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Marca própria como um instrumento da estratégia de marketing: um estudo de caso no setor de varejo alimentar brasileiro Autoria: Patricia Ostwald, Renato Cotta de Mello e Leticia Casotti Resumo Estudo exploratório sobre a atuação dos supermercados brasileiros, em programas de comercialização de marcas próprias. Procura investigar os motivos que levam um varejista a adotar um programa de comercialização de marcas próprias, qual o seu papel na estratégia da rede de supermercados e como se dá o desenvolvimento do programa no ambiente brasileiro. Apresenta as diferentes funções e papéis desempenhados pela marca própria, evidenciando importantes implicações para os varejistas e para os seus fornecedores. Para o estudo de caso, foi escolhido um determinado supermercado com participação significativa no mercado brasileiro de varejo alimentar e que comercializa produtos com marca própria. A análise do caso sugere que essa estratégia possibilita ganhos para ambos os atores – varejo e indústria, através do estabelecimento de bases negociais que visam, a médio e longo prazos, um melhor senso econômico e estratégico nas relações. 1. Introdução Os supermercados no Brasil, seguindo uma tendência internacional, têm ampliado os seus programas de comercialização de mercadorias com suas marcas próprias. Observa-se, no entanto que pouco se sabe sobre a real motivação de empresas em adotá-los. O presente trabalho faz um estudo em profundidade de um programa deste tipo em uma das maiores redes de varejo alimentar brasileira. Este estudo exploratório mostra diferentes funções e papéis desempenhados pela marca própria, com importantes implicações, não apenas para varejistas, mas também para as indústrias. O relato da realidade parece ser uma importante contribuição para que ambos os setores – varejo e indústria tenham um melhor senso econômico e estratégico do estado da arte sobre o tema. A estabilidade econômica atingida pelo Brasil nos últimos anos, fez com que a prática simplista das atividades de comprar e vender ganhasse nuances complexas. Novas estratégias e táticas precisaram ser pensadas e reconsideradas. O novo momento econômico, permitiu também, que o Brasil passasse a representar um risco menor para o investimento estrangeiro, ao mesmo tempo em que seu grande mercado consumidor, fez com que o País fosse visto como uma fonte de oportunidades ainda inexplorada pelo setor varejista internacional. O setor de varejo alimentar, em particular, tem presenciado uma intensa fase de aquisições. Das cinco maiores redes que atuam no mercado brasileiro de varejo alimentar, apenas uma não tem participação de capital estrangeiro. Nesse cenário, uma das inovações que tem se destacado no varejo alimentar são os programas de marca própria. Todas as grandes redes de supermercados propagam seus programas e declaram sua intenção de intensificá-los. As marcas próprias já detêm parcela significante do mercado europeu de alimentos, onde chegam a representar mais de 50% das vendas em alguns países. As marcas próprias britânicas, por exemplo, têm uma imagem forte e têm trazido ótimos resultados para quem as detêm. Embora não tão significativas, as marcas próprias também têm um peso considerável no mercado americano, com 15% a 20% de market share, dependendo da rede de supermercados (Lukianocenko, 2000). 1

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Page 1: Marca própria como um instrumento da estratégia de marketing: … · A argumentação de Johnson (2000) de que, cada vez mais, a idéia de value for money (alto valor percebido

Marca própria como um instrumento da estratégia de marketing: um estudo de caso no setor de varejo alimentar brasileiro

Autoria: Patricia Ostwald, Renato Cotta de Mello e Leticia Casotti Resumo Estudo exploratório sobre a atuação dos supermercados brasileiros, em programas de comercialização de marcas próprias. Procura investigar os motivos que levam um varejista a adotar um programa de comercialização de marcas próprias, qual o seu papel na estratégia da rede de supermercados e como se dá o desenvolvimento do programa no ambiente brasileiro. Apresenta as diferentes funções e papéis desempenhados pela marca própria, evidenciando importantes implicações para os varejistas e para os seus fornecedores. Para o estudo de caso, foi escolhido um determinado supermercado com participação significativa no mercado brasileiro de varejo alimentar e que comercializa produtos com marca própria. A análise do caso sugere que essa estratégia possibilita ganhos para ambos os atores – varejo e indústria, através do estabelecimento de bases negociais que visam, a médio e longo prazos, um melhor senso econômico e estratégico nas relações. 1. Introdução Os supermercados no Brasil, seguindo uma tendência internacional, têm ampliado os seus programas de comercialização de mercadorias com suas marcas próprias. Observa-se, no entanto que pouco se sabe sobre a real motivação de empresas em adotá-los. O presente trabalho faz um estudo em profundidade de um programa deste tipo em uma das maiores redes de varejo alimentar brasileira. Este estudo exploratório mostra diferentes funções e papéis desempenhados pela marca própria, com importantes implicações, não apenas para varejistas, mas também para as indústrias. O relato da realidade parece ser uma importante contribuição para que ambos os setores – varejo e indústria tenham um melhor senso econômico e estratégico do estado da arte sobre o tema. A estabilidade econômica atingida pelo Brasil nos últimos anos, fez com que a prática simplista das atividades de comprar e vender ganhasse nuances complexas. Novas estratégias e táticas precisaram ser pensadas e reconsideradas. O novo momento econômico, permitiu também, que o Brasil passasse a representar um risco menor para o investimento estrangeiro, ao mesmo tempo em que seu grande mercado consumidor, fez com que o País fosse visto como uma fonte de oportunidades ainda inexplorada pelo setor varejista internacional. O setor de varejo alimentar, em particular, tem presenciado uma intensa fase de aquisições. Das cinco maiores redes que atuam no mercado brasileiro de varejo alimentar, apenas uma não tem participação de capital estrangeiro. Nesse cenário, uma das inovações que tem se destacado no varejo alimentar são os programas de marca própria. Todas as grandes redes de supermercados propagam seus programas e declaram sua intenção de intensificá-los. As marcas próprias já detêm parcela significante do mercado europeu de alimentos, onde chegam a representar mais de 50% das vendas em alguns países. As marcas próprias britânicas, por exemplo, têm uma imagem forte e têm trazido ótimos resultados para quem as detêm. Embora não tão significativas, as marcas próprias também têm um peso considerável no mercado americano, com 15% a 20% de market share, dependendo da rede de supermercados (Lukianocenko, 2000).

