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9 Controle de constitucionalidade 1. Noções e Conceito Quando tratamos no Capítulo II (Teoria Geral da Constituição), dos elementos da Constituição (tópico 6), vimos que há quem enxergue na Cons- tituição brasileira cinco espécies de elementos: orgânicos; limitativos; socioi- deológicos; formais de aplicabilidade e de estabilização constitucional. Pois bem, dentre os elementos de estabilização constitucional estão as nor- mas relativas à proteção e garantia da supremacia da Constituição, mediante procedimento de controle de constitucionalidade das leis. Num país de constituição rígida, dotada de supremacia formal, vigora um esquema de ordenamento escalonado das normas, em que a de maior hierarquia é a Constituição, sendo que as demais leis e os atos normativos e concretos lhes devem obediência formal e material. O controle de constitucionalidade é mecanismo que visa à unidade da ordem jurídica e da supremacia da Constituição, permitindo que órgãos cons- titucionais defendam a forma, a matéria e o espírito da Constituição contra ataques de normas inferiores e de atos do poder públicos. O controle de constitucionalidade, portanto, é um procedimento pelo qual órgãos constitucionais, na defesa da supremacia da Lei Maior, fiscalizam a compatibilidade das leis e atos com o conteúdo, com a forma e com o espírito da Constituição, para preservá-la de ataques que tentem subverter o esquema escalonado do ordenamento jurídico. 09_Capítulo IX.indd 180 18/11/2010 16:19:33 www Profª Denise Vargas www.facebook.com/professoradenisevargas

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Controle de constitucionalidade

1. Noções e Conceito

Quando tratamos no Capítulo II (Teoria Geral da Constituição), doselementos da Constituição (tópico 6), vimos que há quem enxergue na Cons-tituição brasileira cinco espécies de elementos: orgânicos; limitativos; socioi-deológicos; formais de aplicabilidade e de estabilização constitucional.

Pois bem, dentre os elementos de estabilização constitucional estão as nor-mas relativas à proteção e garantia da supremacia da Constituição, mediante procedimento de controle de constitucionalidade das leis.

Num país de constituição rígida, dotada de supremacia formal, vigora um esquema de ordenamento escalonado das normas, em que a de maior hierarquia é a Constituição, sendo que as demais leis e os atos normativos e concretos lhes devem obediência formal e material.

O controle de constitucionalidade é mecanismo que visa à unidade da ordem jurídica e da supremacia da Constituição, permitindo que órgãos cons-titucionais defendam a forma, a matéria e o espírito da Constituição contra ataques de normas inferiores e de atos do poder públicos.

O controle de constitucionalidade, portanto, é um procedimento pelo qual órgãos constitucionais, na defesa da supremacia da Lei Maior, fi scalizam a compatibilidade das leis e atos com o conteúdo, com a forma e com o espírito da Constituição, para preservá-la de ataques que tentem subverter o esquema escalonado do ordenamento jurídico.

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181Controle de ConstituCionalidade

O controle de constitucionalidade é a análise da “adequação de uma lei ou de um ato normativo com a Constituição, nos seus aspectos formais e materiais”,1 ou, nas palavras de AlexAndre de MorAes,2

é o juízo de adequação da norma infraconstitucional (objeto) à norma cons-titucional (parâmetro), por meio da verticalização da relação imediata de conformidade vertical entre aquela e esta, com o fim de impor a sanção de invalidade à norma que seja revestida de incompatibilidade material ou formal com a Constituição.

Nesse procedimento, caracterizado o contraste entre esses atos e leis com a Constituição, “o sistema provê um conjunto de medidas que visam a sua superação, restaurando a unidade ameaçada”.3

Essas medidas vão, desde sustação de atos por órgãos constitucionais, a exemplo do Tribunal de Contas, a supressão da eficácia da norma violadora da Constituição, a exemplo de decisão do Supremo Tribunal Federal que declara, em ação direta, a inconstitucionalidade de uma lei.

Entretanto, nem todos os Estados adotam esse procedimento de fiscaliza-ção das normas em face da Constituição, pois ele está condicionado a alguns pressupostos que não estão presentes em todos os ordenamentos jurídicos.

2. Pressupostos do controle de constitucionalidade

A ideia de controle de constitucionalidade decorre da rigidez da Consti-tuição e sua supremacia, retiradas, principalmente, da diferença entre poder constituinte e poderes constituídos.

Com efeito, a Constituição rígida demanda um procedimento de reforma diferenciado em relação às demais leis. Essa rigidez está visceralmente ligada à concepção de Constituição dotada de supremacia formal em face das demais normas do ordenamento jurídico.

Destarte, sendo a Constituição a norma fundamental posta no vértice do ordenamento jurídico, qualquer lei que com ela contrastar deve ser invalidada.

1. CArvAlho, op. cit., p. 362.2. Apud CArvAlho, op. cit., p. 362.3. BArroso, Luís Roberto. Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 3. ed.

São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1.

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Assim, são pressupostos para a declaração de invalidação dessa lei a exis-tência de uma constituição rígida e a supremacia formal da Constituição, e nem todos os Estados possuem uma Constituição rígida.4

3. O controle de constitucionalidade no Reino Unido (constituição flexível)?

Tradicionalmente, portanto, a doutrina afirma que nos países de constitui-ção flexível, a exemplo do sistema inglês, inexiste controle de constitucionalida-de das leis, pois a lei posterior que for incompatível com norma constitucional empreende-lhe uma revogação.

A Constituição inglesa é classificada como histórica, flexível e não-escrita. Portanto, não seria possível, no ordenamento inglês, o controle de constitucio-nalidade dada a inexistência de rigidez constitucional.

Entretanto, não poderíamos deixar de suscitar duas questões relativamente recentes no Reino Unido: a criação do HRA (Human Rigths Act) e da Suprema Corte. Essas inovações traduzem uma pequena mudança no que pertine ao sistema judicial do Reino Unido e sua análise de compatibilidade das normas internas.

Após as eleições gerais em 1997, a Casa dos Comuns aprovou o Human rights Act, que passou a vigorar no Reino Unido em outubro de 2000.

Esse diploma legal incorporou à legislação interna do Reino as principais normas da Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950, tendo em conta que lá vigora o sistema dualista em que os tratados para imporem obrigações internas devem ser incorporados ao ordenamento jurídico por intermédio de leis próprias.

O Human rights Act incorporou à legislação do Reino Unido diversos direitos fundamentais permitindo-se aos tribunais britânicos a análise da legitimidade das leis internas em face da Convenção Europeia de Direitos Hu-manos. Segundo dAniel FelzeMBurg, essas normas do Human rights Act (HRA)

4. Há quem dê uma interpretação mais elástica para enquadrar outros elementos na ideia de pressupostos de controle. FernAndes, por exemplo, seguindo a linha de alguns autores, como Rui Barbosa e Gilmar Mendes, fala em quatro pressu-postos: existência de uma Constituição Formal e Rígida; 2) o entendimento da Constituição como uma norma jurídica fundamental; 3) a existência de, pelo menos, um órgão dotado de competência para realização da atividade de controle; 4) uma sanção para a conduta (positiva ou negativa) realizada contra a Constituição. Op. cit., p. 854.

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são hierarquicamente inferiores às leis do parlamento, havendo, portanto, no caso de antinomia, prevalência da norma interna.5

Entretanto, isso merece uma melhor reflexão. Com efeito, a seção 3ª, alínea 1ª, do HRA estatui que: na medida do possível, as normas britânicas devem ser interpretadas e aplicadas de maneira compatível com os direitos da Convenção.6

A seção 4 do RHA fixa a regra de que se não for possível a declaração de compatibilidade entre as referidas normas, o Judiciário deve efetuar a decla-ração de incompatibilidade (declaration of incompatibility), que consistirá na aplicação da lei britânica, mas na declaração de sua incompatibilidade com o RHA, permitindo que o Ministro competente utilize uma “ordem de reparo” voltada ao Parlamento que teria competência para tornar a legislação interna compatível com o RHA.

Há quem enxergue nesse modelo, a introdução de um sistema de controle de constitucionalidade no Reino Unido.

Essa ideia seria reforçada pelo Constitutional Reform Act de 2005 que previu o estabelecimento de uma Corte Suprema no Reino Unido (Supreme Court of The United Kingdom), com sede em Londres. Esse Tribunal Supremo é composto por doze juízes indicados pelo Primeiro Ministro e nomeados pela Rainha7.

Não obstante as referidas mudanças, ainda não se pode afirmar que haja controle judicial de constitucionalidade no Reino Unido. Há na verdade uma mitigação da Supremacia do Parlamento e uma melhor adequação ao princípio da separação dos poderes de forma a implementar maior simbiose entre o Le-gislativo e o Judiciário na análise de compatibilidade da legislação interna com a legislação externa, pois a referida reforma empreendida pelo Constitutional Reform Act teve por escopo separar as funções legislativa e judiciária que se concentram em um só órgão legislativo: Câmara dos Lordes.

Mas, a nosso sentir, ainda não podemos enxergar no Direito do Reino Uni-do um controle judicial de constitucionalidade. Com efeito, na declaração de incompatibilidade identificamos uma inexistência de distinção entre normas constitucionais e infraconstitucionais; o Parlamento tem liberdade para mo-

5. FelzeMBurg, Daniel Martins. Direitos Fundamentais no Reino Unido: Um Estudo do Human Rights Act. Prismas: Direito, Política Pública e Mundia. Brasília, v. 3, n.2, p. 217-242, jul/dez. 2006.

6. So far as possible to do so, primary legislation and subordinate legislation must be read and given effect in a way wich is compatible with the Convention rights.

