manual modulo mistica tradicoes revisao2013

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    MDULO TCNICO DE MSTICA E TRADIES

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    UNIDADE DIDTICA 1: MSTICA E TRADIES

    Do dicionrio Michaelis:

    Ms.ti.ca(gr mystik): sf 1 Tratado a respeito das coisas divinas ou espirituais. 2 V misticismo.

    Mis.ti.cis.mo (mistico+ismo): sm 1 Filos Crena religiosa ou filosfica dos msticos, que

    admitem comunicaes ocultas entre os homens e a divindade. 2 Aptido ou tendncia para

    crer no sobrenatural. 3 Devoo religiosa; vida contemplativa.

    Ms.ti.co (gr mystiks): adj 1 Que diz respeito vida espiritual. 2 Que se refere vida

    religiosa. 3 Misterioso, alegrico, figurado (falando das coisas religiosas). sm 1 O que

    professa o misticismo. 2 O que se d vida contemplativa, espiritual. 3 O que se escreve

    sobre o misticismo.

    Tra.di.o (lat traditione): sf 1 Comunicao ou transmisso de notcias, composies

    literrias, doutrinas, ritos, costumes, feita de pais para filhos no decorrer dos tempos ao

    sucederem-se as geraes. 2 Memria, recordao. Tradio oral: a que s consta pelo que

    se diz. Tradies nacionais: os grandes fatos da histria de um pas.

    Todo grupo humano estabelece elementos de ligao espiritual, que constituem o

    que se denomina MSTICA. Essa ligao pode ser com uma entidade superior (deus protetor

    do grupo, ancestral comum, animal-totem) ou entre os membros do grupo, constituindo oseu ethosou maneira de ser, sua identidade comum.

    Podemos citar como manifestaes da mstica: os smbolos, os nomes, os rituais, as

    tradies.

    Smbolos so elementos, mais usualmente visuais e acsticos, que evocam ideias;

    alguns, mais marcantes ou de associao mais direta, constituem aquilo que Jung chamou

    imagens primordiais, ou arqutipos, cujo significado considerado universal. Exemplos: a

    grande Me, o Redentor, a Trindade (Pai-Me-Filho; Pai-Filho-Esprito Santo; Brahma-Shiva-

    Vishnu; F-Esperana-Amor...), o clice/caldeiro/Graal que alimenta ou que cura de todos

    os males, a cruz sustica, a flor de lis, o V da vitria com os dedos, o om budista, os

    hinos e bandeiras nacionais, o leno de Gilwell, as divisas dos militares, os gritos de guerra,

    o tartande famlias escocesas, a Cruz de Lorena...

    Os nomes so uma variedade de smbolos que evocam uma determinadapersonalidade (o prprio indivduo, ou seu totem). Ao escrever ou enunciar Epaminondas

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    Silva Pereira, representamos esse Epaminondas e nenhum outro. Se ele adota um nome

    mstico, digamos, Rondon, o Marechal da Paz o seu patrono, aquele que o nosso

    amigo Epaminondas toma como referncia pelas suas aes e atributos de personalidade.

    O nome brasileiro identifica aqueles naturais de certaporo do planeta. A antiga prtica

    da mulher passar a usar o sobrenome do esposo vem da crena romana em que, pelo

    casamento, ela assumia o culto dos laresdo marido, como relata Fustel de Coulanges.

    Cartaz de propaganda da 2 Guerra Mundial (Tesoura vence Papel analogia do V da vitria de Churchill versus a

    saudao nazista); amostras de tartansescoceses; um diagrama da Santssima Trindade crist; o Graal, a lana de Longino e

    Excalibur; e as cores do 13/18 Regimento de Hussardos (Queens Own Cavalry), ao qual B-P pertenceu.

    Rituais so sequncias de aes, de movimentos e/ou de sons, que podem ou no

    ser associadas a smbolos visuais, que podem ter o objetivo de atrair a boa vontade dos

    deuses ou evocar algum elemento de identidade do grupo. Exemplos: o cerimonial militar,

    o rito forense, a missa catlica, a colao de grau acadmico, o cerimonial da Bandeira... O

    prprio teatro comeou como rito de culto ao deus Dioniso, na Grcia antiga, em que se

    encenava a morte e ressurreio do deus. O ritual tem uma forma estabelecida, que fica

    como padro, e que reflete uma sequncia lgica ou a considerada correta paramovimentar as energias da maneira pretendida. Nos rituais de semeadura, havia os

    encantamentos que tinham de ser recitados, um sentido certo de percorrer o campo; em

    algumas culturas, a mulher menstruada no podia manusear alimentos por estar impura;

    na missa, o ato penitencial vem antes do ofertrio, que por sua vez deve anteceder a

    comunho, que coroa o ritual (pois o fiel deve limpar-se dos pecados antes de oferecer-se a

    Deus e de fazer-se um com Ele na comunho).

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    As tradies so aplicaes de carter repetitivo, perene, dos smbolos e rituais.

    Temos, entre tantas, os trajes ditos tpicos (por exemplo, o kiltescocs ou o kefiehrabe) e

    os j citados cerimoniais militares, religiosos e acadmicos. A chamada tradio

    profissional familiar, por exemplo, de mdicos, advogados ou militares, nada mais que

    uma afirmao da identidade daquele grupo familiar, ligado espiritualmente pela

    identificao profissional com os antepassados (que os romanos denominavam manesou

    lares, os deuses tutelares da casa). Pela sua importncia, convm ressaltar:

    Tradio um ritual repetido em sua forma e

    ocasio, que afirma a ligao espiritual entre

    pessoas que tm smbolos comuns.

    Assim, vemos que as tradies, elementos visuais/sonoros e rituais so marcos

    simblicos: seu uso estimula uma comunho espiritual que estabelece ou refora a

    identidade do grupo social.

    Como toda construo cultural, uma tradio inventada em algum momento,

    sendo convincentemente estabelecida sua origem imemorial, divina e firmando-se pela

    repetio por vezes, a um ponto em que se pratica o ritual sem sequer saber o seu

    significado, simplesmente porque sempre foi assim; sobre isso, diz Eric Hobsbawm:

    Consideramos que a inveno de tradies essencialmente um processo

    de formalizao e ritualizao, caracterizado por referir-se ao passado, mesmo que

    apenas pela imposio da repetio. Os historiadores ainda no estudaram

    adequadamente o processo exato pelo qual tais complexos simblicos e rituais so

    criados. Ele ainda em grande parte relativamente desconhecido. Presume-se que

    se manifeste de maneira mais ntida quando uma tradio deliberadamente

    inventada e estruturada por um nico iniciador, como o caso do Escotismo, criado

    por Baden-Powell. Talvez seja mais fcil determinar a origem do processo no caso

    de cerimoniais oficialmente institudos e planejados, uma vez que provavelmente

    eles estaro bem documentados, como, por exemplo, a construo do simbolismo

    nazista e os comcios do partido em Nuremberg. mais difcil descobrir essa origem

    quando as tradies tenham sido em parte inventadas, em parte desenvolvidas em

    grupos fechados (onde menos provvel que o processo tenha sido registrado em

    documentos) ou de maneira informal durante um certo perodo, como acontece

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    com as tradies parlamentares e jurdicas. A dificuldade encontra-se no s nas

    fontes, como tambm nas tcnicas, embora estejam disposio dos estudiosos

    tanto disciplinas esotricas especializadas em rituais e simbolismos, tais como a

    herldica e o estudo das liturgias, quanto disciplinas histricas warburguianas para o

    estudo das disciplinas citadas acima. Infelizmente, nenhuma dessas tcnicas

    comumente conhecida dos historiadores da era industrial (HOBSBAWM; RANGER,

    1984, p.12).

    Assim, a mstica inseparvel do ser humano, por corresponder sua forma de

    expressar sua dimenso espiritual. Devemos ter em vista, entretanto, que a mstica

    diferente do misticismo. A mstica, tendo o ritual e os smbolos como manifestao, faz

    parte de um contexto, ajudando o indivduo a entrar no clima, a colocar-se em comunho de

    espritocom seus companheiros; esse esprito comumlhes d referncias comuns, faz que

    sejam do mesmo sangue. Ela meiode fortalecimento da identidade, na construo do self.

    O misticismo, por sua vez, toma o ritual como fimem si mesmo; a persona msticaprevalece

    sobre a pessoa real (mantendo-a num mundo parte), e o ritual apenas alimenta o prximo

    ritual.

    Os humanos so seres histricos, capazes de produzir e transmitir cultura,

    educando-se no apenas para sobreviver individualmente, mas para conviver no grupo

    social. Assim, a modelagem do indivduo se faz, alm das regras (pode/no pode), por

    imitao do comportamento de pessoas tomadas como referncia, tanto por observao

    direta quanto pelas narrativas (mitos fundadores, narrativas edificantes) e pela vivncia dos

    rituais.

    Os mitos fundadores relatam a origem do grupo social, seu relacionamento com o

    animal-totem (um benfeitor, que lhes empresta seus atributos de carter: agressividade,pacincia, coragem, astcia, etc.) ou com outros entes significativos no caso do

    Escotismo, o mito fundador a biografia de Baden-Powell, que, por mais que trate de uma

    pessoa de carne e osso, recebeu alguns toques mticos, seja para atender ao self-marketing

    de B-P, seja por parte de seus sucessores na liderana do Movimento, para fortalecer a

    figura mtica, heroica do Fundador.

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    As narrativas edificantes falam de pessoas que se destacaram como exemplo em

    aes consideradas positivas coragem, abnegao, bondade, devoo (caso, por

    exemplo, dos patronos militares ou dos santos padroeiros).

    Atos solenes marcam feitos enobrecedores ou degradantes presentes ou

    recordam feitos passados, destacando seus agentes positiva ou negativamente uma

    cerimnia evocativa ou a entrega de medalhas so tpicos casos positivos; uma solenidade

    de expulso ou a leitura de uma sentena condenatria em juzo so tpicos exemplos

    negativos. Um gesto como a continncia representa o respeito entre militares: do

    subordinado que a faz ao mais graduado (reconhecendo sua precedncia), e o deste ltimo

    ao respond-la (reconhecendo a importncia do trabalho do outro e manifestando o dever

    de responder a um cumprimento).

    Militares e Escoteiros so exemplos notrios de emprego de marcos simblicos no

    caso dos militares, as insgnias dos postos hierrquicos, a continncia, as flmulas e

    distintivos regimentais; no caso dos Escoteiros, os distintivos, os gritos de Patrulha, asaudao, as cerimnias. Sendo o Fundador do Escotismo originariamente um militar, no

    de se estranhar que aproveitasse no Movimento a sistemtica dos militares no uso dos

    marcos simblicos, j que sentiu na carne a importncia dos laos corporativos no s para

    que o trabalho fosse bem feito no enfear o nome da Companhia/do Regimento, no

    deixar os companheiros na mo (a obra de S. L. A. Marshall expe isso com muita clareza)

    , como tambm no fortalecimento psicolgico a recuperao ps-

    traumtica/ressocializao melhor na companhia do grupo com o qual o indivduo tem

    laos (conforme explica o estudo de Dave Grossman). Um exemplo prtico deste processo

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    de recuperao a origem do Ramo Pioneiro: os ex-combatentes da Primeira Guerra

    Mundial que haviam sido Escoteiros reuniam-se e faziam coisas juntos, inclusive prestando

    servios na reconstruo do pas; isso lhes devolvia a percepo de pertencerem a um

    grupo social em situao normal e dava-lhes a noo de que eram teis, portanto,

    fazendo parte da comunidade. Velhos demais para serem Escoteiros, mas atuando

    escoteiramente, no tardou que lhes fosse destinado um Ramo como etapa final do

    processo educacional Escoteiro.

