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DO AUTORRECONHECIMENTO À CERTIFICAÇÃO, LUTA E RESISTÊNCIA DA COMUNIDADE QUILOMBOLA DE CAIANA DOS CRIOULOS-PB Jussara Manuela Santos de Santana 1 Eixo temático: CONFLITOS E MOVIMENTOS SOCIAIS RESUMO: Este trabalho de pesquisa tem o objetivo de interpretar as diversas formas de resistência das comunidades quilombolas da Paraíba, mas especificamente na Comunidade de Caiana dos Crioulos. Buscando através da legitimação dos seus direitos assegurados pela Constituição, tratados internacionais asseguradas e legitimadas pelo Governo Brasileiro. Através dos dados dessa pesquisa pretendemos contribuir com a discussão sobre os negros (as) na formação territorial, social e cultural do nosso Estado, sendo a estes negados no passando e na contemporaneidade a devida valoração. Utilizamos como principais referências teóricas, Anjos (1997), Ratts (2003), Arruti (2006), numa abordagem do território e questão étnica, Almeida (2005) e Haesbaert (2004), para discutirmos o território como ente de poder, Raffestin (1993) e Gomes (1997), o a discussão racial no Brasil e seus desdobramentos, Bastide (1955), Moura (1994) e Quijano (2007). PALAVRAS-CHAVE: territorialidade, identidade étnica e quilombolas 1 INTRODUÇÃO Este trabalho tem como objetivo interpretar as práticas exercidas pela comunidade quilombola de Caiana dos Crioulos, que através da resistência, política, cultural e territorial, busca construir sua territorialidade étnica, visando promover discussões que elucidem as questões que lhe são pertinentes ao processo de sua construção da sua identidade territorial. Nesse sentido surgem questões de caráter jurídico e legislativo, promovendo às discussões de caráter identitário das comunidades tradicionais e principalmente aquelas asseguradas pelo Artigo de n. 68, referente aos quilombolas. 1 [email protected]. CCEN /PPGG - Universidade Federal da Paraíba Brasil

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DO AUTORRECONHECIMENTO À CERTIFICAÇÃO, LUTA E RESISTÊNCIA DA

COMUNIDADE QUILOMBOLA DE CAIANA DOS CRIOULOS-PB

Jussara Manuela Santos de Santana

1

Eixo temático: CONFLITOS E MOVIMENTOS SOCIAIS

RESUMO: Este trabalho de pesquisa tem o objetivo de interpretar as diversas formas de resistência

das comunidades quilombolas da Paraíba, mas especificamente na Comunidade de Caiana dos

Crioulos. Buscando através da legitimação dos seus direitos assegurados pela Constituição, tratados

internacionais asseguradas e legitimadas pelo Governo Brasileiro. Através dos dados dessa pesquisa

pretendemos contribuir com a discussão sobre os negros (as) na formação territorial, social e cultural

do nosso Estado, sendo a estes negados no passando e na contemporaneidade a devida valoração.

Utilizamos como principais referências teóricas, Anjos (1997), Ratts (2003), Arruti (2006), numa

abordagem do território e questão étnica, Almeida (2005) e Haesbaert (2004), para discutirmos o

território como ente de poder, Raffestin (1993) e Gomes (1997), o a discussão racial no Brasil e seus

desdobramentos, Bastide (1955), Moura (1994) e Quijano (2007).

PALAVRAS-CHAVE: territorialidade, identidade étnica e quilombolas

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo interpretar as práticas exercidas pela comunidade

quilombola de Caiana dos Crioulos, que através da resistência, política, cultural e territorial,

busca construir sua territorialidade étnica, visando promover discussões que elucidem as

questões que lhe são pertinentes ao processo de sua construção da sua identidade territorial.

Nesse sentido surgem questões de caráter jurídico e legislativo, promovendo às discussões de

caráter identitário das comunidades tradicionais e principalmente aquelas asseguradas pelo

Artigo de n. 68, referente aos quilombolas.

1 [email protected]. CCEN /PPGG - Universidade Federal da Paraíba – Brasil

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Assistimos há uma verdadeira corrida ligada aos estudos sobre a identidade étnica

racial no país, decorrente de uma pseudo-democracia racial, grandemente elucidada na criação

ideológica do pensamento social brasileiro, onde todos são iguais perante a Constituição

Brasileira.