7. A composição desse tribunal está regulada pelo Statutory Instrument n. 1.604/2009.

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dificar a legislação; não há um conflito abstrato ou em tese entre leis, havendo declaração de incompatibilidade de forma apenas incidental; inexistência de competência judicial para anular um do Parlamento8. Em síntese, continua correta a assertiva de que constituem pressupostos do controle de constitucio-nalidade a rigidez e supremacia formal da Constituição.

Entretanto, há quem identifique nas referidas reformas contornos de uma jurisdição constitucional de caráter bastante complexo.9

É mister delinearmos que o “controle judicial de constitucionalidade das leis” não é expressão sinônima de “jurisdição constitucional”, como nos alerta CAppelletti.10 Aquele representa um dos vários possíveis aspectos da “justiça constitucional”.

Como é de sabença geral, a Jurisdição é o poder-dever do judiciário de aplicar a lei, quando provocado, substituindo, com definitividade, em regra, a vontade das partes.

Assim, temos que a jurisdição constitucional representa a aplicação das normas Constitucionais pelos órgãos do judiciário11 e tem por problema central a “garantia jurisdicional” da Constituição, ou no dizer de Kelsen, a “garantia jurisdicional da Constituição – jurisdição constitucional – é um elemento do sistema de medidas técnicas que tem por fim garantir o exercício regular das funções estatais”.12

Dentre as medidas para a garantia jurisdicional da Constituição, está o controle judicial da constitucionalidade das leis, que no caso do Reino Unido ainda é inexistente, nos moldes do que existe no Brasil.

4. surgimento formal da ideia de controle de constitucionalidade

Hodiernamente, o controle de constitucionalidade, embora seja tarefa intimamente ligada às funções judiciais, é exercitado, também, por outros órgãos constitucionais: Legislativo, Executivo, Judiciário, Tribunal de Contas.

Há, como vimos, Estados onde inexiste o procedimento de controle propriamente dito (Reino Unido). Há ainda, controle de matrizes próprias, a

8. FELZEMBURG, op. cit. p. 230-231. 9. MENDES; COELHO, BRANCO, Curso, op. cit., 5a ed. , p. 1164. 10. CAPPELLETTI, op.cit., p. 23. 11. BARROSO, op. cit., p. 3. 12. KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 124.

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exemplo da França que criou um órgão estranho ao Judiciário para empreender à fiscalização das leis em face da Constituição. Sobre essas matrizes, falaremos, com maior vagar, ao longo da exposição.

Mas o controle mais rico, certamente, é aquele empreendido pelo Poder Judiciário. Aliás, a ideia de supremacia do parlamento e intangibilidade de suas leis, foi quebrada com o surgimento do controle judicial de constitucionalidade, no Direito norteamericano.

A possibilidade de se declarar uma lei (fruto de um trabalho do legisla-dor) inválida por contraria a Constituição, é relativamente recente no cenário jurídico, contando com pouco mais de duzentos anos.

Destarte, com o conceito de “separação dos poderes” amadurecido a partir, principalmente, da obra de Montesquieu O Espírito das Leis, era, prima facie, inviável o poder judiciário, por exemplo, interferir na tarefa do poder legislativo, para o fim de invalidar os efeitos de uma lei.

Entretanto, em 1803, nos Estados Unidos, no caso Marbury versus Madison, foi institucionalizada a operação de verificação de controle de constitucionali-dade judicial das leis numa criação pretoriana da Suprema Corte.

MAuro CAppelletti13 e BArroso14 notiCiAM-nos o episódio.

No final do ano de 1800, nos Estados Unidos, Thomas Jefferson (repu-blicano) fora eleito o novo Presidente dos Estados Unidos, derrotando o então Presidente e candidato à reeleição John Adams (federalista). A derrota também se deu no Congresso, pois os republicanos saíram vencedores no processo eleitoral. Para manterem a influência política, os federalistas fizeram uma ma-nobra em 1801: aprovaram leis que reorganizavam o Judiciário, diminuindo o número de Ministros da Suprema Corte para evitar uma nova nomeação pelo Presidente eleito, criando 16 novos cargos de juízes federais a serem preenchi-dos por federalistas e autorizando a nomeação, pelo Presidente da República, de 42 juízes de paz. No último dia do Governo de Adams, foi assinado o ato de investidura desses juízes de paz. Entretanto, John Marshall, Secretário de Estado, não conseguiu entregar os atos de investidura a todos os nomeados. Assim, empossado o novo Presidente, seu Secretário James Madison se recusou a entregar os atos de investidura aos nomeados restantes, dentre eles William Marbury, que inconformado com o ato ajuizou demanda perante a Suprema

13. CAPPELLETTI, Mauro. O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado. Porto Alegre: SAFE, 1984.

14. BARROSO, op. cit., p. 4.

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Corte Americana. Entre o ajuizamento da demanda e a decisão da Suprema Corte, vários incidentes causaram tensão política entre os poderes, inclusive lei aprovada pelo Congresso, extinguindo os cargos de juízes criados.

A demanda ajuizada foi decidida em 1803 pela Suprema Corte, tendo como relator o Chief of Justice John Marshall, que em seu voto criou “três fundamen-tos15” para o controle de constitucionalidade:

• SupremaciadaConstituição

• NulidadedaleicontráriaàConstituição

• OPoderJudiciáriocomointérpretefinaldaConstituição

Não há dúvida de que o controle judicial de constitucionalidade das leis é um contributo do judicial review of the constitutionality of legislation de matriz norte-americana e origem pretoriana no precedente da Supreme Court , da lavra do seu Chief Justice, John Marshall, na causa Marbury versus Madison de 1803.

Esse precedente traz como paradigma de Constituição dotada de supre-macia formal a Constituição Americana de 1787. Entretanto, segundo sustenta Cappelletti, existiu em mais antigos sistemas jurídicos uma modalidade de su-premacia de determinada lei ou corpo normativo em relação às outras16, o que, transportado para a doutrina moderna, se consubstanciaria numa supremacia de leis constitucionais sobre leis ordinárias.

Com efeito, noticia-nos o saudoso Professor Italiano que, no Direito ate-niense, havia duas espécies de normas, as leis (nómoi) e os decretos (pséfismas). O decreto, independentemente de sua substância, devia guardar compatibilidade, material e formal, com a lei, sob pena de acarretar a responsabilidade penal para quem propôs o decreto, bem como a sua invalidade, já que os magistrados eram obrigados a julgar segundo os decretos, salvo quando estes fossem contrários às leis. Logo, vislumbra-se nessa narrativa histórica de Cappelletti uma incipiente fórmula de controle de constitucionalidade.

Embora haja notícia histórica de outros procedimentos de controle narra-dos por Cappelletti, o precedente norte-americano é o de maior repercussão e difundido como o precursor da ideia de controle de constitucionalidade das leis.17

15. BARROSO, op. cit., p. 8. 16. CAPPELLETTI, op. cit., p. 48. 17. CAPPELLETI (op. cit. ,p. 57-61) narra precedentes na história antiga e na história

medieval que indicariam um mecanismo bem similar ao controle de constitucio-nalidade. Há quem afirme que a inspiração de Marshall, para fixar a supremacy of the judiciary, veio de um Artigo de Alexander Hamilton no Federalista n. 78: “A

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5. Natureza da inconstitucionalidade

5.1 Planos da existência, validade e eficácia

O ato ou a lei produzido em confronto com a Constituição é, portanto,

inconstitucional. Mas qual seria a natureza jurídica da inconstitucionalidade?

Essa é uma pergunta que poderia conduzir às seguintes respostas: inexistência,

invalidade, ineficácia.

A doutrina constitucionalista, pega por empréstimo, dos estudos de Direito

Civil, a análise, parcial, dos planos de existência, validade e eficácia dos negócios

jurídicos. O tema encontrou desenvolvimento na doutrina francesa e italiana,

encontrando, no Brasil, estudo profundo de Pontes de Miranda.

Há inclusive quem denomine esses três planos de escala ponteana. Dado

que para Pontes de Miranda, a análise perpassa, sucessivamente, a esses três

planos.

integral independência das cortes de justiça é particularmente essencial em uma Constituição limitada. Ao qualificar uma Constituição como limitada, quero dizer que ela contém certas restrições específicas à autoridade legislativa, tais como, por exemplo, não aprovar projetos de confiscos, leis ex post facto e outras similares. Limitações dessa natureza somente poderão ser preservadas na prática através das cortes de justiça, que têm o dever de declarar nulos todos os atos contrários no manifesto espírito da Constituição”. HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. O Federalista. Tradução de Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: Russel, 2003, p. 471.

A história judiciária americana narra que antes do célebre caso Marbury X Madi-son, já haviam precedentes das cortes estaduais e federais inferiores, nas quais o judiciário recusava à aplicação da lei em dissonância com a Constituição. BAR-ROSO, O Controle..., op. cit., p. 6.

Ademais, CAPPELLETTI chega a afirmar que o precedente imediato, que mais inspirou o instituto norteamericano, tenha sido o radicalmente oposto sistema inglês da Supremacia do Parlamento. Por algumas décadas, vigorou na Inglaterra uma doutrina de Edward Coke, que ruiu com a Revolução Gloriosa de 1688. De acordo com essa doutrina, a lei não era criação, mas somente afirmação ou declaração da vontade soberana, pois a common law era uma lei fundamental e prevalente em relação à statutory law, que poderia ser completada pelo legislador, mas não por ele violada. E, portanto, o juiz funcionaria como um árbitro entre o Rei e a nação, cabendo-lhe controlar a supremacia do common Law eram os juízes. CAPPELLETTI, op. cit. p. 57-59.

