manual de direito constitucional (2016)

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CAPÍTULO 3

DIREITO CONSTITUCIONAL INTERTEMPORAL

SUMÁRIO • 1. Introdução; 2. A entrada em vigor de uma nova Constituição; 3. Repristinação; 4. Recepção material de normas constitucionais; 5. Quadro sinótico; 6. Questões; 6.1. Questões objetivas; 6.2. Questões discursivas; Gabarito questões objetivas; Gabarito questões discursivas.

1. INTRODUÇÃOPresente na construção dos costumes, na criação, desenvolvimento e transformação das

instituições políticas, na garantia de certos direitos e abandono de outros, no desenrolar do processo legislativo, na definição e identificação da urgência constitucional, no reconheci-mento da mora legislativa caracterizadora de omissão inconstitucional, temos o tempo.

Essa estreita relação entre o tempo e o Direito Constitucional mostra-se ainda mais relevante, sobretudo, quando da aplicação das normas, pois, numa dimensão temporal, a intercalação entre elas ocasiona diversos (e interessantes) fenômenos jurídicos, cuja assimilação é fundamental para o alcance das conclusões envolvendo a validade e vigência dos diplomas normativos.

Destarte, somente o estudo do Direito Constitucional intertemporal permitirá sabermos quais os efeitos recairão sobre as normas jurídicas já existentes e quais conformarão as que estão porvir diante da entrada em vigor de uma nova norma. É o que faremos neste capí-tulo: observaremos as consequências advindas da entrada em vigor de um novo documento constitucional e o impacto disso para a Constituição pretérita e para as normas infraconsti-tucionais, bem como a sucessão temporal de normas de equivalente status no ordenamento.

2. A ENTRADA EM VIGOR DE UMA NOVA CONSTITUIÇÃOEnquanto norma jurídica originária e superior a todas as demais, a Constituição é o fun-

damento de validade de todo o restante do ordenamento jurídico, de forma que nenhum ato jurídico subsista validamente se com ela for incompatível.

Assim, diante das mais distintivas características das normas constitucionais – desfrutar de superioridade hierárquica no ordenamento e iniciá-lo juridicamente – temos a Consti-tuição como parâmetro de validade e vetor interpretativo de todas as normas, o que faz com que sua entrada em vigor acarrete:

(i) a revogação integral da Constituição pretérita (revogação por normação geral);(ii) a recepção dos diplomas infraconstitucionais que com ela sejam compatíveis.Falemos de cada um desses fenômenos jurídicos:(i) sabe-se que a revogação é um fenômeno jurídico por meio do qual um diploma nor-

mativo perde a sua vigência. Pode ocorrer quando uma norma posterior, emanada do mesmo

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órgão e possuidora de mesmo status hierárquico (ou, nas palavras de Gilmar Mendes, mesma densidade normativa), (A) expressamente determina a revogação ou (B) quando trata intei-ramente da mesma matéria ou (C) quando regula o assunto de modo incompatível com a legislação anterior. A revogação também pode ser total (ab-rogação) ou parcial (derrogação). Nesse sentido, a revogação, quanto à forma e à extensão, pode ser assim estruturada:

Quando uma nova Constituição entra em vigor, o primeiro impacto sentido na ordem jurídica é a revogação completa e integral da Constituição pretérita. O novo texto cons-titucional substitui o antigo por ser o ponto de partida de um novo ordenamento jurídico que acaba de ser inaugurado e, por isso, rompe e desfaz toda a estrutura jurídica anterior, deixando carentes de fundamentação lógico-jurídica (logo, de validade) todos os diplomas existentes.

Pode ocorrer, todavia, de as normas da Constituição pretérita, não possuindo qualquer resquício de incompatibilidade com o novo texto constitucional, isto é, absolutamente har-mônicas com ele, serem recebidas pela nova ordem principiada, mas rebaixadas ao status de normas infraconstitucionais. É o fenômeno da desconstitucionalização, segundo o qual as normas da Constituição pretérita podem ser recebidas pelo novo ordenamento desde que:

(A) guardem congruência material com a nova Constituição; e

(B) sejam convertidas em normas infraconstitucionais.

Não tendo sido adotada expressamente pelo Constituição da República de 1988, a teoria da desconstitucionalização não pode ser pressuposta, pois sua adoção exige explícita determi-nação do poder originário.

(ii) Quanto ao impacto da entrada em vigor da nova Constituição frente às normas in-fraconstitucionais vigentes, deve-se recordar ser o documento constitucional o fundamento único de validade (e, portanto, de vigência) de todos os demais atos normativos existentes na ordem jurídica. Assim, com a revogação da Constituição anterior, acarretada pela apre-sentação da nova carta constitucional, todos os diplomas até então existentes perdem seu fundamento de validade, que era dado pelo texto constitucional antecedente.

Não sendo factível regulamentar, imediatamente à promulgação da nova Constitui-ção, todas as hipóteses essenciais à vida em sociedade e havendo a imperiosa necessidade de dar continuidade às relações sociais, é indispensável que ao menos uma parte do conjunto

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normativo que estava em vigor no ordenamento passado sobreviva à edição da nova Lei Maior. Afinal, a impossibilidade fática de erguer por completo uma nova estrutura jurídica apresenta-se como um obstáculo intransponível. Segundo André Ramos Tavares1, “seria ne-cessário um trabalho de longos anos ao fim do qual certamente estar-se-ia com uma proposta de normas dependentes, por sua vez, de novas alterações”.

Sensível a isso, Hans Kelsen se debruça sobre essa adversidade prática e conclui ser a recepção jurídica das normas infraconstitucionais anteriores e conformes com a nova ordem que se estabelece, a solução para a questão.

Segundo a teoria, como a Constituição não convive com textos que a contrariem, estes terão sua vigência obviamente interrompida, pois a eles não será concedido um novo funda-mento de validade. Assim, tendo perdido seu fundamento de validade (com a revogação da Constituição passada) e não tendo obtido um novo (dada a incompatibilidade material que possuem com a nova Constituição), essas normas infraconstitucionais são não-recepcionadas.

Em contrapartida, existirão no ordenamento diplomas coerentes e conformes, no aspec-to material, com a nova Constituição. Estes serão devidamente recepcionados, o que signi-fica que adquirirão novo fundamento de validade e, agora, existirão e extrairão sua validade do novo texto constitucional.