Sob a perspectiva da construção de uma identidade racial no Brasil, é notório que a mesma

surgiu de maneira discriminatória, oriunda da própria base conceitual do que seja o conceito

de “raça,” tal bem organizada e apropriada para se manter um discurso de uma sociedade

branca e racista, mais ainda dos que não compactua desse pensamento.

Destaco alguns autores: as contribuições de ARRUTI (2006), que trabalha a valorização da

identidade negra são acompanhadas da redistribuição visível na conquista dos seus territórios,

construindo sua territorialidade como grupo, da RATTS (2003), GOMES (1997), quando

afirma que o acesso ao território e suas representa nesse espaço o aproxima e lhe assegura a

condição de cidadania e FIALHO (1998).

Verificamos que a contribuição desses autores em discutir o debate sobre a construção

da identidade dos negros no país vem também colaborando para uma melhor visibilidade

dessa população e contribuir para a aceitação e autoestima e reconhecimento da sua origem

étnica.

Sabemos que existem muitas barreiras a serem ultrapassadas, mas os primeiros sinais de

ocupação de espaços ora dantes negados estão sendo ocupados pela outra parcela de sujeitos

sociais no país, permitindo o acesso de termos igualdade de oportunidades, possibilitando o

ingresso de nós negros em espaços historicamente negados, do qual hoje estou inserida.

No tocante aos espaços ora negados por muitos anos a população negra e buscando

compreender esses espaços ora (res) significados e territorializados, dialogaremos com a

ciência geográfica, utilizando algumas das categorias que lhes são pertinentes, como: espaço e

território, mais também coma outras ciências afim, buscando compreender a construção da

identidade étnica dessa comunidade e suas práticas culturais, sendo utilizados como

mecanismos de coesão para todo esse grupo social.

Conforme RAFFETIN (1993), que o território se estabelece a partir do espaço, numa

produção social, onde estariam ligadas as relações de poder, o papel do Estado, como

organizador, regulador desse território. SOUZA (2006), em seu artigo “O Território”: Sobre

espaço e poder, autonomia e desenvolvimento, discute sobre a categoria território, sendo uma

relação de “campos de forças”, caracteriza como “espaços dinâmicos” e afirma que o

território é um instrumento de exercício de poder, advindas de práticas: políticas, econômicas,

sociais e culturais.

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Segundo ALMEIDA (2005), ao abordar esse tema, as questões jurídico-político,

técnica, econômica e social, se faz presente na construção desses territórios, mas também

aquelas representações lógicas culturais, configurando suas funcionalidades. HAESBAERT

(2004) faz a distinção ao estudar o território pelo víeis econômico priorizando a

materialidade, se contrapondo a noção culturalista, que analisa o território a partir das relações

simbólicas de identidade, em relação ao grupo social. GOMES (1997) corrobora com Souza,

mais chama atenção no que diz respeito à categoria da cidadania para todos que fazem parte

de uma determinada sociedade, atribuindo ao território uma “ontologia”.

Ao analisarmos a terminologia da palavra “Raça”, nos permite algumas interpretações,

cabendo a um determinado grupo apropriar-se e construir ideologias e significados conforme

seus interesses, como indivíduo ou pertencente a determinado grupo social.

A própria história humana nos mostra que essa terminologia não era utilizada nos primórdios

da civilização, mas conforme QUIJANO (2007), utilizada pela Europa sob a dominação

colonial nos países colonizados, justificando assim através da raça a superioridade àqueles

que não tivessem a mesma cor da pele, já que raça estava relacionada à cor, fenômeno da

natureza, QUIJANO (2007), afirma que:

Sendo todos nós seres humanos, composto de organismo como: genitália,

circulação sanguínea, neurônios e outros mais sistemas, e todos funcionam

de igual forma independente da cor que temos concluir que: a raça não

corresponde à cor, pois diferentemente dessa colocação o termo sexo

corresponde a gênero, porém este aspecto não irá nos ater nesse momento.

QUIJANO (2007, p.46-47).

Sabemos que a discussão sobre a questão racial é bastante dialogada por alguns

teóricos pertencentes a diversas áreas do conhecimento, RAFFESTIN (1993), ao abordar o

termo em sua obra, considera que a ocupação de algumas porções do espaço, discrimina

determinados grupos, o autor chama de discriminação espacial, impondo relações

dessimétricas. ALMEIDA (2005), quando utilização do termo sobre as fronteiras, gerando

com a atividade capitalista, exemplificando as desigualdades regionais no Brasil e NEVES

(2005), ao abordar as lutas anti-racistas no Brasil, É através das pressões realizadas pelos

movimentos sociais no país, e especialmente do movimento negro unificado, militantes e

outros segmentos da sociedade, poderemos tornar possível a ascensão do negro brasileiro.

