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2021 Manual de Direito Constitucional Nathalia Masson 9 ª Edição revista atualizada ampliada

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2021

Manual de Direito Constitucional

Nathalia Masson

9ªEdição

revistaatualizadaampliada

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Capítulo

1TEORIA

DA CONSTITUIÇÃO

SUMÁRIO • 1. Introdução. 1.1. Constituição: conceito; 1.2. Constituição: estrutura; 1.3. Direito Cons-titucional; 1.4. Constitucionalismo; 2. Concepções de Constituição: 2.1. Introdução; 2.2. Constituição sob o prisma sociológico; 2.3. Constituição sob o aspecto político; 2.4. Constituição em sentido ju-rídico; 2.5. Concepção culturalista da Constituição (a busca por alguma conexão entre os sentidos anteriormente apresentados). 3. Classificação das Constituições: 3.1. Quanto à origem; 3.2. Quanto à estabilidade (mutabilidade ou processo de modificação); 3.3. Quanto à forma; 3.4. Quanto ao modo de elaboração; 3.5. Quanto à extensão; 3.6. Quanto ao conteúdo; 3.7. Quanto à finalidade; 3.8. Quan-to à interpretação; 3.9. Quanto à correspondência com a realidade = critério ontológico; 3.10. Quan-to à ideologia (ou quanto à dogmática); 3.11. Quanto à unidade documental (quanto à sistemática); 3.12. Quanto ao sistema; 3.13. Quanto ao local da decretação; 3.14. Quanto ao papel da Constituição (ou função desempenhada pela Constituição); 3.15. Quanto ao conteúdo ideológico (ou quanto ao ob-jeto); 3.16. Outras classificações. 4. Aplicabilidade das Normas Constitucionais: 4.1. Introdução; 4.2. A classificação de José Afonso da Silva; 4.3. A classificação de Maria Helena Diniz; 4.4. A classificação de Uadi Lammêgo Bulos; 4.5. Críticas. 5. Princípios instrumentais de interpretação da Constituição e das leis: 5.1. Princípio da supremacia da Constituição; 5.2. Princípio da interpretação conforme a Constituição; 5.3. Princípio da presunção de constitucionalidade das leis; 5.4. Princípio da unidade da Constituição; 5.5. Princípio da força normativa; 5.6. Princípio do efeito integrador; 5.7. Princípio da concordância prática ou harmonização; 5.8. Princípio da máxima efetividade ou da eficiência (in-tervenção efetiva); 5.9. Princípio da conformidade funcional ou justeza. 6. Elementos da Constituição. 7. Breve histórico das Constituições Brasileiras. 8. Quadro sinótico. 9. Questões: 9.1. Questões objeti-vas; 9.2. Questões discursivas; Gabarito – questões objetivas; Gabarito – questões discursivas.

1. INTRODUÇÃO

1.1. Constituição: conceitoO vocábulo “Constituição” tem no verbo latino

constituere sua origem etimológica e sua conformação semântica, vez que o mesmo exterioriza o ideal de constituir, criar, delimitar abalizar, demarcar1. O termo exprime, pois, o intuito de organizar e de conformar seres, entidades, organismos.

É nessa acepção que se pode considerar a Consti-tuição enquanto o conjunto de normas fundamentais e supremas, que podem ser escritas ou não, res-ponsáveis pela criação, estruturação e organização político-jurídica de um Estado.

1. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 27.

De acordo com Georges Burdeau2, a Constituição é o Estatuto do Poder, garantidora da transformação do Estado – até então entidade abstrata – em um poder institucionalizado. É o que permite a mudança de perspectiva que ocasiona o abandono do clássico pen-samento de sujeição absoluta às imposições pessoais de governantes, para a obediência voltada a uma entidade (Estado), regida por um documento: a Constituição.

Torna-se, pois, a Constituição, um documento essencial, imprescindível. Todo Estado a possui. Por-que todo Estado precisa estar devidamente confor-mado, com seus elementos essenciais organizados, com o modo de aquisição e o exercício do poder delimitados, com sua forma de Governo e Estado definidas, seus órgãos estabelecidos, suas limitações

2. BURDEAU, Georges. Droit constitutionnel et institutions politiques. 7ª ed. Paris: Générale de Droit et de Jurisprudence, 1965.

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fixadas, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias asseguradas. Note que o art. 16, da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (da Revolução Francesa, de 1789) reforça este entendimento, ao prever que: “Toda sociedade na qual não está assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes, não tem constituição”.

Em suma, a Constituição é a reunião das normas que organizam os elementos constitutivos do Estado3.

Ressalte-se, todavia, estarem o termo “Constitui-ção” e sua conceituação permanentemente em crise4, já que os estudiosos não acordam quanto a uma defi-nição, existindo uma pluralidade de concepções que fornecem noções acerca do assunto. Não se espera, no entanto, que algum dia seja diferente. Como Consti-tuições são organismos vivos5, documentos receptivos aos influxos da passagem do tempo, em constante diálogo com a dinâmica social, sempre haverá alguma dificuldade em sua delimitação, haja vista sua mutação

3. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 28ª ed. Malheiros, 2006, p. 38.

4. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 27.

5. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 27.

constante, seu caráter aberto e comunicativo com outros sistemas.

No entanto, apesar de na doutrina encontrarmos vários e diferentes conceitos para o termo “Constitui-ção”, quero lhe mostrar, neste início do nosso Manual, um muito importante, de um autor português respeita-díssimo no mundo todo, que é J.J. Gomes Canotilho. Segundo ele, uma constituição ideal deve conter os seguintes elementos:

a) deve ser escrita;

b) deve possuir um conjunto de direitos e ga-rantias individuais;

c) deve estabelecer expressamente o princípio da separação dos poderes;

d) deve adotar um sistema democrático for-mal.

Sequenciando nossa análise, lembre-se que em razão de a Constituição tratar dos assuntos mais importantes do Estado, ela ocupa no ordenamento jurídico uma posição diferenciada. Destarte, quando você imaginar o conjunto de normas (leis, medidas provisórias, decretos...) que temos em nosso país, não as visualize de forma espalhada e bagunçada! Nosso ordenamento jurídico é muito organizado e poderia ser visualmente ilustrado da seguinte maneira:

Constituição Federal

Decretos Regulamentares; Instruções normativas; Portarias ...