Há os que apontam haver certo descompasso entre duas conclusões aqui já alcançadas: a circunstância de a Constituição ser o documento que origina e inaugura a ordem jurídica e a possibilidade de adoção da teoria da recepção. Afinal, se é a Constituição o documento jurídico primeiro do ordenamento, não há nada dotado de juridicidade antes dela. Assim, como recepcionar o “direito velho” se não existe direito antes da nova Constituição? Kelsen enfrenta essa suposta contradição e responde ser a recepção algo como um processo legislativo simplificado, isto é, um procedimento rápido de criação de direito novo, capaz de conferir aos documentos antigos (mas compatíveis com a nova Constituição) nova existência, porque fundamentada em novo paradigma constitucional. O autor explica melhor:

Se as leis introduzidas sob a velha Constituição “continuam válidas” sob a nova Constitui-ção, isso é possível apenas porque a validade lhes foi conferida, expressa ou tacitamente, pela nova Constituição. (...) A recepção é um procedimento abreviado de criação do Di-reito. As leis que, na linguagem comum, inexata, continuam sendo válidas são, a partir de uma perspectiva jurídica, leis novas cuja significação coincide com a das velhas leis. Elas não são idênticas às velhas leis, porque seu fundamento de validade é diferente. O funda-mento de sua validade é a nova Constituição, não a velha.2

O estudo adequado da teoria da recepção nos exige o enfrentamento, ainda, de algumas importantes questões finais:

(A) O que concluir quando a norma infraconstitucional guarda coerência material com a nova Constituição, mas não formal (incompatibilidade formal)? Como a recepção somente exi-ge afinidade de conteúdo, a norma poderá ser recebida pela nova ordem, ainda que formalmente com ela incompatível, afinal a forma é regida pela lei da época do ato (tempus regit actum).

1. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 172.2. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 4ª ed. Martins Fontes: São Paulo, 2005, p. 172.

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Vejamos o que se passou com o Código Tributário Nacional: originalmente editado como lei ordinária (Lei nº 5.172/1966), em respeito ao disposto na Constituição que vigora-va à época (o texto de 1946), foi recepcionado pela Constituição posterior (de 1967) como lei complementar, haja vista o art. 18, § 1º3 daquele documento enunciar que as normas gerais de direito tributário deveriam ser normatizadas em lei complementar. Com a promulgação da Constituição de 1988, o status de lei complementar conferido ao CTN foi mantido, também em virtude de este documento constitucional exigir referida espécie normativa para a regulamentação do assunto.

Outro exemplo interessante é o do atual Código Penal que, editado como decreto-lei na vigência da Constituição de 1937, atualmente continua em vigor, mesmo a Constituição de 1988 (em seu art. 59, CF/88) não mais prevendo a espécie normativa “decreto-lei”.

Assim, e em conclusão, a eventual incongruência formal não obsta a recepção, podendo acarretar, até mesmo, o recebimento do diploma anterior com nova roupagem, como acon-teceu com o CTN.

(B) Nada obstante o desenlace acima anunciado, a doutrina lista uma interessante situa-ção na qual a ausência de harmonia formal irá se apresentar como obstáculo à recepção.

É o caso em que há alteração na distribuição de competências entre os entes federativos, desde que referida mudança se dê do ente menor para o ente maior. Para ilustrar, imaginemos situação em que a tarefa pertence ao ente menor (Estado-membro ou Município) e, com a entrada em vigor da nova Constituição, passe a ser atribuída à União (ente maior). Nessa hipótese, dada a absoluta impossibilidade de termos a federalização das normas anteriores, mesmo havendo compatibilidade material a não compatibilidade formal atuará como fator impeditivo da recepção.

Em contraposição, se a modificação da competência for feita em sentido inverso, do ente maior (União), para os entes menores (por exemplo, para os Estados-membros), não iden-tificamos qualquer empecilho para a recepção da norma federal (materialmente compatível) pelo novo ordenamento, a fim de evitar o vácuo na normatização do assunto.

Essa é a posição da doutrina mais abalizada, conforme indicam as palavras de Gilmar Mendes, que sustenta

que se o tema era antes da competência, por exemplo, dos Municípios e se torna assunto de competência federal com a nova Carta, não haveria como aceitar que permanecessem em vigor como se leis federais fossem – até por uma impossibilidade prática de se federalizar simultaneamente tantas leis acaso não coincidentes.4

(C) Objeto, ainda hoje, de grande discussão doutrinária é a identificação do fenômeno que se apresenta diante da incompatibilidade material entre as normas infraconstitucionais pretéritas e a nova Constituição. Teríamos, na hipótese, a não-recepção daquelas normas ou

3. Art. 18, § 1º, EC nº 1/1969: “Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sôbre os conflitos de competência nesta matéria entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e regulará as limitações constitucionais do poder de tributar”. (sic).

4. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de Direito Constitu-cional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 282.

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estas tornar-se-iam inconstitucionais de modo superveniente (teoria da inconstitucionalida-de superveniente)?

Jorge Miranda parece corroborar a segunda corrente, quando afi rma que “a inconstitu-cionalidade não é primitiva ou subsequente, originária ou derivada, inicial ou ulterior. A sua realidade jurídico-formal não depende do tempo de produção dos preceitos”.5

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, entretanto, mantém-se fi rme no sentido oposto. Já sob a égide do documento constitucional anterior, no início da década de 80 do séc. XX, a Corte se manifestou6 no sentido de que a colisão entre o direito anterior e a nova Constituição havia de ser solucionada pelas regras atinentes ao direito intertemporal. Na vigência da atual Constituição, o STF também já teve a oportunidade de opinar sobre a ques-tão7 e a resposta foi ofertada no mesmo sentido da anterior: a solução não há de ser dada pela conclusão da inconstitucionalidade, pois o direito anterior materialmente incompatível simplesmente não será recebido. Segundo o Ministro Paulo Brossard, o legislador não deve obediência à Constituição futura, inexistente, afi nal “só por adivinhação poderia obedecê-la, uma vez que futura e, por conseguinte, ainda inexistente”.8

Assim, e em conclusão, o direito pátrio somente reconhece a inconstitucionalidade quando originária, isto é, quando a norma é editada posteriormente ao texto constitucional e em desconformidade com ele, jamais quando a norma é anterior a ele. Em sendo anterior e incompatível com o texto constitucional, a norma será considerada não recepcionada. Nesse sentido, vejamos o esquema explicativo abaixo:

198819881988198819881988198819881988198819881988

5. MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo II. Coimbra: Coimbra Editora, 1983, p. 250.6. Na Representação nº 946, relatada pelo Min. Moreira Alves.7. Na ADI 02-DF, STF, relatada pelo Min. Paulo Brossard.8. BROSSARD, Paulo. A Constituição e as Leis Anteriores, Arquivos do Ministério da Justiça, nº 180, 1992, p. 125, apud

MENDES, Gilmar. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 163.