Com base no exposto percebemos que a pobreza e a miséria que essa etnia tem sido

historicamente submetida culmina numa desigualdade social, relevando que os discriminados

têm nome, mais primordialmente têm cor, fato que nos leva a buscar contribuir para repensar

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a situação do negro no país, tendo em vista a urgência em desenvolver políticas públicas que

minimizem a vergonhosa degradação humana da maior parte de nós negros, vítimas do

preconceito e da discriminação que permeia nossa sociedade. Lembro, portanto, da fala do

geógrafo Milton Santos ao exigir que as editoras colocassem sua foto na capa ou contracapa

dos seus livros, para evitar cenas constrangedoras quando se apresentava em eventos e

espaços públicos.

Na década de 1990 a atuação dos movimentos sociais negros também contribuiu para

trazer visibilidade aos problemas e condições da sobrevivência desse grupo étnico, pois os

estudos realizados anteriormente já apontavam quais eram os fatores da ordem ideológica,

política e social, responsáveis pela gênese e da própria permanência da degradação da maior

parcela da população negra no país.

Em meados do século XIX foi realizada no Estado da Bahia, posteriormente no Rio de

Janeiro e São Paulo, uma pesquisa, encomendada pela Organização das Nações Unidas

(UNESCO), sobre as relações raciais no Brasil. De acordo os dados que obtivemos, o Estado da

Bahia foi escolhido por abrigar maior número de negros, em relação aos demais Estados. Esse

estudo foi realizado na Bahia, de 1935 a 1937, por Donald Pierson. O referido pesquisador

chegou à conclusão que a maioria da população negra da Bahia mediante a sua cor e sua

condição de classe, estava à margem da sociedade, vivendo em lugares insalubres e nas piores

condições de vida, sendo negada uma vida digna, a mercê da própria sorte. Registrou também

que na cidade de Salvador uma pequena parcela de mestiços viviam em espaços dos não-

negros.

Outros estudos foram realizados no Brasil, o mais conhecido foi o coordenado pelo

francês Roger Bastide, na década de 1950, fazendo o estudo sobre a condição dos negros na

cidade de São Paulo, dando uma contribuição ao conhecimento da relação racial no Estado e

no Brasil.

A partir dessa pesquisa encomendada, Bastide (1955) defendeu a ideia que a

democracia racial divulgada nos anos 1950 foi uma farsa, conhecida como mito da

democracia racial. Para o autor não existia qualquer interesse governamental, denominado e

interpretado por ele como “pecado de omissão”, que viesse favorecer o negro e fazer

reconhecer os seus direitos. De acordo com Bastide (1955, p. 124):

É sempre mais fácil descrever manifestações aparentes. Ora, o Brasil, nas

suas constituições, leis, imprensa, proclama altamente a sua repulsão a todo

e qualquer ataques à dignidade do homem negro. É mais difícil descobrir o

que pode estar oculto sob a indiferença, às omissões ou as faltas. Será

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preciso recorrer, muitas vezes, não à análise de comportamento, mas à da

ausência de comportamento.

A democracia racial explicitada pelos pesquisadores que comungam da teoria de

paraíso racial, inclusive Freyre, permiti-nos questionar que paraíso era esse, onde mais de

70% do total da população na atualidade, distribuídos entre negros e pardos estão vivendo em

condições de pobreza, a margem da sociedade e não possuem igualdade de oportunidades?

Segundo as pesquisas realizadas por Paixão (2003), e subsequentemente pelo PNUD,

2005, sobre o Índice de Desenvolvimento Humano no Brasil, o autor da pesquisa apresenta

que, em relação aos dois grupos pesquisados, brancos/as e negros/as, existem dois Brasis, o

Brasil dos brancos, com um índice elevando do IDH, chegando a ser considerado aos índices

dos países mais desenvolvidos no globo terrestre, mas também foi constatado pela pesquisa,

de um Brasil, um Brasil negro, com índices do IDH, semelhantes aos países pobres do mundo.