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Plano da Existência. A lei ou o ato que não possui seus elementos essenciais (partes, objeto, vontade, e forma) são inexistentes. Trazendo para o plano do Direito Constitucional, valemo-nos das lições de BArroso

a existência de um ato jurídico – que pressupõe, naturalmente, uma manifesta-ção no mundo dos fatos – verifica-se quando nele estão presentes os elementos constitutivos definidos pela lei como causa eficiente de sua incidência. [...] a ausência, deficiência ou insuficiência dos elementos que constituem pressupostos materiais de incidência da norma impedem o ingresso do ato no mundo jurídico.18

Exemplo citado pelo emérito doutrinador se refere a uma lei que não houvesse resultado de aprovação da casa legislativa, por ausente manifestação de vontade apta a fazê-la ingressar no mundo jurídico.

A nosso sentir, se uma lei é inexistente não há necessidade, em regra, de manifestação do Poder Judiciário, pois ela não existe. Logo, não pode ser válida ou inválida nem mesmo pode produzir efeitos.

No caso das leis ordinárias e complementares, entendemos que elas existem a partir de sua sanção emanada do Chefe do Executivo, após regular aprovação no Poder Legislativo. Entretanto, embora existente, ainda não podem surtir efeitos, pois demandam promulgação (certidão de nascimento) e publicação (divulgação de seu texto aos destinatários, no Diário Oficial).

Plano da validade. Existindo a lei ou o ato, passa-se ao plano da validade, em que se perquire se neles estão presentes os seus atributos ou qualidades. Assim, estando presentes o agente, forma e objeto, o ato ou lei serão existentes. Agora, a qualificação desses elementos está vinculada à validade. O Agente deve ser competente, o objeto deve ser lícito, possível e determinado e a forma deve estar prescrita em lei.19

Logo, uma lei, material ou formalmente, contrária à Constituição existe, mas é inválida.

Plano da eficácia. A eficácia é a aptidão da lei ou do ato para surtir os seus esperados efeitos.

18. BArroso, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 12-13.

19. Ibidem, p. 13.

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5.2 Nulidade da lei inconstitucional

No caso de leis e atos contrários à Constituição, voltamos à pergunta ini-cial: Mas qual seria a natureza jurídica da inconstitucionalidade? A doutrina entende tratar-se de invalidade.

Entretanto, a invalidade pode ser estudada sobre duplo prisma: nulidade e anulabilidade. No primeiro caso, estar-se-ia diante de um vício insanável, que não se convalesce com o decurso do tempo. No segundo, um vício sanável.

Em síntese, a lei contrária à Constituição é nula de pleno direito. Portanto, a inconstitucionalidade, no Direito brasileiro, tem natureza de nulidade.

Trata-se de uma adoção da teoria que prevaleceu no Direito norteameri-cano, originariamente.

No caso dos Estados Unidos, com a decisão do juiz Marshall, restou fi-xada a natureza jurídica da lei inconstitucional como lei nula. Afinal, para os americanos, originariamente, não se poderia aceitar a validade de leis ou atos contrários à Constituição, pois isso importaria em suspensão provisória ou parcial da Constituição (inconstitutional statute is not law at all).

Assim, a inconstitucionalidade teria natureza jurídica de nulidade. Logo, a decisão judicial que a reconhece tem natureza declaratória, produzindo efeitos ex tunc ou retroativos, desde a edição da lei. Trata-se do reconhecimento do efeito operativo retroativo.

Essa ideia de nulidade foi combatida pelo austríaco hAns Kelsen. Para ele, uma lei inconstitucional era válida até que a Corte a declarasse contrária à lei maior. Logo, a inconstitucionalidade não geraria uma nulidade, mas apenas a anulabilidade da lei ou do ato normativo. Assim, a decisão judicial que reconhe-ceria a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo teria natureza constitutiva negativa, produzindo, portanto, efeitos não retroativos ou ex nunc.

A doutrina pátria majoritária e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal filiaram-se à corrente defendida por Marshall. Assim, a inconstitucio-nalidade de uma lei tem natureza de ato nulo, no Brasil.

Entretanto, a teoria da nulidade, sofreu algumas mitigações no próprio direito americano, e tem sofrido atenuação na jurisprudência do Supremo Tri-bunal Federal em face de situações excepcionais e complexas que demandam um tratamento diferenciado, pois não se enquadrariam na dualidade de consti-tucionalidade/inconstitucionalidade, podendo os efeitos operativos retroativos gerar insegurança jurídica ou não se adequar a certas inconstitucionalidades.

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Ademais, essa atenuação, embora tenha sido criação pretoriana no Brasil, tem, atualmente, respaldo na Lei 9.868/99, que trata do processo e do julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucio-nalidade.

O art. 27 desse diploma legal estatui que:

ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o su-premo tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Esse dispositivo autoriza o que a jurisprudência da Suprema Corte tem denominado de ‘modulação temporal dos efeitos’ da decisão. Dessa forma, o Tribunal, por maioria qualificada, atenua a teoria da nulidade, podendo fixar o momento a partir do qual a lei ou ato serão considerados inconstitucionais, inclusive, diferindo os efeitos da decisão (inconstitucionalidade para o futuro). O tema será melhor desenvolvido ao final do capítulo, quando trataremos das técnicas de decisão do controle judicial de constitucionalidade no Brasil.

6. Espécies ou tipos de Inconstitucionalidade

A doutrina separa a inconstitucionalidade em face de diferentes tipos classificatórios.

6.1 Quanto ao conteúdo

Quanto ao conteúdo, fala-se em inconstitucionalidade formal e material.

a) Inconstitucionalidade formal, orgânica ou nomodinâmica:20

A inconstitucionalidade formal é aquela de caráter procedimental, isto é, por vício na formação da lei ou do ato.

Na verdade, a inconstitucionalidade formal (nomodinâmica) pode ser dividida em formal propriamente dita ou stricto sensu e orgânica. Na primeira, a lei ou o ato têm um vício no processo de formação, há, portanto, uma defeito no processo legislativo. Ao passo que na segunda (orgânica), é encontrado um vício nas regras de repartição constitucional de competência.

20. Nomodinâmica é nome atribuído à inconstitucionalidade formal por gonçAlves, op. cit., p. 368. A inconstitucionalidade material para ele é nomoestática.

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191Controle de ConstituCionalidade

Assim, a inconstitucionalidade seria formal, stricto sensu, por vício no pro-

cesso legislativo, e orgânica, quando a violação for às regras de competência.21

Seriam exemplos de inconstitucionalidade formal propriamente dita: a

lei resultante de vício de iniciativa do projeto de lei; a lei aprovada por quórum

aquém do exigido, ou com menos turnos que o exigido. No primeiro caso

teríamos um vício formal subjetivo. No segundo, um vício formal objetivo.

A inconstitucionalidade formal stricto sensu, a seu turno, pode ser subdi-

vidida em: subjetiva e objetiva. Quando houver violação às regras de iniciativa

da proposição legislativa, há uma inconstitucionalidade formal subjetiva, pois

o sujeito que ofertou o projeto ou a proposta não tinha legitimidade ampla ou

restrita. Quando o vício formal se der nas outras fases do processo legislativo

será tido como objetivo.

Seria exemplo de inconstitucionalidade orgânica a criação de uma lei

distrital sobre trânsito. Com efeito, compete privativamente à União legislar

sobre trânsito. Se a Câmara Legislativa do Distrito Federal editasse uma lei de

trânsito, seria um órgão incompetente para fazê-lo, usurpando competência

constitucional da União. Nesse caso, teríamos uma inconstitucionalidade

formal orgânica.

A propósito do vício de iniciativa a projeto de lei, pergunta-se se ele seria

suprido com a sanção do chefe do Executivo. O STF, na vigência da Constituição

de 1946, editou a Súmula 05, fixando o entendimento de que a sanção supriria o

vício. Na vigência da Constituição posterior – 1967/1969 – esse entendimento

restou superado (RP 890, Rel. Oswaldo Trigueiro, DJ 07.06.1974), o que foi

reafirmado pelo STF, após a novel Constituição (ADI 266/RJ, Rel. Min. Otávio

Gallotti, DJ 06.08.93).

b) Inconstitucionalidade material ou nomoestática:

A inconstitucionalidade material é aquela resultante de uma incompatibi-

lidade de conteúdo entre a lei e a Constituição. Assim, criada uma lei que viole

regra ou princípio da Constituição, falamos em inconstitucionalidade material,

a exemplo de uma lei que viole o princípio da isonomia ou igualdade.

21. BArroso, op. cit., p. 26. Exemplo de inconstitucionalidade orgânica, lei estadual que trate de direito penal, que é assunto da competência privativa da União.

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192 Manual de direito ConstituCional

Segundo CAnotilho, a inconstitucionalidade material envolve não só o contraste direto do ato legislativo com o parâmetro constitucional, mas também a aferição do desvio de poder ou excesso de poder legislativo.22

São exemplos doutrinários do excesso de poder legislativo a violação ao princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso, revelados na con-trariedade, incongruência e irrazoabilidade ou inadequação entre meios e fins.

Sintetizamos a inconstitucionalidade quanto ao conteúdo, para facilitar a compreensão, a partir do seguinte esquema:

inconstitucionalidadequanto ao conteúdo

Formal(nomodinâmica)

Material(nomoestática)

Violaçãode conteúdo

Formalpropriamente dita

subjetivaVício deiniciativa

objetivaVício no processolegislativo, salvo

na iniciativa

orgânica incopetência

6.2 Quanto à conduta

A conduta que acarreta a inconstitucionalidade pode ser comissiva ou omissiva. No primeiro caso, falamos em inconstitucionalidade por ação. No segundo, por omissão.

a) Inconstitucionalidade por ação:

A inconstitucionalidade por ação é aferida de uma conduta positiva re-sultante da elaboração (facere) de lei ou ato normativo incompatível com a Constituição.

b) Inconstitucionalidade por omissão:

O fenômeno da inconstitucionalidade nasceu da ideia de uma conduta positiva de se empreender à elaboração de leis ou atos em confronto com a

22. CAnotilho, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição apud MEN-DES et alli, op.cit., p. 963.

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193Controle de ConstituCionalidade

Constituição. Entretanto, a partir do Direito alemão, desenvolveu-se com a Lei Fundamental de Bonn, a ideia da inconstitucionalidade por omissão23.