    A validade do marco simblico sofre questionamentos, tanto devido ao misticismo,

    que, autoalimentando-se, persegue a prpria cauda sem chegar a lugar algum, quanto

    devido nfase materialista do mundo globalizado, pondo em xeque o aspecto espiritual

    da construo do indivduo. Mas justamente esse lado espiritual que refora o processo

    formativo afetivo e social, promovendo a integralidade psquica do indivduo. Portanto, tem

    importante papel educativo e, mesmo, de preservao psquica do sujeito.

    Como vimos, todo marco simblico, sendo uma construo cultural, tem uma

    origem e um porqu. importante conhec-los, para que no pratiquemos rituais

    mecnicos e sem significado situao em que, verdadeiramente, nos fazemos ridculos.

    Conhecer origens e motivos dos nossos vrios marcos simblicos o objetivo das prximas

    sees.

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    UNIDADE DIDTICA 2: MITO FUNDADOR E ELEMENTOS DE HISTRIA

    Se o ser humano histrico, a histria sob as mais diversas formas est em seu

    processo formativo. Sua identidade dada pelos valores historicamente adquiridos e pelas

    coisas que fez em sua vida (ningum tem histria pelo que far). Esses valores e a

    identidade grupal tm em sua construo a forte influncia dos mitos fundadores e das

    narrativas reais ou mticas, que se refletem na constituio moral do indivduo. O mito

    fundador a narrativa primordial do grupo, de como o ancestral comum ou o grande

    educador criou ou ofereceu dons ao grupo (como se criou o mundo, como se capturou o

    fogo, como surgiu a mandioca...). As narrativas edificantes mostram os feitos nobres ou vis

    dos indivduos e como a boa conduta contribui para o bem comum, fazendo a pessoa

    valorizada no grupo.

    O MITO FUNDADOR: A BIOGRAFIA DE BADEN-POWELL

    Muita coisa se diz a respeito do que o Fundador do Escotismo teria dito e feito, por

    vezes chegando, em exagero, a aproximar-se de um carter hagiolgico (relativo aos

    santos), ou atribuindo-lhe citaes no confirmadas pelos seus textos publicados, para

    atender a convenincias. B-P no era nem santo nem super-homem. Era um ser humanoque poderia ser considerado dentro dos parmetros psicolgicos de normalidade, oriundo

    de um contexto de classe mdia da Inglaterra vitoriana e com o ethosdo rapaz educado em

    internato, incorporando a cultura da profisso militar. Era, sim, dotado de uma viva

    inteligncia, capaz de usar bem ambos os lados do crebro (atributo identificvel por sua

    habilidade em escrever e desenhar com qualquer das mos), dado palhaada (os colegas

    de Charterhouse gostavam de ficar perto do gol que ele guarnecia, nas partidas de futebol,

    para ouvir os ditos espirituosos que soltava ao longo do jogo e assistir de perto s suas

    arremetidas com gritos de pele-vermelha contra atacantes adversrios que chegassem com

    a bola, procurando quebrar-lhes a concentrao do chute a gol) e com grande gosto pela

    encenao teatral, o que o ajudou a desenvolver grande presena de esprito e criatividade,

    alm de aguda percepo do carter das pessoas.

    Uma das melhores fontes para se conhecer Lord Bathing -Towel (Lorde Toalha de

    Banho) seu apelido em Charterhouse School, pela semelhana com a pronncia do nome

    Baden-Powell a sua autobiografia, Lies da escola da vida, na qual, apesar de algum

    polimento em trechos que poderiam ser menos inspiradores (como os apelidos ImpeesaeMhlalapanzi, segundo Tim Jeal), ele se apresenta com bastante sinceridade, no deixando

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    de expor os pequenos atos no muito heroicos que, como humano e dentro da viso de

    mundo de sua poca, por vezes praticou; destes, pode-se citar o dinheirinho extra que

    conseguia quando serviu na ndia, treinando cavalos rejeitados e revendendo-os; ou o

    perigoso esporte da caa ao javali com lana, contrrio ao artigo da futura Lei Escoteira

    sobre bondade para com os animais; ou o caso da misso de reconhecimento nas Matopo

    Hills, na qual, descoberto pelos Matabeles, deu no p com quantas pernas tinha para no

    passar pela desagradvel experincia de ser torturado at a morte; ou, ainda, sua ordem de

    executar por fuzilamento um lder Matabele, no contexto do esforo para sufocar a

    rebelio.

    B-P em representao teatral; fugindo dos Matabeles nas Matopo Hills; com seu Estado-Maior em Mafeking.

    Aos olhos modernos, B-P poderia, por exemplo, ser execrado por ter condenado

    fome os nativos em Mafeking durante o cerco, ao priorizar a distribuio de alimentos

    para os brancos; mas muito fcil fazer isso do conforto de uma poltrona, mais de um

    sculo depois dos fatos. Apesar de no se poder de maneira alguma caracterizar tal

    conduta como humanitria, deve-se colocar os fatos no contexto para entender (o que no

    significa justificar) que ele agiu em conformidade com a mentalidade da poca,

    considerando que os brancos, por terem uma misso civilizadora, seriam mais importantes

    para sobreviver que os no brancos, e tambm sob as contingncias de um cerco durante

    uma guerra; nessa situao, o dever de B-P, como militar (mais ainda, comandante), era

    colocar em primeiro lugar o interesse do Imprio Britnico. Outra possibilidade, aos olhos

    modernos, seria considerar que B-P explorou o trabalho de menores e os exps a riscos

    durante o cerco de Mafeking, ao empenh-los como mensageiros, municiadores,

    socorristas e enfermeiros sob os tiros dos boers, esquecendo que se estava no fim do

    sculo XIX e sob as contingncias de uma guerra, com necessidade de colocar o mximo do

    pessoal militar em funes de combate e precisando que algum executasse as misses

    auxiliares.

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    O prprio acampamento experimental da ilha de Brownsea certamente teve seus

    altos e baixos (algum seria capaz de crer que tudo foi perfeito como num conto de fadas,

    sem sequer uma farpa enfiada num dedo?), e o processo de construo do Movimento

    certamente no foi desprovido de problemas, seja por interpretaes distorcidas de algo

    que ainda estava engatinhando, seja pela necessidade de eventuais aes de bloqueio

    contra pessoas com intenes no muito altrustas que buscariam aproveitar-se de um

    movimento de jovens pelas mais diversas formas (desde estelionatrios at pedfilos); para

    tais problemas B-P estava atento e procurou prover antdotos quando no pudesse

    fornecer vacinas.

    As trs fotos de cima so do acampamento experimental de Brownsea. Embaixo, o smbolo da Boys Brigadee uma reunio de

    alguns de seus membros, na 1 metade do sculo XX.

    Ainda sobre a criao do Escotismo, B-P no o criou do nada: boa parte dos jovens

    que foram a Brownsea vinha da Boys Brigade, e a construo do mtodo educativo deveu

    muito pesquisa histrica e antropolgica e, mais ainda, s consultas a educadores do

    porte de John Dewey e Edouard Claparde. Como seu compatriota Isaac Newton, B-P teve

    boa e longa viso porque soube olhar de cima dos ombros de gigantes.

    Convm ao adulto ler vrias biografias de B-P e relatos de histria do Escotismo,

    para conhecer a percepo de outros, como Winston Churchill, William Hillcourt e Tim Jeal,

    sobre sua personalidade e seus feitos. Poder, ento, apresent-lo aos jovens, no como

    um semideus mtico, super-heri infalvel ou o modelo de todas as virtudes, mas como um

    homem notvel pelo seu carter, pelas suas habilidades e pela sua viso de lder e de

    educador. Afinal, sua trajetria de vida no pouco meritria: sem fortuna e sem ttulos denobreza, chegou a um nvel elevado em sua profisso (o generalato para poucos) e foi

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    capaz de estruturar um Movimento juvenil que revolucionaria conceitos educacionais e

    sobreviveria por mais de um sculo.

    A escolha do termo Scoutveio da experincia de B-P no Exrcito. Na Cavalaria (B-P

    era cavalariano), o Scout o esclarecedor, aquele que executa as misses de

    reconhecimento, precisando ser habilidoso em aproximar-se e observar sem ser notado, em

    construir informaes a partir de indcios passar perodos variveis usando suas prprias

    habilidades para manter-se vivo e em condies de cumprir sua misso. Assim, pensando no

    jovem que teria de ser capaz de conduzir-se na vida com seus prprios conhecimentos e

    habilidades em terrenos desconhecidos, B-P escolheu esse termo de fortes evocaes

    aventureiras.

    Outros dados sobre a fundao do Escotismo, bem como de seu batismo de fogo

    na Primeira Guerra Mundial (na qual morreram seis dos jovens do acampamento de

    Brownsea, entre outros ex-Escoteiros e Chefes), sua concorrncia com organizaes

    juvenis vinculadas aos regimes totalitrios dos anos 1920-30-40, sua prova de tmpera na

    Segunda Guerra Mundial e seu papel no ps-guerra, podem ser encontrados em obras

    como 250 milhes de Escoteirose O Chapelo.

    Mussolini passa em revista uma brigada Balilla; cartaz da Juventude Hitlerista; cartaz do Komsomolsovitico.

    INTRODUO DO ESCOTISMO NO BRASIL

    O programa de construo naval idealizado pelo Ministro da Marinha Almirante

    Jlio de Noronha e alterado pelo Ministro Almirante Alexandrino de Alencar prosseguia nos

    primeiros anos do sculo XX, com a construo de Contratorpedeiros, Cruzadores ( Bahiae

    Rio Grande do Sul) e dos Encouraados Minas Gerais e So Paulo, na Inglaterra. O

    Encouraado Rio de Janeiro no chegou a ser entregue, pois foi incorporado Marinha

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    Britnica ao iniciar-se a Primeira Guerra Mundial. Um ncleo de oficiais e praas estava havia

    algum tempo na Inglaterra para acompanhar a construo dos navios e familiarizar-se com

    os modernos equipamentos instalados a bordo.

    Aquela poca coincidiu com o aparecimento do Movimento criado por B-P. Vrios

    oficiais e praas tomaram conhecimento do Escotismo como um mtodo prtico e salutar

    de educao extraescolar. Entre os militares que estavam em Newcastle, envolvidos com os

    navios ali em construo, o Suboficial Amlio Azevedo Marques, do Minas Gerais,

    entusiasmado com o Escotismo, fez com que seu filho ingressasse num Grupo Escoteiro,

    naquela localidade. E foi, portanto, o jovem Aurlio Azevedo Marques, em terra

    estrangeira, o primeiro boy scoutbrasileiro.