Chegando a ocupar a posição de 105º lugar no ranking mundial.

2 OBJETIVO GERAL

Analisar as práticas culturais costumeiras que se inscrevem no âmbito das

tradições camponesas em busca do entendimento da territorialidade étnica da

comunidade de Caiana dos Crioulos, no Estado da Paraíba.

3 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Discutir o processo de construção da territorialidade da comunidade

quilombola de Caiana dos Crioulos, a partir da sua relação com a terra;

Identificar as políticas direcionadas a esse grupo étnico; registrar as referências

simbólicas, as representações e práticas culturais para caracterizar a identidade-

territorial;

Investigar as práticas culturais costumeiras que se inscrevem no âmbito das

tradições camponesas a partir do relato dos idosos e, por ocasião da realização de

festividades que revelem sinais diacríticos; interpretar a participação da mulher na

reprodução e preservação da identidade quilombola.

Do ponto de vista dos procedimentos metodológicos para o desenvolvimento da

pesquisa consiste no levantamento bibliográfico sobre as comunidades remanescentes de

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quilombos do Estado a Paraíba, informações secundárias em bibliotecas públicas e

particulares, levantamento cartorial, pesquisa em portais de periódicos como: Scielo e da

Capes. Em sites de órgãos públicos: Ministério Público, INCRA, INTERPA, Organizações

não Governamentais (ONGS), como: Movimento Negro Unificado, a Fundação Palmares,

Coordenação Nacional de Comunidades Quilombolas (CONACQ), Coordenação Estadual de

Comunidade Negra Quilombola (CECNQ), juntamente com a Comissão Pastoral da Terra

(CPT);

Neste momento da pesquisa tentaremos levantar material fotográfico do território e

gravações de depoimentos dos quilombolas; utilização de questionários e a realização de

entrevistas de formas diretas e indiretas com a comunidade, a Secretaria Municipal de Alagoa

Grande, Ministério Público, INCRA, INTERPA, CPT. Inserindo na coleta de dados

informações das discussões com esses os atores e sujeitos sociais; buscar o diálogo aos grupos

de mulheres, com as jovens envolvidas nas atividades culturais que envolvem os caianenses.

Imagens: Figuras 01 e 02. comemoração ao dia da Consciência Negra e 25° aniversário da Associação de

moradores de Caiana dos Crioulos. Acervo da AACADE e SANTANA, Jussara.

Dando aporte a essa assertiva Santos, (2000), as marcas visíveis desse

problema, na discussão sobre ser negro no Brasil hoje, estão balizadas sobre três pilares: da

corporeidade, a individualidade e da cidadania, compreende a uma esfera social, o autor

afirma que:

Mas a verdade, é que no caso brasileiro, o corpo da pessoa também impõe

como uma marca visível e é frequentemente privilegiar aparência como

condição primeira de objetivação e de julgamento, criando uma linha

demarcatória, que identifica e separa, a despeito das pretensões de

individualidade e de cidadania do outro. (SANTOS, 2000, P.3).

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Numa sociedade hierarquizada e racializada, como o Brasil, a discriminação contra a

mulher consegue atingir todos os segmentos da sua vida, sejam esses: no núcleo familiar, no

mercado de trabalho, na sua relação com as mulheres não negras. Em todos esses espaços

socialmente construídos, a mulher negra é frequentemente vítima do preconceito e do

estigma, 2 em relação ao pertencimento étnico, toda sua trajetória de vida é demarcada por

essa fronteira móvel, que é o corpo, percorrendo todos esses espaços muitas vezes

conquistados através sofrimento e dor. Ser negra/o, no Brasil é muito difícil, pois somos

diariamente vistos com um olhar enviesado, pois a dor da cor, muitas vezes é a dor do corpo.

Ao longo desses anos, a história nos mostra que, as condições de vida dos homens de

das mulheres, enquanto força de trabalho no país, foi maciçamente forçosa e arbritária em

todo território brasileiro. Nos estudos sobre a inserção do trabalho escravo feminino na

Paraíba, nos séculos XVIII e XIX, Rocha (2001) apud Batista, afirma:

O trabalho das mulheres escravizadas esteve, ao longo dos séculos,

obrigadas a cuidar do bem-estar das famílias dos segmentos dominantes e

médio, tanto no espaço rural- no eito e nas casas dos seus proprietários,

quanto na zona urbana, atuando no pequeno comércio, como negras de

ganho, ou de aluguel.