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Os supermercados no Brasil, segundo Santos (1998), seguindo uma tendência internacional, têm ampliado os seus programas de comercialização de mercadorias com suas marcas próprias. Lukianocenko (2000) diz que “em 1999, as 10 maiores redes no país tiveram 5% de suas vendas representadas por suas marcas próprias e os varejistas de menor porte registraram 3% de participarão na mesma época”. Para Blecher (2000), a tendência de expansão das marcas próprias no Brasil vem sendo favorecida pelo forte processo de concentração do varejo ocorrido nos últimos anos. Muito embora seja evidente o crescimento dos programas de marca no Brasil, pouco se sabe sobre a real motivação de empresas em adotá-los. Assim, o presente trabalho faz um estudo em profundidade de um programa deste tipo, procurando investigar os fatores e os motivos que levam um varejista a adotar um programa de comercialização de marcas próprias, qual o papel da marca própria na estratégia de uma rede de supermercados, e como se dá o desenvolvimento de um programa de marcas próprias no ambiente brasileiro.

2- Sobre Marca Própria São inúmeros os conceitos envolvendo marcas próprias. A forma mais abrangente para definí-las é como produtos comercializados pelo varejo, com uma marca de sua propriedade. Para Richardson, Jain e Dick (1996), por exemplo, as marcas próprias são produtos de propriedade de um varejista, com marca e marketing sob sua responsabilidade que aumentam o tráfego na loja e a lealdade do cliente, através da oferta de linhas exclusivas que não podem ser encontradas na concorrência. Este tipo de produto, afirmam esses autores, oferece, também, maiores margens para o varejista, aumenta seu controle sobre o espaço de prateleira e possibilita maior poder de negociação na cadeia de distribuição. Bearman e Evans (1998) introduzem novos conceitos ao colocarem que marcas próprias, além de serem mais lucrativas para os varejistas, podem ser melhor controladas pois não são vendidas pelos concorrentes, são mais baratas para os consumidores e podem construir uma maior lealdade dos consumidores para com os varejistas. Cash, Wingate e Friendlader (1995) observam que os varejistas, em sua maioria, tentam atingir exclusividade (e assim maiores margens), oferecer valor agregado intrínseco a consumidores, prover consistência de posicionamento das marcas, proteger standards de qualidade, e manter maior controle sobre as linhas de produto. As marcas próprias, desta forma, tornam-se parte integrante da estratégia do varejo, dizem os autores. De acordo com Souza e Nemer (1993) marca própria é um conceito associado a qualidade por um preço justo, ou seja, deve representar uma boa relação de valor para os consumidores. Os autores lembram os anos 80, quando presenciou-se a tentativa de muitos varejistas no sentido de posicionar suas marcas próprias como as principais no seu mix de mercadorias e chamam atenção para o fato que, muitas delas estão posicionadas na faixa de preço modal, isto é, aquele onde se espera o maior volume de vendas. Para Souza e Nemer (1993), se um maior valor continua sendo importante para uma marca própria no confronto direto com a marca de fabricante equivalente, nem sempre isso significa ter seus preços como os mais baixos em uma categoria de produto. Lukianocenko (2000) parece concordar com Souza e Nemer (1993) quando afirma que o Brasil está dando os primeiros passos no assunto marca própria e lembra, também, que o tema hoje atravessa um importante momento de transição, no qual as palavras que definem marcas

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próprias não se resumem mais a "preços baixos", pois os produtos com marca própria começam a incorporar a qualidade como fator relevante, com base em pesquisas de mercado e estratégias mercadológicas. A argumentação de Johnson (2000) de que, cada vez mais, a idéia de value for money (alto valor percebido em relação ao preço) não representa necessariamente preços baixos, como nos anos 70, e que os consumidores estão se tornando mais sofisticados, vai ao encontro a esta idéia. O autor afirma que os consumidores estão se tornando mais conscientes sobre "valor" pois,hoje, não apenas os consumidores "que não têm poder aquisitivo" se interessam pelo valor de produtos e serviços, mas também os "que têm poder aquisitivo" que estão tomando decisões baseados no valor do que compram. Os consumidores estariam, assim, menos dispostos a pagar por marcas de designers, simplesmente para tê-las, ou seja, estão mais à procura de descontos/barganhas. A autora atenta para o fato de que, não apenas as marcas premium, têm que provar seu valor, mas também o ambiente, local e serviços, onde se faz a compra. Segundo Morgan (2000), a percepção do consumidor com relação a marcas está mudando. A qualidade dos produtos oferecidos com marca do varejo vem melhorando significativamente ao longo do tempo, ao mesmo tempo que a indústria, cada vez mais pressionada pelo varejo, vem baixando seus preços, muitas vezes às custas da qualidade. Os consumidores, por seu lado, estão expostos a uma quantidade cada vez maior de informação, permitindo avaliar melhor sua percepção de valor.