Leis (complementares, ordinárias, delegadas); Resoluções; Decretos

legislativos e Medidas provisórias

Essa estrutura é conhecida como “pirâmide de Kelsen” (Hans Kelsen é um dos juristas mais importantes da história da Teoria do Direito, tendo escrito em 1934 uma obra que é referência mundial no assunto, chamada “Teoria Pura do Direito”). Ela foi pensada pelo professor austríaco para explicitar

a ideia de que existe hierarquia entre as normas que integram o ordenamento jurídico, vale dizer, as normas não têm a mesma importância e, por isso, não podem ser colocadas no mesmo patamar (no mesmo plano). Assim, existirão normas que serão superiores e normas que serão inferiores. As inferiores são consideradas

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Cap. 1 • TEORIA DA CONSTITUIÇÃO

(iv) continuidade - Sabemos que os documen-tos constitucionais não podem ser imu-táveis, sob pena de perderem completa-mente a identidade com a realidade (tão dinâmica e mutante) que eles pretendem normatizar. Por isso, a previsão de um mecanismo de alteração da Constituição é esperada. No entanto, tais modificações não podem abalar o projeto básico daque-le documento, esfarelando sua identidade ou causando uma descontinuidade lógica. Nesse contexto, vale frisar que os direitos já consagrados constitucionalmente de-vem ser resguardados e protegidos contra tentativas de afastamento, bem como de-vem ser continuamente aprimorados.

(v) participação - Quanto à participação po-pular, Dromi vislumbra sua essenciali-dade, na tentativa de sublimar o apático

comportamento dos indivíduos diante da vida política do Estado. O cidadão deve ser, portanto, incluído, de modo a atuar efetiva-mente para consagrar uma real democracia participativa e o Estado Democrático de Direito.

(vi) integração - Os documentos constitucionais do futuro devem buscar meios que permitam uma integração espiritual, moral, ética e insti-tucional entre os povos. O constitucionalismo adquirirá, portanto, caráter transnacional.

(vii) universalidade - No intuito de pre-servar a dignidade da pessoa como vetor uni-versal, preocupa-se o constitucionalismo do futuro com a universalização dos direitos fun-damentais para todos os povos.

Pois bem, esforçado leitor. Agora que já estuda-mos esse ponto importante da matéria, vale apresentar, em finalização ao tópico, um esquema:

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2. CONCEPÇÕES DE CONSTITUIÇÃO

2.1. IntroduçãoPartindo da premissa de que a definição precisa

do vocábulo “Constituição” é tarefa árdua, eis que o termo se presta a mais de um sentido, reconhece-se uma gama variada de concepções que tencionaram desvendá-lo, cada qual construída a partir de uma distinta forma de entender e explicar o Direito. Em que pese serem todas muito diversas e possuírem bases teóricas muitas vezes opostas, são de grande valia doutrinária, pois foram possivelmente adequa-das em algum momento histórico (ou segundo um específico prisma de análise) e fornecem os elemen-tos para a síntese dialética que o constitucionalismo contemporâneo oferta hoje.

Far-se-á referência, nos itens seguintes, aos sen-tidos e as concepções de maior repercussão que disputam a conceituação adequada do termo.

2.2. Constituição sob o prisma sociológicoAo conceito sociológico associa-se o alemão

Ferdinand Lassalle que, em sua obra “A essência da Constituição”, sustentou que esta seria o produto da soma dos fatores reais de poder que regem a sociedade.

Segundo esta concepção, a Constituição é um reflexo das relações de poder vigentes em determinada comunidade política. Assemelhada a um sistema de poder, seus contornos são definidos pelas forças políti-cas, econômicas e sociais atuantes e pela maneira como o poder está distribuído entre os diferentes atores do processo político. Isso significa que Constituição real (ou efetiva) é, para o autor, o resultado desse embate de forças vigentes no tecido social.

Oposta a esta, tem-se a Constituição escrita (ou jurídica) que, ao incorporar num texto escrito esses fatores reais de poder, os converte em instituições jurídicas. Todavia, essa Constituição escrita não passa de um mero “pedaço de papel”, sem força diante da Constituição real, que seria a soma dos fatores reais de poder, isto é, das forças que atuam para conservar as instituições jurídicas vigentes.

Como num eventual embate entre o texto es-crito e os fatores reais de poder estes últimos sempre prevalecerão, deverá a Constituição escrita sempre se manter em consonância com a realidade, pois, do contrário, será esmagada (como uma simples “folha

de papel”) pela sua incompatibilidade com o que vige na sociedade.

O autor exemplifica a essencial consonância entre o texto escrito e a realidade fática com uma interessante metáfora:

Podem os meus ouvintes plantar no seu quintal uma ma-cieira e segurar no seu tronco um papel que diga: “Esta árvore é uma figueira”. Bastará esse papel para transfor-mar em figueira o que é macieira? Não, naturalmente. E embora conseguissem que seus criados, vizinhos e co-nhecidos, por uma razão de solidariedade, confirmassem a inscrição existente na árvore de que o pé plantado era uma figueira, a planta continuaria sendo o que realmen-te era e, quando desse frutos, destruiriam estes a fábula, produzindo maçãs e não figos.8

Por outro lado, quando há inequívoca correspon-dência entre a Constituição real e a escrita, estaremos diante de uma situação ideal, em que a Constituição é compatível com a realidade que ela pretende nor-matizar. Deste modo, para Ferdinand Lassalle, só é eficaz aquela Constituição que corresponda aos valores presentes na sociedade.

2.3. Constituição sob o aspecto políticoA percepção de Carl Schmitt, elaborada na clás-

sica obra “Teoria da Constituição”, ventila um novo olhar sobre o modo de se compreender a Constituição: não mais arraigada à distribuição de forças na comu-nidade política, agora a Constituição corresponde à “decisão política fundamental” que o Poder Cons-tituinte reconhece e pronuncia ao impor uma nova existência política.

Sob o prisma político, portanto, pouco interessa se a Constituição corresponde ou não aos fatores reais de poder, o importante é que ela se apresente enquanto o produto de uma decisão de vontade que se impõe, que ela resulte de uma decisão política fundamental oriunda de um Poder Constituinte capaz de criar uma existência política concreta, tendo por base uma normatividade escolhida.

