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MANUAL DE LINGUAGEM INCLUSIVA - SiNUS 2017-

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Page 1: MANUAL DE LINGUAGEM INCLUSIVA · Soldados”, “Soldado, Marinheiro, Taifeiro” (BONFIM, 2007). 3.2 Deixando o “X” e outras formas de neutralização da linguagem para trás

MANUAL DE

LINGUAGEM INCLUSIVA

- SiNUS 2017-

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Sumário

1. Apresentação ....................................................................................................................... 3

2. A Linguagem como mecanismo reprodutor de significados sociais ................................... 4

3. O uso sexista da linguagem ................................................................................................ 5

3.1 O “falso neutro” .......................................................................................................... 5

3.2 Deixando o “X” e outras formas de neutralização da linguagem para trás .............. 7

3.3 Formas não sexistas da linguagem ............................................................................. 8

4. Linguagem Inclusiva para além do gênero ...................................................................... 10

5. Linguagem Inclusiva na SiNUS ........................................................................................ 12

5.1. A escolha pelo feminino da SiNUS 2017 ....................................................................... 12

6. Referências bibliográficas ................................................................................................ 13

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1. Apresentação1

A SiNUS 2017 surge a partir de um debate sobre o cuidado que nós, como relacionais

e interdependentes, devemos ter em sociedade, com as outras, com nós mesmas e com o

funcionamento de todas as esferas sociais. Neste sentido, há que se questionar a maneira pela

qual nos comportamos socialmente, isso inclui como tratamos umas as outras, como nos

expressamos e como respondemos aos fatores externos.

Seguindo a politização proposta pela SiNUS 2016, acreditamos na linguagem como

um fator social que tem implicações, sejam elas causas ou consequências. Desse modo, a

SiNUS 2017 utiliza da linguagem como forma de ativismo contra- hegemônico que renega

mecanismos da comunicação discriminatórios. Visto que de acordo com seu lema

"Compartilhando Cuidados na Transformação da Sociedade", objetiva incentivar o

pensamento crítico de todas as envolvidas no evento, de forma que tomem consciência sobre

como a linguagem pode transmitir ideias que silenciam e marginalizam individualidades,

diferentes perspectivas e realidades.

Assim, em consonância aos nossos pilares e em acordo principal com o primeiro deles

– inquietar-se – a SiNUS 2017 escolheu utilizar o feminino em seu projeto, documentos e

outras produções gráficas. Objetivando gerar reflexão, debate e inquietações sobre o papel da

linguagem normatizada enquanto reprodutora de significados sociais e perpetuadora de

discursos de poder.

Júlia Pastore Cintra

Secretária-Geral da SiNUS 2017

Thaís Barbosa C. de Sousa

Secretária Acadêmica da SiNUS 2017

1 Este manual foi elaborado, inicialmente, com o propósito de gerar uma padronização e institucionalização do

uso da linguagem inclusiva no âmbito da Simulação das Nações Unidas para Secundaristas de 2016. Sendo

seguido também na SINUS 2017 com as devidas modificações, visto ser permitido o seu livre uso e reprodução

por quaisquer participantes do evento e pelos membros das edições vindouras do projeto.

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2. A Linguagem como mecanismo reprodutor de significados sociais

Real change comes when people are enabled to use their thinking and their energy

in a new way, using a different system of thought, different language, and having

fresh visions of the future.

Scilla Elworthy

“Cuando yo uso una palabra – insistió Humpty Dumpty con un tono de voz más

bien desdeñoso- quiere decir lo que quiero que diga...,ni más ni menos.”

Lewis Carrol

Algo que se deve ter em mente, quando pensamos na linguagem que utilizamos no dia

a dia, é o fato de ela nunca ser neutra. A língua não apenas reproduz, mas reforça visões

estereotipadas do mundo que, de algum modo, reverberarão na maneira como

compreendemos o lugar social de cada uma e cada um. Ela interfere em nossa socialização,

sendo parte do processo, constituindo um referencial para a atribuição de significados às

coisas ao nosso redor (SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES DO

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, 2014).