    O ento Tenente Eduardo Henrique Weaver, do Contratorpedeiro Alagoas, que se

    apresentara, em 13 de junho de 1907, na Comisso Naval do Brasil na Inglaterra, sediada em

    Newcastle, tambm se entusiasmou pelo movimento de B-P, julgando sua introduo no

    pas til para nossa Ptria. Chamado a escrever sobre a matria pelo Dr. Manoel Bonfim,

    que se encontrava em misso de estudos pedaggicos na Europa, passou a estudar o

    assunto. Na tentativa de traduzir o termo ingls Scouting, adotado por B-P, o oficial de

    Marinha usou o verbo escrutarque deriva do latim scrutare, e o escreveu na forma scrutar.

    Bons dicionrios registram seu significado: sondar, examinar a fundo os coraes e

    conscincia, pressentir, fazer o possvel para entrar no perfeito conhecimento das coisas;

    procurar descobrir o que oculto, encoberto; investigar, indagar. A primeira tentativa de

    traduzir o Scouting for Boys para nossa lngua teve, portanto, a preocupao de que o

    vocbulo, em portugus, tivesse as duas primeiras letras idnticas s da palavra inglesa.

    O Tenente Weaver escreveu um artigo que foi publicado no n. 13 da revista

    Ilustrao Brazileira, em dezembro de 1909, apreciando o trabalho de B-P sobre educao

    dos jovens.

    Citando alguns trechos desse artigo: Que este sistema, que esta educao

    representa o ideal sob todos os pontos de vista, parece-nos indiscutvel, que o educarbrincando seja o meio mais fcil e mais seguro de conseguir resultados de boa vontade,

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    sem repugnncia, parece-nos fora de dvida; e logo adiante: Para analisarmos do

    interesse, entusiasmo e carinho com que o sistema tem sido acolhido, basta-nos citar que,

    em um ano de existncia, se esgotou a primeira edio do livro Instruo para Scouts,

    consistindo em 50.000 exemplares; j havia, to somente na Inglaterra, mais de 300.000

    moos scouts. E to aparentes so as vantagens do sistema que a Alemanha, os Estados

    Unidos da Amrica do Norte, a Rssia, a Argentina e o Chile, j tm organizaes

    semelhantes.

    Aps comentrios sobre problemas universais relacionados com a formao dos

    jovens, o autor passou para o campo prtico: Na esperana de que a idia germine na

    nossa Ptria e que do seu aproveitamento venhamos colher bons resultados, que tanto

    temos necessidade, teremos dar idia da organizao, etc., etc. E em seguida:

    Comearemos por bem frisar que os scoutsno so militares nem ao menos militarizados;

    essencial que cada moo se compenetre de sua independncia, do que se espera de sua

    iniciativa prpria, e da conscincia de sua responsabilidade que so os elementos

    formadores de seu carter.

    No final do artigo h sugestes para se passar um dia praticando e se divertindo e

    cita como exemplo: Combinando-se, pois, e s 6 horas da manh se encontram e partem

    para o Alto da Tijuca ou Corcovado ou qualquer lugar semelhante. O fech o do artigo foi

    nos seguintes termos: QUE A IDIA FRUTIFIQUE, POIS, NA NOSSA PTRIA. UM POUCO DEBOA VONTADE. ESFORCEMO-NOS. Acompanhavam o artigo cinco fotos de concentrao

    Escoteira no Palcio de Cristal, em Londres, em setembro de 1907.

    Assim, os oficiais e praas que se entusiasmaram pelo Escotismo julgaram que os

    jovens brasileiros gostariam das atividades dos boy scouts. Por isso, quando da vinda dos

    navios para o Brasil, trouxeram consigo (no Alagoas) uniformes Escoteiros adquiridos na

    Inglaterra, no valor de 30 libras esterlinas.

    Tendo o Minas Geraischegado em 17 de abril de 1910 ao Rio de Janeiro, tomaram

    logo aqueles pioneiros as providncias iniciais para organizao do primeiros Grupo de

    Escoteiros do Brasil, nas mesmas bases do que haviam visto na Inglaterra. Em junho de

    1910, reunidos os interessados na Rua Chichorro n 13, no Catumbi, Rio de Janeiro, foi

    elaborado o primeiro estatuto do CENTRO DE BOYS SCOUTS DO BRASIL. No dia 14 de

    junho de 1910, considerado como o dia da introduo do Escotismo no Brasil, os que

    assinaram a ata de fundao avisaram os jornais e comunicaram a instalao da entidade.

    Em 1912 e 1913, o entusiasmo inicial esfriou um pouco, ajudado pela falta de

    disponibilidade dos militares para darem continuidade ao processo, devido s suasconstantes ausncias nas comisses embarcadas. Mas em 29 de novembro de 1914 foi

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    fundada em So Paulo a Associao Brasileira de Escoteiros (ABE), que irradiou o

    Movimento pelo Pas; em 1915, quase todos os Estados j tinham Associaes de Escoteiros.

    Foi o Dr. Mrio Cardim, um dos fundadores da ABE, que institucionalizou o termo

    Escoteiro como nossa verso de boy scoute Sempre Alerta como nossa verso de Be

    Prepared. O termo no to discrepante, j que ir Escoteiro significa ir sozinho, tendo

    como base de apoio seus prprios conhecimentos e habilidades.

    Os primeiros Congressos Escoteiros (para adultos) e Jamborees (para jovens)

    realizados no Brasil e devidamente relatados foram os de 1922 e 1923. Em 1924, no 2

    Jamboree Mundial, na Dinamarca, registra-se a primeira participao de uma delegao

    brasileira.

    Vrias outras associaes foram criadas nesses primeiros anos, muitas delas de

    carter regional, propondo-se aplicar o mtodo desenvolvido por Baden-Powell. Todas elas,

    incluindo a ABE, seriam, em 4 de novembro de 1924, congregadas em uma nica entidade,

    credenciada pela Organizao Mundial do Movimento Escoteiro como sua representante

    no Brasil: a Unio dos Escoteiros do Brasil UEB.

    HISTRIA DO ESCOTISMO DO MAR

    Fundando-se o Escotismo na Inglaterra, em 1908, podia-se esperar que numa naoque construra forte tradio naval ( bom lembrar que a Marinha Britnica, poca, era a

    mais poderosa do mundo), a marinharia seria uma rea de interesse de forte apelo para os

    Escoteiros. Assim, j em 1909 a direo geral do Movimento concordou que fosse criada a

    Modalidade do Mar, e seu primeiro guia seria escrito pelo irmo mais velho de B-P,

    Warington.

    Na Primeira Guerra Mundial, antigos Escoteiros e Chefes tambm foram ao combate

    na Marinha, vrios deles tendo cumprido o dever com sacrifcio da prpria vida. Um

    exemplo foi o de Jack Cornwall, morto na Batalha Naval da Jutlndia (1916), que mesmo

    ferido manteve-se no posto de apontador junto ao seu canho at o fim do combate. B-P

    citou o caso nas subsequentes edies do Escotismo para rapazes. O prprio B-P, com Lady

    Olave, chefiou um posto de repouso para os soldados britnicos em Etaples (Frana). Os

    Escoteiros do Mar exerceram funes auxiliares de vigilncia costeira e de resgate de

    nufragos, alm das de venda de bnus de guerra e servios de estafeta. Na Segunda

    Guerra Mundial, alm do exerccio das funes auxiliares ao esforo de guerra na frente

    domstica, participaram do resgate das tropas anglo-francesas de Dunquerque (26 de maio

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    a 4 de junho de 1940), em seu barco Minotaure em outras embarcaes no esforo dos

    pequenos barcos.

    No Brasil, apesar de a ideia do Scoutingter sido trazida por militares da Marinha, o

    Escotismo do Mar s viria a ser estruturado anos depois, pela ao de um Tenente daquela

    mesma Fora Armada, que em 1916 colocava em prtica os ensinamentos do Escotismo

    com os atletas infanto-juvenis do Clube Botafogo de Futebol e Regatas: Benjamin Sodr

    (1892-1982).

    Em 1919, designado para servir na Flotilha do Amazonas, em Belm do Par, Sodr

    fundou naquela cidade o 1 Grupo Escoteiro do Par com sede no Paisandu Sport Club, cuja

    primeira Promessa foi feita em 21 de dezembro. Por feliz coincidncia, o Cruzador-Auxiliar

    Jos Bonifcioestava em Belm, como parte de sua misso de organizar colnias de pesca

    em diversos pontos do nosso litoral os pescadores atuariam como auxiliares na vigilncia

    costeira ao sair para buscar o peixe. No foi difcil nascer a ideia de fundar Grupos

    Escoteiros junto s colnias de pesca, e a percepo de Benjamin Sodr com seus colegas

    Frederico Villar e Gumercindo Loretti de que as atividades dos jovens forosamente seriam

    ligadas ao mar levou-os a imaginar que tais Grupos deveriam ser da Modalidade do Mar.

    Entretanto, provavelmente por falta de quadros adultos capacitados, a maior parte dos

    Grupos criados pela Misso Jos Bonifcio teve vida curta. Outros, entretanto, vingaram,

    entre eles os de Santos, Cabo Frio, Jequi e 10 Grupo (Tiradentes).Em 1920, o Tenente Benjamin Sodr regressou ao Rio de Janeiro. Aps servir no

    Cruzador Rio Grande do Sul, foi servir na Inspetoria de Portos e Costas, juntamente com

    seus amigos Frederico Villar e Gumercindo Loretti. A reunio com os amigos, j entusiastas

    do Escotismo, mais a amizade com o Professor Gabriel Skinner, resultou na fundao, em 7

    de setembro de 1921, da Confederao Brasileira de Escoteiros do Mar em acampamento

    realizado na enseada de Jurujuba, no Saco de So Francisco, Niteri, com a presena de

    alguns Grupos Escoteiros j existentes, entre os quais Jequi e Jurujuba. Estavam presentes

    os Almirantes Veiga Miranda, Ministro da Marinha, e Raja Gabaglia, Diretor de Portos e

    Costas; Escoteiros municipais sob a chefia do Dr. Joo E. Peixoto Fortuna, o ento Capito-

    Tenente Benjamin Sodr, Capito-de-Corveta Gumercindo Loretti e Sr. Gabriel Skinner. A

    primeira sede da CBEM foi na travessa do Comrcio, 22 no Rio de Janeiro.

    A primeira embarcao dos Escoteiros do Mar brasileiros de que se tem notcia foi o

    escaler a quatro remos Escoteiro do Mar, oferecido pela populao da Ilha de Paquet.

    Benjamin Sodr foi um dos grandes batalhadores pela reunio das diversas

    Associaes e Federaes em uma entidade representante do Escotismo no Brasil, o que seconcretizou em 1924 com a fundao da UEB.

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    HISTRIA DO ESCOTISMO DO AR

    O Escotismo do Ar procura desenvolver nos jovens o gosto pelo aeromodelismo,

    pelos planadores, pelos helicpteros e avies, pelos problemas de aeroportos,

    aeronavegao e aeropropulso, pelo pra-quedismo e pelos esportes areos, pelo estudo

    da meteorologia e da cosmografia, pelos foguetes espaciais, pelos satlites artificiais e pela

    cosmonutica, incentivando o culto das tradies da nossa Aeronutica. Alm dos

    conhecimentos conexos s atividades aeroespaciais e aos fenmenos meteorolgicos, tem

    outras atividades voltadas ao estudo da natureza, nas quais a ornitologia (estudo das aves)

    se destaca como rea de interesse com importantes reflexos sobre a aviao, a economia e

    a ecologia. Busca, ainda, incentivar o estudo e a prtica das comunicaes via rdio

    (radioamadorismo e faixa do cidado), como forma de prestao de servio e de

    sociabilidade, pela possibilidade de fazer novos amigos ao redor do mundo.