Para o autor, a compreensão do vocábulo “Cons-tituição” passa ainda pela aceitação de que o docu-mento constitucional é um conjunto de normas que não estão conectadas por nenhuma unidade lógica. Os dispositivos só se assemelham no aspecto formal, pois estão todos inseridos num mesmo documento e não podem ser alterados por lei ordinária; sob o

8. FERDINAND, Lassalle. A Essência da Constituição. 9ª ed. Brasília: Lumen Juris, 2009, p. 21.

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Cap. 1 • TEORIA DA CONSTITUIÇÃO

ponto de vista material os dispositivos integrantes da Constituição variam: enquanto uns são cruciais para a comunidade (porque referem-se à estruturação do Estado ou aos direitos fundamentais), outros só estão ali para se protegerem de uma modificação por lei or-dinária, pois não trazem conteúdo de grande relevância jurídica e política.

A leitura que o autor faz dessa diversidade de nor-mas na Constituição cria uma dicotomia que as divide em “constitucionais” (aquelas normas vinculadas à decisão política fundamental) e em “leis constitucio-nais” (aquelas que muito embora integrem o texto da Constituição, sejam absolutamente dispensáveis por não comporem a decisão política fundamental daquele Estado).

Desta forma, constitucionais são somente aquelas normas que fazem referência à decisão política fun-damental, constituindo o que hoje denominamos de “normas materialmente constitucionais”. Todos os demais dispositivos inseridos na Constituição, mas estranhos a esses temas, são meramente leis constitucionais, isto é, nos dizeres atuais: somente formalmente constitucionais.

2.4. Constituição em sentido jurídicoNa percepção jurídica a Constituição se apresenta

enquanto norma superior, de obediência obrigatória e que fundamenta e dá validade a todo o restante do ordenamento jurídico.

Esta concepção foi construída a partir das teses do mestre austríaco Hans Kelsen, que se tornou mundialmente conhecido como o autor da Teoria Pura do Direito. Observe-se, porém, que a teoria pura não é somente o título de uma obra e sim de um empreendimento que tencionava livrar o Direito de elementos estranhos a uma leitura jurídica de seu objeto – isto é, visava desconsiderar a influência de outros campos do conhecimento como o político, o social, o econômico, o ético e o psicológico, uma vez que estes em nada contribuíam para a descrição das normas jurídicas – possibilitando que o Direito se elevasse à posição de verdadeira ciência jurídica.

Kelsen estruturou o ordenamento de forma estri-tamente jurídica, baseando-se na constatação de que toda norma retira sua validade de outra que lhe é imediatamente superior.

Segundo o autor, no mundo das normas jurí-dicas uma norma só pode receber validade de outra, de modo que a ordem jurídica sempre se apresente estruturada em normas superiores fundantes – que

regulam a criação das normas inferiores – e normas inferiores fundadas – aquelas que tiveram a criação regulada por uma norma superior.

Essa relação de validade culmina em um escalo-namento hierárquico do sistema jurídico, uma vez que as normas nunca estarão lado a lado, ao contrário, apresentarão posicionamentos diferenciados em graus inferiores e superiores.

Para exemplificar sua teoria, Kelsen sugere que partamos de um fenômeno jurídico individual, como uma sentença. Acaso se pergunte por que a mesma é obedecida, o autor soluciona a questão remetendo o questionador ao código que autoriza ao juiz decidir o caso através da prolação da decisão – já que o código funciona como norma superior fundante que confere validade jurídica à sentença.

Mas a esta pode seguir-se outra pergunta, relativa à razão de o código ser válido. Por mais uma vez Kel-sen nos remete a norma superior que dá validade ao código: o legislador está devidamente autorizado pela Constituição a editar as leis; deste modo, ao fazê-lo, está obedecendo a Constituição.

Esta última, todavia, também compõe o sistema normativo e, como todas as outras normas, depende que algo lhe confira validade: se uma norma somente adquire tal status a partir de uma outra norma, será preciso admitir que existe uma norma fundamentando a Constituição9.

Pode ser que a atual Constituição vigente em determinado Estado tenha sido criada mediante uma lei autorizada pela Constituição anterior, retirando sua validade deste documento. Mas este último também pode ter sua validade questionada e assim sucessiva-mente, até se chegar à primeira Constituição daquele Estado, provavelmente criada através da emancipação de um Estado frente a outro – revolução ou declaração de independência.

Ainda assim, frente a essa primeira Constituição (que não esteja em disputa e seja, portanto, eficaz10), a questão da validade permaneceria imperiosa, prin-

9. SGARBI, Adrian. Hans Kelsen. Ensaios Introdutórios. 1ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 13.

10. Para nosso autor a Constituição deixa de ser considerada em disputa e torna-se globalmente eficaz quando as normas estão sendo obedecidas, isto é, servindo de parâmetro para as condutas, ou quan-do as normas não são devidamente observadas, mas os funcionários estão efetivamente punindo, através da aplicação de sanções, aqueles transgressores.

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cipalmente porque se não for devidamente resolvida, toda a cadeia de fundamentação deixa de fazer sentido: afinal, acaso se perca o fundamento da Constituição, esta não estará apta a validar mais nada, os códigos per-deriam seu suporte e, por conseguinte, os atos que nele se fundamentam também. O sistema desmoronaria.

Essa cadeia de validade ou hierarquia do Direito deve, portanto, encontrar um ponto final sob pena de se chegar ao infinito, já que toda norma dependerá de uma superior e assim indefinidamente.

A busca por esse último alicerce da ordem nor-mativa levou Kelsen a construir a teoria da norma fundamental, que irá justificar a validade objetiva de determinada ordem jurídica positiva. Chega-se a esta norma básica quando não se admite um único passo para trás na cadeia de validade jurídica, pois ela será a norma superior por excelência, única a não depender de outra que lhe dê suporte.