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(D) Como consequência direta das conclusões acima alcançadas, vale destacar que se as normas infraconstitucionais anteriores não sofrem juízo de constitucionalidade/incons-titucionalidade perante o novo texto constitucional, não poderão ser objeto válido de ação direta de inconstitucionalidade ou mesmo de ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, I, “a”, CF/88). Essas duas ações, destarte, só podem ter objeto diplomas normativos que sejam editados posteriormente à entrada em vigor da norma constitucional eleita como parâmetro. Por outro lado, cumpre lembrar que a arguição de descumprimento de preceito fundamental pode ser utilizada para oportunizar ao STF a análise de leis e outros atos nor-mativos anteriores à Constituição (ver arts. 1º e 4º, § 1º, Lei nº 9.882/1999).

(E) uma quinta questão que a teoria da recepção envolve refere-se à possibilidade de ela ter aplicabilidade também diante da edição de uma nova emenda constitucional. Não nos parece haver qualquer obstáculo, afinal o fenômeno da recepção dos diplomas norma-tivos infraconstitucionais anteriores tem lugar tanto quando uma nova Constituição entra em vigor (mudança global do ordenamento), quanto quando há modificação, por emenda constitucional, da Constituição vigente (mudança localizada). Assim, se a Constituição é submetida ao procedimento de reforma e dele resulta uma emenda constitucional, as normas infraconstitucionais anteriores à nova emenda, e que com ela sejam tidas por incompatíveis, serão consideradas não recepcionadas pela nova ordem jurídica instaurada pela modificação engendrada no texto constitucional. Novamente não há que se falar em inconstitucionalida-de superveniente da norma infraconstitucional, mas sim em sua não recepção.

(F) Questiona-se também se uma lei elaborada em desconformidade com as normas da Constituição em vigor quando da sua edição, mas cuja inconstitucionalidade nunca houvera sido declarada, pode ser recepcionada pelo novo documento constitucional, se com ele for compatível. Imaginemos, para ilustrar, uma lei editada em 1977 que tenha ferido o processo legislativo estabelecido na Constituição de 1967 (com redação dada pela EC nº 1/1969), mas que não tenha sido declarada inconstitucional. Tempos depois, quando a Constituição de 1988 entra em vigor, referida lei, porque compatível com o novo documento constitucional, pode ser recepcionada? Vale dizer: o fenômeno da recepção é capaz de corrigir a o vício que essa lei possui?

Há na doutrina quem defenda que sim, advogando que se a lei ainda não houvesse sido declarada inconstitucional no curso da vigência do documento constitucional anterior, ela será presumivelmente constitucional, assim poderá ser recebida pelo novo ordenamento, desde que com ele guarde compatibilidade material. Nesse sentido são as palavras de André Ramos Tavares, para quem

se a lei era inválida, mas a invalidade só poderia ser reconhecida a partir do momento em que fosse declarada em controle judicial, e como não havia sido declarada anteriormente à Constituição de 1988, então o magistrado terá de conferir à norma o status de recepciona-da. E, se a lei foi recepcionada, presume-se constitucional”.9

Entendemos de modo diverso. Em nossa percepção, se a lei contraria o texto da Cons-tituição sob a égide da qual foi editada, ela possui um “defeito”, uma “falha”, insanável.

9. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 184.

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Marcada por esse vício incurável e impossível de ser remediado, a norma não poderia ser recepcionada, pois nem mesmo o fenômeno da recepção seria capaz de anular o defeito. Nesse sentido é o posicionamento da doutrina, que preceitua

Uma vez que vigora o princípio de que, em tese, a inconstitucionalidade gera a nulida-de – absoluta – da lei, uma norma na situação em tela já era nula desde quando editada, pouco importando a compatibilidade material com a nova Constituição, que não revigora diplomas nulos.10

Em desfecho, podemos concluir que uma lei somente pode ser recepcionada por uma nova Constituição quando os seguintes requisitos forem devidamente preenchidos:

(1) estar em vigor quando do advento da nova Constituição (este requisito é imprescin-dível, senão admitir-se-ia a delirante possibilidade de qualquer lei que um dia já tivesse sido editada poder ser revigorada pelo texto de uma nova Constituição);

(2) guardar compatibilidade material e formal com o documento constitucional que estava em vigor quando ela foi editada;

(3) guardar compatibilidade material com a nova Constituição.

(G) Há mais um último ponto de interesse no estudo da teoria da recepção e este é concernente aos efeitos da decisão do STF que declara a recepção ou a não-recepção de um diploma infraconstitucional e anterior à norma constitucional eleita como parâmetro.

Sabe-se que, via de regra, a recepção (ou não-recepção) ocorre no momento em que o novo texto constitucional entra em vigor, não sendo a decisão que a declara passível de modulação temporal de efeitos. Assim, quando o STF avalia a norma anterior e conclui que a mesma é compatível (ou não) com a carta constitucional, prolata uma decisão que possui eficácia retroativa à edição do novo texto constitucional. Por isso, se a Corte houver concluí-do em 2010 que uma lei editada em 1982 é compatível com o documento constitucional de 1988, sua decisão, ainda que proferida em 2010, produzirá efeitos que retroagem até 1988. Nesse sentido, é a manifestação do STF:

A não-recepção de ato estatal pré-constitucional, por não implicar a declaração de sua inconstitucionalidade – mas o reconhecimento de sua pura e simples revogação (RTJ 143/355 – RTJ 145/339) -, descaracteriza um dos pressupostos indispensáveis à utilização da técnica da modulação temporal, que supõe, para incidir, dentre outros elementos, a necessária existência de um juízo de inconstitucionalidade. – Inaplicabilidade, ao caso em exame, da técnica da modulação dos efeitos, por tratar-se de diploma legislativo, que, editado em 1984, não foi recepcionado, no ponto concernente à norma questionada, pelo vigente ordenamento constitucional.11

Recentemente, todavia, o Supremo Tribunal alterou seu posicionamento ao autorizar a modulação temporal de efeitos em um juízo de não recepção.

10. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de Direito Constitu-cional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 283.

11. RE 353.508-RJ-AgR, Rel. Min. Celso de Mello.

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No RE 600.885-RS12, a Corte foi acionada para avaliar a compatibilidade da expres-são “nos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica” do art. 10 da Lei nº 6.880/1980 com a Constituição da República de 1988. Concluiu que o art. 142, § 3º, X, da Constituição é expresso ao atribuir exclusivamente à lei a definição dos requisitos para o ingresso nas Forças Armadas, determinando que a expressão em análise não foi recepcionada.

A novidade, no entanto, ficou por conta do seguinte trecho da decisão:O princípio da segurança jurídica impõe que, mais de vinte e dois anos de vigência da Constituição, nos quais dezenas de concursos foram realizados se observando aquela regra legal, modulem-se os efeitos da não-recepção: manutenção da validade dos limites de idade fixados em editais e regulamentos fundados no art. 10 da Lei nº 6.880/1980 até 31 de dezembro de 2011. (Grifo nosso).

Vê-se que o Plenário da Corte reconheceu a exigência constitucional de edição de lei para o estabelecimento de limite de idade em concurso para ingresso nas Forças Armadas, mas determinou que os regulamentos e editais que o previssem vigorassem até 31 de de-zembro do ano de 2011. Houve, pois, modulação temporal dos efeitos, de modo que a não recepção do art. 10 da Lei nº 6.880/1980 somente produziu efeitos em data futura, posterior àquela em que foi prolatada.

3. REPRISTINAÇÃOFenômeno legislativo previsto na Lei de introdução às normas do Direito Brasileiro

(art. 2º, § 3º) a repristinação ocorre quando uma norma revogada retoma sua produção de efeitos em razão da revogação da norma que a revogou. No direito pátrio, todavia, essa ocorrência depende de previsão expressa, de forma que a norma revogada só volte a viger se a norma que revogou a revogadora assim enunciar expressamente.

Conforme o esquema posto acima, na repristinação tem-se a sucessão temporal de três atos normativos. O primeiro ("A") é efetivamente revogado pelo segundo ("B); este, por sua

12. Julgado em 02.02.2011, tendo sido relatado pela Min. Cármen Lúcia.

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Cap. 3 • DIREITO CONSTITUCIONAL INTERTEMPORAL 185

vez, é igualmente revogado por um terceiro ("C"). Se o terceiro e último ato normativo nada disser a respeito, a simples revogação da norma revogadora ("B") não acarreta a retomada da produção de efeitos da primeira lei revogada ("A").

Segundo a doutrina13, o que justifica a resistência à repristinação tácita “são os princípios da segurança jurídica e estabilidade das relações sociais”, afinal, “o permanente refluxo de normas geraria dificuldades insuperáveis ao aplicador do direito”.

4. RECEPÇÃO MATERIAL DE NORMAS CONSTITUCIONAISDe acordo com apontamentos doutrinários, existe um último fenômeno de direito inter-

temporal merecedor de nossa atenção: o da recepção material de normas constitucionais.

Este consiste na “persistência de normas constitucionais anteriores que guardam, se bem que a título secundário, a antiga qualidade de normas constitucionais"14. Para ilustrar, temos o art. 34, ADCT, pois tanto o seu caput, quando o seu § 1º determinam, explicitamente, a permanência de artigos da Constituição pretérita, com o mesmo status que possuíam no ordenamento jurídico anterior (isto é, de normas constitucionais), por um determinado pe-ríodo de tempo.

A excepcionalidade do fenômeno exige, por óbvio, que a mantença das normas cons-titucionais anteriores no novo ordenamento tenha sido expressamente determinada pelo poder constituinte originário. Ademais, o perdurar dessas normas constitucionais anteriores no novo sistema constitucional é algo somente admissível se temporalmente limitado, ou seja, em caráter precário.

5. QUADRO SINÓTICO

CAPÍTULO 3 – DIREITO CONSTITUCIONAL INTERTEMPORAL

INTRODUÇÃO 1

Neste capítulo observaremos as consequências advindas da entrada em vigor de um novo documento constitucional e o impacto disso para a Constituição pretérita e para as normas infraconstitucionais, bem como a sucessão temporal de normas de equivalente status no ordenamento.

A ENTRADA EM VIGOR DE UMA NOVA CONSTITUIÇÃO 2A Constituição é o fundamento de validade de todo o restante do ordenamento jurídico, de forma que nenhum ato

jurídico subsista validamente se com ela for incompatível.Assim, diante das mais distintivas características das normas constitucionais – desfrutar de superioridade hierárqui-

ca no ordenamento e iniciá-lo juridicamente – temos a Constituição como parâmetro de validade, o que faz com que sua entrada em vigor acarrete:

(i) a revogação integral da Constituição pretérita;(ii) a recepção dos diplomas infraconstitucionais que com ela sejam compatíveis.Falemos de cada um desses fenômenos jurídicos:(i) Quando uma nova Constituição entra em vigor, o primeiro impacto sentido na ordem jurídica é a revogação com-

pleta e integral da Constituição pretérita.

13. NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Método, 2012, p. 149.14. Anna cândida da Cunha Ferraz e Fernanda dias Menezes de Almeida. Efeitos da Constituição sobre o direito ante-

rior. RPGESP, 1989, p. 47, apud LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 16ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 203.

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MANUAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL – Nathalia Masson186

(ii) Quanto ao impacto da entrada em vigor da nova Constituição frente às normas infraconstitucionais vigentes, reconhece-se não ser factível regulamentar, imediatamente à promulgação da nova Constituição, todas as hipóteses essenciais à vida em sociedade. Logo, é indispensável que ao menos uma parte do conjunto normativo que estava em vigor no ordenamento passado sobreviva à edição da nova Lei Maior.

Sensível a isso, Hans Kelsen se debruça sobre essa adversidade prática e conclui ser a recepção jurídica das normas infraconstitucionais anteriores e conformes com a nova ordem que se estabelece, a solução para a questão.

Segundo a teoria, como a Constituição não convive com textos que a contrariem, estes terão sua vigência obviamen-te interrompida, pois a eles não será concedido um novo fundamento de validade. Assim, essas normas infraconstitu-cionais serão não-recepcionadas.

