pondo de pé, o encarou:— Tens razão, Jaime. Isso foi mais que um simples acidente. Não sei a que possa atribuir

esse crime mas estás encarregado de o vingar. Vingues e todo o departamento te felicitará.— Edu, não sei, tampouco, por que mataram Beto. Me disse, naquele telefonema, que

estouraria qualquer coisa. Portanto aguardarei as próximas vinte e quatro horas e então agirei.Se nada acontecer aquele chofer que prendemos me pagará.

IIAs últimas vinte e quatro horas se passaram e nada sucedeu. Jaime tampouco ajustou contas

com o chofer pelo motivo muito simples de haver o mesmo passado ao outro mundo, com umabala nas costas, enquanto era conduzido à Scotland Yard.

— Francamente, Edu. — Disse Jaime, sentado numa cômoda cadeira do escritório de seuchefe. — Chego a acreditar que não foi mais que acidente a morte de Beto.

— Não sei por quê mas a palavra assassínio persiste em me incomodar.O telefone, sobre a secretária, tilintou furiosamente.— Alô. Capitão Edu Brown.— Uma morte, senhor, foi cometida na rua Carambola 31. — Disse a voz do outro lado do

Page 64: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

fio.— Muito bem Carlos. Fiques aí. Jaime irá imediatamente.Rua Carambola 31 era uma casa antiga, porém bastante suntuosa. Um verdadeiro palácio.

Residência de Ricardinho Charthwood, presidente do banco Real.Quando Jaime saltou do carro, Carlos, um velho e dedicado policial, correu a seu encontro.— Alguém da casa?, Carlos.— Não, inspetor. Te lembras daquele ladrão que procurávamos há muito?— Quem? O dândi?— Sim, senhor. Já providenciei a remoção do corpo.Senhor Chartwood estava sentado numa bela poltrona estufada de damasco, vermelho

escuro, um tanto amolado com o que sucedera em sua casa. Uma mulher e outro homem estavamde pé. Ele encostado ao peitoril duma janela e ela junto a uma mesa.

— Muito obrigado por ter vindo, senhor. — Disse Charthwood— Estamos realmente aborrecidos com o que se deu, tanto mais que foi um nosso hóspede

quem alvejou o homem.O rapaz que estava à janela se aproximou rapidamente.— Fui eu, senhor. Antes de mais, tenho muito prazer em te conhecer. De fato, atirei.

Estávamos na sala de jantar quando ouvimos um barulho em cima. Senhor Chartwood correuimediatamente até lá e o segui. Vimos um indivíduo sair do aposento da senhora

Charthwood e correr no saguão superior. Senhor Charthwood gritou e eu, pressentindo umroubo, atirei, mas não tinha intenção de o matar.

— Tens licença pra porte de arma?— Ó!, não! Inspetor. Sou detetive particular em Estados Unidos e, infelizmente, ainda não

tenho minha licença.Depois de falar, o rapaz retirou do bolso uma carteira, a entregando a Jaime. Era sua

credencial.— Obrigado, senhor Jack. Creio nada mais ter a fazer aqui. Este homem, que mataste, é um

ladrão que procurávamos há muito.— Ó!, inspetor. — Disse o detetive ianque — Não se trata apenas disso. Fui contratado há

dois anos, mais ou menos, por senhor Charthwood, pra vigiar um enorme brilhante pertencente asua senhora, o qual desapareceu, pois não o encontramos em poder do ladrão.

— Como? Queres dizer que esse brilhante sumiu assim, sem mais nem menos?— Justamente, inspetor. A senhora diz que, ao descer, fechando o cofre, viu o brilhante.

Como não o encontramos nos bolsos do homem, acho estranho seu desaparecimento. É umapedra enorme e tem quase o tamanho duma caixa de fósforo pequena.

— Me custou 380 mil libras. — Disse senhor Charthwood, quase sem voz. Precisas,inspetor, encontrar esse brilhante. Está no seguro mas se eu não o encontrar perderei, nessabrincadeira, perto de 180 mil, porque está segurado em apenas metade do valor.

Jaime Patrício foi ao telefone e em pouco falou com seu chefe.— Sim Edu. Mandes a mim os rapazes e digas a Tom que venha também.Desligou o telefone e pediu, ao presidente do banco Real, que lhe mostrasse o lugar onde

guardavam o brilhante. Examinou cuidadosamente o cofre e, se virando ao detetive particular,

Page 65: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

disse:— Tens certeza de que a pedra foi roubada?— Senhor! Certeza não tenho mas o brilhante não foi encontrado e acho que o ladrão não

teve tempo pra o descartar.— Sim. Essa é, também, minha impressão, pelo que acabei de ouvir. — Disse Jaime.Os rapazes da polícia entraram, comandados por Tom.— Ei!, Jaime. Eu e meu batalhão. — Disse Tom, sorrindo.Os rapazes tiraram as impressões digitais do cofre e de todos os presentes. Jaime partiu em

sua companhia.Meia hora mais tarde, no gabinete do chefe, Jaime expôs os fatos a capitão Edu Brown,

chefe dum dos departamentos na Scotland Yard.— Capitão, aquela pedra não podia ter desaparecido misteriosamente. Com o dândi, morto,

ela não estava e naquela casa uma coisa me chamou a atenção: Não sei como dândi pôde entrarnela sem ser pressentido. As janelas são muito altas e, pelo rápido exame que fiz, estavam todasfechadas. Estou quase apostando em como o dândi entrou com a ajuda dalguém da casa. Peças àpolícia federal de Estados Unidos informação sobre esse detetive particular. Creio ser uma boapessoa mas convém averiguar. Verificarei aquelas impressões do cofre, que talvez me ajudemnalguma coisa.

Jaime desceu a escadaria da Scotland Yard e uma chuva miúda lhe fustigava o rosto quandose dirigiu ao bar de seu velho amigo Zé. Mal principiara a sorver seu uísque quando Tomentrou, dizendo que as chapas estavam prontas.

As únicas impressões que havia no cofre eram as de senhor Charthwood.— É como eu pensava, Tom: O dândi não perdeu o velho hábito de usar luva. Mas a

facilidade com que tudo foi preparado, me leva a desconfiar dalguém.— Quem? Ricardinho Charthwood? — Perguntou Tom.

IIIOs acontecimentos que se desenrolaram no dia anterior em nada influíram, no pensar de

Jaime Patrício. Em verdade o brilhante não aparecera e, apesar de preocupado com o caso, nãopodia esquecer seu bom amigo e companheiro Beto.

Atravessava praça Piccadilly naquele momento quando veio à mente a associação do roubocom a morte de Beto. Seria isso o estouro que Beto dissera ter descoberto? Pensou Jaime:

— Não pode ser. Isso não pode abalar Londres. E o que Beto disse...Jaime bateu à porta da residência de Ricardinho Charthwood, disposto a sair dali com toda

a verdade a respeito da pedra desaparecida.Não estava o dono da casa nem o detetive particular Jack Shelton. Jaime se viu obrigado a

falar com a própria senhora Charthwood.— Desejo que me prestes esclarecimento sobre o brilhante e me indiques pista na qual eu possa

enveredar.— Não tenho idéia sobre onde ela esteja, senhor. Quanto à pedra, meu marido a adquiriu há

Page 66: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

alguns anos dum amigo, que faleceu há pouco, na África. Dizem que traz infelicidade a quem apossui mas eu e Ricardinho não acreditamos muito nessa tola superstição. Digo muito porque,na verdade, devo confessar que já ando bastante atormentada desde que a adquirimos. A pedratem o nome singular de Lágrima da deusa, e não podes calcular o que nos aconteceu a bordo porcausa dela. Jack, o detetive que contratamos, tem sido como seu guardião. Certa noite, quandoeu e Ricardinho estávamos no salão do navio, ele foi ferido na testa junto a nosso camarote.Porém, felizmente, a pedra não foi roubada. Nem poderia, porque a pessoa que o atacou nãosabia que a pedra estava no bolso do colete de Jack.

— Na noite em que foi roubada o detetive Jack estava com ela?— Absolutamente. Me lembro de Ricardinho a ter pedido a Jack. Jaime se levantou pra se

retirar, quando a senhora Charthwood o interrompeu.— Inspetor, além dos ataques que sofremos a bordo recebemos, também, ameaça.— Alguma carta?, por exemplo.— Exatamente. Creio ainda ter uma.Diana Charthwood se retirou alguns instantes, regressando com um papel nas mãos, que

entregou a Jaime, que, depois de ler sem piscar, guardou no bolso. Agradeceu à senhora agentileza, se retirando.

Quando entrou no gabinete particular de capitão Edu Brown, ali encontrou o detetiveianque.

— Boa tarde, inspetor. — Disse, se levantando à entrada de Jaime. — Vim incomodarcapitão Edu Brown com um pequeno favor: Me conceder licença pra usar minha arma. Agora,também, quero pedir o obséquio de permitir que eu colabore contigo neste caso.

— Perfeitamente, senhor.O ianque acabara de sair, respondendo com um oquei às últimas palavras de Jaime, quando

Tom entrou.— Esses ianques com essa mania. São horríveis!— Trazes alguma novidade?, Tom, sobre o que te mandei averiguar a respeito de

Ricardinho Charthwood.— Certo, Jaime. Nosso homem não está em boa posição.E assim falando, entregou a Jaime uma folha de papel contendo toda informação que conseguira

obter sobre RicardinhoCharthwood, presidente do banco Real.Jaime, retirando do bolso um papel, o entregou a capitão Edu Brown.— O que é isso?, Jaime. Alguma ameaça?— Nem mais nem menos, Edu. Foi dirigida, não só esta, mas muitas outras iguais, à senhora

Charthwood.

Tom estendeu o braço segurando o papel que estava sobre a mesa de seu chefe e onde se lia,em letras recortadas de jornal: Paira sobre vossas cabeças a ira da deusa da vingança. Odiamante que adquiristes vos causará a morte como causou a uma geração inteira que teve adesdita de a possuir. Vossos dias estão contados.

O Africano, mensageiro da deusa da vingança.

— Bá! Vingança, mensageiro, deusa...

Page 67: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Ao inferno com tudo isso!, Jaime. — Berrou capitão Edu.— Ó!, Chefe. Gosto tanto de lidar com deusas. — Disse Jaime— São tão ingênuas...—Africano! Essa é boa! — Disse Tom, soltando uma gargalhada.— Tenho vontade de encontrar esse sabichão diante de minha luger.{6}

As informações que a Scotland Yard obtivera da polícia federal ianque, sobre Jack Shelton,eram as melhores possíveis e sua folha era das mais brilhantes, como chefe da agência Sheltonde detetive particular.

Jaime compreendeu que era chegado o momento de apertar o cerco na procura ao brilhante.— Francamente, Edu. Fico desnorteado com essas coisas de furto. Prefiro lidar com

assassinos a ladrões.Um carro, que estava estacionado à porta da chefatura, os conduziu ao bairro Shadwell. Se

apeando do carro, foram através dum beco estreito e enlameado que faz ângulo com a ruaWaping. Uma lufada de vento bateu em cheio no rosto de Jaime, que, pra se resguardar da chuvamiúda que caía de lado, impulsionada pelo vento, levantou mais a gola da capa.

— Iremos à casa dum homem que é o maior entendedor de jóia em toda Londres. É um judeumiserável e difícil de lidar mas temos de dar um jeito nisso, Tom.

Durante cerca de três minutos fizeram soar a campainha duma casa de aparência imunda, dedois andares, até que um homem grotescamente vestido, com um enorme nariz que tinha muitasemelhança com o bico de certas aves de rapina, foi abrir.

— Não sabeis que nestas hora não se atende?Tom não gostou muito da maneira pela qual o homem lhes dirigiu a palavra e ia enfiando a

mão no bolso, quando Jaime o impediu, sussurrando:— Deixes isso comigo, Tom. Sei lidar com essa gente.Assim dizendo se dirigiu ao judeu, que persistia em conservar a porta quase fechada.— É senhor Júlio Riskin, o grande perito em jóia?— Sim, mas... — Disse o homem, já um tanto satisfeito na vaidade.— Desejo informação a respeito de certa jóia que tenciono comprar e peço me perdoar por

incomodar nestas hora, mas como sei que só tu me poderás prestar tal informação...O homem, visivelmente satisfeito, esboçou um sorriso que lhe deu uma aparência ainda mais

grotesca e, já sem receio, abriu completamente a porta, dando entrada aos dois detetives.— Trouxeste contigo a jóia?, cavalheiro.— Não, senhor Riskin, mas a desejo comprar e, antes, quero que me digas se farei bom

negócio. É um brilhante conhecido pelo nome de Lágrima da deusa.Mal Jaime pronunciou o nome, os olhos do judeu se abriram desmesuradamente.— Caramba! Contigo já é a quarta pessoa que me vem amolar a paciência por causa dessa

pedra.Jaime, que até então guardara a aparência dum simples comprador de jóia, retirou do bolso

a credencial, a levando até quase o nariz do espantado judeu.— Polícia? Não quero história com ela! Nada sei a respeito desse brilhante.— Sim, mas contarás tudo sobre esta jóia. Do contrário...Jaime reparou que o judeu estava nervoso e trêmulo. Era natural, pois Tom lhe apontava sua

Page 68: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

pesada luger.— Muito bem, senhores. Falarei o que sei. Este brilhante pertencia a um templo no coração

da África. Estava colocado na palma da mão duma deusa talhada em pedra, chamada, creio,deusa da vingança. Na revolta duma das tribos, a pedra foi roubada pelo chefe revoltoso, quemorreu horrivelmente mutilado num combate, juntamente com todos seus homens. A pedra nãofoi encontrada e é suposição que fora perdida durante o combate e achada mais tarde por algumcaçador do Congo, que a vendeu a um milionário australiano, cuja família foi toda dizimada demaneira misteriosa. Data de então a lenda do malefício dessa pedra. Mas. apesar de tudo,creias, inspetor, que eu daria tudo o que tenho por ela. É linda. Podes crer.

— Como? É linda? Já viste essa pedra?— Certamente, inspetor. Um dos homens que àqui vieram a trouxe pra eu a avaliar.— Escutes, Júlio. Sabes o nome dalgum desses homens?— Não, mas me lembro de que o homem da pedra disse ser o dono. Outro era baixo e

parecia tropical, a julgar pela cor da pele. Outro era chinês e, por sinal, muito malcriado,inspetor, tendo vindo acompanhado por mais três de sua raça. Mas o que me despertou aatenção e me fez ficar de olho na jóia foi um homem que mostrou um cartão da Scotland Yard.Me disse ser inspetor e apareceu pouco depois da vinda do homem vermelho que parecia dostrópicos. Muito agitado, falando coisas incompreensíveis pra mim e me lembro de ter falado decerto iate. Também queria informação sobre o brilhante.

— Tens certeza de que o homem era policial?, Júlio— Plena, senhor.— Te lembras do tipo?— Sim. Era um rapaz louro, de estatura regular, parecendo muito forte. Tinha um defeito

qualquer no canto direito do lábio inferior e durante todo o tempo que aqui esteve não cessou demorder o outro canto do lábio.

À medida que o judeu descrevia o homem a face de Jaime se contraía. Quando terminou aexpressão do rosto era uma máscara de ódio.

— Vamos, Tom. Agora sei o que Beto tencionava revelar. Jaime ia sair mas Riskin ochamou.

— Inspetor, creio que isto te interessará: Ontem veio àqui uma pessoa. O interessante é queera uma...

Jaime não ouviu mais e nem o judeu pôde terminar o que diria. Uma bala, quebrando avidraça da porta, atingiu o judeu na testa e o corpo tombou a diante, caindo de bruços sobre obalcão.

Os dois detetives, passada a surpresa, correram ao longo da rua e, mal dobraram a esquinaouviram alguns disparos e o baque dum corpo. Era o detetive particular Jack Shelton, queestava caído com uma bala no ombro.

— Obrigado, inspetor. Tua vinda me salvou a vida. Há de estranhar que eu esteja aqui. Nãoé? Mas vim só em tuas pegadas. Eu disse que trabalharia contigo e aqui estou.

— É verdade, mas começaste mal, rapaz. Isto aqui não é a América. Se tem de aprendermuito pra trabalhar com êxito. Aqui, se luta, não só com o homem, também com o nevoeiro.Agora iremos a um hospital pra tratar desse ombro.

— Viste quem te alvejou?

Page 69: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— De certo, inspetor. Eram chineses mas não os conheço.— Tom. — Disse Jaime — Leves o rapaz a um hospital. Providencies a remoção do corpo

do judeu e digas a Edu que o procurarei, mas só depois de ver certo sujeito.E se afastou rapidamente.

IVNo centro duma enorme sala, na casa número 5 da rua Waping, um minúsculo chinês, de

olhos semi-fechados, tirava pequenas baforadas dum fino e comprido cigarro. Quase ajoelhadosa seus pés estavam outros dois, que, a julgar pela roupa que trajavam, eram duma classeinferior.

— Mestre, disse o mais baixo e horrendo dos dois, a Lágrima da deusa será bem guardada.— Que a bênção dos deuses paire sobre tua cabeça Wing-Pu. — Disse o chinês a que o

outro chamara de mestre.— Mestre, vimos Riskin tombar morto. Homem americano atacou Wing-Pu, mas Wing-Pu

nunca morre e Wing-Pu está aqui.— Podeis ir à sala da gema e vos lembrai de que o homem a buscará amanhã. Se for

roubada a morte vos esperará. Mãos profanas a querem...Os dois chineses saíram, ligeiros, ao interior dum aposento onde, no regaço duma deusa de

bronze, fulgia, sobre um fundo de veludo azul, enorme e límpido brilhante. Nesse instantepesadas pancadas soaram na porta da frente.

— Abras, Wu-Ching, em nome da lei! É o detetive JaimePatrício, da Scotland Yard.Em menos de 1min a porta foi aberta. Jaime conhecia aquela casa, por isso não estranhou

que ninguém estivesse à porta pra o receber. Se abria por meio dum dispositivo secreto.Imediatamente foi à sala onde estava o chinês que os outros chamaram de mestre.

— Bem-vindo sejas, homem da lei! — Disse Wu-Ching, inclinando o busto a diante,saudando o inspetor Jaime Patrício.

— Deixemos de lado a cortesia!, Wu-Ching. Os chineses estão metidos num roubo e tambémestão atrapalhados por causa de duas mortes.

— Wu-Ching não sai há muito tempo. Wu-Ching não mata alguém. — Disse o chinês,apertando os olhos. — Wu-Ching não matou nem roubou.

— Sei. — Disse Jaime. — Mas Wu-Ching é chefe de todos os chineses em Londres.Também sei que escapaste muitas vezes, Wu- Ching, mas desta não escaparás e te garanto que teprenderei como assassino do inspetor Roberto Bell.

— Wu-Ching nunca matou. Wu-Ching nunca mataria um policial.Neste ponto Jaime sabia que o chinês falava a verdade. Não mataria um agente da Scotland

Yard. Era bastante esperto pra não cometer tal tolice.— Wu-Ching, me dirás tudo o que puder a respeito desse brilhante.O chinês ficou de pé, com grande displicência, encarando o inspetor da Scotland Yard.— Wu-Ching nada sabe. Wu-Ching nada diz. Wu-Ching pede, humildemente, ao inspetor,

Page 70: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

que se retire.Jaime se levantou pra sair. Daquele chinês não obteria palavra. Conhecia muito bem

Wu-Ching, mas se estava metido no negócio sua visita serviria pra o alarmar, se bem queWu-Ching, chefe do Tongue, em Londres, não se alarmasse por pouca coisa.

Capitão Edu, em seu gabinete, na Scotland Yard, discutindo com Jaime e Tom, disse:— Estou achando este caso muito confuso, Jaime. Primeiro a morte de Beto. Depois o roubo

desse maldito brilhante. Agora a misteriosa morte daquele judeu. E, ainda por cima, um diretorde banco endividado, uma mulher egoísta e medrosa, ameaças duma deusa e chineses no meiode tudo. Se isso não terminar logo, Jaime, acabarei ficando maluco...

— Bem... Edu. Tens razão. Acabaremos todos doidos.Beto estava certo quando disse que ficaríamos embaraçados. Não resta dúvida de que foi

assassinado porque estava no meio do jogo e foi descoberto. Posso garantir que um daquelesautomóveis era dirigido pelo próprio autor de todas essas brincadeiras. O outro

bem poderia ter sido por um comparsa de qualquer dos outros suspeitos. O difícil é precisarqual. Agora me preocuparei com os homens e deixarei o brilhante de lado.

Achando o homem responsável pela morte de Beto, encontrarei a jóia. Hoje na noiteentrarei em ação e te afianço que não estamos longe do fim.

Os sinos de Westminster batiam 8 horas. Jaime e Tom caminhavam lado a lado numa dasruas da praça Piccadilly. O nevoeiro, que aumentara progressivamente desde as 4h da tarde,estava intenso.

— Tom, preciso que verifiques todos os iates ancorados no porto. Me lembro do que Riskindisse. Beto era um bom rapaz e muito arguto...

Muito bem, Jaime. Tratarei disso mas, antes, deixes que eu me desabafe. Quando Riskin iadizer que outra pessoa o procurara, cujo nome não pôde proferir, chegou a dizer que ointeressante é que essa pessoa era uma... Acho, Jaime, que ele ia dizer uma mulher.

— Sim, Tom, é bem provável. Também pensei assim mas não creio que senhoraCharthwood seja a pessoa que procuramos. Prestes atenção no que te direi.

Senhor Charthwood está arruinado. Se conseguisse fazer desaparecer a pedra receberia os180.000 do seguro e ainda poderia a vendar a algum interessado. A mulher também não está emboa posição e talvez mesmo Wu-Ching trabalhe pra ela, pois que nunca trabalhou por própriaconta. Quero descobrir, Tom, quem é o tal Africano, que se diz mensageiro da deusa davingança. É o único que não conheço. Aos outros todos já dei as cartas. Agora veremos quemjoga melhor.

Os dois detetives atravessaram a rua em direção à casa, quando ouviram a sirene dum carropolicial. Uma voz gritou de dentro, quando o carro parou um pouco adiante:

— Inspetor, Mataram senhor Charthwood!O detetive ianque está na pista do assassino e anda te procurando.— Vamos rapazes! Depressa! — Disse Jaime, entrando no carro.— E tu, Tom, vás averiguar o que pedi.Ricardinho Charthwood, presidente do banco Real, jazia morto sobre um canapé, em seu

Page 71: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

quarto de vestir.Uma pequenina faca estava enterrada no corpo e um rápido exame revelou a Jaime que

Charthwood fora morto pelas costas e a faca enterrada por mãos delicadas, visto a pouca forçado golpe que a cravara no corpo do ex-presidente do banco Real.

Jaime, tirando do bolso um lenço, o enrolou na faca, a retirando do corpo. Era uma pequenafaca chinesa!...

Não chegou a formular pensamento, pois as suspeitas que tinha sobre RicardinhoCharthwood ruíram naquele instante, quando o detetive ianque, Jack Shelton, entrou no quarto.

— Inspetor, preciso que me ajudes a capturar o criminoso. Vi a feição e tenho certeza deque as reconhecerei em qualquer parte. Era um chinês mal-encarado.

— Muito bem, rapaz. Se queres me prestar um favor, corras à Scotland Yard e digas aoinspetor Tom Malloney que traga a informação pedida.

Mal o ianque deixara a casa, Jaime desceu, rapidamente, a escada. Ia interrogar senhoraCharthwood e a encontrou na sala, sentada em confortável sofá, como se nada houvessesucedido.

— Boa noite, inspetor. Creio que o caso está se tornando cada vez mais complicado. Não?— É verdade, senhora. Preciso que me digas algo sobre teu marido. Desconfias dalguém?— Meu marido, inspetor, era um...A palavra que senhora Charthwood pronunciaria não chegou a escapar dos lábios. Como

arrependida do que diria, se levantou sorrindo, começando a passear na sala.— Teu marido era um quê? Termines!, senhora.— Ó! Nada, inspetor... Era um bom homem...Jaime sabia que senhora Charthwood não ia dizer aquilo. Via, claramente, em seus olhos,

que estava mentindo.— Minha senhora, te peço, pra seu próprio bem, que me respondas certo às perguntas que te

farei. Conheceste algum homem chamado Júlio Riskin?— Não, inspetor. Tenho certeza.— Conheces algum chinês chamado Wu-Ching?— Sim, inspetor.Os olhos de Jaime brilharam. Se enganara, pois não esperava tal resposta.Ela, como indiferente ao que ele pensava naquele momento, prosseguiu, com voz calma.— A verdade, inspetor, é que eu desejava me desfazer daquele brilhante e o faria por

intermédio de Wu-Ching, quando a pedra desapareceu. Tenho quase certeza de que foi meumarido quem a roubou mas não posso compreender por que o mataram. Agora vejo o mal quefiz em não dar importância àquelas ameaças...

Jaime deixou que senhora Charthwood terminasse de falar e ficou sentado quando ela seretirou da sala.

Apanhou, ao acaso, um cigarro duma pequena caixa de madeira sobre uma mesa, se recostouno sofá. Muitas coisas o preocupavam. Aquele jogo estava se tornando cada vez mais confuso.A partida dependia duma única jogada e Jaime confiava em sua boa estrela.

Ainda não terminara o cigarro que acendera, quando o detetive Tom Malloney entrouacompanhado por Jack Shelton. Disse Tom:

— Grande novidade, Jaime. Só há um iate e pertence a um ricaço da Austrália.

Page 72: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Eu esperava isso, Tom. Nesta época do ano seria um fato incomum se descobrisses maisde um aqui. Veremos esse homem e tu, — disse, se referindo a Jack — faças o obséquio devigiar senhora Charthwood enquanto saio. Creio que tua tarefa, agora, é bem mais arriscada quea primitiva.

VUm pequeno mas formoso iate estava ancorado no centro da baía. Em sua direção, jogando,

impelida pelas ondas, seguia uma minúscula lancha da polícia, levando os detetives JaimePatrício e Tom Malloney.

— Ei, Jaime! Será que terei o prazer de usar isto? — Disse Tom, mostrando uma enorme epesada pistola.

— Não creio, Tom. Se minha teoria estiver certa esse homem é a criatura mais pacata einofensiva do mundo. E espero que assim seja, pois do contrário perderei a partida.

— Francamente Jaime. Não sei pra quê andamos armados. Acho que doravante deixareiminha pistola em casa. Há duas semanas que não a uso. Oras, bolas! Esses criminosos, dumtempo a cá, agem como se fossem criança ou mulher! Creio que o melhor caso que nós járesolvemos foi o daquela quadrilha do Capuz Negro! Te lembras? Nunca ri tanto!

— Tinham graça aqueles caras com os capuzes negros.— Aquilo sim, é que foi um caso duro. Te afianço que minha pistola nunca trabalhou tanto.

Por falar nisso, Jaime, quem é o tal Africano, Mensageiro da deusa da vingança? Palavra quetenho vontade de ver o bruto! É boa. Não? Africanos em Londres...

A lancha da polícia encostou suavemente ao costado do Sídnei.Um marinheiro arriou a escada de bordo e os dois detetives subiram ligeiro.— Inspetor Jaime Patrício, da Scotland Yard! Desejo ver o proprietário deste barco.— Pois não, inspetor. Por aqui. Faças o obséquio, disse o marinheiro, os conduzindo

através dum estreito corredor, ao fundo do qual se abria um compartimento, deixando ver umhomem de meia-idade, forte e bastante corado sentado a uma mesa, fazendo a refeição.

— Desculpes incomodar, senhor...— Heavens.— Obrigado. Sou inspetor Jaime Patrício, da Scotland Yard, e este é meu companheiro,

Tom Malloney. Estou encarregado de descobrir o autor de quatro crimes cometidos na cidade edesejo que me prestes informação.

— Perfeitamente, senhor. Embora não vejas em que te possa auxiliar.— Senhor Heavens, já ouviste falar a respeito dum brilhante chamado Lágrima da deusa?— Sim senhor, inspetor. Vim àqui exclusivamente pra o comprar.— Mas sabias que estava a venda?A essa pergunta de Jaime o homem se levantou e, abrindo uma pequena escrivaninha, num

canto da sala, retirou um telegrama dobrado.— Por aqui se pode ver, inspetor, que falo a verdade.Jaime, recebendo das mãos do homem o telegrama, o abriu.

Page 73: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Roberto HeavensLágrima da Deusa" tua disposição. Venha com urgência.— Wu-Ching— Conheces Wu-Ching? — Perguntou Jaime, devolvendo o telegrama.— Sim, inspetor. Wu-Ching tem sido intermediário em várias compras de jóia que tenho

feito e, dizendo bem, é uma espécie de agente que possuo em Londres.— Sabes que Wu-Ching tem mau precedente?— É verdade que assim dizem, inspetor. Porém Wu-Ching tem procedido lealmente comigo.— Já visitou Wu-Ching pra comprar a pedra?— Sim mas não me entregou, o que fará hoje na noite.— Visitaste mais alguém na cidade?, além de Wu-Ching.— Sim. um certo Júlio Riskin, negociante de jóia, aconselhado por Wu-Ching.— Conheces a história desse brilhante?— Vagamente, inspetor. Quando tenciono comprar uma jóia o que me interessa é seu valor e

não sua história.— Senhor Heavens, te peço o favor de não ir ver com Wu-Ching nesta noite, se tencionas

regressar com vida a teu país.— Muito bem, senhor. Podes crer que seguirei teu conselho.Os dois detetives regressaram, mais cedo do que esperavam, à Scotland Yard. Mal subiram

os primeiros degraus da escadaria, uma pessoa chamou embaixo:— Inspetor Jaime!— Olá, Anjinho! Tu aqui?— Sim, inspetor. Eu mesmo. Não podia esperar mais tempo e achei melhor vir te procurar

antes que o descobrisses tudo. Ainda me lembro dos cinco anos que me fizeste pegar! Prometesnão me prender se o que eu te contar for interessante?

— Vás lá, Anjinho! Qual é o negócio?— O dândi foi morto. Não é?, inspetor. O detetive Beto também. Não?— Ei, rapaz! Esperes ai! O que sabes a esse respeito? Não me digas que também conheces

o Lágrima da deusa!— Chi!, inspetor! És, mesmo, bamba. Adivinhas logo tudo! Não levas a mal que eu peça pra

entrar? Ando um pouco assustado. Creio que aqueles cinco anos me tornaram covarde.— Vamos, Anjinho. Contes tudo lá em cima. Capitão Edu terá satisfação em rever um velho

conhecido! Te lembras dele?— Se me lembro!, inspetor!...— Bem... Anjinho, soltes logo o que sabes sobre a morte de Beto. — Disse Jaime, olhando

significativamente ao capitão Edu Brown.— Bem... A história é essa: Eu e o dândi íamos trabalhar em sociedade em certo negócio. A

coisa era simples e ganharíamos 1.000 libras. Se tratava de simular um roubo prum sujeito,dono dum grande brilhante. Tudo era muito simples e a entrada na casa seria facilitada pelopróprio sujeito. Inspetor Beto, porém, descobriu nosso jogo e quando pensávamos que nosprenderia, pediu que continuássemos o joguinho, nos prometendo liberdade. O dândi foi morto eo inspetor Beto também. Por isso achei melhor te contar tudo. A princípio dei a de vila-diogo{7}

Page 74: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

porque alguém estava metido no negócio e aqueles cinco anos nas grades me fizeram medroso.Mas quando soube que estavas com o caso vim logo. Contigo não quero história.

— É tudo?, Anjinho.— Não, inspetor. Sei como mataram detetive Beto! Eu estava perto e vi toda a manobra mas o

que, infelizmente, não pude ver foi a cara do homem que abandonou o carro, fugindo. Porémconheço o outro. Se chama Puck e trabalhava muito pra Wu- Ching.

— Muito bem, Anjinho. Podes ir em paz. Sempre cumpro o que prometo mas lhe aviso quedeixes de fazer esses trabalhinhos. Isso pode te custar outros cinco anos...

— Obrigado, inspetor. Sempre me lembrarei.Capitão Edu Brown, que ouvira com interesse tudo quanto o Anjinho dissera, não se conteve

mais e, quando ele se retirou, perguntou raivoso:— Esse sujeito disse a verdade?, Jaime.— Certamente, Edu.— Creio que desta vez nosso Wu-Ching terá de arranjar um bom álibi, porque vou o

prenderei como assassino de Beto e de senhor Ricardinho Charthwood.— Não, Edu. Não o prenderemos. O procurarei nesta noite e espero que minha teoria esteja

certa. Se estiver... Bem, Edu, prestes atenção. Colocarei as cartas. Repares a disposição delas.A 1a carta: Ricardinho Charthwood. Não resta dúvida de que Ricardinho estava endividado etentou se salvar por um meio que julgava ótimo: Contratou um ladrão vulgar pra roubar emcombinação consigo o brilhante e receber o seguro, após o que, o venderia a qualquerinteressado, que, em nosso caso, seria Júlio Riskin. A 2a carta é senhora Charthwood, quetambém queria se desfazer da pedra, atemorizada pelas ameaças ou por qualquer outro motivo.A 3a carta é Wu-Ching e a podemos colocar junto da 2a, isto é, Wu-Ching, a princípio, não eramais que um intermediário entre senhora Charthwood e o homem que adquiriria a pedra queserá sendo a 4a carta, ou seja Roberto Heavens, milionário australiano.

No meio de tudo isso há, sem dúvida, coisas estranhas, como, por exemplo, o misteriosodesaparecimento do brilhante. A princípio desconfiei de Ricardinho Charthwood e mesmo dasenhora, mas, com a morte de Ricardinho, varri essas suspeitas de minha imaginação, tanto maisque ele não poderia ter assassinado Beto e o chofer do carro.

Hoje o milionário australiano deveria ir à casa de Wu-Ching receber das mãos dele oLágrima da deusa, o que me leva a crer que Wu-Ching já esteja de posse do brilhante, tendo,assim, logrado a senhora Charthwood. Desconfio de como Wu-Ching se apoderou da pedra, oque só poderei afirmar depois de receber certa comunicação, que espero a qualquer momento eduns quantos eventos nesta noite.

— Queres dizer, Jaime, que de todos os suspeitos, o que reúne maior complicação em tornode si é Wu-Ching?

— Sim, Edu.Então o prenderemos imediatamente como ladrão e assassino.— Não, Edu. Wu-Ching é ladrão mas nunca matou. E não seria tão estúpido a ponto de

matar um agente da Scotland Yard.Disse Tom, entrando na conversa:— Mas, Jaime. Te esqueces de que Anjinho disse que o chofer trabalhava pra Wu-Ching!— Sim. Tom, costumava trabalhar não quer dizer que trabalhe e sabes muito bem que esses

Page 75: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

sujeitos trabalham pra quem lhes dá mais.— Pelo que me dizes, Jaime, — disse capitão Edu, Wu-Ching, já deve estar preparando um

bom álibi. Como sempre.— Edu, Wu-Ching não matou alguém. O podemos prender como ladrão mas não como

assassino. O homem responsável por todas essas mortes e que estava, ao mesmo tempo, senhordos passos de todos os outros, usa o pomposo pseudônimo de mensageiro da deusa da vingança,e é com ele que tenciono me encontrar agora.

Sem esperar mais, Jaime se retirou, acenando a Tom pra que o seguisse.A cidade estava bastante escura e o nevoeiro impedia quase totalmente a visão das coisas

mais próximas.Os dois detetives seguiam em direção à casa de Wu-Ching.Jaime Patrício, enfiando a mão direita sob o casaco, desabotoou o coldre do inseparável 38.Passavam junto a um lampião de iluminação quando um roçar, como o dalguém pisando leve,

chegou ao ouvido. Quando mergulharam novamente na treva o ruído se acentuou e Jaime, segurandoTom pelo casaco, o puxou violentamente de encontro a si, na hora em que um objeto atiradofortemente passou zunindo na frente, batendo na parede.

Jaime se abaixou, apanhando uma faca fina e elegantemente gravada com caractereschineses.

— Tolo! É até lá mesmo que irei...Poucos minutos após o incidente os dois detetives já estavam na imediação da casa de

Wu-Ching. Jaime cochichou:— Não batas, Tom. veremos se conseguimos subir pela janela do fundo.Jaime não esperava que a tarefa fosse tão fácil e ambos logo se viram no interior dum amplo

aposento completamente vazio, situado no segundo andar da casa.Jaime, retirando do bolso seu colte, avançou, resolutamente, em direção à porta. Abriu, se

vendo diante dum estreito e comprido corredor onde ardia uma luz fraca, velada por um papelalaranjado. Ouviram tiros repetidos disparados em baixo e toda a casa mergulhou na escuridão.

Jaime e Tom correram ao lugar em que antes lobrigaram uma escada, por onde desceramsilenciosamente. Lutavam no pavimento inferior... Era na sala de Wu-Ching.

Gritos e ameaças chinesas, barulho de pé, e baques de corpo, ecoavam na casa. Estavam nomeio da escada quando ouviram mais tiro. O alvo agora era o lugar onde estavam... Uma balaarrebentou a parede acima da cabeça de Tom, que, enfurecido, se atirou a diante, despejando atorto e a direito a carga de sua pesada automática, que roncava furiosa.

Jaime corria, cozido à parede, quando uma bala rasgou o paletó.— Vamos, Tom! Quereis barulho! não é!? Pois tereis!— Atires bem no centro, Tom!Enquanto gritava atirava compassadamente.Gritos de dor encheram o ambiente e baques de corpo se ouviram, enquanto uma porta, no

fundo, batia violentamente, se fechando.Quando Tom acendeu a luz Jaime viu o corpo de Wu-Ching estirado no chão a fio comprido

e grande quantidade de sangue escorria dum grande buraco do lado esquerdo da cabeça. Outrosdois chineses jaziam ao lado do corpo de Wu-Ching. Ambos com a mesma sorte.

Page 76: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Os dois detetives revistaram toda a casa. O quarto da deusa estava aceso mas o grandebrilhante desaparecera do assento de veludo azul.

— Ei!, Jaime. Quem quer que fosse, era bom no gatilho. Não? E eu dizendo que minhapistola não trabalhava há muito tempo! Quem foi? Jaime.

— Teu amigo, o mensageiro da deusa da vingança. O Africano?— Sim, Tom. Aquela porta, que bateu, era sua fuga.— Será possível? E pensar que o tive tão perto!...— Vamos à chefatura. Nosso mensageiro jogou mal e ganhei a partida.Os dois detetives deixaram a casa da morte e Jaime, se abaixando, apanhou, na saída, uma

pequena carteira num canto da sala.Quando entraram no gabinete de capitão Edu Brown, ele conversava animadamente com o

detetive particular Jack Shelton.— Então?, Jaime. Alguma novidade?— Sim, Edu. Muitas coisas aconteceram. Mataram Wu-Ching.— Hem?— Sim. Mas o assassino foi infeliz e creio que o enviarei à forca. Antes disso quero que

saibas que toda minha teoria estava certa. O homem matou Beto porque ele conhecia seu jogo,da mesma maneira que matou o chofer, Ricardinho Charthwood e o judeu. Todos pelo mesmomotivo. E agora matou Wu-Ching pra se apoderar do brilhante que estava nas mãos dele.

— Quem?, Jaime. Quem é nosso homem?— O Africano. O mensageiro da deusa da vingança.— Mas quem é esse sujeito?, Jaime.— Um momento, Edu.A porta do gabinete particular de capitão Edu Brown foi aberta, entrando um policial que

colocou um bilhete nas mãos do detetive Jaime Patrício, que leu e, olhando a Edu, dissecalmamente:

— Capitão, tuas algemas, por obséquio!Edu entregou a Jaime um bom par de algema e ele, se levantando rápido, as fechou nos

pulsos do detetive particular americano, Jack Shelton.— Te prendo como assassino de várias pessoas. Entre elas o inspetor Roberto Bell, da

Scotland Yard.O capitão não pôde conter um ó! de espanto, enquanto Tom permanecia mudo.Jaime retirou do bolso a carteira de detetive e, a atirando sobre a mesa do chefe, exclamou:— Eis a falsa credencial de Jack Shelton encontradas na casa de Wu-Ching!— Falsa?, Jaime. — Disse capitão Edu — Mas... e as informações da polícia federal

ianque?— Ó! Edu, só pediste referência sobre um homem que realmente existe e possui uma

agência de detetive em Estados Unidos mas não perguntaste se lá estava! Leias este telegrama.Entregou ao chefe o papel que o policial lhe entregara minutos antes:Inspetor Jaime PatrícioConfidencialJack Shelton chefe agência detetives particulares não saio Estados Unidos

Page 77: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

(As.) Cap. Rost MooreEdu largou o telegrama sobre a mesa e Jaime, se dirigindo ao falso detetive, disse:— Espero que a pedra esteja em teu poder, como estava até o momento em que Wu-Ching a

roubou naquela noite, na rua Waping, em que foste ferido no braço. Te lembras?Quando Jaime terminou a revista nos bolsos do homem um grande brilhante cintilava nas

mãos.— Eis a Lágrima da deusa. Peço o obséquio de entregar esse brilhante à senhora

Charthwood e digas pra não se desfazer dele. É lindo e não traz infelicidade, a não ser quandoalgum aventureiro o deseja, como no presente caso.