E esta independência é característica que decorre do próprio sentido que ela possui: não é um docu-mento factual, mas sim algo pressuposto. Kelsen explica melhor:

A norma que representa o fundamento de validade de uma outra norma é, em face desta, uma norma superior. Mas a indagação do fundamento de validade de uma norma não pode, tal como a investigação da causa de um determi-nado efeito, perder-se no interminável. Tem de terminar numa norma que se pressupõe como a última e a mais ele-vada. Como norma mais elevada, ela tem de ser pressupos-ta, visto que não pode ser posta por uma autoridade, cuja competência teria de se fundar numa norma ainda mais elevada. [...] Uma tal norma, pressuposta como a mais elevada, será aqui designada como norma fundamental. [...] Todas as normas cuja validade pode ser reconduzida a uma e mesma norma fundamental formam um sistema de normas, uma ordem normativa. A norma fundamental é a fonte comum da validade de todas as normas pertencentes a uma e mesma ordem normativa, o seu fundamento de validade comum (grifo nosso)11.

Ao se valer, pois, dessa pressuposição – de que há uma norma básica, através da qual todas as outras podem ser identificadas numa sequência de atribui-ção de validade –, Kelsen demonstrou se submeter à influência de Kant no que diz respeito a aceitação de que em todo ramo do conhecimento haverá de se reconhecer alguma pressuposição12.

11. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 217.

12. “Segundo Kant, o trabalho de se encontrar os elementos univer-sais do conhecimento não se dá sem alguma pressuposição, através da

Para finalizar a análise da concepção jurídica, deve-se dizer ainda que foram desenvolvidos dois sentidos para o vocábulo “Constituição”:

(i) no primeiro, lógico-jurídico, “Constituição” significa a “norma fundamental hipotética”, que não é posta, mas sim pressuposta, e que positiva apenas o comando “obedeçam a Constituição positiva”;

(ii) o segundo, jurídico-positivo, traz “Consti-tuição” como norma positiva suprema, que funda-menta e dá validade a todo o ordenamento jurídico, somente podendo ser alterada se obedecidos ritos específicos.

Em conclusão, a concepção puramente normativa da Constituição não considera se o documento cons-titucional é estabelecido por alguma vontade política, tampouco se reflete fielmente os fatores reais de poder que regem a sociedade. Ao contrário, vê a Constituição enquanto um conjunto de normas jurídicas prescriti-vas de condutas humanas, devidamente estruturadas e hierarquizadas num ordenamento escalonado, que encontra seu fundamento de validade definitivo e úl-timo na norma fundamental, ponto de convergência de todas as normas integrantes do sistema jurídico e fundamento de validade transcendental de toda a estrutura normativa.

2.5. Concepção culturalista da Constituição (a busca por alguma conexão entre os sentidos anteriormente apresentados)Esta acepção desenvolve-se a partir da considera-

ção de que a Constituição é um produto da cultura, pois assim como a cultura é o resultado da atividade criativa humana, o Direito também o é.

Para esta concepção, a Constituição se fundamen-ta simultaneamente em fatores sociais, nas decisões políticas fundamentais (frutos da vontade política do poder constituinte) e também nas normas jurídicas de dever ser cogentes. Com isso, congrega todas as concepções anteriores, criando o ambiente jurídico favorável ao surgimento de uma Constituição total, com aspectos econômicos, morais, sociológicos, filo-sóficos e jurídicos reunidos com o fito de construir uma unidade para a Constituição.

Esse conceito de Constituição total agrega, numa mesma e unitária perspectiva, variados

qual todo o resto obtém sentido” (SGARBI, Adrian. Teoria do Direito. 1ª ed. Brasília: Lumen Juris, 2007, p. 48).

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passaram a ser eleitos indiretamente, o que evidenciou um novo enfraquecimento da Federação e a consequente centralização política no âmbito da União.

A ordem constitucional outorgada também previa a possibilidade de suspensão dos direitos políticos, na hipótese de abuso de direitos individuais, como da liberdade de expressão, de reunião e de associação (art. 151, parágrafo único), além de estender à Justiça Militar a competência para julgar civis pela prática de crimes contra a segurança interna ou contra as insti-tuições militares (art. 173, caput).

A primeira emenda feita à Constituição de 1967 acabou por alterá-la por completo. Em razão disso, a maioria da doutrina se filia à ideia de que a Emen-da Constitucional nº 1 de 1969 (de 17.10.1969, com entrada em vigor em 30.10.1969) foi utiliza-da como mecanismo de outorga de um novo texto constitucional, o qual, embora reafirmasse parte dos dispositivos da Carta de 1967, introduziu alterações significativas para o sistema constitucional. Em linhas

gerais: fortaleceu ainda mais a figura do Presidente da República; alargou as hipóteses autorizadoras da suspensão dos direitos políticos; além de estabelecer as penas de morte, de prisão perpétua, de banimento ou confisco, nos casos de guerra “psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva, nos termos que a lei determinar” (art. 153, § 11).

Conquanto o documento de 1969 tenha mantido, sob o aspecto formal, nossa condição jurídica de Esta-do Democrático de Direito, em verdade, a exacerbação dos poderes previstos ao Presidente da República, assim como as inúmeras hipóteses de suspensão de direitos individuais, faziam com que essa locução não passasse de uma quimera.

Por último, insta registrar que a EC 26, de 27.11.1985, convocou a Assembleia Nacional Cons-tituinte que, entre fevereiro de 1987 a outubro de 1988, confeccionou o texto constitucional vigente, do qual esta obra, precipuamente, se ocupa.

8. QUADRO SINÓTICO

CAPÍTULO 1 – TEORIA DA CONSTITUIÇÃO

INTRODUÇÃO 1

Pode-se considerar a Constituição enquanto o conjunto de normas fundamentais e supremas, que podem ser escritas ou não, responsáveis pela criação, estruturação e organização político-jurídica de um Estado.A Constituição é um documento essencial, imprescindível. Todo Estado a possui, porque todo Estado precisa estar devidamente conformado, com seus elementos essenciais organizados, com o modo de aquisição e o exercício do poder delimitados, com sua forma de Governo e Estado definidas, seus órgãos estabeleci-dos, suas limitações fixadas, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias asseguradas.