Em contrapartida, existirão no ordenamento diplomas coerentes e conformes, no aspecto material, com a nova Constituição. Estes serão devidamente recepcionados, o que significa que adquirirão novo fundamento de validade e, agora, existirão e extrairão sua validade do novo texto constitucional.

Segundo Kelsen a recepção é algo como um processo legislativo simplificado, um procedimento rápido de criação de direito novo, capaz de conferir aos documentos antigos (mas compatíveis com a nova Constituição) nova existência, porque fundamentada em novo paradigma constitucional.

O estudo adequado da teoria da recepção nos exige o enfrentamento, ainda, de algumas importantes questões finais:(A) O que concluir quando a norma infraconstitucional guarda coerência material com a nova Constituição, mas não

formal (incompatibilidade formal)? Como a recepção somente exige afinidade de conteúdo, a norma poderá ser recebida pela nova ordem, ainda que formalmente com ela incompatível.

(B) Objeto, ainda hoje, de grande discussão doutrinária é a identificação do fenômeno que se apresenta diante da incompatibilidade material entre as normas infraconstitucionais pretéritas e a nova Constituição. Teríamos, na hipótese, a não-recepção daquelas normas ou estas tornar-se-iam inconstitucionais de modo superveniente (teoria da inconstitucionalidade superveniente)?

Segundo o STF a solução não há de ser dada pela conclusão da inconstitucionalidade, pois o direito anterior material-mente incompatível simplesmente não será recebido, afinal o direito pátrio somente reconhece a inconstitucionalida-de quando originária, isto é, quando a norma é editada posteriormente ao texto constitucional e em desconformidade com ele, jamais quando a norma é anterior a ele.

(C) Como consequência direta das conclusões acima alcançadas, vale destacar que se as normas infraconstitucionais an-teriores não sofrem juízo de constitucionalidade/inconstitucionalidade perante o novo texto constitucional, não poderão ser objeto válido de ação direta de inconstitucionalidade ou mesmo de ação declaratória de constitucionalidade.

(D) Uma quarta questão que a teoria da recepção envolve refere-se à possibilidade de ela ter aplicabilidade também diante da edição de uma nova emenda constitucional. Não nos parece haver qualquer obstáculo.

(E) Questiona-se também se uma lei elaborada em desconformidade com as normas da Constituição em vigor quando da sua edição, mas cuja inconstitucionalidade nunca houvera sido declarada, pode ser recepcionada pelo novo documento constitucional, se com ele for compatível. Vale dizer: o fenômeno da recepção é capaz de corrigir a o vício que essa lei possui?

Em nossa percepção, se a lei contraria o texto da Constituição sob a égide da qual foi editada, ela possui um “defei-to”, uma “falha”, insanável. Marcada por esse vício incurável e impossível de ser remediado, a norma não poderia ser recepcionada, pois nem mesmo o fenômeno da recepção seria capaz de anular o defeito.

(F) Há mais um último ponto de interesse no estudo da teoria da recepção e este é concernente aos efeitos da decisão do STF que declara a recepção ou a não-recepção de um diploma infraconstitucional e anterior à norma cons-titucional eleita como parâmetro.

Recentemente o STF alterou seu posicionamento ao autorizar a modulação temporal de efeitos em um juízo de não recepção. No RE 600.885-RS, o Plenário da Corte reconheceu a exigência constitucional de edição de lei para o estabelecimento de limite de idade em concurso para ingresso nas Forças Armadas, mas determinou que os regula-mentos e editais que o prevejam vigorariam até 31 de dezembro do ano de 2011. Houve, pois, modulação temporal dos efeitos, de modo que a não recepção do art. 10 da Lei nº 6.880/1980 somente produziu efeitos em data futura, posterior àquela em que foi prolatada.

REPRISTINAÇÃO 3A repristinação ocorre quando uma norma revogada retoma sua produção de efeitos em razão da revogação da

norma que a revogou. No direito pátrio, todavia, essa ocorrência depende de previsão expressa, de forma que a norma revogada só volte a viger se a norma que revogou a revogadora assim enunciar expressamente.

Na repristinação tem-se a sucessão temporal de três atos normativos. O primeiro ("A") é efetivamente revogado pelo segundo ("B"); este, por sua vez, é igualmente revogado por um terceiro ("C"). Se o terceiro e último ato normativo nada disser a respeito, a simples revogação da norma revogadora ("B") não acarreta a retomada da produção de efeitos da primeira lei revogada ("A").

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Cap. 3 • DIREITO CONSTITUCIONAL INTERTEMPORAL 187

RECEPÇÃO MATERIAL DE NORMAS CONSTITUCIONAIS 4

A recepção material de normas constitucionais consiste na “persistência de normas constitucionais anteriores que guar-dam, se bem que a título secundário, a antiga qualidade de normas constitucionais”. Para ilustrar, temos o art. 34, ADCT.

A excepcionalidade do fenômeno exige, por óbvio, que a mantença das normas constitucionais anteriores no novo ordenamento tenha sido expressamente determinada pelo poder constituinte originário. Ademais, o perdurar dessas normas constitucionais anteriores no novo sistema constitucional é algo somente admissível se temporalmente limita-do, ou seja, em caráter precário.

6. QUESTÕES

6.1. Questões objetivas1. (MPE/SP/Promotor de Justiça/2011) É correto afirmar que a repristinação corresponde à(A) restauração da vigência de lei já revogada em razão de a lei revogadora haver perdido a vigência, fe-

nômeno que ocorre em nosso sistema jurídico, salvo expressa previsão legal, nos termos do previsto pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. A decisão de inconstitucionalidade, em sede de controle concentrado, por outro lado, ao declarar inconstitucional lei revogadora, como regra, restaura a vigência da legislação previamente existente.

(B) preservação das leis e atos normativos inferiores e anteriores à nova Constituição, fenômeno que ocor-re em nosso sistema jurídico, independentemente de previsão legal, decorrendo do regime constitucio-nal vigente. A decisão de inconstitucionalidade, em sede de controle concentrado, nesse caso, presta-se a afastar a vigência da legislação existente previamente à nova Constituição.