Como parte de uma construção social, no entanto, a língua não é imutável, podendo

ser discutida, refletida e remodelada de acordo com as mudanças que ocorrem na sociedade à

qual ela se refere e codifica. O desmantelamento das estruturas opressoras que servem às

relações de poder deve passar pela desconstrução dos códigos que marcam essas mesmas

opressões, sejam elas de gênero, raça, classe, baseadas nas capacidades físicas dos indivíduos,

etc. Como assinalado por Young (1980) em “Justice and the Politics of Difference”, o fim das

opressões passa, em primeiro lugar, pela crítica qualitativa das instituições. Assim, a reforma

dos usos da língua pode conter a busca do fim das desigualdades a partir de um ideal de

equidade que, por sua vez, está relacionado a uma concepção material de igualdade. Tal como

explica Silvia Pimentel (2009):

Se, para a concepção formal de igualdade, esta é tomada como um pressuposto,

como um dado e um ponto de partida abstrato, para a concepção material de

igualdade esta é tomada como um resultado ao qual se pretende chegar, tendo como

ponto de partida a visibilidade às diferenças. Isto é: mostra-se essencial distinguir a

diferença da desigualdade. A ótica material objetiva construir e afirmar a igualdade

com respeito à diversidade e, assim sendo, o reconhecimento de identidades e o

direito à diferença é que conduzirão a uma plataforma emancipatória e igualitária

(PIMENTEL, 2009, p. 29).

Logo, é preciso reconhecer a singularidade inerente a grupos e indivíduos para que

seja possível respeitá-los, bem como garantir seu direito a formas de tratamento dignas. A

apresentação dos discursos hegemônicos, que perpetuam as hierarquias sociais como formas

supostamente neutras, coloca obstáculos à plena representação dos grupos marginalizados.

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Além disso, mecanismos claros de segregação com base na diferença impedem a valoração

equitativa dos diferentes coletivos que compõem a sociedade (YOUNG, 1980).

3. O uso sexista da linguagem Nossa fala é produzida em meio aos nossos valores e pensamentos e, não a linguagem

em si, mas o uso que fazemos dela será baseado no tipo de cultura em que nos inserimos

(SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES DO ESTADO DO RIO GRANDE

DO SUL, 2014). Logo, se vivemos em uma sociedade sexista, que reserva lugar e tratamento

diferenciado para homens e mulheres, a tendência é a de transmitirmos essa discriminação à

nossa comunicação, seja ela escrita ou falada. Expressões cotidianas como “mulher no

volante, perigo constante”, “sexo frágil”, “você está naqueles dias ou o quê?”, “filho da puta”,

entre outras, apenas servem para reforçar comportamentos misóginos já manifestados em

sociedade (SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL, 2014).

Assim,

existe um uso sexista da língua na expressão oral e escrita (nas conversações

informais e nos documentos oficiais) que transmite e reforça as relações

assimétricas, hierárquicas e não equitativas que se dão entre os sexos em cada

sociedade e que é utilizado em todos os seus âmbitos (SECRETARIA DE

POLÍTICAS PARA AS MULHERES DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL,

p. 15, 2014).

Em suma, como um dos agentes da socialização de gênero, a língua atribui

significados ao “ser” masculino e ao “ser” feminino, de modo que sua andronização2 contribui

para (1) a omissão da existência das mulheres e (2) para a difusão de visões estereotipadas e

mesmo depreciativas da figura feminina (SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS

MULHERES DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, 2014).

3.1 O “falso neutro”

Como dito anteriormente, a linguagem não é neutra. Ela está inserida em um contexto

de construção, reprodução e perpetuação de relações de poder que reverberam na forma como

indivíduos e grupos são considerados. No caso da língua portuguesa e de outros idiomas indo-

europeus, essa reverberação é ainda mais evidente quando se leva em conta que possuímos

uma estrutura gramatical binária, com fortes marcações de gênero. Incorremos

automaticamente no uso do masculino como o gênero que engloba o feminino,

frequentemente usando expressões como “o Homem” ou “os homens” como sinônimos de “a

2 O androcentrismo se refere ao enfoque à uma única perspectiva: a masculina (SUÁREZ, [s.d.]).

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Humanidade”. Dessa forma, definimos o masculino como o universal, a norma geral

(ABRANCHES, 2009).