A inconstitucionalidade por omissão é aferida de uma conduta negativa (non facere) resultante de uma omissão ou inércia ao dever constitucional de tornar efetiva norma constitucional, mediante atividade integrativa regulamen-tadora, ou seja, é oriunda de uma inércia legislativa em um dever constitucional de legislar.

Toda norma constitucional deve ter efetividade, aplicabilidade. Algumas têm aplicabilidade imediata, outras mediata. Neste último caso, a constituição, expressa ou implicitamente, determina aos poderes constituídos uma condu-ta integrativa consubstanciada na elaboração de leis ou atos normativos que atribuam aplicabilidade às normas constitucionais. A inércia legislativa ou integrativa acarreta a inconstitucionalidade por omissão.

Segundo BArroso, em relação às normas programáticas, ordinariamente, não se vislumbra de inconstitucionalidade por omissão, exceto se a inércia in-viabilizar providências ou prestações correspondentes ao mínimo existencial.24

A omissão inconstitucional pode ser total ou absoluta e parcial ou relativa. No primeiro caso, o legislador queda-se totalmente inerte em seu dever constitu-cional de legislar. No segundo caso, o legislador cria a norma regulamentadora, mas com o conteúdo aquém do exigido pela Constituição.

Exemplo típico da inconstitucionalidade por omissão parcial é aquela resultante da lei fixadora do salário mínimo. Não há dúvida de que um salário mínimo nacionalmente unificado no atual valor não efetiva ao trabalhador e sua família todos os direitos elencados no art. 7.º, IV, da CF.

“Caso clássico da omissão parcial é a chamada exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade”25, quando o legislador faz norma que contraria o princípio da isonomia, concedendo vantagens ou benefícios a determinados segmentos ou grupos sem contemplar outros que se encontram em condições idênticas. Nesse caso, há quem denomine essa omissão parcial de relativa, deixando os demais casos de omissão não integral como “omissão parcial no sentido restrito”.26

23. MENDES; COELHO; BRANCO, op. cit. , 5ª ed. , p. 1186. 24. BARROSO, op. cit., p. 34. 25. MENDES et alli, op. cit., p.. 976. 26. BARROSO, op. cit., p. 37.

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194 Manual de direito ConstituCional

Quanto à inconstitucionalidade omissiva, a Constituição previu dois meios idôneos para atacá-la: ação direta por inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção, que serão tratados em tópicos em capítulos oportunos.

6.3 Quanto à origem

Quanto ao momento em que a inconstitucionalidade surge no mundo jurídico, ou levando em consideração o momento da edição das leis e da Cons-tituição, poderíamos falar em inconstitucionalidade originária e superveniente.

a) Inconstitucionalidade originária

A partir da promulgação da Constituição, todo ato normativo ou lei que lhe contrariar o conteúdo é inconstitucional. Assim, leis e atos posteriores à Constituição que com ela sejam incompatíveis têm inconstitucionalidade ori-ginária. Perfeita e cristalina é a definição de inconstitucionalidade originária dada por Barroso, “quando resulta de defeito congênito da lei: no momento de seu ingresso no mundo jurídico ela era incompatível com a Constituição em vigor, quer do ponto de vista formal ou material”.27

b) Inconstitucionalidade superveniente

A inconstitucionalidade superveniente resulta da incompatibilidade entre uma lei ou atos infraconstitucionais e uma superveniente Constituição ou com o texto da Constituição resultante de emenda constitucional.

Resulta também da incompatibilidade entre “norma constitucional su-perveniente e o direito pré-constitucional”.28 Assim, se lei criada na vigência de uma constituição contrastar com o texto da nova Constituição, estaríamos diante de uma inconstitucionalidade superveniente. Ademais, se uma lei cria-da na vigência de uma Constituição contrariar o novo texto constitucional decorrente de emenda à Constituição, a inconstitucionalidade superveniente se faria presente.

No entanto, essa classificação, no Brasil, é meramente didática, eis que o Supremo Tribunal Federal enfrentou o tema perquirindo se essa incompati-bilidade entre o direito pré-constitucional e a nova Constituição se trataria de inconstitucionalidade superveniente ou revogação, tendo se inclinado para a

27. BARROSO, op. cit., p.,40. 28. MENDES et alli, op. cit., p. 965.

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195Controle de ConstituCionalidade

segunda tese, tanto na vigência da Constituição precedente quanto na vigência

da Constituição de 1988.29

Com efeito, no julgamento da ADI n. 2, já sob a égide da Constituição de

1988, o Min. Rel. Paulo Brossard encabeçou a tese da inexistência de inconsti-

tucionalidade superveniente, no Brasil. Conforme assentado pelo Min. Paulo

Brossard, se houver incompatibilidade entre lei infraconstitucional anterior

à nova Constituição, esta revogará aquela, dado que a lei posterior revoga a

anterior com ela incompatível. Logo, no Brasil não se fala, em regra, em incons-

titucionalidade superveniente30.

Esse posicionamento foi crucial para definir a impossibilidade de se ma-

nejar ação direta de inconstitucionalidade para atacar leis anteriores à Cons-

tituição de 1988.31

A análise de que a lei pré-constitucional não importa em inconstitucio-

nalidade, mas em mera revogação, perdeu um pouco de importância com a

regulamentação do art. 102, § 1.º, da CF, que tratou da ADPF – arguição de des-

cumprimento de preceito fundamental. Com efeito, a ADPF é ação concentrada

no STF cujo objeto mínimo é a análise, com efeitos erga omnes e vinculante, da

recepção ou não de normas pré-constitucionais.

Entretanto, é curial ressaltar que a Suprema Corte tem começado a mitigar

sua orientação original constante da ADI n. 2.

No julgamento da ADI 3.833 o STF, apesar de afirmar que a ADI não tem

por objeto a análise de direito pré-constitucional, fixou o entendimento de que,

na referida ação, o Tribunal pode resolver, incidenter tantum, controvérsia sobre

revogação de norma constitucional originária em face de EC.

29. Na vigência da CF 1967/1969, o STF, no julgamento da Rp. 946, fixou a premissa de que o advento da Constituição acarreta análise no âmbito do direito intertem-poral e não da inconstitucionalidade superveniente.

30. STF, ADI 2, Rel. Min. Paulo Brossard, Julgamento em 06.02.1992, DJ de 21.11.1997. 31. Veremos adiante que para questionar a recepção ou não de diploma ou norma

anterior à Constituição atual, teremos instrumentos de controle difuso de cons-titucionalidade, bem como a ADPF – arguição de descumprimento de preceito fundamental.

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196 Manual de direito ConstituCional

No referido caso, o STF declarou, incidentalmente, o exaurimento de norma contida no Decreto Legislativo 444/2002, editada com base na redação originária da CF 1988, supervenientemente revogada pela EC 41/2003.32

Ademais, em outro precedente, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar Resolução 1/2005, da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, que consolidava várias alterações à uma Resolução pré-constitucional 576/1970, fixou entendimento de que uma norma pré-constitucional, ao se incorporar a um diploma pós-constitucional, permite o controle abstrato via Ação Direta.33

Por fim, é mister ressaltarmos que, tradicionalmente, não se aceita incons-titucionalidade superveniente no Brasil. Mas há quem entenda que a incons-titucionalidade superveniente ocorre, também, pela mutação constitucional, principalmente, por conta de mudança de interpretação judicial. Nessa hipótese, aí seria plausível falar em inconstitucionalidade superveniente no Brasil, diante da inegável mutação constitucional que vem sendo empreendida pelo Supremo Tribunal Federal, em diversos casos.

6.4 Inconstitucionalidade Total e Parcial

Considerando a abrangência do diploma normativo incompatível com a Constituição, poderemos falar em inconstitucionalidade total ou parcial.

a) Inconstitucionalidade total

Quando um diploma legal estiver integralmente incompatível com a Cons-tituição, ou seja, todos os seus dispositivos conflitarem com a Carta Magna, fala-se em inconstitucionalidade total.

b) Inconstitucionalidade parcial

A inconstitucionalidade parcial resulta de incompatibilidade entre alguns dispositivos de um diploma legal com a Constituição ou mesmo de palavras ou expressões de um dispositivo com a Constituição.

Questão interessante sobre o tema, se refere à possibilidade de se consi-derar palavras ou expressões de um dispositivo de lei inconstitucional. O STF já acatou a tese no sentido afirmativo. Assim, é possível o Judiciário declarar a inconstitucionalidade parcial de uma lei, atingindo uma palavra ou expressão,

32. STF, Plenário, ADI 3.833. Rel. Min. Marco Aurélio, julgada em 19.12.2006, DJ-e de 14.11.2008..

33. STF, Plenário, ADI 3.619. Rel. Min. Eros Grau, julgada em 1.8.2006, DJ de 20.4.2007

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197Controle de ConstituCionalidade

desde que não subverta o sentido da norma.34 Situação distinta ocorre no con-trole preventivo de constitucionalidade, quanto ao veto do Chefe do Executivo.

Com efeito, é cediço que o veto do Chefe do Executivo aos projetos de lei complementar e ordinária pode dar-se por contrariedade ao interesse público ou à inconstitucionalidade. Neste caso, o veto é um importante instrumento político de controle de constitucionalidade e pode abranger a totalidade do projeto ou apenas parte dele. Entretanto, o art. 66 da CF veda o veto parcial quanto às palavras ou expressões. Logo, o veto parcial só poderá abranger o texto integral de um dispositivo (artigo, parágrafo, inciso, alínea ou item).