Minutos depois Jack Shelton saía do gabinete do capitão Edu, algemado e conduzido pordois policiais, quando Tom gritou:

— Senhor mensageiro, apresentes meus cumprimentos à senhora Forca. Jaime Patrício eTom Malloney desceram a escadaria da Scotland Yard em direção ao bar do Zé.

— Bem, Tom. Creio que poderei terminar meu uísque, que deixei na metade.E riu, satisfeito.— Escutes, Jaime. Por que só sorris quando prendes alguém?— É um segredo, Tom. Prometes nada dizer? A ninguém!— Se prometo! — Exclamou Tom, pensando ouvir algo sensacional.— Sou amigo, mas muito amigo mesmo... do carrasco... E os dois detetives

atravessaram a rua, sorrindo.

Page 78: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Opássarodamorte

I

nspetor Jaime Patrício contemplava o movimento da rua através da vidraça duma dasjanelas de sua sala, na Scotland Yard.

Havia 20min que deixara a sala de julgamento, onde doutor Judd Mac Carthy, um dos maisfamosos cientistas londrinos, estava respondendo a júri como acusado de assassinar, na noite de11 de novembro, seu assistente, Vickery Melbourne. Jaime saíra, depois que o advogado dodoutor acabara a defesa e estava certo de que o veredito seria favorável. Antes de ser levado ajúri sabia que o doutor seria absolvido, não só por falta de prova, como pelo testemunho de trêsdos mais proeminentes homens da cidade, entre eles o próprio advogado, que afirmavam ter odoutor estado com eles na noite do crime, das 7h às 10h da noite, e Vickery Melbourne foraassassinado às 9h. Além disso, a causa da morte fora envenenamento, porém, os médicoslegistas desconheciam o veneno. As vísceras do morto apresentavam uma coloração azulada,semelhante à que se encontra em envenenamento por sulfato de cobre, mas os outros órgãosexaminados não demonstravam a presença.

Todos os médicos legistas tinham opinião diferente, concluindo pelo desconhecimento doveneno. A única suspeita contra o doutor residia no fato de junto ao corpo de VickeryMelbourne, caído dez passos na frente da porta do laboratório, situado no fundo do prédio #30da Parque do Regente, estarem escritas na terra as seguintes palavras: Eu sabia que eras tu, J...e que, evidentemente, foram escritas, com o dedo, pelo próprio Vickery, moribundo, comodepois ficou provado. Portanto era naquela inicial, a mesma de Judd, que se firmava toda aacusação.

Com todos esses pensamentos assaltando a mente inspetor Jaime Patrício mergulhou nacadeira de sua mesa e, fincando os cotovelos sobre ela, apoiou a cabeça entre as mãosespalmadas.

Page 79: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Assistira a quase todo o julgamento e deixara a sala antes do fim, bastante satisfeito esorridente, porque ouvira ali, em duas palavras, a chave do que procurara durante vinte diasconsecutivos. Sentado naquela cadeira, esperava que capitão Edu lhe trouxesse a notícia daabsolvição, tão certo estava disso, como de dois mais dois ser quatro. A princípio julgara que odoutor fosse o assassino, porém agora, não só sentia, como sabia ser inocente. Isso porqueassistira quase todo o julgamento estudando a fisionomia de doutor Judd Mac Carthy. Repararano ar de indiferença que ele mostrara enfrentando a curiosidade enorme que fazia convergir aele todos os olhares, e a grande tranqüilidade que iluminava a face do doutor. Notara a maneiracomo o doutor ouvira, com ar de maçado e de fadiga, toda a leitura do sumário e areconstituição do crime que a polícia fizera, concluindo que ser inocente porque nuncaencontrara, mesmo entre os mais astutos e artistas dos grandes criminosos, um, que em talmomento, estivesse tão calmo.

Porém, durante o julgamento, a atenção de Jaime não se fixara exclusivamente sobre odoutor. Ao contrário, estava quase totalmente fixa na figura do advogado Jeová Carlington, umdos luminares do foro, que sabia levar tão a jeito, e com tanta manha, as testemunhas àcontradição. Que diziam ser capaz de provar a um júri que o réu era a vítima e vice-versa, praconcluir, logicamente, que não houvera crime. Jaime notara a sensação que haviam causado, noauditório, as palavras proferidas pausadamente pelo advogado e no silêncio religioso da sala,quando chamou as duas testemunhas do doutor e elas declararam solenemente, com asformalidades de estilo, que, na hora em que afirmavam ter morrido Vickery Melbourne, doutorJudd estava com eles. Jaime notou o espanto que causou, no meio do tribunal, o depoimento dasduas testemunhas. Indiscutível, por se tratar de pessoas acima de toda suspeita, pra concluirque, de fato, agora a acusação estava completamente abalada, tanto mais que seu edifício era depoucos e frágeis alicerces.

Jaime ouviu, finalmente, a maneira calma e a tranqüilidade de espírito de doutor Judd,respondendo às perguntas do promotor. Sem dúvida, devido à certeza de poder provarinocência e à convicção de ser absolvido.

Mas só depois que Jeová Carlington terminou a defesa é que Jaime deixou a sala, sorridentepor ter ouvido duas palavras pronunciadas por ele, quando sua voz era mais forte e suaagitação, na tribuna, mais intensa.

Enquanto assim refletia, evocando todos os pormenores do julgamento, a porta da sala foiaberta e capitão Edu Brown entrou, seguido do inspetor Tom Malloney.

— Judd Mac Carthy absolvido! Eis o veredito, Jaime — exclamou o capitão, se instalando nacadeira à direita da mesa.

— Não é novidade pra mim, Edu. Eu esperava isso:— Às vezes te tornas enigmático, Jaime. — Disse o capitão. Trabalhaste no caso durante

cerca de três semanas, certo de que o doutor era o assassino e agora dizes que esperavas aabsolvição! Quer dizer, então, que o homem que matou Vickery Melbourne ficará impune?

— Absolutamente, Edu. Tanto mais que sei quem é. Se me deres dois dias de prazoencontrarei a arma mortífera e explicarei de que maneira procedeu pra matar VickeryMelbourne.

— Está bem, Jaime. Te dou quantos dias quiseres, contanto que me entregues o homem

Page 80: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

pronto pra seguir viagem, deste ao outro mundo.{8}

IINum dos aposentos do apartamento de Jaime, na rodovia da travessia Charing, que servia,

ao mesmo, tempo de sala de estar e gabinete de estudo, inspetor Tom, sentado numa cômodapoltrona, contemplava, em silêncio, seu companheiro passeando dum lado a outro em passadaslargas e fortes, cujo som era protegido por um grosso tapete estendido ao longo da sala.

Dois profundos sulcos nos cantos da boca de Jaime indicavam a Tom o estado nervoso doamigo. As rugas significavam ódio surdo no coração do inspetor. Quantas assassinos já viramaqueles sulcos antes de subirem à forca?

Tom olhava, com a admiração e o respeito dum discípulo, todas as vezes que Jaime retiravaum livro da grande estante no fundo e em ângulo da sala e reparou como a fisionomia semodificou rapidamente, quando repôs, ao mesmo lugar em que estava, um grosso volumeencadernado de preto.

Inspetor Jaime Patrício não era um super-homem mas eram raríssimas as vezes em que umade suas observações estava errada. É claro que nem sempre demonstrava a seus companheiros aargúcia de seu espírito e seu instinto de observação. Quantas e quantas vezes foi obrigado adespender enorme esforço pra chegar ao fim almejado! Noutras, no entanto, nem precisavaprocurar, porque lhe caía nas mãos inesperadamente, e então tudo ficava claro e evidente, epodia explicar aos outros, em maravilhosa dedução e linguagem claríssima sua teoria do crime,verdadeira cópia do mesmo.

Quando se voltou a Tom um sorriso brincava nos lábios.— Eu sabia, Tom, que doutor Judd era inocente, porém só agora encontrei todas as

explicações pra resolver o caso que me deixou enervado durante tanto tempo. Crês no destino?,Tom. Pois é uma força imponderável da qual ninguém pode fugir. Até agora essa força quechamo destino e que dizem que é minha boa estrela, me tem sorrido favoravelmente! Pensei quedesta vez me tivesse abandonado mas me enganei e recebi, como auxílio, um feliz acaso.

— Sim, Jaime. Espero que tenhas resolvido tudo.— Creio que isso aconteceu amigo e se queres me ajudar abras meu livro de apontamento e

leias alto tudo sobre a morte de Vickery Melbourne.— Sim, Jaime. Com grande prazer. — Disse Tom, se erguendo da cadeira pra buscar o

caderno de nota sobre a escrivaninha.Logo depois Jaime, sentado no sofá, cachimbo preso entre os dentes e caído ao canto

esquerdo da boca, ouvia a leitura das páginas de seu caderno:O corpo de Vickery Melbourne, tipo de compleição robusta, jazia caído a dez passos do

laboratório no fundo do prédio, repleto de animais e micróbios pra estudo de doutor Judd MacCarthy. Perto do corpo, estavam, traçadas na terra, umas palavras acusadoras. A esposa deVickery, Judite Melbourne, em suas declarações, disse que o marido saíra ao laboratóriodepois do jantar, como fazia todas as noites. Como estava demorando mais que o costumeresolveu procurar, deparando, então, com o corpo estendido perto da porta. Estava sozinha em

Page 81: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

casa, com o criado, porque doutor Judd saíra em companhia do advogado Jeová Carlington, prajantar com alguns amigos no clube Colonial. Os médicos legistas não atinaram com o venenoque produziu a morte, porém afirmaram que se deu às 9h da noite. Dentro do laboratório nãohavia impressão digital, exceto as de Vickery Melbourne e doutor Judd. Não havia vestígio queconduzisse à pista dalguém, exceto uma pequena caixa de madeira atirada num canto e que odoutor negou conhecer.

— Basta!, Tom. Prestaste atenção ao que me leste?— Sim, Jaime.— Agora vejas aonde quero chegar: A única suspeita sobre o doutor residia nas palavras

traçadas na terra pelo dedo de Vickery e pela declaração do criado, quando afirmou que opatrão vivia brigando com o assistente. Essas brigas não podiam ser apenas contendascientíficas incapazes de levar um homem a matar outro? E as palavras traçadas na terra nãoconstituem, também, uma prova, mesmo fraca, porque Vickery não terminou o nome que queriaescrever, deixando apenas escrito um J, que tanto pode ser de Judd como de Judite?

— Mas é claro, Jaime! O doutor não podia ser condenado!— Eis porque, Tom, eu esperava a absolvição. E agora quero que respondas: O que pode

levar um homem a matar outro?— Ora! Muitas coisas...— Sim, mas isso é uma resposta bastante evasiva para se tirar uma conclusão. Não? Que eu

saiba existem apenas três motivos: Dinheiro, mulher, e ódio. Estudei cuidadosamente a vida deVickery Melbourne e posso afirmar que não foi assassinado por causa de dinheiro, porque nãopossuía testamento e nem um xelim. Também não foi assassinado por ciúme ou ódio, porque nãoera homem dado a aventura que causasse ciúme nalguém, e porque pertencia à classe de homensincapazes de fazer mal a uma mosca. Portanto, afastando estas duas hipóteses nos resta:

— Uma mulher!— Justamente. E é Judite Melbourne. Quando examinei, juntamente com Edu, o corpo de

Vickery Melbourne, mostrei um sinal na mão, entre os dedos indicador e médio. Não dei muitaatenção, confesso, a esse particular, naquele momento. Mas agora, me lembrando duma coisaque reparei no laboratório e de duas palavras que ouvi no meio do julgamento, sei que era devital importância. Folheando os livros que viste, encontrei o que eu supunha existir e que maistarde saberás. agora irei à casa de doutor Judd, pra lhe fazer perguntas. Enquanto isso realizarásum trabalho pra mim, findo o qual prenderemos o assassino de Vickery Melbourne.

IIIEram, precisamente, 20h quando inspetor Jaime Patrício chegou ao #30 da Parque do

Regente.O criado de doutor Judd Mac Carthy reconheceu, prontamente, o inspetor. Depois de

inclinar a cabeça o cumprimentando, lhe fez sinal pra entrar.— Boa noite, inspetor. A quem desejas falar? Se é a doutor Judd, está no laboratório.

Senhora Judite está na sala, com senhor Carlington.— Sim, rapaz. Me leves até ela.

Page 82: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Judite Melbourne, sentada num amplo sofá, em companhia de Jeová Carlington, não pareciaabalada pela morte, ainda recente, do marido. Sorria ao advogado no momento em que Jaimeentrou e percebeu uma ponta de idílio entre os dois.

— O que desejas?, inspetor. — Perguntou Judite Melbourne, permanecendo sentada.— Desejo fazer perguntas a ti, minha senhora, porque...— Não perguntarás! Já basta o que fizeste com doutor Judd. — Disse o advogado.— Muito obrigado por tanta amabilidade. Creio que é melhor procurar o doutor. Talvez me

entenda melhor com ele.Jaime saiu da sala, em direção ao laboratório. Antes de atravessar o quintal, segurou, de

leve, o braço do criado.— Há quanto tempo conheces o advogado Jeová Carlington?— Ó! Há muitos anos, senhor. Vem diariamente a esta casa. Émuito íntimo.— Sim? Te lembras a que horas veio buscar doutor Judd?, no dia em que Vickery

Melbourne foi assassinado.— Perfeitamente, senhor. Eram, mais ou menos, 7h.— Doutor Judd voltou à casa pra ir ao laboratório nesse dia?— Não senhor. Depois das 5h, quando fazia experiência com o senhor Vickery, não voltou

mais ao laboratório.— Obrigado, rapaz. — Disse Jaime, se aproximando da porta do laboratório.Doutor Judd, de pé, diante duma pequena mesa, examinava um líquido qualquer no fundo

dum tubo. Quando notou a presença do inspetor deixou o tubo sobre a mesa e, descalçando asluvas de borracha, ajeitou os óculos, indo até ele.

— Inspetor! A que devo a honra de tua visita? Graças-a-deus fui julgado inocente. Obrigadopor não ter me acusado.

— Nada tens a agradecer, doutor. Não te acusei porque acreditei,desde logo, em tua inocência.— Quero entregar o verdadeiro culpado à justiça, doutor. Mas, pra isso, preciso de teu

auxílio.— Sim, inspetor. Estou a teu inteiro dispor.Os olhos de Jaime corriam em todos os cantos do laboratório, procurando o que vira na

noite do crime. E encontraram, finalmente. Era uma gaiola velha que conservava a portinholaaberta, tal como a vira naquela noite.

O doutor, que não deixara de acompanhar o olhar do inspetor, exclamou:— É um mistério, inspetor, aquela gaiola.— Por quê?, doutor.— Era ali que estava o rouxinol manso de Vick. Não compreendo como possa ter fugido.— Talvez não seja tão misterioso assim. O que Vickery vinha fazer todas as noites neste

laboratório?— Cuidar do rouxinol, inspetor. É estranho, repito, que ele tenha fugido. Além de ser manso

não podia voar porque uma das asas estava partida.— Sim? Tudo isto é muito interessante pra mim. — Disse Jaime, cumprimentando o doutor

Page 83: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

pra sair.Depois de deixar a residência de doutor Judd Mac Carthy inspetor Jaime Patrício foi à mais

próxima drogaria, pedindo o telefone.Inspetor Tom Malloney respondeu do outro lado do fio.— Sim, Jaime. Compreendo. Examinarei tudo e podes ficar descansado, pois arranjarei um

objeto qualquer.— Muito bem, Tom. Porém não te esqueças de que é necessário ter iniciais, ou então o

nome próprio.— Está certo, Jaime. Até logo mais, na Scotland Yard.

IVInspetor Jaime Patrício e capitão Edu conversavam na sala dele, no edifício da Scotland

Yard.— Mas, Jaime. Tens certeza de que o conseguirás prender?— Não sei, Edu. Tenho certeza de que é o assassino mas duvido muito que o possamos

levar ao patíbulo. Em todo caso, sempre há outros métodos, como...A porta da sala foi aberta, nesse momento, e Tom entrou, contente.— Consegui, Jaime. — Disse Tom, entregando uma chateleine,{9} onde, no reverso, estavam

gravadas duas letras.— Tiveste dificuldade em a obter?— Não muita, Jaime. Porém tenho certeza de que ninguém notou minha presença.Dez minutos mais tarde, inspetor Jaime e Tom, em companhia de capitão Edu, saltavam dum

carro, diante dum prédio situado no Crescente do Parque. Fizeram soar a campainha da casasem cerimônia, até que um criado, todo de preto, foi abrir.

— Com quem desejais falar?— Quero ver Jeová Carlington. — Disse Jaime.— Fazei o favor de entrar. A quem devo anunciar?— Não é necessário, rapaz — Disse Jaime. — Somos velhos amigos. Apenas nos digas

onde o encontraremos.O criado os conduziu, assustado, até o escritório da residência. Jeová Carlington, sentado

atrás duma grande mesa, volveu a cabeça à porta e se ergueu prontamente ao avistar o rosto deJaime.

— O que desejas?— Fazer umas perguntas sobre a morte de Vickery Melbourne.— Nada tenho a dizer. Doutor Judd foi absolvido e o caso está encerrado.— Não. Pensas que está mas sempre gostei de entregar os verdadeiros culpados à justiça.

Além disso não desejo saber sobre o doutor e sim sobre ti— A meu respeito?— Exatamente. Quero que me digas o que fizeste na noite em que Vickery Melbourne foi

assassinado.

Page 84: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Pareces doido inspetor. Mas, enfim... Naquela noite fui buscar Judd, pra jantarmos, comdois amigos, no clube Colonial, onde nos conservamos até as 10h da noite.

— Sim, não duvido disso. — Disse Jaime. Mas o que fizeste antes de entrares na casa dodoutor? Não terias ido, antes, ao laboratório?

— Francamente, inspetor. Não sei aonde queres chegar. Mas isso é um absurdo! —Exclamou o advogado.

— Jeová Carlington, és um grande mentiroso! — Disse Jaime. Os olhos do advogadocintilavam de ódio.

— Como? Ousas me chamar de mentiroso?— E repito, porque naquela noite mataste Vickery Melbourne.Jeová Carlington soltou uma enorme gargalhada mas seu rosto exprimia, perfeitamente, o

medo que tinha.— Antes de entrar na residência foste ao laboratório, levando uma pequena caixa de

madeira, que encontramos.— Sim? Não me faças rir, inspetor. O que eu levava nessa caixa?— Um pássaro! Abriste a gaiola onde estava o rouxinol manso de Vickery e o trocaste pelo

que levavas. Depois foste te encontrar com doutor Judd. Sabias que Vickery iria ao laboratório,cuidar do pássaro, pois conhecias seus hábitos e assim lhe preparaste a morte.

— Pra quê?, inspetor, eu o mataria?— Por causa de Judite Melbourne, Jeová. A amavas e creio que ela correspondia. Eis

porque mataste Vickery Melbourne.— Inspetor! — Exclamou o advogado. Estás te excedendo. Posso te processar por...— Calúnia? — Perguntou Jaime, atirando sobre a mesa uma carta escrita por Judite

Melbourne ao advogado.— Onde conseguiste isso? — Indagou o advogado, com os olhos injetados e encolerizado.— Não é de tua conta. Pra indivíduos de tua espécie costumo empregar meus métodos

especiais. Te prendo como assassino de Vickery Melbourne.— Inspetor, não ignoras — disse o advogado, simulando calma — que o doutor foi envenenado

logo...— Sim? Não te incomodes porque explicarei. Vejas se acerto o que colocaste naquela

gaiola em lugar do rouxinol: Foi um pássaro muito semelhante, que existe na Nova Guiné. É oúnico pássaro venenoso, que os indígenas chamam pássaro-da-morte.{10}

— É mentira! Proves! — Vociferou o advogado. Eu estava no clube...— Sim. Era um ótimo álibi mas aqui está a prova. — Disse Jaime, atirando sobre a mesa a

chateleine, onde estavam gravadas as iniciais J. C. — Foi encontrada dentro do laboratório.Creio que te pertence. Não? Agora também posso explicar as palavras que Vickery traçou naterra. Não terminou o nome que principiara a escrever mas sabia que eras o assassino.Provavelmente conhecia tuas relações com sua esposa.

— É falso! — Gritou o advogado, ao mesmo tempo que sua mão descia, sem ser percebida,ao interior duma gaveta da mesa e subindo empunhando uma pequena automática.

Os três detetives se conservaram como estavam, sem poder fazer gesto, tal foi a rapidez do

Page 85: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

lance inesperado.— Quem te disse que matei Vickery Melbourne?, inspetor.— Tu mesmo!, Jeová.— Eu?— Sim. No dia do julgamento, enquanto defendias doutor Judd, te esqueceste de que eras o

criminoso e te comprometeste, quando falaste acerca da bicada dum pássaro. Ninguém prestouatenção a esta alusão porque você estavas arrebatador, exceto eu, porque aquilo era uma coisaque somente eu e o capitão Edu sabíamos, além de quem matou Vickery Melbourne. Eisporque...

A mão que empunhava a pistola subiu até a altura do ouvido direito. Antes que alguémpudesse impedir o advogado apertou o gatilho.

Jeová Carlington, suicidara.Duas horas mais tarde, na Scotland Yard, capitão Edu olhava, ainda intrigado, a Jaime.— Onde, diabo, achaste aquela chateleine e conseguiste a carta?— Perguntes a Tom, Edu. Foi quem as encontrou... no quarto de Jeová Carlington.— Esses teus métodos ainda nos trarão complicação!, Jaime.— Não faz mal, Edu. Mas hás de concordar que era a única maneira que tínhamos pra o

fazer confessar.— Infelizmente não o prendemos. — Disse Edu.— Mas tudo deu no mesmo. De mais a mais, Jeová Carlington procedeu bem, se matando.

Não quis que seu pescoço fosse parar no lugar do qual salvara muitos.Inspetor Jaime enfiou o chapéu na cabeça e ia saindo quando capitão Edu o chamou.— Aonde irás?— Conversar com doutor Judd. É um bom sujeito...

Page 86: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Osegredodabíblia

I

a pequenina cidade de Warrington, situada no condado de Alencastro, era imensamenteconhecido o excêntrico colecionador de livro raro, Godofredo Smith. O diziam ianque. Naverdade era mas, apesar disso, se considerava inglês.

Residia numa casa de sua propriedade na imediação da rua Três, de um só andar, e tinhacomo único companheiro um velho criado que lhe fazia todo o serviço.

Eram cerca de 9h quando o criado, entrando na biblioteca, anunciou a visita de JorgeParker.

— Jove! Estás ficando velho, meu caro, disse Godofredo Smith, se dirigindo ao criado. Porque não o mandaste entrar?

O visitante entrou e a porta foi fechada. Era um homem alto, bem trajado e, a julgar pelaquantidade de cabelo prateado, devia ter 50 anos.

O escritório onde foi recebido era bem amplo e todo circundado por altas estantesenvidraçadas. Uma larga mesa repleta de papéis e livros ficava, mais ou menos, no centro dasala. Ao lado um velho grupo de couro e em frente um desses relógios enormes, antiqüíssimos,que marcam as luas e o tempo.

Jorge Parker era, também, maníaco em colecionar livro raro e com uma vantagem sobreGodofredo Smith: Era muito rico e os podia adquirir mais facilmente que ele, o que fazia nascercerta animosidade entre ambos. Apesar disso eram amigos e sempre que Jorge Parkertencionava fazer uma compra valiosa ouvia, antes, a palavra de Godofredo Smith.

A maneira como Jorge Parker se instalou na cadeira do escritório do amigo e seu modo defalar denotavam que qualquer coisa de anormal se passava.

— Godofredo, quero te pedir um favor. Se me acontecer algo, mandes chamar o detetiveTom Malloney, de Scotland Yard. É meu amigo e tenho a certeza que virá.

Page 87: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Que idéias são essas?, Jorge. Nunca te vi assim!— Pressinto que qualquer coisa me sucederá!, Godofredo...O criado entrou com uma bandeja, trazendo uma garrafa de uísque e dois copos. A colocou

sobre a mesa e ia se retirando no momento em que Jorge se levantava para se servir, mas nomesmo instante ouviu-se um estalido seco e o corpo dele caiu sobre a mesa.

Patrão e criado, se olharam, espantados.— Chames um médico! Depressa!, Jove.— Godofredo, penso que teve algo. Ó! Está morto... Vejas! — Apontou a um filete de

sangue que escorria por trás da cabeça.— Creio que é melhor chamar a polícia, patrão.— Sim, Jove, chames. Pobre Jorge!Sargento Higgins, do posto policial de Warrington, chegou meia hora depois, acompanhado

pelo médico. Era um homem baixo, gordo e conhecido entre seus colegas pela alcunha deCabeçudo.

Tivera participação em todos os crimes cometidos naquela pacata cidade e se ufanava deter prendido todos os criminosos mas, na verdade, só sabia dizer É evidente. Creio, mesmo, quenunca pensou em coisa alguma, exceto em comer e dormir. Essa é a razão porque há dez anospleiteava nomeação, sem sucesso.

Entrou no escritório gesticulando e mal viu o cadáver, se dirigiu a Godofredo Smith:— Estás preso. O mataste. Não é? Ã! ... Bem... é evidente.— Senhor Higgins, não matei. Este homem, que está morto, era meu amigo Jorge Parker.

Veio àqui pra falar comigo quando foi assassinado. Não sei como nem por quem. Isso competea ti. Meu criado poderá confirmar minhas palavras, pois estava presente quando ele caiu morto.

— Ê!, doutor. Alguma coisa?— Nada de mais, sargento. Arma pequena, calibre 22.Sargento Higgins providenciou a remoção do corpo e, depois de examinar toda a sala,

disse:— Aquela janela estava aberta?, senhor Godofredo.— Sim, sargento.Depois de responder a pergunta do sargento, Godofredo Smith contou a conversa que tivera

com Jorge Parker.— Muito bem, senhor. Mas creio que te levarei ao posto. Sinto muito mas tenho de cumprir

meu dever.

IICapitão Edu Brown, da Scotland Yard, estava em sua mesa de trabalho, quando o detetive

Malloney entrou.— Tom, aqui está uma carta pra ti.O rosto do detetive foi se transformando à medida que os olhos corriam no papel.— Algo mau?, Tom.

Page 88: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Sim, chefe. Leias.— Podes embarcar, Tom. Terás sete dias de licença.Sentado no assento do trem que o conduziria a Alencastro, Tom se lastimava não ter

encontrado seu companheiro Jaime Patrício pra se despedir. Era a primeira vez que trabalhariasozinho. Abriu a carta mais uma vez e leu:

Senhor detetive Tom Malloney.Quando receberes esta tomes o trem a Alencastro e te dirijas ao posto policial da cidade de

Warrington. Teu amigo Jorge Parker foi assassinado. Me encontrarei contigo no posto policial. — Quem seria esse sujeito? — Pensou Tom.Godofredo SmithQuando entrou no posto policial de Warrington, foi atendido por um policial.— Procuro um homem chamado Godofredo Smith.O policial o introduziu numa sala onde estava sentado sargento Higgins. Tom Malloney

apresentou sua credencial e pediu ao sargento que o levasse à presença do comandante doposto.

— Perfeitamente, senhor. — Respondeu, afavelmente, sargento Higgins, a quem aqueleinesperado conhecimento com um verdadeiro detetive de Londres dava imensa satisfação.

Tom entregou a capitão Hoggart, chefe do posto, uma carta de capitão Edu Brown.— Teremos muito prazer em ter tua colaboração neste caso. — Disse Hoggart, após ler a

carta. — Sargento Higgins trabalhará contigo.— Muito obrigado. Se me permites, desejo falar com um homem chamado Godofredo Smith,

que deve estar aqui, me esperando.Sargento Higgins o conduziu ao homem que procurava e a quem Tom se fez apresentar.— Foi muita gentileza de tua parte ter vindo, senhor. — Disse Godofredo. Eu e Jorge

éramos amigos e nada mais faço além de atender a seu último desejo.— Último desejo? — Perguntou Tom.Godofredo Smith relatou tudo o que se passara na noite em que Jorge fora assassinado.— Ele previa, então, o que lhe aconteceu! — Exclamou Tom.— Sargento, sabes algo da vida de Jorge nesta cidade?— Muito pouco. Sei que tem um filho que não tem muito boa fama na redondeza. Prendi este

colecionador de livro raro. — Apontando a Godofredo Smith — Ele o criado eram os únicospresentes quando cheguei.

— Sim. — Disse Tom — Mas acho que o criado não está aqui. Creio, sargento, pelo queouvi, que este homem não é culpado. Se Jorge morreu com um tiro atrás da cabeça e este homemestava justamente diante dele, como poderia ter disparado o tiro?

— Sim. É evidente. — Respondeu sargento Higgins.— Não há motivo, pois, pra este homem estar preso.

III

Page 89: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

O detetive Tom Malloney estava sentado a uma mesa dum pequeno hotel de Warrington. Hátrês dias que estava naquela cidade e nada conseguira sobre a morte de Jorge Parker. Naqueleinstante seu pensamento estava em Jaime Patrício, e no que estariam pensando dele os rapazesdo posto policial da cidade.

— Ó! Se Jaime estivesse aqui!... Era o único homem que me poderia ajudar...O que intrigava a Tom, era o fato da janela do escritório onde Jorge Parker fora assassinado

estar aberta. O tiro, sem dúvida, partira dali, mas qualquer pessoa teria deixado marca desapato na terra e, demais a mais, chovera em Warrington no dia anterior. Mas nenhuma pegadafora encontrada no terreno. A única pessoa que teria interesse em liquidar o velho Parker eraseu filho Carr, pois herdaria toda a fortuna. Mas como poderia se aproximar da janela,desfechar um tiro no pai e fugir sem deixar marca no solo? Estava meditando sobre isso quandoa voz de sargento Higgins o despertou de seu pensamento.

— Venho da casa de Carr Parker e consegui saber umas coisas que deixam o rapaz em máposição. Um empregado me disse que o patrão tivera uma discussão com o filho na noite em quefoi assassinado. Ouviu Carr ameaçar o pai por ele estar empregando toda a fortuna na comprade livro raro.

Sargento Higgins, enquanto falava, não cessava de passar o lenço no rosto. Suava em bica eparecia agitado.

— Creio que é evidente, inspetor Tom. Tom deu um soco namesa.

— Há três dias que só sabes dizer É evidente a tudo e até agora, sargento, ainda não pudever algo que fosse evidente.

— Ó!, inspetor. Minha dedução é a seguinte: Carr sabia que o pai veria Godofredo Smith.Saiu atrás dele e até lá se dirigiu, também. Da janela que estava aberta matou o pai, pois tudoque o velho tinha ele sabia que lhe pertenceria. Portanto, pra que o velho não continuasse agastar na compra de livro, resolveu o liquidar.

— Bela teoria!, sargento... Creio, então, que só nos resta prender o rapaz. Agora escutes.Como é que o rapaz não deixou pegada no terreno? Penses, sargento, antes... de falar.

— É, isso é verdade. Com-os-diabos! Já prendi o rapaz.— Vamos ao posto, sargento. Quero ver esse rapaz.

IVCarr Parker era um jovem de estatura mediana, cabelo castanho e extremamente pálido.Respondeu, embora muito nervoso, a todas as perguntas que o detetive Tom Malloney fez, e

acrescentou:— É verdade que discuti com meu pai por ele estar gastando muito dinheiro com livro raro

mas tens de acreditar em mim, inspetor. Não... matei... meu... pai...Sargento Higgins apreciava, num canto, o interrogatório, quando um policial se dirigiu a ele.— Sargento, aí está um homem que te procura. É um tal Miguel Curtis. É a terceira vez que vem

àqui te procurar.

Page 90: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Com mil bombas! O Diabo que o carregue! A ninguém atenderei! Não vês que estouocupado?

— O quê? — Perguntou Tom, que ouvira as últimas palavras do policial. Miguel Curtisaqui, em Warrington, e no posto policial? O mandes entrar. Disse o recém-vindo:

— Olá, Tom. Não sabia que estavas aqui!— Sim, estou investigando um crime.— Jorge Parker?— Sim.— Pois olhes: Estamos aqui pelo mesmo homem. Vim receber, do herdeiro, o resto da

quantia que me deve pela compra duma bíblia antiqüíssima que vendi e o jovem não quer pagar.Trouxe a duplicata do recibo da quantia que recebi em sinal. O filho não quer pagar e queroreaver o livro.

— Te devolverei o livro. — Disse Carr Parker, que ouvira a narração de Miguel emsilêncio. Meu pai está morto e o livro de nada me serve pra que eu te dê três mil libras por ele.

— Sargento Higgins! Mandes um policial acompanhar senhor Carr até a residência dele eprovidencies que meu amigo consiga reaver o livro.

— Obrigado, Tom, e até a vista. — Disse Miguel Curtis, se despedindo.A porta acabara de ser fechada quando vieram entregar a Tom uma carta. Abriu o envelope

e leu:Os amigos costumam se despedir quando embarcam mas estou vingado porque estás em

apuro. Mesmo assim ainda te desejo felicidade. — JAIME.P. S. — Tolo. Quando está provado que é impossível um tiro ter sido disparado de fora é

claro que...

Quando Tom acabou de ler a carta deu uma enorme risada.— Mas é verdade! Que tolo sou! Como é que Jaime pôde estar a par de tudo! É um

assombro. Mesmo de longe ainda me ajuda.Tom ia saindo do posto quando o telefone tocou e o chamaram.— Alô, Tom. É Miguel. Estou falando da casa de Carr Parker. Ainda não encontramos a

bíblia.— É esquisito, Miguel, mas continuai procurando.Já era noite quando Tom Malloney deixou, finalmente, o posto policial de Warrington.

Atravessou a rua, esbarrando num homem de chapéu preto, desabado sobre os olhos, tendo agola do casaco levantada.

O indivíduo se afastou rapidamente.— Esse homem não me é estranho! Onde é que eu já vi aquele queixo?Tom continuou seu caminho, sem ligar mais importância ao encontro. Uma coisa mais séria

prendia seu pensamento naquele instante.

VMeia hora depois entrava na residência de Godofredo Smith.

Page 91: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Ó!, inspetor. Faças o favor de te sentares. A que devo a honra de tua visita?— Te lembras, mais ou menos, a posição em que caiu Jorge Parker?— Perfeitamente. Jove, meu empregado, acabava de trazer uma bebida e a colocou sobre

minha mesa. Eu estava sentado como agora, nesta mesma posição, e Jorge se levantou pra seservir, quando ouvimos um pequeno estalido.

Tom se levantou, se encostando à mesa, e olhou dela à janela.— Sim. É isso mesmo! — Murmurou consigo mesmo — Não podia ter sido dado da janela.

Obrigado, Jaime.Se tivesse sido ditas em voz alta o obrigado final teria intrigado a Godofredo Smith.— És colecionador de livro raro?, senhor Godofredo.— Sim. É uma mania que tenho.Tom começou a examinar as estantes apinhadas de livro.— A mim parecem todos iguais mas, com certeza, devem valer uma fortuna.— Ó, meu-deus! — Disse, rindo, Godofredo Smith — Nem todos. Não sou tão rico assim

pra poder comprar tantos livros raros.Os olhos de Tom se detiveram sobre um pequenino livro encadernado a couro que estava

entre dois grossos volumes.— Isso me faz lembrar de meus tempo de escola. — Disse, retirando o livro que olhara e

que era uma pequena bíblia.Ao o retirar da estante sua intenção era bem outra da queGodofredo pensara.A contemplou alguns minutos e viu gravadas na última página as palavras Miguel Curtis &

Cia, Antiguidades, Londres.— Isso terá valor? — Perguntou, simulando indiferença.— Não, inspetor. É uma relíquia de família. Godofredo Smith pediu licença a Tom e se

retirou um instante.O tiro partira dali e agora Tom estava certo disso.Encontrara ali a bíblia que Miguel Curtis vendera a JorgeParker. Porque Godofredo dissera que era uma relíquia de família?O grande relógio bateu horas e Tom se virou pra ver. Seus olhos foram do

relógio à mesa e vice-versa.Soltou um pequeno assobio e abriu a porta do relógio. Olhou o interior e não levou muito

tempo pra encontrar, no lugar onde é marcado o tempo, uma coisa preta que lhe chamou aatenção. Antes de a retirar já vira ser uma pequena automática. Tentava a retirar, quando ouviuuma voz atrás de si:

— Fiques onde está, inspetor, e conserve as mãos levantadas. Obedeceu, pois sua situaçãoera de inferioridade e nem trouxera sua automática. Seus olhos faiscavam de raiva quandoencarou a fisionomia risonha e fria de Godofredo Smith.

— Muito fácil, hem..., inspetor. Um processo engenhoso, não resta dúvida. Um pequeno fiode prata colocado sobre o gatilho da pistola com única bala e ligado ao martelo que bate ashoras é o bastante pra detonar. O resto foi muito simples: Bastou atrair Jorge e o colocar naposição adequada no momento em que visse que o relógio bateria horas.

Page 92: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Jove era meu álibi. Eu precisava que uma pessoa estivesse presente para poder meinocentar. E nem suspeitou que me fora de grande auxílio trazendo a bebida.

Mas em teu caso não preciso testemunha, pois mandei levar um recado a ti. Desconfiei quejá descobriste, inspetor.

— Por que mataste Jorge?— Era meu concorrente. Tinha muito dinheiro e podia comprar todos os livros. E esta bíblia

sempre foi minha paixão...A história desta bíblia, inspetor, é muito singular. Dizem que todos seus proprietários

morreram tragicamente.— E ela te levará à forca, Godofredo!— Não me faças rir, inspetor. Amanhã ninguém mais se lembrará do inspetor Tom

Malloney. Já reservei a ti um belo lugar pra moradia. E te dês por feliz, pois terá madressilvaencima.

Tom Malloney sabia que aquele homem estava perdido e tudo faria pra se salvar. Suaspernas tremeram ligeiramente ante tal pensamento.

A porta do escritório se entreabriu e uma voz gritou:— Não te movas!, Godofredo.Ele pulou ao lado e atirou em direção à porta, no mesmo instante em que o outro também

atirava. A bala de Godofredo Smith encontrara a porta e a do outro o fizera tombar inerte comum grande buraco no centro da testa.

O homem entrou na sala e Tom exclamou:— Jaime! Tu!.. .— Sim, Tom. cheguei a Warrington um dia depois de ti. Me inteirei de tudo mas não quis

aparecer, pois desejava te ver trabalhando sozinho e garanto que não apareceria se este sujeitonão tentasse... Fizeste um bom trabalho, Tom.

— Mas, Jaime, como foi que viste que Godofredo era o criminoso?— Ora, Tom. É muito conhecido nas prisões ianques. Cumpriu sentença em muitas por

crime de furto. Há uns dez anos chegou à Inglaterra e a polícia ianque nos comunicou mas nuncaconseguimos encontrar o homem. Quando recebeste aquela carta e Edu Brown me disse quem ahavia mandado e me contou quem era realmente Godofredo Smith, resolvi embarcar também.

Sargento Higgins chegou pouco depois e olhou o corpo de Godofredo.— Santo Deus! O mataram!— Eis teu homem, sargento. — Disse Tom. Higgins olhou a Jaime.— O mataste!, hem! Pois teremos muito a conversar.— Sim, matei. Sou o detetive Jaime Patrício, da Scotland Yard.— Jaime Patrício, o grande detetive?!— Em pessoa, sargento, mas, sem o grande. Este homem é o assassino de Jorge Parker.Os dois detetives estavam sentados no trem que os levaria de volta a Londres e sargento

Higgins se despedia deles.Quando a pesada locomotiva principiou a se mover, lentamente, sargento Higgins disse:— Creio que agora terei minha nomeação!Jaime Patrício e Tom Malloney responderam ao mesmo tempo:

Page 93: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— É evidente, sargento…

Page 94: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

AquadrilhadoCapuzNegro

I

o número 15 da rua Wapping, no bairro miserável de Shadwell, onze pessoas estavamreunidas numa sala pobremente iluminada. A casa pertencia a um carreirão de residênciasantigas de dois pavimentos, todas do mesmo tipo e pintadas em tijolo escuro.