    A criao do Escotismo do Ar decorreu do prprio progresso da aviao, com sua

    presena cada vez mais constante no cotidiano das pessoas. Especialmente no incio do

    sculo XX, avies eram desenvolvidos em qualquer rea aberta com extenso suficiente

    para decolar e pousar. Naturalmente, isso atraiu a ateno dos jovens e teve como grande

    incentivador Baden Fletcher Smyth Baden-Powell, irmo caula do Fundador do Escotismo(falecido em 1937).

    J em 1909, a Liga Area do Imprio Britnico consultara B-P sobre a possibilidade

    de engajar os Escoteiros junto aviao, especialmente em tarefas de apoio e sinalizao

    para aeronaves.

    Vrios pases, inclusive a prpria Inglaterra, vinham desde a dcada de 1910

    desenvolvendo com os jovens atividades conexas aviao, criando, mesmo, etapas de

    progresso e especialidades nessa rea de interesse um marco significativo foi a criao

    da insgnia de Aeronauta, em 1912, considerada o momento fundador da Modalidade.

    Chegavam a existir Patrulhas denominadas do Ar, mas continuando nos Grupos das

    Modalidades Bsica e do Mar. Vrios Grupos Escoteiros chegaram a ter seus prprios

    planadores, voados pelos rapazes.

    Durante a Primeira Guerra Mundial, B-P deu oportunidade a que jovens Escoteiros

    se capacitassem em conhecimentos da rea de aviao, sem, no entanto, introduzir

    alteraes no Programa Escoteiro com foco nesse campo de atividades.

    A Grande Guerra evidenciou o elevado valor ttico e estratgico da aviao, e aevoluo operacional e doutrinria dos anos seguintes confirmaria e aumentaria esse valor.

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    Nas dcadas de 1920 e 1930, pensadores como Giulio Douhet e Billy Mitchell embasariam a

    doutrina militar de aviao do sculo seguinte.

    As dcadas de 1920 e 1930 seriam conhecidas como a era de ouro da aviao por

    terem sido de grande desenvolvimento tecnolgico e superao de recordes, e quando a

    aviao permitiu que se passasse por reas inspitas como as regies desrticas e polares

    em relativa segurana. Foi nesses anos que as linhas aeropostais desbravaram os caminhos

    que poderiam tornar-se rotas de transporte de passageiros, fazendo travessias ocenicas

    com e sem escalas, transposio de desertos e cordilheiras, e a circunavegao do globo.

    Foi uma poca de um herosmo no necessariamente belicoso, mas calcado na entrada no

    desconhecido, no desafio aos limites e em atributos pessoais de coragem e

    determinao. So desses anos nomes como Lindbergh, Gago Coutinho e Sacadura Cabral,

    Guillaumet e Saint-Exupry que poria como fundo de cena do Pequeno prncipeseu pouso

    forado no Saara, quando empreendera um reide Paris-Saigon.

    No obstante as tentativas em vrias partes do mundo (Inglaterra, Chile, Hungria,

    Frana e tantos outros) de instituir um Escotismo Areo, Baden-Powell no considerava

    necessria a estruturao de uma nova Modalidade, pois via as atividades areas mais como

    uma moda, que poderia ser uma rea de interesse no Escotismo, mas no merecedora da

    estrutura conceitual e operacional de uma Modalidade; nessa situao, o Brasil daria o

    primeiro passo para institucionalizar o Escotismo do Ar.O principal idealizador e incentivador dos Escoteiros do Ar foi o Major-Brigadeiro

    Godofredo Vidal, um homem apaixonado pela aeronutica e com uma variedade incontvel

    de talentos e interesses. Estudou Engenharia, lnguas, geografia, histria, pintura,

    interessava-se por esportes, radioamadorismo e educao, tendo escrito uma srie de

    artigos e monografias. Juntamente com o Major Aviador Vasco Alves Secco e o 1 Sargento

    Telegrafista Jayme Janeiro Rodrigues, Godofredo Vidal, na poca Tenente-Coronel Aviador,

    estudou e avaliou profundamente o Escotismo, vislumbrando a possibilidade de aplicar

    princpios da aeronutica no Movimento Escoteiro. Em 28 de abril de 1938, os trs militares,

    poca servindo no 5 Regimento de Aviao, atual CINDACTA II, em Curitiba, registraram

    formalmente junto Unio dos Escoteiros do Brasil a criao do Grupo Escoteiro do Ar

    Tenente Ricardo Kirk, o primeiro oficialmente denominado da Modalidade no mundo. A

    Inglaterra s adotaria oficialmente a Modalidade do Ar em 1941.

    O batismo de fogo da recm-nascida Modalidade ocorreu na Segunda Guerra

    Mundial, quando os Escoteiros do Ar (principalmente na Inglaterra) atuaram, entre outras

    funes de apoio, como vigilantes do ar, exercitando as habilidades de identificao deaeronaves, meteorologia, aeronavegao e comunicaes, alm de atuarem na coleta de

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    materiais diversos (reciclveis ou matrias-primas) que poderiam ser usados na fabricao e

    na recuperao de aeronaves. Alm disso, Grupos Escoteiros do Ar instalados junto a

    unidades do Air Training Corps serviam como etapa preparatria para que os jovens, ao

    atingirem a idade mnima necessria, pudessem ingressar nessas escolas de pilotos que

    forneceriam recompletamentos para a Royal Air Force.

    Em abril de 1944, foi criada a Federao dos Escoteiros do Ar, que reunia todos os

    Grupos desta Modalidade (poucos poca, restringindo-se aos Estados do Paran, Rio de

    Janeiro e So Paulo). Em 11 de julho de 1951, o Brigadeiro Nero Moura, ento Ministro da

    Aeronutica, determinou, pela Portaria n 262, que as unidades da Fora Area Brasileira

    dessem total apoio aos Grupos Escoteiros do Ar, reconhecendo a importncia deste

    Movimento de Jovens especialmente para o incentivo ao interesse pela aeronutica. Em 26

    de setembro de 2003, o Comandante da Aeronutica, Tenente-Brigadeiro Luiz Carlos da

    Silva Bueno, emitiu a Portaria n 914, reiterando tal determinao, na medida das

    possibilidades das Organizaes Militares.

    Durante as dcadas de 1960, 1970 e 1980 o Escotismo do Ar foi consolidado pelo

    trabalho de Jayme Janeiro Rodrigues, que participara da criao da Modalidade e se tornara

    Chefe Escoteiro. Foi ele o idealizador do Curso de Adestramento (hoje Aperfeioamento)

    Tcnico do Ar, o CATAR, realizado pela primeira vez em 1979 e sendo ministrado at hoje

    para a formao tcnica especfica de Escoteiros e Chefes da Modalidade do Ar.

    O ESCOTEIRO CAMINHA COM AS PRPRIAS PERNAS: CAIO VIANA MARTINS

    Nas frias escolares de 1938, o Grupo Escoteiro (a denominao da poca era

    Associao de Escoteiros) da Escola Afonso Arinos, de Belo Horizonte, organizou uma

    excurso a So Paulo. No dia 18 de Dezembro, s 17 horas, embarcaram no trem 12

    Escoteiros e 6 lobinhos, sob a chefia de dois assistentes que eram tambm Pioneiros.

    A viagem correu normalmente at Barbacena e Stio. O trem seguia para a estao

    de Joo Ayres.

    De repente, o imprevisto, a coliso terrvel entre o trem de passageiros e um de

    carga. Eram 2 horas da manh, escurido completa e chuva.

    No carro dos Escoteiros, ouvem-se os gritos angustiosos chamando pelos Chefes.

    Um destes, Rubens, tinha sido lanado pela janela, mas levantou-se levemente ferido,

    correu ao vago e lanou o Sempre Alerta!. Sem atropelos, em ordem, saem os

    Escoteiros do vago destrudo. Muitos esto feridos. Faltam dois, um Escoteiro e um

    Lobinho. Nos destroos, so encontrados os corpos mutilados do Escoteiro Gerson IssaSatuf e do Lobinho Hlio Marcus.

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    Os corpos, envolvidos em lenis, so colocados do outro lado do trem, para que

    no sejam vistos pelo resto do Grupo. A noite escura encobre a terrvel cena.

    Chefe Rubens encara a situao de frente: entre seu vago a e mquina, cinco

    carros espatifados; mais de quarenta mortos e mais de cem feridos. Os passageiros que

    ficaram inclumes esto aterrorizados. H receio de uma exploso da mquina ou incndio

    dos destroos. Gritos, gemidos e pedidos de socorro dos feridos. A escurido impedia

    qualquer trabalho eficiente.

    O Chefe Rubens pede a todos calma e os chama ao cumprimento do dever. Ele d o

    exemplo, com o outro Pioneiro e dois Escoteiros. Acendem uma fogueira para iluminar o

    local. Ao clarear o dia os Escoteiros iniciam o trabalho de salvamento, retiram os mortos e

    feridos, improvisam padiolas e dos cobertores fazem ataduras.

    O exemplo dos meninos seguido pelos passageiros. Os Escoteiros, quase todos

    feridos, trabalham sem parar. Quando chega o trem de socorro, ainda auxiliam.

    Partem todos para Barbacena em caminhes e carros, sem os seus dois camaradas

    Hlio e Gerson.

    Chegados a Barbacena, o nmero de feridos grande, as padiolas so poucas.

    Caio Viana Martins desce do caminho no quartel do 9 Batalho de Caadores,

    transformado em hospital de emergncia. Dois soldados querem carreg-lo na padiola; ele

    olha em redor, verifica o nmero enorme de feridos que no podem andar, e diz: SouEscoteiro e um Escoteiro caminha com suas prprias pernas. Sem auxlio dos enfermeiros,

    sobe a escada, e no alto, cai por terra. Operado de urgncia, verifica-se grande hemorragia

    interna por leso do fgado. Quinze horas aps, falece, sem um gemido, sem uma queixa.

    O presidente do Grupo, Dr. Floriano de Paula, que tinha chegado com o trem de

    socorro, rene a Tropa e diz: Escoteiros, perdemos dois camaradas e um terceiro acaba de

    morrer como heri. Coragem!

    As lgrimas correm pela face dos meninos, uma prece feita pelos companheiros.

    Chegam os pais, mas o Grupo resolve voltar unido, com seu material e seus mortos

    queridos.

    Impossvel descrever a cena da chegada em Belo Horizonte; um grupo de meninos

    volta de uma viagem trgica, trazem seus mortos, seus feridos, todo seu material, suas

    bandeiras e seus totens danificados. Desfilam pela cidade em direo sede.

    A cidade em peso, triste, em silncio, abre alas aos meninos heris.

    Nesta jornada trgica, todo o Grupo Escoteiro Afonso Arinos, Chefes, Escoteiros e

    Lobinhos deram um exemplo notvel da prtica da Lei Escoteira: trabalharam juntos,serviram ao prximo, mantiveram a serenidade para bem fazer o que era necessrio.