Figura 1: A Mudança de Natureza das Marcas

Qualidade Baixa

Preço Baixo Preço Alto

Qualidade Alta1970

1970

19901990

Marcas doFabricante

Marcas doVarejo

Fonte: MORGAN, R. New tools for measuring brands in a changing world. In: Brands face the

future. International Research Publication, 2000, p. 13-20.

Dentro desse ambiente de mudanças, tanto nos locais de compra quanto do comportamento dos consumidores que passa a exigir preço e qualidade (Rojo,1998), se inserem os programas de marca própria no Brasil, onde todos os grandes supermercados já oferecem produtos de marca própria, com seu próprio nome ou não. Seguindo uma das duas estratégias básicas de posicionamento de marcas próprias: marca única ou marcas múltiplas (Souza e Nemer, 1993). Lukianocenko (2000) prevê que “a política de marcas próprias no Brasil terá um crescimento acentuado nos próximos anos, com variedade de produtos de qualidade e também bons preços”.

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Blecher (2000) cita estudo da ACNielsen, para o ano de 1999, que verificou que: (i) o número de redes de varejo que passou a operar com suas próprias marcas cresceu 20%, de um ano para o outro mais de uma centena de hiper e supermercados; (ii) o número de categorias com produtos de marcas de varejistas cresceu 55% em dois anos e ultrapassou duas centenas; e, em três anos, o número de itens ou versões de produtos com marcas próprias embutidos em cada categoria quase quadruplicou para 5.700. O quadro 1 mostra a evolução no ano 2000 da presença de marcas próprias no varejo alimentar brasileiro.

Quadro 1 Crescimento das marcas próprias (2000/1999)

Número de Itens Estabelecimentos

(rede de supermercados, drogarias, atacadistas)

1999 5 709 1999 99 2000 10 568 2000 135 Crescimento 85% Crescimento 37% Fonte: ACNielsen apud BARCELLOS, M.. Grandes indústrias rendem-se à marca própria.

Gazeta Mercantil, São Paulo, 27 dez. 2000. Empresas e Carreiras, p.C-1. Hoch e Banerji (1993) levantam a questão que o market share de marcas próprias varia significativamente entre as mercadorias vendidas em supermercados e questionam quais os fatores que seriam responsáveis por esta variação. Tradicionalmente, marcas próprias são vendidas baseadas em preço, convencionou-se que as marcas da loja devem oferecer qualidade aceitável, enfatizando preço. Alguns varejistas, porém, segundo esses autores, começam a enfatizar qualidade ao invés de preço baixo. O estudo que estes autores relatam tenta identificar os determinantes de sucesso e examinar o papel relativo de preço e qualidade, considerando que a performance relativa de marcas próprias em categorias diferentes não pode ser explicada de forma simples. Há três grupos cujas expectativas e ações interagem afetando o sucesso, ou não, de uma marca própria: consumidores, varejistas e fabricantes. A figura 2 mostra os principais fatores que afetam esta interação. Figura 2: Principais Determinantes do Sucesso de Marcas Próprias

Market Share daMarca Própria

Market Share daMarca Própria

Qualidade doProduto

Qualidade doProduto

Consistência naQualidade

Consistência naQualidade

Gui

ado

pelo

Con

sum

idor

Vendas daCategoria no Varejo

Vendas daCategoria no Varejo

Margem daCategoria

Margem daCategoria

Gui

ado

pelo

Var

ejo

Número deFabricantesNúmero deFabricantes

Gasto dosFabricantes em

Propaganda

Gasto dosFabricantes em

Propaganda

Gui

ado

pelo

Fabr

ican

te

+

+

+

+

-

-

Fonte: HOCH, S.J., BANERJI, S. When do Private Labels Succeed?. Sloan Management Review,

Massachussets, v. 34, n.4, p.57-67, Verão 1993.

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A seriedade e a gestão eficaz de um programa de marcas próprias serão fatores muito importantes no maior desafio para as redes varejistas brasileiras no futuro próximo: manter a conquista de consumidores através do fortalecimento da relação de confiança, afirma Lazzarini (1998). “...é válido reafirmar que o setor de marcas próprias no Brasil começa a sentir os ventos de mudanças que terão impacto na forma de administrar o mix de produtos de cada organização”. A adoção de um programa de marcas próprias pode ter várias funções dentro da estratégia do varejo. Estas não são mutuamente exclusivas, e dentre elas pode-se destacar a marca própria como forma de aumentar a lucratividade do negócio, seja simplesmente pelos produtos de marca própria terem uma maior margem de lucro, ou pelo maior poder de barganha que dá ao detentor da marca para negociar com os fornecedores de outras marcas, que concorrem na mesma categoria. E, lembra Salgueiro (1998),

“vários motivos podem levar uma rede de supermercados a implantar um programa de marca própria, sendo fundamental pensá-la como alternativa estratégica e não como tática de curto prazo.”