CONCEPÇÕES DE CONSTITUIÇÃO 2

Constituição: Conceito

O vocábulo “Constituição” tem no verbo latino constituere sua origem etimológica e sua conformação semântica, vez que o mesmo exterioriza o ideal de constituir, criar, delimitar abalizar, demarcar. O termo exprime, pois, o intuito de organizar e de conformar seres, entidades, organismos.É nessa acepção que se pode considerar a Constituição enquanto o conjunto de normas fundamentais e supremas, que podem ser escritas ou não, responsáveis pela criação, estruturação e organização político-jurídica de um Estado.Lembre-se que em razão de a Constituição tratar dos assuntos mais importan-tes do Estado, ela ocupa no ordenamento jurídico uma posição diferenciada. A Constituição trata dos assuntos mais importantes do Estado, por isso ela ocupa no ordenamento jurídico uma posição diferenciada, de superioridade.Nossa Constituição Federal de 1988 foi elaborada pelo chamado “Poder Cons-tituinte Originário” e promulgada em 05/10/1988.Em nossa Constituição existem normas constitucionais que são originárias (pois estão no texto constitucional desde 5/10/1988) e normas constitucionais que são derivadas, que foram sendo inseridas ao longo das últimas três décadas. Mas repare: pouco importa se a norma constitucional é originária ou derivada, ela é constitucional e, por isso, situa-se no topo da pirâmide de Kelsen, no ponto mais alto do ordenamento jurídico. Isso significa que não há hierarquia entre normas constitucionais originárias e normas constitucionais derivadas, já que, rigorosamente, todas as normas consti-tucionais estão no mesmo plano, se situam no mesmo patamar.

1.1

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Cap. 1 • TEORIA DA CONSTITUIÇÃO

Constituição: Estrutura

Saiba que, estruturalmente, nossa Constituição pode ser dividida em três partes: (i) preâmbulo;(ii) parte permanente (ou parte dogmática) e (iii) ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).

1.2

Direito Constitucional

Quanto ao Direito Constitucional, é um dos ramos do Direito Público, a matriz que fundamenta e orienta todo o ordenamento jurídico. Surgiu com os ideais liberais atentando-se, a princípio, para a organização estrutural do Estado, o exercício e transmissão do poder e a enumeração de direitos e garantias fundamentais dos indivíduos. Atualmente, preocupa-se não somente com a limitação do poder estatal na esfera particular, mas também com a finalidade das ações estatais e a ordem social, democrática e política.Em uma análise pormenorizada, pode-se estudar o Direito Constitucional tendo por base três perspectivas distintas: o Direito Constitucional geral, o Direito Constitucional especial e o Direito Constitucional comparado.

1.3

Constituciona-lismo

(A) Noções Introdutórias: De início, é crucial que você recorde que a Constituição possui uma importância central para a proteção dos direitos e das garantias individuais e é o documento jurídico mais adequado para estruturar e organizar o sistema de poder de um Estado. No entanto, saiba que essa leitura de que “Constituição” e “Estado” são ideias que caminham juntas é recente e tem sua raiz histórica nas revoluções americana e francesa da era moderna (final do século XVIII).Por esta razão, o termo “Constitucionalismo” com frequência aparece relacio-nado às ideias de limitação do poder estatal (antiabsolutismo) e aos processos revolucionários liberais norte-americano (1787) e francês (1791), muito embora os primeiros movimentos de organização da sociedade com mecanismos de limitação do poder político possuam raízes mais antigas, lá na Antiguidade e na Idade Média.(B) Constitucionalismo Antigo:- Povo Hebreu: organizados politicamente em um regime teocrático, no qual os detentores do poder eram limitados por dogmas religiosos (“leis divinas”).- Grécia: Ampla participação dos governados no processo político-decisório (democracia direta).- Roma: Valorização do indivíduo; desenvolvimento do direito privado contratual; embrião da separação de poderes.(C) Constitucionalismo Medieval:Simbolizado pela Magna Carta, celebrada pelo Rei João Sem Terra e a nobreza, em 1215, cujo intuito era limitar o poder monárquico.(D) Constitucionalismo Moderno (Liberal-burguês):Seu marco central são as revoluções liberais do final do século XVIII (EUA, 1776, e França, 1789). Promulgação das primeiras constituições escritas, com limitação dos governantes e afirmação de direitos políticos e individuais dos cidadãos.

1.4

Introdução

Partindo da premissa de que a definição precisa do vocábulo “Constituição” é tarefa árdua, eis que o termo se presta a mais de um sentido, reconhece-se uma gama variada de concepções. Far-se-á referência, nos itens seguintes, aos sentidos e as concepções de maior repercussão que disputam a conceituação adequada do termo.

2.1

Constituição sob o prisma sociológico

Ao conceito sociológico associa-se o alemão Ferdinand Lassalle que sustentou que a Constituição seria o produto da soma dos fatores reais de poder que regem a sociedade.

2.2

Constituição sob o aspecto político

A percepção de Carl Schmitt ventila um novo olhar sobre o modo de se compreen-der a Constituição: não mais arraigada à distribuição de forças na comunidade política, agora a Constituição corresponde à “decisão política fundamental” que o poder constituinte reconhece e pronuncia ao impor uma nova existência política.

2.3

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60

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Constituição em sentido jurídico

Na percepção jurídica, a Constituição se apresenta enquanto norma superior, de obediência obrigatória, que fundamenta e dá validade a todo o restante do ordenamento jurídico.Esta concepção foi construída a partir das teses do mestre austríaco Hans Kelsen, que estruturou o ordenamento de forma estritamente jurídica, baseando-se na constatação de que toda norma retira sua validade de outra que lhe é imediatamente superior.

2.4

Concepção culturalista (a

busca por alguma conexão entre

os sentidos anteriormente apresentados)

Esta acepção desenvolve-se a partir da consideração de que a Constituição é um produto da cultura, pois assim como a cultura é o resultado da atividade criativa humana, o Direito também o é.Para esta concepção, a Constituição se fundamenta simultaneamente em fatores sociais, nas decisões políticas fundamentais (frutos da vontade política do poder constituinte) e também nas normas jurídicas de dever ser cogentes.

2.5

CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES 3

Não de maneira uníssona, a doutrina apresenta variados critérios tipológicos, alguns meramente formais, outros pretensamente substanciais para classificar as Constituições. Analisaremos, a seguir, os considerados tradicionais e úteis à compreensão do tema.

Quanto à origem

Democrática

Igualmente denominada promulgada, popular ou votada, esta Constituição tem seu texto construído por intermédio da participação do povo, de modo direto ou indireto (por meio de representantes eleitos).