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    Caio Viana Martins, que se sacrificara pelos outros, foi o exemplo maior para os

    Escoteiros do Brasil e a toda a juventude brasileira do cumprimento de seu papel de

    Monitor, liderando por sua ao pessoal, e de sua Promessa Escoteira, aplicando o

    mandamento de Cristo ao amar o prximo como a ele mesmo.

    Caio Viana Martins e uma foto do desastre da Mantiqueira.

    A Unio dos Escoteiros do Brasil resolveu faz-lo o Heri Escoteiro Nacional,

    smbolo de honra e de herosmo. H esttuas de Caio Martins em Belo Horizonte, Juiz de

    Fora, Belm do Par e Niteri. Nesta ltima cidade um estdio esportivo ostenta seu nome.

    Em Minas Gerais, a Fundao Caio Martins destina-se a educar jovens de baixa renda na

    escolarizao e no trabalho, e historicamente busca oferecer aos seus beneficirios

    tambm o Escotismo a que pertenceu seu patrono.

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    UNIDADE DIDTICA 3: SMBOLOS DO ESCOTISMO

    Um emblema: a flor-de-lis

    O emblema adotado pelo Escotismo desde a sua fundao a flor-de-lis. Foi usada

    j no acampamento experimental de Brownsea (pequena ilha na baa de Poole, costa sul da

    Gr-Bretanha), em 1907.

    Encontramos a flor-de-lis na Histria e na Geografia. No ano de 496 Clvis, rei dos

    francos, quando ia ser atacado pelos alamanos (povo que habitava parte do que hoje a

    Alemanha), invocou o auxlio do Deus dos cristos; recebeu de um anjo um escudo com trs

    flores de lrio, venceu a batalha e converteu-se ao cristianismo. Desde ento a flor-de-lis

    passou a aparecer em cetros e mantos de reis e imperadores franceses, alemes,

    lombardos e florentinos, entre outros, sendo associada nobreza. A flor-de-lis tambm era

    usada nas bssolas, na ponta da agulha dirigida para o norte, como se v em desenhos de

    antigos instrumentos nuticos.

    As duas ideias nobreza e norte determinaram a adoo da flor-de-lis como

    smbolo Escoteiro; suas primeiras ideias-fora lembradas so a nobreza de sentimentos e

    aes e a orientao segura.

    O desenho da flor-de-lis mais ou menos arbitrrio, de forma geral assemelhando-

    se a um lrio. Seu formato peculiar permite estabelecer vrios elementos simblicos.A Organizao Mundial do Movimento Escoteiro (WOSM), mantendo a flor-de-lis

    como smbolo, adotou uma determinada configurao, descrita a seguir.

    Apontando para cima, lembra ao Escoteiro que deve guiar-se em direo

    aos objetivos mais elevados.

    As trs ptalas representam as trs partes da Promessa: deveres para com

    Deus e a Ptria, ajuda ao prximo e obedincia Lei Escoteira; ou, ainda,

    dever para com Deus, para com o prximo e para consigo mesmo.

    Voltamos, aqui, a um nmero arquetpico, que o 3: dois opostos com um

    equilibrador (mediador), os pratos da balana e o fiel, as trs partes da

    Promessa, a Trindade, as trs fases da vida (criana-adulto-velho), os trs

    mundos (Cu, Terra e Mundo Inferior), os trs ambientes (ar, terra, mar),

    etc.

    A ligao das ptalas a unio Escoteira, o lao de irmandade.

    A agulha magntica, que se v ao centro, a orientao educativa.

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    As duas estrelas (Verdade e Conhecimento) de cinco pontas apostas sobre

    as ptalas laterais representam os dez artigos da Lei Escoteira.

    A corda que circunda a flor-de-lis, fazendo uma mandala, expressa o sentido

    de universalidade do Movimento, tendo as pontas unidas por um n direito

    a recordar que somos todos iguais e firmemente unidos.

    A flor-de-lis na cor branca evoca a pureza e a promoo da paz, e o fundo

    roxo, a liderana e o servio.

    A partir da flor-de-lis bsica, as associaes Escoteiras nacionais faziam variaes

    colocando seus smbolos prprios. Abaixo, como exemplos, os smbolos de associaes

    Escoteiras de Portugal, Cingapura e Etipia.

    No caso da flor-de-lis da Unio dos Escoteiros do Brasil vigente desde 1950 e que

    modificou ligeiramente as verses de 1930 e 1940, ela dourada com o contorno em verde;

    no centro h um escudo azul como o das Armas da Repblica, com o Cruzeiro do Sul

    circundado por uma faixa com estrelas representando as Unidades da Federao.

    Caracteriza-se, assim, a presena das cores nacionais e do Cruzeiro do Sul, nossa

    constelao-smbolo. Tem sob si um listel com as pontas para cima, assemelhando-se ao

    sorriso do Escoteiro, e com o lema Sempre Alerta; sob o listel, um n que lembra a Boa

    Ao diria.

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    Em 2010, a Unio dos Escoteiros do Brasil decidiu dar um visual mais moderno sua

    verso da flor-de-lis. O desenho foi simplificado nos contornos e deixou de ter o escudo

    imitando o das Armas da Repblica, bem como o listel Sempre Alerta. O Manual de

    identidade visual e otimizao da imagem de 2010 apresenta as diretrizes de emprego do

    emblema. A metade esquerda da flor-de-lis (direita de quem olha; em herldica, o escudo

    considerado como se fosse outra pessoa olhando para ns) em verde-floresta, e sua

    metade direita tem quatro sees em contorno de rostos voltados para a metade verde-

    floresta, sucessivamente em verde-broto, amarelo-sol, azul-gua e azul-estrela (anil); os

    quatro rostos representam os quatro Ramos, e o rosto na extrema direita continuado

    pela terceira ptala da flor-de-lis, na qual foi aposto, em branco, o Cruzeiro do Sul. Assim, o

    emblema procurou preservar nossas cores nacionais e nossa constelao-smbolo, fazendo

    a associao visual mais direta entre o smbolo consagrado do Escotismo e a Nao

    Brasileira. Ao compor o logotipo, tem-lhe associada a expresso Escoteiros do Brasil. A

    marca usada nos documentos oficiais da UEB e material publicitrio, peas de vesturio e

    acessrios.

    O Lema

    Quando Baden-Powell estruturou a Fora Policial Sul-Africana (South African

    Constabulary SAC), era necessrio ter como lema uma expresso simples que falasse daconduta que deveria caracterizar o membro da corporao: a capacidade de operar com

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    independncia e iniciativa, valendo-se de suas habilidades para fazer valer a autoridade do

    Estado, pronto para o que der e vier; a expresso escolhida foi Be prepared (esteja

    preparado). Consta que os homens daquela fora haviam escolhido eles mesmos seu lema,

    porque exprimia bem sua disposio de assumir qualquer encargo que se apresentasse.

    Considerando que os Escoteiros teriam de se tornar tambm capazes de levar sua vida com

    independncia e valendo-se de suas habilidades, B-P considerou muito adequado que

    usassem tal lema. Outra coisa da SAC que B-P aproveitaria seria o uniforme (assunto para

    outra seo). Noutras lnguas, o lema passou por adaptaes: em francs, Toujours prt

    (sempre pronto). No Brasil, adaptamos para Sempre Alerta.

    A constituio do Ramo Lobinho, em 1916, para atender aos irmos mais novos dos

    Escoteiros, levou adoo de um lema prprio: Melhor possvel, lembrando criana a

    importncia de fazer o seu melhor esforo naquilo que empreendesse. E a do Ramo

    Pioneiro, em 1919, tambm trouxe um lema ligado ao trabalho do Ramo: Servir.

    A Promessa e a Lei Escoteira

    B-P conta ter recebido em 1902 uma carta de um menino que lhe fazia uma

    promessa. Escreveu ele:

    Prometo-lhe de todo o corao nunca beber nem fumar.

    Que o Senhor seja sempre um bravo soldado e eu tambm serei.Afetuosamente, H.V... Halifax V.S...

    B-P, ao pr em execuo seu projeto educativo, refletiu sobre juramentos

    extremos, compromissos com a palavra nunca e leis proibitivas como os Dez

    Mandamentos. Constatou que juramentos a ferro, fogo e sangue, ou com palavras como

    nunca e sempre revelavam-se vazios porque humanamente impossveis de cumprir

    (ou, se o corpo no pecasse, a mente pelo menos em algum momento o faria). Promessas

    feitas a algum tambm ficam vinculadas a outra pessoa que no o promitente, quando o

    compromisso tem de ser assumido perante si mesmo. Alm disso, regulamentos com

    proibies ou com a palavra no convidam sua violao, no mni mo pelo esprito de

    rebeldia e desafio do jovem. Por isso, procurou construir uma promessa que o jovem

    conscientemente faria, de fazer um esforo honesto, da melhor forma possvel paraviver

    conforme algumas sugestes de comportamento.

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    Texto original Ingls da Promessa Escoteira

    Scouting for Boys 1908 - Camp Fire yarn 3.

    On my honour I promise that

    I will do my duty to God and the King.

    I will do my best to help others, whatever it

    costs me.

    I know the Scout Law, and will obey it.

    Pela minha Honra prometo que:

    Cumprirei meu dever para com Deus e o Rei.

    Farei o melhor possvel para ajudar os

    outros, qualquer que seja o custo.

    Conheo a Lei Escoteira e a obedecerei.

    Texto original da Lei Escoteira.

    Na verso original de 1908 Baden Powell fez apenas 9 artigos, o dcimo foi includo na

    quarta edio (outubro de 1911) de Scouting for boys.

    1- Pode-se confiar na honra de um Escoteiro.

    2- O Escoteiro leal.

    3- dever do Escoteiro ser til e ajudar ao prximo.

    4- O Escoteiro amigo de todos e irmo de qualquer outro Escoteiro, no importando a que

    classe social pertena.

    5- O Escoteiro corts.

    6- O Escoteiro amigo dos animais.

    7- O Escoteiro obedece s ordens.8- O Escoteiro sorri e assobia em todas as circunstncias.

    9- O Escoteiro econmico.

    10- O Escoteiro limpo de pensamento, palavras e aes.

    Como curiosidade, apresentam-se aqui a Promessa e Lei Escoteira da Associao Brasileira

    de Escoteiros, uma das que em 1924 se fundiriam para formar a Unio dos Escoteiros do

    Brasil.

    Juro pela minha honra fazer tudo que de mim dependa para cumprir os deveres

    para com Deus e para com o Chefe de Estado, amar a minha Ptria, ser-lhe til em todos os

    momentos e respeitar as suas leis e obedecer Lei do Escoteiro.

    Lei

    1 - O Escoteiro honrado, e sua palavra merece confiana absoluta.

    2 - O Escoteiro no teme o ridculo, ainda que para executar obras nobres tiver de o

    ser.

    3 - O Escoteiro obediente, disciplinado e leal.

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    4 - O Escoteiro um homem de iniciativa, mas tambm consciente da

    responsabilidade dos seus atos.

    5 - O Escoteiro tolerante, corts e servial.

    6 - O Escoteiro amigo de todos e considera os outros Escoteiros como irmos, sem

    distino de classe social.

    7 - O Escoteiro valente e prontifica-se a ser til e ajudar os fracos.

    8 - O Escoteiro faz uma boa ao por dia, por mais modesta que seja.