Os homens ali reunidos tinham o rosto coberto por um capuz negro, através do qualapareciam só os olhos, que não se poderia dizer se denotavam medo, ansiedade, avareza,argúcia ou crueldade.

A verdade é que, os que estavam reunidos, pertenciam à quadrilha do capuz negro.Roubavam e matavam a sangue frio. Eram os autores dos assaltos mais habilmente preparados evárias eram as companhias e bancos que roubaram.

O que planejavam era difícil escutar e somente se conseguia ouvir uns sons guturais quepartiam da boca dum homem, que a julgar pelo lugar que ocupava à mesa, deveria ser o chefe.

Nenhum deles pressentia, no entretanto, o que se passava do lado de fora da casa. Osagentes da Scotland Yard a estavam cercando.

Eram vinte policiais reforçados, sob a chefia do capitão Edu Brown e de Jaime Patrício, oás dos detetives.

A chuva miúda impacientava os policiais, que já queriam entrar em ação.Jaime Patrício cercaria a casa pelo fundo enquanto capitão Edu forçaria a entrada e Tom

Malloney protegeria a saída.Cada um dos três tinha meia dúzia de homens resolutos e bons atiradores. Disse Jaime:— Capitão Edu, entrarei pelo fundo. Quando eu apitar forces a entrada. Temos toda a

quadrilha nas mãos e não poderemos deixar escapar.Quando o silvo do apito soou, quebrando o silêncio que reinava, as luzes da casa se

Page 95: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

apagaram e rompeu a fuzilaria.Jaime Patrício entrou quase no mesmo instante em que a porta da frente voava em pedaço e

os homens de capitão Edu se precipitavam ao interior do aposento, com as armas vomitandofogo.

— Acendas as luzes!, chefe. — Berrou Jaime — Estão escapando.Em poucos minutos as luzes foram acesas. Dos homens que ali estavam somente um ficou, e

esse mesmo estava morto.Jaime levantou o capuz e não se importou mais com o homem.— Um pistoleiro barato, — disse Edu — conhecido pelo nome de Boneco. Creio que desta

vez escaparam.Foi interrompido por um gemido que partia de trás duma mesa virada.— Morgan! — Disse Edu — Te feriram?— Foi... o chefe... Jaime... o conheces... é...O nome que Morgan ia pronunciar não chegou a escapulir dos lábios e a cabeça pendeu

inerte a diante.— O mataram, chefe. — Disse Jaime, entre dentes.

IICapitão Edu Brown estava triste e aborrecido, sentado em seu gabinete de trabalho, na

Scotland Yard.Dera ordem a seus subalternos pra que não o incomodassem naquela tarde. Queria estar só,

devido à morte dum de seus mais prestimosos agentes, inspetor Morgan.Essa ordem não se estendia, naturalmente, à pessoa de Jaime Patrício, que, desde longos anos,

era o braço direito de seu chefe.A porta se abriu, dando passagem ao ás dos detetives, inspetor Jaime Patrício.Capitão Edu ergueu os olhos a ele e murmurou um alô, Jaime, distraído.Tanto um como outro bem sabiam que a coisa não poderia estar pior. Fracassaram no cerco

no qual poderiam ter apanhado toda a quadrilha. As palavras que Edu Brown pronunciara nãotiveram, pois, outro intuito além de romper o silêncio.

— Chefe, escaparam por minha causa. Eu deveria ter previsto que a casa se comunicavacom a outra, pois são de meia-parede. E também me sinto responsável pela morte de Morgan.

— Não, Jaime. Não deves falar assim, pois a culpa não foi tua nem minha. O destino foiquem assim quis. Tens idéia de quem sejam os homens dessa quadrilha?

— Penso que todos os membros são pistoleiros baratos do tipo de Boneco, exceto um, ochefe, que deve ser pessoa importante. Mas garanto que o pegarei. Agora mais que nunca, metemerão. Mataram um de meus melhores amigos e os perseguirei até ver todos balançando naforca. As palavras que Morgan proferiu antes de expirar ainda me estão queimando os ouvidos!

Edu Brown tamborilava os dedos sobre a mesa e entregou a Jaime os jornais da tarde quefalavam do cerco malogrado e da morte do inspetor, com o fim de ver se o acalmava, pois ocapitão enquanto ele falava, notou que seus lábios tremiam de cólera e seu rosto se contraia à

Page 96: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

medida que sua voz se tornava mais forte.Jaime deu uma olhada nas páginas do jornal e o atiraria sobre a mesa quando um pequeno

anúncio em negrito lhe chamou a atenção: Quereis pertencer a uma associação que vos darábom lucro? Respondei nesta folha à D. Não precisareis de capital, basta vossa cooperação.

— Ei, chefe! Leias isto. É o anúncio que tem relação com o bando que procuramos. Dessa veziremos agir com mais cautela. Tenho um plano que talvez dê resultado.

— Escutes, Jaime. Não irás te certificar disso. Não estou disposto a perder outro homem e,demais a mais, és meu melhor agente e eu não te deixarei arriscar a vida inutilmente.

— Não, Edu. Morgan, ao morrer, disse que eu conhecia o chefe da quadrilha. Não tenhoidéia de quem seja e como é provável que me conheça, não me quero arriscar. Poderíamos fazerum de nossos agentes enviar a resposta, mas como é provável que o homem que dirige essaquadrilha esteja a par de nossos movimentos isso seria levarmos o homem aos braços da mortesem proveito pra nós. Esperaremos que alguém responda e, então, só teremos que aguardar deperto o acontecimento.

— Estás com a razão, Jaime. Temos que ter muita cautela nesse caso.— Vou andando porque ainda tenho muito a fazer.A porta se fechou atrás do detetive Jaime Patrício e o capitão Edu Brown se inclinou a

diante, atendendo ao telefone que acabava de tilintar.

IIIA última edição do Times saíra meia hora antes de Jaime pedir ligação ao gabinete de seu

chefe.— Alô, Edu. Aqui é Jaime. Leias a última página do Times. Está muito interessante.— Olhes, Jaime. Sei o que estás querendo dizer, pois também estava te procurando pra

mesma coisa. Creio que já poderás agir. Se bem que seja desnecessário, advirto que deves termuita cautela. Estamos trabalhando no escuro.

Jaime Patrício desligou o telefone e, tomando o jornal entre as mãos, abriu pra lernovamente o que tanto o interessava:

Senhor D. Acho que tua associação me interessa. Aguardo tuas ordens. – Jolly Dorth.Jaime ia murmurar consigo mesmo qualquer coisa, quando a porta de seu apartamento foi aberta

e Tom Malloney entrou, satisfeito.— Tom, irei à chefatura. Quero que procurares saber onde mora uma pessoa chamada Jolly

Dorth.— Hum! É bonita?, Jaime.— Talvez seja. Ainda não tive o prazer de conhecer.Ao contrário do que sempre fazia, Jaime, nesse caso, não guardava segredo a seu auxiliar.

Assim lhe explicou, em breves palavras, tudo que precisava fazer e explicou todo seu plano.Perto da praça Piccadilly os dois detetives se separaram.Jaime encontrou seu chefe às voltas com os jornalistas, quando entrou em seu departamento,

na Scotland Yard.

Page 97: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Jaime, — disse o capitão Edu ao o ver — chegaste a tempo. Roubaram o bancoWestminster. Foram eles.

— O quê?!, Edu. A que horas foi isso?— Cerca de uma hora. O guarda deu o alarme e foi ferido mas um dos assaltantes foi morto

por ele. Estavam com os capuzes negros cobrindo o rosto.— Edu, não quero perder tempo. Vamos ao necrotério, pois preciso ver o corpo do sujeito.Na mesa da morgue o homem que estava deitado apresentava um orifício feito por bala um

pouco acima da vista direita. A seu lado estava um capuz preto.Jaime revistou os bolsos do morto e não encontrou mais que a quantia de 1 xelim e um

pequeno papel dobrado. O guardou no bolso, saindo.— Chefe, vejamos o guarda. Quero lhe fazer umas perguntas.— Não creio que esteja em condição de falar mas tentaremos. No hospital foram

levados ao quarto do policial.— O que foi isso?, João. — Perguntou Jaime.— Ó!, inspetor. Me pegaram. Eram cinco e mal tive tempo de dar o alarme mas penso que

acertei um deles. Não os pude ver. Estavam com as faces cobertas.— Pegaste um deles, sim, João. Fizeste uma boa pontaria.O guarda mostrava sinais de fadiga e os dois agentes se retiraram em silêncio.— Parece que não está muito ferido. Capitão, sabes quanto conseguiram levar?— Um dos diretores me falou em dez mil libras.— Creio que, apesar de tudo, ainda continuaremos onde estamos. Não temos pista.

IVEram oito horas da noite, quando Edu Brown entrou em seu gabinete, seguido de Jaime.

Tom Malloney já os esperava.— Tudo bem, Jaime. Encontrei a residência da tal dama. Mora em Glaucéster.Jaime se despediu do chefe e desceu a escadaria do edifício, acompanhado por Tom.Um automóvel fechado estava parado a uns 20m quando os dois detetives ganharam o

passeio.O chofer pôs o carro em movimento e, com um rápido golpe de direção, o guiou de encontro

a eles.Jaime pressentiu a manobra do homem e previu o que iria acontecer. Empurrou Tom ao lado

no instante em que o carro, subindo o passeio, batia contra a parede.Correu atrás do homem, que deixara o carro e fugia desabaladamente.— Estavas com pressa, hem!, amigo. — Disse Jaime, o segurando pela gola do casaco.

Agora me dirás, direitinho, quem te pagou pra isso.— Não sei de coisa alguma, seu...Jaime deu um soco que o atingiu em cheio no rosto.— Não costumo ter contemplação com indivíduo de tua espécie e não gosto quando me

insultam. Agora darás uma voltinha comigo até lá em cima. Quero saber de muita coisa.

Page 98: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Falarei, Falarei, inspetor, mas me matarão...Jaime e Tom só tiveram tempo de se atirar ao chão, no momento em que ouviram os

primeiros estampidos partirem dum carro que passava naquele instante.O chofer que Jaime prendera estava debruçado sobre os primeiros degraus da escadaria da

Scotland Yard quase cortado ao meio. Exclamou Tom:— Metralhadora!— Provavelmente o pagaram para que me liquidasse e seguiram seus passos pra ver se

cumpria o que lhe fora confiado. Quando o peguei temeram que o sujeito os denunciasse eresolveram o liquidar.

— Vi Tigre no carro, Jaime.— Bem, Tom, vamos até lá em cima. Preciso ver Edu.Jaime relatou a seu chefe o sucedido e pediu que mandasse providenciar a remoção do

corpo.— Creio, — disse Edu — que aquelas balas eram pra ti também. Tenhas cuidado.— Não me matarão, chefe, enquanto eu não liquidar conta com o homem que matou Morgan.— Estão munidos de metralhadora. — Disse Tom, apartando.— Sim, chefe. É verdade. É preciso que estejamos aparelhados pra lhes fazer frente.— É melhor que descanses, Jaime. — Disse Edu — Falarei com os chefões e conseguirei as

armas que necessitamos.Jaime e Tom se dirigiram até casa.Tom guiava o carro da polícia com todo o cuidado em virtude da rua estar molhada. O rádio

do carro ditou uma ordem.Chamamos todos os carros, todos os agentes e policiais. Se procura um homem de 1,60m de

altura, cabelo ruivo, olhos verdes, com uma grande cicatriz na face. É Merrill, saído deSingue-Singue há pouco tempo. É conhecido pela alcunha de Tigre. A ordem é atirar pra matar.

Jaime desligou o rádio.— Parece que Edu não está dormindo mas acho difícil que o encontrem. Provavelmente

ouviram essa mensagem e Merrill será, agora, para eles, um inutilizado. Ficará na reserva e emlugar seguro. Não se arriscarão a o deixar a nosso alcance.

VO dia seguinte surgiu encontrando a velha Londres coberta por uma densa cerração.Os dois detetives estavam sentados num trem com destino a Glaucéster. Disse Jaime:— Creio que deveríamos ter avisado Edu, pois, além de nós dois, ninguém sabe dessa nossa

viagem. E mesmo, talvez, precise de nós.O trem corria e Tom olhava a vegetação que se estendia ante seus olhos:— Creio que o nevoeiro não levantará tão cedo.Jaime Patrício acabara de ler um papel dobrado em quatro que retirara do bolso.— Com mil diabos! — Exclamou, se dirigindo a Tom — Se entendo o que significam estas

palavras: Horse Campbell. 20 de maio de 1908. Ponhas o A A, o B B, o L L e empurres, A 3.(Os segundos A, B e L estão escritos de pernas ao ar).

Page 99: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Tom, que se inclinara sobre o papel que Jaime tinha entre as mãos, soltou um grunhido.— Caramba!, Jaime. Onde achaste esse negócio? Parece um hieroglifo.— O que é não sei mas tenho certeza de que este papel contém a chave duma coisa que

muito nos interessa.Logo que desembarcaram, Jaime Patrício foi ao posto policial de Glaucéster. Foi dizendo

ao chefe do posto, ao mesmo tempo que mostrava a credencial.— Sou inspetor Patrício, da Scotland Yard. Desejo que me informes onde fica a residência

duma moça chamada Jolly Dorth.— Pois não, inspetor. Esta senhorita é muito conhecida em nosso condado. É órfã e vive

com uma velha ama numa fazenda que o pai lhe deixou, situada no vale do Avão. O caminhodeve estar péssimo, devido à chuva que caiu ultimamente. Poderei arranjar um guarda pra teservir de guia.

— Muito obrigado, capitão, pela gentileza, mas creio não haver necessidade disso. Trouxecomigo meu auxiliar.

Jaime se retirava num carro que o chefe do posto lhe pusera à disposição, quando ouviu avoz dele:

— Sigas por Brístol, inspetor. A fazenda fica naqueles lados.A fazenda ficava na região dos vales que compreendem as terras baixas situadas ao longo

do Severno e do Avão, e que desembocam em Brístol.Se bem que com alguma dificuldade, os dois detetives chegaram à casa de Jolly Dorth.Era uma casa das que se encontram comumente nas fazendas típicas do lugar.Toda caiada de branco, com janelas verdes, deixava ver aos visitantes que se aproximavam

uma larga e comprida chaminé.Jaime Patrício bateu, esperando que se apresentasse um rosto jovem.Uma senhora gorda, trajando humilde vestido de chita foi quem os convidou a entrar.— Senhorita Jolly Dorth?— Não, senhor. Sou Mabel Carlington. Jolly saiu mas não deve demorar. Fazei o favor de

entrar.— Sou inspetor Jaime Patrício, da Scotland Yard e este é meu auxiliar, Tom Malloney.Os dois detetives se instalaram confortavelmente em cômodas poltronas e a mulher gorda,

se retirando ao interior, os deixou em situação embaraçosa.Bateram à porta e Mabel foi, apressadamente, abrir, dizendo.— Querida Jolly, temos visita.A moça que entrou na sala não aparentava ter mais de vinte e três anos.Era extremamente linda, com cabelo maravilhosamente dourado. A pele mostrava que a

dona estava acostumada à vida do campo e seus olhos, brilhantes, refletiam tenacidade e forçade vontade.

Quando olhou os dois homens sentados diante de si teve um pequeno movimento desobressalto, o que não passou despercebido aos dois inspetores.

— Em que vos posso ser útil?, senhores.— Sou inspetor Jaime Patrício, senhorita. Não sei bem como principiar. Minha missão é

delicada. Já ouviste falar dos assaltos em Londres?

Page 100: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Sim, senhor, inspetor. Tenho lido nos jornais.— Muito bem, senhorita. Esses assaltos foram cometidos por uma quadrilha conhecida pelo

nome de Capuz Negro. Verdadeira associação e todos os membros são recrutados através deanúncio.

Jolly tremeu ligeiramente ante as palavras do detetive. Jaime prosseguiu:— Não posso dizer a missão que confiam a essas pessoas, porque, sendo franco, não sei.

Essa quadrilha é dirigida por um homem importante, cuja identidade é desconhecida, e penso,mesmo, que nenhum de seus membros conhece o chefe sem o capuz. Além de roubo praticaramvários crimes. Vi que tinhas respondido a um desses anúncios.

Enquanto Jaime falava, a moça não cessava de o contemplar.— Agradeço por tudo que disseste. Se é verdade, me prestaste um grande favor. Só

respondi a esse anúncio porque julguei ser uma associação em que de fato eu pudesse ganharalgo, pois desde que papai morreu tenho lutado com muita dificuldade. Hoje me enviaram umagente que me daria todas as informações. Creio que tuas palavras são verdadeiras, inspetor,porque o trabalho que me confiou era o de vigiar um homem que, pelos sinais fornecidos, és tu.

— O quê?! — Exclamou Tom, que até então estivera calado. — Sabem que estamos aqui,Jaime e isso significa que andam vigiando nossos passos. Senhorita, te lembras dos traços dessehomem?

— Sim. Era um homem de estatura normal, com uma grande cicatriz na face, ao qual eudeveria levar todas as informações a uma casa na floresta Dean. Me deu 50 libras.

— Ei!, Jaime. Ouviste? Cicatriz!— Esse homem, senhorita, — disse Jaime — é procurado pela polícia de Londres por

crime de morte. Seu verdadeiro nome é Merrill, porém, todos o conhecem pelo nome de Tigre.— O inspetor me procura? — Disse uma voz vinda da porta. Jaime e Tom não puderam

fazer movimento e se limitaram a erguer as mãos ante o cano ameaçador das automáticas quedois homens lhes apontavam.

— Creio que chegamos a tempo. Não?, inspetor Jaime. — Betinho, os amarres bem. —Disse, se dirigindo ao companheiro.

Os dois detetives foram amarrados e jogados a cima dum sofá. Os olhos de Jaime não secansaram de olhar a porta do fundo.

— Eu devia vos liquidar. — Rosnou Tigre — E a ti também, belezinha. — Disse, segurandoJolly por um braço. Mas te levarei a um lugar bonito. Teus amiguinhos ficarão aqui mesmo.

Jolly foi arrastada a fora e foi ouvido o barulho dum motor em movimento.Ficaram pouco tempo naquela posição porque o que Jaime temia que acontecesse enquanto

Tigre ali estava sucedeu depois da partida dele.Mabel Carlington entrou na porta do fundo e ao os ver naquela situação soltou uma

exclamação abafada e tratou de os desamarrar.— Jolly! Onde está Jolly?— Te tranqüilizes. — Disse Jaime — Não corre perigo.Jaime fazia o carro correr a grande velocidade, apesar da péssima condição da estrada.

Estava impaciente e seus olhos brilhavam de ódio. Perguntou Tom:— Aonde vamos?

Page 101: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Te lembras da casa que a moça disse? Tigre nunca foi muito esperto e sempre pensoupouco. Estou com palpite que os pegaremos.

A silhueta duma casa se desenhou ao longe e Jaime, estacionando o carro numa moita, foi,cautelosamente, a ela.

Retirou a automática do bolso e Tom o imitou nesse movimento.— Se reagirem atires.Duma janela olharam o interior. O que viram fez crescer a raiva e o sangue gelou nas veias.Jolly estava amarrada e amordaçada no meio da sala, sentada numa cadeira. Tigre estava

diante dela, sem paletó, empunhando uma chibata.Os dois detetives viram o chicote se levantar e cair em cheio sobre o corpo da moça.A porta não resistiu ao golpe dos dois agentes da Scotland Yard. Jaime atirou de lado

visando Betinho, que caiu em cheio no chão, com as mãos no peito. Ia apontar a Tigre mas elejá estava desarmado e sendo chicoteado por Tom.

— Miserável! — Berrava Tom enquanto o açoitava.Tigre se atirou ao chão e qualquer coisa brilhou nas mãos mas não chegou a usar porque

uma bala certeira da automática de Jaime o atingiu na cabeça.Jolly, depois de desamarrada, agradeceu aos dois detetives e sorriu debilmente pa Tom.Jaime revistou os bolsos dos dois bandidos e em cada um deles encontrou um papel idêntico

ao que já possuía.Deixaram Jolly Dorth em sua casa e voltaram ao posto policial de Glaucéster.Jaime relatou ao chefe do posto o sucedido e mandou providenciar a remoção dos corpos.

Se despedindo, pediu que vigiasse a casa da floresta, não permitindo que alguém nela seinstalasse até comunicação de Londres.

— Certo, Tom. Agora regressaremos. Nossa vinda não foi toda inútil.

VIA primeira coisa que Jaime Patrício fez ao chegar a Londres foi tomar uma pequena

refeição. Em seguida foi à Scotland Yard.Capitão Edu Brown estava mal-humorado naquela manhã.— Jaime! Onde diabo estiveste? Há dois dias que te procuro e ninguém sabia onde estavas.— Não precisas ficar aborrecido, chefe. Estive dando um passeio em Glaucéster.— Glaucéster! Não queres que eu fique aborrecido e quando penso que estiveste na pista

dalguma coisa me dizes, com a cara mais cínica, que andaste passeando. Sou muito amigo, éverdade, mas isso não quer dizer que não te possa advertir. Ainda sou teu chefe.

Jaime soltou uma risada ante as últimas palavras do capitão Edu e o tranqüilizou, contando,rapidamente, todo o sucedido, inclusive a morte de Tigre.

— Bom trabalho, Jaime. Mas devias ter me avisado antes de ir. Jaime se despediria dochefe, quando foi convidado a se sentar.

— Jaime, aconteceram dois casos em tua ausência. Fomos certificados, por telefonemaanônimo, de que a quadrilha está explorando o negócio de entorpecente. Localizamos achamada, que partiu duma drogaria na travessia Charing, mas até agora nada conseguimos. O

Page 102: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

segundo caso é de menor importância. Um antigo sentenciado foi assassinado e seu corpoatirado na escadaria deste edifício. O homem trazia um cartaz nas costas, preso por uma facaenterrada até ao cabo, que dizia: Assim fazemos aos delatores. Não sabemos quem o matou.

— Está claro, chefe, que era o homem do telefonema. As duas coisas se completam.— É verdade! Ando tão preocupado que nem pensei nisso.— O homem disse algo que nos pudesse auxiliar?— Sim. Disse que os entorpecentes eram lançados pra entrar em circulação por meio duma

pequena embarcação com o nome de More. Demos uma busca em todo o Tâmisa e nem sombrado barco.

— Chefe, eu gostaria de ir dar uma volta até as docas. Queres ir também?— Certamente.O dia não estava muito favorável a uma busca nas docas.Um intenso nevoeiro se estendia em todo o Tâmisa, reduzindo muito a visão.Edu, Jaime, Tom e Sullivan seguiram, em silêncio, nas docas. Jaime se aproximou dum

velho canoeiro, ao qual salvara a vida uma vez e lhe bateu nas costas.— Olá!, inspetor. O senhor aqui?— Então, José. Como vão os filhos? Sabes se há alguma embarcação aí, chegada nestes

dois últimos dias, com o nome de More?— Não vi alguma com esse nome, inspetor. Posso garantir que de anteontem a cá só

entraram duas pequenas embarcações: A Virgem dos mares e uma que não conheço, cujo nome éMobeston.

— Escutes, José. Podes nos levar até lá? Quero dar uma olhadela nesse barco.A pequena canoa oscilava de encontro ao casco da pequena embarcação.Em letras brancas se lia o nome de Mobeston. Jaime, depois de olhar as letras do nome

alguns instantes, disse a Edu:— Ê!, chefe. Esse é o barco que procuramos. É o More. Vejas o R do nome. Não se precisa

muita argúcia pra ver que o trabalho de fazer do R um B foi apressado e as letras finais foramacrescentadas ao nome More. Se pode ver como a tinta está mais clara no fim da palavra.

Os quatro detetives subiram, um atrás do outro, na escada de bordo e foram recebidos portrês homens da tripulação, armados.

— Sou capitão Edu Brown, da Scotland Yard. Quero ver o capitão deste barco.Quando Edu falou, os três homens abaixaram as armas e Jaime aproveitou o momento pra os

desarmar.Não levaram muito tempo procurando o que tinham a certeza, se a informação era

verdadeira, de encontrar ali.Na cabine do capitão acharam várias caixas contendo grande quantidade de entorpecente

que, bem vendido, representaria uma soma considerável.Tom desceu à terra pra providenciar a vinda da guarda do Tâmisa.Não puderam levar os tripulantes porque não era da alçada de Scotland Yard e o capitão Edu

foi o primeiro a reconhecer isso.Depois de tudo legalizado, voltaram à chefatura. Disse Edu:— Creio que pusemos termo a esse negócio.

Page 103: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Era a terceira vez que Scotland Yard se defrontava com a terrível quadrilha e, como dasoutras vezes, fora derrotada.

No cerco malogrado, perderam Morgan. O assalto ao banco foi visto e conseguiram escapulir,levando o dinheiro, e agora haviam devastado o negócio de entorpecente, é verdade, mas o capitãodo navio continuaria ignorado e o homem que Jaime Patrício desejava deitar as mãos continuavasendo incógnita. Se todos esses fatos aborreciam os agentes de Scotland Yard, mais aindainquietavam certa pessoa.

VIINo bairro de Shadwell, em ampla sala duma casa, toda escura, quase quarenta pessoas

ouviam, sentadas em cadeiras nada confortáveis, a voz rouca e trêmula dum homem.Nenhum deles conhecia a identidade do homem que falava e que era seu chefe nem

poderiam dizer se aquela voz que ouviam era natural ou simulada.— Meus amigos, dois traidores já pagaram com a vida o prejuízo que nos causaram. A

polícia descobriu e varejou nosso esconderijo de entorpecente mas o delator já pagou com avida o preço da traição. É preciso que todos vós tenhais cautela em vossos movimentos. Apolícia nos aperta cada vez mais em suas malhas. Nenhum de vós me conheceis e se a polícianos apanhar o prejuízo será somente vosso, porque vos digo que escaparei.

Há um inspetor, na Scotland Yard, que está de posse da chave de nosso esconderijo. Essehomem precisa morrer porque enquanto estiver vivo nossa vida correrá perigo. Nossoesconderijo, na floresta Dean, não mais pôde ser utilizado e nosso barco também estáimpraticável.

Doravante todas nossas reuniões serão feitas em nosso esconderijo principal. Agora prestaiatenção: Darei ordens.

Agente número 11, aprisiones a moça de Glaucéster. A faças vir a esta casa como se fosse amando do inspetor Jaime Patrício.

Agentes 15 e 2, vede se conseguis os papéis que detetive Jaime tirou do bolso de nossosagentes mortos mas evitai violência e tende todo cuidado.

Amanhã assaltaremos o banco União de Capital e o produto será repartido como sempre.Esse assalto não pode falhar e vos lembrai de que não estarei convosco.

A voz cessou. Pouco a pouco a casa se foi esvaziando e a quadrilha se dispersou.Eram 8h da noite quando o detetive Jaime Patrício entrou no gabinete do chefe.— Alô, Edu. Leste os jornais?— Sim. Creio que nada há que nos interesse.— Não achas que o depósito que a Companhia de Melhoramento das Docas fará amanhã, no

banco União, é algo interessante?— Sim, Jaime. Depositarão uma bela quantia. Mas não vejo algo de mais nisso.— Pois não penso assim. É uma quantia capaz de tentar muitas pessoas e conheço várias

que talvez tentem lhe deitar as mãos.Capitão Edu Brown, que estivera sentado, indolentemente, deu um salto da cadeira e,

Page 104: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

tomando o telefone se comunicou com um dos diretores da Companhia de Melhoramento dasDocas.

Depois duns dois minutos de conversa desligou e, se voltando aJaime, disse:— Birman está de acordo com tudo que quisermos fazer, Jaime. E juro, pelo que me disse, a

coisa seria facílima...Na rua Lombardo, às 3h da tarde, tudo parecia normal. O intenso movimento daquela rua,

onde ficam a maioria dos bancos de Londres, era característico.No meio de todo aquele vai-e-vem humano e do lufa-lufa dos automóveis, três carros cheios

de policiais à paisana, vindos da cidade, estacionaram a umas dez jardas do edifício do bancoUnião.

Os homens de Scotland Yard se espalharam num círculo de 60m do edifício e cada um dostrês carros foi colocado em cada esquina, das ruas de escoamento da rua Lombardo.

Capitão Edu Brown e detetive Tom Malloney estavam postados à porta do banco União.— Capitão Edu, — disse Tom — vejas aquele carro.Os olhos do capitão acompanharam um carro negro com as cortinas decidas, que se

aproximava da porta do edifício, indo parar um pouco adiante.No meio de todo aquele bulício e do buzinar dos carros, ninguém prestava atenção a essas

coisas.Um rapaz alto com um pequeno bigode atravessou a rua em direção ao banco, levando, na

mão direita, uma pequena maleta, escoltado por dois policiais.Acabara de ganhar o passeio, quando quatro homens com rostos coberto por capuz negro

correram em direção a ele, ao mesmo tempo que o carro preto se punha em movimento.Soou um apito enquanto uma metralhadora pipocava de dentro do carro, abrindo um leque

de chumbo e derrubando os dois policiais que escoltavam o rapaz, enquanto ele se arrojava aochão o mais rápido possível.

A fuzilaria pouco durou. Os rapazes da polícia fecharam o cerco e retiveram o carro. Deseus seis tripulantes o único que conseguira escapar com vida estava bem algemado.

Capitão Edu Brown correu em direção a Jaime Patrício, que acabara de se levantar do chãoe estava limpando a poeira da calça.

— Belo trabalho, Jaime. — Disse Edu. Desta vez nós os logramos.— Sim, chefe. — Disse Jaime, retirando o pequenino bigode de disfarce que o estava

incomodando. — O dinheiro já foi depositado há muito tempo. Aquela maleta só continhapapéis velhos mas acho que estamos brincando de cabra-cega com essa quadrilha.

— Prendemos um, Jaime. Talvez fale algo.De todo o interrogatório a que submeteram o preso nada conseguiram saber. Dissera a

verdade quando afirmara não conhecer o chefe. Jaime disse:— Creio que esse camarada está falando a verdade. O chefe da quadrilha deve ser esperto o

bastante pra não querer que seus trabalhadores conheçam sua identidade.Jaime se dirigiu ao homem que suava por todos os poros e parecia muito agitado. Retirou do

bolso um papel dobrado, lhe mostrando:— Conheces isto?, rapaz. Se sabes algo a respeito, desembuches logo. Deves ser um sujeito

Page 105: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

cordato e não hás de querer que empreguemos violência, pois sei que me dirás o que significamestes arabescos.

— Falarei, inspetor, falarei. É a chave do esconderijo mas juro que não sei onde fica.Todos os membros da quadrilha, menos eu, têm um papel desse. Eu era somente o chofer. Aúnica coisa que eu fazia era dirigir o carro.

— Muito bem, rapaz. Acho que estás dizendo a verdade e quero que me dês uma informaçãoem troca de tua liberdade: Onde se reuniu a quadrilha na última vez?

— Direi, senhor, mas não me soltes. Não me soltes porque me matarão. Me deixes ficaraqui. Se reuniram no número 17 de Shadwell.

Jaime mandou que levassem o homem a uma cela e o tratassem bem, e se despediu decapitão Edu Brown.

— Tenho que fazer, chefe. agora me têm juntinho a si. Vamos Tom.Os dois saíram em direção a Shadwell. Diante do número 17 pararam e Jaime Patrício

bateu à porta.— Quem está aí? — Perguntou uma voz.— Abras em nome da lei. É o detetive Jaime Patrício, da Scotland Yard.Mal acabara de pronunciar essas palavras, Jaime ouviu um estampido e qualquer coisa

passou zunindo junto à orelha direita.— Te protejas, Tom. Estão atirando. Farei a fechadura voar em estilhaço e entres

disparando.A porta se abriu, violentamente empurrada, e Tom precipitou se ao interior da casa,

descarregando a automática a esmo.Deram uma busca em toda a casa e nada conseguiram encontrar.— Creio que há ninguém, Jaime.Ouviram o barulho dum motor funcionando, vindo do fundo da casa e os dois detetives

ainda tiveram tempo de ver um carro em movimento, que se afastava rapidamente.— Tom, acho que o melhor é irmos descansar. Por hoje é tudo e estou fatigado. Mas

amanhã...

VIIIO dia seguinte surgiu encontrando a cidade liberta do manto de neblina.Jaime e Tom foram, a pé, até a proximidade de Piccadilly.— Tom, verei Edu Brown mas tenho um serviço pra ti. Te lembras do papel que me disseste

parecer um hieroglifo? Pois bem, nesse papel se encontra a chave do esconderijo da quadrilha.Quero que indagues onde reside um homem cujo nome é Horse Campbell. Te espero, às 3h, noRouge.

Jaime foi, a passos largos, à chefatura, sem mesmo se preocupar com o homem que o seguia.A ninguém estava disposto a fazer frente naquela manhã e mesmo porque tinha várias coisas

a tratar e delas dependia o êxito da Scotland Yard.Dobrou a primeira esquina, entrando numa casa de bugiganga, e dentro em pouco perdia de

Page 106: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

vista o homem que o seguia.Disse, Jaime, se sentando:— Edu, creio que estamos bem perto do fim. Se há mais tempo eu tivesse dado atenção a

uma coisa que eu julgava sem valor tudo já estaria terminado. Mandei Tom fazer umasaveriguações. Se me trouxer a resposta que espero tudo sairá bem.

Meia hora mais tarde Tom entrou suando e dando mostras de cansaço, no gabinete docapitão Edu Brown.

— Ei!, Jaime. Caramba! Aqui ninguém conhece esse nome e nas listas não há Campbell cujoprimeiro nome seja Horse.

— Chefe, — falou Jaime, ficando de pé — dentro dalgumas horas verás algo fantástico. Éde arrepiar e, além disso, contra todas as regras do sentimento humano. Tom, vás ao Times eprocures Zezinho. Digas que te mandei pedir pra procurar, no arquivo, onde foi enterrado HorseCampbell.

Quando Tom Malloney chegou, com a resposta, à chefatura, Edu Brown o recebeu agitado.Jaime Patrício saíra. Tom disse, quando Jaime entrou:

— Jaime, consegui saber onde está enterrado Horse Campbell. No cemitério de Norwood.Poucas horas depois os três detetives: Edu, Brown, Jaime Patrício e Tom Malloney, estavam no

cemitério. Disse Edu:— Jaime, francamente, não estou entendendo. O que viemos fazer aqui.?Jaime retirou do bolso um pequeno papel dobrado e disse a Edu:— Este papel contém a chave do esconderijo. E o esconderijo fica dentro deste cemitério,

no túmulo de Horse Campbell.— Jaime! Será possível que alguém fosse capaz de semelhante sacrilégio?Jaime passou o papel às mãos de seu chefe.— Estas letras indicam a maneira de abrir. Este A no fim, seguido do 3, significa onde está

o túmulo. Quer dizer aléia terceira.Os três agentes pararam diante da sepultura indicada. Jaime passou os dedos sobre as letras

grandes do nome CAMPBELL.Segurou o A entre os dedos, o colocando com um pequeno movimento, de cabeça a baixo.

Depois fez a mesma manobra com as letras B e L, tal como indicava o papel, e empurrou aporta, que, cedendo, deixou ver os primeiros degraus duma escada estreita.

Depois de olhar uns segundos o interior, repôs tudo como estava antes e se retirou. Disse,finalmente, Edu, a quem a surpresa abalara:

— Jaime, isto é fantástico!Tom estava, mudo de espanto, e foi a custo que pronunciou:— Um túmulo de família!— Sim, Tom. — Disse Jaime — Acertaste. É um túmulo de família.— Capitão, — continuou Jaime, depois de responder a Tom — eu poderia ir agora mesmo

prender o chefe da quadrilha mas prefiro os pegar a todos juntos. Se falhar meu plano, teentregarei, então, o homem.

Page 107: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

IXA noite escura facilitava, de certo modo, a ação da polícia.Edu Brown, Jaime e Tom estavam agachados entre duas sepulturas, donde avistavam

perfeitamente a porta do túmulo de Horse Campbell.Vários policiais estavam espalhados na proximidade e todos, da mesma forma, escondidos

como seus chefes.A maior parte estava aparelhada de metralhadora manual mas tinham ordem de atirar

somente em último recurso.O relógio da torre de entrada do cemitério começou a dar as badaladas das 10h, quando o

primeiro homem, tendo um capuz negro esconder a feição, parou um instante à porta da cova e,depois de abrir, entrou.

Pouco a pouco outros foram chegando e Jaime contou catorze homens.— Jaime, — disse Edu, baixinho — creio que é melhor atacarmos agora.— Não, chefe. Deixemos que comecem a sair. Será melhor assim.Os policiais começaram a sair e a tomar posição.Quando os bandidos começaram a deixar a cova receberam a voz de se render. Jaime

berrou:— Vos rendei! Estais todos cercados!Um tiro partiu e um dos policiais levou as mãos ao ventre e, dando uma volta sobre si

mesmo, caiu, em cheio, ao chão.O tiroteio principiou, com baixa de parte a parte.As metralhadoras dos homens da polícia vomitavam fogo e chumbo num matracar

ininterrupto, levantando, do meio dos bandidos, gritos de dor e barulho de bala contra pedra.Um dos homens da quadrilha se esgueirou nas sepulturas e se dirigiu à porta de saída do

cemitério sem ser percebido pela polícia.Quando o tiroteio cessou capitão Edu Brown verificou que, dos catorze homens que

entraram na sepultura só treze ali estavam.— Jaime! Creio que um deles fugiu.— Sim, Edu. Sei quem é. Morgan tinha razão ao dizer que eu o conhecia.Eram 11h da noite quando Jaime Patrício se dirigiu ao bulevar Belgrave.Dissera a Tom que se não estivesse de volta à chefatura até 1h da madrugada, que o fosse

procurar no número 121 do bulevar Belgrave.Tocou a campainha da casa, um grande palacete. Um velho criado, alquebrado ao peso dos

anos, abriu a porta.Senhor Davi Campbell está?— Sim, senhor, faças o favor de entrar. A quem devo anunciar?— Digas que aqui está um homem que o deseja ver.Pouco menos de três minutos decorreram e o criado voltou, dessa vez, acompanhado dum

homem alto, de corpo bem feito, cabelo grisalho, boca rasgada e olhos duros como pedra.O nariz, reto, se assemelhava ao das aves de rapina e espessas sobrancelhas lhe davam a

aparência de animal selvagem.

Page 108: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Se não me engano estou falando com o detetive JaimePatrício, da Scotland Yard.— Em pessoa. E se também não me engano, estou falando com Davi Campbell. Faças o favor

de me acompanhar até a sala. Poderemos conversar melhor.— Campbell, qual era teu verdadeiro parentesco com Horse Campbell?Os olhos do homem brilharam, ante a pergunta do detetive.— Éramos irmãos. — Morreu num acidente, há uns três anos, se é tudo que desejas de mim.— És o último membro de tua família. Não é?Davi Campbell se levantou bruscamente ante a nova pergunta do detetive.— Inspetor, não sei aonde queres chegar com tuas perguntas, como também não sei qual é

tua missão aqui. Como sabes que sou o último membro de minha família?Jaime Patrício olhou um relógio de bronze dourado sobre a lareira da sala onde estavam e

os ponteiros marcavam 12:50h.— É muito simples. Sei que és o último membro pelo seguinte: Quando, numa sepultura,

encontramos gravados na pedra seis nomes e diante de cinco deles uma data, é sinal de que jámorreram e a data corresponde ao dia em que foram enterrados. Se eram seis nomes e só nãohavia data diante de um nome, quer dizer que esse ainda está vivo. E quando se vê que é umjazigo de família, esse é último dela. Não é?

Jaime falava calmamente mas seus olhos estavam fixos nos olhos de Davi Campbell, razãopela qual não viu o movimento que a mão dele fazia.

— Levantes as mãos, senhor sabichão! — Disse Campbell, apontando a Jaime uma pistolade grosso calibre, com um silenciador adaptado ao cano.