Segundo os dados da pesquisa realizada pelo PNAD/20013, em relação à ocupação das

mulheres no mercado de trabalho, utilizando a variável raça/cor, verifica-se que mesmo com o

fim da escravidão, há aproximadamente 122 anos, na maior parte das trabalhadoras ocupam

os serviços domiciliares, retratando aqueles realizados por suas ancestrais. Segundo a mesma

pesquisa a mulher negra ocupam majoritariamente estes serviços, em decorrência da sua falta

ou nenhuma instrução educacional, e mesmo assim são as que exercem a função de

domésticas sem carteira assinada, se considerarmos as trabalhadoras brancas e pardas.

É nesse contexto econômico, cultural e social que as comunidades tradicionais4, em

especial as comunidades de remanescentes de quilombos, como grupo social distinto, têm a

garantia de direitos referendados na Constituição de 1988, Ato das Disposições Transitória,

que diz: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos, que estejam ocupando suas

terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos

respectivos.” (ADCT, Artigo 68, p.157).

2 Ver Gofman (1995).

4 Nas sociedades tradicionais, o passado é venerado e os símbolos são valorizados porque contêm e perpetuam a experiência

de gerações. A tradição é um meio de lidar com o tempo e o espaço, inserido qualquer atividade ou experiência do passado,

presente e futuro, os quais, por sua vez, são estruturados por práticas sociais recorrentes. Giddens, 1990 apud Hall.

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A partir desse aparato legal, a constitucionalização das terras de quilombos5, por meio

da certificação e o processo de demarcação deveriam ser feitas em cinco anos, ou seja, até o

ano de 1993. Mas na realidade, pouco se foi feito para a realização das demarcações de terras

quilombolas em todo território nacional.

No Estado da Paraíba, de acordo com os dados da Comissão Estadual das

Comunidades Negras e Quilombolas da Paraíba (Cecneq) foram identificadas na Paraíba 32

comunidades quilombolas. Num período de 2004-2008. Em todo o Estado, cerca de 28

comunidades receberam a certificação da Fundação Cultural Palmares. As demais

comunidades já foram indentificadas e recebem assessoria de instituições como do

CECNEQ, de Organizações como da a AACADE e da BAMIDELÊ.

Com a Instrunção Normativa de nº 49/2008, o Instituto de Colonização e Reforma

Agrária é o órgão compete do governo responsável pela a demarcação e titulação definitiva

das terras de remanescentes quiolombolas em todo o Brasil. Segundo infomações da própria

antropóloga do Incra, Maria Ester Fortes, responsável pela regularização das terras de

comunidades quilombolas do Incra/Pb, para dar continuidade aos trabalhos desenvolvidos

nas comunidades quilombolas, foi necessário realizar parcerias com a Universidade Federal

de Campina Grande, (UFCG), também relata a colaboração recebida da atropológa do Incra,

do Acre, para a elaboração do laudo antropológico da comunidade de Paratibe, localizada, no

município de João Pessoa, considerada o segundo quilombo urbano, numa área de grande

disputa territorial e especulação imobiliária, a outra comunidade quilombola na zona urbana, é

a comunidade do Talhado, localizado no município de Santa Lúzia, na mesorregião da

Borborema.

A comunidade de Caiana dos Crioulos, está localizada no município de Alagoa

Grande, encontra-se em fase de conclusão o segundo laudo antropológico, visto que na

elaboração do primeiro laudo, na década de 1997, foi deixado de mapear, uma parte das

terras, conhecidas como a fazenda sapé, petencente aos três herdeiros de Ney Arruda Câmra.

Mas que a mesma é citada nos depoimentos dos entrevistados, portanto na memoria coletiva

dos moradores da comunidade, como terras pertencentes aos seus ancestrais, avós e pais, que

tinham nessas terras, o meio de produzuir alimentos para o consumo da família e o

exercendente era comercializado na feira de Alagoa Grande aos sábados.

5 São diversas as definições sobre o conceito da palavra quilombo, compartilho da que faz atribuição que o

quilombo foi e ainda é um espaço de representação política, social e cultural, que compartilham de uma

identidade étnica e territorial.

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Imagens: Figuras 03 e 04. Vista parcial das casas na comunidade de Caina dos Crioulos. SANTANA, Jussara,

outrubro/2010.