O uso de artigos, substantivos, pronomes, adjetivos, advérbios e numerais variados em

gênero se torna um problema à medida que nos acostumamos a utilizar a flexão no masculino

para fazer referência a grupos gerais (incluindo indivíduos identificados com o gênero

feminino e masculino), de forma supostamente neutra. Desse modo, incorremos na atitude de

negação da feminização da língua, invisibilizando não apenas as mulheres, mas todas as

mudanças socioculturais em prol da igualdade de gênero que temos alcançado

(SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES DO ESTADO DO RIO GRANDE

DO SUL, 2014).

O uso que fazemos da língua pode e tem implicações sobre a inclusão das mulheres

em posições de poder, por exemplo. A ausência do reconhecimento de suas potencialidades e

capacidades na linguagem escrita, ainda como um resquício de uma construção histórica

discriminatória, pode gerar obstáculos para aqueles que interpretam normas (BONFIM, 2007).

Atualmente, um exemplo disso aparece em meio às discussões sobre a eleição de uma futura

Secretária-Geral para a Organização das Nações Unidas (ONU). Uma resolução adotada pela

organização em 1946, dispondo sobre a pessoa que ocupará o cargo de Secretária/o-Geral da

instituição, faz referência a “um homem de grande valor”, quando não se podia imaginar que

uma mulher estaria apta a ocupar a posição (G1, 2015). Foi preciso a apresentação de um

projeto de resolução dispondo sobre o processo de escolha da nova dirigente da ONU para

assegurar que tanto homens quanto mulheres podem ocupar o cargo, 70 anos após a criação

da organização (G1, 2015).

Outro exemplo desse tipo de “questão gramatical” pôde ser verificado na ocasião de

ingresso da escritora Rachel de Queiroz na Academia Brasileira de Letras. Em 1977 ainda

havia muita resistência à entrada de mulheres no círculo de intelectuais que compunham o

quadro da Academia e o ingresso da escritora ocorreu à revelia dos que argumentavam que a

expressão “brasileiros natos” presente no estatuto da Academia era um mecanismo impeditivo

para a entrada de uma brasileira (BONFIM, 2007). Com certeza, outros casos existem para

mostrar como a invisibilização das mulheres por meio do uso que fazemos da língua gerou (e

ainda gera) entraves para que elas ocupassem espaços de destaque na sociedade. Assim, se

percebe a importância da linguagem inclusiva como mecanismo de combate dessa exclusão.

O Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 12, apresentado pela senadora Serys

Slhessarenko (PT-MT) em 2005 e ainda em processo de tramitação, prevê o emprego

obrigatório da flexão de acordo com o gênero da ocupante na nomeação dos cargos,

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empregos, funções e outras designações dos encargos da administração pública, seja ela civil

ou militar. Vale lembrar que ainda constam no quadro de postos das Forças Armadas

brasileiras (art. 16 da Lei 6.880, de 9 de dezembro de 1980) nomes como “Capitão-de-Mar-e-

Guerra”, “Capitão-de-Fragata”, “Capitão-Tenente” (Marinha); “Coronel”, “Tenente-Coronel”

(Exército); “Coronel”, “Tenente-Coronel” (Aeronáutica) e, entre os postos de “Cabos e

Soldados”, “Soldado, Marinheiro, Taifeiro” (BONFIM, 2007).