7. Os sistemas e matrizes de controle de constitucionalidade

7.1 Sistemas de controle

Nesse tópico, estudaremos o direito constitucional comparado. Aqui ana-lisaremos os grandes modelos de controle de constitucionalidade no ordena-mento jurídico de alguns Estados. Alguns autores preferem utilizar a expressão “matrizes de controle” ou “sistemas de controle”.

Nessa obra, preferiremos tratar dos sistemas sobre o prisma de quem efetua o controle de constitucionalidade, isto é, sobre a competência orgânica ou subjetiva para se efetuar o controle. Daí falaremos, em sistemas político, jurídico ou misto.

Os Estados podem adotar um dos seguintes sistemas de controle de cons-titucionalidade: político, jurisdicional ou misto.

Sistema político. Quando órgãos políticos estão encarregados de fazer o controle, diz-se que tal controle é político. Assim, “o controle político é o que entrega a verificação da inconstitucionalidade a órgãos de natureza política, tais como: o próprio Poder Legislativo, solução predominante na Europa no século passado”.35

Sistema judicial. Quando a competência para a declaração de inconstitu-cionalidade das leis e atos normativos está a cargo do Poder Judiciário, falamos em controle judicial ou jurisdicional de constitucionalidade, que no Direito Norteamericano é denominado de judicial review.

34. ADI 896-DF, Rel. Min. Moreira Alves. 35. SILVA, J., op. cit., p. 49.

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198 Manual de direito ConstituCional

Sistema Misto. Finalmente, o controle misto encontra-se nos países que submetem certas leis a controle político e outras a controle judicial, a exemplo da Suiça, onde as leis federais ficam a cargo do controle da Assembleia Nacional e as leis locais ao controle judicial, como nos informa a doutrina.36

A maioria dos países adota judicial review, sem prejuízo de controles preven-tivos ou repressivos por outros órgãos. É o caso do Brasil. Entretanto, a doutrina afirma que o sistema brasileiro de controle é do tipo misto, por conviver ao lado do judiciário, órgãos políticos que realizam o controle de constitucionalidade.

7.2 Principais matrizes de controle de constitucionalidade

7.2.1 Matriz Francesa

Os principais modelos de controle de constitucionalidade no mundo são o americano, o austríaco e o francês. Daí, falar-se em matriz americana, austríaca em francesa. Além dessas, falaremos do modelo brasileiro, em particular.

A Constituição francesa de 4 de outubro de 1958 criou um sistema de controle político de constitucionalidade a ser exercitado por um órgão de-nominado de Conselho Constitucional (Conseil Constitutionnel), distinto do Poder Judiciário37. Daí o motivo de muitos identificarem o controle político como o francês.

Esse Conselho atua de forma preventiva sobre atos normativos em tese, in-clusive sobre tratados. As leis e tratados ainda não promulgados quando eivados de dúvida sobre a constitucionalidade são questionados no Conselho por iniciativa dos Presidentes da República, da Assembleia, do Senado, ou do Primeiro-ministro, ficando com sua promulgação suspensa até a manifestação final.

Esse modelo originário sofreu uma reforma em 2008 para permitir ao Conselho o controle abstrato repressivo de constitucionalidade mediante pro-vocação do Conselho de Estado francês ou da Corte de Cassação por meio da exceção de inconstitucionalidade (exception d’inconstitutionnalité38).

36. SILVA, J., op. cit., p. 49. 37. O referido órgão compõe-se de nove membros, sendo três nomeados pelo Presi-

dente da República, três pelo presidente da Assembleia e três pelo Presidente do Senado, renovando-se por terças partes em cada triênio. Integram, igualmente, o Conselho como membros natos, os ex-presidentes da República. CAPPELLETI, op. cit. ,p. 27.

38. Ibidem, p. 897-898.

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199Controle de ConstituCionalidade

Com efeito, a Lei 724, de 23/4/2008 acrescentou à Constituição francesa

de 1958, o art. 61-1. Segundo esse dispositivo, o Conselho Constitucional,

quando provocado pelo Conselho de Estado ou pela Corte de Cassação, pode

declarar a inconstitucionalidade de disposição legal que atente contra os direi-

tos e liberdades garantidos na Constituição. Essa declaração pode ter inclusive

modulação dos efeitos temporais, pois o art. 62 ganhou um novo dispositivo

para autorizar que o Conselho Constitucional francês, em sua decisão fixe a

partir de que momento a lei é considerada revogada39.

7.2.2 Matriz Americana

Quando tratamos do surgimento da ideia de controle de constitucionali-

dade, vimos que o precedente paradigmático é dos Estados Unidos da América.

No caso Marbury vs Madison, a Suprema Corte americana, em 1803, criou o

modelo judicial de controle de constitucionalidade das leis.

Trata-se de matriz de controle repressivo difuso, de caráter subjetivo.

Com efeito, esse controle judicial pode ser exercitado por quaisquer órgãos

judiciários. Daí o seu caráter difuso.

Ademais, a questão constitucional é resolvida em litígios levados a co-

nhecimento do judiciário. Portanto, a matéria acerca da inconstitucionalidade

está adstrita a um caso concreto e não um cotejo em tese ou abstrato da norma

constitucional com uma lei ou um ato. Assim, a sobredita questão constitu-

cional só pode ser arguida em um caso concreto e na medida em que a lei , cuja

constitucionalidade se discute, seja relevante para a decisão do caso concreto40.

As decisões, nesse tipo de controle, quando emanadas da Suprema Corte

tem uma espécie de efeito vinculante para os demais órgãos judiciários em face

39. MENDES, COELHO, BRANCO, op. cit, 5ª ed. , p. 1163. 40. CAPPELLETTI, op. cit. p. 103.

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200 Manual de direito ConstituCional

de um atributo dessa decisão denominado de stare decisis41, que culmina numa verdadeira eficácia erga omnes da decisão42.

A segunda Constituição brasileira (CF de 1891) contemplou esse sistema sem, entretanto, a força do stare decisis43.

7.2.3 Matriz Austríaca

A Áustria promulgou em 1º de outubro de 1920 uma Constituição que contemplou um modelo próprio de controle de constitucionalidade: sistema judicial concentrado, idealizado por Hans Kelsen44.

A questão sobre a inconstitucionalidade da lei é concentrada em uma Corte ou num Tribunal Constitucional composto por integrantes do Judiciário. Nesse tipo de controle, o modo como as questões acerca da inconstitucionalidade são versadas é pela via principal.

Destarte, a dúvida sobre a constitucionalidade da lei deveria ser objeto de uma ação com o fim específico de que o Tribunal sobre ela se manifestasse desvinculadamente de litígios ou casos concretos.

Diferentemente do modelo americano, na matriz austríaca os juízes não poderiam declarar a inconstitucionalidade de uma lei, dada a competência ex-clusiva da Corte Constitucional. Entretanto, em 1929, a Constituição sofrera

41. Stare decisis: “Princípio de uniformização da jurisprudência (a máxima latina que significa ‘sê fiel ao que foi decidido’ expressa a regra da obrigatoriedade de seguir o precedente judicial, praticada pelos tribunais de tradição do common law, e segundo a qual uma questão judicial deve ser decidida da mesma forma que foi decidida uma questão semelhante anterior, privilegiando a uniformização da jurisprudência; Essa regra dispõe que a decisão do tribunal superior vincula o tribunal inferior, e que aquele também não pode desobedecer ao próprio prece-dente, a não ser por uma razão extraordinária. No primeiro caso, ocorre a vertical stare decisis e, no segundo, a horizontal stare decisis [...] jurisprudência vinculante. MELLO, Maria Chaves de. Dicionário Jurídico. Português-Inglês. Inglês-Português. 9ª ed. São Paulo: GEN, Ed. Método, 2009, p. 965-966.

42. CAPPELLETTI, op. cit. p. 81. 43. A importação do modelo americano, de viés common law, por países da civil law,

como é o caso brasileiro, sem a adoção do stare decisis, traz inúmeras inconsis-tências, conforme narrado por CAPPELLETI, op. cit., p. 77-79.

44. De fato, o arquétipo foi posto em prática pela Constituição austríaca de 1º de outubro de 1920 (chamada Oktoberverfassung), redigida com base em um projeto elaborado, a pedido do governo, pelo Mestre da ‘escola jurídica de Viena’, Hans Kelsen. CAPPELLETTI, op. cit., p. 68.

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201Controle de ConstituCionalidade

reformas para legitimar dois órgãos judiciários ordinários para instaurar perante a Corte Constitucional o processo de controle das leis.45

7.2.4 O modelo brasileiro de controle de constitucionalidade

O Brasil, inicialmente, não possuía um sistema de controle judicial de constitucionalidade das leis. Na vigência da Constituição do Império, preva-lecia a ideia de supremacia do Parlamento, por força da influência do Direito inglês (supremacia do parlamento) e do Direito francês (lei como expressão da vontade geral). Portanto, cabia ao próprio legislativo a tarefa de interpretar o produto de sua atividade, ou seja, a lei por ele criada.

A Constituição de 1824 fixou a competência da Assembleia Geral para fazer as leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las (art. 15, nº 8º), bem como a de velar na Guarda da Constituição (art. 15, nº 9).

Ao Poder Moderador, exercido pelo Imperador, cabia a tarefa de velar pela manutenção e independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes (art. 98).

Com o advento da República, a partir da Constituição de 1891, sob o in-fluxo do Direito norteamericano, como contributo de juristas da lavra de Rui Barbosa, consolida-se no Brasil o controle de constitucionalidade de matriz americana (difuso-concreto).

Mendes, citando AgríColA BArBi, já identifica esse modelo na própria Cons-tituição provisória de 1890 (art. 58, § 1§, “a” e “b”)46.