(C) restauração da vigência de lei já revogada em razão de a lei revogadora haver perdido a vigência, fe-nômeno que somente ocorre em nosso sistema jurídico mediante expressa previsão legal, nos termos do previsto pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Da mesma forma, a decisão de in-constitucionalidade, em sede de controle concentrado ao declarar inconstitucional lei revogadora, não restaura a vigência da legislação previamente existente.

(D) preservação das leis e atos normativos inferiores e anteriores à nova Constituição, fenômeno que ocorre em nosso sistema jurídico, independentemente de previsão legal, decorrendo do regime cons-titucional vigente. A decisão de inconstitucionalidade, em sede de controle concentrado, no caso dessas normas, somente é possível mediante arguição de descumprimento de preceito fundamental.

(E) restauração da vigência de lei já revogada em razão de a lei revogadora haver perdido a vigência, fenô-meno que somente ocorre em nosso sistema jurídico mediante expressa previsão legal, nos termos do previsto pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. A decisão de inconstitucionalidade, em sede de controle concentrado, por outro lado, ao declarar inconstitucional lei revogadora, como regra, restaura a vigência da legislação previamente existente.

2. (CESPE/Procurador/AL/ES/2011 – Adaptada) No que se refere à interpretação das normas constitu-cionais e ao poder constituinte originário e derivado, analise a assertiva abaixo.

– De acordo com a doutrina, determinada lei que perdeu a vigência em face da instauração de nova ordem constitucional terá sua eficácia automaticamente restaurada pelo advento de outra Consti-tuição, desde que com ela compatível, por se tratar de hipótese em que se admite a repristinação.

3. (CESPE/Juiz/TRF 1ªR/2011 – Adaptada) Acerca do poder constituinte, da CF e do ADCT, analise a as-sertiva abaixo.

– O poder constituinte originário dá início a nova ordem jurídica, e, nesse sentido, todos os diplomas infraconstitucionais perdem vigor com o advento da nova Constituição.

4. (CESPE/Delegado de Polícia Polícia Federal/2013) No que se refere à CF e ao Poder Constituinte origi-nário, julgue os itens subsequentes.

– A CF contempla hipótese configuradora do denominado fenômeno da recepção material das normas constitucionais, que consiste na possibilidade de a norma de uma constituição anterior ser recepciona-da pela nova constituição, com status de norma constitucional.

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MANUAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL – Nathalia Masson188

5. (CESPE/Juiz/TRF 1ªR/2009 – Adaptada) Analise o item seguinte, relativo aos poderes constituintes originário e derivado.

– O poder constituinte originário pode autorizar a incidência do fenômeno da desconstitucionalização, segundo o qual as normas da Constituição anterior, desde que compatíveis com a nova ordem constitu-cional, permanecem em vigor com status de norma infraconstitucional.

6. (FCC/Defensor Público/DPE/SP/2012 – Adaptada) A Constituição Federal de 1988, fruto do exercício do Poder Constituinte Originário, inaugurou nova ordem jurídico– constitucional. Sobre o relaciona-mento da Constituição Federal de 1988 com as ordens jurídicas pretéritas (constitucionais e infracons-titucionais) é correto afirmar:

(A) Normas infraconstitucionais anteriores à Constituição Federal de 1988, desde que compatíveis material e formalmente com a ordem constitucional atual, continuam válidas.

(B) De acordo com entendimento dominante no Supremo Tribunal Federal, os dispositivos da Constituição de 1967 (com as alterações da Emenda no 1 de 1969), que não forem contrários à Constituição Federal de 1988, continuam válidos, mas ocupam posição hierárquica infraconstitucional legal.

(C) Por força de norma expressa do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988, houve manutenção da aplicação de determinados dispositivos da Constituição de 1967

(D) A promulgação da Constituição Federal de 1988 revogou integralmente a Constituição de 1967 (com as alterações da Emenda no 1 de 1969), inexistindo, dada a incompatibilidade da ordem constitucional atual com o regime ditatorial anterior, possibilidade de recepção de dispositivos infraconstitucionais.

7. (CESPE/Analista Judiciário/TRE/MS/2013) Com relação às consequências da elaboração de uma nova Constituição para o ordenamento jurídico de um Estado e à hermenêutica do texto constitucional no Brasil, assinale a opção correta.

(A) A recepção material de normas constitucionais pretéritas é admitida pelo direito constitucional brasilei-ro, inclusive de forma tácita.

(B) A interpretação conforme a Constituição, além de princípio de hermenêutica constitucional, é técnica de decisão no controle de constitucionalidade.

(C) Com o advento de uma nova Constituição, toda a legislação infraconstitucional anterior torna-se inválida.

(D) Conforme o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), se uma lei anterior à Constituição não guarda compatibilidade material com esta, ocorre a inconstitucionalidade superveniente dessa lei.

(E) Somente possuem supremacia formal as normas constitucionais que se relacionam com os direitos fundamentais.

8. (CESPE/Defensor Público/DPE/RO/2012 – Adaptada) Analise a assertiva abaixo a respeito do poder constituinte e da ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

– Denomina-se repristinação o fenômeno pelo qual a Constituição nova recebe a ordem normativa in-fraconstitucional anterior, surgida sob égide das constituições precedentes, quando compatível com o novo ordenamento constitucional.

9. (TRT 23ªR/Juiz do Trabalho/2012 – Adaptada) Analise a proposição abaixo:

– Para que uma lei seja recepcionada pela nova Constituição é indispensável que haja compatibilidade formal e material.

10. (FUNIVERSA/Auditor Fiscal/SEPLAG/DF/2011) As constituições, como normatizadoras máximas de uma sociedade, nem sempre desfrutaram de um status hierarquicamente diferenciado. His-toricamente, é importante o conhecimento das experiências constitucionais europeia e norte-a-mericana. A respeito disso, tenha-se que, apesar de sua estruturação política ter-se dado muito após o ocorrido na Europa, os Estados Unidos da América foram precursores no reconhecimen-to de uma Constituição como vértice de todo o ordenamento jurídico positivo. No Brasil, há

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Cap. 3 • DIREITO CONSTITUCIONAL INTERTEMPORAL 189

características do constitucionalismo consolidado nos dois modelos acima mencionados. Isso posto, a respeito do poder constituinte aplicado ao caso brasileiro, analise as assertivas abaixo:

– Reconhece o Supremo Tribunal Federal que, se uma norma anterior ao texto constitucional não for compatível com a Constituição vigente, há revogação da norma que afronta o Texto Maior, e não caso de inconstitucionalidade superveniente.