— Bem... Creio que não te foi preciso dizer qual era minha missão aqui. Já a conhecias.Os olhos de Jaime Patrício se cravaram, uma vez mais, nos ponteiros do relógio, que

marcavam 12:55h.Foi com calma que se dirigiu ao homem que o tinha em suas mãos.— Este relógio está certo?, Campbell.— Que truque é esse?, sabichão. Estás com pressa de morrer? Ouvirás, antes disso, uma

coisa. Quando eu, acabar de te matar, cão imundo, te levarei a um legar onde ninguém procuraráo corpo de Jaime Patrício. Te colocarei na sepultura de minha família. Ninguém se lembrará detornar a ir até lá. Pegardes meus melhores agentes mas a mim não pegareis. Só há um homemque sabe que sou o chefe da quadrilha e esse homem não tem mais de 5min de vida.

Jaime sabia que Campbell falava a verdade. Não Edu nem Tom sabiam quem era, narealidade, Davi Campbell. Mas ainda tinha esperança que Tom chegasse a qualquer momento eele não era tolo de aceitar qualquer desculpa que lhe quisessem dar.

A face de Campbell estava vermelha de ódio.— Campbell, tens dois minutos de vida.Uma gargalhada recebeu as palavras que Jaime proferira.— Querendo bancar valentão! Hem! Agora quem manda aqui sou eu. Se um de nós tem de

morrer, este serás tu.— Não, Campbell. Dentro de poucos minutos estarão aqui nada menos de seis agentes da

Scotland, com capitão Edu. Antes de entrar nesta casa os avisei de que me procurassem aqui se

Page 109: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

eu não estivesse de volta até 1h, e, como vês, meu amigo, falta somente um minuto pra essahora. Não terás tempo de fugir, Campbell. Pode me matar mas irá, também, à forca.

Pouco mais de dois passos separavam Jaime de Campbell.Jaime concentrou toda sua forças pra dar o golpe. Um velho truque lhe passou n cérebro e,

sem perda de tempo, o pôs em execução.— Cuidado Tom!Davi Campbell se virou no momento exato em que Jaime pulava, lhe acertando um soco bem

em baixo do queixo, o fazendo perder o equilíbrio. Enquanto caía a pistola era atirada a longe.Campbell se levantou, aturdido. Se atirou a cima de Jaime, dizendo:— Canalha!Jaime era forte mas o homem que tinha na frente também e estava fora de si. Era um homem

que sabia que só sairia dali à forca e tudo faria para se salvar.— Matou Morgan e isso te custará caro. Em primeira vez deixarei de cumprir meu dever.

Minha obrigação era te prender, Davi, mas roubarei à forca o prazer de te quebrar o pescoço.20min depois, quando capitão Edu Brown e Tom Malloney entraram na casa, encontraram

Jaime com a roupa rasgada, tendo manchas sanguíneas no rosto e do canto da boca escorria umfilete de sangue.

Um homem jazia de bruços, a alguns passos. Quando Edu virou o homem pra ver a cara, nãopôde conter um grito de admiração.

— Santo-deus!, Jaime. O que foi isso?— Esse homem é Davi Campbell, chefe da quadrilha do capuz negro. O matei, Edu.— Por que fizeste isso?, Jaime.— Quis me matar, chefe. Não gosto de ser ameaçado.— Mas como pudeste transformar o rosto dessa maneira? Nem pude distinguir a fisionomia.— A soco, chefe. Eu disse que encontraria esse homem. Morgan está vingado e estou

satisfeito.— Sim. Vamos andando. Creio que precisaremos ir a um médico cuidar dessas pisaduras

em teu rosto.

XEram 9h da manhã quando Jaime Patrício e Tom Malloney entraram no gabinete do chefe,

capitão Edu Brown, a chamado.— Jaime, meus superiores resolveram te dar dois meses de férias e me chamaram pra saber

minha opinião. Minha resposta já sabes qual é.Jaime agradeceu a Edu e saiu acompanhado de seu auxiliar.— Onde passarás esses dois meses? — Perguntou Tom.— Ainda não sei. Creio que ficarei aqui mesmo.— Não, Jaime. Não ficarás aqui. Há uma casa perto da floresta Dean, que é muito aprazível.

Além do mais, sua dona nos receberá com prazer.— Quem? Jolly Dorth?

Page 110: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Tom o olhou, piscando um olho, e os dois detetives atravessaram a travessia Charingsorrindo…

Page 111: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Contrárioàevidência

I

polícia fora chamada prum caso de assassínio no número 3 da rua São Jaime.Capitão Edu Brown e detetive Tom Malloney entraram na residência de Vick Midlestone

pela porta da frente, que estava aberta. Estava mal-humorado por não saber, desde o diaanterior, do paradeiro de Jaime Patrício.

A casa era de construção antiga, de sólidas paredes e grande demais pros moradores. SirVick Midlestone, uma velha criada e um jardineiro compunham todo o pessoal da casa.

Edu Brown entrou num amplo escritório, confortavelmente mobiliado e circundado por altasestantes que iam do chão ao teto. Alem dessas estantes, a sala continha mais uma largasecretária preta, um grupo de couro marrom e uma pequena escada, que servia, naturalmente,pra retirar os livro das prateleiras mais altas. Estava tudo muito limpo, indicando que oproprietário era amigo da ordem e do asseio.

O corpo do homem jazia de bruços sobre o tapete da sala, numa poça de sangue, com umferimento produzido por arma de fogo de calibre pequeno, na altura do pulmão direito.

Um rapaz magro, ruivo e extremamente pálido estava sentado numa cadeira e, pelo olhar,parecia alheio a tudo que se desenrolava naquele ambiente.

— Ei!, rapaz. — Disse capitão Edu, depois de ter examinado o cadáver e posto sobre amesa um pequeno revólver niquelado, com duas letras gravadas no cabo.

O jovem como despertado por essas palavras ficou de pé, fitando o rosto do capitão, queperguntou:

— Creio que deves ter algo a dizer. Não? Ao menos quem és e o que vieste fazer aqui.— Meu nome é Owen Midlestone, inspetor, e esse homem morto é meu pai.Os olhos do capitão se cravaram na face tristonha do rapaz.— Mataste teu pai?

Page 112: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Não, inspetor. Não fui eu.— Como é que explicas a presença desta arma junto ao corpo de teu pai, contendo tuas

iniciais no cabo?— Não sei, capitão. Há mais de seis anos que não vejo essa arma e ignoro como tenha

aparecido. Há quase o mesmo tempo que não via meu pai. Cheguei nesta manhã a Londres, devolta de minha viagem de estudo. Quando cheguei ninguém me veio abrir a porta, o queestranhei, pois meu pai sabia de minha chegada e a empregada raramente costumava sair, emmeu tempo, principalmente estando meu pai em casa. Verifiquei que a porta estava aberta eentrei, gritando a meu pai. Fui a esta sala e o encontrando morto, telefonei à polícia.

— Tom, telefones providenciando o médico e vejas se já encontraram Jaime. Preciso de sie, enquanto não o encontrarmos, assumas a direção deste caso.

IITom Malloney estava no gabinete do chefe quando a porta foi aberta e o detetive Jaime

Patrício entrou.— Jaime! Onde estiveste nestes dois dias? Te procurei em toda parte. Vick Midlestone foi

assassinado.— Vicky Midlestone! O professor? — Perguntou Jaime, se sentando.— Sim. Tudo faz crer que o filho seja o assassino, ao menos o rapaz está em boa

complicação e será difícil se safar dela.— Santo-deus!, Edu. Não gosto de ouvir falar que um filho matou o pai. Será que o rapaz

está assim tão complicado na história?— Sim. Tom está cuidando do caso.— Não, chefe. Eu estava. Desde que Jaime chegou o caso é seu.— Bem, senhores, se me dais licença — disse Jaime — irei agir porque não gosto de estar

parado. Venhas, Tom, e vás dizendo, no caminho, tudo que sabes e tudo o que fizeste.Jaime entrou no carro e mandou que Tom o conduzisse ao local do crime.Enquanto o carro seguia em direção à rua São Jaime, Tom ia dizendo:— Recebemos o chamado, às 18h e, quando até lá chegamos, encontramos o rapaz sentado

numa das cadeiras do escritório. Achamos, junto ao corpo, uma arma que tem as iniciais dorapaz no cabo. Negou que tivesse matado o pai. Disse que chegara a Londres naquela manhã, sedirigindo à casa do pai e que, batendo à porta e não obtendo resposta, resolveu entrar, achandoo pai morto. São estas, em poucas palavras, sua declaração.

O carro chegara à casa do professor Midlestone. Uma velha criada abriu a porta e mandouos dois detetives entrarem. Tom apresentou Jaime ao filho de Vick Midlestone.

— Ó! Tenho muito prazer em te conhecer, inspetor. — Disse o rapaz. — Agora estou certode que o criminoso não escapará.

— Muito obrigado, senhor Owen, mas, se me dás licença, desejo dar uma olhada no lugaronde teu pai foi encontrado morto.

A primeira coisa que Jaime notou foi que Vick Midlestone era amigo da ordem e da

Page 113: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

arrumação metódica.Estava tudo impecavelmente arrumado naquela sala e, ao contrário da mesa de todo homem

de estudo, não havia papel em cima da escrivaninha de Midlestone.O que lhe chamou a atenção foram seis livros, dispostos em duas pilhas sobre a mesa, e que

destoavam da arrumação que ali havia.— Por que estariam ali aqueles livros em duas pilhas? — Perguntou Jaime consigo mesmo.

— Por que teria Vick Midlestone deixado ali aqueles livros?Continuando a examinar a sala, Jaime viu, ao lado duma cadeira de couro, que ficava diante

da mesa, um cinzeiro de pé, contendo várias pontas de cigarro.— Fumas? — Perguntou, se dirigindo a Owen.— Não, inspetor.— Sabes dizer se teu pai fumava?— Muito até, inspetor.Jaime tomou, entre os dedos, várias pontas de cigarro e depois de as ter posto na palma da

mão e examinar, colocou todas num pedaço de papel, que guardou no bolso.— Quem mora nesta casa, com teu pai?— Somente a velha criada Maria e o jardineiro Dot .— Se não me engano disseste ter encontrado a porta aberta e que ninguém a viera abrir. Não

é verdade?— Sim, inspetor. Achei esquisito.— Muito bem. Desejo interrogar os dois empregados.De tudo que eles disseram, Jaime concluiu que Maria saíra, a mando de sir Vick e que o

jardineiro nada vira nem ouvira que despertasse a atenção.— Tens certeza de que não ouviste estampido? — Perguntou ao jardineiro.— Tenho, inspetor. Eu estava trabalhando num canteiro no fundo da casa e não ouvi tiro

nem ouvi senhor Owen tocar a campainha.— Estou satisfeito com as respostas de ambos. Podeis vos retirar. Senhor Owen, — disse

Jaime, se virando ao rapaz — irei á chefatura e te peço que não toques em coisa alguma doescritório de teu pai.

III— Então: O rapaz está encrencado? — Perguntou Edu Brown, quando Jaime entrou em seu

gabinete.— Não faço juízos temerários. Daqui a meia hora saberei se estou com a razão.— Mas Jaime, hás de concordar que não há algo que absolva o rapaz e implique outra

pessoa no caso.Jaime desceu a escadaria da Scotland Yard, procurando o doutor Munt, que era o homem

que Jaime precisava. Uma só palavra dele poderia absolver ou condenar Owen Midlestone.— Alô, doutor. — Disse Jaime, ao o ver — Como vai a dor de cabeça?— Vás ao inferno, rapaz. E digas logo o que queres de mim. Não tenho tempo a perder.

Page 114: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Doutor, a que horas, mais ou menos, morreu Vick Midlestone?— Não sei ao certo. Eram 6h, quando examinei o corpo, e o homem já devia estar morto há

uma hora. Portanto, é provável que o crime tenha sido praticado entre 5h e 5:30h.— Muito obrigado, doutor Munt.Jaime se dirigiu, rapidamente, ao gabinete de seu chefe, capitãoEdu Brown.— Ei!, chefe. Vamos à casa de Owen Midlestone, e tu, Tom, procures saber quem é o

advogado dele e o leves até lá.Na sala de estar da casa onde, no dia anterior, fora assassinado Vick Midlestone, três pessoas

estavam reunidas.— Olhes, Jaime. — Disse Edu — Nada vejo que me faça pensar doutra maneira. O rapaz

matou o pai.— Chefe, todo criminoso sempre deixa uma pista e por mais insignificante que seja, é o

bastante pra ser descoberto. Neste caso, por exemplo, precipitou os acontecimentos. Alémdisso, antes de ser assassinado, professor Midlestone nos deixou o nome do homem que omatou.

— O quê? Onde?— Calma, chefe. Primeiro provarei a inocência do rapaz.A velha empregada entrou na sala, a chamado de Jaime Patrício.— Maria, te lembras, mais ou menos, a que horas saiu desta casa?— Sim, senhor inspetor. Eram quase 6h.Sabes se teu patrão costumava receber muita visita?— Não, senhor. Somente seu secretário é que àqui vinha todos os dias. No dia em que meu

patrão morreu esteve aqui mas saiu pouco antes de eu ter saído.— Podes ir, Maria. Agora, Edu, escutes o que te direi. A empregada saiu desta casa quase

às 6h e Owen ainda não chegara. Doutor Munt, que examinou o corpo, disse que o homemmorreu entre 5h e 5:30h. Portanto, chefe, quando Maria saiu, professor Vick já estava morto. Orapaz não esteve aqui antes das 6h, porque o gerente do hotel onde se hospedou, aodesembarcar, me informou que ele só deixou o hotel às 5:30h da tarde. A pessoa que esteveaqui em conversa com Midlestone foi quem o matou.

Jaime ia prosseguir, quando o advogado de Vick Midlestone entrou na sala, precedido porinspetor Tom Malloney.

Owen, ao ver o velho advogado de seu pai, se levantou pra o receber:— Doutor Guilherme Perk, apresento os detetives Edu Brown e Jaime Patrício.— Muito satisfeito fico em vos conhecer, senhores, e ficarei ainda mais contente se me

disserem em que posso ser útil.— Como sabes, doutor Perk, o professor foi assassinado e estamos investigando o caso.

Todos os fatos nos apontam o filho como assassino e, apesar de tudo estar contra ele, sou contraa evidência dos fatos. Poderias nos informar se sir Vick Midlestone tinha testamento?

— Ó! Perfeitamente, senhor inspetor. O testamento está em meu cofre, no escritório. Creio quenão há impedimento a que vos ponha ao par da vontade de meu constituinte. Toda sua fortuna passaàs mãos de seu filho Owen Midlestone.

Page 115: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Capitão Edu olhou significativamente a Jaime Patrício.— Doutor Perk, há outra cláusula no testamento?— Sim, inspetor. Mas creio não haver necessidade dela, porque Owen está vivo.— Como assim? — Perguntou Edu.— Se Owen morresse a fortuna passaria a pertencer, em partes iguais, a mim e ao auxiliar

do professor Midlestone: Pat Wit.— Queres dizer, doutor Perk, que se Owen for condenado à morte pelo assassínio de sir

Midlestone a fortuna passaria ao auxiliar do professor e ao senhor. Não é verdade?— Inspetor! Porventura estarás querendo...— Não, doutor. Não estou querendo insinuar. Só quero que respondas a minha pergunta.

Receberíeis a fortuna?— Mas claro que sim!, inspetor.O detetive Jaime Patrício retirou do bolso um papel contendo qualquer coisa e o colocou

sobre a mesa.— Fumas? — Perguntou ao advogado, oferecendo um cigarro.— Não, inspetor. Felizmente não tenho vício.Jaime abriu o pacote, que começava a intrigar a Owen, a doutor Guilherme Perk e a Edu.— Chefe, — disse, deixando ver no papel que desembrulhara, várias pontas de cigarro —

segures algumas dessas pontas e vejas se notas algo.— Sim, Jaime, parece que não foi a mesma pessoa que fumou estes cigarros.— Está certo, Edu. Uma das pessoas tem o costume de pôr quase meio cigarro dentro da

boca e morder a ponta, ao passo que a outra é um verdadeiro fumante, pois quase não molha aponta do cigarro quando fuma e nem se chega a perceber a parte que esteve entre os lábios.

— Escutes, Jaime. — Disse capitão Edu — Andou mexendo nalguma lata de lixo?— Estas pontas de cigarro estavam no cinzeiro desta sala. Foram fumadas por Vick

Midlestone e pelo homem que o matou.Doutor Perk estava visivelmente agitado com as palavras de inspetor Jaime.— Como estava te fazendo ver, chefe, antes do advogado de sir Midlestone chegar, o criminoso

cometeu vários erros. O professor recebeu a visita do homem que o matou e estiveram emconversa, como me fizeram ver estas pontas de cigarro. Vick Midlestone, se não sabia, ao menosdesconfiou da intenção dele e resolveu se acautelar, ou, melhor, defender o filho, e assim foi quenos deixou, por uma maneira singular, o nome do homem que o assassinou.

— Mas como e onde está esse nome?Jaime Patrício foi à mesa de trabalho de sir Vick Mlidlestone.O advogado suava e foi a custo que se aproximou da mesa, juntamente com Owen

Midlestone e os dois detetives.— Diante da arrumação deste escritório uma coisa me chamou a atenção, imediatamente.

Foram estes seis livros sobre a secretária.— O que têm a ver os livros? São livros de várias espécies...— Justamente, chefe. Um homem como Midlestone seria incapaz de apanhar seis livros

sobre assuntos diversos e os colocar sobre sua mesa sem um fim determinado. E garanto quedescobri o que nos quis dizer sem levantar suspeita no homem que o matou.

Page 116: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

O detetive Jaime Patrício tomou entre as mãos a primeira pilha e, se virando a seu chefe,disse:

— Capitão Edu, vejas o nome destes livros: Pictures, Alice in wonderful country eTragedies.{11}

— Sim, Jaime, mas francamente nada vejo de mais nisso.— Ó, chefe! Aparentemente nada há mas tomes a primeira letra de cada volume e vejas o

que forma.Capitão Edu Brown olhou, um instante, os livros que Jaime segurava nas mãos e exclamou:— Pat!— Sim, Edu. É isso mesmo. Creio não haver necessidade de te dizer que os outros três

formarão, da mesma maneira, o nome Wit.— Pat Wit! — Disse o advogado.— Sim. — Disse Jaime — Esse é o assassino de Sir Vick Midlestone.— Agora me lembro, inspetor — disse Owen Midlestone — que emprestei aquele revólver,

há muitos anos, a Pat.— Jaime. — Disse capitão Edu — Creio que podemos ir.Uma hora mais tarde, Tom Malloney prendia Pat Wit em sua residência, pela morte de

Midlestone, e Jaime Patrício, na chefatura, saía do gabinete do chefe e, se voltando da porta,disse:

— Nem sempre gosto da evidência dos fatos e te lembres, Edu: Este mundo é dos espertos...

Page 117: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Avingançadomutilado

I

nspetor Jaime Patrício, sentado diante de capitão Edu, em sua sala, no edifício deScotland Yard, segurou, em segunda vez, um exemplar do Chronicle, que estava sobre a mesa, afim de ler a notícia sobre o mutilado que fora encontrado na escadaria do dique do Tâmisa, eseu rosto ia aos poucos adquirindo uma expressão de ódio, à medida que seus olhos corriam nascolunas do jornal, onde se lia em menos de dez linhas:

Já terá sido descoberta, pela polícia, a identidade do homem, vítima de bárbaro e cruelatentado, encontrado ontem, nas primeiras horas da manhã, completamente mutilado naescadaria do dique?

Jaime soltou novamente o jornal sobre a mesa, se voltando ao capião.— Edu, quero que me contes como o encontraram e em que estado.— É pouca coisa, Jaime. Juro que nunca vi selvageria maior que a praticada naquele

homem...— O mutilaram horrivelmente! Está no hospital São Tomás e aguardo o telefonema do

médico a fim de seguir até lá. Duvido, no entanto, que consigamos algo, porque está cego, mudoe sem mão. Além disso os médicos acreditam que não resistirá muito tempo.

— Disseste que o cegaram, o emudeceram e cortaram as mãos?— Sim.— Edu, nesse caso iremos ao hospital. Quero ver esse homem, porque deve haver algo

importante atrás desse atentado e que prova ser ele conhecedor do que quer que seja essa coisa.O deixaram vivo, porém, em condição de nada poder dizer.

— É verdade. Mas ainda não conseguimos descobrir a identidade do homem e isso...O telefone sobre a mesa tilintou no momento em que capitão

Page 118: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Edu terminaria a frase. Se curvando, segurou o receptor.— É capitão Edu?— Sim.— Um momento, capitão. Doutor Hilário falará. Depois de breve pausa o

doutor se fez ouvir.— Capitão, creio que já podes vir. Nosso homem foi identificado há meia hora por um

cavalheiro cujo nome é Perri Nander, que me disse ser o mutilado, empregado dum amigo,Paulo Heavens, residente em Lisson Lane e que desaparecera há dois dias.

— Está bem, doutor. Obrigado por tudo. Estarei aí dentro de poucos minutos.Desligando o telefone, capitão Edu deixou, apressado, a sala em companhia de inspetor

Jaime Patrício.No carro que os conduzia ao hospital, Jaime se dirigiu ao capitão:— O guarda que encontrou o homem notou algo fora do comum ou teria ouvido o ruído

dalgum carro?— Nada. Foram os gemidos do homem que o atraíram. E como estava a noite?— Clara. As primeiras horas, com cerração, mais tarde, ficando completamente escura. O

guarda afirma que no momento em que ouviu os gemidos havia neblina cerrada.— Uma noite propícia. Não?— Não há dúvida...Doutor Hilário, homem afável, refletindo saúde em todo o corpo, conduziu os dois agentes

da Scotland Yard através do corredor do hospital São Tomás, até ao quarto onde estava omutilado, que jazia, imóvel, sobre o leito no momento em que os dois inspetores entraram.Quando capitão Edu falou ao doutor ele se mexeu na cama, como que assustado com a nova voz.Jaime se aproximou e, colocando levemente a mão sobre a testa do homem, cuja cabeça estavatoda envolvida em gaze, falou docemente:

— Não tenhas receio. Sou inspetor Jaime Patrício, da Scotland Yard, e sou teu amigo.Fiques tranqüilo porque encontrarei o homem que te fez isso.

O mutilado se mexeu, impaciente, na cama, querendo levantar a cabeça. De dentro daquelasligaduras parecia querer falar, querer apontar o homem que o mutilara.

Jaime olhou o leito. Enquanto o homem sossegava seus dentes rangiam de raiva. Ali estavaum pobre homem, pensou, barbaramente mutilado. Sem olhos pra ver e poder apontar oculpado, sem mão pra escrever o nome e sem língua pra poder pronunciar.

Depois que saíram do quarto Jaime interrogou o doutor, no corredor.— Como era o nome do cavalheiro que te reconheceu?— Perri Nander, inspetor.— Disse que era criado de quem?— Dum amigo seu, Paulo Heavens. Aliás devo acrescentar que conheço Paulo. É um grande

químico. Neste momento estuda um preparado novo pra anestesia, que será ministrado por meiode injeção.

— Sim? Onde mora esse homem?— Em Lisson Lane. Já tive ocasião de o visitar algumas vezes e por isso quero dizer que

acharás a casa um verdadeiro cemitério. Paulo sempre viveu só, com um criado, e mandou

Page 119: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

construir, pra seu gabinete de estudo, uma sala toda de aço. Quando lá entra fica isolado de tudoe de todos, hermeticamente fechado.

— Doutor, agradeço muito toda as informações. — Disse Jaime, se encaminhando à saída,juntamente com capitão Edu Brown.

IINo terceiro andar dum edifício sombrio e majestoso, em Piccadilly, um homem ainda

jovem, esbelto de corpo, ouvia sentado, com extraordinária calma, a ameaça que lhe fazia outrohomem, baixo, gordo e calvo, que gesticulava com ar ameaçador.

— É o que te digo!, Perri Nander. Te arrependerás! Nancy é filha de Paulo Heavens!— Basta!, João. — Exclamou Perri, se erguendo da cadeira. — Nada direi a Paulo sobre

isso porque não acredito no homem que inventou essa história.— Perri, és o advogado de Paulo e tens obrigação de lhe contar isso. Sabes que sempre

suspeitou que a filha fosse viva.— Não, João. Nada direi.— Queres o dinheiro de Paulo, bem sei!, Perri.— E por que não? Não fez o testamento, legando tudo que possui a nós três: Eu, tu e Hilário?— Sim, mas não é justo, Perri, que roubemos a pobre moça. E, além disso, o homem já

enviou uma carta a Paulo, e...— Não acreditou.— Sim, mas hoje irá, pessoalmente, procurar Paulo.— Não acreditará. A não ser que um de nós dois...— Muito bem, Perri. Até logo. Mas te lembres: Não me culpes dalguma coisa.No mesmo momento em que João Lazist deixava o escritório de seu amigo Perri Nander, um

carro estacionava à porta do edifício e dele saltavam inspetor Jaime e capitão Edu Brown.Diante da sala em que, minutos antes, os dois amigos discutiam, Jaime parou, batendo

levemente.Uma moça graciosa e viva os atendeu, os conduzindo à presença de Perri Nander.— Em que posso servir?, senhores.— Sou inspetor Jaime Patrício, da Scotland Yard. Estou encarregado de descobrir o autor

dum bárbaro atentado contra um homem que identificaste nesta manhã.— Ó! Perfeitamente, inspetor. Sou advogado de Paulo Heavens, de cuja casa ele era

empregado.— Como o pudeste reconhecer?— Por acaso! Paulo me telefonara informando que seu criado desaparecera há dois dias.

Quando fui procurar um amigo no hospital, doutor Hilário, me falou dum homem que estava numquarto, horrivelmente mutilado e cuja identidade ainda não fora estabelecida. Quis ver o homeme, com surpresa, reconheci ser o criado de Paulo.

— Sabes algo a esse respeito?— Absolutamente, inspetor. Nem posso compreender porque motivo lhe tenham feito isso.

Page 120: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Muito obrigado, senhor Perri. É tudo o que eu desejava saber.— Nada tens a agradecer inspetor. Estou a teu inteiro dispor.Os dois homens da polícia deixaram o prédio de Piccadilly, com destino à Scotland Yard.

Eram 6h em ponto quando Jaime deixou o edifício da chefatura. Ia até seu apartamento,porém uma força misteriosa dentro de si o impelia a Lisson Lane.

Havia qualquer coisa no fundo daquele atentado e bem a pressentia, porém não tinha idéia doque fosse. Chamou um táxi e mandando o chofer seguir à travessia da rodovia Charing.

Quando chegou ao apartamento encontrou seu amigo Tom Malloney sentado,displicentemente, contemplando um copo que segurava entre as mãos.

— Olá!, Jaime. Estive te procurando na Scotland Yard. Como não estavas, vim àqui.— Sim, Tom. Foi bom teres vindo. Vamos a Lisson Lane. — Disse Jaime, apesar de notar o

gesto de desaprovação de seu bom criado Lucas, que entrara na sala trazendo, pendido nobraço, seu chambre floreado.

— O que faremos lá? —Tom, já de pé, pronto pra sair.— Ver Paulo Heavens.— O químico?— Sim.

IIIA casa na qual residia Paulo Heavens era um prédio de dois andares, isolado, bastante

afastado da rua e todo cercado por alto gradil. A distância dava a impressão duma casa desertae solitária. De perto essa impressão era ainda mais acentuada.

Jaime e Tom desceram do carro que os conduzira até ali e caminharam ao portão. Fizeramsoar a campainha algum tempo sem que alguém viesse atender. O portão da rua estava aberto eos dois detetives entraram, seguindo numa aléia de aloendro.{12} Na porta da residência fizeramsoar o tímpano alguns minutos. O silêncio foi a resposta que obtiveram.

— Tom, tens contigo alguma chave que possa abrir esta porta?— Sim. Era justamente isso que eu estava pensando fazer.Poucos segundos depois estavam no saguão da casa. Jaime chamou várias vezes o nome de

Paulo Heavens, sem obter resposta. Percorreram todos os recantos sem deparar viva alma. Aolado dum dos últimos aposentos por onde passaram, Jaime encontrou uma pequena escada decinco degraus que parecia conduzir aos alicerces da casa. Desceu nela, ficando diante dumaporta de aço fechada, duns 2m de altura. Se abaixando espiou pelo buraco da, fechadura.Imediatamente se ergueu, espantado com o que vira. Tom, que presenciara o gesto, se abaixoupra espiar e não pôde conter um ó! de espanto.

Pelo buraco da fechadura da porta de aço inspetor Jaime Patrício e Tom Malloney viram ocorpo dum homem recostado à cadeira, com um ferimento no lado direito da cabeça, e umpouco à frente do ouvido, por onde corria um filete de sangue. Sobre a mesa, a sua esquerda,

Page 121: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

ardia uma vela. Exclamou Tom:— Santo-deus! Que quadro! Aquele homem está morto!— É Paulo Heavens. Vejamos se conseguimos abrir esta porta. Depois de 5min de

infrutíferas tentativas no intuito de abrir, Jaime pediu ao inspetor Tom providenciar reforço.Meia hora mais tarde um verdadeiro batalhão de técnicos da Scotland Yard invadia a sala,

toda construída de aço, sem janela e tendo como única entrada e saída a porta que foraarrombada.

A sala servia de gabinete de estudos e de laboratório. Nas paredes se viam altas estantesatopetadas, umas de livros e outras de frascos das mais variadas cores e feitios.

O corpo de Paulo Heavens estava recostado na cadeira, tendo o braço esquerdo apoiadosobre a mesa e o direito pendido ao lado, em cuja mão brilhava uma pequena automáticaniquelada.

Os rapazes da impressão digital trabalharam com afinco em todos os lugares docompartimento e não conseguiram encontrar impressão diferente da do morto, nem mesmo naprópria arma que empunhava.

Logo que se retiraram Jaime se voltou ao doutor, que ia saindo:— Há quanto tempo está morto?, doutor.— Há exatamente duas horas.— Obrigado.— Creio que podemos ir. — Disse capitão Edu. — Parece não haver dúvida de que se trata

de suicídio.— Pode ser, Edu, mas quero me convencer melhor disso. Ficarei aqui com Tom.Depois que o corpo foi removido e Jaime ficou só, em companhia de Tom, principiou a

investigar.A vela que fora apagada, continuava na mesma posição. Tudo parecia, na verdade, indicar

suicídio. Paulo Heavens empunhava a pistola que o matara e a porta de aço fora fechada pordentro, pois a chave estava sobre a mesa.

Jaime revolveu todas as gavetas, sem encontrar algo interessante, a não ser uma pequena carta,na qual um indivíduo dizia saber que a filha de Paulo Heavens estava viva. Eis teor:

Senhor HeavensAsseguro que tua filha Nanci está viva. Tenho prova e teu advogado sabe. Hoje o procurarei

às 8h pra tratar desse assunto X.— Ei!, Jaime. Parece que foi suicídio, mesmo, e nada vejo que indique o contrário.— Pois digo que Paulo Heavens foi assassinado. — Disse Jaime, calmamente. — Leias esta

carta.— Sim. E o que tem a ver isso com o suicídio? — Perguntou Tom depois de ler a missiva.— Muita coisa. O homem que escreveu esta carta deve estar chegando àqui, pois marcou

pras 8h e são, precisamente, 8h. Se Paulo Heavens morreu há duas horas, no dizer do doutor,isto é, às 6h, não acredito que se suicidara, pois o assunto dessa carta era bastante importantepra ele. Não suicidaria antes de se avistar com esse homem. Foi morto por alguém que nãoqueria que esse encontro se realizasse.

— Mas te esqueces da chave: Como poderia ir parar sobre a mesa?— É isso que me está intrigando. Procures uma vela! — Exclamou, se erguendo da cadeira

Page 122: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

como impulsionado por uma súbita e violenta idéia.Logo que a recebeu de Tom, a colocou ao lado da que estava sobre a mesa, a acendendo.

Retirou o relógio do pulso, o colocando diante dos olhos. Se recostando na cadeira acendeu ocachimbo, contemplando a vela se derreter.

Se passaram duas horas e dez minutos, desde que inspetor Jaime Patrício acendera a vela.Se ergueu da cadeira, a apagando. As duas velas estavam do mesmo tamanho.

— Afinal para que isso?— É muito simples. Como acabaste de ver, a vela que acendi levou duas e meia horas pra

derreter até onde a outra se derreteu. Ora, se Paulo Heavens estava morto havia duas horasquando entramos e a vela estava como está a que acendi, é evidente que...

— Já sei!, Jaime. Foi acesa depois dele estar morto.— Exatamente. Meia hora depois.— Será que foi, mesmo, assassinado?— Foi. E hei de encontrar o homem que cometeu esse crime, ainda que seja na profundeza do

Inferno.

IVEra ainda muito cedo na manhã seguinte e já o inspetor Jaime estava na Scotland Yard.

Assinou vários papéis que estavam sobre a mesa e, se levantando, caminhou até a janela. Umachuva miúda e impertinente caía sobre Londres naquele dia. Jaime ficou alguns momentoscontemplando as gotas dágua que escorriam, umas após outras, na vidraça.

— Por que teriam assassinado Paulo Heavens? — Interrogou a si próprio. Subitamente umaidéia lhe acudiu à mente: Esse crime teria ligação com a mutilação do criado?

A porta de seu gabinete foi aberta e capitão Edu entrou e disse:— É fantástico. Tudo parecia indicar suicídio. No entanto...— É verdade. Mas ainda existem três coisas que me preocupam. A primeira é a chave estar

sobre a mesa, o que não posso compreender, a menos que o assassino tivesse uma duplicata. Asegunda é a filha de Paulo Heavens. E a terceira é o reconhecimento do criado.

— O que tem isso?— Doutor Hilário também era amigo de Paulo e, no entanto, não reconheceu o criado dele,

mas pôde, entretanto, gravar na memória certos detalhes da casa...Jaime foi ao armário. Apanhou a capa, a vestiu e segurou o chapéu pra sair.— Aonde irás?— Procurar Perri Nander, o advogado de Paulo Heavens.Inspetor Jaime desceu do carro diante dum edifício em Piccadilly.O advogado o recebeu amavelmente, o convidando a se sentar.— Estou realmente apatetado, inspetor, com a morte de Paulo. Nunca pensei que fosse

capaz de suicidar.— É verdade, senhor Nander, mas a vida tem dessas surpresas. Tens conhecimento dalgo

que o pudesse levar a cometer esse gesto de extremo desespero?

Page 123: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Absolutamente, inspetor. Tudo na vida lhe parecia sorrir.— Deixou testamento?— Sim, inspetor. Tudo que possuía, isto é, 70.000 libras, deixou a três de seus amigos, que

são Doutor Hilário, João Lazist e eu.— Senhor Nander, desejo fazer uma pergunta que, como advogado de Paulo Heavens, talvez

possas responder.— Perfeitamente, inspetor.— Sabes se deixou alguma filha viva?— Não sei. Por que fazes tal pergunta? Mas seja por que for, devo acrescentar que não

tenho conhecimento da existência dalguma filha.— Estás certo do que me dizes?— Certíssimo, inspetor.Jaime se ergueu da cadeira e estendendo a mão a Perri Nander, murmurou um muito

obrigado, com um sorriso nos lábios.A figura da secretária do advogado, que assomou à porta no momento em que se retirava, lhe

chamou a atenção. Era alta e esguia e seus traços fisionômicos tinham certa semelhança com os dealguém que Jaime estava certo já ter visto.

De volta à Scotland Yard seu pensamento estava na carta que encontrara na mesa doescritório de Paulo Heavens, e em X, seu misterioso signatário.

Jaime não dissera ao advogado Perri Nander que Paulo fora assassinado. Isso porqueachara estranho que negasse ter conhecimento da existência da filha do amigo, quando o homemque escrevera a carta a Paulo Heavens dissera que Perri Nander era sabedor disso.

Era grande o desejo, do inspetor, de se encontrar com esse senhor X, quando entrou noedifício da chefatura.

Caminhou até a sala 47. entrando, foi dizendo antes que o capitão falasse algo:— Edu, mandes notícia, aos jornais, sobre a morte de Paulo Heavens. Digas que foi

assassinado mas que estamos na pista do criminoso.— Mas, Jaime, que história é essa?— Paulo Heavens foi assassinado. O homem que o matou está certo de ter praticado um

crime perfeito, como estou certo de descobrir, em poucas horas, de que maneira e porquê foiassassinado. Com a notícia nos jornais ficará inquieto e já não pensará que seu crime foiperfeito, pois que o descobrimos.

— Está certo, Jaime, mas...— E, de mais a mais, Edu, creio que essa é a melhor maneira de me encontrar com um tal

senhor X, porque, se minha suspeita se confirmar, virá me procurar.Capitão Edu olhou a Jaime ao sair da sala. Sentia orgulho de ser chefe do departamento em

que o inspetor trabalhava. E concordou que quase sempre, afora a amizade que os unia, Jaimeparecia ser seu superior. Sua calma e ar indecifrável de esfinge tornavam cada dia mais forte aadmiração do capitão por seu subalterno, o homem que o chefe de polícia dizia dormir naspistas: Inspetor Jaime Patrício.

Mal capitão Edu deixara a sala, apareceu o rosto risonho de inspetor Tom Malloney.— Nada pra mim?

Page 124: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Sim. Quero que procures saber algo sobre Perri Nander e João Lazist. Porém antes irás aLisson Lane.

Jaime apertou um botão e, poucos instantes após, surgiu um oficial.— Há especialista na secção de droga e entorpecente?— Sim, senhor.— Faças o favor de o mandar àqui.Logo que o homem saiu. Jaime se voltou a Tom.— Irás à casa de Paulo Heavens, acompanhando o experto. Quero que procurai a fórmula

dum novo anestésico.—Mas como? Jaime. Se é coisa nova não poderá descobrir.— Será fácil. Basta que examine tudo que lá existir. Se encontrar algo que desconheça,

trazei. Examines todos os livros de apontamento que encontrar. Talvez encontres algumareferência.

O rapaz da entorpecente entrou naquele momento.— Olá, Betinho. Estimo que sejas tu. Já disse a Tom o que espero que conseguis.— Sim, Betinho. — Disse Tom. — É melhor irmos andando.Os dois homens iam saindo, quando Jaime disse, se dirigindo a Tom:— Se sabes desenhar tragas a mim um desenho do gabinete de Paulo Heavens. Estarei em casa.— Está certo, Jaime. Até logo.

VJaime deixou seu apartamento na travessia da rodovia Charing às 6:30h da manhã seguinte.

Queria fazer um pouco de exercício, e, por isso, resolveu seguir, a pé, à Scotland Yard. Não eralonge e suas pernas necessitavam dum desentorpecente.

Quando chegou à chefatura era ainda muito cedo. Não obstante, ali encontrou, em sua sala,inspetor Tom Malloney.

— Alô, Jaime. Estou chegando agora e ainda não preguei olho. Eu e Betinho passamos todaa noite em Lisson Lane. Nada descobrimos sobre o novo anestésico. Encontrei um caderno deapontamento no qual faltam as duas últimas páginas e o trouxe supondo que te interessaria.

Entregou a Jaime um caderno de formato regular.— Isto pouco nos adiantará, Tom, mas fizeste bem em trazer. Trouxeste o desenho do

gabinete?— Sim, Jaime. Aqui está.Entregou um pedaço de papel que retirara do bolso.— Obrigado, Tom. Agora é melhor descansares um pouco. Te espero aqui às 6h. Se

possível com as informações sobre João Lazist e Perri Nander.Depois que inspetor Tom deixou a sala, Jaime abriu o desenho sobre a mesa. Seus olhos

estudaram pacientemente aquela reprodução do gabinete particular de Paulo Heavens, emLisson Lane. Não havia entrada ou saída naquela sala, toda de aço, a não ser a porta principal.A mesa na qual Paulo fora encontrado morto ficava justamente em frente a ela. Jaime estava

Page 125: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

certo de que Paulo fora assassinado, porém duas coisas o perturbavam. Que significado teriaaquela vela acesa que o levara a concluir ser assassínio? De que maneira poderia a chave daporta do gabinete ir parar sobre a mesa? Era bem provável que o assassino tivesse umaduplicata da mesma, mas Jaime afastava tal hipótese, porque considerava improvável que tal sedesse. Se Paulo Heavens mandara construir uma sala toda de aço, evidente era que desejavaencobrir a olhos estranhos o que nela existia. Assim não poderia deixar de guardar a chavesempre consigo e em lugar seguro.

Jaime deixou a sala, atravessando o corredor com o chapéu no alto da cabeça, em direção àsaída. Tinha uma idéia sobre como e por que a chave fora colocada sobre a mesa mas era aindanecessário fazer uma experiência de cujo êxito dependia muita coisa.