Mathews (1996) afirma que é a natureza extremamente concentrada do setor de venda de gêneros alimentícios na Grã-Bretanha, onde os 5 top-players respondem por 60% de market share, que em grande parte levou a uma participação das marcas próprias de 30-35% do mercado. O autor comenta ainda que a concentração no setor supermercadista americano é inevitável nesta década, o que, afirma, resultará na formação de uma série de mega-cadeias nacionais, que terão mais incentivo para ter suas próprias marcas próprias nacionais, além de também ter mais força na aquisição garantindo qualidade consistente a baixo custo. 3- A Pesquisa

A escolha do supermercado, objeto deste estudo de caso, deve-se à sua representatividade no cenário nacional. Além de ser uma das cinco maiores cadeias de supermercados no Brasil (ABRAS, 2001), foi, recentemente, sujeito ativo de fusões e aquisições, que vem marcando o mercado brasileiro. O seu controle acionário foi adquirido por uma cadeia de supermercados com atuação internacional. Uma segunda razão para essa escolha está associada à facilidade de acesso dos pesquisadores ao corpo gerencial da organização. Utilizou-se nesse estudo de caso múltiplas fontes de informação, tais como entrevistas pessoais, consultas a documentos da empresa e a outras fontes de dados secundários. A possibilidade de uso de múltiplas fontes confere uma das principais vantagens do método de estudo de casos ao permitir a abordagem de um maior número de questões. A busca por múltiplas fontes de evidência também é importante no estudo de casos, para que se possa definir de forma mais completa o objeto de estudo na fase de análise (Yin, 1994). Documentos, tais como, notícias de jornal e relatórios setoriais, assim como o site da empresa na Internet, foram importantes para a ambientação dos pesquisadores assim como fonte de inspiração, aliados à teoria, para a confecção dos roteiros de entrevistas.

A principal forma de coleta de evidências deu-se, no entanto, através de entrevistas em profundidade com representantes da empresa. Essas entrevistas foram realizadas durante o mês de fevereiro de 2001, onde buscou-se compreender as intenções estratégicas da empresa ao adotar um programa de marcas próprias.

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Após as entrevistas, partiu-se para a construção do caso, num processo de bricolagem, onde as informações obtidas das diversas fontes foram ordenadas. Para análise e construção do caso foram utilizados métodos de análise qualitativa bem como as técnicas de análise de discurso. Segundo Yin (1993), o papel da teoria em um estudo de caso é estabelecer as expectativas nas análise das evidências empíricas. Assim, o objetivo básico da análise do caso foi traçar um paralelo, na medida do possível, entre os fatos e características da empresa estudada, tendo como expectro as principais propostas conceituais observadas pelos pesquisadores na revisão de literatura que versa sobre o assunto de marcas próprias. O supermercado não permitiu sua identificação. Desta forma, as referências serão feitas ao Super X ou à marca X.

4- O Estudo de Caso O SuperX adotou, pela primeira vez, um programa de marcas próprias, nos anos 70. Esta marca não possuía o nome SuperX e era composta principalmente por produtos classificados como commodities, sem permitir uma diferenciação, em termos de qualidade intrínseca dos mesmos. Os produtos com esta marca tinham como objetivo serem os mais baratos da categoria. Hoje, a atual gerência de marketing vê este programa, não só como bem distinto do que está em vigor na empresa atualmente, mas como um programa incipiente. Em meados dos anos 90, coincidindo com a entrada de uma holding internacional no capital social da empresa, ainda sob iniciativa da antiga família controladora, o programa foi totalmente reformulado. A marca própria passou a usar o nome SuperX e o programa foi reposicionado, abandonando a política de ser "o mais barato da categoria". Além de novo nome, os produtos ganharam novas embalagens. Os produtos, passíveis de uma política de diferenciação, também ganharam espaço na linha de marca própria. Em um primeiro momento, copiou-se a forma que uma outra grande varejista adotava para seus produtos de marca própria mas, mesmo assim, a linha ainda não foi muita bem aceita pelos consumidores, não tendo alcançado um bom resultado financeiro. Na busca por uma maior eficiência e para demonstrar o comprometimento da organização com o programa, decidiu-se extinguir a gerência de marcas próprias, passando, a linha, a ser responsabilidade da gerência de marketing do SuperX. Foi traçado um plano de longo prazo para o programa, dividido em fases. A primeira, que está praticamente terminada, visava, principalmente, aumentar a aceitação dos produtos por parte dos consumidores e, consequentemente, a lucratividade da linha. Hoje, 65% da linha é líder de venda em sua categoria. Isso não se traduz, também, em market share, uma vez que os produtos de marca própria se restringem a somente algumas categorias. Assim, os produtos com a marca SuperX respondem por aproximadamente 20% das vendas do supermercado e a linha, que antes apresentava resultados negativos, passou a ser lucrativa. O gerente de marca própria, junto com outras seis pessoas respondem pela operacionalização do programa do SuperX. Esta equipe é responsável por conceber, desenvolver, lançar e acompanhar o desempenho do produto. A decisão de expansão de linha, quais produtos serão lançados a seguir, é estratégica para a empresa e para o bom andamento da linha, no entender de seus executivos.