Embora o Brasil tenha optado por esse modelo americano, de lá não trouxe a força do stare decisis. Ao longo das Constituições supervenientes, o Brasil permaneceu, com algumas adaptações, ao arquétipo de controle difuso-concreto. No entanto, na vigência da Constituição de 1946, por intermédio da Emenda Constitucional nº 16/1965, foi introduzido, ao lado do modelo difuso-concreto, o modelo austríaco de controle concentrado abstrato, com a previsão da “representação de inconstitucionalidade” correspondente à atual ação direta de inconstitucionalidade.

Entretanto, ela só alcançou um caráter abrangente a partir da Constituição de 1988, quando houve uma ampliação dos legitimados ativos à propositura da ação direta. Inicialmente, no modelo da CF de 1946, o legitimado exclusivo era o Procurador-Geral da República.

45. CAPPELLETTI, op. cit., p. 105-106. 46. MENDES; COELHO, BRANCO, op. cit., 5ª ed., p. 1194.

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202 Manual de direito ConstituCional

Portanto, atualmente, convivem no sistema brasileiro de controle judicial de constitucionalidade os modelos difuso-concreto e abstrato-concentrado, sem prejuízo da existência de formas políticas de controle a cargo do Legislativo, do Executivo e do Tribunal de Contas.

Mas, antes de adentramos na discussão desses assuntos, é mister analisar-mos um escorço histórico desse controle no Brasil.

8. Evolução Histórica do Controle de Constitucionalidade no Brasil

Como sabemos, o Brasil passou pelos seguintes regimes constitucionais: Constituição do Império de 1824; Constituição Republicana de 1891; Cons-tituição de 1934; Constituição denominada Polaca de 1937; Constituição de 1946, Constituição de 1967/1969 e Constituição de 1988.

Vejamos a evolução do controle judicial de constitucionalidade no direito brasileiro, ao longo dessas constituições.

Constituição de 1824. Na vigência da Constituição do Império, vigorava o princípio da soberania do Parlamento. Logo, as atribuições legislativas e interpretativas da legislação era tarefa de competência do Legislativo, o que afastava a existência de qualquer procedimento judicial de controle de cons-titucionalidade.

Constituição de 1891. Na primeira Constituição Republicana da história do Brasil, por influência do direito norte-americano (judicial review) e da figura de Rui Barbosa, fora contemplado o sistema judicial difuso. Entretanto, o Brasil adotou o sistema americano (difuso) de controle de constitucionalidade sem importar os efeitos da decisão da Suprema Corte americana consistente no stare decisis.

Constituição de 1934. A segunda Constituição Republicana brasileira introduziu reformas profundas no sistema de controle de constitucionalidade no Brasil, a saber:

• Criouacláusuladeplenáriopelaqualadeclaraçãodeinconstituciona-lidade perante tribunais depende de deliberação da maioria absoluta.

• Instituiuaparticipaçãodosenadonocontroledeconstitucionalidade,atribuindo-lhe competência para suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando decla-rados inconstitucionais pelo judiciário, para colmatar a lacuna da ausência de stare decisis da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

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203Controle de ConstituCionalidade

• CriaçãodarepresentaçãointerventivaaserpropostapeloProcurador-Geral da República para obter declaração de inconstitucionalidade de lei interventiva de autoria do Senado.

Constituição de 1937. A Constituição apelidada de polaca implantou normas que retrocederam na evolução do controle de constitucionalidade. Embora mantido o sistema difuso de constitucionalidade, a Constituição de 1937 instituiu um procedimento legislativo de revisão de decisões judiciais. Com efeito, declarada a inconstitucionalidade de uma lei, o Presidente da República poderia submetê-la ao Parlamento para que, mediante 2/3 de seus membros, validassem a lei e invalidassem a decisão judicial que declarava a lei inconstitucional. Ademais, essa Constituição reduziu sobremaneira a aplica-bilidade do mandado de segurança, ao impedir a sua utilização para atacar atos do Presidente da República, de Ministros de Estado e Interventores.

Constituição de 1946. A Constituição de 1946 reforçou a representação interventiva. Criou, por intermédio da EC 16/1965, o controle abstrato de normas por intermédio da “representação de lei federal, em tese”.

Constituição de 1967/1969. Houve ampliação da representação interventiva para os casos de provimento de execução de lei federal.

Constituição de 1988. A Constituição de 1988 cria e amplia vários instru-mentos para o controle de constitucionalidade, nos seguintes termos:

• Preservouarepresentaçãointerventiva

• Criounovosinstrumentosdecontroledifusodeconstitucionalidade:habeas data, mandado de segurança coletivo e mandado de injunção.

• Transformaçãodarepresentaçãodeinconstitucionalidadeemaçãodireta de inconstitucionalidade.

• Criaçãodaaçãodeclaratóriadeconstitucionalidade(EC3/1993).

• Criaçãodaaçãodireitadeinconstitucionalidadeporomissão.

• Criaçãodaarguiçãodedescumprimentodepreceitofundamental.

• Ampliaçãodorecursoextraordinário.

9. Noções sobre os diferentes órgãos como titulares da competência controladora

No Brasil, ao lado do controle judicial híbrido, em que coexistem o modelo difuso e o concentrado, estão mecanismos de controle a cargo de outros órgãos. Afinal, a fiscalização de constitucionalidade das leis no Brasil é riquíssima e

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204 Manual de direito ConstituCional

repleta de nuances que permitem não só ao judiciário, mas aos demais poderes do Estado participar desse procedimento.

Desse modo, o sistema brasileiro de fiscalização das leis em face da Lei Maior, consagra, ao lado da competência judicial, órgãos político-administra-tivos que colaboram na preservação da autoridade da Constituição. Trataremos nesse tópico, do controle pelo Legislativo, pelo Executivo e pelo Tribunal de Contas, de forma repressiva ou preventiva, conforme o caso.

9.1 Controle Legislativo de Constitucionalidade

O Poder legislativo tem como uma de suas atividades típicas a criação de atos abstratos e gerais que visam a criar, modificar ou extinguir situações ju-rídicas, direitos e obrigações. Logo, é decorrência de sua atividade primordial a criação de leis e atos normativos primários que devem guardar relação de compatibilidade formal e material com a Constituição.

As proposições legislativas (projetos de lei e propostas de emenda às leis constitucionais) não podem, portanto, contrariar a Constituição. Exercida a iniciativa de leis perante qualquer das casas legislativas, as proposições passam por uma análise de verificação dessa compatibilidade.

Em geral, as comissões permanentes de constituição e justiça dessas casas legislativas têm por competência mínima a análise das proposições, elabora-ção e aprovação de parecer pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade destas. Aprovado o parecer, pela Comissão de Constituição, de qualquer das casas legislativas, indicando a inconstitucionalidade de projeto ou propostas, estes são arquivados, evitando-se assim a criação de uma lei inconstitucional.

Nesse caso, o poder legislativo realiza um controle preventivo de constitu-cionalidade, por atuação de suas comissões internas de constituição e justiça. Esse controle, entretanto, não é totalmente eficaz, dada a sua natureza polí-tica. É certo, também, que se as referidas comissões não vislumbrarem uma inconstitucionalidade da proposição, os plenários das Casas estão autorizados a rechaçá-la em face do vício, votando contrariamente à sua aprovação.

Outra via, preventiva, pela qual o Legislativo arrosta a inconstitucionali-dade de uma proposição, é a rejeição de projeto de lei delegada. Na área federal, o Presidente da República tem poder para provocar o Congresso Nacional, requerendo-lhe a delegação para a produção de lei (art. 68). O Congresso ao autorizar o Presidente a adotar lei delegada, poderá fazê-lo de forma condicio-nada à aprovação prévia do projeto ou de forma incondicionada à aprovação,

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cabendo, neste caso, ao Presidente criar, promulgar e publicar, diretamente, após a autorização, a lei delegada no Diário Oficial.

Na primeira situação, estar-se-ia diante de uma lei delegada típica. No segundo, de uma lei delegada atípica. No caso das leis delegadas atípicas, em que a delegação permite apenas que o Chefe do Executivo apresente um projeto de lei, o Congresso empreende um controle preventivo de constitucionalidade, pois pode rechaçar, por completo, o referido projeto por considerá-lo contrário à Lei Maior.

De outro lado, está a lei delegada típica, em que o Poder Legislativo delega a competência direta para a criação da lei ao Chefe do Executivo, independen-temente de aprovação de um projeto. Nesse caso, o legislativo também pode realizar, mas de caráter repressivo ou a posteriori.

Com efeito, no caso de leis delegadas típicas criadas pelo Presidente da República, bem como de atos normativos regulamentares por ele adotados, cabe ao Congresso Nacional, com fundamento no art. 49, V, da CF, sustar-lhes os efeitos, mediante decreto legislativo quando eivados de inconstitucionalidade. Nessas hipóteses, o Legislativo é o agente controlador da constitucionalidade dessas leis e atos normativos.47

Também enxerga-se um controle de constitucionalidade a cargo do Poder Legislativo, no caso das medidas provisórias adotadas pelo Chefe do Executivo (art. 62).

Compete ao Legislativo, após a publicação daquelas no Diário Oficial, rejeitá-las em face de inconstitucionalidade. Entretanto, nesse caso, estamos diante de um controle legislativo de dupla face: repressivo, por retirar a medida provisória do ordenamento jurídico, e preventivo, por evitar a sua transformação em lei ordinária (art. 62, CF).

9.2 Controle Executivo de Constitucionalidade

9.2.1 Negativa de aplicação de lei inconstitucional

Em face da separação dos poderes e do princípio da legalidade, o Poder Executivo deve cumprir os comandos normativos. Se o Chefe do Executivo entender que a lei é eivada de vício de inconstitucionalidade, pode se valer, con-forme o caso, dos meios adequados para invalidá-los, a exemplo da propositura

47. Essa competência legislativa não afasta a competência judicial para invalidá-los.

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de ação direta de inconstitucionalidade pelo Presidente da República contra lei ou ato normativo federal ou estadual (art. 102, I, 1.ª parte, CF).