3.1

Outorgada

Considera-se outorgada (ou imposta, ditatorial, autocrática e carta constitucional) a Constituição que é construída e estabelecida sem qualquer resquício de participação po-pular, sendo imposta aos nacionais como resultado de um ato unilateral do governante. O povo não participa do seu processo de formação, sequer indiretamente.

Cesarista

Similarmente à outorgada, a Constituição intitulada cesarista tem seu texto elaborado sem a participação do povo. No entanto, e diferentemente daquela, para entrar em vigor dependerá de aprovação popular que a ratifique depois de pronta.Não nos parece um texto democrático porque a parti-cipação popular se dá apenas formalmente, através da concordância popular a um documento já pronto, sem possibilidade de inserção de conteúdo novo. 3.1

Dualistas (ou convencionadas)

Também intituladas pactuadas, as Constituições dualistas – absolutamente antiquadas em face do constitucionalis-mo contemporâneo – são formadas por textos constitu-cionais que nascem do instável compromisso entre forças opositoras, no caso entre o monarca e o Poder Legislativo (representação popular), de forma que o texto constitu-cional se constitua alicerçado simultaneamente em dois princípios antagônicos: o monárquico e o democrático.

Quanto à estabili-dade (mutabilida-de ou processo de

modificação)

Imutável

Reconhecida também pelos termos “granítica”, “intocá-vel” e “permanente”, é uma Constituição dotada de uma fantasiosa pretensão à eternidade. Não permite qualquer mudança de seu texto, pois não prevê procedimento de reforma, e baseia-se na crença de que não há órgão cons-tituído com legitimidade suficiente para efetivar alterações num texto criado por uma “entidade suprema e superior”.

3.2

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Cap. 1 • TEORIA DA CONSTITUIÇÃO

CONSTITUIÇÃO DE 1946

Elaborada por uma Assembleia Constituinte, reunida em 4 de fevereiro de 1946 e composta por representantes eleitos pelo povo, foi promulgada em 18 de setembro de 1946 a nova Carta Constitucional, responsável pela renovação democrática do país, reestabelecendo as eleições diretas para os membros do Executivo e do Legislativo e restituindo o equilíbrio entre os três Poderes.O Poder Executivo, indiscutível protagonista na vigência da Carta anterior, passa a ter seus poderes limitados, prevendo-se, inclusive, a possibilidade de respon-sabilização do Presidente da República pelos seus atos.O Poder Legislativo retoma à condição estrutural bicameral (no âmbito federal), voltando o Senado a ser uma das Casas do Congresso e tendo recebido, inclu-sive, a significativa competência para julgar o Presidente da República e outras autoridades pela prática de crimes de responsabilidade (art. 62, I).O Poder Judiciário voltou a ter as garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos (art. 95, I a III) e o controle concentrado de constitucionalidade das leis e atos normativos tornou a ser competência exclusiva dos Tribunais (art. 200).No campo dos direitos fundamentais, um importante acréscimo foi a inserção do direito de greve e o retorno do rol de direitos individuais (agora com a previsão do princípio da inafastabilidade da jurisdição); também o mandado de segurança voltou a ser previsto como remédio constitucional.

E

CONSTITUI-ÇÃO DE 1967 E A EMENDA

CONSTITUCIONAL Nº 1/1969

Inspirada na Carta autoritária de 1937, a Constituição de 1967 foi outorgada em 24 de janeiro de 1967, e voltou a conceder poderes excepcionais ao Presidente da República, tendo reduzido significativamente a autonomia dos Estados--membros – que parcialmente perderam a capacidade de autogoverno, já que seus governadores passaram a ser eleitos indiretamente, o que evidenciou um novo enfraquecimento da Federação e a consequente centralização política no âmbito da União.A ordem constitucional outorgada também previa a possibilidade de suspensão dos direitos políticos, na hipótese de abuso de direitos individuais, como da liber-dade de expressão, de reunião e de associação (art. 151, parágrafo único), além de estender à Justiça Militar a competência para julgar civis pela prática de crimes contra a segurança interna ou contra as instituições militares (art. 173, caput).A primeira emenda feita à Constituição de 1967 acabou por alterá-la por com-pleto. Em razão disso, a maioria da doutrina fila-se à ideia de que a Emenda Constitucional nº 1 de 1969 (de 17. 10. 1969, com entrada em vigor em 30. 10. 1969) foi utilizada como mecanismo de outorga de um novo texto consti-tucional, o qual, embora reafirmasse parte dos dispositivos da Carta de 1967, introduziu alterações significativas para o sistema constitucional. Em linhas gerais: fortaleceu ainda mais a figura do Presidente da República; alargou as hipóteses autorizadoras da suspensão dos direitos políticos; além de estabelecer as penas de morte, de prisão perpétua, de banimento ou confisco, nos casos de guerra “psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva, nos termos que a lei determinar” (art. 153, § 11).

F

9. QUESTÕES

9.1. Questões objetivas

1. (TRT 21ªR/Juiz/TRT 21ªR/RN/2011) Leia as assertivas seguintes e indique a resposta correta:

I. não obstante o princípio da unidade da Constituição, admi-te-se a existência de hierarquia envolvendo duas normas constitucionais originárias, com a possibilidade excepcional de declaração de inconstitucionalidade de uma ou outra;

II. a proteção especial dada às normas constitucionais que são “cláusulas pétreas” lhes confere superioridade jurídica,

diante do reconhecimento da sua condição peculiar de imutabilidade, elemento de distinção em face das outras normas constitucionais;

III. de acordo com o que proclamou o Supremo Tribunal Federal, os limites materiais à reforma constitucional, re-presentados pelas denominadas “cláusulas pétreas”, não são garantias de intangibilidade da literalidade de preceitos constitucionais específicos da Constituição originária, mas sim do seu conteúdo;

IV. em conformidade com o entendimento do Supremo Tribu-nal Federal, os direitos e garantias individuais considerados “cláusulas pétreas” encontram-se previstos exclusivamente no rol do artigo 5º da Carta Magna, uma vez que se trata de

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MANUAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL • Nathalia Masson

matéria de interpretação restritiva, por impedir a iniciativa de sua reforma, por meio de emenda constitucional.