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As maiores dificuldades nesta fase, foram de ordem interna ao próprio SuperX. A aceitação por parte dos gerentes das lojas dos produtos com a marca da rede foi prejudicada, em parte, pela experiência anterior. De acordo com o gerente de marketing, as lojas, hoje, dão apoio ao programa e a marca Super X. A gerência de marketing entende que esse apoio é fundamental para o sucesso da empreitada. Atualmente, a linha de produtos com a marca SuperX inclui itens nas áreas de mercearia, toalete e limpeza, frios, hortifrutigranjeiros, padaria e bazar. Superadas as dificuldades, o SuperX prepara-se para entrar na segunda fase do seu planejamento de marcas próprias, ou seja, o crescimento da linha de produtos com marca própria. Todos os produtos de marca própria do SuperX utilizam apenas um nome, que é o do próprio supermercado. A empresa reconhece vantagens e desvantagens nessa estratégia, obviamente com as primeiras preponderando sobre as outras. Ao utilizar o próprio nome da empresa, o SuperX reforça o reconhecimento que já detém junto a seus consumidores. O nome funciona, também, como um endosso de qualidade e, se a empresa assina o produto, é porque confia nele, no entender dos executivos do SuperX. Junta-se à essa confiança, a aprovação do consumidor. Se o consumidor aprova um produto, está mais predisposto a experimentar outro que tenha a mesma marca: …"se gosta do café solúvel, terá menos resistência em experimentar o cereal matinal…"

A gerência do SuperX reconhece, também, que esta é uma estratégia de maior risco, na medida em que, “se o produto não for bom, poderá prejudicar toda a linha", comentou um executivo. De acordo com os gestores da marca SuperX, os produtos têm qualidade intrínseca superior. A empresa pretende que seus produtos passem para o consumidor a imagem da própria rede, que é de “tradição e confiança”. Confiança é uma palavra chave no relacionamento que a rede tenta estabelecer com seus consumidores. Quando compra um produto de marca própria o consumidor deve saber que não estará sendo lesado. A rede tenta, também reforçar sua imagem de tradição junto ao consumidor de marcas próprias: "minha avó confiava na rede, seus produtos são bons", é a idéia que o supermercado gostaria de estabelecer na mente de seus clientes. Baseando seu relacionamento em tradição, o SuperX opta por não inovar em seus produtos. Os produtos de marca própria são standard, a rede não pretende lançar no mercado produtos com os quais o consumidor não esteja familiarizado ou que tenha dificuldades em reconhecer rapidamente os benefícios oferecidos. A gerência do SuperX entende que o consumidor faz a ligação entre o nome da marca e sua garantia de qualidade, o que pode ser comprovado pelo alto índice de experimentação que os novos lançamentos têm apresentado — a grande maioria dos consumidores que experimenta os produtos de marca própria, volta a comprá-los depois. A escolha de fornecedores é criteriosa, uma vez que a garantia de qualidade intrínseca é fundamental, como ressalta o gestor da marca própria. O fornecedor deve ter um padrão fabril superior; todos os possíveis fornecedores devem, em primeiro lugar, ter o aval de qualidade de uma empresa independente, no caso a SGS, uma empresa classificadora internacional. O fornecedor deve ser capaz de produzir de acordo com o padrão de qualidade desejado pelo SuperX e, por isso, o possível fornecedor é sempre submetido a uma avaliação feita através de

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um questionário composto por mais de 80 itens cujo cumprimento é considerado fundamental para o estabelecimento de parceria. Uma vez o que fornecedor seja aprovado tecnicamente, as negociações comerciais se seguirão até o fechamento de um acordo de fornecimento. Os acordos de fornecimento costumam ser de longo prazo — cinco anos ou mais. Na maior parte dos casos, o fornecedor desenvolve um produto especialmente para o SuperX, a partir da especificação deste. Ou seja, o produto SuperX, geralmente, não é igual a um outro produto apenas com uma embalagem diferente, ele tem características próprias que podem diferenciá-lo de seus concorrentes. Os fornecedores também devem ser capazes de fornecer mais de um produto, não há fornecedores de um único produto, mas sim de linhas. Desta forma, explica o gestor de marca própria, o SuperX pretende estreitar a parceria com seus fornecedores e garantir uma maior uniformidade nas linhas de produto que levam seu nome. As embalagens são desenvolvidas por uma empresa especializada, respeitando a política de rotulagem estabelecida pelo SuperX. As embalagens dos produtos SuperX devem, em primeiro lugar, comunicar os atributos da marca, que são os da própria empresa. A embalagem, porém, não é única para todos os produtos, ela deve ser capaz também de comunicar a categoria que representa. Como explica o executivo da empresa:"…por exemplo, a embalagem do molho de tomate é vermelha.". Além disso, no planejamento da embalagem, ela deve ser capaz de distinguir o produto SuperX de seus concorrentes. O SuperX não pretende que seus produtos sejam os mais baratos da categoria. Sua intenção é que apresentem, aos olhos dos consumidores, a melhor relação custo/benefício, e têm seus preços fixados em níveis ligeiramente inferior aos benchmarks das categorias. Para que o consumidor possa fazer essa associação de custo/benefício, o SuperX costuma localizar, na gôndola, o produto com sua marca de forma a ficar próximo ao líder da categoria. O espaço ocupado na gôndola é aproximadamente o mesmo para produtos de todas as marcas. Cabe ao consumidor perceber que os produtos detêm atributos similares. Essa tática é mais ou menos a mesma para todas as categorias de produtos, guardando-se apenas as particularidades de algumas categorias, como por exemplo queijo ralado, que é colocado junto às massas, e não imediatamente ao lado do queijo ralado da concorrência como na maior parte dos demais produtos. Os produtos de marca própria são praticamente os mesmos nas lojas de supermercados e de hipermercados da rede SuperX. Atualmente, algumas poucas categorias são exclusivas do portfólio de hipermercados e não podem ser encontrados nos supermercados. O entendimento do SuperX, é que seus produtos destinam-se principalmente a clientes das classes B e C. Aquele consumidor que "não quer abrir mão da qualidade, mas uma economia é sempre bem-vinda". A classe A, entende a gerência, não estaria motivada para comprar a marca SuperX, uma vez que tende a optar pelas marcas nacionais tradicionais. Na direção oposta, classes D e E também não deverão comprar produtos de marca SuperX, uma vez que essa não é a opção mais barata dentro do próprio SuperX, que per se, já não está posicionado junto ao mercado como um local de compras onde se gaste pouco. O SuperX muito raramente realiza promoções de preços para seus produtos de marca própria. O gerente responsável pelo programa de marcas próprias entende que esta tática poderia vir a "arranhar a leitura da linha como um todo", uma vez que ela não é posicionada como sendo de preço baixo. Não há propaganda específica para os produtos de marca própria na comunicação de massa realizada pelo SuperX. O merchandising do produto é realizado no