Entretanto, excepcionalmente, enquanto prepara a propositura da ação correspondente, o Chefe do Executivo (Governador e Presidente), no caso de inconstitucionalidade patente e cristalina, pode baixar um decreto, eximindo a administração pública de cumprir a lei. Afinal, o Presidente da República ao assumir o cargo presta compromisso de cumprir, manter e defender a Constituição (art. 78).

Nesse caso, falamos que o Poder Executivo está a realizar controle político posterior e provisório de constitucionalidade. Ora, o Executivo é obrigado a cumprir não só as leis, mas igualmente a Constituição e, em face da supremacia desta, não há dúvida de que havendo incompatibilidade entre elas, o Executivo deve dar prevalência à segunda, deixando de cumprir comando infraconstitu-cional, desde que a desobediência à lei inconstitucional seja motivada, provi-sória (até pelo menos se obter provimento cautelar em ação direta), emanada do Chefe do Executivo e razoável.

Segundo rAMos, nos ordenamentos em que a Constituição estabelece a sanção de nulidade para as leis que a violem, é irrecusável a competência do Poder Executivo para negar cumprimento à lei inconstitucional.48

O tema não é pacífico, no entanto. Com efeito, gilMAr Mendes rechaça essa possibilidade de controle político posterior pelo Chefe do Executivo dada a existência de legitimidade do Presidente e do Governador para a propositura das ações de controle concentrado de constitucionalidade.49

tAvAres, em excelente estudo sobre o tema, defende o uso da desobediên-cia à lei inconstitucional pelo Chefe do Executivo, dentre outros motivos pelo fato de que o Prefeito não é legitimado ativo à propositura de ações de controle concentrado no STF.50

Nesse sentido, também, temos a doutrina de BArroso

48. RAMOS, Elival da Silva. A inconstitucionalidade das Leis: vício e sanção. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 237.

49. MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996,p. 133.

50. TAVARES, André Ramos. O Tratamento da Lei Inconstitucional pelo Poder Executivo. http://www2.oabsp.org.br/asp/esa/comunicacao/artigos/lei_inconstitucional_pode-rexecutivo.pdf. Acessado em 08.10.2010.

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sem embargo da razoabilidade do argumento adverso, o conhecimento tradi-cional acerca da possibilidade de o estado descumprir lei que fundadamente considere inconstitucional não foi superado, como se colhe na jurisprudência e na doutrina que prevaleceram. Costuma-se lembrar como uma primeira razão, o fato de que o Prefeito não figura no elenco do art. 103, de modo que pelo menos em relação a ele dever-se-ia aplicar o regime anterior, com a consequên-cia curiosa de que, na prática, passaria o Chefe do executivo municipal a ter, nessa matéria, mais poder que o Presidente e o Governador. Mas o principal fundamento continua a ser o mesmo que legitimava tal linha de ação sob as Cartas anteriores: o da supremacia constitucional. aplicar a lei inconstitucional é negar aplicação à Constituição51.

Entendemos que o reconhecimento das ações de controle pela via principal (ADI, ADC e ADPF) com atribuição de legitimidade ativa aos Governadores de estado e do Distrito Federal e ao Presidente da República, a partir de CF de 1988, não afastou a legitimidade excepcional e precária, do Chefe do Executivo, em caráter provisório, determinar à Administração Pública que lhe é subordi-nada, que não cumpram lei flagrantemente inconstitucional, até que se consiga um provimento judicial que lhe assegure a medida. Ademais, tendo em conta que o Prefeito não é legitimado ativo para a propositura de ações de controle principal de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, a ele, com maior razão, se justifica a utilização do referido decreto que nega aplicação à lei inconstitucional, desde que amparado em motivos urgentes e razoáveis.

9.2.2 Veto

Outro importante instrumento de controle de constitucionalidade pelo executivo é o veto aos projetos de lei ordinária e complementar (art. 66).52 No entanto, nessa última hipótese, estamos diante de um controle político preven-tivo que visa a evitar a convolação de um projeto em uma lei inconstitucional.

Trata-se de controle político e incompleto. Com efeito, o Chefe do Exe-cutivo só está autorizado, pela Constituição, a apor o veto a projetos de lei ordinária e complementar, inclusive o projeto de lei de conversão de medida provisória com alteração substancial do texto originário. Logo, verifica-se que esse controle não recai sobre todas as espécies normativas elencadas no art. 59

51. BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 70-71.

52. O tema é melhor tratado nos assuntos relativos a processo legislativo e inconsti-tucionalidade total ou parcial.

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da CF. Ademais, o veto, no Direito brasileiro, diferentemente do Direito norte-americano, pode ser superado pelo poder legislativo, obtendo-se, para tanto, o apoio da maioria absoluta da Casa Legislativa respectiva.

Superado o veto, pela maioria absoluta, e o Chefe do Executivo não con-cordando com a lei criada só poderá se valer da propositura da ação direta, no caso de Governadores e Presidente (art. 103, CF). Nesse caso, o executivo provoca o judiciário que fará o controle posterior.

9.3 Controle de Constitucionalidade pelo Tribunal de Contas

O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, realiza controle de constitucionalidade de leis e atos normativos. Essa competência está reco-nhecida pelo Supremo Tribunal Federal, por meio do verbete da Súmula 347 que assim estabelece: “O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público”.

Assim, o Tribunal de Contas, ao apreciar a legalidade de alguns atos, no caso concreto, está analisando inclusive a compatibilidade destes com a Constituição, desde que obedecida a cláusula de reserva de plenário contida no art. 97 da CF, que determina que a declaração de constitucionalidade de leis perante tribunais depende da manifestação da maioria absoluta dos membros do Plenário ou de órgão especial.

Não há dúvida, portanto, diante dessas considerações, que o controle de constitucionalidade, embora seja competência definitiva do Judiciário, não lhe é competência exclusiva. Sobre o controle judicial falaremos mais adiante.

Esse posicionamento sumulado do Supremo Tribunal Federal, embora ainda vigente, pode vir a ceder, gradativamente, na atual composição da Suprema Corte.

Com efeito, no caso de algumas ações que tramitam perante o Tribunal, há manifestações isoladas, em sede de medida cautelar, que entendem superada a súmula 347. Trata-se de questionamento levado a efeito pela Petrobrás que se insurge contra ato do Tribunal de Contas da União que, reiteradamente, tem determinado a suspensão de procedimento abreviado de licitação em discor-dância com a Lei de Licitações (Lei 8.666).

A Petrobrás, com base em parecer da AGU, e no Decreto 2.745/1998, não tem se submetido à lei geral de licitações, mas a um procedimento abreviado, o que tem sofrido sucessivas interferências do TCU, sob o argumento de que a Petrobrás está, igualmente, regida pela Lei 8.666. O STF, entretanto, em sede de medida cautelar, tem permitido a utilização do procedimento abreviado

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de licitação por essa sociedade de economia mista e já começa a questionar a aplicabilidade da súmula, entendendo, em votos isolados, que descabe, na vigência da atual CF, controle de constitucionalidade pelo Tribunal de Contas.53

10. Modalidades de controle de constitucionalidade

Levando em conta alguns critérios classificatórios, poderíamos dizer que há modalidades ou tipos de controle de constitucionalidade. Empreenderemos o

53. Assim, a declaração de inconstitucionalidade, pelo Tribunal de Contas da União, do art. 67 da Lei n° 9.478/97, e do Decreto n° 2.745/98, obrigando a Petrobrás, consequentemente, a cumprir as exigências da Lei n° 8.666/93, parece estar em confronto com normas constitucionais, mormente as que traduzem o princípio da legalidade, as que delimitam as competências do TCU (art. 71), assim como aquelas que conformam o regime de exploração da atividade econômica do petró-leo (art.177). Não me impressiona o teor da Súmula n° 347 desta Corte, segundo o qual “o Tribunal de Contas, o exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público”. A referida regra sumu-lar foi aprovada na Sessão Plenária de 13.12.1963, num contexto constitucional totalmente diferente do atual. Até o advento da Emenda Constitucional n° 16, de 1965, que introduziu em nosso sistema o controle abstrato de normas, admitia-se como legítima a recusa, por parte de órgãos não-jurisdicionais, à aplicação da lei considerada inconstitucional.

No entanto, é preciso levar em conta que o texto constitucional de 1988 introdu-ziu uma mudança radical no nosso sistema de controle de constitucionalidade. Em escritos doutrinários, tenho enfatizado que a ampla legitimação conferida ao controle abstrato, com a inevitável possibilidade de se submeter qualquer questão constitucional ao Supremo Tribunal Federal, operou uma mudança substancial no modelo de controle de constitucionalidade até então vigente no Brasil. Parece quase intuitivo que, ao ampliar, de forma significativa, o círculo de entes e órgãos legitimados a provocar o Supremo Tribunal Federal, no processo de controle abstrato de normas, acabou o constituinte por restringir, de maneira radical, a amplitude do controle difuso de constitucionalidade. A amplitude do direito de propositura faz com que até mesmo pleitos tipicamente individuais sejam submetidos ao Supremo Tribunal Federal mediante ação direta de incons-titucionalidade. Assim, o processo de controle abstrato de normas cumpre entre nós uma dupla função: atua tanto como instrumento de defesa da ordem objetiva, quanto como instrumento de defesa de posições subjetivas. Assim, a própria evo-lução do sistema de controle de constitucionalidade no Brasil, verificada desde então, está a demonstrar a necessidade de se reavaliar a subsistência da Súmula 347 em face da ordem constitucional instaurada com a Constituição de 1988. (STF, MS 25.888/2006, Rel. Min. Gilmar Mendes, Decisão monocrática cautelar, DJ 29.03.2006 PP-00011).