– A Constituição Federal de 1988 determinou, expressamente, a recepção dos diplomas infraconstitucio-nais anteriores à sua promulgação que, com ela, materialmente não colidiam.

11. (CESPE/Analista Legislativo/Câmara dos Deputados/2014) À luz da doutrina atual relativa ao poder constituinte, julgue os itens a seguir.

– Com o advento de uma nova ordem constitucional, é possível que dispositivos da constituição anterior permaneçam em vigor com o status de leis infraconstitucionais, desde que haja norma constitucional expressa nesse sentido.

12. (CESPE/Procurador/TCE/PB/2014) Acerca de constituição, poder constituinte e princípios fundamen-tais, assinale a opção correta com base na jurisprudência do STF.

– Caso uma lei anterior à CF seja com ela incompatível, poderá ser recepcionada pela nova ordem, desde que, na época em que ela foi editada, fosse compatível com a Constituição então vigente.

13. (CESPE/Analista Legislativo/Câmara dos Deputados/2014) Em relação ao poder constituinte e ao di-reito intertemporal, julgue os itens que se seguem.

– Considere que lei editada sob a égide de determinada Constituição apresentasse inconstitucionali-dade formal, apesar de nunca de ter sido declarada inconstitucional. Nessa situação, com o adven-to de nova ordem constitucional, a referida lei não poderá ser recepcionada pela nova constituição, ainda que lhe seja materialmente compatível, dado o vício insanável de inconstitucionalidade.

14. (UFPR/Defensor Público/DPE/PR/2014 – Adaptada) Quanto ao âmbito da Teoria da Constituição, Normas Constitucionais no Tempo, Hermenêutica Constitucional e Preâmbulos Constitucionais, ana-lise a assertiva:

– A repristinação é o fenômeno pelo qual se permite que uma norma revogada possa voltar a viger em face da revogação da norma que a revogou. Neste sentido, entende-se que o ordenamento jurídico brasileiro, salvo disposição em contrário, não admite o efeito repristinatório. Afinal, lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a sua vigência, salvo se a ordem jurídica expressamente se pronunciar neste sentido. O mesmo ocorre no Direito Constitucional, em que se admite apenas a repristinação expressa.

15. (FMP/Defensor Público/DPE/PA/2015) Tendo em consideração o que se contém nas assertivas I e II, assinale a alternativa correta:

I – CF/88, Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, Art. 34, caput: “O sistema tributário na-cional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Cons-tituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação determinada pela Emenda n. 1, de 1969, e pelas posteriores”.

II – CF/88, Art. 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante politicas so-ciais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

(A) A hipótese contemplada na assertiva I corresponde, na teoria da Constituição, ao fenômeno denomi-nado inconstitucionalidade superveniente, enquanto o enunciado constante da assertiva II se trata de norma constitucional não autoaplicável instituidora de princípio programático.

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(B) A hipótese contemplada na assertiva I corresponde, na teoria da Constituição, ao fenômeno denomina-do desconstitucionalização, enquanto o enunciado constante da assertiva II se trata de norma constitu-cional não autoaplicável instituidora de princípio institutivo.

(C) A hipótese contemplada na assertiva I corresponde, na teoria da Constituição, ao fenômeno denomi-nado repristinação, enquanto o enunciado constante da assertiva II se trata de norma constitucional autoaplicável, de aplicabilidade imediata e eficácia plena.

(D) A hipótese contemplada na assertiva I corresponde, na teoria da Constituição, ao fenômeno denomina-do recepção material, enquanto o enunciado constante da assertiva II se trata de norma constitucional não autoaplicável instituidora de princípio programático.

(E) A hipótese contemplada na assertiva I corresponde, na teoria da Constituição, ao fenômeno denomina-do recepção material, enquanto o enunciado constante da assertiva II se trata de norma constitucional autoaplicável, de aplicabilidade imediata e eficácia contida.

6.2. Questões discursivas

1. (FGV/VII EXAME DE ORDEM UNIFICADO/2012) Renata, servidora pública estadual, ingressou no ser-viço público antes da edição da Constituição da República de 1988, e é regida pela Lei X, estatuto dos servidores públicos do Estado-membro.

Sobre a situação funcional de Renata, responda justificadamente:

(A) O que ocorrerá com a Lei X caso ela não tenha sido editada conforme os trâmites do processo legislativo previstos pela atual Constituição?

(B) Tendo em vista que Renata já estava inserida em um regime jurídico, é possível afirmar que a mesma tem direito adquirido a não ser atingida pela Constituição de 1988 no que tange à sua situação funcio-nal?

Gabarito questões objetivas

Gab Fundamentação legal, jurisprudencial ou doutrinária Onde encontro no livro?

1 E

a) O fenômeno da repristinação depende de previsão expressa. O fenômeno mencio-nado referente ao controle concentrado de constitucionalidade é intitulado “efeito re-pristinatório” e é tácito (ou automático)

a) Item 3

b) Trata-se do fenômeno da recepção b) Item 2

c) Trecho final equivocado em razão da existência do efeito repristinatório, próprio do controle concentrado de constitucionalidade

c) Item 3 e item 6.3.7. do cap. 17

d) Trata-se do fenômeno da recepção d) Item 2

e) Correto, a repristinação é um fenômeno legislativo previsto na Lei de introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB, art. 2º, § 3º) e ocorre quando uma norma revoga-da retoma sua produção de efeitos em razão da revogação da norma que a revogou. No direito pátrio, todavia, essa ocorrência depende de previsão expressa, de forma que a norma revogada só volte a viger se a norma que revogou a revogadora assim enunciar expressamente. Por outro lado, vale lembrar que o fenômeno decorrente da decisão de inconstitucionalidade, em sede de controle concentrado, é intitulado “efeito repristina-tório, algo diverso da repristinação, mas que a ela acabou assemelhado na questão – o que nos parece um equívoco da banca examinadora

e) Item 3 e item 6.3.7. do cap. 17

2 F Trata-se da teoria da recepção Item 2

3 F Com a entrada em vigor de uma nova Constituição, os diplomas normativos que com ela sejam materialmente compatíveis são recepcionados Item 2

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Cap. 3 • DIREITO CONSTITUCIONAL INTERTEMPORAL 191