(A) apenas as assertivas I e III estão corretas;(B) apenas a assertiva IV está correta;(C) apenas a assertiva III está correta;(D) apenas as assertivas I e IV estão corretas;(E) apenas as assertivas II e III estão corretas.

2. (CESPE/Defensor Público/DPE/MA/2011) O art. 102, caput, da CF dispõe que compete ao STF, precipuamente, a guarda da Constituição, o que implica dizer que essa jurisdição lhe é atribuída para impedir que se desrespeite a Constituição como um todo, e não para, com relação a ela, exercer o papel de fiscal do poder constituinte originário, a fim de verificar se este teria, ou não, violado os princípios de direito suprapo-sitivo que ele próprio havia incluído no texto da mesma CF. Por outro lado, as cláusulas pétreas não podem ser invocadas para sustentação da tese da inconstitucionalidade de normas constitucionais inferiores em face de normas constitucionais superiores, porquanto a CF as prevê apenas como limites ao poder constituinte derivado ao rever ou ao emendar a CF, elaborada pelo poder constituinte originário, e não como abarcando normas cuja observância se impôs ao próprio poder constituinte originário com relação a outras que não sejam consideradas cláusulas pétreas, e, portanto, possam ser emendadas. Ação não conhecida por impossibilidade jurídica do pedido. ADI 815, relator min. Moreira Alves, DJ, 10/5/1996 (com adaptações).

Considerando esse julgado do STF, é correto afirmar que o princípio constitucional que melhor retrata o entendimento exposto é o da

(A) simetria.(B) conformidade funcional.(C) unidade da Constituição.(D) força normativa da Constituição.(E) máxima efetividade.

3. (FCC/Analista Judiciário/TRE/PE/2011) No tocante à interpretação das normas constitucionais, o Princípio da Força Normativa da Constituição determina que:

(A) a interpretação constitucional deve ser realizada de ma-neira a evitar contradições entre suas normas.

(B) entre as interpretações possíveis, deve ser adotada aquela que garanta maior eficácia, aplicabilidade e permanência das normas constitucionais.

(C) os órgãos encarregados da interpretação da norma consti-tucional não poderão chegar a uma posição que subverta o esquema organizatório funcional constitucionalmente já estabelecido.

(D) na solução dos problemas jurídicos constitucionais, deverá ser dada maior primazia aos critérios favorecedores da integração política e social.

(E) a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito seja destinada a evitar o sacrifício total de uns em relação aos outros.

4. (INSTITUTO CIDADES/Defensor Público/DPE/GO/2010) A maioria da doutrina constitucionalista admite a

especificidade da interpretação constitucional e lista al-guns princípios a serem observados nessa tarefa. Quando o intérprete se depara com duas normas constitucionais aparentemente contraditórias e incidentes sobre a mesma situação fática, o princípio aplicável é o da:

(A) interpretação conforme a Constituição.(B) unidade da Constituição.(C) presunção da constitucionalidade das leis e atos do poder

público.(D) máxima efetividade.(E) força normativa da Constituição.

5. (TRT 23ªR/MT/Juiz do Trabalho/TRT 23ªR/2012 – Adapta-da) Analise as proposições abaixo e indique a alternativa correta:

I. A colisão entre princípios constitucionais resolve-se com a técnica da ponderação.

II. De acordo com o princípio da unidade da Constituição, a interpretação constitucional deve ser realizada de maneira a evitar contradições entre suas normas.

III. De acordo com o princípio da justeza os órgãos encarrega-dos da interpretação da norma constitucional não poderão chegar a uma posição que altere o esquema organizatório--funcional constitucionalmente estabelecido pelo legislador constituinte originário.

IV. O princípio da dignidade da pessoa humana representa o epicentro da ordem jurídica, conferindo a unidade te-leológica e axiológica a todas as normas constitucionais. O Estado e o Direito não são fins, mas apenas meios para realização da dignidade do Homem, que é o valor-fonte do ordenamento. Disso resulta que o princípio da dignidade da pessoa humana serve como critério material para fazer a ponderação de interesses, mas, enquanto princípio, não se sujeita ele mesmo a ponderações.

(A) Apenas as proposições I e II estão corretas e as demais estão incorretas.

(B) Apenas as proposições I e V estão corretas e as demais estão incorretas.

(C) Apenas as proposições I, III e V estão corretas e as demais incorretas.

(D) Apenas as proposições I, II e III estão corretas e as demais estão incorretas.

(E) Todas as proposições estão corretas.

6. (CESPE/Analista Judiciário/AL/2012) A respeito de Consti-tuição e aplicabilidade das normas constitucionais, analise a assertiva abaixo:

– O preâmbulo constitui exemplo de elemento orgânico da Constituição.

7. (PGR/Procurador/2011– Adaptada) Analise a assertiva abaixo:

– São intérpretes da Constituição não apenas os órgãos do Poder Judiciário, como também os demais poderes polí-ticos, além dos múltiplos atores presentes na sociedade civil, que, em seus debates travados na esfera pública, participam da tarefa de atribuição de sentido às normas constitucionais.

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Cap. 1 • TEORIA DA CONSTITUIÇÃO

é uma Constituição? São Paulo: Edições e Publicações Brasil, 1933 (com adaptações). Considerando que o texto acima tenha caráter exclusivamente motivador, redija um texto dissertativo acerca do tema a seguir. Ordenamento jurídico,

Constituição e norma fundamental ao elaborar seu texto, aborde, necessariamente, os seguintes aspectos: a) objeto da Constituição; b) elementos da Constituição; e c) supremacia da Constituição.