    9 - O Escoteiro amigo dos animais, das rvores e das plantas.

    10 - O Escoteiro asseado e alegre.

    11 - O Escoteiro econmico, trabalhador tenaz e perseverante.

    12 - A maior honra para o Escoteiro s-lo.

    TEXTO OFICIAL DA PROMESSA E DA LEI ESCOTEIRA, CONFORME ADOTADO PELA UNIO

    DOS ESCOTEIROS DO BRASIL

    Prometo, pela minha honra, fazer o melhor possvel para: cumprir meus deveres para com

    Deus e minha Ptria; ajudar o prximo em toda e qualquer ocasio; e obedecer Lei

    Escoteira.

    1) O Escoteiro tem uma s palavra; sua honra vale mais que a prpria vida.

    2)

    O Escoteiro leal.3) O Escoteiro est sempre alerta para ajudar o prximo e pratica diariamente uma

    boa ao.

    4) O Escoteiro amigo de todos e irmo dos demais Escoteiros.

    5) O Escoteiro corts.

    6) O Escoteiro bom para os animais e plantas.

    7) O Escoteiro obediente e disciplinado.

    8) O Escoteiro alegre e sorri nas dificuldades.

    9)

    O Escoteiro econmico e respeita o bem alheio.

    10)O Escoteiro limpo de corpo e alma.

    A Promessa e a Lei do Lobinho tm texto mais simples:

    Prometo fazer o melhor possvel para cumprir meus deveres para com Deus e minha Ptria,

    obedecer Lei do Lobinho e fazer todos os dias uma boa ao.

    1) O Lobinho ouve sempre os velhos lobos.

    2) O Lobinho abre os olhos e os ouvidos.

    3)

    O Lobinho pensa primeiro nos outros.4) O Lobinho alegre e est sempre limpo.

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    5) O Lobinho diz sempre a verdade.

    Na Gr-Bretanha, as histrias da Cavalaria Andante, mais notadamente as ligadas

    lenda do Rei Arthur, constituam um importante conjunto de temas edificantes, e as Leis da

    Cavalaria certamente tiveram sua influncia na formulao da Lei Escoteira.

    Leis da Cavalaria:

    Esteja sempre pronto, de armadura vestida, exceto enquanto estiver repousando

    noite.

    Em tudo o que estiver fazendo procure ganhar honra e fama pela honestidade.

    Defenda os pobres e os fracos.

    Ajude os que no puderem se defender sozinhos.

    Nada faa para ferir ou ofender os outros.

    Esteja preparado para lutar na defesa de sua Ptria.

    Trabalhe antes pela honra que pelo proveito.

    No volte atrs na palavra dada.

    Defenda a honra de sua Ptria com a prpria vida.

    Prefira morrer honestamente a viver vergonhosamente.

    A Cavalaria exige que cada um esteja preparado para executar as tarefas mais

    humildes e trabalhosas com alegria e boa vontade; e a fazer o bem ao prximo.

    A saudao: uma continncia?

    Na construo dos marcos simblicos do Escotismo, B-P agregou outro elemento de

    sua formao militar ao nascente movimento: a saudao. No h como negar a

    semelhana da saudao Escoteira com a continncia (na sua forma britnica, com a palma

    da mo para a frente). Entretanto, sua adoo no teve o intuito de trazer ao Movimento

    um carter pr- ou paramilitar, pois prestar continncia (continncia no se bate: faz-se

    ou presta-se) para o militar uma obrigao regulamentar; para o Escoteiro, , assim como

    o aperto de mo, um dos seus sinais peculiares e secretos, o tipo de coisa que o jovem gosta

    de ter como marca de pertencimento a um bando especial. Mas o sinal Escoteiro no

    secreto, j que francamente visvel quando feito! Correto, mas o seu significado s para

    os iniciados. Os trs dedos estendidos representam as trs partes da Promessa (como as

    trs ptalas da flor-de-lis). O polegar sobreposto ao dedo mnimo representa a unio dos

    Escoteiros mais distantes, e o mais forte protege o mais fraco. O jovem que ainda no fez

    sua Promessa Escoteira no deve ser impedido de fazer o sinal Escoteiro (com brutalidades

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    do tipo agarrar-lhe o brao e baixar-lhe a mo), mas deve ser esclarecido de que o sinal tem

    significado, e que faz-lo expressa no apenas o conhecimento desse significado, mas

    tambm o compromisso de viver segundo os princpios que ele representa. Uma

    justificativa para a semelhana da saudao com a continncia militar a origem desse tipo

    de cumprimento: o gesto de levar a mo pala da cobertura vem da prtica dos cavaleiros

    medievais de, aps o combate, levantarem a viseira do elmo para que seu comandante

    pudesse identific-los. Mais um ponto de ligao da cavalaria medieval com o Escotismo...

    Apenas como lembrete, a saudao feita Bandeira Nacional, a uma autoridade

    quando num desfile ou evento similar, e como cumprimento entre membros do

    Movimento. O sinal Escoteiro, no qual a mo no levada tmpora, mas posta na vertical

    ao lado do corpo (apontando para cima), usado no ato da Promessa.

    No caso do Ramo Lobinho, a saudao feita com os dois dedos da mo em V,

    no porque, sendo mais jovem, ele s poder usar o terceiro dedo quando crescer efor

    Escoteiro, mas porque os dedos representam as duas orelhas do lobo, em p, alertas.

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    O aperto de canhota

    Consta que B-P aprendeu o aperto de canhota na expedio de pacificao dos

    Ashantis, quando, cumprimentando um chefe, este explicou-lhe que os guerreiros mais

    bravos em seu povo cumprimentavam-se com a mo esquerda, como forma de saudar um

    amigo ou reconhecer um inimigo valoroso. Quando cumprimentamos com a mo direita,

    deixamos de lado a arma, que geralmente manejada com essa mo; ao cumprimentarmos

    com a esquerda, fazemos mais do que isso: sendo o esquerdo o brao do escudo, abrimos a

    nossa guarda, entregamos a nossa vida lealdade daquela pessoa. Ao construir o

    Escotismo, B-P aproveitou essa ideia para instilar nos Escoteiros a confiana de uns nos

    outros, por meio de mais um sinal secreto, de significado s conhecido pelos iniciados.

    Variaes sobre o tema: uso, no Brasil e nos EUA, do entrelaamento do dedo

    mnimo; nos EUA, o aperto de mo do Lobinho com a mo direita, com os dedos indicador

    e mdio tocando o pulso do outro (representando a prontido para ajudar/boa ao e o

    compromisso com a Lei do Lobinho).

    O uniforme Escoteiro

    Aps a bem-sucedida experincia de Brownsea e com a finalizao da redao de

    Escotismo para rapazes, B-P agregou outro elemento de sua formao militar ao Escotismo:

    o uniforme. Uma vez mais, no com o intuito de dar ao Movimento um carter pr- ou

    paramilitar, mas sim por perceber que o uniforme eliminava visualmente as indicaes de

    classe socioeconmica (o equivalente s atuais roupas de grife); em uniforme, no havia

    rico ou pobre, mas apenas o Escoteiro. Naturalmente, considerando que o jovem faria

    trabalhos, iria ao campo e participaria de jogos, sua vestimenta teria de ser confortvel efuncional. B-P aproveitou o chapu de abas largas e retas (Boss of the Plains), a camisa de

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    brim folgada e com mangas dobrveis e o leno, j adotados na SAC, pois sua

    funcionalidade j fora mais que testada. Decidiu-se, ainda, pela bermuda, similar usada

    pelas tropas britnicas nas colnias, por consider-la arejada e propiciadora de boa

    liberdade de movimentos, e pelo meio at logo abaixo dos joelhos. O uniforme na cor

    cqui era discreto, no deixava aparecer qualquer sujeirinha e harmonizava-se com o

    ambiente nas atividades de campo. Por dcadas, essas peas constituram o uniforme

    mundial do Escoteiro, que viria depois a adequar-se s peculiaridades locais e temporais. A

    criao do Ramo Lobinho, assim como a introduo das Modalidades do Mar e do Ar,

    trouxe variaes sobre o tema. O bon do Lobinho, em numerosas associaes Escoteiras,

    o principal elemento identificador do Ramo. O fez egpcio, o turbante indiano, o kilt

    escocs so peas introduzidas pela tradio local. Mesmo a bermuda passaria a ser opo

    cala comprida. As cores tambm, em algumas dcadas, receberiam o toque local,

    variando do bege ao azul, passando pelo cqui, pelo verde e mesmo pelo branco; em

    lugares onde a aquisio do uniforme economicamente pouco vivel, uma camiseta e o

    leno valem como se fossem um traje completo.

    O mais importante, visualmente, que o traje propicie correta identificao

    combinada boa apresentao. B-P disse: Nenhuma importncia tem que um Escoteiro

    ande uniformizado ou no! O que vale que ponha o corao no Escotismo, engaje nele o

    seu esprito e cumpra a Lei Escoteira! Mas o fato que no existe um Escoteiro, que

    podendo comprar o uniforme, deixe de faz-lo.

    De fato, o uniforme continua a ser um meio de imediata identificao visual; o garbo

    e elegncia no uso do uniforme visam a importantes objetivos pedaggicos. O primeiro a

    identificao dos membros do Escotismo pela sua identidade comum, seres do mesmo

    sangue, cuja condio socioeconmica irrelevante perante a sua condio de Escoteiros. O

    segundo a boa representao da instituio a que pertencem, fortalecendo, portanto, o

    esprito de corpo. Em terceiro lugar, podemos apontar o desenvolvimento da autoestima e

    o estmulo ao cuidado consigo mesmo. Naturalmente, o despertar do orgulho dos jovens

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    em envergar o uniforme que os denuncia como Escoteiros parte do exemplo do Chefe

    no apenas em bem trajar, mas principalmente em suas atitudes.

    O Leno

    O leno Escoteiro , para comear, uma pea utilitria, que atende aos mais diversos

    fins: da bandana para o sol atadura para ferimento, da tipoia ao escalpo para jogo, da

    superfcie da padiola mscara de proteo respiratria. Alm disso, ele , pode-se dizer, a

    pea mais caracterstica de nossa identificao visual. Independentemente de se adotar

    leno de Grupo, de Regio, de Ramo ou de Associao Nacional, ou simplesmente o da

    WOSM, ele a nossa cota darmas; deve, portanto, ser usado como um marco simblico da

    nossa identidade no importa com que cor, quem usa o leno nosso irmo Escoteiro.

    Bandeira de Seo/Ramo/Grupo

    Se for o caso de se instituir uma Bandeira de Seo, Ramo ou Grupo, esta deve

    seguir a regra do POR quanto a dimenses, cores e desenhos. Sua adoo e descrio

    devem ser registradas por escrito, constando o nome, data, autoria, dados do patrono,

    totem ou evento que d o nome Seo ou Grupo.

    O Sistema de Patrulhas

    O Sistema de Patrulhas uma caracterstica essencial do Mtodo Escoteiro, por

    materializar a vida em equipe. Nisto o Escotismo difere de todas as outras organizaes. O

    sucesso absolutamente seguro, desde que ele seja convenientemente aplicado.