Olhou seu relógio e os ponteiros marcavam 3h. Às 6h precisava estar novamente naScotland Yard.

Caminhou um bom trecho a pé, adquirindo um jornal das mãos dum rapaz, onde, na segundapágina, encontrou a notícia sobre a morte de Paulo Heavens. Sorriu, chamando um táxi.

— Sigas ao hospital São Tomás.Doutor Hilário estava ocupado com um doente no momento em que Jaime chegou.Enquanto esperava se acercou da telefonista e gentilmente, com cuidado, fez umas tantas

perguntas que lhe interessavam.— Sabes se doutor Hilário atendeu a algum chamado anteontem, por volta das 6h?— Não sei dizer, senhor, porém me lembro que deixou o hospital um pouco antes dessa

hora, me dizendo que voltaria logo.Essa era a única coisa que inspetor Jaime desejava realmente saber e foi, por isso, um

alívio quando avistou o doutor, pois não desejava prosseguir a conversa.— Inspetor, o senhor aqui! — Exclamou doutor Hilário.— É verdade, doutor. Vim obter notícia sobre o mutilado.— Ó!, inspetor. Vai muito mal... Creio que não durará mais de 24 horas.— É verdade, doutor. Por falar em morte, já sabes o que sucedeu a Paulo Heavens?As faces do doutor empalideceram momentaneamente.— Sim. Perri Nander me comunicou.— És um dos herdeiros. Não?— Com surpresa pra mim, sou.— Conhece algum motivo pelo qual pudesse Paulo Heavens ser assassinado?— Absolutamente, inspetor. Nem sei porque resolveu me contemplar em seu testamento.

Minha relação com Paulo eram ainda muito cerimoniosas e apenas o fui visitar duas vezes.— Sim, é bem estranho mesmo. — E não reconheceste no mutilado o criado de Paulo?— Não, inspetor. Eu tinha uma vaga idéia de já ter visto aquele rosto mas não me podia

recordar donde. Quando Perri o identificou me lembrei imediatamente.— Certo, doutor. Muito obrigado pela informação sobre o pobre coitado. Peço o obséquio

de me avisar quando estiver próximo o desenlace.— Perfeitamente, inspetor. Estou, sempre a tuas ordens. Apresentes minha recomendação a

capitão Edu.Jaime deixou o hospital exatamente às 3:30h, com destino ao escritório de Perri Nander.

Page 126: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

—Inspetor Jaime! — Exclamou o advogado, se erguendo da cadeira. Eu ia, justamenteagora, te procurar. Não posso compreender o que li nos jornais. Me deste a entender que foraum suicídio e com surpresa, pra mim, li que foi assassinado.

— Sim, senhor Nander. Foi assassinado.— Mas por quem? Eu era advogado de Paulo e te garanto que não possuía inimigo.— Sim. Mas não achas que 70.000 libras é uma quantia tentadora?— Como?! Inspetor. Estás, por acaso, querendo insinuar que um de nós três...— Absolutamente, senhor Nander. Longe de mim tal pensamento.O telefone sobre a mesa tilintou, os interrompendo.2 minutos depois Perri Nander murmurava um até logo, João, repondo o receptor no lugar.— Era João Lazist. — Disse o advogado, se dirigindo a Jaime. Também leu a notícia e

ficou espantado.— Onde é que o posso encontrar?, senhor Nander.— Quem? João?— Sim.— É farmacêutico e possui uma drogaria na rua Laço.— Muito obrigado, senhor Nander. O procurarei, pois desejo lhe fazer umas perguntas.Jaime se despediu do advogado, certo de que já andara mais de meio caminho. Seu cérebro

estava repleto de coisas e sentia que precisava unicamente as dispor em boa ordem pra chegar aum fim lógico. Havia, ainda, alguns pontos bastante obscuros em seu cérebro, mas, como onevoeiro da velha Londres, já começavam a deixar transparecer a claridade e, aos poucos, a luzse ia fazendo em seu espírito.

20 minutos após chegou à rua Laço. O número 3 era uma casa comum, de quatro andares. Naloja estava instalada a drogaria de João Lazist.

Um rapaz franzino e ainda novo o atendeu.— Desejo ver senhor Lazist.Alguns instantes após, inspetor Jaime Patrício entrava por uma porta no fundo, no lado

esquerdo.Um homem baixo, gordo e calvo, se ergueu da cadeira por trás duma mesa repleta de papéis

e frascos, se encaminhando ao inspetor.— Tenho grande prazer em te conhecer!, inspetor. A quê devo a honra da tua visita? —

Perguntou, indicando uma cadeira ao lado da mesa.— Desejo informação a respeito de Paulo Heavens. — Disse Jaime, se sentando.— Pois não, inspetor. Confesso, antes de mais, que a morte de Paulo me causou grande abalo.— Sim. É natural. Creio que éreis muito amigos. Sabes se Paulo tinha uma filha?— Como?, inspetor. Filha? Não. Não sei. Isto é, não me consta... Jaime olhou, ao acaso,

alguns papéis sobre a mesa e, encarando João Lazist, disse:— Estás certo do que me respondeste? Não estarás, por acaso, querendo me ocultar algo?— Não, inspetor. Porque achas que eu esteja ocultando algo?— Por 70 mil libras. — Disse Jaime, se erguendo e retirando do bolso um papel dobrado,

Page 127: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

que entregou a João Lazist.Ele o segurou e desdobrando, colocou os óculos pra ler. À medida que o fazia a cor fugia da

face.O papel que Jaime entregara a João Lazist era a carta assinada pelo misterioso senhor X,

encontrada na gaveta do escritório de Paulo Heavens.Depois de a ler Lazist a devolveu ao inspetor, enxugando, com um lenço, o suor que

escorria na testa.— Sim. É verdade, inspetor. Não posso continuar a negar: A filha de Paulo está viva. Quero

que me desculpes, inspetor, por mentir.— Não te preocupes por isso, senhor Lazist. Perri Nander também mentiu. Falaste, alguma

vez, com senhor Nander, a esse respeito?— Sim, inspetor. — Gemeu João, se sentando, abatido.— Combinastes segredo. Não?— Sim, pois Paulo não acreditaria no homem, a não ser que um de nós dois o dissesse.Jaime se levantou pra sair.— Conheces esse senhor X?— Não, inspetor. Apenas me falou uma vez, via telefone.— E conheces a filha de Paulo Heavens?— Também não. Nunca a vi.— Muito obrigado, senhor Lazist. É tudo que eu desejava.Já na rua, Jaime olhou novamente os ponteiros do relógio. Eram 5:30h e às 6h combinara estar

na Scotland Yard. Já visitara os três herdeiros de Paulo Heavens: Doutor Hilário, João Lazist ePerri Nander, e conseguira muita coisa... Chamou um táxi, mandando seguir à Scotland Yard.

VIQuando inspetor Jaime Patrício saltou do carro, diante do edifício da chefatura, o porteiro

foi a seu encontro.— Inspetor, aqui veio um homem te procurar, dizendo ser assunto urgente.— E aonde foi esse homem? — Perguntou Jaime, excitado.— Não foi embora. Como insistiu muito, o levei à presença de capitão Edu.— Muito bem, rapaz, muito bem! — Disse Jaime, subindo rapidamente a escada.De fato, na sala do capitão estava um homenzinho franzino. Um desses tipos que a gente tem

a impressão que seria capaz de pedir desculpa se levasse um pontapé. Disse capitão Edu:— Foi bom teres chegado. Este senhor quer falar a ti.O homenzinho se ergueu da cadeira, apertando um embrulho que trouxera embaixo do braço.

Nada dissera ainda, porém Jaime tinha a certeza de estar diante do misterioso senhor X.— Inspetor Jaime. Meu nome é Roberto Wilde. Vim te procurar por causa da morte de

Paulo Heavens.— Calculei. Foste quem escreveu esta carta?Lhe entregou o mesmo papel que dera a Lazist ler.

Page 128: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Sim, inspetor. Eu. Sabias que eu viria àqui?— Tinha quase certeza. Agora faças o favor de contar tua história.O homem abriu o embrulho, deixando ver um vestido infantil cor-de-rosa e um recorte de

jornal com a fotografia dum homem com uma garota no colo. Disse, mostrando o vestido:— Isto pertenceu a uma criança que salvei, há catorze anos, num desastre de trem. E essa

fotografia indica quem é essa criança. A eduquei como se fosse minha filha. Como lhededicasse muita afeição, jamais a quis entregar ao verdadeiro pai, que a julgava morta. Masagora minha condição de vida me obriga a isso. Refleti que se eu morresse essa pobre moçanada teria, quando, na verdade, é rica. Enviei, então, ao pai, uma carta, que nela não acreditou.Procurei, então, o advogado de senhor Heavens, que, em vez de cumprir seu dever, encobriu averdade. Me comuniquei, por último, com outro amigo seu, João Lazist, que nada pôde fazer.Resolvi, então, escrever uma nova carta a senhor Heavens, que é essa que acabaste de memostrar.

— E por que não compareceste à hora marcada? — PerguntouJaime.— Adoeci, senhor.— Muito bem. Onde está a filha de Paulo Heavens?— Seu nome é Nanci, senhor inspetor, e está empregada no escritório de... Perri Nander.— Nanci! Eu bem sabia que seus traços fisionômicos me eram familiares! Sabes algo sobre

a morte de Paulo Heavens?— Nada, inspetor. O vim procurar unicamente porque li a notícia no jornal e temi que

encontrassem minha carta e suspeitassem de mim. Eu nem conhecia pessoalmente senhorHeavens.

— Está bem. Podes ir descansado. Depois resolveremos teu caso.Após a saída de Roberto Wilde do gabinete do capitão Edu, Jaime se voltou a ele.— Creio que não demorarei muito a agarrar o homem que matou Paulo Heavens.— Suspeitas de alguém?— Sim. De doutor Hilário, de Perri Nander e de João Lazist. Esses dois estão bastante

interessados nas 70 mil libras e ambos mentiram, se bem que João Lazist confessara depois. Econtra doutor Hilário há uma coincidência muito interessante: É ter deixado o hospital no dia docrime às 5:30h e o crime ser sido cometido mais ou menos às 6h. Porém...

Nesse instante a porta foi aberta por inspetor Tom Malloney.— Já consegui saber tudo, Jaime. Creio, porém, que de pouco ou nada nos servirá.— Por quê?— Nada encontrei de mal sobre algum dos três. Todos têm uma vida exemplar e nada existe

que os desabone.— Não faz mal. Se bem que isso me atrase um pouco. Agora vamos a Lisson Lane. Vos

mostrarei como Paulo Heavens foi assassinado. Se é que não me engano.

Jaime, Tom e capitão Edu Brown, chegaram meia hora depois à residência de PauloHeavens, em Lisson Lane, e se encaminharam diretamente ao gabinete particular da casa.

Page 129: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Inspetor Jaime acendeu uma vela que levara consigo, a colocando na mesma posição em queencontrara a outra, no dia em que Paulo Heavens fora assassinado. Depois pediu a Tom que sesentasse no mesmo lugar em que encontraram morto senhor Heavens. Feito isso se virou acapitão Edu.

— Naquela noite em que encontramos o corpo de Paulo, sentado como agora, tudo pareciaindicar que suicidara. A vela que ardia naquela ocasião, na mesma posição em que arde estaque agora acendi, desde logo me chamou a atenção. Resolvi, então, calcular o tempo quelevaria a derreter, em experiência que fiz com outra que acendi ao lado. Confrontando o tempoobtido com a hora da morte, cheguei à conclusão de que a vela fora acesa meia hora depois dePaulo Heavens estar morto. Fiquei certo, então, de estar diante dum crime habilmentepreparado. Havia, no entanto, uma coisa que me intrigava: Esta sala não possui saída alémdaquela porta, que estava fechada por dentro, pois a chave estava sobre a mesa. Podia ser, éclaro, que o criminoso tivesse uma duplicata mas afastei essa hipótese porque se senhorHeavens mandou construir uma sala como esta, era evidente que algo queria esconder aqui e,portanto, não deixaria a chave a alcance de qualquer um. Depois refleti sobre o significado quepoderia ter aquela vela acesa e, estudando a topografia desta sala por um desenho que Tom meentregou, uma súbita idéia me acudiu à mente, me dando a resposta ao que eu procurava. Eassim — retirando do bolso um comprido barbante — vos mostrarei de que maneira a chave foiparar sobre a mesa e porque estava acesa aquela vela.

Inspetor Jaime Patrício segurou a chave da porta, passando o barbante pelo orifício dela.Depois deu dois nós, um afastado do outro mais ou menos 15cm, de maneira a que a chave sópudesse correr no barbante dentro do espaço dos 15 centímetros. Feito isso, ligou as duasextremidades do barbante com um sólido nó. Em seguida o passou em volta do pescoço doinspetor Tom, de modo que servisse como uma espécie de roldana. Segurou, então, a parte ondeestava amarrada a chave, saindo da sala. Fechou calmamente a porta, conservando o barbantepassado pela fresta embaixo da mesma e se ajoelhou junto ao buraco da fechadura. Pegou umdos lados do barbante, começando a puxar. O barbante, puxado apenas por um lado, deslizavaao redor do pescoço de inspetor Tom, fazendo com que a chave fosse sendo erguida do chão aopescoço. Antes disso acontecer Jaime, que olhava pelo buraco da fechadura, fez com que obarbante se aproximasse da chama da vela, justamente quando estava acima da mesa. Queimadoo barbante, a chave tombou sobre a mesa, ante a estupefação de capitão Edu e de inspetor TomMalloney. O capitão apanhou a chave, apressadamente, e abriu a porta.

— É fantástico!, Jaime. Nunca pensei que fosses capaz disso.Que habilidade tem nosso homem!— Sim, Edu. Me deu muito trabalho decifrar o enigma. Agora só me resta agarrar o autor.— Quem é?— Ainda não sei, Edu. Irei a Paris pra descobrir.— Paris?— Sim. Atrás duma pista muito fraca e problemática.

VII

Page 130: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Eram 7:45h da noite, e Jaime estava em companhia de Tom, no escritório de capitão Edu,pronto pra seguir viagem.

— Está certo, Jaime. Compreendo que não me queiras dizer o motivo dessa viagem, porémo que quero é que me entregues, o mais depressa possível, o homem que matou Paulo Heavens.

— Farei, Edu. Podes crer. Dentro de 18 horas, Antes do mutilado morrer.— Por quê?— Já viste um homem sem mão, cego mudo acusar alguém?— Nunca. Palavra que gostaria de ver isso.— E nada te impedirá de ver. — Disse Jaime, caminhando em direção à porta e saindo.

Depois que deixou o edifício da Scotland Yard, inspetor Jaime Patrício, tomando um táxi,foi à estação de Vitória, seguindo no trem do horário, na linha de Cantuária a Dôver, ondetomou o vapor a Calais.

Sua missão na França era bem simples e Jaime não encontrou dificuldade em encontrar ummédico de nome Geraldo Saussi, em vista da solicitude dum agente da polícia francesa a quemJaime fizera, outrora, um grande favor e que, por isso, lhe dedicava muita afeição. Tendoexplicado a doutor Geraldo o motivo de sua ida a Paris, ele se prontificou, imediatamente, afornecer as informações pedidas, dizendo que, de fato, recebera uma carta de Londres, na qualum velho amigo, que há muitos anos não via, lhe oferecia, a venda, um novo anestésico. DoutorGeraldo explicou mais a inspetor Jaime, que respondera afirmativamente e que aguardavasomente uma nova carta a fim de seguir a Londres.

Satisfeito e vitorioso em sua missão, inspetor Jaime Patrício, radiante, deixou Paris, comdestino a Londres.

Saltou do trem, na estação de Vitória e chamou um táxi, que mandou seguir à Scotland Yard. Sótivera 18 horas pra fazer tudo e gastara apenas 17. Restava uma hora.

Na Scotland foi, rapidamente, a sua sala e, segurando o telefone, pediu ligação ao númerodo escritório de Perri Nander. Inspetor Jaime Patrício lhe pediu que estivesse, dentro de meiahora, no hospital São Tomás. Em seguida fez o mesmo pedido a João Lazist. Logo depois saiuda sala, indo ao gabinete de capitão Edu Brown.

— Olá!, Jaime. Quando chegaste?— Há apenas 15min, Edu. Alguma novidade?— Nenhuma, Jaime. Doutor Hilário telefonou há pouco, dizendo que de acordo com teu

pedido, ele avisava que o mutilado está nas últimas.— Está bem, Edu. Obrigado. Creio que agora já podemos ir.— Aonde?— Prender o assassino de Paulo Heavens.— Quem? Onde?— No hospital São Tomás.

Quando Jaime chegou ao hospital, em companhia de capitão Edu e de inspetor Tom,

Page 131: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

encontrou Perri Nander e João Lazist, que conversavam com doutor Hilário.— Inspetor Jaime! — Exclamou João Lazist, se aproximando em companhia dos outros.— Podemos saber o motivo da reunião?, inspetor. — Indagou Perri Nander.— Sabereis mais tarde, senhores. — Respondeu Jaime. E, se virando ao doutor:— Está nas últimas. Não é? Haverá um quarto desocupado ao lado?— Perfeitamente, inspetor, mas...— Faças o obséquio de nos levar a esse quarto, doutor.Ao lado do quarto, onde o mutilado, antigo criado de Paulo Heavens, agonizava, sem fala

pra se queixar, e sem olho pra, ao menos, poder encarar a morte que o espreitava, doutorHilário, Perri Nander e João Lazist, sentados, olhavam o rosto de inspetor Jaime Patrício,enquanto capitão Edu e inspetor Tom continuavam junto à porta que ligava os dois quartos e quefora propositadamente aberta. Disse Jaime:

— Vos reuni aqui porque são os herdeiros de Paulo Heavens, e, portanto, penso, os maisinteressados em saber a verdade sobre sua morte. Sabeis que foi assassinado. O homem que omatou empregou um processo realmente engenhoso mas o descobri. Queria que o crimeparecesse suicídio e quase conseguiu. Repito: Paulo Heavens foi assassinado! Ninguém matasem motivo, senhores, e foi morto por duas razões: Por 70 mil libras e por um novo anestésicoque descobrira.

— Inspetor... — Disse Perri Nander, o interrompendo.— Sim. É verdade, senhor Nander. Desculpes minhas palavras confusas. Serei mais

explícito: Um de vós é o assassino de Paulo Heavens. — Exclamou Jaime, com o rostovisivelmente alterado. Todos me mentis. Acredito, no entanto, que apenas dois o fizeram commedo de perder a parte que vos caberia no dinheiro deixado.

— Inspetor Jaime! — Exclamou o doutor Hilário, — Suspeitas de mim?— É verdade, doutor. A fórmula do anestésico de Paulo Heavens desapareceu! Sabias?Enquanto Jaime falava, lancinantes gritos de dor partiam do leito do mutilado.— O homem que matou Paulo Heavens, estou quase certo, também é autor da selvageria

praticada contra o infeliz que agoniza naquele quarto. Já avaliastes o ódio que deve ter noíntimo, sabendo quem o mutilou e sem poder acusar? Não é triste?, senhor Nander. Não étriste?, doutor Hilário. Não é triste?, senhor Lazist.

Nesse momento um grito rouco e pavoroso, misto de dor e ódio, partiu do quarto domutilado, que, num supremo esforço, reunindo toda sua força, se ergueu da cama, vindo cairjunto à porta, onde estava capitão Edu e inspetor Tom.

— Está morto. — Disse doutor Hilário, se erguendo sobre o corpo.— Sim, doutor. — Disse Jaime — Mas ele se vingou antes de expirar. Consegui fazer, por

meio dum estratagema, que acusasse o mutilador. Estava cego, surdo e sem mão mas aindapodia ouvir e ouviu a todos nós pra...

Inspetor Jaime fitou o rosto de cada um dos três homens.— Te prendo, João Lazist, como assassino de Paulo Heavens. O mutilado também sabia e o

demonstrou quando murmurei: Não é triste?, senhor Lazist.Imediatamente inspetor Tom correu ao lado de João Lazist.Jaime disse:— Senhor Nander, espero que tudo o que Paulo Heavens possuía caberá a sua filha Nanci,

Page 132: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

que é a tua...— Minha secretária, inspetor. Isto é, futura esposa.— E como presente de núpcia João Lazist te dará a fórmula dum novo anestésico, que vale

muito e que um médico de Paris, doutor Geraldo, ia adquirir. Descobri isso por uma carta quevi sobre a mesa de João Lazist, quando o fui visitar na drogaria. Foi por isso que matou PauloHeavens.

Três meses mais tarde, numa manhã nevoenta e triste, João Lazist, sentado na beira da cama,em sua cela, fumava o último cigarro.

A porta se abriu, entrando inspetor Jaime Patrício.— Obrigado, inspetor, por ter vindo me ver. Sempre te admirei muito e creias que és o

maior detetive que existe em Londres. Se não fosses tu...Jaime olhou o rosto de João Lazist.— Por que fizeste aquilo com o criado?— Não adivinhaste?, inspetor É porque sabia, sabia demais, porque era... meu irmão.A porta foi aberta novamente. Pouco depois João Lazist deixava aquele quarto em

companhia do carrasco e dum padre, a fim de seguir viagem a um lugar tranqüilo e eterno dondejamais alguém voltou.

Inspetor Jaime Patrício esperou, em silêncio, até que ele atravessasse a última porta. Umminuto depois um ruído o fez compreender que João Lazist fora se juntar a suas vítimas.

Page 133: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Herdeirosdamorte

I

ma chuva forte e copiosa caía sobre Londres naquela tarde e grossas bátegasimpulsionadas pelo vento batiam nas vidraças dum prédio na travessia da rodovia Charing, indoestalar sobre a calçada.

Sentado em confortável maple,{13} inspetor Jaime Patrício, tirando de espaço em espaçoleves baforadas de seu cachimbo predileto, de madeira escura, contemplava e ouvia, emsilêncio, o clarão dos relâmpagos, o barulho do trovão, o zunir do vento, e o estalar da chuvasobre a calçada, em furioso concerto da orquestra da natureza, executando a sinfonia da fúria edo ódio. Chamou o criado:

— Lucas! Hoje não voltarei à Scotland Yard. Ouviste?— Sim, senhor. Queres teu chambre?— Não Lucas. És um homem feliz. Sabes?— Creio que já disseste várias vezes.— Gosto muito de conversar contigo, Lucas. Sabes por quê?— Não tenho idéia, senhor...— Porque nunca me contrarias e porque nunca te consigo irritar.— É meu feitio, senhor. Nasci assim...— E assim deveriam ser todos os homens: Como tu. Não haveria criminoso, pobre vítima,

agente que morre cumprindo o dever nem coroa de mártir e de herói...— É verdade, senhor, mas...— Mas é o egoísmo e a vaidade que estragam a humanidade. Nós, homens, somos, no fundo,

tolos e estúpidos, egoístas e vaidosos.

Page 134: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— É verdade, senhor, mas...— É por isso que gosto de ti. Além de não me contrariar não és tolo, estúpido, egoísta nem

vaidoso.— Ó!, senhor. Se May pudesse ouvir!...— Quem é May?— A empregada do primeiro andar senhor. Minha namorada.— Á! Também amas!, Lucas. Imaginei que não fosses tolo e vaidoso... Já pensaste no

egoísmo e na vaidade de tua May? Já a adivinhou diante do espelho, namorando a si própria?Não!, Lucas. Pois penses nisso e teu amor abrandará um pouco.

— Mas não quero pensar, senhor. A felicidade é como poeira, senhor. Mas uma poeira deouro. Não convém que seja varrida porque vale muito.

— Tens razão, Lucas. Podes ir. Hoje não estou bom. Creio que a tempestade influi emminhas idéias. És, mesmo, um homem feliz!

Depois que o criado deixou o apartamento, inspetor Jaime se ergueu da cadeira, seespreguiçando, colocou o cachimbo sobre uma pequena mesa e se atirou ao sofá.

Se tencionava cochilar não o pôde fazer porque ouviu leves batidas. Se levantou,aborrecido, pra abrir a porta. Uma surpresa, no entanto, estava reservada.

— Inspetor Jaime está? — Perguntou uma meiga voz de moça. Era uma criaturinha delicadae frágil, dessas que lembram uma pequena estatueta de porcelana. Dois olhos grandesprotegidos por longos cílios realçavam a beleza do rosto emoldurado por uma cabeleira loura,graciosamente arrumada. De pé, à soleira da porta, bastante molhada, tinha os olhosarregalados, inquietos e tristes, fixos no inspetor.

— Sou inspetor Jaime Patrício, senhorita...— Berenice... Eu precisava te ver, inspetor, e por isso afrontei a chuva. Posso entrar?Jaime estava visivelmente aturdido. Não tinha hábito de receber visita. Ainda mais uma

moça.— Pois não, senhorita. Queiras perdoar, mas...— Compreendo, inspetor. Serei breve.O inspetor, já senhor de si, fez com que a moça tirasse o chapéu e a capa e depois de

oferecer um cálice duma bebida que nem sabia o que era, pois se tratava duma misturada que obom e providencial Lucas tinha sempre pronta e que, em seu dizer, era um antídoto contraresfriado, se sentou diante dela.

Estou ameaçada de morte. — Disse, pausadamente.— Como? Ameaçada?— Sim, inspetor. Eu e meus dois irmãos.— Mas por quem? Com que interesse?— Pelo mesmo homem que matou meu tio.— E quem é?— Não sei, inspetor.Jaime se recostou um pouco mais no encosto da poltrona, um tanto desconfiado. O olhar da

moça buscou o seu.— Estás duvidando de minhas palavras. Não? E como se não esperasse

Page 135: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

resposta prosseguiu:— Conheceste Eugênio Weldon?Jaime, se bem que não conhecera pessoalmente Eugênio Weldon, sabia que fora

imensamente rico e se recordava de seu suicídio, havia quase um mês.— Sim. Creio que é o mesmo que suicidou. Não?— Nessa ocasião eu e meus irmãos estávamos fora da Inglaterra. Quando chegamos nosso

tio já fora sepultado. Amanhã, na noite, o advogado, seguindo a instrução de titio, o testamento anós. Mas antes disso, com certeza, um de nós...

— Porque dizes isso?, senhorita.— Porque tenho certeza de que meu tio foi assassinado.— Tem alguma prova?— Não. Mas meu irmão mais moço já foi vítima dum atentado. E fui seguida nesta noite.— Tu e teus irmãos são os únicos herdeiros?— Penso que não.— Em suma: O que queres que eu faça?Que assista a leitura do testamento e que nos proteja. Serás nosso hóspede, em Chélsia.— Mas, senhorita, porque não informas à polícia tua suspeita?— Porque confio em ti, inspetor.Berenice Weldon se ergueu e Jaime a ajudou a vestir a capa. Já à porta, estendendo a mão

ao inspetor, ajuntou:— Estou certa de que irás. Além de tudo creio que gostarás da casa que meus irmãos já

chamam, com razão, de sinistra.Passara meia hora após a saída da moça, quando o relógio bateu 9h. A chuva abrandara e já

alguns transeuntes se viam na calçada. Um grande carro fechado estacionou ao meio-fio, diante daporta e Jaime se retirou ao interior do quarto. Estava de licença alguns dias mas sentia que a vindadaquela moça perturbaria os planos que fizera pra gozar a folga.

Resolveu ir à Scotland Yard. E, em segunda vez, seu desejo era contrariado, pois acampainha da porta funcionou.

— Alô!, Jaime. — Exclamou o recém-chegado, logo que a porta foi aberta.— Se não me engano — disse Jaime, com ar de mofa — estou diante do grande advogado

Valdeque, o milagroso do fórum.— Preciso de ti, Jaime. — Foi dizendo depois de se sentar. — Quero que me acompanhes,

amanhã na noite. Abrirei um testamento...— Em Chélsia.— Sim. Como sabes?— Me informaram. Porque queres que eu vá?— Sei-lá. Nem sei te explicar. Tenho receio que aconteça algo. Parece que os herdeiros não

se dão bem...— Está certo, Valdeque. Estarei lá.Às 9h. — Concluiu o advogado, apertando a mão de Jaime e saindo.

Page 136: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

IIÀs 8h da manhã seguinte inspetor Jaime Patrício deixou seu apartamento na travessia

Charing, seguindo, a pé, ao edifício da Scotland Yard.— Bom dia!, Edu. — Exclamou, se dirigindo a seu superior e amigo, capitão Edu Brown.— Ainda estás em Londres? Já te julgava fora.— Assim era meu desejo Edu. Porém... — Se sentando, narrou, rapidamente e sem

preâmbulo, as conversas que tivera com Berenice Weldon e Valdeque Morris.— E o que tencionas fazer? Abrirás mão de tua licença?— Talvez sim, talvez não. Os acontecimentos que se desenrolarem hoje na noite o dirão.— Tencionas ir?— Por que não? Te lembres que serei hóspede dos Weldon. A moça estava realmente

agitada e, além disso, quando Valdeque pede algo com insistência...— É de desconfiar que atrás tem coisa! — Atalhou o capitão, se erguendo.— Eugênio Weldon suicidou mesmo?— Ao menos nada provou o contrário. O encontraram morto no leito, na manhã. Sobre o

estrado da cama acharam um vidro com ácido cianídrico. A autópsia comprovou o uso.— Alguma carta, algum indício?— Nada. Absolutamente nada. Além disso, na casa só havia um casal de empregado. As

únicas pessoas que poderiam estar interessadas em sua morte estavam fora do país.Regressaram dois dias após, em virtude dos telegramas que lhes foram enviados por doutorCarlos Hubert, médico da família.

— Nenhuma suspeita?— Nada. Tudo foi encerrado a pedido dos próprios sobrinhos. Mas por que perguntas?— Curiosidade... Até logo, Edu.

Mal chegara a Chélsia, Jaime foi, rapidamente, à residência de Eugênio Weldon. Passoudiante da velha igreja de Chélsia, à esquina da trilha de Chene e rua da Igreja, caminhando aoverdadeiro palácio daquele que fora um dos homens mais ricos da cidade. Situado numaespécie de elevação, em estilo Tudor. Um verdadeiro bosque o cercava. Da parte mais alta sevia, ao longe, o hospício de Chélsia.

Quando bateu à porta, faltavam ainda 15min às 9h. Não obstante ali encontrou ValdequeMorris.

Foi introduzido, por um velho criado, a uma enorme sala cheia de móvel e poltrona, onde seagrupavam meia dúzia de pessoas.

— Olá!, Jaime. — Exclamou o advogado. — Muito obrigado por teres vindo.Berenice Weldon, deixando a companhia dum rapaz que lhe dirigia a palavra naquele

instante, caminhou em direção ao inspetor, lhe estendendo a mão. Depois, se virando aospresentes, disse:

— Este é o homem de quem vos falei. Será nosso hóspede.

Page 137: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

E, se voltando a Jaime:— Creio que devo fazer as apresentações.— Um já me é familiar. — Disse o inspetor. — Há muitos anos conheço Valdeque Morris.— Então vamos aos outros. — Disse Berenice, sorrindo.E inspetor Jaime foi apresentado às outras quatro pessoas.— Doutor Carlos, médico da família. Larry Weldon. Dique Weldon e Tomás Sloane, meu

noivo.Poucos minutos depois Valdeque Morris retirava de sua pasta de couro um envelope de

regular tamanho. Era o testamento de Eugênio Weldon. Todos os presentes se sentaram e Jaimeocupou um lugar ao lado da mesa na qual Valdeque estava apoiado. O advogado começou:

Vos reuni aqui pra informar a última vontade de Eugênio Weldon...Enquanto Valdeque Morris lia o testamento inspetor Jaime Patrício estudava os semblantes

das pessoas presentes e cujos olhares convergiam à figura do advogado.Doutor Carlos Hubert era um tipinho baixo e irrequieto. Olhos verdes, nariz curto, cabelo

ruivo e de tez um tanto pálida. Os dois irmãos Weldon: Larry e Dique, eram bastante saudáveise de aparência robusta. A cor da pele rosada, o cabelo e os olhos castanhos e o nariz reto egrande, eram semelhantes em ambos. Se diria que eram gêmeos. Marcus, o outro sobrinho, era,ao contrário, franzino e parecia doente. O noivo de Berenice Weldon, Tomás Sloane, eraagradavelmente simpático. Traços delicados e meigos, contrastavam com a masculinidade docorpo harmonioso e robusto. Os olhos eram frios e tristes, refletindo a calma e a doçura de seuespírito.

— E assim é que... — Continuou o advogado. Jaime voltou a cabeça a ele.— Deixo toda minha fortuna, em bem e dinheiro, no montante de 10 milhões de libras a

meus quatro sobrinhos: Larry, Dique e Berenice, filhos de meu irmão Antônio, e Marcus, filhode minha irmã Maria, já falecida. No caso da morte dum deles tudo ficará aos restantes.

Valdeque Morris parou um instante a leitura do testamento e Jaime pôde observar que suasmãos tremiam ligeiramente quando recomeçou a ler.

— Porém se nenhum de meus ditos sobrinhos estiver vivo quero que tudo que possuo sejarepartido entre meu médico, Carlos

Hubert, e meu advogado, Valdeque Morris. E finalmente, caso nenhum desses esteja vivo,tudo passará às mãos de meu primo Hugo, de paradeiro ignorado. Sendo esta minha últimavontade...

O advogado ia encerrar a leitura quando Dique Weldon se ergueu da cadeira, com esforço,feições transtornadas, tombando sobre o tapete da sala.

— Santo Deus! — Exclamou o doutor, se erguendo de sobre o corpo do rapaz — Estámorto!

Os presentes se entreolharam...

III

Page 138: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Na manhã seguinte, depois que o corpo de Dique Weldon fora removido, capitão Educonversava com Jaime:

— E o interessante é que foi empregado o mesmo veneno: Ácido cianídrico.— Sim, Edu. Te garanto que estamos diante dum caso duro de resolver. Dez milhões de

libras é uma quantia respeitável.— Houve algo antes de nossa vinda?— Nada. Farei o interrogatório de todos os herdeiros. Depois disso procurarei uma pista.10 min mais tarde, na biblioteca da casa, Jaime interrogava Larry e Berenice, irmãos de

Dique. Os olhos da moça estavam injetados e fundos, indicando que passara uma noite em claroe em pranto.

— Não lhe disse?, inspetor. Eu sabia que algo de mal nos aconteceria.— Sim, senhorita. É verdade. Infelizmente acertaste e eu de pouco te pude valer. Me digas:

Desconfias dalguém?— Não, inspetor.Jaime olhou o rosto de Larry. Também estava bastante abatido. Seu braço direito estava

numa tipóia.— Larry. Por que não deste parte à polícia quando te feriram?— Foi Dique que não quis, inspetor. Ficou zangado quando soube que Berenice o procurara.— Chegaste a ver quem te feriu?— Não, senhor. Estava bastante escuro quando me dirigia até casa. Ouvi um estampido e,

pouco depois, notei que estava ferido.— Onde foi?— Lá em baixo, perto do portão da rua e um pouco depois da casa vazia.— Casa vazia?— Sim. É uma casa que fica dentro de nossa propriedade e que nosso tio alugara.Está alugada?— Está. A um judeu que raramente pára em casa. Creias: Se bem que te possa parecer

esquisito, nunca vimos o rosto.Bateram à porta nesse instante.— Ó! entres, Tomás. — Disse Berenice Weldon, se dirigindo ao rapaz que batera. — O

inspetor está fazendo algumas perguntas.— Está bem, querida. Sinto muito o que aconteceu.Ia cumprimentar a moça, pra sair, quando Jaime disse que ele podia ficar na sala.— Muito obrigado, inspetor.— És noivo de senhorita Berenice. Não é?— Sou, inspetor. E espero que em breve a possa desposar. Logo que minha condição de

vida melhorar e eu possa ter um consultório melhor.— És médico?— Não. Dentista.— Se queres minha opinião, cases o quanto antes. Deves compreender o perigo a que está

exposta senhorita Berenice. De mais a mais, não precisas pensar em tua condição de vidaporque tua futura esposa...

Page 139: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Por favor, inspetor! É justamente isso que me tem feito adiar o casamento. Compreendes.Não é?

— Sim, rapaz. Compreendo. — Disse Jaime, sorrindo — É bem desagradável.Pouco depois Larry, Berenice e o noivo deixaram a biblioteca, entrando o outro sobrinho de

Eugênio Weldon, Marcus Flaming.— Me mandaste chamar?, inspetor.— Sim, rapaz. Pra te prevenir que tua vida corre perigo.— Bem sei, inspetor. Antes mesmo de Dique ser assassinado eu pressentia.— Como sabes que teu primo foi assassinado?— Não sei, inspetor. Tenho quase certeza.— Viste algo? Desconfias de alguém?— Nada vi mas desconfio de todos.Os olhos de Marcus Flaming revelavam grande astúcia e o brilho intenso contrastava

vivamente com a aparência doentia.— Estou satisfeito. Podes sair.O seguinte a ser interrogado foi doutor Carlos Hubert. Sua fisionomia demonstrava

tranqüilidade.— Doutor Carlos. Foste chamado há quase um mês pra socorrer Eugênio Weldon. Não é

verdade?— Sim, inspetor.— E agora assististe a morte de Dique Weldon. Me digas: Ambos morreram da mesma

maneira?— É verdade, inspetor. Envenenados.— Quero te fazer mais uma só pergunta, doutor, que, talvez, te pareça ridícula: Estás certo

de que Eugênio Weldon morreu?— Positivamente, inspetor.— Muito bem doutor. É só.O último a entrar na biblioteca foi o advogado Valdeque Morris, acompanhado por capitão

Edu e inspetor Tom.— Alô!, Jaime. Viste por que pedi que viesses?— Passei uma péssima noite. Vá lá saber quem é o próximo. Não ficarei mais um segundo

nesta casa.— Infelizmente terás de ficar, Valdeque, até que eu resolva tudo.— Mas Jaime. Somos amigos e sabes que preciso tratar de meu negócio.— Sinto muito, Valdeque. Mas desta casa ninguém sairá.— Desconfias de mim?— Não sejas tolo, Valdeque. Deves me compreender muito bem! Uma hora mais tarde, após

ter prevenido a todos, em conjunto, na sala, que suas vidas corriam perigo e que, em hipótesenenhuma, poderiam deixar a casa, inspetor Jaime Patrício saiu com destino à Scotland Yard,tendo antes interrogado os criados e recebido, das mãos de Berenice Weldon, uma fotografiaque pedira a ela.

Page 140: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

IVNão havia dúvida de que um grande perigo ameaçava os Weldon. Um a um, talvez, seriam

todos exterminados pela mesma mão que matara Dique Weldon.Inspetor Jaime Patrício nada descobrira que pudesse lançar um pouco de luz sobre a

misteriosa morte do sobrinho de Eugênio Weldon. Sabia, apenas, que fora ácido cianídrico ocausador da morte, porém ignorava como e por quem fora ministrado. Interrogara os herdeiros enenhum dissera algo importante.

O testamento de Eugênio Weldon era horrivelmente estranho. Nada menos de seis pessoasconcorriam a seus milhões, sempre um após a morte do outro, em sucessão macabra. Eramherdeiros da morte. E Dique Weldon fora o primeiro a desaparecer do lúgubre préstito. Disseinspetor Jaime em seu gabinete na Scotland Yard:

— Certo, Edu. Agora tomaremos as primeiras precauções, a fim de evitarmos nova morte.Quantos homens deixaste na casa?

— Cinco. Acreditas que haja nova morte?— Estou quase certo.— Mas, afinal, como poderia ter sido assassinado aquele rapaz?— Suponho que o ácido fora ministrado no jantar. Interroguei os criados sobre a colocação

das pessoas à mesa. Sabes entre quem se sentou Dique Weldon?— Não.Valdeque Morris à direita e doutor Carlos Hubert à esquerda.— !...— Mas será difícil apanhar o homem que o matou. Está agindo com muita cautela.

Entretanto espero que se traia.— Não achas melhor consentir que as pessoas possam deixar a casa? Talvez assim seja

mais fácil o agarrar.— Não, Edu. Em nosso caso a teoria de deixar o pássaro em liberdade não serve porque

dificultará a prisão. Sei que o assassino está dentro daquela casa e como estou certo de quetentará prosseguir na série de crime, prefiro que não se afaste dali porque seu raio de ação,sendo pequeno, me será perfeitamente controlável. Além disso, como sou hóspede de BereniceWeldon, não sairei daquela casa enquanto não prender o homem que matou Eugênio Weldon e osobrinho.