3.2 Deixando o “X” e outras formas de neutralização da linguagem para

trás

Quando se trata de alternativas de linguagem inclusiva quanto ao gênero,

frequentemente se observam tentativas de neutralização da gramática a partir do emprego do

“x”, do “@”, etc. Como outras propostas de inclusão de gênero no uso da língua, ela também

busca questionar a invisibilização do feminino por meio de uma falsa ideia de universalidade

contida no gênero masculino. No entanto, e como já abordado, qualquer tipo de tentativa de

neutralização do que não é neutro/a – nesse caso, a linguagem – imporá obstáculos àquilo que

é primordial: a equidade (SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES DO

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, 2014).

A busca de formas inclusivas de linguagem encontra muitos desafios diante de uma

estrutura gramatical tão binária quanto a nossa. Pessoas não binárias (que não se identificam

necessariamente com uma identidade de gênero masculina ou feminina) continuarão sendo

excluídas por um tipo de uso da língua que trate apenas de incluir o gênero feminino na

equação. Da mesma forma, há dificuldades de se encontrar uma alternativa que seja (1)

pronunciável, (2) acessível para leitores de tela3 e que (3) efetivamente transforme o uso da

linguagem (NÃO BINÁRIO, 2014). Essas três características dizem respeito ao fato de as

alternativas mais comumente utilizadas se limitarem à forma escrita da língua. Com base

nisso, o que costuma ser proposto é o uso extensivo das formas genéricas já existentes na

língua portuguesa. Como será discutido na seção seguinte, mesmo essa estratégia encontra

alguns limites, sobre os quais serão feitas proposições consideradas menos prejudiciais para o

objetivo de inclusão na comunicação.

3 Pessoas com deficiência visual costumam usar programas de leitura de tela que servem para pronunciar o texto

escrito (NÃO BINÁRIO, 2014).

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3.3 Formas não sexistas da linguagem

Refletir sobre as possibilidades de uso inclusivo de gênero para a língua envolve,

fundamentalmente, duas dimensões: (1) a especificação do gênero e (2) a neutralização ou

abstração de sua referência. Basicamente, a primeira delas diz respeito ao uso de formas

duplas a partir da marcação explícita de ambos os gêneros de forma simétrica e paralela como

em “pai e mãe” ao invés de “pais”, “professor e professora” ao invés de “professores”. Nesses

casos, é importante observar para que o masculino não seja sempre anteposto ao feminino,

como estamos condicionados a fazer (ABRANCHES, 2009).

Além disso, quando se trata da especificação do gênero por meio do uso de formas

duplas, se tornou prática a utilização das barras como um recurso alternativo4. Por permitir

economia de espaço, elas são úteis em formulários, por exemplo, e podem ser empregadas

para separar as duas variações do artigo em caso de nomes invariáveis (tabela 1) ou para

acrescentar a desinência nominal de gênero alternativa para formas variáveis (tabela 2)

(ABRANCHES, 2009).

Tabela 1: Uso das barras para nomes invariáveis

A presidente e o presidente A/O presidente

A chefe e o chefe de delegação A/O chefe de delegação

Tabela 2: Uso das barras para nomes variáveis

A signatária e o signatário A/O signatária/o

A cidadã e o cidadão A/O cidadã/o

A diretora e o diretor O/A diretor/a

O estudante e a estudante com deficiência O/A estudante com deficiência

Já a segunda dimensão da linguagem inclusiva, correspondente à neutralização do

gênero, se refere ao emprego da mesma forma gramatical para designar homens, mulheres,

homens e mulheres, e indivíduos não binários (ABRANCHES, 2009). É necessário lembrar

que não se trata de uma estratégia que envolva o emprego de formas como “X” ou “@”, como

4 É também frequente a utilização de parênteses para designar a variação de gênero, como se utiliza no grafema

de plural como em “estudante(s)”. No entanto, esta não é a forma mais adequada para o uso inclusivo da

linguagem visto que os parênteses servem para “intercalar num texto qualquer indicação acessória” (CUNHA,

CINTRA, 1984, p. 660 apud ABRANCHES, 2009, p. 21). Assim, seu uso não serve a um ideal de marcação da

simetria de gênero, mas sim para a criação de uma ideia de exceção quando do reconhecimento do gênero

feminino – mais comumente deixado entre os parênteses (ABRANCHES, 2009).