    Em Escotismo, a Patrulha sempre a unidade, seja para trabalho, seja para jogos,

    seja quanto ao dever e disciplina. a escola da vida em sociedade, da liderana, da

    aquisio progressiva de responsabilidades, j que cada jovem tem uma funo e tem de

    desempenh-la a contento para que o conjunto funcione. a um tempo grupo formal e

    grupo de amigos, no qual o Monitor exercita-se na liderana e no cuidado pelas pessoas e

    bens a seu cargo.

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    Atribuindo-se responsabilidade a um indivduo, obtm-se um notvel

    desenvolvimento do seu carter. A simples indicao de um monitor como responsvel por

    uma Patrulha j um grande passo nesse sentido. Depender tambm dele aproveitar e

    desenvolver as qualidades de cada elemento de sua Patrulha.

    Nas atividades, ao se incentivar a ao da equipe para obter o sucesso, constri-se o

    esprito de Patrulha, o tipo de coeso s compreendido por quem trabalhou, dormiu,

    comeu, sofreu e triunfou junto. Cada jovem, na Patrulha, passa a compreender que

    pessoalmente responsvel e que a honra do grupo, depende em certo grau de sua prpria

    capacidade em jogar o jogo.

    Corte de Honra

    A Corte de Honra parte importante do Sistema de Patrulhas nos Ramos Escoteiro

    e Snior. Ela cercada de mstica, porque somente os Monitores conhecem seu ambiente e

    o contedo de suas reunies, sendo uma situao muito especial algum ser convidado a

    conhec-la ou participar de uma reunio. constituda, permanentemente, pelos Monitores

    e, sob a orientao do Chefe, decide e resolve as questes da Tropa, sejam elas de natureza

    administrativa, operacional ou disciplinar.

    A participao na Corte de Honra ajuda a desenvolver respeito prprio e ideias

    democrticas em seus membros, simultaneamente com a noo de responsabilidade erespeito autoridade; possibilita a prtica do procedimento e formas de conduta

    semelhantes nas relaes humanas, constituindo, para os jovens um notvel treinamento

    de cidadania.

    A Corte de Honra encarrega-se dos assuntos de rotina, da direo e gesto de todos

    os interesses da tropa, tais como jogos, divertimentos, distraes, esportes, etc. Dela

    tambm podem participar eventualmente os Submonitores, que, alm de assim prestarem

    sua colaborao, vo tambm adquirindo prtica e experincia em atuar dentro do

    conjunto.

    A Corte de Honra, quando se rene para assuntos de justia, composta somente

    de monitores. Como seu nome indica, tem a excepcional misso de julgar, intervindo em

    casos de disciplina e concesso de recompensas.

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    UNIDADE DIDTICA 4: CERIMNIAS: RITOS DE INICIAO, DE CELEBRAO E DE

    PASSAGEM

    Por mais solene que seja uma cerimnia, ela tem um carter ldico: o ludus uma

    representao, uma simulao do evento real; assim, quem preside a solenidade representa

    um papel, digamos assim, sacerdotal; o jovem representa o papel, seja do lobo, seja do

    escudeiro a se armar cavaleiro. Podemos, em consequncia, verificar que a participao em

    um cerimonial assemelha-se quela em um jogo, considerando que: o participante vive

    naquele momento uma realidade prpria do evento, com certos papis fora do mundo

    profano; essa realidade prpria possui um tempo e um local determinados, com comeo e

    fim, permitindo ao participante mergulhar no outro mundoe depois voltar tona(ao mundo

    real), revestido dos princpios que o evento inspira; a situao tem reversibilidade,

    permitindo sua repetio e mudanas de papis, facultando ao participante diferentes

    percepes em diferentes momentos, preservando-se, entretanto, o esprito da cerimnia,

    estabelecendo a comunho com os outros participantes e, em esferas mais amplas, com os

    que a fazem noutros lugares e com os que a fizeram noutros momentos.

    A ideia central, ao se pensar em qualquer cerimnia, significado. Se no tiver um

    objetivo definido e no for significativa, marcante, ser, para os participantes, uma perda

    de tempo, o ritual pelo amor ao ritual, na melhor das hipteses.

    Para que uma cerimnia seja significativa, ela precisa ser SBS: SIMPLES BREVE SINCERA.

    SIMPLES: quanto mais elementos se coloca num evento, mais coisas tm

    possibilidade de dar errado, especialmente se estiverem articuladas entre si: um grupo que

    entra marchando por um lado e passa, cruzando-se, intercaladamente, pelo outro; um

    acionador por meio de rastilho de plvora, que acende os foguetes que vm dos quatro

    pontos cardeais para acender a fogueira; o traje de Rei dos Nibelungos aliado a um

    enorme texto (a ser lido ou decorado, tirando a naturalidade da cerimnia) e aparato

    teatral numa investidura; uma coreografia e ornamentao do espao que fazem lembrar a

    mudana da guarda no Palcio de Buckingham. A preocupao com a forma tanta que o

    personagem principal se torna mero parafuso na engrenagem. A simplicidade significa,

    portanto, ter os elementos materiais e humanos essenciais que caracterizem a cerimnia;

    que o texto (no necessariamente escrito) seja claro, preciso e conciso, dirigindo-se ao

    jovem que o centro da cerimnia; que a cerimnia seja compreendida pelos presentes;

    que as aes caibam naquele espao e tempo.

    BREVE: quem consegue manter a concentrao em um evento que se prolonga poruma hora ou mais, especialmente em p e/ou com cinco pessoas (que no so de nossas

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    relaes) discursando, cada uma por uns quinze minutos? A perna di, o nariz coa, o sabi

    no arbusto ali frente est construindo o ninho... Guardamos do evento mais o cansao, a

    caceteao e o incmodo do que o seu real significado. A cerimnia no o momento de

    subir no palanque e deitar falao. O centro dela no o orador. Os participantes querem

    dar sua ateno ao foco da cerimnia: passagem de Ramo, Promessa, conquista de nvel de

    progresso, sada do Ramo. Assim, devemos executar aqueles procedimentos que so

    caractersticos e essenciais cerimnia e pronto. No devemos dar tempo ao cansao, nem

    disperso.

    SINCERA: quem est presente cerimnia e, especialmente, quem a preside, tem de

    estar no espritodaquilo que se processa. No interessa se o Chefe est conduzindo a 1.437

    cerimnia de Promessa: para o jovem (ou mesmo adulto) promitente, aquela a primeira e

    nica (qualquer outra subsequente ser de renovao); um momento importante, que

    deve ser valorizado. Se o Chefe no acredita no que est fazendo ali, melhor que procure

    outra coisa para fazer.

    A cerimnia deve ser preparada e contextualizada na atividade e no momento de

    vida do indivduo; o local deve ser devidamente montado e acertado o dispositivo

    previamente; os materiais necessrios devem estar no local ANTES do incio da cerimnia;

    os presentes devem saber o objetivo da cerimnia, o que ocorrer e o que significa cada

    ato; no deve haver nenhuma espcie de ao que submeta o indivduo a dano, vexame ouconstrangimento. Se algum convidado far alguma coisa, deve ter cincia do que vai fazer,

    em que momento e como. Como em tantas outras situaes, o improviso, que demonstra

    nossa flexibilidade e criatividade, deve ser a exceo, e no a regra . Ser que uma

    cerimnia montada s pressas, com recursos locais de uso imediato e uma sequncia

    conforme vem cabeaser positivamente marcante?

    Imaginemos uma banqueta triangular. SIMPLICIDADE, BREVIDADE e SINCERIDADE

    constituem o trip. A amarra o OBJETIVO DA CERIMNIA. Unindo as pontas e compondo

    o assento, temos o SIGNIFICADO. Assim, o indivduo em prol de quem feita a cerimnia

    ter uma superfcie estvel para apoiar sua nova condio, mais avanada que a anterior.

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    A Promessa: um rito de iniciao

    Os povos ditos primitivos afirmavam e reafirmavam sua identidade por meio de

    ritos. A insero da pessoa no grupo era marcada pela participao em ritos conforme sua

    evoluo, quer etria, quer pela aquisio de conhecimentos e habilidades. Com isso, ela

    no s afirmava seu pertencimento sociedade, mas tambm tinha referenciais sobre o

    tipo de conduta que lhe seria cabvel junto ao grupo. No caso do Escotismo, a

    Investidura/Integrao e a Promessa so os grandes ritos de iniciao, seguidos dos nveis

    de progresso. A Investidura ou Integrao, na qual a pessoa recebe o leno Escoteiro,

    representa sua insero no Grupo Escoteiro. A entrega do leno feita pelo Diretor-

    Presidente do Grupo justamente por ser ele quem, juridicamente, representa o Grupo

    Escoteiro como unidade, a famlia da qual o indivduo comea a fazer parte; feita

    publicamente (perante o Grupo ou, no mnimo, perante o Ramo), esta cerimnia

    assemelha-se do reconhecimento dos novos lobos pela alcateia, no Livro da Jngal(olhai

    bem, lobos).

    A Promessa, por sua vez, o momento mais marcante de quem ingressa no

    Movimento Escoteiro. a assuno voluntria do compromisso de pautar sua vida pelos

    princpios Escoteiros. No , portanto, uma promessa de campanha eleitoral, v ou

    temporria, mas um compromisso pessoal permanente, por cujo cumprimento a pessoa

    responde unicamente perante seu mais severo juiz: sua prpria conscincia.Muitas datas so marcantes na vida Escoteira do indivduo, mas sobre todas est a

    da Promessa. a ocasio em que a pessoa se liga Fraternidade Mundial Escoteira,

    passando a ser do mesmo sanguepor ter assumido o mesmo compromisso. Portanto, um

    momento que no pode ser encarado de maneira leviana. Deve ser marcante e nico para o

    compromitente. Por isso que, salvo em situaes especficas (como a inaugurao do

    Grupo Escoteiro), a cerimnia de Promessa deve ser individual. No precisa ser feita

    perante todo o Grupo numa data determinada. Pode ser feita dentro da Seo, em sede ou

    em atividade externa, desde que atendidos os requisitos de ser uma atividade formal, com

    os participantes devidamente uniformizados/trajados, conduzida por adulto credenciado

    para tal, com a Bandeira Nacional apresentada em conformidade com a lei. A cerimnia no

    deve ser muito teatralizada ou rebuscada; deve ser simples, breve e sincerapara que seus

    participantes lhe atribuam significado e possam recordar-se dela.

    A cerimnia de Promessa (ou sua renovao na passagem de Ramo) deve ser

    preferencialmente conduzida pelo Chefe da Seo (pois ele quem a representa), e no caso

    dos Ramos Escoteiro e Snior, o Monitor do promitente deve estar junto a ele no RamoPioneiro, quem fica ao lado do recm-chegado o seu padrinho. Assim como o Chefe

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    representa a Tropa, o Monitor representa a Patrulha pela qual responsvel; cabe a ele

    entregar ao jovem seu distintivo de Patrulha e nela acolh-lo, explicando-lhe os atributos do

    seu Totem. Na Promessa de um adulto, se ela no for presidida por um membro da

    Diretoria, ao menos convm que haja algum presente, pois a instncia a quem o adulto se

    reporta, como representantes institucionais da UEB, entidade a que o adulto se

    compromete a servir.