Tudo isso, afinal, era de se prever, Jaime, desde o momento em que aquele espertalhão doValdeque pediu tua presença.

— Sim. Mas o que não soube explicar foi o motivo pra pedir minha presença. Me falou emdesavença entre os herdeiros, o que confesso, não notei. Porém, com a convivência poderei mecertificar da veracidade de suas palavras, e, também, de muitas coisas que precisam serverificadas naquele casarão de Chélsia.

Depois de deixar a sala inspetor Jaime chamou três de seus melhores auxiliares, inclusiveinspetor Tom, e lhes pediu pra investigar a vida de doutor Carlos Hubert, de Larry Weldon, deMarcus Flaming e Tomás Sloane, acrescentando:

— Não vos esqueceis, rapazes, de que necessito do mais que puderdes obter, pois só

Page 141: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

precisarei das informações dentro dalguns dias.Logo que os rapazes saíram Jaime foi ao gabinete do chefe e entregou uma fotografia que

recebera de Berenice Weldon.— Quem é esse homem?— Primo de Eugênio Weldon, cujo paradeiro é ignorado. Envies cópias e peças informações a

todas as polícias do mundo e a todos os departamentos da Inglaterra. Não creio que encontrem ohomem. Mas, em todo caso...

Meia hora mais tarde, todas as repartições policiais recebiam o aviso e a caça a HugoWeldon se iniciava.

Eram 8h da noite quando inspetor Jaime Patrício chegou a Chélsia. Um guardauniformizado, postado junto ao portão de entrada levou a mão ao quepe, o cumprimentando.

— Algo de novo?, rapaz.— Tudo em paz, inspetor.— Onde estão os outros guardas?— Espalhados no jardim, senhor.— Esta casa é muito grande e penso que somos poucos pra vigiar.— É verdade, inspetor. Doutor Hubert quis sair mas não consenti.— Fizeste bem, rapaz. Ninguém pode sair.Inspetor Jaime não dera mais de três passos no caminho calçado de pedra e marginado de

árvore, que conduzia a casa, quando ouviu o eco dum estampido. Correu até casa mas muitoantes de chegar já sabia o significado daquele estampido. E sabia que não partira dumrevólver... O som, era inconfundível: Metálico. Fora um tiro de rifle.

Quando entrou, um policial que descia a escada foi a seu encontro.— Inspetor Jaime, assassinaram Larry Weldon!— Onde? Como?— Subas, inspetor. Estava se vestindo pra jantar.— Chames a Scotland Yard, rapaz. Peças mais cinco homens a capitão Edu e digas a

inspetor Tom que venha imediatamente a Chélsia. — Disse Jaime, subindo a escada de dois emdois degraus.

Larry Weldon jazia de bruços, morto, com uma brecha no occipital. O corpo estava perto docamiseiro, diante do qual ficava uma larga janela onde num dos vidros se podia ver um orifícioproduzido por bala.

Berenice Weldon, encostada ao pé da cama, tinha os olhos banhados em lágrima e cabeçaapoiada no ombro de seu noivo, Tomás Sloane.

Junto à porta estava Marcus Flaming e no centro do quarto o advogado Valdeque Morris.— Onde está doutor Hubert?— Perguntaste sobre mim?, inspetor. — Disse o doutor, entrando no quarto naquele

momento.— Sim doutor. Onde estavas?Parecia ter corrido um pouco, pois estava ligeiramente ofegante.

Page 142: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Dando uma volta no jardim. — Respondeu, calmo — Há mal nisso?, inspetor.Uma hora mais tarde capitão Edu Brown e os inspetores Jaime Patrício e Tom Malloney,

estudavam, depois de removido o corpo, a posição em que tombara, de acordo com a vidraçapartida.

Jaime se aproximou da janela, espiando. Ao longe se avistava, distintamente, a silhueta dacasa vazia. Uma idéia lhe assaltou a mente.

— Já houve resposta dalgum dos departamentos da polícia sobre o paradeiro do primo deEugênio Weldon?

— Porque perguntas?, Jaime. — Indagou o capitão, com um sorriso, acompanhando o olharde seu agente.

— Desconfio duma coisa. Pra me certificar farei uma pequena visita àquela casa.— E é bem provável que encontres nosso homem.— Que queres dizer?— Que talvez o judeu que a alugou e Hugo Weldon sejam a mesma pessoa.— É justamente o que penso, Edu. Logo mais darei uma olhada naquele lugar. Porém quero

que os outros herdeiros estejam protegidos. Já falhamos duas vezes. Seria o cúmulo falharmosnovamente. Maldito testamento o de Eugênio Weldon! Ele é a morte!

— Receias pela moça, Jaime?— Claro. Tenho a impressão de que será a próxima vítima.— Está bem, Jaime. Te deixarei aqui, com dez homens e Tom. Se houver algo estarei

Scotland Yard.— Sim, Edu. Te avisarei se algo acontecer.O jantar transcorreu calmo, pois, como medida de precaução, inspetor Jaime colocara três

homens nos lugares que davam acesso à sala de jantar e por onde poderia vir o perigo: Àjanela, à porta de ligação com a sala de estar e a uma outra porta que desembocava na cozinha.

Marcus Flaming estava inquieto e se mexia constantemente na cadeira, como se pressentissealgo. Berenice Weldon não se sentia bem. Apenas doutor Hubert, Valdeque Morris e TomásSloane estavam calmos.

Às 11h da noite subiram todos a seus aposentos. O quarto de Berenice Weldon ficava na aladireita, entre o quarto de Marcus Flaming e o que fora de Larry. Na outra ala ficavam o dodoutor, o de Valdeque e o de Tomás Sloane. Todos se comunicando entre si.

Jaime chamou a parte Berenice Weldon, dizendo:— Quero que me faças um favor.— Sim, inspetor. O que desejas?— Que não durmas hoje nesse quarto. Deves avaliar tão bem quanto eu o perigo que te

ameaça.— Mas onde queres que eu fique?— Seria desagradável dormir no quarto que foi de teu irmão Dique?— Não, inspetor. Mas por que isso?— Porque é o único quarto isolado e que, além disso, não tem comunicação com outro.

Podes ficar tranqüila, pois tudo farei a fim de te defender. Deixarei um guarda lá em baixo eoutro no topo da escada, de modo a que todo o corredor fique protegido.

Page 143: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Mas o quarto de meu irmão é no fundo! O guarda não o poderá ver.— Não te incomodes com isso, senhorita. Vigiará os outros. Quanto a ti, meu companheiro,

inspetor Tom Malloney, montará guarda à porta de teu quarto.— Ó!, inspetor. Muito obrigada. Mas... e tu: Aonde irás?— Eu?... Passearei no jardim.Depois que todos se recolheram Jaime se retirou do interior da casa. Espalhou os oito

policiais no arredor e esperou que as luzes se apagassem. Depois, munido duma pequenalanterna e se certificando de que seu inseparável 38 estava no lugar, caminhou, silencioso e só,em direção à casa alugada ao judeu de nome Ellis e que ficava dentro da propriedade dosWeldon.

Estava mergulhada na escuridão!Jaime a contornou, encontrando a porta de entrada. Retirou um pequeno objeto do bolso da

calça e logo depois estava no interior da casa. Inspecionou o primeiro pavimentocuidadosamente, sempre usando a lanterna. subindo uma pequena escada chegou ao andarsuperior. Só havia três quartos. Nos dois primeiros que examinou nada viu que despertasse acuriosidade. No terceiro encontrou, ao lado da cama, um rifle. Se aproximou da janela e nãopôde deixar de sorrir ao divisar perfeitamente os três quartos da ala direita da residência dosWeldon. O do meio ficava justamente em frente e no mesmo nível daquele em que estava avítima.

Não teve dificuldade em compreender que o assassino estivera ali na noite anterior e dalialvejara Larry Weldon, usando o rifle que vira encostado à cama.

Desceu a escada, satisfeito, saindo pelo mesmo lugar que entrara. Seus pés pisaram numaespécie de barro mole e ficou maravilhado. Se aproximou dum cano furado, que, deixandoescapar água, produzia aquela terra mole. Exclamou, se dirigindo ao cano:

— Muito obrigado!, meu amigo. Me forneceste uma bela prova. Enquanto isso acontecia,Berenice Weldon abria a porta de seu quarto.

— Desejas algo? — Perguntou inspetor Tom.— Ó! é verdade! Já me esquecera de que minha porta estava guardada. Desculpes

incomodar.Inspetor Tom Malloney já encontrara muitas mulheres. Muitas no traje no qual estava

Berenice Weldon. Porém ela o deixara maravilhado.— Não me incomodas. Estou a tuas ordens. Queres algo?— Sim, inspetor. Um copo dágua.— Mandarei buscar, senhorita Weldon.O policial que vigiava o corredor se aproximou ao chamado do inspetor.— Perfeitamente senhor. Buscarei.— Passas a noite toda acordado? Não te cansas de estar em pé?— Não, senhorita, quando cumpro meu dever. E dá até prazer quando...— Quando?— A pessoa a quem protegemos é uma moça encantadora.— Muito obrigada. Tu e inspetor Jaime são extremamente gentis.Enquanto este diálogo se travava entre Tom e a moça, uma sombra, deixando,

Page 144: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

sorrateiramente, um dos quartos, protegida pela escuridão e pela ausência do guarda quedescera, se esgueirou no corredor até a porta do quarto de Marcus Flaming.

Jaime se aproximara da casa quando notou que qualquer coisa fora atirada duma dasjanelas. Viu onde caiu e se abaixou pra apanhar. Era um bisturi e... estava tinto de sangue. Umpressentimento o assaltou e entrou rapidamente na casa. Correu ao andar superior. O policial oolhou.

— Alguma coisa?— Parece, rapaz.Em poucos segundos Tom se juntava a ele.— O que houve?— Onde está Berenice Weldon?— No quarto. Acabou de beber um copo dágua.— Quem levou a água?— O guarda do corredor. Por quê?— Por isto, Tom. — Disse Jaime, mostrando o bisturi.— Santo-deus! Qual deles seria agora?— Creio que posso responder a isso. — Respondeu, caminhando ao quarto de Marcus

Flaming.Sobre o leito jazia o sobrinho de Eugênio Weldon. Através do pijama entreaberto se via

uma mancha escarlate no lado esquerdo do peito.Inspetor Jaime segurou uma das pontas do lençol e, o puxando, cobriu o rosto de Marcus

Flaming.— Chames a Scotland Yard. — Disse a Tom Malloney.Berenice Weldon, que despertara com ruído no corredor, assomou à porta naquele

momento.— Marcus, morto! — Exclamou, levando as mãos ao rosto.— Sinto muito, senhorita.Doutor Hubert, acabando de vestir o chambre, e Tomás Sloane entraram logo a seguir.

Disse o doutor, se aproximando da cama:— Mas isto é horrível!, inspetor.— Sim. É horrível. Ouviste ruído no corredor? Doutor.— Nada, absolutamente nada. Tenho sono de pedra.— E o que foi que te despertou?— Não sei... o ruído, talvez. És o culpado de tudo isto inspetor.— Deveras?, doutor Hubert. Por quê?— Por nos reter nesta maldita casa.— Sinto muito te contrariar, doutor, — disse Jaime, com um sorriso — mas continuareis

aqui.— Inspetor Jaime. — Disse o noivo de Berenice Weldon — Consentirás que eu leve

Berenice a longe desta casa?— É natural que queiras afastar tua noiva do perigo. Porém ficará aqui. Estará melhor

protegida.— O inspetor tem razão, Tomás. Sabe o que faz. — Disse Berenice.

Page 145: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— O que houve aqui? — Indagou o advogado Valdeque Morris, acabando de entrar noquarto, esfregando os olhos como quem acaba de acordar.

— Onde estiveste?, Valdeque. — Perguntou Jaime, fitando o advogado.— Numa palavra meu amigo: Dormindo.Inspetor Jaime o olhou. Conquanto houvesse esfregado os olhos, que estavam um tanto

avermelhados, seu rosto não era o duma pessoa que acaba de despertar.— Estás certo de que estavas dormindo? Valdeque.— Ora essa!, Jaime. Me perguntas se estou certo de que estava dormindo? Como posso

estar certo? Acredito que sim, pois me lembro de ter me deitado. Mas o que houve?, afinal.— Marcus Flaming foi assassinado.— Hem? Mas como? Nesta casa não fico mais um segundo. Prefiro que me metas na cadeia

a ficar aqui. Preso muito minha vida ara me deixar matar.— Queres ir, mesmo, à cadeia?, Valdeque.— Prefiro. É mais seguro.— Sinto muito, Valdeque, mas hoje terás que ficar. Depois, talvez...

VÀs 9h da manhã seguinte inspetor Jaime Patrício estava naScotland Yard, em sua sala.— Então, Crawford. Investigastes o que vos pedi? — Indagou, se dirigindo a um rapaz que

estava de pé, ao lado da mesa.— Perfeitamente, inspetor. — Respondeu o rapaz, enfiando a mão no bolso e retirando um

papel.— Aqui está um relatório sobre toda nossa investigação.— Muito bem, Crawford. Ponhas sobre a mesa e podes ir.5min após a saída do rapaz o inspetor terminava a leitura do relatório. O atirou, aborrecido,

sobre a mesa. Nele nada havia de interessante.— Respeitável! Respeitável! Respeitável! — Exclamou, se erguendo da cadeira e

caminhando até a janela.Depois, como quem se recorda dalguma coisa que esqueceu, voltou à mesa e novamente

começou a ler o relatório. Em certa altura seu rosto tomou nova feição. Fincou os cotovelossobre a mesa e, apoiando a cabeça sobre as mãos, leu com mais calma a parte que prendera suaatenção.

Depois levantou os olhos do papel e ficou olhando um canto da sala como se procurasse selembrar dalguma coisa.

Capitão Edu entrou nesse momento.— Então Jaime. Nada de novo?— Leias este relatório, Edu.— Sim. E o que tem isso? Nada vejo que nos ajude. — Disse o capitão, colocando o

relatório sobre a mesa depois de o ler.

Page 146: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— À primeira vista também nada reparei, Edu. Mas depois, lendo melhor, encontrei umacoisa que talvez seja pura coincidência mas que nem por isso deixa de ser interessante.

— O que é?— No dia em que foi assassinado, Dique Weldon esteve nos consultórios de Carlos Hubert,

de Tomás Sloane e no escritório de Valdeque Morris. E foi envenenado...— Não Jaime, o veneno que o matou é uma droga fulminante. Ele não teria tempo de chegar

a casa. Estou quase certo de que foi envenenado no jantar.— Nesse caso, se o veneno era fulminante, não terminaria o jantar.— Sim, é verdade. Não deixas de ter razão nesse ponto. Mas a ida de Dique Weldon pode

ter sido pura coincidência.— Assim como o suicídio de Eugênio Weldon...— Por quê?— Porque, no dia em que suicidou, Eugênio Weldon esteve no consultório de Carlos Hubert

e no de Tomás Sloane.— Por-deus!, Jaime Será que...— Não sei. Desconfio de todos. Sei que Larry Weldon foi morto com um tiro de rifle, que

foi disparado da casa alugada do judeu. também sei que Marcus Flaming foi assassinado comum bisturi e que Eugênio e Dique Weldon morreram envenenados com ácido cianídrico. Porémignoro a mão que praticou todos esses crimes. Desconfio de quem seja o assassino mas, porenquanto, nada posso provar.

— É verdade, Jaime. Já me ia esquecendo: O chefe de polícia deseja te ver.— Não sabes de que se trata?— Creio que é a respeito de todas essas mortes. Está bastante aborrecido.Instantes após inspetor Jaime Patrício entrava no gabinete do chefe de polícia.— Desejas me ver?, sir João.— Perfeitamente, inspetor. — Respondeu, se sentando e atirando o corpo ao encosto da

cadeira. — Faças o obséquio de sentar.— Obrigado, senhor.— Tua conduta neste caso dos Weldon, inspetor Jaime, é verdadeiramente lamentável.

Erraste de princípio, mantendo todas aquelas pessoas, como prisioneiras, dentro da casa.— Perdão, sir João, mas fiz o que achei melhor.— O que chamas de achar melhor?, inspetor Por acaso todas as mortes não foram oriundas

da tua intransigência? Erraste!, inspetor. Intransigência conduz, infalivelmente, a conseqüênciaabsurda ou desastrosa, como em nosso caso. Creio que me entendes perfeitamente. Não?

— Sim, sir João. Devo resignar?— Em absoluto, inspetor. O senhor é um dos melhores agentes da Scotland Yard, e eu

próprio reconheço. Minha única intenção ao te chamar foi te advertir do erro que praticaste.— Obrigado, senhor. Dentro de 24 horas entregarei o culpado à justiça.— Tanto melhor pra ti, inspetor.

A noite estava bastante agradável e magnífico luar enchia de encanto o imenso jardim da

Page 147: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

residência dos Weldon. Inspetor Jaime Patrício saiu pra percorrer o arredor após o jantar.Caminhou despreocupadamente um bom trecho do terreno e depois retornou a casa. Antes dechegar viu alguém agachado na grama como se estivesse procurando algo. Se aproximou,devagar.

— Posso te ajudar na busca?, doutor. — Perguntou, docemente. Doutor Hubert se ergueu,assustado:

— Ó!, inspetor. Me assustaste. Ando tão amedrontado com essas mortes...— Estavas procurando algo? Doutor.— Sim, inspetor. Uma medalha que perdi. Por quê?— Por nada doutor. Pensei que fosse um instrumento cirúrgico como por exemplo... um

bisturi.— Com licença, inspetor. — Disse doutor Hubert, se afastando.O inspetor Jaime ficou contemplando um instante a silhueta do doutor, que se afastava,

depois caminhou em direção à casa.Berenice Weldon estava só na sala e inspetor Tom a vigiava dum canto da janela. Jaime

perguntou:— Olá!, Tom. Onde estão Valdeque Morris e Tomás Sloane?— No jardim.Não decorrera ainda 5min desde que os dois inspetores principiaram a conversa, quando

ouviram um estampido. Rapidamente se atiraram à porta, ganhando o jardim, ao mesmo tempoque um policial, apitando, correu a eles, dizendo:

— Mataram doutor Hubert, inspetor. O corpo está ali. E conduziu os doisdetetives ao local.

Doutor Hubert já estava morto quando se aproximaram.— Francamente!, Jaime — Exclamou Tom. — Vão morrendo e nada fazemos.— Isso pensas tu. Nesta casa não haverá mais morte, porque antes de raiar o dia prenderei o

assassino.Tomás Sloane apareceu naquele momento.— Céus! O que é isso?— Era doutor Hubert, rapaz. — Respondeu Jaime. — Viste Valdeque?— Sim, senhor inspetor. Ia em direção à casa, agora mesmo. Lhe perguntei se ouvira um

tiro, pois que ouvi, e me respondeu mal.—Tom, providencies a remoção do corpo.Eram 3:30h da madrugada. O silêncio reinava no velho casarão de Chélsia. O corpo já fora

removido e todos os policiais que montavam guarda à casa foram dispensados na presença detodos, depois dum entendimento entre inspetor Jaime e capitão Edu.

Atrás do reposteiro, no quarto de Valdeque Morris, o inspetor montava guarda, sem quealguém suspeitasse de sua presença. Enquanto isso Tom Malloney continuava na agradávelmissão de proteger a vida de Berenice Weldon.

A janela do quarto de Valdeque era perfeitamente visível aos olhos do inspetor, oculto entreos reposteiros.

Não havia decorrido ainda meia hora desde que Jaime se ocultara ali, quando o advogadose ergueu do leito. Apanhou o chambre, o vestiu e se encaminhou à porta. Cinco minutos após

Page 148: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

sua saída, Jaime deixou o esconderijo, disposto a o seguir. Passou junto à janela e viu o vultodum homem que corria procurando abrigo, inteiramente banhado pela claridade da lua. Saiu,apressado, do quarto ao encontro da estranha aparição, sem mais pensar em Berenice Weldon.A sabia protegida, enquanto a seu lado estivesse inspetor Tom.

Mal ganhara o jardim e ouviu um grito. Um vulto se afastava nesse momento, correndo atrásduma moita.

O corpo dum homem de meia idade jazia no lugar donde saíra o vulto, com uma facaenterrada no peito até o cabo. A feição era familiar ao inspetor Jaime. Se tratava de HugoWeldon, primo de Eugênio Weldon e cujo paradeiro era ignorado.

Na manhã seguinte capitão Edu Brown recebeu inspetor Jaime de muito mau humor.— Não sei mais o que fazer, nem como explicar a sir João o motivo porque retiramos os

guardas de Chélsia.— Não precisas pensar mais nisso, Edu. Tomás Sloane é nosso homem.— Hem?— Sim, Edu. Os milhões tomaram completamente a cabeça do pobre rapaz.— Mas é impossível, Jaime. Nem é herdeiro.— Ele não, Edu, mas... sua noiva Berenice Weldon, herdaria toda a fortuna se os outros

morressem. Agora tudo está bem claro pra mim e te explicarei morte a morte: Eugênio Weldone depois Larry foram envenenados pela mesma droga. Ambos no consultório de Tomás Sloane.O rapaz é dentista e se aproveitando disso, ao obturar os dentes de Eugênio Weldon e Larry,colocou um pouco de ácido cianídrico nas cavidades dos dentes de ambos, calculando porémessa quantidade de maneira a que a absorção só se verificasse três horas mais tarde. Depois,como ficasse retido em Chélsia procurou outro meio de eliminação aos restantes herdeiros, masde modo que ninguém suspeitasse. Foi assim que atirou com um rifle, da casa vazia, em DiqueWeldon, certo de que eu suspeitaria, como suspeitei do judeu que a alugara. Depois eliminouMarcus Flaming com um bisturi, bisturi esse que pertencia ao doutor Hubert, certo de que minhasuspeita recairia no doutor. Completamente dominado pela fortuna que lhe pertenceria,indiretamente, e animado com meus insucessos, prosseguiu na série de morte. A próxima vítimafoi doutor Carlos. O matou com um revólver que encontrei na relva do jardim, revólver quepertencia a Valdeque Morris. Parece que ele desconfiou de qualquer coisa, razão pela qualdeixou o quarto altas horas da madrugada, na noite em que o segui. Quanto ao primo de EugênioWeldon, Hugo, tenho quase a certeza de que Tomás o matou porque presenciara o assassínio dodoutor.

— E sabias de tudo isso?, Jaime.— Mais ou menos. Na noite em que Dique Weldon foi assassinado reparei que os sapatos

de Tomás Sloane estavam sujos de lama. Quando visitei a casa vazia nessa mesma noite,aconteceu que também sujei os meus.

— Por que não o prendeste então?— Era arriscado. Não tínhamos prova capaz de convencer o júri.— Ainda não temos.

Page 149: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— É verdade. Porém o apanharemos...— Será que tentará matar Valdeque Morris?— Não tenho dúvida.— Não será tolo de praticar mais esse crime, pois desde que só um herdeiro fique vivo, é

evidente que...— Te digo que procurará matar Valdeque nesta noite. Está tão obsedado pelos milhões que

duvido que ainda possa raciocinar.

Valdeque Morris, ciente de tudo, por intermédio do inspetor Jaime, se preparou pra dormir,enquanto ele se colocava por trás dos grossos e pesados reposteiros do quarto, em companhiade capitão Edu e de inspetor Tom.

Passava um pouco da meia-noite quando a porta foi cautelosamente aberta e Tomás Sloanepenetrou no quarto. Em sua mão brilhava uma arma. Valdeque Morris suava entre os lençóis àmedida que ele se aproximava da cama. Súbito, as luzes foram acesas.

— Te levantes!, Valdeque. — Gritou Tomás, apontando a arma.— Tomás! Tu... — Disse o advogado, simulando espanto.

— Sim, Valdeque. Eu mesmo.— Te apanharão.— Não, Valdeque. O autor de todos os crimes será considerado tu.— Eu? Como?Tomás Sloane retirou um papel do bolso e o colocou sobre a mesinha, diante dos olhos de

Valdeque.— Antes de te matar quero que assines isto.— Mas o que é?— Vamos! Assines logo, Valdeque. É a confissão de teus crimes. Te lembres de que

estamos sós na casa.Os três homens de Scotland Yard saíram do esconderijo.— Bravo!, Tomás, bravíssimo! — Exclamou inspetor Jaime.A arma que o rapaz tinha nas mãos detonou uma vez, ao mesmo tempo que as armas de

Jaime e de inspetor Tom detonavam também. Tomás Sloane caiu morto no momento em quecapitão Edu e Valdeque Morris amparavam inspetor Jaime Patrício.

— Foi nada, Edu. Creio que apenas um arranhão.Berenice Weldon, que despertara com os estampidos, contemplava, da porta, horrorizada, o

quadro que tinha diante dos olhos. Compreendeu tudo, antes mesmo que lhe explicassem.Enquanto Jaime tirava o casaco, deixando ver a camisa toda ensangüentada à altura do ombrodireito, Tom caminhou à moça.

— Não era digno da senhorita. — Disse, a segurando pelo braço e conduzindo a longedaquele quarto.

Uma semana mais tarde, estirado no sofá, em seu apartamento, inspetor Jaime, ainda emconvalescença, conversava com seu criado.

— Então, Lucas. Como vai a doce May?

Page 150: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Muito bem, senhor. Ficou te admirando muito depois que lhe contei os elogios que mefizeste.

— Á!... Então ela te ama, mesmo. Não é?— Parece, senhor.— Pelo que vejo, Lucas, o único homem feliz que eu conheço é Tom. Não sabe o que é amar.Inspetor Tom entrou naquele momento, com um sorriso nos lábios. Envergava um terno novo

e seu cabelo, muito bem penteado, deixava exalar um suave perfume de violeta.Jaime o olhou, desconfiado. Disse Tom:— Estou apaixonado, meu amigo.— Estás o quê?— Apaixonado!, meu amigo. Que olhos... que rosto... Como é linda!...— Será, por acaso, Berenice Weldon?— Em pessoa, meu amigo.Lucas, que ouvia a conversa, um pouco afastado, prendeu um sorriso preste a escapar dos

lábios, olhando seu patrão.— O que é que estavas dizendo, mesmo, a respeito de inspetor Tom?— Que é também um tolo, Lucas. Um grandíssimo tolo.

Page 151: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Adamadatúnicaescarlate

IUm estranho chamado

nspetor Jaime Patrício, regressava a Londres naquele dia sombrio, depois de gozar doislindos, felizes e dispendiosos meses. Se estava quebrado e ele próprio o sentia, não vendomais que alguns xelins no bolso, também estava contente e mais disposto de corpo e de espíritoquando saltou na estação de Vitória. Antes de decidir tomar uma condução, descansou uminstante uma valise de tamanho regular, que era toda sua bagagem, e ficou contemplando o vai-e-vem humano naquela estação. Sua figura esbelta e impecável era facilmente distinguível nomeio do povo.

Tinha 1,90m de altura, ossos e músculos.Jaime segurou novamente a valise, puxou o chapéu um pouco mais aos olhos e ia se meter

num táxi, quando a silhueta dum homem ainda novo, louro e bem vestido lhe chamou a atenção.Atirou a valise ao banco traseiro do carro, fazendo um gesto, ao chofer, pra que esperasse.

— Meu amigo Flash, como vais? — Disse Jaime ao rapaz louro que ainda não notara apresença do inspetor.

— Ó!, inspetor Jaime! Não te esqueces de nós. Hem!— Como é que eu poderia esquecer um rostinho tão bonito?, Flash. Pensei que ainda

estivesses gozando umas feriazinhas em Portolândia.Não, inspetor. Agora estou no bom caminho e trabalhando. Queres dizer que alguém anda

trabalhando pra ti. Não é?, Flash.E o que chamas de bom caminho?— Bem... inspetor. Vás desculpar que eu vá andando, mas... Preciso ir e nada tens contra

Page 152: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

mim.Jaime esperou que a figurinha horripilante de Flash se afastasse e se meteu no carro,

mandando seguir à Scotland Yard.— Olá!, Jaime, velho amigo. — Disse capitão Edu, apertando fortemente a mão de seu

companheiro de luta — Quando chegaste?— Há poucos minutos. E nossa velha Londres, sempre a mesma...Sinto muito ter precisado interromper tuas férias.— Sim. É verdade. Recebi teu telegrama e aqui estou.— Mais forte e risonho. Vamos a tua sala. Tom ficará contente em te ver.A sala de inspetor Jaime Patrício ficava situada quase no fundo do corredor do primeiro

andar do edifício da Scotland Yard e tinha o número 47.Jaime segurou a maçaneta da porta e entrou, sozinho, naquela sala onde há dois meses não

entrava. Pôs o chapéu e a capa sobre um pequeno arquivo e se sentou, satisfeito, atirando ocorpo ao encosto da cadeira. Contemplou os papéis arrumados sobre a mesa, os dois grandes epesados armários e, soltando um suspiro, foi à janela e espiou. A tarde começava a avançar e sevia um lindo quadro no dique do Tâmisa. As pontas dalguns edifícios apareciam através donevoeiro. Além uma longa linha verde de árvore sombreando um caminho e bondes cor dechocolate correndo de cá a lá. Era um fragmento de Londres pulsando, concorrendo ao aumentoda pulsação incessante da velha Albião.

Jaime estava absorto em pensamento quando a porta se abriu, dando entrada a TomMalloney, seu companheiro inseparável. Trabalhavam sempre juntos e na Yard diziam, mesmo,que era seu braço direito.

— Jaime! Como estou contente por teres voltado. — Exclamou Tom, quase se atirando aosbraços dele.

— Sim, Tom. Creio que é a ti que devo agradecer a boa arrumação da minha sala. — DisseJaime, pondo o braço sobre o ombro de seu companheiro.

Jaime, depois de assinar alguns papéis, saiu da sala pra se encontrar com capitão Edu.— Se achas que fiz mal em te chamar não te entregarei este caso e podes voltar ass férias

interrompidas. Mas quero muito que fosses tu quem solverá o caso que acho bastante estranhopra entregar a qualquer outro de meus homens. O próprio sir Bartolomeu Lansing formulou essedesejo.

— Isso é muito honroso pra mim mas não tenho idéia de quem seja esse BartolomeuLansing. E qual é o caso?

— Não te posso dizer. É parte do pedido que me fez. Apenas te adianto que é um homemrespeitável. O mais saberás por ele próprio.

Jaime voltou à sala. Depois de dar umas voltas no aposento apanhou o chapéu que estavasobre o arquivo, pra sair.

— Vamos, Tom. Preciso passar em meu apartamento. E, também, quero tomar ar.O apartamento de Jaime ficava no terceiro e último andar dum prédio escuro, repartido em

três moradias, na travessia da rodovia Charing. Na primeira morava um velho músico quepassava horas inteiras tocando a valsa do Adeus. Na segunda morava Tom, que de tanto ouvir ovelho músico tocar a mesma valsa, apanhou o hábito de àssobiar nos momentos alegres.

Quando atingiram o segundo patamar Tom retirou uma pequena chave do bolso pra abrir a

Page 153: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

porta de seu apartamento.— Não, Tom. Venhas ficar um pouco comigo. Meu bom criado Lucas nestas hora já deve

estar com dois copos de uísque preparados pra nós. Queres apostar? E queres apostar, também,como dirá, a nossa entrada: Estou contente, senhor, por tua volta. Já arrumei tuas coisas, senhor.Linda noite não?, senhor.

Os dois inspetores entraram no apartamento de Jaime e Lucas os recebeu à porta.— Olá!, Lucas. Como vais?— Bem, obrigado, senhor. Em verdade estou muito contente por tua volta, senhor e...Jaime olhou a Tom, piscando um olho, e os dois detetives soltaram, ao mesmo tempo, uma

gostosa gargalhada.

IIQuem é Bartolomeu Lansing

Na manhã do dia seguinte inspetor Jaime Patrício estava na Scotland Yard às 8:30h. Sobresua mesa alguns memorandos do departamento e vários documentos a ser entregues aossuperiores da Yard.

Jaime olhou os papéis e assinou dois, guardando os outros. Capitão Edu entrounaquele momento na sala.

— Estás disposto a aceitar o caso de sir Bartolomeu?— Sim. Penso que não há outro remédio. Onde reside sir Bartolomeu?— Eu sabia que aceitarias. Sua residência fica em Hampstead. Jaime atravessou o corredor

da Scotland Yard e, à saída, deu de cara com Tom.— Hem!, Jaime. Aonde vais?— A Hampstead. Venhas comigo.Os dois inspetores tomaram um ônibus. Durante a viagem se mantiveram em silêncio.

Desceram antes do destino e tiveram de caminhar quase 100m até a residência de sirBartolomeu Lansing.

Era uma casa de aparência comum, sombria e despida de ornamento, de dois andares masmuito alta.

Os dois inspetores atravessaram a rua, subiram alguns degraus e Jaime tocou a campainha.A porta foi atendida por um criado. Jaime lhe dirigiu poucas palavras, pedindo que o

conduzisse a sir Bartolomeu.O vestíbulo era alto e espaçoso e tinha as paredes forradas com painéis de madeira escura,

desde o chão de mosaico de mármore até o teto. Uma escada com passadeira, vermelho escuro,conduzia ao andar superior. O mobiliário do vestíbulo consistia, apenas, numa mesa losangular,sobre a qual repousava um telefone e uma cadeira de encosto. A iluminação era feita por luzindireta. Por uma janela em semi-círculo, no canto, entrava a luz natural. Além da janela haviasomente duas portas. Uma à esquerda da de entrada, por onde desaparecera o criado. A outraem frente.

Page 154: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Jaime continuava o exame quando o criado apareceu, abrindo a porta e convidando a entrar.Jaime se encontrou numa grande sala ricamente mobiliada. As paredes estavam cobertas de

quadro e tapeçaria. No fundo da sala se via uma bela mesa de trabalho, atrás dela apareciamquatro janelas, de cujos lados pendiam pesados reposteiros de veludo que, corridos, barravamtoda luz.

Um homem que estava sentado numa riquíssima cadeira se ergueu à entrada de Jaime e Tom.Era baixo, franzino e de fisionomia sadia. De testa calva, olhos fundos e muito separados,usava, enfeando ainda mais a expressão do rosto, um pincenê{14} muito esquisito. Parecia, noentanto, estar envolvido numa atmosfera de conforto e bom-humor.

Estendeu a mão aos dois inspetores, apertando efusivamente a de Jaime.— Não imaginas como estou satisfeito por atenderes a meu apelo.— Muito obrigado, sir Bartolomeu. Estou a tuas ordens, se bem que ainda de nada saiba.Sir Bartolomeu indicou duas confortáveis cadeiras de couro, aos inspetores, se sentando

atrás da mesa.Abriu uma caixa e ofereceu charuto.— Inspetor Jaime. Agora te peço que me escutes sem comentário.— Perfeitamente, senhor.— Há quinze anos, isto é, quando eu tinha vinte e nove anos, portanto um rapaz ainda, perdi

meu pai, o que me causou profundo desgosto. Nessa ocasião eu estava na Guatemala e fuiobrigado a vir, imediatamente, a Londres.

Ao partir deixei ali, ao abandono, uma mulher com quem eu mantinha relação. Comecei,aqui chegando, a dirigir o negócio de meu pai e consegui ganhar algo. Depois a sorte me foiadversa e perdi tudo que possuía. Nunca mais tive notícia da tal mulher, até que, há dois anos,soube que falecera na mais negra miséria. Senti muito, inspetor, mas eu nada podia fazer.Pensam que sou rico mas é engano. Do que tinha não me resta mais um xelim. Se acham que umdinheiro que quando eu morrer passará às mãos de outros, é fortuna, então posso dizer queainda tenho algo, apesar desta casa estar hipotecada. Se vivo ainda, no entanto, com este luxo égraças ao lugar que ocupo de diretor do banco Londres Chatã.

— Sobre o dinheiro que disseste que passará às mãos doutros quando morreres, acho que éum seguro de vida.

— Exatamente inspetor. Os beneficiados são meu sobrinhoÉrico Lansing e a minha secretária senhorita Lurdes Smith.— Mas não vejo necessidade de meu serviço.— Um momento, inspetor, ainda não terminei minha narrativa. Como eu estava dizendo,

nada possuo e essa é, portanto, a razão de não poder satisfazer às ameaças da mulher queabandonei na Guatemala.

— Como? Não me disseste que falecera?— Sim, inspetor. Assim me disseram. Mas há dois meses aparece nesta casa, exigindo uma

quantia que não possuo.— Estarás, por acaso, sir Bartolomeu, querendo dizer que esta casa é mal-assombrada?— Sou forçado a isso, inspetor. Eu próprio já me convenci. A vi duas vezes, passeando no

vestíbulo, coberta com uma túnica escarlate. Não acreditas. Não é?

Page 155: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Bem..., sir Bartolomeu, sinto muito te contrariar mas... os que tentaram me fazer acreditarem fantasma enviei de presente ao carrasco. Afinal, o que queres que eu faça?

— Em suma, inspetor. Quero que me protejas. Estou ameaçado de morte. Disse que eumorreria no dia 20 e, hoje sendo 17 tenho três dias de vida.

— Ouviste a voz?— Sim. Era ela. Estou certo.— Terás, porventura, um retrato dessa moça?Jaime contemplou o retrato duma mulher vistosa, que sirBartolomeu lhe entregara, depois de retirar de dentro do relógio.— Se me permites, a guardarei, senhor.— Sim, inspetor. Peço que compareças, hoje na noite, a esta casa. Mandarei arrumar o

quarto de hóspede.— Muito obrigado, sir Bartolomeu. A que horas devo vir?— Não te incomodes. Mandarei te buscar.Saíram por onde entraram. Jaime olhou fixamente a fisionomia do criado.Já na rua Tom falou, em primeira vez desde a chegada.— Trabalharei contigo Jaime?— Sim, Tom. Mas nesta noite não virás.

IIILurdes

Eram 10:30h da noite e Jaime Patrício estava sentado em sua sala, na Scotland Yard, com acabeça apoiada entre as mãos. Sobre a mesa descansava um pequeno retrato de mulher ao qualolhava. Apertou uma campainha e, poucos instantes depois, surgiu um mensageiro fardado aquem Jaime deu um papel pra ser entregue a capitão Edu. O mensageiro ia sair quando Jaime ochamou.

— Rapaz! Espero uma pessoa às 11h. Dês ordem pra que a deixem entrar.— Sim senhor, inspetor Jaime.Depois que o mensageiro saiu o inspetor se levantou, caminhando até a janela.Pouco depois leves batidas foram ouvidas.— Entres! — Exclamou Jaime, sem se voltar.A porta foi aberta e na sala surgiu uma moça admiravelmente bela. Uma linda cabeleira

loura emoldurando uma testa alva dava grande realce aos olhos claros e límpidos, fixos nascostas de inspetor Jaime, que permanecia olhando pela janela.

— É o gabinete de inspetor Jaime Patrício?Ao som daquela voz feminina Jaime se voltou rapidamente e não pôde responder logo, pois

a surpresa o emudecera, ante aquela figura elegante e delicada.— Meu-deus!A moça sorriu e Jaime confessou nunca ter visto criatura tão linda e graciosa.

Page 156: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— É o gabinete de inspetor Jaime?— Sim, senhorita. Sou inspetor Jaime Patrício.— Tu? Ó! Meu nome é Lurdes Smith. Sou secretária de sir Bartolomeu Lansing.— Não digas que veio me buscar!— Sim, e creias que estou desapontada.— Como?— Sim. Não pensei que fosses tão moço... Te julgava um senhor idoso.Jaime sorriu, apanhando a capa e o chapéu.Atravessaram o corredor e, enquanto andavam, Jaime, observando os movimentos da moça,

teve a impressão duma elegância e graça extraordinárias.Na entrada da Scotland Yard havia um auto que os esperava. Enquanto o carro corria em

direção a Hampstead, Jaime estava convencido de que, desde que deixara a Scotland Yard, umanova, poderosa e nunca dantes sentida sensação lhe invadira a alma. Era pouco romântico masdiante daquela moça, de vinte anos presumíveis, se sentia capaz de dizer coisas amorosas.

Lurdes Smith olhava o rosto de Jaime e não pôde deixar de reconhecer que eraextremamente simpático.

— Então é este o tão falado e temível inspetor Jaime Patrício, o homem que vencia sempree que os criminosos, se fossem argüidos, diriam ser a primeira pessoa que desejariam encontrarna profundeza do Inferno! — Ela exclamou consigo.