Mas na atualidade o pouco que se produz, é no quintal de suas casas ou mesmo no

caso de alguns que permanecem cultivando uma pequena parcela de terra no sítio Sapé,

destina apenas para a provisão dos familiares. Podemos observar que em todas as casas

visitadas, ou por onde andávamos sempre víamos os roçados do feijão (verde) e o milho, que

fazem parte da tradição camponesa dos nordestinos nos mês de junho, em comemoração ao

São João.

Imagens: Figuras 05 e 06. Plantação de feijão e milho, realizadas nos quintais e nas terras do

Sapé Vi. SANTANA, Jussara, maio/2011.

4 RESULTADOS PRELIMILARES

Com o propósito de concluir o segundo laudo antropológico da comunidade, o

departamento de Regularização de Terras Quilombolas/Incra/Pb, a antroplóga da instituição e

uma técnica estão desenvolvendo um cadastramento de todos os moradores de Caiana, pude

aconhar um dia de trabalho da equipe técnica, juntamente com a equipe visitar as residências

dessas pessoas, e verificar as condições de moradia dos moradores e a baixa renda dessas

pessoas, os mais velhos sobrevivem da aposentadoria e nas famílias do mais jovens, um bom

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número das famílias da comunidade, dependem do dinheiro que o esposo traz a cada quize

dias, do pagamento quizenal dos trabalhos desenvolvidos na construção cívil, nas cidades de

Queimadas ou na capital, em João Pessoa, as demais aguardam o envio do depósito feito pelo

esposo, que trabalha na cidade do Rio de Janeiro.

Em conversa com a Maria Ester Fortes, a necessidade de conculir o laudo, é importante, pois

os dados coletados, através do formulário, trarão maior visibilidade ao processo, pois é

importante sabermos quantos moradores realmente residem na comunidade, o questionário

aplicado buscar levantam dados especícos dos familiares envolvidos, como: nível de

instrução, renda famíliar, membros da família e trabalho. mediante os entrevistados(as), a

renda familiar é muito baixa, a assistência fornecida pelo governo, se faz importnate para a

sobrevivência do núcleo familiar dos caianenses6.

Registramos a presença da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), representada

pelo grupo de pesquisa: território, trabalho e cidadania (GESTAR), grupo de pesquisa do

CNPq, que desenvolve pesquisa em território tradicionais (indígena e quilombola), em

assentamento rural e outras áreas afins, na qual também estou vinculada.

A migração masculina, em sua maioria têm como destino a cidade do Rio de Janeiro, é muito

comum encontrarmos dentro do núcleo familiar de Caiana, pelo menos um parente, residir

loge da Caiana, outro destino é para a capital, em busca de trabalho, ou nas cidades adjacentes

de Alagoa Grande. Confome as entrevistadas, a ausência dos seus cônjuges tornam a vida

mais difícil, pois as mesmas assumem toda a responsabilidade da famiília, pois são

praticamente as únicas responsáveis por todos os membros da família, mas apóio dos

parentes mais próximos permite a participação destes em algumas tarefas vivenci

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A luta pela sobrevivência é muito grande no núcleo familiar dos moradores da Caiana,

mas a solidariedade entre os moradores ameniza o sofrimento que todos enfrentam, é através

da fé, das suas festas e no modo de viver dos moradores, que a Caiana dos Crioulos, busca

reafirmar a sua história. Todo grupo almejam que a regularização das suas terras, a antiga

fazenda Sapé, seja regularizada brevemente. Mas falta ser concluído o segundo laudo

antropológico do quilombo de Caiana dos Crioulos. Conforme conversas com a antropóloga

do INCRA/PB, Maria Ester Fortes, não temos previsão para a sua conclusão, porém estamos

6 Conforme as entrevistas in lócus, verificamos que

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trabalhando intensivamente para sua conclusão. No entanto, resta aos caianeses aguarda o

resultado de todo esse processo, que já faz doze anos desde seu auto-reconhimento como

remanescentes de quilombos e verem ser legitimados seus direitos, assim garantidos pela

Constituição de 1988. Pois a certificação definitiva das suas terras trará para todo esse grupo o

reconhecimento de seus direitos enquanto cidadãos brasileiros, por mais que a história lhes

mostre que não são reconhecidos, andando na contra mão da história e principalmente

cruzando as fronteiras da discriminação e do preconceito racial vividas na sociedade

brasileira.

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