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ponto de venda. Os novos produtos da linha com marca SuperX são introduzidos, geralmente, com degustação na própria loja, no caso de alimentos, e distribuição de amostras, no caso de produtos de bazar. O programa de marcas próprias do SuperX tem tido implementação lenta, por opção da própria rede, pois a preocupação com qualidade é um de seus pilares. A lentidão deve-se, principalmente, ao planejamento com que é feito e ao rigor na escolha dos produtos e de seus fornecedores. Um exemplo, citado por um por um dos entrevistados, é o sabonete, um produto que a rede ainda não oferece. Nenhum dos cinco fornecedores pesquisados foi selecionado, sendo que dois deles o foram pelas duas das maiores redes do país. De acordo com o gerente de marketing,“a imagem do próprio supermercado deve ser traduzida nos produtos." E esse é outro cuidado que tomam os gestores da marca SuperX . Entende-se que o posicionamento dos produtos deve transferir a percepção que os clientes têm do supermercado, e vice-versa. Nas palavras do gerente de marketing do SuperX:

"não é possível, por exemplo, para uma empresa que tem como slogan “menor preço todo dia” adotar qualquer posicionamento para seus produtos, diferente de preços menores."

O SuperX, no entender de seus executivos, é visto por seus clientes como uma empresa de qualidade, e é isto que encontram também nos produtos que levam sua marca. O posicionamento que o supermercado pretende para os produtos com sua marca é o de uma uma opção de compra inteligente. O supermercado não pretende que seus produtos sejam uma opção mais barata. Por haver optado por posicionar-se como opção de compra inteligente, o supermercado quer que seus produtos sejam percebidos como de qualidade superior, a preços razoáveis. A estratégia de promoção no ponto de venda é desenhada em função deste objetivo. A gerência do SuperX entende que os 22% de market share que sua marca própria detém hoje, considerando a média ponderada nas categorias onde o programa está presente, é muito próxima da ideal. Seus executivos declaram que buscam um balanceamento, pois a marca própria nunca será a única opção de oferta do supermercado aos seus clientes, é apenas uma das opções. Os objetivos individuais de cada linha, dependem da categoria em que se encontra o produto. Os objetivos de market share em bazar, por exemplo são maiores do que em higiene e limpeza. Já alimentos e home care ficam em uma posição intermediária. A gerência de marketing do SuperX entende que um programa de marcas próprias fideliza a marca do próprio supermercado, além de aumentar os lucros. Como citado por este gerente:

"Antes, enquanto o consumidor tomava café, ele via o nome do supermercado no saco utilizado para armezenar seu lixo. Hoje, ele o vê no leite em pó, no café solúvel, no suco, no iogurte, no cereal matinal, no pão, na margarina etc."

A gerência do SuperX reconhece também, que o relacionamento com os fabricantes foi alterado depois da intensificação de seu programa de marcas próprias. As negociações com os líderes de algumas categorias se tornaram diferentes. A gerência reconhece que alguns fabricantes podem ter se sentido ameaçados pela concorrência que os produtos de marca própria passaram a representar.

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Não é muito comum um consumidor buscar um produto de marca própria em particular, por exemplo "o" extrato de tomates SuperX, acredita a gerência de marketing da rede de supermercados. Os clientes gostam da linha de produtos do supermercado, e os consomem em suas compras mensais, por exemplo. Os produtos da rede SuperX são preferidos frente a de seus concorrentes, ou seja a marca própria de outras redes. Isso é percebido, segundo os gestores da marca, pelo market share bastante superior que a mesma detém em relação à concorrência. A gerência da rede, porém, não percebe que haja produtos de marca própria que sejam a causa da ida de um cliente àquela rede de supermercados. O futuro da marca própria SuperX é de expansão da linha de produtos. Qual(is) produto(s) exatamente serão acrescentados, em que ordem, e quando, ainda está sendo estudado pelos gestores da marca SuperX, que entendem ser uma informação estratégica a forma como sua linha caminhará. A rede, no curto e médio prazos, não deverá estar desenvolvendo nem linhas populares nem linhas premium. A estratégia de produtos standard deverá ser mantida. A gerência do SuperX não acredita que a holding internacional caminhará para a adoção de uma marca própria única mundial. Mesmo com todas as aquisições, a holding mantêm vivas várias "bandeiras" em seus supermercados; neste cenário, uma marca própria única não parece viável. As sinergias entre as operações latino americanas, porém, tendem a se intensificar, na medida em que seus executivos percebem que as oportunidade de ganhos logísticos são grandes. “Talvez, um dia, chegue-se a ter uma administração única de todas as marcas da holding na América Latina”, comentam seus executivos, embora cada operação permaneça com sua marca, na consideração de um de seus gestores. A porção latino americana da rede passa por um momento de benchmark interno de seus programas de marca própria, sendo o programa brasileiro reconhecido como o mais representativo e consistente da região. De acordo com o gerente de marketing, o programa atual de marcas próprias do SuperX pode ser avaliado como razoável mas ainda sem a profundidade pretendida. Reconhece-se, porém, que o público consumidor do supermercado avalia-o como excelente. O gerente de marketing do SuperX acredita que programas de marca própria no futuro devam representar, em média, 15% do negócio das redes de varejo alimentar no Brasil. Acredita também que num espaço de 10 anos, o volume de vendas de produtos de marca própria venha a representar 1% do PIB brasileiro, para tal, compara o perfil brasileiro de consumo ao que se verifica no mercado americano. Segundo esse mesmo executivo:

"… a marca própria vai fazer a indústria nacional se repensar. Produtos onde não há inovação deverão ser dominados pelas marcas próprias … A indústria terá que ter marcas fortes … ou monopólio de uma tecnologia importante … ou coisas como vinho e perfumaria"

De uma forma prática, ele parece resumir a diferença entre o consumo de produtos de marca própria e de marca nacional no futuro como:

"aqueles produtos que ninguém vê, que o vizinho não vai saber, serão dominados pela marca própria … aqueles produtos que ficam aparentes no banheiro ou o vinho que se serve às visitas serão de marcas nacionais"

Segundo os gestores da empresa, o gerenciamento por categoria, a nova forma de gestão que está sendo implantada no SuperX, poderá ter impacto no gerenciamento dos produtos de marca própria. O gerente de categoria, por exemplo, poderá concluir que o posicionamento

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ideal para o produto de marca própria, de forma a otimizar a categoria como um todo, é diferente daquele pretendido pelo SuperX. Neste caso, os executivos da empresa entendem que o produto deverá deixar de ser uma das opções oferecidas pelo SuperX naquela categoria. Na introdução de uma categoria, a gerência de marcas próprias dá inputs sobre a performance daquele produto, sendo esses tomados como dados de mercado, a princípio. Uma vez implantado em sua plenitude, o modelo de gerenciamento de categoria passará a considerar os dados reais para aquele produto.

5- Discussão dos Resultados As análises feitas sobre o papel da marca própria na estratégia de um supermercado por Williams (1996), Quelch e Harding (1996) e Mathews (1996), distinguem, em geral, algumas funções principais e não excludentes: as marcas próprias trazem maiores margens para o varejista; as marcas próprias auxiliam na disputa de poder dentro dos canais, tendendo a desequilibrar o sistema a favor do varejo; e as marcas próprias são um instrumento para diferenciação e fidelização dos clientes ao varejista. As informações, coletadas a partir das entrevistas realizadas e dos dados secundários levantados, sugerem que a fidelização dos consumidores é a principal função na política de marca própria do SuperX . Foram também mencionadas pelos gerentes da organização outras funções verificadas na literatura, tal como a obtenção de vantagens negociais com os fornecedores. A preocupação com a diferenciação dos concorrentes, no entanto, de acordo com Blecher (2000) relaciona-se não apenas à função apontada como principal, ou seja, a fidelização, mas também às mudanças recentes no ambiente competitivo do varejo alimentar brasileiro, que tornou a disputa por parcelas de mercado mais acirradas. A diferenciação aparece, também, na literatura, citada por Quelch e Harding (1996) e por Mathews (1996), como importante para conquistar lealdade dos consumidores. Entretanto, a idéia de que uma marca seria uma forma de diferenciar-se e de atender expectativas de grupos de consumidores específicos (Tavares, 1988; Berthon, Hulber e Pitt, 1999), parece ganhar nuances complexas no caso do SuperX. Analisando-se individualmente os produtos da marca SuperX não parece possível encontrar diferenças significativas dos mesmos em relação aos produtos dos concorrentes, pois a opção da empresa é clara quanto a trabalhar apenas com produtos standard, ou seja nada muito fora do padrão. A diferenciação, quando se analisa as informações coletadas parece acontecer a partir do posicionamento de um mix de produtos únicos, associados à uma opção de compra inteligente – preço razoável por um produto com boa qualidade intrínceca. O SuperX declara, no entanto, não pretender investir em produtos premium em seu mix, o que pode limitar sua estratégia de diferenciação de acordo com Dunne e Narasimham (1999) e Mathews (1996). Segundo esses autores, o varejo deve introduzir produtos premium e inovadores no mix de seus produtos de marca própria para alcançarem uma real diferenciação. A rede SuperX demonstra estar preocupada com a coerência de sua linha de marca própria com a imagem de tradição da rede, o que não estaria consistente com estratégias inovadoras de novos conceitos de produtos. A preocupação maior parece ser manter um certo nível de qualidade, ou seja, se o supermercado está indicando e avalizando um produto SuperX, o consumidor deve perceber como uma opção segura, o que está de acordo com a função de