Naquele momento o carro entrou numa curva e Jaime olhou a Lurdes Smith.— Trabalhas há muito com sir Bartolomeu?— Sim, inspetor. Desde que perdi meus pais, com a idade de 16 anos.Ele desejaria, ainda. perguntar muitas coisas mais, porém já chegaram.

IVNoite sinistra

Sir Bartolomeu Lansing estava em seu escritório, em traje caseiro, quando Jaime entrou emcompanhia de senhorita Smith. Um sorriso aflorou aos lábios quando viu a figura do inspetor.

— Muito obrigado, sir Bartolomeu, por me enviar tão cativante companhia.— Se queres agradecer agradeças a si mesma. Foi por sua espontânea vontade.Lurdes sorriu e Jaime notou, naquela sala claramente iluminada, que ela era mais linda do

que pensara na Scotland Yard. E notou mais, que piscava os olhos graciosamente, quando sorriaou falava.

Sir Bartolomeu puxou uma campainha de cordão e o criado atendeu prontamente.— Desejas beber algo?— Não, obrigado. Se não for incômodo quero uma chávena de chá.— Tomarás, inspetor, e feito por mim. — Disse senhorita Smith, saindo logo depois do

criado.— Esse empregado está contigo há muito tempo?, sir Bartolomeu.

Page 157: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Sim. O trouxe da Guatemala.Sir Lansing olhou o grande relógio cujos ponteiros marcavam exatamente 11:30h.— Dentro de meia hora verás os horrores desta casa na meia- noite. Tens algum plano?Senhorita Smith entrou com uma bandeja entre as mãos. Enquanto sorvia, a pequenos goles,

o chá, Jaime fitava sir Lansing.— Não sei o que tencionas fazer, inspetor, mas teu quarto está pronto.— Muito obrigado, senhor, mas ficarei aqui mesmo.— Aqui? — Interrogou Lurdes Smith.— Justamente, senhorita. Nesta mesma cadeira na qual estou sentado. Quero que se recolham a

vossos aposentos, como sempre.20min decorreram desde que sir Bartolomeu e senhorita Smith subiram. Toda a casa estava

mergulhada no mais profundo silêncio e na mais completa escuridão. Súbito, vindo de qualquerparte, ouviu um fraco gemido. Ficou mais forte. Jaime se ergueu da cadeira, segurando alanterna de bolso. Parou na soleira da porta que liga o vestíbulo ao escritório. O gemido cessoue tudo recaiu em silêncio. Já ia voltar, quando ouviu um barulho, como o de móveis sendoarrastados. Favorecido pelo silêncio da casa o ruído ficava cada vez mais forte. Jaime, lanternaem punho, percorria todos os recantos, procurando localizar o lugar donde partia. Não haviaalguém ali. O ruído cessou novamente. De repente principiou de novo, agora acompanhado pelogemido. Jaime se enfureceu e começou a suar.

Durante 5min tudo permaneceu em silêncio. Voltou à cadeira. Não tardou muito a ouvir, nãomais o gemido ou o ruído mas uma voz metálica de mulher:

— Sim Bartolomeu. Sou eu mesma. Morrerás depois de amanhã. A luz do vestíbulo foiacesa e Jaime viu sir Bartolomeu descendo a escada, pálido, tremendo, apoiado no braço desua secretária.

— Inspetor! Ouviste?Jaime caminhou até a escada a encontro de ambos.— Te acalmes, sir Lansing. Senhorita Lurdes, queiras o acompanhar até seu quarto.— Sim inspetor, mas...— Fiques tranqüila senhorita. Tenho certeza de que nada mais acontecerá.De fato, nada mais aconteceu naquela noite e Jaime pôde descansar um pouco.

VÉrico Lansing

Muito cedo, na manhã seguinte, Jaime estava na Scotland Yard. A cabeça doía um pouco.Depois de despachar alguns papéis saiu com destino à casa. Lucas nem perguntou onde o patrãoestivera a noite toda e se limitou a lhe dar um remédio que fora pedido e preparar a roupa praele vestir ao sair do banho.

— Lucas, há em Londres uma criatura encantadora! Um anjo de graça.— Acredito, senhor.

Page 158: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Lucas, já viste um fantasma?— Felizmente não, senhor. Penso que isso não existe. Minha mãe costumava me amedrontar

com fantasma. É a esses que te referes?— Sim, Lucas. É isso mesmo. Querem amedrontar alguém!Jaime acabou de se vestir e saiu. A primeira pessoa que encontrou ao chegar à Scotland

Yard foi Tom.— Então, Jaime. Como foi a aventura em Hampstead?— Muito bem, Tom. O joguinho parece ser bem feito!— O que houve?— Quase nada: Móveis se arrastando, gemidos e vozes ameaçadoras.— Hem?No corredor os dois inspetores se separaram. Tom seguiu ao gabinete 47 e Jaime foi à sala

de capitão Edu Brown.— Salve!, Jaime. Já sei de tudo o que houve. Sir Bartolomeu me telefonou há pouco.— Sim. Acredites que não gostei muito daquela brincadeira. Onde trabalha o sobrinho de

sir Lansing?— Érico Lansing?— Sim. Quero lhe fazer uma pequena visita.— É diretor duma companhia de seguro cujo nome é Greenwich.— Duma companhia de seguro? Então vou andando. Preciso ver Érico Lansing.Eram 10:30h quando inspetor Jaime Patrício deixou a Scotland Yard pra fazer a visita.Outro homem levava dez minutos de vantagem e ia ao mesmo lugar. Era um tipinho

horrivelmente louro: O ex-sentenciado Flash Millis. 5min depois chegou a uma rua sossegadaem Bloomsbury, ocupada, principalmente, por joalheria. Havia uma exceção: Um edifício alto eestreito de tijolo escuro, onde estava instalada a Greenwich. Flash subiu no elevador, saltandono segundo andar. Parou diante duma porta onde se lia, em letras pretas, Érico Lansing e, comoum íntimo, sem cerimônia, entrou.

Um homem alto, muito vermelho e de cabeça grande, se ergueu, assustado, à entrada deFlash.

— Assustado?, senhor Lansing.— Não! Pensei que não estivesses em Londres. O que queres?— Sim, senhor Lansing? Sabes que as coisas não andam bem e eu estou precisando de

algum...— És um miserável! Não te darei mais um xelim! — Gritou Érico Lansing, segurando Flash

Millis pelo casaco: — Te retires já, seu...Flash Millis se livrou das mãos de Érico Lansing sacando, do bolso, um pequeno revólver.— Ei!, senhor Lansing. É melhor te acalmares, porque...Nesse momento uma voz calma, a mais doce do mundo, perguntou:— Posso prestar algum serviço?Flash Millis olhou o intruso com uma expressão quase cômica no rosto. Era inspetor Jaime

Patrício que ali estava, com um sorriso nos lábios.Érico Lansing, que já recuperara a calma, se voltou a Jaime.

Page 159: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Desejas alguma coisa?, senhor.Vim pra te conhecer, senhor Lansing. Creio, porém, que cheguei numa péssima ocasião.

Não? Sou inspetor Jaime Patrício, da Scotland Yard.E, se virando a Flash:— Sabes que eu poderia te prender por andar armado?O ex-sentenciado estava nervoso e a mão que procurava acender um cigarro tremia.— Estás me perseguindo? Inspetor. — Perguntou Flash, procurando recuperar o sangue-frio.— Não, belezinha. E pra mostrar que falo a verdade, te darei licença pra ir embora.Flash Millis ia saindo, quando Jaime o chamou.— Ei! Podes ir mas deixes comigo o canhãozinho que estavas empunhando quando cheguei.Flash entregou o pequeno revólver e saiu, apressado, daquela sala, maldizendo o inspetor.— Conheces esse homem que acabou de sair?, senhor Lansing.— Sim. Conheço, inspetor.— Não achas um tanto esquisito que um diretor comercial duma companhia de seguro tenha

relação com um tipo como Flash, que pertence à classe dos criminosos e já cumpriu sentença napenitenciária?

— Sim. De fato, inspetor. Mas te chamei pra averiguar a respeito dum homem que eleconheceu na penitenciária. E por mais estranhas que lhe possam parecer minha relação com ele,não as posso explicar.

Poucos minutos depois, Jaime descia, pensativo, o pavimento Bloomsbury. O que Flash Millisfora fazer na Greenwich? O que significava aquele revólver em punho e o rosto encolerizado deÉrico Lansing? Jaime sabia que ali havia um mistério qualquer e que senhor Lansing não lhe disseraa verdade. E também donde estaria saindo o dinheiro pra Flash luxar?

Inspetor Jaime Patrício tomou um carro e mandou seguir à Scotland Yard.

VIFlash se intromete

O louro ex-sentenciado Flash Millis estava parado em Piccadilly naquela hora da tarde.Reparou na graciosa silhueta de moça que caminhava apressada na calçada e resolveu se atirar.

Lurdes Smith viu que Flash se aproximava e acelerou o passo. Outro homem caminhavaatrás de Flash, atento ao movimento.

No instante em que ele se dirigiria à moça, uma pesada mão caiu sobre os ombros.Fazendo alguma conquista?, Flash.— Ó!, inspetor. És o Diabo em pessoa. Estás em todo lugar!— Sim?, Flash. Pois trates de andar direitinho. Te lembras da galeria G, em Portolândia?

Estou com vontade de te mandar gozar mais umas feriazinhas!Lurdes Smith, um pouco afastada, apreciava aquela cena. Quando Flash se afastou se dirigiu

ao inspetor.— Boa tarde, inspetor. Obrigada. Não sabia que também eras protetor de moça.

Page 160: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— E sou, senhorita. De moça bonita...— Mas eu já estou acostumada a andar só, inspetor, e não tenho receio de conquistadores.— Jaime a acompanhou até Hampstead, a deixando em casa.Ia atravessar pra tomar um carro, quando viu Flash entrando num prédio contíguo ao de sir

Bartolomeu. Era uma casa de dois andares, tendo uma drogaria na loja.— Alguma droga pros nervos? — Perguntou Jaime, batendo no ombro de Flash Millis.— Tu de novo? O que queres?— Nada, Flash. Queria ter certeza de que eras tu mesmo.Jaime saiu da drogaria e esperou um pouco na calçada. Vendo que Flash não saía tomou um

táxi.Antes de ir à Scotland Yard precisava passar no apartamento.

VIIA dama da túnica escarlate

Eram precisamente 11h quando inspetor Jaime Patrício chegou à residência de sirBartolomeu Lansing.

Estava certo de que os acontecimentos da última noite se repetiriam e acreditava que sirLansing estava em perigo de vida, porém não tinha idéia donde partiria nem de como afastaresse perigo que pairava sobre a casa de Hampstead.

Jaime, sentado na beira da cama do quarto de hóspede, esperou, impaciente, que o relógiobatesse meia-noite.

Pouco teve de esperar. Enquanto ouvia as badaladas se ergueu, vestindo um chambre. Foi aocorredor do andar superior e se debruçou no corrimão. A casa estava mergulhada no maisprofundo silêncio. Súbito a mesma algazarra principiou, da mesma maneira que na noiteanterior.

Jaime acendeu a lanterna, projetando a luz no vestíbulo. Uma figura se movia naquela parteda casa e foi totalmente iluminada pela lanterna do inspetor. Era uma mulher coberta com umatúnica escarlate!

Jaime gritou ao mesmo tempo que descia a escada, apressado. Mas parou no meio, levandoas mãos aos olhos, momentaneamente cego pelo reflexo de poderosa lanterna. Soou um tiro esentiu uma dor forte na altura do ombro esquerdo.

Quando voltou a si deu com os rostos de sir Bartolomeu e de Lurdes, que o fitavam. Olhou oombro esquerdo descoberto e viu um algodão sobre ele. Sim, agora se lembrava, fora ferido eperdera o sentido. Disse sir Lansing:

— Foi quase nada, inspetor. Apenas um arranhão.Se ergueu rapidamente. Pediu esparadrapo e com ele prendeu o algodão sobre a ferida.

Enfiou o casaco, se dirigindo à porta.— Aonde irás? — Interrogou senhorita Smith. — Estás ferido.— O que farás? — Perguntou sir Bartolomeu.

Page 161: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Irei à Scotland Yard. A pessoa que me fez este arranhão pagará caro.— Mas o que farás?— Tenho um péssimo hábito, sir Lansing: Falo pouco. Conheces um provérbio de Confúcio:

Falar é semear, escutar é recolher?{15} Pois então. Dá muito bom resultado na prática. — Disseinspetor Jaime Patrício, descendo, depressa, aquela escada onde quase encontrara a morteminutos antes.

Tomou um carro, mandando seguir à Scotland Yard. Disse o porteiro:— Inspetor, eis um envelope pra ti.Jaime abriu e encontrou um irônico{16} bilhete:Ao inspetor JaimePor que não continuas gozando as férias? Seria melhor pra ti e pra nós.— Quem entregou isto?, rapaz.— Não sei, inspetor. Foi um homem decentemente vestido.— Louro?— Sim, inspetor.Na sala número 47 se encontrou com Tom. Tirou o casaco e abriu a camisa pra ajeitar o

esparadrapo.— O que é isso?, Jaime.— Nada, Tom. Um pequeno arranhão feito pelo tal fantasma de Hampstead. Chames Edu. O

preciso ver.Depois que Tom saiu Jaime retirou, duma gaveta, o pequeno retrato de mulher que sir

Lansing lhe entregara. O colocou sobre a mesa, juntamente com o revólver que tomara de Flashe o bilhete escrito a máquina, que recebera do porteiro. Pensou no encontro com Érico Lansinge Flash. Tinha certeza de que o bilhete fora entregue por Flash. Se lembrou do ataque e concluiuque a chave de tudo era o seguro de vida.

Nesse momento a porta foi aberta e capitão Edu entrou seguido de Tom.— Então, Jaime. O que há?— Pouca coisa. Exceto eu ser ferido. Já recebeste a resposta daquele telegrama?— Ainda não. Mas espero que em breve.— E tu, Tom. Indagaste tudo?— Tudinho, Jaime. Sir Bartolomeu está, de fato, com a casa hipotecada a um judeu velho que

reside em Beverley Manor e já gastou tudo que possuía.— Eu sabia. O que não sei é o que querem com ele.Jaime guardou o retrato, o aviso e o revólver na gaveta, se virando a Edu.— Faças espalhar a descrição do ex-sentenciado Flash Millis. Quero esse tipo.Assim falando deu um até logo a capitão Edu, saindo em companhia de Tom Malloney.

VIIIA morte no carro

Page 162: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Às 9h da manhã seguinte inspetor Jaime Patrício caminhava, lado a lado, com Tom, numarua de Hampstead.

— Iremos à residência de sir Bartolomeu?, Jaime.— Sim, Tom. Mas primeiro iremos àquele prédio.Apontou uma casa de dois andares, contígua à de sir Lansing, a mesma na qual entrara Flash

Millis no dia anterior.— Naquela drogaria?— Exato. Se não estiver enganado encontrarei a solução do problema número 1. Isto é,

porque Flash Millis estava com Érico Lansing.Jaime não teve dificuldade em obter, do empregado, a informação que queria ao mostrar sua

chapa.— Sim, inspetor. O cavalheiro que procuras mora no segundo andar. Sai sempre na manhã e

só volta na noite.— Tens chave que abra o quarto?O empregado a entregou e Jaime subiu com Tom. Entraram no quarto e, depois duma busca,

encontraram um pequeno baú sob o colchão. Dentro um pacote de cartas, escritas por mãosfemininas, a Érico Lansing.

Jaime sorriu satisfeito e, segurando o baú, disse:— Vamos Tom. Encontrei o que esperava encontrar.Durante 5min fizeram soar a campainha da residência de sir Bartolomeu Lansing, sem que a

porta fosse aberta. Até que apareceu o rosto risonho de senhorita Smith.— Desculpes fazer esperar, inspetor, mas estou só.— Estás só? Onde estão sir Bartolomeu e o criado?— Foram a Beverley Manor. Sir Bartolomeu me disse que não demoraria. Estava muito

agitado e Pedro resolveu o acompanhar.— Mas, senhorita... ee Jaime se lembrou que era dia 20.— Em que carro foram?— No mesmo em que fui te buscar naquela noite.— Quem ia na direção?— Penso que sir Bartolomeu, pois havia dispensado o chofer. Receias algo?— Ó!, não, senhorita, mas tudo pode acontecer.Às 10:30h da noite Jaime estava em sua sala, na Scotland Yard, olhando pela janela. Tom e

Edu passeavam no aposento.— Será possível que até agora não conseguiram encontrar o carro?— Não sei, Jaime. Estou apreensivo.O telefone tilintou e Jaime agarrou o fone.— É inspetor Jaime Patrício? Aqui é do distrito policial de Kent. Estás procurando um sedã

preto, chapa 14.992?— Sim, rapaz. Encontrastes?— Sim senhor. Completamente queimado, na estrada de Beverley Manor. Dentro dele

encontramos o corpo dum homem completamente carbonizado.

Page 163: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Um homem carbonizado?— Sim, senhor. Parece que foi proposital. Achamos duas latas de gasolina vazias perto do

carro.— Muito bem. Vigiai esse carro. Iremos já àí. Vamos, Edu, mataram sir Bartolomeu

Lansing.

IXOsegurodevida

Jaime voltou, imediatamente, à Scotland Yard. Levava um par de abotoadura, um relógio eum anel, objetos que pertenciam a sir Bartolomeu Lansing. Os guardou na gaveta da mesa de suasala, juntamente com os outros que já estavam ali.

Agora tinha de agir e depressa. O seguro de vida era uma pista que o levava a ÉricoLansing, porque senhorita Lurdes ele varria do rol de suspeito.

— Sim, meu-deus! Mas é isso mesmo! Não podia ser Lurdes! — Pensou. O que o intrigavaera a desaparição do criado Pedro.

Capitão Edu Brown entrou na sala naquele momento:— Tudo isso é horrível. Antes de ser queimado sir Bartolomeu levou uma forte pancada na

cabeça.— Sim, Edu. Isso é explicável. Pra poderem atear fogo ao carro era preciso que sir Lansing

estivesse morto ou desmaiado. Mas o que não posso compreender é porque razão puseram fogoao carro. Queriam ocultar algo. Seja o que for, descobrirei.

Jaime pôs o chapéu na cabeça e se virou a Edu.— Espalhes a descrição do criado Pedro. Mais um pro rol.Saindo da sala tinha um destino certo em mente: A Greenwich, na Bloomsbury.Érico Lansing se ergueu, amável, à entrada de inspetor Jaime Patrício.— Ó!, inspetor. A que devo a honra de tua visita?— Conversemos seriamente, senhor Lansing. Por quanto estava segurado sir Bartolomeu?— 100 mil libras!— Aqui, nesta Companhia?— Absolutamente, inspetor. Nossa quota é apenas de 20 mil. Não podíamos aceitar uma

responsabilidade tão grande. E tivemos de fazer resseguro. Isto é, distribuímos os restantes 80mil a outras companhias. Mas, afinal, inspetor, por que desejas tal informação?

— Suponho que ainda não saibas! — Exclamou Jaime, olhando fixo o rosto de ÉricoLansing. — Teu tio foi barbaramente assassinado.

Se Érico levou choque ao receber a notícia seu rosto não o expressou. Se limitou a deixarescapar um Ó!.

— Penso que receberás tuas 50 mil libras e senhorita Smith também. Não? Quando?— Talvez amanhã, inspetor.— Sim? Muito obrigado, senhor Lansing. Espero te ver novamente muito em breve.

Page 164: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Inspetor! Por acaso...Érico Lansing não terminou a frase, mesmo porque Jaime já se retirara, com destino a

Hampstead.Lurdes Smith já estava a par do ocorrido e a primeira coisa que perguntou a Jaime, quando

ele entrou na residência de sir Lansing, foi sobre o ombro ferido.— Está melhor, senhorita. Bem melhor.— Foi horrível o que sucedeu ao pobre sir Bartolomeu. Não?, inspetor.— Sim. É verdade, Lurdes. Isto é, quero dizer senhorita Smith.— Respondeu Jaime, um tanto atrapalhado.— Jaime, isto é, quero dizer, inspetor Jaime, devo receber 50 mil libras. Não é? —

Perguntou Lurdes, um tanto corada.— Parece...— Pois resolvi as dar aos pobres. Não quero, nem um xelim, desse dinheiro sangrento.Estavam sentados na sala e Jaime não cessava de contemplar o pisca-pisca dos olhos de

Lurdes.— Lurdes, — disse Jaime, movido por uma força que até então desconhecia — não sei

como terminará este caso mas uma coisa está me preocupando: O que farás depois?, sozinha nomundo.

— Ó! Procurarei outro emprego.— Sim?, Lurdes. Acho que não deves trabalhar mais.— Por que?, inspetor. Não sou boa como secretária?— Não. Não é isso, Lurdes. Eu queria dizer... Jaime se endireitou no

sofá e engoliu em seco.— Quero dizer, Lurdes, que sei dum ótimo lugar pra ti, cujo trabalho seria o de

compartilhar a sorte dum modesto inspetor de polícia!— Não compreendo bem o que estás dizendo, inspetor.— É que, Lurdes, eu... desejo me casar contigo. Lurdes... Não sei falar muito bem sobre

essas coisas mas te amo tanto...— Sei o que queres. — Disse Lurdes, piscando e pondo a mão sobre a de Jaime. — Queres

dizer que gostas de mim.Jaime nada disse e pôs sua mão sobre a de Lurdes, que sorriu e ele, assustado, retirou a sua.

— Será que tu, Lurdes...— Ponhas tua mão aqui, de novo. — Disse Lurdes. Sua voz era quase um sussurro.Jaime obedeceu.— Queres que eu diga se aceito? Acho que sim, tolo, por que gosto muito de ti, querido

Jaime.Seus olhos se encontraram aos do inspetor, que, a tomando entre os braços, a apertou de

encontro ao coração.

X

Page 165: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Flash caminhou à morte

Jaime subiu, alegre, a escada do prédio onde morava. Uma surpresa desagradável oesperava à porta do apartamento. Queria Flash Millis e o encontrou, junto a sua porta, masapunhalado.

Jaime chamou Lucas e se comunicou com a Scotland Yard. Estava certo de queassassinaram Flash porque lhe contaria algo. Depois de falar com a Scotland Yard retirou dobolso um papel dobrado, chamando outro número.

— Sim. Aqui é doutor Guilherme. — Respondeu uma voz amável, no outro lado da linha.— Doutor? Sou eu, inspetor Jaime Patrício.— Perfeitamente, inspetor.— Podes fazer aquele exame?, doutor.— Claro, inspetor. Tenho tudo preparado. Já separei a ficha de sir Bartolomeu. Onde

queres que te encontre? Como? Á! Sim, inspetor. Perfeitamente. Estarei lá.Jaime desligou o telefone e disse ao criado espantado:— Lucas, há, em Londres, uma criatura muito má.— Acredito, senhor, que existam muitas.— Mas há um homem que se chama Carrasco.— Não o conheço, inspetor, mas sei que existe.—Existe, sim, Lucas e proporcionarei um encontro entre ele e essa criatura má.— É?, senhor. Creio que será um encontro deveras interessante. Jaime deu ordem a Lucas

pra esperar os rapazes da polícia e saiu ligeiro.Não voltou à Scotland Yard imediatamente. Primeiro tinha que cumprir um doloroso dever.

No necrotério de Westminster, onde despediu o carro, encontrou capitão Edu, dois oficiais daScotland Yard e um homenzinho baixo e franzino segurando uma maleta, que o esperavam.

— Muito obrigado por teres vindo, doutor Guilherme. — Disse Jaime, se dirigindo aohomenzinho baixo. — Creio que poderemos iniciar o exame.

O doutor abriu a maleta que trouxera, retirando material odontológico, necessário ao examea fazer naquele corpo carbonizado e irreconhecível.

Jaime Patrício, um pouco afastado, contemplava a perícia de doutor Guilherme examinandoos dentes e os maxilares do homem, comparando com os que estavam numa ficha que colocarasobre a mesa.

25min depois Jaime, o doutor e capitão Edu, seguiam à Scotland Yard.— Muito obrigado, doutor.— Nada tens a agradecer inspetor. Creio que é teu homem. Além do mais estou satisfeito

por ter prestado meu serviço a um detetive como tu.Jaime estava na sua sala da Yard quando capitão Edu entrou com um telegrama nas mãos.— Eis a resposta da Guatemala.Jaime recebeu o papel e leu: Particular. Mulher procurada evidentemente morta. Irmão na

Inglaterra servindo de criado pra milionário. Nome. Pedro. (ass.) Capitão Sanchez.— Mas, Jaime. Não é o criado que estamos procurando?— Sim, Edu. É ele mesmo.

Page 166: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Escutes, Jaime. Expliques aonde queres chegar com esse silêncio? Que significado tinhaaquele exame no corpo de sir Bartolomeu Lansing?

— Nada direi, por enquanto. Pediste pra resolver o caso. Não foi? Interrompi minhas fériaspra isso. Portanto só depois que o tiver resolvido te contarei tudo.

Assim falando inspetor Jaime Patrício saiu, disposto a visitar Érico Lansing.

XIÉrico lansing morreu

Jaime saltou dum carro à porta do edifício, onde estava instalada a Greenwich de seguro.Inspetor Tom Malloney correu a seu encontro.— Algo de novo?, Tom.— Sim, Jaime. O dinheiro do resseguro já foi pago.— Sim? Deixaste senhor Lansing sozinho?— Não. Isto é: A não ser quando entrou um velhinho.— Certo, Tom. Subamos depressa porque se minha suspeita se confirmar...À porta, onde se lia o nome de Érico Lansing, Jaime bateu com os nós dos dedos alguns

instantes. Ninguém respondeu...— Entremos.Érico Lansing estava sentado, imóvel, busto ereto, tendo um pequeno orifício no pescoço.— Assassinado! — Exclamou Tom.— Sim. Nada de novo. Tens certeza de que recebeu o dinheiro?— Plena, Jaime. Eu estava aqui, consigo, quando trouxeram.— Em cheque?— Não. Dinheiro contado. 100 mil libras!...Jaime, depois de ordenar a Tom que chamasse a Scotland Yard e não se afastasse daquela

sala, saiu apressadamente.Sabia, tinha certeza de que estava muito próximo do fim, mas também se sentia cansado. Só

precisava descansar um pouco, pois havia duas noites que não dormia, e, depois, reunir os fatose entregar o culpado à justiça.

O primeiro movimento que fez, ao entrar em seu apartamento, foi se atirar sobre um sofá, apesardo olhar de desaprovação do seu bom criado Lucas.

— Não achas melhor tirar teu casaco? Senhor.— Não, Lucas. Estou bem assim. Me deixes em paz com tua mania de ordem.Os sinos de Westminster repicavam 10h quando fracas batidas se fizeram ouvir na porta do

apartamento de inspetor Jaime Patrício. Lucas abriu a porta, deparando com o rosto dumacriatura verdadeiramente adorável.

— Inspetor Jaime!— Um momento!, senhorita.Jaime despertou, sacudido por Lucas.

Page 167: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Ó! Me deixes em paz.— Eu te deixaria, senhor, mas penso que aí na porta está a tal criatura adorável que disseste

existir em Londres.— Hem? — Disse Jaime, se erguendo bruscamente do sofá e correndo à porta.De fato, ali estava, com o cabelo desalinhado e pálida, a criatura adorável: Lurdes Smith.— Jaime! — Exclamou a moça, se atirando aos braços do inspetor.— O que houve?, minha querida.— Ó! Jaime. Foi horrível!— O quê? Lurdes.— Eu sozinha naquela casa. Tive medo mas não quis sair. Estava tudo escuro no vestíbulo

quando vi um velho e senti duas mãos tentando me agarrar. Consegui fugir e, quando corria narua, procurando um carro, vi um outro homem, que estava parado diante da casa, correr a meuencalço.

— Não, Lurdes. Desse último não precisavas fugir. Era inspetor Carlos e estava ali pra teproteger.

— Ó! Jaime. Como és bom! Gosto imensamente de ti.— Agora ficarás aqui, enquanto irei à chefatura. Lucas olhará por ti.— Sim, inspetor. Tomarei conta da senhorita. E não achas que devo, depois, procurar um

quarto pra mim?Jaime estava distraído, por isso não percebeu o que seu criado queria dizer. Porém Lurdes

Smith sorriu...

XIIA história de Jaime Patrício

Quando inspetor Jaime Patrício entrou em sua sala, na Scotland Yard, encontrou, o

esperando, seu companheiro Tom Malloney, que o olhou significativamente, vendo Jaime sorrir.— Bem, Tom. — Disse Jaime, se sentando. Recapitulemos. Em primeiro lugar surge um

caso e pedem que eu tome conta. Um caso que cheirava a morte. A figura principal foiassassinada. Quem teria interesse em o matar? Só duas: Os beneficiários do seguro de vida. Umdeles morreu e o outro seria incapaz de cometer tal crime. Parece que havia, no meio, um casode vingança. Flash Millis morreu, provavelmente porque descobrira o jogo. Assim...

A porta da sala foi aberta e Jaime interrompeu o dizia pra receber capitão Edu.— Então?, Jaime.— Sim, Edu. Podemos ir.Um carro conduziu os inspetores Jaime Patrício, Tom Malloney e capitão Edu à residência

de Hampstead. Sargento Carlos, que os esperava à porta, correu a encontro. Jaime:— Então?, Carlos. Tudo bem?— Sim, inspetor. Vigiei esta casa na outra em frente.— E veio?

Page 168: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— O velho veio. E a única coisa extraordinária que notei, além de sua presença, foi acendera luz do vestíbulo, sendo ainda dia claro.

— Está bem, Carlos. Tornou a sair?— Sim, senhor inspetor.— Vamos, Edu. Agora te explicarei tudo.A primeira coisa que Jaime fez ao entrar no vestíbulo foi apertar o comutador de luz. Como

por encanto um nicho de cerca de 1m de altura, no canto direito do painel, quase junto à escada,se abriu e por ele entraram os homens de Scotland Yard. Era um verdadeiro quarto.

Duas coisas chamaram logo a atenção de Jaime. Uma era uma vitrola provida dum autofalante, cujo bocal estava encostado à parede, onde se via uma fresta de 30cm de extensão, quecorrespondia ao terceiro degrau da escada. A outra coisa era uma túnica escarlate.

Jaime fez a vitrola funcionar e os que estavam naquele esconderijo ouviram as mesmaspalavras ameaçadoras que tanto amedrontavam sir Bartolomeu e que o próprio Jaime ouvira.

— Esta vitrola foi usada pelo homem culpado de tudo isto, bem como aquela túnicaescarlate.

Jaime apontou duas maletas fechadas e prontas pra viagem. Nosso velho voltará. Dessa vezcom vontade de deixar Londres a sempre, com 100 mil libras em seu poder.

São as 100 mil libras que retirou do cofre de Érico Lansing, depois de o assassinar. Nadamais temos a fazer, exceto o esperar pra o prender, porque voltará a esta casa.

— Quem é?— O assassino de Érico Lansing e Flash Millis?— E o de sir Bartolomeu?— Esse não te posso entregar porque, na verdade, sir Bartolomeu Lansing não morreu e é o

assassino de Flash e Érico.— Hem? E o corpo que achamos?— O corpo de mais uma vítima: O criado Pedro, da Guatemala.— Mas não pode ser!— Quando me chamaste pra tratar dum caso e me disseste que sir Bartolomeu, o próprio

interessado, ficaria muito satisfeito, desconfiei. E desconfiei mais quando o conheci e meinformou do que se tratava. Me contou sobre uma mulher e das ameaças interessantes das quaisestava sendo vítima. Ora, Edu, um homem ameaçado é um homem amedrontado e não alegre ebem-humorado como o sir Bartolomeu Lansing que conheci. O plano que traçou estava bempreparado mas partia dum ponto fraco. Quando falou da mulher me entregou um retrato dumairmã de seu criado Pedro, porque tinha certeza de que eu descobriria a semelhança fisionômicada dama do retrato com o criado, o que devo dizer, reparei logo. Sir Lansing queria, assim, queeu pensasse que o criado era o autor das ameaças. Porém foi ingênuo, porque se de fato tivessemaltratado uma mulher, que estou certo nem conheceu, não empregaria como seu criado o irmãodessa mesma mulher. O retrato que me deu, o roubou do quarto do empregado. Assim queriaque eu pensasse se tratar duma vingança. Aquela vitrola que estava no quarto secreto era ligadae desligada por meio dum cordel que ia ter ao quarto de sir Bartolomeu e o alto falante serviapra aumentar as palavras gravadas no disco.

Quando me pediu para ficar aqui uma noite, tive plena certeza de que desejava que eu

Page 169: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

ouvisse aquelas palavras pra que eu pensasse que estava, de fato, sendo perseguido. A túnicaescarlate só usou uma vez: No dia em que me feriu, o que fez, só pra, me deixando desacordado,poder voltar a seu quarto. Sir Bartolomeu estava arruinado e a única coisa que ainda possuíaera o seguro de vida em favor do sobrinho e da secretária. Conhecia o mecanismo dascompanhias de seguro e tinha certeza de que disfarçado poderia se apoderar do dinheiro quandoo sobrinho o recebesse. A fisionomia de Érico Lansing depois de morto indicava que receberaum choque. Isto é, a presença do tio considerado morto o assustou, razão pela qual, ao sermorto, apresentava aquela expressão de espanto. De posse do dinheiro sir Bartolomeu fugiriaao estrangeiro e, provavelmente, lá viveria. Quando levei doutor Guilherme pra examinar ocorpo eu tinha certeza de que não era sir Bartolomeu Lansing, que ali estava completamenteirreconhecível, e isso porque o criado Pedro fora acompanhar o patrão. Se Bartolomeu Lansingestivesse de fato ameaçado não pediria ao criado que o acompanhasse, pois é claro quedesconfiaria de todos. O que teria sido mais fácil?: O patrão chamar o criado pra o acompanharou o criado fazer com que o patrão o acompanhasse? Está claro que sir Bartolomeu, estandoameaçado, não aceitaria um convite do criado pra passeio e, portanto, foi ele quem pediu aPedro que o acompanhasse, porque precisava dele pra ser morto. Levou duas latas de gasolinae, na estrada, deu uma bordoada na cabeça do empregado, o que, provavelmente, o matou.Depois, derramou a gasolina sobre o carro, atirou ao interior alguns de seus objetos de usoparticular e ateou fogo ao carro. Assim pensariam que Bartolomeu Lansing fora assassinado.Pedi a doutor Guilherme, dentista de sir Lansing, examinar aquele cadáver irreconhecível elevou a ficha de sir Bartolomeu, onde estavam anotadas todas as obturações feitas na boca, bemcomo todas as demais particularidades, e o doutor me assegurou que aquele corpo não era o deseu cliente sir Bartolomeu Lansing.

Finalmente, matou Flash porque ele descobriu seu jogo. Mas não tenho idéia de como issose tenha verificado. A princípio desconfiei um tanto de Flash e de Érico Lansing porque não eranatural que dois indivíduos de categorias tão diferentes se conhecessem e também porque os vi:Um pálido, olhando o outro, que empunhava uma arma. Mas depois descobrir por que Flashvisitava Érico Lansing adquiri a certeza de que o culpado era a própria vítima, sir BartolomeuLansing.

— Francamente!, Jaime. É a mais estranha narrativa que já ouvi!— Sim, Edu. Vou andando porque tenho um caso muito mais importante a resolver.Uma hora mais tarde, sir Bartolomeu Lansing foi preso em sua própria casa, disfarçado num

velho, quando tencionava apanhar as malas que deixara prontas pra fugir de Londres.E Jaime cumprira a promessa que fizera ao criado, de promover um encontro entre um

homem que em Londres se chama executor público e aquela criatura má chamada sirBartolomeu Lansing.

Page 170: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Omistériodocavalobranco

I

éspera da carreira. Londres amanhecera sorridente naquela radiante manhã de maio,esperando o grande dia em que se comemora, na Inglaterra, a festa esportiva por excelência.

André Richards, proprietário dum dos cavalos inscritos no Grande Páreo, regressava àcidade em seu luxuoso carro, com a satisfação dum homem feliz, confiando nas patas de seumagnífico potro Cavalgada. Uma leve ruga na testa demonstrava, no entanto, que se bem queconfiante no cavalo, André Richards temia o desfecho da carreira. E essa nuvem de apreensãoera devida à presença de Cavalo Branco, de propriedade de seu grande amigo Antônio Stanley,último descendente dos Stanley e conde de Derby.

Os apaixonados por turfe acreditavam que o grande páreo nada mais seria que um duelosensacional entre Cavalgada e Cavalo Branco. As apostas eram feitas à base de 1/8 e ½,respectivamente. O que equivale a dizer, que Cavalo Branco era o franco favorito.

Eram mais ou menos 10h da manhã quando o carro de André Richards estacionou à porta dacasa de Antônio Stanley, velha mansão suntuosa construída por seu avô senhor Tomás Stanley ejá um tanto arruinada pelo tempo. Repleta de salas e salões imensos e largos corredores. Poucoiluminada, tinha um aspeto fúnebre e tristonho.

No momento em que André Richards entrou no escritório de seu amigo, que, velho masainda robusto e corado, se exercitava em seu jogo matinal de xadrez em companhia dum rapazainda novo que era seu secretário, Roberto Cooper, e assistido por sua sobrinha Doroti.

À entrada de André não ergueu os olhos a ele nem comentou sua visita tão matinal, pois jáera um velho hábito o visitar na manhã, na véspera da carreira.

Foi Doroti quem primeiro o cumprimentou e, tomando uma cadeira, a colocou ao lado damesa onde jogavam, lhe fazendo sinal pra se sentar.

Page 171: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Roberto Cooper fez uma jogada com o cavalo e sorriu.— Francamente! — Exclamou sir Antônio, se dirigindo a André. Sempre que chegas levo

xeque-mate. O que queres hoje?— Antes de mais, bom dia, Antônio. Creio que poderemos conversar um pouco. Não?O secretário de sir Antônio, se levantou pra recolher as pedras e o tabuleiro de xadrez.— Em que condição está teu potro?, Antônio. Espero que vença a carreira, do contrário...— Ora, essa! Tu, proprietário do mais sério rival de meu cavalo, vens desejar que o meu

vença a carreira!—É estranho Antônio mas é verdade. Nunca pude me conter em negócio de jogo e não sei

arriscar pra perder. Sabes tão bem quanto eu que já pus fora o que herdei e quantas vezesrecuperei. Mas agora o caso é mais grave.

— !...— Arrisquei tudo que possuo nas patas de Cavalo Branco.— André, sempre te considerei um louco e estróina. Agora, mais que nunca, vejo o quão

certo é o juízo que sempre fiz de ti.— Pois saibas que até agora não encontrei jóquei pra pilotar meu cavalo. Gordon adoeceu,

por isso está impedido de correr.— Ó!, Antônio. Cavalo Branco tem de correr. Te darei meu jóquei.Naquele momento Roberto Cooper ia colocar a caixa das pedras sobre a lareira quando ela

caiu das mãos e as pedras se espalharam no chão.— Roberto, porque não prestas mais atenção ao que estás fazendo? Que cara é essa?— É nada, senhor. — Respondeu o secretário, reunindo as pedras apressadamente e saindo

a seguir.André Richards se levantou e cumprimentou sir Antônio pra se retirar.— Então estamos de acordo, Antônio. Smith pilotará CavaloBranco.—Mas, André... E teu cavalo?— Me arranjarei. Se preciso for, Cavalgada não correrá.Poucos minutos decorreram da saída de André Richards quando a porta foi aberta, entrando

no escritório a figura dum rapaz franzino e delicado, sobrinho de sir Antônio.— Meu tio me chamou?— Sim, Craig. Te sentes e escutes o que direi. Há dois anos que vives comigo e até agora

nunca falei sobre tuas extravagâncias. Mas agora basta. Tudo o que era teu puseste fora e, prateu governo e próprio bem, te aviso que desde este momento não levarás de mim mais um pêni.E se continuares na vida que levas te deserdarei. Já dei ciência disso a meu advogado e o novotestamento já está em meu poder. Tudo o que tenho será de Doroti. Aqui está um cheque de 10mil libras. Podes ir certo de que só porás os pés nesta casa, enquanto eu for vivo, quando teregenerares.

—Muito bem, meu tio. É tudo? Pois saibas que, pra mim, continuarás a ser o mesmo. Umvelho mesquinho e usurário.