    A progresso, particularmente nos Ramos Snior e Pioneiro, pode ter um marco

    simblico prprio, correspondente confirmao do jovem no Ramo. Era o caso das

    cerimnias de Investidura (concluso do Estgio Probatrio), nas quais o jovem recebia seu

    distintivo de progresso, reafirmava o seu compromisso e assumia responsabilidades pelos

    que estavam em etapas anteriores e pela preservao da mstica da Seo (nomes msticos,

    smbolos, histria da Seo). Estas cerimnias geralmente so reservadas Seo, sendo

    vedado o acesso dos membros juvenis que ainda no tenham alcanado aquele nvel de

    progresso, de modo a despertar-lhes o interesse por ter acesso como iniciado.

    Ritos de passagem

    Quando eu era criana, falava como criana, pensava como criana, raciocinava

    como criana. Quando me tornei adulto, rejeitei o que era prprio de criana (1 Carta de

    Paulo aos Corntios, captulo 12, versculo 11).No Livro da Jngal, Kaa diz a Mowgli em sua partida da Jngal para a Aldeia dos

    Homens: Depois que soltamos a pele velha no a podemos vestir de novo. da Lei.

    Os ritos de passagem, notadamente os de passagem de Ramo, tm um objetivo cuja

    importncia na construo do self j era mencionada por Jung. Como ele ressaltou, um

    aspecto no qual as sociedades ocidentais, de naes industrializadas, ditas desenvolvidas,

    perdem para as ditas primitivas, na integridade do processo de individuao.

    Especialmente quando as presses do consumismo estimulam as crianas a adolescerem

    mais cedo e os cronologicamente adultos a deixarem a adolescncia mais tarde, cria -se

    uma situao psquica de indefinio. O jovem no sabe se ainda criana (com as

    protees e impedimentos da criana), e o adulto no tem certeza de j ser adulto (com as

    responsabilidades correspondentes a essa condio).

    Os ritos de passagem das sociedades tradicionais ajudam os seus integrantes a

    viverem a citao de Paulo que inicia esta seo. Quando o menino tinha a primeira

    poluo, ou a menina, a menarca, passava por um rito no qual morria para o antigo status

    e renascia para o novo, ingressando na sociedade dos adultos. Os atenienses tinham oritual da efebia, quando o jovem, mais ou menos aos 18 anos, cumpria determinadas tarefas

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    para ser aceito como cidado. B-P conta que o jovem zulu, ao atingir certo estgio de

    desenvolvimento fsico, considerado compatvel com os requisitos de adulto (por volta dos

    16anos), passava, entre outros ritos, por uma etapa na qual era pintado de branco e tinha

    de viver apenas com uma azagaia; a tinta s saa depois de um ms, e se ele fosse visto por

    outro zulu enquanto pintado, poderia ser caado e morto. Processo similar era usado pelos

    espartanos.

    No caso das nossas sociedades, nas quais se percebe haver uma etapa na qual o

    indivduo ainda no bem criana nem bem adulto (denominada adolescncia), porque

    biolgica e psicologicamente ele ainda est em processo de amadurecimento, mostra-se

    interessante marcar uma etapa de passagem a mais. Essa foi a ideia que norteou a primitiva

    diviso dos Ramos no Escotismo: Lobinhos de 8 a 12 anos (criana e pr-adolescente, com

    relativa autonomia e pr-pberes), Escoteiros de 12 a 18 (adolescentes, pberes ou quase e

    em processo de maturao fisiolgica e definio psquica com a afirmao da

    personalidade) e Pioneiros de 18 a 25 (jovens adultos inserindo-se plenamente na

    sociedade).

    Mesmo com as adaptaes que adotamos no Brasil, de diviso em quatro Ramos,

    com idades um pouco diferentes das anteriormente apresentadas, procura-se agrupar os

    jovens pelo estgio de seu desenvolvimento fisiolgico e psicolgico. E os nossos ritos de

    passagem tm justamente o objetivo de marcar essas mudanas de etapa, de modo apermitir ao jovem enxergar com mais clareza em que fase de vida ele est, e o que de se

    esperar dele nessa fase.

    Assim, na passagem de Lobinho a Escoteiro, o jovem tem contato com a histria da

    Embriaguez da primavera, indicando-lhe que tempo de sair da fantasia da Jngal e assumir

    sua real condio humana, na sociedade humana. Usualmente, inclui-se na cerimnia de

    passagem do Ramo Lobinho a transposio de um obstculo, representando a travessia do

    Waingunga por Mowgli; voltando a Jung, como se ele morresse para a condio de

    Lobo, ou fosse dela lavado para renascer na aldeia dos homens. Por volta dos 11 anos

    de idade, coincide aproximadamente com a evoluo cognitiva do operatrio concreto para

    o operatrio formal, na concepo piagetiana.

    Na passagem de Escoteiro a Snior, essa morte e renascimento adquirem

    outras caractersticas: o jovem, partindo do mundo das descobertas do Ramo Escoteiro,

    entrar no do desafio, do Ramo Snior. Assim, a cerimnia pode envolver atividades

    desafiadoras (podendo evocar os quatro desafios do Ramo: fsico, intelectual, afetivo-social

    e espiritual), com cuja superao o jovem acolhido na tribo.

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    Na passagem de Snior a Pioneiro, o jovem deixa a tribo uma vez mais, morte e

    renascimento, ou a partida da Jngal com suas aventuras nas quais ainda havia um Chefe

    a responsabilizar-se por ele, para ingressar no campo do Servio, no qual, como cavaleiro

    andante, ter de caminhar por suas prprias pernas, j que passa a ser um indivduo

    legalmente capaz.

    Finalmente, na sada do Ramo Pioneiro, o jovem faz a sua despedida do papel de

    beneficirio do Escotismo para a eventual assuno do papel de colaborador, como adulto.

    Uma vez mais, deixa a Jngal para trilhar os caminhos da Aldeia dos Homens.

    Como se v, os ritos de passagem ajudam o jovem a ter mais segurana para

    enxergar que posio ocupa no grupo social, quanto a direitos, expectativas e

    responsabilidades. E o muito alardeado choque da passagem, acusado como causa de

    evaso, tem como origem principal a conduo deficiente da acolhida do jovem no Ramo

    aliada negligncia das etapas de transio. Estas, especialmente nos Ramos iniciais, tm o

    objetivo de fazer a aclimatao e progressivo entrosamento do jovem com os colegas donovo Ramo, podendo ser facilitadas pela participao junto aos jovens que foram seus

    companheiros no Ramo anterior e o antecederam na passagem. Etapas de transio bem

    conduzidas neutralizam o choque do novo Ramo.

    As cerimnias de passagem de Ramo devem contar com a presena do Diretor-

    Presidente do Grupo; ele acompanha o jovem que passa, personificando a unidade do

    Grupo Escoteiro.

    O Fogo de Conselho: um rito de celebrao

    Os captulos do Escotismo para rapazestm o ttulo de Camp fire yarn, ou conversa

    junto ao fogo de campo. A reunio ao p do fogo, em Brownsea, em todas as noites do

    acampamento, era momento no qual se reviam os acontecimentos do dia, davam-se

    algumas orientaes para o dia seguinte, e eram tambm momentos de contao de casos,

    de teatralizaes, de diverso, mas tambm de conselho e reflexo. Foi algo que B-P

    aprendeu com os povos primitivos, que faziam reunies noturnas junto ao fogo, nas

    quais se danava, cantava ou relatavam-se histrias e experincias, reconhecendo os feitos

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    de valor presentes ou passados e servindo para tanto para transmitir ensinamentos quanto

    para edificao moral dos participantes.

    Adotou-se o costume de fazer a cerimnia do Fogo de Conselho na ltima noite em

    campo, fazendo dessa ocasio de alegria, reflexo e congraamento a despedida do campo.

    Recomenda-se ser feito noite, por ser um horrio que convida ao descanso e reflexo;

    no l muito inspirador contar ou representar uma histria, ou trazer um tema de reflexo

    pessoal ou partilha no pino do dia, antes ou depois do almoo (antes, fome; depois,

    sonolncia de jiboia; grande claridade e calor exigem maior esforo para construir um clima

    de introspeco).

    O Fogo de Conselho no deve se prender ao esquema esquete-palma-cano;

    conquanto seja uma cerimnia, e tendo uma relativa estrutura bsica, ele bastante

    flexvel. Pode ter como foco o relato das experincias do dia, ou uma histria relacionada

    ao lugar/data/tema do acampamento, ou promover um momento de aproximao e

    partilha entre os acampadores.

    Como dito acima, a cerimnia do Fogo de Conselho feita predominantementena

    ltima noite em campo, como despedida dos acampadores. No h nenhuma norma escrita

    determinando imperativamente que seja nessa noite (nem mesmo que haja um Fogo de

    Conselho em toda atividade com pernoite). A inteno, ao convencionar tal disposio no

    tempo da atividade, de sincroniz-la com outras atividades de campo que estejam

    ocorrendo na mesma data; remete-se, assim, proposta de comunho de esprito entre

    acampadores, mesmo que sequer saibam da existncia uns dos outros, realando a ideia-fora de fraternidade mundial (no mnimo, entre os que esto no mesmo fuso horrio ou

    em fusos vizinhos). Nada impede, na verdade, que essa cerimnia seja feita em outra noite,

    pelas mais variadas circunstncias: aproveitar a presena de visitantes ou de alguma

    autoridade; situao, na noite seguinte, que torne difcil ou invivel a reunio dos

    participantes com o clima de Fogo de Conselho; dificuldades relativas ao local, ou outras

    razes.

    Como toda cerimnia, o Fogo de Conselho deve ser significativo, atendendo aos

    requisitos de SIMPLICIDADE BREVIDADE SINCERIDADE; deve ser planejado e preparado

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    em conformidade com o planejamento. Convm ter um tema relacionado atividade da

    qual faz parte. Os participantes devem ter cincia de sua realizao e condies, de modo a

    prepararem-se convenientemente. Deve haver um Dirigente do Fogo, encarregado da

    coordenao geral, que prepara a programao, designa as equipes, abre, dirige e fecha a

    cerimnia; e um animador, ou Mestre-de-Cerimnias, que deve estimular e manter a

    animao dos participantes.

    O Fogo pode ser:

    De Seo: formal ou informal, reunindo os membros da Seo, com

    programao mais, ou menos, estruturada.

    Inter-Sees ou Grupal: congraando os membros de diferentes

    Sees/Ramos.

    De Famlia do Grupo: com a participao dos familiares dos jovens, mais

    comum em ocasies festivas.

    De Grande Atividade: quando h vrios Grupos presentes, necessita especial

    ateno quanto aos requisitos de brevidade e simplicidade.

    De Relaes Pblicas: quando h a assistncia por pessoas de fora do

    Movimento.

    Imaginando um Fogo de Conselho Grupal em um Grupo Escoteiro de grandeefetivo, ou Inter-Grupal, ou de Grande Atividade, ressalta a necessidade de uma adequada

    programao, de modo a haver representatividade dos participantes sem que a cerimnia

    se torne longa e maante (imagine o que seria uma sequncia de vinte e duas

    apresentaes, por exemplo, num acampamento inter-Grupos com oito Patrulhas

    Escoteiras, seis Patrulhas Snior e oito Matilhas; duraria pelo menos umas duas horas).

    Especialmente no caso de termos a presena de pessoas que no esto habituadas

    a atividades Escoteiras e ao cotidiano de Tropa, preciso atentar para a necessidade de a

    cerimnia e os vrios