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abordado na seção anterior, mas o emprego de formas já disponíveis em nossa língua,

conhecidas como as formas genéricas verdadeiras. Ela pode se dar por três modos:

• Paráfrases com o uso de nomes sobrecomuns:

Não recomendado Recomendado

O requerente A pessoa que requer

Os interessados As pessoas interessadas

• Utilização de coletivos ou termos abstratos:

Não recomendado Recomendado

Os professores O corpo docente

Os alunos O alunado

Os jovens que desejam estudar A juventude que deseja estudar

Os indígenas terão crédito As pessoas indígenas terão crédito

• Eliminação do artigo para formas sobrecomuns:

Não recomendado Recomendado

O presidente Presidente

Os estudantes Estudantes

Há, ainda, outras alternativas para a abstração do gênero, como:

• Substituição de nomes por pronomes invariáveis:

Não recomendado Recomendado

Os inscritos devem... Quem se inscrever deve...

Se alguém se inscrever, deve...

• Outras formas de supressão da flexão de gênero

Não recomendado Recomendado

Vive sozinho Vive só

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No Natal, sempre vai visitar os seus No Natal, sempre vai visitar sua família

Os estudantes não podem sair da sala Não é permitido sair da sala

Os paulistas economizam bastante Em São Paulo se economiza bastante

Se os diretores optarem por essa estratégia,

terão menos dificuldade

Optando por essa estratégia, terão menos

dificuldade

É importante notar que dentre as alternativas apresentadas correspondentes às duas

dimensões, o recurso às barras, apesar de possibilitar grande economia de espaço para aquela

e aquele que o utiliza, pode dificultar em muitos casos a leitura, principalmente quando a

barra separa duas desinências alternativas que não podem ser lidas em sequência ou, ainda,

quando duas barras são utilizadas para indicar a variação no artigo e no nome que o sucede.

Devido a isso, recomenda-se mais fortemente o uso das formas duplas (sem barras) e, sempre

que possível, dos genéricos universais (ABRANCHES, 2009)5.

4. Linguagem Inclusiva para além do gênero

Apesar de termos nos referido até aqui quase que exclusivamente pelo uso sexista da

linguagem, existem outras formas de manifestação da discriminação social contra outros

grupos minoritários, para além das mulheres, em nossa linguagem cotidiana. Em sua grande

parte, elas se relacionam aos chamados problemas de estereotipia, que são formas de uso da

linguagem que refletem conexões de pensamento enviesadas e preconceitos com base no

lugar social que costuma ser destinado à pessoa referida pelo sujeito ou pelo predicado de

uma frase. Como destacado na seção 2 deste manual, essa designação de lugares sociais

diferenciados, que repercute na geração de assimetrias por relações desiguais de poder, se

baseia nas diferenças que caracterizam indivíduos e grupos, ou seja, em sua individualidade.

Logo, a estereotipia da linguagem consiste no reforço dessas visões enviesadas com base na

diferença por meio de textos (sejam eles falados, escritos, audiovisuais, etc.) (SECRETARIA

DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, 2014).

Alguns exemplos de estereotipia podem ser encontrados em:

5 Há, também, a possibilidade de utilização de formas apenas femininas como estratégia de contestação do uso

sexista da linguagem. No entanto, ao optar por essa alternativa, a pessoa que escreve deve informar a pessoa que

lê da opção, evidenciando que a flexão para o feminino, nesse caso, pode se referir a um grupo de mulheres ou

de homens e mulheres, visto que tendemos a considerar que a flexão para o feminino só serve para designar o

gênero feminino. Em relação ao objetivo de promoção da simetria de gênero contido na prática de inclusão por

meio da linguagem, o uso, apenas, de formas femininas não se mostra tão adequado. Por isso, a locutora ou o

locutor deve evidenciar para sua interlocutora ou interlocutor que a opção adotada de volta para unicamente para

um objetivo de contestação.