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reduzir os riscos percebidos, também atribuída à marca (Berthon, Hulber e Pitt, 1999; Rocha e Christensen; 1999). Quanto às várias etapas do desenvolvimento de uma marca, previstas por Rocha e Christensen (1999), a marca de produtos SuperX já ultapassou a etapa de reconhecimento e aceitação da marca e, em algumas categorias, os produtos parecem já ter atingido até mesmo a preferência dos consumidores. A etapa de lealdade, porém, ainda não pode ser verificada nos produtos SuperX, embora seja o que os gestores do supermercado declaram como principal objetivo- lealdade ao produtos SuperX e, consequentemente, ao próprio supermercado. Cabe comentar que, se toda uma política de marcas próprias está sendo construída com a função principal declarada de fidelização dos clientes às lojas da rede, a grande preocupação é de ocorrência de algum problema ou falha com algum produto da marca SuperX, o que, não apenas, iria de encontro ao principal objetivo mencionado, mas também, poderia prejudicar a imagem de marca e o posicionamento pretendido pela rede de supermercados em si. Outro possível problema relaciona-se à coerência da linha de produtos com o posicionamento do próprio supermercado. Por exemplo, slogans do tipo “Menor preço todo dia” para as lojas e posicionamento premium para produtos de marca própria não combinam, principalmente se estes carregam a mesma marca das lojas. O risco é que essas mensagens conflitantes possam confundir os consumidores e prejudicar a imagem do próprio supermercado. Parece ser esta uma das maiores preocupações dos executivos do SuperX e um dos motivos para que o programa tenha seu desenvolvimento cuidadosamente ponderado, antes de qualquer avanço. A marca SuperX pretende transmitir os valores, cultura e personalidade da rede, dirigindo-se aos mesmo grupo-alvo principal considerado pelo supermercado SuperX - consumidores pertencentes às classes B e C. Quanto aos diversos significados da marca, os gestores da marca SuperX preocupam-se em desenvolver especialmente para os produtos a serem lançados a embalagem adequada, a forma recomendável, a cor que transmita o conteúdo da embalagem e o logotipo SuperX corretamente aposto. Hoch e Banerji (1993) afirmam que o market share de marcas próprias varia significativamente entre as categorias. Esse fato é verificado no SuperX onde o market share médio é de 22%, chegando a atingir 80% em alguns produtos. Entretanto, a estratégia da escolha de categorias a introduzir não foi divulgada , e não foi possível verificar qual a influência do SuperX no sucesso de determinadas categorias. Souza e Nemer (1993) afirmam que uma economia com regras constantemente alteradas, como a brasileira, levaria varejistas e fornecedores a evitarem contratos a longo prazo, ocasionando descontinuidade no fornecimento de marcas próprias. Barcellos (2000) também acredita que haja pouca fidelidade entre o varejo e seus fornecedores de marca própria. Essas proposições não se verificam no caso, onde os acordos de fornecimento entre o SuperX e seus fornecedores costumam cobrir prazos relativamente longos, de cinco anos ou mais, demonstrando o compromisso de relacionamento duradouro entre as partes. Não seria possível afirmar, porém, se este é um caso isolado que contradiz os autores, ou se simplesmente a teoria de Souza e Nemer está desatualizada e a amostra de Barcellos não é representativa ou, ainda, se a relativa estabilidade monetária alcançada pela economia brasileira está favorecendo o surgimento de acordos de mais longo prazos entre fabricantes e varejistas..

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A baixa velocidade com que o SuperX implementa seu programa de marca própria e a preocupação em estabelecer relacionamentos de longo prazo com fornecedores podem ser indicadores de que a rede varejista não vê a marca SuperX como uma tática de curto prazo para a obtenção de vantagens negociais mas, sim, como uma alternativa estratégica, com reflexos de médio e longo prazos nas operações da rede. Outros sinais que se observam na gestão da marca SuperX e que podem levar a ilações quanto a futuros desenvolvimentos do programa, dizem respeito à empresa certificadora internacional dos produtos de marca própria, a SGS, e ao fato de o programa brasileiro de marca própria ser considerado pela matriz da empresa como benchmarking no âmbito da América Latina. Logo, não haverá nenhum impedimento, caso passe a vigorar uma política de marca única para esta região, para que o programa brasileiro seja estendido para além das fronteiras nacionais.

6- Considerações Finais Como um estudo exploratório, o caso da marca SuperX buscou trazer à tona uma prática que vem se tornando bastante comum no varejo supermercadista brasileiro, com o objetivo de discutir um exemplo real de estratégia empresarial que tem, entre seus elementos, o desenvolvimento de marca própria. Adicionalmente, foi possível chegar a algumas relações entre concepções teóricas e as informações coletadas sobre as políticas relativas à marca SuperX. As teorias sobre marcas, em sua grande maioria são construídas baseadas em produtos fabricados e comercializados por indústrias. Talvez possa ser esse o motivo pelo qual as políticas de marcas próprias sejam, com freqüência vistas como category killers - produtos baratos e imitações de produtos que procuram atingir os consumidores que sejam mais sensíveis em relação à preço. Este estudo mostra, no entanto, diferentes funções e papéis desempenhados pela marca própria em uma rede de varejo alimentar, com importantes implicações, não apenas para varejistas, mas também para as indústrias. O caso da marca SuperX, embora siga uma política relativamente conservadora de marcas próprias, possibilita o entendimento da realidade de uma política de marcas próprias e pode, por exemplo, desfazer a impressão de que é uma política prejudicial em relação aos fornecedores. A realidade pode ser justamente o início de parcerias onde ambos os lados ganham através de um melhor senso econômico e estratégico. Da mesma forma que varejistas estabelecem sua política para marcas próprias, as indústrias também devem estar organizadas. A visão das indústrias sobre a política de marcas próprias de varejistas também parece ser um tema muito pouco explorado no Brasil, sugerindo que este tema pode ser objeto de estudos futuros.

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