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4 V

O art. 34, ADCT determina a permanência de artigos da Constituição pretérita com o mesmo status que possuíam no ordenamento jurídico anterior (isto é, de normas cons-titucionais), por um determinado período de tempo. Este é o fenômeno da recepção material de normas constitucionais que, por ser excepcional, exige que a mantença das normas constitucionais anteriores no novo ordenamento tenha sido expressamente determinada pelo poder constituinte originário e que seja temporária. A alternativa é, portanto, verdadeira

Item 4

5 V

O poder constituinte originário é um poder ilimitado, haja vista não se submeter ao regramento posto pelo direito precedente, sendo possuidor de ampla liberdade de conformação da nova ordem jurídica. Ele simplesmente pode decidir o que quiser e como quiser, o que nos encaminha para a seguinte conclusão: pode adotar a teoria da desconstitucionalização, se desejar e explicitá-la

Item 2 e item 6 do cap. 2

6 C

a) Errado, a recepção somente exige afinidade de conteúdo. A norma poderá ser rece-bida pela nova ordem jurídica, ainda que seja formalmente incompatível com ela, afinal a forma é regida pela lei da época do ato

a) Item 2

b) Errado, quando uma nova Constituição entra em vigor, o primeiro impacto sentido na ordem jurídica é a revogação completa e integral da Constituição pretérita. A asser-tiva somente seria válida se o poder originário houvesse adotado a teoria da descons-titucionalização

b) Item 2

c) Correto, tendo havido a chamada recepção material de normas constitucionais, um fenômeno precário (isto é, temporalmente limitado) no qual normas da Constituição pretérita continuam válidas e com o mesmo status de normas constitucionais – foi o que se passou com o art. 34 do ADCT

c) Item 4

d) Errado, as normas infraconstitucionais anteriores que eram materialmente compatí-veis com a nova ordem constitucional foram recepcionadas d) Item 2

7 B

a) Alternativa incorreta. A recepção material de normas constitucionais anteriores pode, excepcionalmente, acontecer; depende, todavia, de previsão expressa feita pelo poder constituinte originário e inserida no texto constitucional vigente

a) Item 4

b) Alternativa verdadeira. A interpretação conforme a Constituição prestigia o ideal de presunção de constitucionalidade das leis e opera a favor da conservação da norma legal, que não deve ser extirpada do ordenamento se a ela resta um sentido que se coaduna com a Constituição. Além de ser princípio hermenêutico é, também, técnica de decisão no controle de constitucionalidade

b) Item 5.2

c) A alternativa está equivocada, visto que os diplomas coerentes e conformes, no as-pecto material, com a nova Constituição, serão devidamente recepcionados, pois ad-quirirão um novo fundamento de validade (o novo texto constitucional)

c) Item 2

d) Item incorreto. No direito pátrio, atos anteriores à Constituição e que com o novo paradigma sejam materialmente incompatíveis são tidos por não recepcionados (ou revogados). Não se fala em inconstitucionalidade superveniente. Isso porque, no Brasil, só reconhecemos a inconstitucionalidade originária, em que a lei é posterior à norma constitucional eleita como parâmetro

d) Item 2, cap. 17

e) Assertiva falsa. Todas as normas inseridas no documento constitucional são formal-mente constitucionais (independentemente do conteúdo) e, portanto, dotadas de su-premacia

e) Item 1, cap. 17

8 F Errado, este fenômeno é o da recepção Item 2

9 FErrado, a recepção somente exige afinidade de conteúdo, a norma poderá ser recebida pela nova ordem, ainda que formalmente com ela incompatível, afinal a forma é regida pela lei vigente à época do ato

Item 2

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MANUAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL – Nathalia Masson192

Gab Fundamentação legal, jurisprudencial ou doutrinária Onde encontro no livro?

10

V ADI 02-DF, STF, relatada pelo Min. Paulo Brossard Item 2 e item 4.3 do cap. 17

F

Errado, a Constituição Federal não determinou expressamente a recepção dos diplo-mas infraconstitucionais anteriores a sua promulgação, a aplicação de referida teoria é tácita. Nesse sentido, os diplomas coerentes e conformes, no aspecto material, com a nova Constituição são considerados recepcionados

Item 2

11 V Assertiva verdadeira, pois o fenômeno da desconstitucionalização pode ser adotado, desde que de forma expressa Item 2

12 F Alternativa falsa, pois nenhuma norma incompatível materialmente com a CF/88 po-derá ser recepcionada Item 2

13 VAssertiva verdadeira, pois uma das condições para que haja recepção é justamente que a norma seja constitucional diante do documento que estava em vigor no momento de sua edição

Item 2

14 VAssertiva correta, pois tanto a definição feita de repristinação é adequada, quanto a determinação de que ela só existe no ordenamento jurídico brasileiro de forma ex-pressa

Item 3

15 D

O art. 34 do ADCT determina explicitamente, a permanência de artigos da Constituição pretérita, com o mesmo status que possuíam no ordenamento jurídico anterior (isto é, de normas constitucionais), por um determinado período de tempo. Representa, pois, o fenômeno da recepção material de normas constitucionais.

Quanto ao art. 196, CF, representa, de acordo com classificação doutrinária, norma constitucional não autoaplicável, instituidora de princípio programático (norma pro-gramática)

Item 4 e item 4.2 do capítulo 1

Gabarito questões discursivas

Item Fundamentação legal, jurisprudencial ou doutrinária Onde encontro no livro?

1

A

O candidato deve indicar na resposta que Renata continuará sendo regida pela lei X, pois esta não é formalmente inconstitucional. Isso porque quando nova Constituição é editada, somente são consideradas não recepcionadas as normas que contenham incompatibilidade material com a mesma, vale dizer, a incompatibilidade analisada é a de conteúdo e não de forma, que é regida pelo princípio do tempus regit actum

Item 2

B

Para responder ao questionamento o candidato deve apresentar os seguintes argu-mentos:

– não é possível a oposição do direito adquirido em face de uma nova Constituição;

– a Constituição é o fundamento de validade de toda ordem jurídica, de forma que todas as normas (como é o caso da Lei X citada na questão) existentes no regime constitucional anterior, se forem materialmente incompatíveis com a nova Consti-tuição, ficam revogadas, salvo disposição expressa da Constituição nova;

– ademais, há reiterada jurisprudência do STF no sentido de inexistir direito adquirido a regime jurídico

Item 2