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“Os portugueses trouxeram os negros africanos para trabalharem aqui”.

“Mais um homem gay morreu de AIDS”.

“Tomou vergonha na cara e emagreceu”.

“Passou a comer como uma pessoa normal”.

“O marido daquela mulher deixa que ela trabalhe meio turno”.

“O gaúcho gosta de churrasco, chimarrão, fandango, trago e mulher”.

” Fabiane e Jorge trabalham em período integral. Depois de buscar as crianças na escola ele a

ajuda nas tarefas domésticas”.

Como forma de combate a essas e outras formas de atribuição de sentido pejorativos e

pessoas e grupos por meio da linguagem, alguns usos alterativos podem ser recomendados.

Mais do que a busca de uma linguagem “politicamente correta”, o emprego e difusão dessas

novas formas buscam, sobretudo, o respeito às especificidades que caracterizam cada

indivíduo, sem que seja inferiorizado por meio da língua. Algumas sugestões são apresentadas

a seguir, retiradas do Manual de Comunicação produzido pela Secretaria de Comunicação

Social do Senado Federal (2012).

• Etnias

Como regra geral, para fazer referência a minorias étnicas ou religiosas, use os termos

de preferência das próprias minorias.

Asiáticas/os: use “pessoas de origem asiática” ou “asiática/o”

Indígena: Índia/o é substantivo e se refere ao indivíduo. Use indígena apenas como adjetivo.

Alguns termos que precisam ser evitados por se basearem em discriminações étnico/raciais:

denegrir, deixar claro, judiar. Substitua por comprometer, manchar, evidenciar, maltratar.

• Orientação Sexual

Use “homossexualidade”, da mesma forma como é utilizado “heterossexualidade”.

Nunca utilize o termo “homossexualismo”, que possui conotação de patologia. Além disso,

use “orientação sexual” e não “opção sexual”.

Transexual: pessoa que se identifica com uma identidade de gênero que não corresponde ao

sexo biológico com o qual nasceu. Se diz mulheres cis e homens cis para designar aquelas e

aqueles que se identificam com uma identidade de gênero correspondente a seu sexo

biológico.

Travesti: utilize “a travesti”.

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Drag queen: pessoa que se caracteriza como indivíduos do gênero oposto por motivações

artísticas.

• Pessoa com deficiência

De preferência, use o termo “pessoa com deficiência”, adotado pela ONU, ou “pessoa

com necessidades especiais” (PNE). Jamais use “pessoas portadoras de deficiência”,

“deficiente”, “aleijado” ou “incapacitado”.

Para tipos específicos de deficiência use: “deficiente visual”, “deficiente auditivo”, etc.

• Doenças

HIV/AIDS: HIV designa o vírus causador da AIDS. A AIDS é uma doença, portanto,

evite se referir a indivíduos portadores de HIV (que estão em tratamento, com o vírus já

indetectável e, por isso, não possuem AIDS) como “portador de AIDS” ou “doente com

AIDS”. Em nenhum dos casos, use “aidético/a”.

Epilepsia: o correto é dizer “pessoa com epilepsia”. Evite “epilético”. O mesmo vale

para pessoas com paraplegia, tetraplegia e semelhantes.

5. Linguagem Inclusiva na SiNUS

Como projeto pedagógico, a SiNUS contém um grande potencial de mudança que

perpassa a vida das jovens envolvidas em sua organização e as secundaristas que dela

participam. Devido a isso, espera-se que as temáticas que embasam cada edição orientem não

só as atividades mais fundamentais do projeto, mas também o posicionamento dos indivíduos

envolvidos em sua construção, na esperança de que elas sirvam ao aprendizado de todas e

todos durante cada fase de preparação do que ocorrerá nos dias do evento. É pensando nisso,

que este Manual foi criado. Como fruto de um trabalho coletivo, a SiNUS deve também

inspirar seus membros a tirar dela o que há de melhor.