Gabarito – questões objetivas

Gab. Fundamentação legal, jurisprudencial ou doutrinária Onde encon-tro no livro

1 C

I) Errado, em decorrência do princípio da unidade da Constituição, pode-se afirmar que não há hierarquia normativa, tampouco subordinação, entre as normas constitucionais. Destaca-se que não há possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de normas constitucionais originárias, só de normas constitucionais derivadas

I) Item 5.4

II) Errado, não há superioridade ou hierarquia entre normas constitucionais originárias

II) Item 5.4 e item b.2.2 do cap. 2

(que trata do tema Poder

Constituinte)

III) Correto, cláusulas pétreas poderão ser objeto válido de emendas constitu-cionais, quando estas possuírem o intuito de ampliar ou reforçar os assuntos relacionados nos incisos do § 4º, do art. 60, CF/88

III) Item b.2.3 do cap. 2

(que trata do tema Poder

Constituinte)

IV) O catálogo sistematizado pelo art. 5º da Constituição Federal não é taxativo, tampouco tem pretensão de exaustividade, mas é o dispositivo que abarca e explicita a maior parte dos direitos fundamentais individuais constantes do ordenamento constitucional vigente

IV) Item b.2.5.4 do cap. 2 (que

trata do tema Poder

Constituinte)

2 C

a) Falso. Por força deste princípio, deve haver relação simétrica entre as normas jurídicas da Constituição Federal e as regras estabelecidas nas Constituições Estaduais

a) Item 5

b) Falso. O princípio da conformidade funcional ou justeza objetiva impedir que os órgãos encarregados de realizar a interpretação constitucional cheguem a um resultado que subverta ou perturbe o esquema organizatório funcional estabelecido pela Constituição, sob pena de usurpação de competência

b) Item 5.9

c) Correta, o princípio da unidade da Constituição visa conferir um caráter ordenado e sistematizado para as disposições constitucionais, permitindo que o texto da Carta Maior seja compreendido como um todo unitário e harmônico, desprovido de antinomias reais

c) Item 5.4

d) Falso. Por este princípio deve o intérprete priorizar a interpretação que dê concretude à normatividade constitucional, jamais negando-lhe eficácia d) Item 5.5

e) Falso. Por este princípio realiza-se uma interpretação dos direitos e garantias fundamentais de modo a alcançar a maior efetividade possível, de maneira a otimizar a norma e dela extrair todo o seu potencial protetivo

e) Item 5.8

3 B

a) Errado, refere-se ao princípio da unidade da Constituição a) Item 5.4b) Correto, pelo princípio da força normativa, deve o intérprete priorizar a interpretação que dê concretude à normatividade constitucional, jamais negando-lhes eficácia

b) Item 5.5

c) Errado, refere-se ao princípio da conformidade funcional ou da justeza c) Item 5.9d) Errado, refere-se ao princípio do efeito integrador d) Item 5.6e) Errado, refere-se ao Princípio da Concordância Prática ou Harmonização e) Item 5.7

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MANUAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL • Nathalia Masson

Gab. Fundamentação legal, jurisprudencial ou doutrinária Onde encon-tro no livro

4 B

a) Referido princípio não se presta à interpretação das normas constitucionais propriamente, e sim da legislação infraconstitucional. Encontra sua morada diante das chamadas normas polissêmicas ou plurissignificativas, isto é, aquelas que podem ser interpretadas de maneiras diversas

a) Item 5.2

b) Correta. Por meio deste princípio se reconhece um sentido global para a Consti-tuição, de modo que todos os diversos componentes do tecido social, enquanto in-térpretes, se empenhem na difícil (mas possível) tarefa de composição de interesses

b) Item 5.4

c) Falso. Por força deste princípio presume-se que às normas produzidas pelo Poder Legislativo (e também pelos demais Poderes, no exercício da função atí-pica de natureza legislativa) possuem presunção de serem constitucionais, de terem sido engendradas em conformidade com o que prescreve a Carta Maior

c) Item 5.3

d) Falso. Por este princípio realiza-se uma interpretação dos direitos e garantias fundamentais de modo a alcançar a maior efetividade possível, de maneira a otimizar a norma e dela extrair todo o seu potencial protetivo

d) Item 5.8

e) Falso. Por este princípio deve o intérprete priorizar a interpretação que dê concretude à normatividade constitucional, jamais negando-lhe eficácia e) Item 5.5

5 E

I) Correto, pelo princípio da ponderação ou da proporcionalidade em sentido estrito se pretende alcançar parâmetros para a resolução dos conflitos entre princípios constitucionais

I) Item 5.4

II) Correto, o princípio da unidade da Constituição visa conferir um caráter ordenado e sistematizado para as disposições constitucionais, permitindo que o texto da Carta Maior seja compreendido como um todo unitário e harmônico, desprovido de antinomias reais

II) Item 5.4

III) Assertiva correta. O princípio da conformidade funcional ou justeza objetiva impedir que os órgãos encarregados de realizar a interpretação constitucional cheguem a um resultado que subverta ou perturbe o esquema organizatório fun-cional estabelecido pela Constituição, sob pena de usurpação de competência

III) Item 5.9

IV) Correto, o princípio da dignidade da pessoa humana é fundamento do Estado Democrático de Direito, reconhecendo o constituinte de 1988 que não é a pessoa humana que existe em função do Estado, mas sim o contrário

IV) Item 5.4

6 F O preâmbulo é um elemento formal de aplicabilidade das normas constitucionais Item 6

7 V

Não mais se compreende como adequada uma interpretação “fechada”, vinculada somente a um dos Poderes. Propugna-se, atualmente, por uma abertura hermenêutica que possibilite aos demais órgãos públicos e setores sociais o oferecimento de “alternativas” para a interpretação constitucional. É a tese defendida por Peter Haberle para viabilizar uma sociedade aberta de intérpretes, na viabilização de uma interpretação plural da Constituição

Item 5

8 B

a) Errado, os princípios constitucionais têm função informadora, interpreta-tiva e normativa. Princípios são, pois, normas jurídicas cogentes, dotadas de normatividade e vinculatividade

a) Item 5

b) Correto, o princípio da máxima efetividade (ou da eficiência) apresenta-se como um apelo para que seja realizada a interpretação dos direitos e garantias fundamentais de modo a alcançar a maior efetividade possível, de maneira a otimizar a norma e dela extrair todo o seu potencial protetivo

b) Item 5.8

c) Quando houver colisão entre princípios constitucionais, pelo princípio da unidade a solução é reconhecer um sentido global para a Constituição, de modo que nenhum princípio no texto consagrado seja declarado inválido, por que não aplicável a uma situação específica. No conflito entre princípios, um deles irá apenas recuar diante de outro, que seja possuidor, naquela hipótese concreta, de maior importância ou peso valorativo. Assim, vê-se que a solução do conflito entre princípios nunca se dá no plano da validade, como ocorre no conflito entre regras

c) Item 5.4

d) Errado, o princípio da razoabilidade não está normatizado expressamente na Constituição Federal d) Item 5