— Te retires!Craig se retirou sem mais comentário, levando o cheque que era toda sua fortuna.

Page 172: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Doroti estava sentada no jardim quando seu primo passou, enfurecido. Os olhos azuis damoça, grandes e sedutores, se fixaram no primo.

— Craig!O rapaz não pôde deixar de atender ao apelo da moça. Mesmo porque, no fundo do coração,

Craig a amava, mesmo sabendo ser inútil revelar a ela seu amor. Pois mais forte que ele era oque ela dedicava a Roberto Cooper, a quem Craig invejava e há muito odiava em segredo.

— O que houve, desta vez, entre tu e titio?— Nada. Teu tio me expulsou de casa e, além disso, ameaçou me deserdar.Enquanto falava, Craig não podia deixar de admirar o lindo rosto de Doroti.— Bem... Adeus, Doroti.— Falarei com titio pra ver se dou um jeito nisso...— Obrigado. Mas não é necessário.Mal o rapaz acabara de sair, Roberto Cooper se aproximou da moça.— Como estás linda!, Doroti.—Não digas tolice, Roberto. Se eu fosse realmente bonita te casarias

comigo.— Sim, querida, mas... Sabe que teu tio não quer nosso casamento. Às vezes tenho ímpeto

de o matar mas compreendo seu sentimento.Ambos, tão entretidos estavam, que não perceberam a presença de sir Antônio atrás do

caramanchão.— Quando terminar o idílio e as considerações a meu respeito, Roberto, te consideres

despedido.— Sempre te apreciei até o dia em que ousaste erguer os olhos a minha sobrinha.— Ó!, Titio. Por favor, o deixes ficar.— Sinto muito, senhor, o que sucedeu. Deixarei tua sobrinha em paz.— Muito bem. Te lembres, então, que nesta casa és apenas meu secretário e parceiro de

xadrez. Queiras me acompanhar aonde irei.

IISe podia, sem receio de errar, afirmar que mais de 400 mil pessoas estavam espalhadas em

toda a extensão onde iria ser corrida a grande carreira.Barracas e mostruários, os mais variados possíveis, se erguiam aqui e ali, no meio das

terras onde passam as pistas. Tudo emprestava à Epsom{17} uma azáfama extraordinária efestiva alegria.

Dentro de 10min seria conhecido o resultado da maior prova de turfe na Inglaterra.Num dos camarotes estavam Doroti Stanley, seu primo Craig e André Richards. Sir Antônio

e Roberto Cooper permaneceram em Londres.Os cavalos desfilavam ante os olhos da multidão, a caminho do lugar da partida.Cavalgada passava diante do camarote, pilotado por Smith.— Teu potro está lindo!, senhor André. — Exclamou Doroti.

Page 173: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Obrigado, senhorita. Mas ali vem o vencedor. — Respondeu André, apontando a esbeltaestampa de Cavalo Branco.

—Por quê?, André. — Perguntou Craig. — Tomara que perca. Ficarei bem satisfeito.Os vinte e seis potros estavam prontos ao grito de largada. O povo vibrava! Cavalgada e

Cavalo Branco, pilotados, respectivamente, por Smith e Gordon, tinham os números 7 e 13.Disse Doroti:

— Não gosto do número de nosso cavalo. É azarento.— Por que teu tio me disse que Gordon não montaria e, no entanto, ele está sobre o dorso de

Cavalo Branco?— Alguma preparou aquele velho rabugento. — Disse Craig.— Saíram! — Foi a exclamação que partiu, uníssona, de todas as gargantas.Os primeiros metros da carreira estavam sendo corridos. Cavalgada liderava o lote,

seguido de Crisântemo, Tour-de-France e Cavalo Branco, que formavam, com mais três, oprimeiro pelotão.

A primeira parte do percurso não trouxe modificação sensível à ordem dos animais.Cavalgada principiava a afrouxar, enquanto Cavalo Branco se aproximava gradativamente e

Crisântemo e Tour-de-France iam ficando atrás.700m era tudo o que faltava! Cavalo Branco avançava, impulsionado por Gordon, tentando

passar Cavalgada, que ainda resistia. O povo delirava! Não havia dúvida: Cavalgada ouCavalo Branco! Um dos dois venceria.

Os dois potros ficaram numa mesma linha. Os chicotes cantavam e o povo gritava, frenético.Uma coisa, no entanto, estava a acontecer. Todos viam que Cavalgada, junto à cerca, estava

sendo trancado pelo piloto de Cavalo Branco. Estava patente a intenção do piloto do cavalo desir Antônio.

André Richards estava pálido e coberto de suor. Previa uma desclassificação.A algazarra era indescritível. Surgiu um novo cavalo, como um bólido, na cerca externa.

Era Soberano, que avançava cada vez mais. Faltavam 200m. Se aproximava mais e, enquanto opiloto de Cavalo Branco continuava a imprensar Cavalgada, Soberano voava. Já estava na ancados dois. Meio corpo era a diferença! Pescoço! Cabeça! Faltavam 10m! E Soberano passarapelos dois como uma flecha. Soberano vencera!

Doroti Stanley e André Richards, se entreolharam no meio de toda aquela algaravia.Estavam afixando os números dos vencedores. Primeiro surgiu o número de Soberano. A

seguir os de Cavalo Branco e Cavalgada.2min depois, foi retirado do segundo posto o número de CavaloBranco e em seu lugar surgia o número 7 de Cavalgada.Cavalo Branco fora desclassificado!

Naquela noite André Richards discutia, encolerizado, com sir Antônio Stanley, no enorme eespaçoso escritório da residência dele.

— Não quero mas exijo que me digas por que Cavalo Branco não venceu.— Ora!, André. Não venceu porque não pôde!

Page 174: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Sim? Por que Gordon fechou meu potro? Duma coisa estou certo, Antônio: Gordonestava comprado. Não sei por quem mas garanto que saberei e se fores o culpado disso...

— Eu não seria capaz de tal coisa!, André.André Richards saiu do escritório sem se despedir de sir Antônio, batendo a porta

violentamente.Só, naquele imenso escritório de chão original, em quadrados amarelos e pretos, formando

um enorme tabuleiro de xadrez, cheio de móveis antigos, verdadeiras relíquias de família, etendo nas paredes os retratos dos antepassados, sir Antônio Stanley se sentia inquieto eassustado. Foi ao cordão da campainha e o puxou com força.

O criado que atendeu ao chamado era um velho serviçal, há longos anos com a família e porisso não ocultou seu espanto ante a fisionomia alterada de seu patrão.

— Guto, tragas uísque.O velho criado saiu, regressando pouco depois com uma bandeja na mão esquerda. A

direita perdera há muitos anos, num acidente, mas nem por isso deixava de ser um ótimo criado,tanto mais que utilizava o único braço com a mesma destreza que se maneja o direito.

— Onde está minha sobrinha?, Guto.— Saiu com senhor Cooper, sir.— Cooper! Hem!Mal pronunciara essas palavras, Doroti imergiu na sala, em companhia de Roberto Cooper.O rosto de Sir Antônio, virou uma máscara de ódio.— Já não te proibi de andar com minha sobrinha?— Mas, sir. Venho pedir a mão de...— Tu? Te ponhas na rua, imediatamente! Minha sobrinha não se casará fora de seu nível

social. Ouviste bem?Doroti saiu do escritório de seu tio, contendo a lágrima preste a saltar dos olhos.— Sir, com esse teu feitio és insuportável. Deixarei tua casa, mas podes crer que me casarei

com tua sobrinha.— Nem que eu morra! Seu atrevido! Te retires ou mandarei Guto te porá na rua.

IIIDo velho casarão ao portão, se tinha de andar, seguramente, durante uns 3min. Situada no

centro duma verdadeira floresta, a mansão ficava sombria e lúgubre.Doroti Stanley saiu pela porta da frente, sem fazer ruído. A luz do escritório de seu tio

estava acesa. Ouviu o relógio carrilhão bater 11h e caminhou, a passo apressado, ao portão.— O que quererá Craig comigo nesta hora? — Pensou, atirando fora o bilhete que Guto lhe

entregara.Chegando ao portão ouviu um Psiu! Se voltou. Era Craig, seu primo.— Obrigado por teres vindo, Doroti. Estou em apuro e poderás me ajudar. Tudo que tinha

apostei em Cavalgada.— Mas Craig...

Page 175: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Senhorita Doroti! Senhorita Doroti! — Foi o grito que a moça ouviu.— O que foi?, Guto. — Perguntou, assustada, vendo o criado pálido e ofegante.— Teu tio, senhorita. Parece que foi...Sir Antônio Stanley jazia morto, no chão do escritório, tendo, na mão direita estendida, uma

miniatura, em bronze, de seu potro Cavalo Branco.— Guto, leves Doroti a cima enquanto chamo a polícia. — Disse Craig.— Não, Craig. Ficarei aqui. — Respondeu Doroti, se dirigindo a uma larga cadeira,

enquanto grossa e abundante lágrima escorria no rosto.Capitão Edu Brown chegou meia hora depois, em companhia de inspetor Tom Malloney.Fez um rápido exame no corpo de sir Antônio e inspecionou meticulosamente o escritório.— Quem encontrou o corpo? — Perguntou, se dirigindo aos presentes: Doroti, Craig e Guto.— Eu. — Respondeu Guto.— Viste arma junto ao corpo?— Se não há, como poderia ver?, capitão.— Tom, — disse Edu — providencies a remoção do corpo e chames Jaime.Quando Jaime Patrício entrou no escritório de sir Antônio, o corpo já fora removido mas ali

continuavam, como testemunhas silenciosas do crime, o sangue e tudo o mais que ali estava.Jaime cumprimentou Craig e, saudando Edu, foi aonde estava sentada Doroti Stanley.— Senhorita, sou inspetor Jaime Patrício, da Scotland Yard e te peço o obséquio de te

recolher a teus aposentos. Por ora não necessito de tua declaração.Depois que a moça saiu da sala Jaime retirou do bolso seu cachimbo de madeira escura e,

do outro bolso, um pacote de fumo claro.Se sentou numa larga poltrona. Enquanto enchia o cachimbo seus olhos percorriam todo o

recinto como se estivesse fixando na imaginação todos os detalhes. Craig, sentado numa cadeirapróxima à de Jaime, o olhava, interessado. Edu e Tom, juntos, à janela, guardavam silêncio. Ovelho criado Guto, encostado à soleira da porta, completava o cenário.

Os olhos de Jaime se detiveram em Guto.— Ei! Onde perdeste o braço direito?— Num acidente, senhor. — Disse o criado, se assustando.— Quem chamou a polícia?— Eu, inspetor. — Disse Craig.— És sobrinho de sir Antônio. Não? Onde estavas quando teu tio foi assassinado?— No portão, com minha prima Doroti.— Sabes algo deste crime?— Numa palavra, inspetor: Não!— Quem estava em casa, Guto, quando descobriste o corpo de teu patrão?— Ninguém.— Ninguém a não ser tu. Não é? Guto.— Inspetor! Por acaso desconfias de mim?, um velho aleijado.— Ó!, Guto. Em absoluto. Por enquanto desconfio de ninguém.Jaime se levantou, segurando o cachimbo entre o indicador e o polegar, e caminhou até um

ponto no centro da sala, apanhou uma miniatura, em bronze, de Cavalo Branco. Virando a

Page 176: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

estatueta de cabeça a baixo leu na base: Ao feliz possuidor de tão nobre potro. AR— Onde estava isto?, Edu.— Na mão de sir Antônio. A deixei no mesmo lugar em que estava.— Jaime viu uma mancha escarlate, já escurecida, perto do lugar em que apanhara a

estatueta e concluiu que ali tombara, morto, sir Antônio Stanley.— O que quereria fazer sir Antônio com esse bronze? — perguntou Edu, enquanto Jaime

caminhava à mesa.— Ainda não sei mas tenho certeza de que foi ferido nesta cadeira. — Disse Jaime,

apontando um rastro de sangue em zigue- zague, indo da cadeira até junto da lareira e dali aocentro da sala.

— Sim, Jaime. Mas isso pouco ou nada nos adianta.— E foi assim, Edu...Jaime se colocou junto à mesa e dali partiu, cambaleante e vagaroso, até a lareira,

acompanhando o rastro de sangue. Levantou o braço direito e fez menção de segurar algo sobrea lareira. No lugar em que sua mão tocou havia uma mancha de sangue.

— Edu, viste o que fiz? Foi assim que sir Antônio agiu quando foi assassinado.— Mas, Jaime. Pra que apanhou a estatueta? Tencionava se defender com ela?— Não, Edu. Positivamente, não. Quando me aproximei da mesa vi, numa gaveta

entreaberta, uma grande pistola.Capitão Edu correu à gaveta e apanhou a pesada pistola. Pensava que Jaime, sem querer,

encontrara a arma causadora da morte de sir Antônio. Se enganara. A arma estava carregadamas intacta.

— Senhor Craig, sabes dizer a quem pertencem estas iniciais?— Perguntou Jaime, apontando as duas letras gravadas na base da estatueta.— AR? Sim. São as iniciais de André Richards.— Guto, tu, que eras a única pessoa dentro de casa, sabes dizer quais pessoas estiveram

neste escritório antes de encontrares o corpo de teu patrão?— Sim, senhor. A primeira pessoa que veio ver sir Antônio foi senhor André Richards.

Depois que saiu, meu patrão me chamou, pedindo uísque. Não sei se devo dizer, inspetor, mas...me pareceu muito agitado.

— Continues!, Guto.— Depois chegou o secretário de meu patrão, senhor Roberto Cooper, com senhorita

Doroti. Sir Antônio ficou enfurecido, pois parece que não via com bons olhos o romance entreos dois.

— Sabes se sir Antônio discutiu com senhor Roberto?— Não sei dizer, senhor. Me retirei da sala. Mas é bem possível, pois vi senhorita Doroti

subir a escada em pranto.— Estou satisfeito, Guto. Podes te retirar.Depois do criado deixar a sala, Jaime foi à janela, bateu a cinza do cachimbo e, depois de

olhar por ela, disse a capitão Edu:— Creio que poderemos ir.Antes de sair, Jaime se voltou a Craig.— Quem joga xadrez nesta casa?

Page 177: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

— Meu tio costumava jogar muito com Roberto.— E tu?— Nem em sonho, inspetor.— Hoje estiveste com teu tio?— Não, inspetor. Falando a verdade, meu tio me expulsou daqui, alegando que sou

esbanjador.— Mas não disseste que estiveste com tua prima no portão?— É verdade, inspetor. Mas meu tio não sabia de minha presença.Jaime Patrício, capitão Edu, Tom e Craig, seguiram, no gramado, em direção ao portão.

Disse Tom:— Belo lugar prum crime! Hem, Jaime.— Sabes se há outra saída?, além da principal, senhor Craig.— Não que eu saiba, inspetor.5min depois os três homens da Scotland Yard regressavam num carro da chefatura. No

espírito de Jaime muita coisa já começava a se desenhar. Porém, ele próprio sentia, tudo aindaestava muito confuso.

— Ei!, Jaime. Por que não deixamos alguém na casa?— Ó! Não havia necessidade, Edu. Guardei todos os detalhes na memória e procedeste

como eu queria. Talvez a pessoa que matou sir Antônio volte pra corrigir algum erro que,porventura, pense ter cometido e assim o apanharei mais facilmente.

IVNa manhã do dia seguinte, no gabinete particular de capitão Edu Brown, no edifício da New

Scotland Yard, Jaime contemplava os tênues raios solares que se infiltravam nas venezianas.— Edu, dizem que o travesseiro é um bom conselheiro. E é mesmo.— Francamente!, Jaime. Tens cada uma! O que tem a ver travesseiro com nosso caso?— Fui tolo, Edu, em não ter ligado uma coisa a outra.— Fales claro!, Jaime. Que coisa? Ligada com o quê?— A morte de sir Antônio com o desfecho da carreira.— Sabes que o resultado da carreira deu o que falar. Suponhamos que alguém tivesse

conhecimento de que Soberano estava em condição de vencer. Essa pessoa não poderiasubornar Gordon pra que ele fizesse o que fez? Ora, desde que Cavalo Branco não ganhasse eGordon tomasse conta de Cavalgada, quem ganharia?

— Soberano, Jaime. É claro!— Tom, visitarei senhorita Doroti. Procures saber todas as grandes quantias depositadas

nas patas de Soberano.— Perfeito, Jaime.— É verdade, Edu. Antes de ir: Qual o resultado do exame?— Calibre 32. Ápice do pulmão esquerdo. Tiro quase a queima- roupa.— Sabes o que acho estranho em tudo isso?, Edu É que Guto não tenha ouvido o tiro!

Page 178: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Enfim...Quando Jaime chegou a casa de sir Antônio, Doroti Stanley já ordenara a Guto que o

conduzisse à varanda.— Bom dia, senhorita Doroti. Sinto muito ter de te interrogar. Farei somente algumas

perguntas. Mas, antes disso, quero que me digas se desconfias dalguém.— Em absoluto!, inspetor.— Senhorita Doroti, por que teu tio não consentia em teu casamento com senhor Roberto

Cooper?— Ó! Já sabes disso? Acredites, inspetor, Roberto é inocente. Ignorava a morte de titio até

poucos momentos, quando lhe falei ao telefone. Desconfias dele?—É nosso dever desconfiar de todos até prova em contrário. Senhor Roberto virá àqui?— Sim, inspetor. Dentro de poucos instantes deverá estar aqui.— Senhorita Doroti, André Richards era amigo de teu tio?— Eram muito amigos, mesmo. Basta dizer que, sendo dono de Cavalgada, André apostou

toda a fortuna em Cavalo Branco. Até penso que ficou em má situação.— Como?! Sendo dono de Cavalgada apostou tudo em Cavalo Branco?Jaime olhou uma sombra no chão e ficou de pé.— Guto, não sabes que é um péssimo hábito ouvir as conversas alheias?— Perdão, inspetor. — Tartamudeou o criado, entrando, apressado, na casa.— Qual foi o motivo do encontro com teu primo?, no portão, senhorita Doroti. — Perguntou

Jaime, novamente sentado.— Ó! Craig não te disse? Perdeu tudo que tinha. Isto é, 10 mil libras, em Cavalgada e

estava apertado por questão de dinheiro. Mas não chegou a se explicar direito porque... osolhos da moça piscaram um pouco e Jaime achou conveniente mudar o rumo da conversa.

— Bom dia!, Doroti. — Exclamou um rapaz ainda novo, entrando na varanda. Sinto muitopor tudo, meu amor.

— Roberto! Este é o inspetor Jaime Patrício, da Scotland Yard. Jaime fitou o rosto dorapaz e estendeu a mão.

— Saibas, inspetor, que sou um de teus grandes admiradores.— Obrigado. Neste caso penso que responderás certo a minhas perguntas. Depois que

deixaste esta casa aonde foste?— Queiras me perdoar, inspetor, mas não quero responder a esta pergunta.— Perfeitamente, rapaz. Como te aprouver. Mas acho conveniente que respondas, porque é

bem preferível ser acusado de qualquer leviandade a acusado de assassínio. Não?— Como assim?, inspetor. Quererás, porventura, me acusar de assassino de sir Antônio

Stanley?— Não mais nem menos, rapaz. A não ser que me respondas onde estiveste ontem na noite,

depois das 11h.— Mas não posso responder!— Roberto, te suplico! — Exclamou Doroti, unindo as mãos.— Não, Doroti. É impossível.— Senhor Cooper, faças o obséquio de me acompanhar ao escritório.Jaime rapidamente percebeu que tudo estava conforme deixara na véspera. Seu primeiro

Page 179: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

olhar foi ao tabuleiro de xadrez a que, na véspera, reparara com especial cuidado. As pedrasestavam na mesma posição. Os olhos de Roberto Cooper seguiram o olhar de Jaime Patrício eele se dirigiu à mesinha onde estava o tabuleiro, fazendo menção de arrumar.

— Um momento, senhor Cooper. Não toques nalgo nesta sala.— Perfeitamente, inspetor. Eu ia, apenas, arrumar. Sempre guardo as pedras depois dum

jogo.— Senhor Cooper, por que sir Antônio não desejava teu casamento com senhorita Doroti?— Nunca me disse mas falava muito em nível social.— Hum! Jogas xadrez?, senhor Cooper.— Penso que sim, inspetor!— Sir Antônio era um grande amante deste nobre jogo. Não é?, senhor Cooper.— Eu que o diga, inspetor. Sir Antônio era um mestre. Seu forte eram as jogadas com os

cavalos. Passava horas inteiras, sozinho, meditando sobre um tabuleiro de xadrez. Reparaste nofeitio do chão deste escritório? Pois foi mandado fazer especialmente por sir Antônio, pra estarcomo, dizia, sempre sobre um tabuleiro de xadrez.

— Senhor Cooper, esta casa tem alguma saída secreta?— Não que eu saiba, inspetor.— Creio que estou satisfeito com o que me disseste, salvo a pergunta não respondida. Por

isso peço o obséquio de fazer companhia a senhorita Doroti e não te afastar desta casa sem meuconsentimento.

Jaime se dirigiu à mesa e, segurando o telefone, pediu um número.— Capitão Edu falando.— Edu? Sou eu, Jaime.— Olá!, Jaime. Conseguiste algo?— Nada, Edu. Quero que procures um jóquei chamado Gordon. É quem pilotou Cavalo

Branco. O deixes aí até minha chegada.— Muito bem, Jaime.— Edu, me mandes Carlos com cinco ou seis policiais.Jaime colocou o receptor no gancho e reacendeu, displicentemente, o cachimbo. Se podia

deduzir, claramente, que pensava, pela aceleração das baforadas que saíam do canto da boca.— Bem... Vejamos se estou certo. — Pensou. — André Richards jogou toda a fortuna em

Cavalo Branco. Percebeu, como todos, que Gordon estava comprado e veio tomar satisfaçãocom sir Antônio, tendo, provavelmente, o ameaçado, razão pela qual Guto notou a fisionomia dopatrão alterada. Depois entrou nesta sala Roberto Cooper, que saiu, pela declaração de Guto,pouco depois. Craig estava com senhorita Doroti no portão quando Guto veio dizer que sirAntônio fora assassinado e o único que estava dentro de casa era Guto. Tanto Craig, comosenhorita Doroti e Guto não ouviram o tiro, assim sendo...

Jaime retirou do bolso sua pesada automática, a contemplando alguns momentos. Fezpontaria ao interior da lareira e deu no gatilho. Um pequeno recuo e estremecimento de sua mãodireita indicava que disparara. Feito isso guardou a pistola e, sentado, como estava, aguardouque alguém aparecesse. Ninguém veio. Mas estavam na casa Roberto Cooper, Guto e senhoritaDoroti.

Page 180: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Poucos minutos decorreram quando a porta do escritório foi aberta pelo velho criado Guto,dando passagem ao inspetor Carlos Butterwood.

— Olá, Jaime. Aqui estou. Os rapazes estão do lado de fora.— Vás chamar, Carlos.Quando o inspetor saiu, Guto entrou na sala.— Senhor, lá fora estão vários policiais. Prenderás alguém?— Não, Guto. Não precisas te assustar.— Inspetor, senhor André Richards está na varanda com senhorita Doroti e diz que precisa

te ver.— Muito bem, Guto. Digas que dentro de poucos minutos estarei lá. — Disse Jaime,

enquanto os policiais entravam na sala.— Rapazes, quero que revistais cuidadosamente todo o jardim desta casa e todos os

recantos, procurando uma arma calibre 32. Tão certo quanto eu estar aqui, a encontrareis. Atrazei. E tu, Carlos, dirijas os rapazes.

Jaime saiu do escritório em companhia dos policiais, indo à varanda.Doroti e Roberto estavam sentados, próximos um do outro. Do lado oposto da mesa estava

André Richards, tendo nas mãos um copo, que pousou sobre a mesa à entrada de Jaime.— Inspetor, eu soube que sir Antônio foi assassinado e me apressei a vir prestar

declaração.— É muita gentileza de tua parte, mas saibas que se não viesses espontaneamente eu te

procuraria!— Senhor André, onde estiveste ontem, depois de deixar esta casa.— Pra falar a verdade... Bem... Fui procurar um amigo.— Que amigo?— Ó! Um conhecido meu...— Não foras, por acaso, procurar um jóquei chamado Gordon?— Sim inspetor. Tens razão. Sou tolo em procurar encobrir uma coisa tão simples. A verdade é

que fui procurar Gordon, pensando que sir Antônio o tivesse obrigado a perder a carreira. Estivecom Gordon toda a noite, isto é, até quase 2h da madrugada.

Uma hora mais tarde Jaime e Edu, sentados no escritório da residência de sir AntônioStanley, esperavam que fosse terminada a busca no jardim da casa.

— O jóquei confessou tudo, Jaime. E tenho certeza de que não mentiu.— Edu, depois que eu receber o telefonema que espero de Tom, pouco nos faltará pra

encerrar este caso. O mandei investigar uma coisa, porém até agora não recebi notícia.O inspetor Carlos entrou naquele momento no escritório. Em suas mãos aparecia um

revólver preto.Jaime segurou a arma e viu gravadas, no cabo, as iniciais WF.— Edu, sairei durante algum tempo. Às 8h em ponto estarei aqui.

V

Page 181: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

Eram, precisamente, 7:30h quando Jaime regressou. Estava alegre e risonho. Quando entrouno portão retirou do bolso seu relógio pra marcar o tempo que gastaria até a casa. Jaime, malentrou no escritório, disse:

— Edu, reúnas, na sala, Doroti, Craig, Guto, Roberto Cooper e André Richards. Dentro de meiahora me reunirei a vós.

Depois de falar com capitão Edu, Jaime chamou o velho criadoGuto.— Onde fica teu quarto?— Ali, quase embaixo da escada de serviço, inspetor.Jaime mandou que o criado fosse à sala com os outros e caminhou até o quarto que Guto

indicara.Retirou o relógio do bolso, abriu a porta, tornou a fechar, indo ao escritório. Ali ficou

alguns momentos, quando o telefone tilintou.— Alô, Tom. És tu?— Sim, Jaime. Custei mas descobri o que querias. A pessoa que suspeitavas acertou perto

de 10 mil libras em Soberano, na base de 1/30.— Obrigado, Tom. Venhas depressa, pois ainda ouvirás o final.— Disse, desligando o telefone e saindo rapidamente à sala.As pessoas ali reunidas se ergueram à entrada de Jaime, que, simulando indiferença, se

dirigiu a um largo sofá, se sentando.Acendeu o cachimbo e se virou a Roberto Cooper:— A que horas deixaste sir Antônio na noite do crime?— Não posso precisar, inspetor, mas deviam faltar 15min ou 20min às 11h.— Digas, Guto: A que horas encontraste o corpo de teu patrão?— 11:05h, inspetor.— Muito bem. Agora sabei que sir Antônio Stanley foi assassinado mais ou menos entre

15min e 20min às 11h.— Inspetor quer dizer, então, que eu... — Disse Roberto Cooper.— Nada quero dizer. Todos aqui tinham motivo pra assassinar sir Antônio, porém é claro

que só uma pessoa o fez. A posso prender já, porém quero que veja como consegui descobrirtudo. Senhor André, tinhas motivo pra matar sir Antônio Stanley mas quando saíste desta casasir Antônio ainda estava vivo. Poderias ter voltado pra o assassinar mas era impossível, porquena hora em que morreu estavas em companhia de Gordon. Disso temos prova. Foste procurarGordon pra ver se descobria algo, porque desconfiavas que ele estivesse vendido. Nesse pontoestavas certo, porém tuas suspeitas é que estavam erradas. Pensavas que fosse sir Antônio oautor de tudo mas te enganaste. O verdadeiro culpado és tu, senhor Cooper. — Continuou Jaime,se dirigindo a ele. Te associaste a Gordon pra que ele fizesse com que Soberano vencesse,assim dando margem a que acertasses a quantia de 240 mil libras. Quando te retiraste desta casanão foste fazer outra coisa além de receber tua fortuna pra mais tarde entregar a Gordon a parteque lhe cabia. Craig, estavas no portão com senhorita Doroti, não podendo, assim, ao mesmotempo, assassinar o tio aqui e conversar com ela no portão. Guto é o único que estava aqui nomomento, isto é, o único que poderia ter assassinado sir Antônio. Porém quero que sabei que

Page 182: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

todos tinham motivo para isso mas Guto não. Sir Antônio foi assassinado com esta arma. —Prosseguiu Jaime, retirando do bolso o negro revólver.

O velho Guto ficou perturbado e se encostou à mesa.— Esta arma pertence a uma pessoa cujas iniciais são WF. Creio não precisar dizer que ela

te pertence. Não é?, Guto Fergusson? Agora Edu, te entrego o assassino de sir Antônio Stanley,conde de Derby.

Jaime caminhou até onde estavam os quatro homens: Roberto Cooper, André Richards, Craig eGuto.

— Te prendo, Craig, como assassino de sir Antônio!— Craig! Tu! — Exclamou Doroti Stanley.Craig, olhos abertos e aturdido, contemplava Jaime sem palavra.— Mas, inspetor, Craig estava no portão com Doroti! E por que mataria o tio? — Disse

Roberto Cooper.— Está certo, senhor Cooper. Craig estava no portão, porém às 11h e não antes. É o assassino.

Mostrarei como procedeu e porque matou o tio. Pelas declarações de doutor Pink o crime se deuentre

10:45h e 10:50h. Foste a última pessoa que entrou neste escritório e que saiu daqui 15minantes de 11h. Craig estava no jardim, junto à janela, e te viu sair. Entregara um bilhete a Gutopra que o entregasse a senhorita Doroti, minutos antes das 11h. Quando Guto subiu pra entregaro bilhete, Craig entrou calmamente, indo ao quarto dele, apanhou o revólver, tendo 15min prapreparar tudo. Gastou dois minutos pra ir ao quarto e apanhar a arma. Entrou no escritório pramatar o tio, que, descobrindo sua intenção, tentou retirar da gaveta sua arma mas não tevetempo. Craig atirou no tio e tentou lançar a culpa sobre outro. Fracassou por uma razão muitosimples: Por não conhecer o jogo de xadrez. Quando lhe perguntei se jogava xadrez, foi elepróprio quem me disse que nem em sonho. Os únicos a jogar, nesta casa, eram somente sirAntônio, morto, e tu, senhor Cooper, que não cometeria o erro de colocar os bispos depois doscavalos, nem os reis em casas diversas das apropriadas. Assim Craig apanhou o tabuleiro dexadrez e arrumou as pedras, a seu modo, tentando nos pôr em tua pista. Depois de fazer issosaltou a janela pra encontrar Doroti. Vejas o tempo que gastou nisso: 2 min pra ir buscar aarma, outros 2min pra matar sir Antônio, 4min pra arrumar o tabuleiro de xadrez e saltar ajanela e 3min pra chegar ao portão antes de Doroti, porque ela seria seu precioso álibi. MasCraig partiu dum ponto de vista errado... E agora, o motivo pro crime me foi dado peloadvogado de sir Antônio, que me disse ter ele deserdado Craig, me adiantando mais, que otestamento estava com sir Antônio. Me restava encontrar esse testamento, o que conseguidescobrindo o cofre secreto de sir Antônio, que talvez nenhum dos presentes conheça aexistência. Antes disso devo declarar que quem condenou Craig foi uma importante massilenciosa testemunha: O próprio sir Antônio Stanley. Quando foi encontrado o corpo, em suasmãos estava uma pequena estatueta representando Cavalo Branco. A pergunta foi: O quequereria sir Antônio fazer com aquela estatueta? A resposta foi: Acusar alguém.

Eu notara que o chão do escritório formava um verdadeiro tabuleiro de xadrez, mas sódepois que senhor Cooper me disse que fora o próprio sir Antônio que o mandara fazer, resolvio estudar melhor, e verifiquei que a base da estatueta representando Cavalo Branco condiziacom os quadrados do assoalho. Tomando, então, a estatueta entre as mãos principiei a fazer

Page 183: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

jogadas com ela, como se faz com os cavalos num tabuleiro de xadrez e descobri, finalmente,que um dos quadrados era móvel. O retirando descobri um cofre secreto, em cujo interiorencontrei o testamento deserdando Craig.

— Caramba!, Jaime. É formidável! — Exclamou capitão Edu.

20min depois, no carro que os conduzia à Scotland Yard, Jaime olhou o rosto abatido deCraig.

— Tenho pena de ti, rapaz, tanto mais que aquele testamento ainda não era válido. Só oseria dentro de um mês. Se em vez de o matar te regenerasses... na noite, em seu gabinete, Jaimeescrevia, em seu diário, os apontamentos sobre este caso. Como arremate escreveu:

— E tudo por causa dum cavalo branco.

Page 184: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

ApêndicedodigitalizadorScotland Yard

Também conhecida por New Scotland Yard ou Yard, é o quartel-general da Metropolitan

Police Service (MPS, em inglês, Serviço Metropolitano de Polícia), a força policial da capitaldo Reino Unido, Londres. Popularmente, o termo New Scotland Yard é usado, como metonímia,pra designar o Metropolitan Police Service e ou a Polícia Judiciária de Londres. O edifícioNew Scotland Yard, usado como sede desde 1967, é localizado na região administrativa deWestminster, perto do Palácio de Westminster, onde estão instaladas as duas câmaras doparlamento do Reino Unido. Fundado junto com o Metropolitan Police Service em 29 desetembro de 1829 pelo político inglês e, na época, ministro do interior Robert Peel, a ScotlandYard foi aquartelada num edifício da rua Whitehall. Em 1890 se mudou a um edifício da ruaVictoria Embankment, recebendo a nova denominação New Scotland Yard.

Ao contrário do que muitos pensam, a estrutura é essencialmente militar, o que facilita atomada de decisão por parte de seus comandantes devido à hierarquia ser respeitada comoforma de operacionalização da segurança pública do Reino Unido.

Qual a razãoda políciabritânicase chamar Scotland Yard? Scotland Yard era uma pequena rua de Londres, situada perto da praça Trafalgar.

Originalmente, o escritório da polícia metropolitana londrina (Metropolitan Police) selocalizava no reduto Whitehall e dava de fundo à rua Scotland Yard.

Numa sala do fundo trabalhava uma divisão da polícia. Essa divisão acabou ficandoconhecida como Scotland Yard. Logo o nome acabou sendo usado para designar toda a polícia.

A origem do nome da rua é incerta. Existem algumas histórias etiológicas. Uma delas é quea região onde ficava a rua Scotland Yard era onde estava a residência dos reis da Escócia(Scotland, em inglês) quando iam a Londres. A rua, que passava diante da casa, era chamada deJardim da Escócia (Scotland Yard).

Outra versão pra origem do nome da rua é que a região pertencia, na idade média, a umhomem chamado Adam Scott. Assim o local começou a ser chamado de Scott’s Land (terras deScott) e depois abreviado a Scotland. Mais uma possibilidade seria que o nome é derivado daantiga palavra inglesa scotte (que significa alugar) e se referiria a essa área por ela serdestinada a aluguel nalguma época.

Fonte: http://www.mail-archive.com/[email protected]/msg14159.html

Page 185: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

{1} Sobre a origem do termo Scotland Yard (Jardim Escocês), fiz um apêndice no final do livro. Nota do digitalizador.{2} Albião (Albion) é o primeiro nome historicamente conhecido da Inglaterra. Nota do digitalizador.{3} Tanto que até virou um bolero clássico: Perfume de gardenia tiene tu boca. Perfume del amor... Nota do digitalizador.{4} Plafoniê - sm (aportuguesado do fr. plafonnier) Lâmpada ou lustre muito colado ao teto. Nota do digitalizador. Extraído dedicionário KingHost.{5} Sûreté (termo francês pra garantia mas normalmente é traduzido como seguro ou segurança) é um termo usado em paísesou regiões de língua francesa pra denominar organização de força policial civil, especialmente uma filial detetivesca no exterior.Nota do digitalizador. Extraído de Wikipedia.{6} Luger - Famosa marca de pistola militar alemã. Nota do digitalizador.{7} Dar a de vila-diogo: Fugir, se safar. Segundo o Diccionario de uso del español, de Marta Moliner, a expressão significafugir precipitadamente, por alusão aos alforjes (sacola, saco de viagem) que se fabricavam na povoação de Villadiego. Nota dodigitalizador. Extraído de http://aldacris.wordpress.com/2007/01/26/dar-as-de-vila- diogo/{8} Pois terá a pena capital. Nota do digitalizador.{9} Chateleine - sf Pequena corrente, geralmente ornamentada, que se prende ao relógio de bolso. Nota do digitalizador.Extraído de dicionário KintHost.{10} Pituí (Pitohui) – Peculiar gênero de aves canoras da sub-família Pachycephalinae, encontrado nas florestas tropicais da NovaGuiné. Pássaro incomum, pois é o único, em todo o mundo, que possui um tipo de toxina, presente na pele e nas penas, chamadode batracotoxina, os mesmos compostos presentes nas rãs dendrobatas. Foi descoberto recentemente e pouco se sabe sobre suavida, sendo diurno, se alimentando de besouro da família Melirydae, onde consegue, dalguma forma, absorver o veneno e odepositar no próprio corpo. Os nativos das ilhas onde a ave habita não a comem, pois sabem que o veneno provoca sensação dedormência e paralisia bucal. Se pode saber a toxicidade conhecendo a coloração da espécie. O Pituí-marrom é pouco venenoso, aocontrário do Pituí-de-penacho, com penas vermelhas e pretas, que é o mais venenoso. Espécies: Pitohui kirhocephalus, Pitohuidichrous, Pitohui incertus, Pitohui ferrugineus, Pitohui cristatus, Pitohui nigrescens Nota do digitalizador. Extraído dehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pitohui{11} Alice no país das maravilhas e Tragédias. Mantido os títulos originais, em inglês, por motivo óbvio. Nota do digitalizador.{12} Aloendro, também conhecido por loendro, cevadilha, adelfa (Nerium oleander) é um arbusto ou arvoreta da regiãomediterrânea que no verão se cobre de flor de cores que vão do cor-de-rosa vivo ao branco. Encontrado em ravina, margemou leito seco de curso dágua e berma (acostamento) de estrada. Muito utilizado como barreira em separador central deauto-estrada. Nota do digitalizador. Extraído de http://entretejodiana.blogs.sapo.pt/23412.html{13} Maple laranja, dos anos 1930, com braços de madeira. - (Houaiss) Maple - Substantivo masculino - Regionalismo:Portugal: Poltrona baixa, forrada. A etimologia é inglesa: Maple (século 14) Espécie de árvore cuja madeira é muito usada emmarchetaria e carpintaria. A palavra teve curso no Brasil, pois foi utilizada por Mauro Mota no poema Boletim sentimental daguerra em Recife: As mapples [sic] dos automóveis, e também por João do Rio. Em inglês também designa a cor típica dessamadeira. Nota do digitalizador. Extraído de http://forum.wordreference.com/showthread.php?t=280754{14} Pincenê (do francês pince-nez). Modelo de óculos usado nos século 15 até o início do século 20, cuja estrutura era

desprovida de haste. A fixação era feita apenas sobre o nariz. Diferente dos lernhons, cujo modelo era dotado de haste lateral

pra ser colocado diante dos olhos, o pincenê prendia os aros, como uma pinça, à ossatura do nariz. O modelo foi superadopelos óculos hasticulares modernos, como os numont, cujos aros superiores ou inferiores eram finos e ofereciam leveza esegurança. Nota do digitalizador. Extraído de Wikipedia.{15} Ou uma variante desse provérbio: A palavra é de prata, o silêncio é de ouro. Nota do digitalizador.{16} No texto impresso consta o termo lacônico. Mas tal não procede porque o termo lacônico se refere a uma frase com o

Page 186: A Dama da Túnica Escarlate - Doryol Taborda

mínimo de palavra, geralmente uma, duas ou três. Uma frase tão longa não é lacônica. Os dicionários registram o termo comosignificando resumido, sucinto, breve. Na antiga Grécia Felipe da Macedônia (pai de Alexandre Magno) cercou a Lacônia eenviou uma mensagem aos espartanos: Se não vos renderdes imediatamente invadirei vossas terras. Se meus exércitos asinvadirem pilharão e queimarão tudo o que mais prezais. Se eu marchar sobre a Lacônia arrasarei vossas cidades. Alguns diasdepois Felipe recebeu a resposta. Abriu a carta e encontrou somente uma palavra escrita: Se. É a origem da expressãoResposta lacônica. Nota do digitalizador.{17} Epsom, em Surrey, Reino Unido. Não é Epson. Nota do digitalizador.