Como um dos principais recursos utilizados durante os dias do evento, a linguagem

não pode ser utilizada de forma desinformada. As alternativas aqui apresentadas têm,

portanto, um caráter propositivo que visa gerar um debate ainda pouco presente nas

simulações.

5.1. A escolha pelo feminino da SiNUS 2017

Como já explicitado na apresentação, a SiNUS 2017 fez a escolha de utilizar apenas o

feminino em seus documentos. Tal fato se justifica, incialmente, pelo desejo da edição em

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questionar as questões sociais postas, aceitas e normatizadas; a forma como lidamos

naturalmente com estruturas determinadas há anos e como isso não nos incomoda. Nesse

sentido, o questionamento da linguagem teoricamente “neutra” do masculino encontrou seu

total oposto no uso do feminino, justamente com o objetivo de gerar desconforto, inquietação

e para analisar as reações do nosso público, tanto da organização (universitárias) como das

participantes (secundaristas e professoras).

Neste período, podemos confirmar que homens não se sentem representados pela

utilização da linguagem no feminino. Em diversas ocasiões, como em processos seletivos para

diretores, no lançamento de editais para as secundaristas e na comunicação com professoras,

podemos perceber o incomodo e a confusão de pessoas em relação ao público que a SiNUS

2017 se destina. Embora, em momento algum, tenha sido mencionada a exclusividade dos

eventos para o sexo feminino.

Consequentemente, pudemos analisar a reação das pessoas, comprovar o quão

impressionante é o fato da troca de uma vogal incomodar pessoas e propor diversos

questionamentos: por que mulheres devem se “identificar” e se incluir em discursos

proferidos com o masculino e o contrário não se faz verdadeiro? Por que a linguagem foi feita

desta maneira? Podemos questioná-la?

Enquanto um secretariado composto por 2/3 de liderança feminina, podemos afirmar

que o uso inclusivo da linguagem nos remete identidade, nos remete empoderamento, nos

remete inclusão. Assim, valorizamos discursos que incluam o feminino, valorizamos mulheres

que utilizem seus cargos para questionar essas estruturas (ex: Presidenta Dilma), valorizamos

os questionamentos sobre a linguagem e o pensamento de que esta pode e deve evoluir.

6. Referências bibliográficas ABRANCHES, G. Guia para uma Linguagem Promotora da Igualdade entre Mulheres e

Homens na Administração Pública. Disponível em:

<file:///C:/Users/Karine/Documents/SiNUS%202016/Guias%20e%20Manuais/Material%20s

obre%20linguagem%20inclusiva/guia%20para%20a%20administração%20pública.pdf>.

Acesso em: 19 out. 2015.

BLOGUEIRAS FEMINISTAS. Linguagem inclusiva de gênero em trabalho acadêmico.

Disponível em: <http://blogueirasfeministas.com/2013/08/linguagem-inclusiva-de-genero-

em-trabalho-academico/>. Acesso em: 15 out. 2015.

BONFIM, J. A linguagem como instrumento de inclusão social. Revista Senatus, v. 5, n. 1,

pp. 24-25, mar. 2007.

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G1. Resolução da ONU permitirá que mulher seja eleita secretária-geral. Disponível em:

<http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/09/resolucao-da-onu-permitira-que-mulher-seja-

eleita-secretaria-geral.html>. Acesso em: 3 nov. 2015.

MIGUEL, L. F. Consenso e conflito na teoria democrática: para além do “agonismo”. 8º

Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Gramado, 2012.

NÃO BINÁRIO. Deixando o X para trás na linguagem neutra de gênero. Disponível em:

<https://naobinario.wordpress.com/>. Acesso em: 15 out. 2015.

PIMENTEL, S. A superação da cegueira de gênero: mais do que um desafio – um

imperativo. Revista Direitos Humanos, n. 2, jun. 2009.

SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES DO ESTADO DO RIO GRANDE

DO SUL. Manual para o uso não sexista da linguagem: o que se bem diz bem se entende.

Disponível em:

<file:///C:/Users/Karine/Documents/SiNUS%202016/Guias%20e%20Manuais/Material%20s

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