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estudo da matéria, valendo-nos dos seguintes critérios: a) quanto ao sistema de controle; b) quanto ao momento do exercício do controle; c) quanto ao aspecto subjetivo ou orgânico d) quanto à forma ou modo de controle.

10.1 Quanto ao sistema de controle

Os Estados podem adotar um dos seguintes sistemas de controle de cons-titucionalidade: político, jurisdicional ou misto.

Quando órgãos políticos estão encarregados de fazer o controle, diz-se que tal controle é político. Assim, “o controle político é o que entrega a verificação da inconstitucionalidade a órgãos de natureza política, tais como: o próprio Poder Legislativo, solução predominante na Europa no século passado”.54

Quando a competência para a declaração de inconstitucionalidade das leis e atos normativos está a cargo do Poder Judiciário, falamos em controle judi-cial ou jurisdicional de constitucionalidade, que no Direito norte-americano é denominado de judicial review.

Finalmente, o controle misto encontra-se nos países que submetem certas leis a controle político e outras a controle judicial, a exemplo da Suiça, onde as leis federais ficam a cargo do controle da Assembleia Nacional e as leis locais ao controle judicial, como nos informa a doutrina.55

A maioria dos países adota judicial review, sem prejuízo de controles pre-ventivos ou repressivos por outros órgãos. É o caso do Brasil. Diante da realidade do atual sistema de controle no Direito brasileiro, a doutrina tem preferido denominar nosso sistema de misto.

10.2 Quanto ao momento de exercício do controle

10.2.1 Controle preventivo

O controle preventivo tem por escopo evitar o surgimento de leis contrá-rias à Constituição. Seu objeto de fiscalização são proposições legislativas, isto é, projetos de lei e propostas de emenda constitucional. Portanto, o controle prévio recai sobre proposições e não sobre leis já elaboradas, podendo incidir, igualmente, sobre tratados internacionais subscritos pelo Chefe de Estado que

54. SILVA, J., op. cit., p. 49. 55. SILVA, J., op. cit., p. 49.

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os submete a controle do Legislativo que pode deixar de referendá-los quando contrários à Constituição.

Esse tipo de controle é exercido, principalmente, por órgãos de natureza política, a exemplo do Conselho Constitucional da França.

No Brasil, basicamente, o controle prévio ou preventivo é realizado pelo Le-gislativo e pelo Executivo. Aqui, antes de se originar uma lei, tenta-se, na fase de processo legislativo, evitar que uma proposição legislativa seja convertida em lei, quando aquela estiver em confronto com a Constituição.

Por isso, em cada Casa legislativa, há uma comissão responsável pela análise da compatibilidade de uma proposta ou de um projeto de lei, que, ordinariamen-te, é chamada de Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – CCJ. Quando a referida Comissão emite e aprova parecer pela inconstitucionalidade de uma proposição legislativa, esta é arquivada, evitando-se assim a sua transformação em lei inconstitucional.

Esse controle é de índole política e pode falhar. Se o legislativo, mesmo assim, aprovar projetos de lei ordinária e complementar contrários à Constituição, o Chefe do Executivo poderá vetá-los, no todo ou em parte, por considerá-los inconstitucionais. Todavia, o veto pode ser superado, surgindo, pois, a lei con-trária à Constituição. Disso advém a necessidade de um controle posterior ao surgimento da lei, que denominamos de controle repressivo.

Vimos também, que o Legislativo brasileiro pode empreender controle preventivo nas leis delegadas atípicas.

Infere-se, em síntese, que o controle prévio é da alçada do legislativo e do executivo. Mas, excepcionalmente, pode o judiciário dele participar, quando o parlamentar, querendo assegurar o direito líquido e certo de um devido processo legislativo, impetra mandado de segurança, questionando vício no processo legislativo ou violação de cláusulas pétreas.56

10.2.2 Controle repressivo

O Controle repressivo ou posterior é realizado a partir da promulgação da lei ou, no caso de medidas provisórias, a partir de sua publicação na Imprensa Oficial.

56. Há diversos precedentes do STF nesse sentido: MS 21.648; MS 21.642; MS 21.747; MS 20.257.

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Vários órgãos podem realizá-lo, a exemplo do Congresso Nacional, quando suspende a execução de lei delegada criada pelo Presidente da República em afronta à Constituição (art. 49 da CF).

O Executivo pode, excepcionalmente, por Decreto de seu Chefe, negar aplicação às leis contrárias à Constituição, participando, portanto, de um con-trole posterior (vide tópico 9.2.1).

Mas o controle mais rico é o realizado, a posteriori, pelo Poder Judiciário, eis que mais eficaz e dotado de maior juridicidade em contraposição aos de-mais, seja pelo modelo difuso seja pelo modelo concentrado, que trataremos em um tópico à parte.

10.3 Quanto ao aspecto subjetivo ou orgânico

Esse critério leva em conta o órgão judicial competente para efetuar o controle repressivo de constitucionalidade. Como é cediço, no Brasil convivem os modelos americano (difuso-concreto) e austríaco (concentrado-abstrato). Naquele, todos os órgãos do Judiciário podem negar aplicação à lei que esteja em confronto com a Constituição. Neste, apenas uma Corte ou Tribunal po-dem, com caráter geral e vinculante, manifestar-se, de forma principal, direta e objetiva, sobre a inconstitucionalidade de uma lei.

Destarte, o controle pode ser difuso ou concentrado.

10.3.1 Controle difuso

O controle difuso, de matriz norte-americana, atribui-se a todos os órgãos integrantes do Judiciário a competência para exercer o controle de constitucio-nalidade, incidentalmente, nas causas relacionadas com as suas competências.

No Brasil, desde a Constituição de 1891, esse tipo de controle pode ser exercitado.

10.3.2 Controle concentrado

No sistema concentrado, de matriz austríaca, a competência para exercitar o controle de constitucionalidade concentra-se em um ou alguns órgãos do Judiciário apenas.

No Brasil, a partir da EC 16/1965 à CF de 1946, adota-se esse tipo de con-trole perante o Supremo Tribunal Federal.

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10.4 Quanto à forma ou modo de controle

Quanto ao aspecto formal ou modal, isto é, quanto ao modo que o controle é feito como questão principal ou incidental, podemos falar em controle: a) Incidental ou por via de exceção e b) Principal ou por via de ação.

10.4.1 Controle incidental

Nesse tipo de processo, que se exerce no sistema difuso, a questão cons-titucional é decidida apenas como um incidente processual, quando a matéria constitucional for relevante para a decisão do caso concreto posto em litígio.

Assim, no curso de processo em que se discute um caso concreto, a incons-titucionalidade é apreciada como questão prejudicial, que deve ser decidida antes de se exarar uma decisão de mérito ligada ao pedido principal de caráter subjetivo.

Muitos chegam a denominar esse tipo de controle incidental (incidenter tantum) de controle pela via de exceção. Exceção é uma das modalidades de defesa do réu. Geralmente, o controle incidental é alegado, em defesa, para que a parte exima-se de cumprir algum dever, ou para rechaçar a pretensão do requerente.

No entanto, o controle incidenter tantum pode ser alegado na petição inicial pelo próprio autor, a exemplo de um mandado de segurança que vise anular ato administrativo que se embasa em lei inconstitucional. Nesse caso, a inconstitucionalidade não é o pedido principal da demanda, mas uma questão incidental, alegada pelo autor, como causa de pedir.

É fato, que no ordenamento jurídico brasileiro, o controle incidental é corriqueiramente utilizado, na via difusa. Entretanto, há casos desse controle ser realizado, na via concentrada. Daí não haver uma correspondência perfeita de nomenclatura entre controle difuso e incidental e concentrado e abstrato.

BArroso, por exemplo, entende que a ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) passou a admitir uma hipótese de controle incidental concentrado.57

Ademais, há precedentes do Supremo Tribunal Federal, em que nos autos de uma ação direta de inconstitucionalidade - típica via de controle objetivo, principal, concentrada – a Corte resolveu questão incidental sobre eficácia ou não de um Decreto Legislativo. No referido caso, o STF declarou, incidentalmen-

57. BARROSO, O controle, op. cit., p. 50.

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te, o exaurimento de norma contida no Decreto Legislativo 444/2002, editada com base na redação originária da CF 1988, supervenientemente revogada pela EC 41/2003.58

10.4.2 Controle Principal

O controle pela via principal se exerce de forma direta e de maneira concentrada. Trata-se de modelo de matriz austríaca, em que se instaura uma ação autônoma, ad hoc, como diria CAppelletti, por alguns órgãos políticos ou alguns outros legitimados determinados para que determinada Corte ou Tribunal decida a matéria constitucional desvinculada dos casos concretos como questão principal.

Nesse tipo de processo, por via direta, principal, o pedido é a própria constitucionalidade ou inconstitucionalidade. Ele não se presta para resolver questões de índole subjetiva, pois não há lide, não há contendores, e, portanto, não há partes no sentido estrito do direito processual.

São órgãos, entidades ou autoridade que, legitimados pela Lei Maior, in-gressam com uma ação cujo pedido é a própria preservação da autoridade da Constituição, arrostando, assim, a lei que lhe for contrária.

Daí se dizer que nesse modelo, há um controle objetivo. Ele está vinculado, quanto ao aspecto orgânico, ao controle concentrado, pois não é exercitável por todos os órgãos do Judiciário, mas por um Tribunal Constitucional.

Entretanto, nem todo controle concentrado é necessariamente principal, ou de caráter abstrato ou tese. Com efeito, nos casos de competência originária do Supremo Tribunal Federal, para o julgamento de alguns remédios consti-tucionais (habeas corpus, habeas data, mandado de segurança, mandado de injunção), temos um controle concentrado, pois deverá ser exercitado apenas pelo Supremo Tribunal Federal, mas de índole subjetiva, ou incidental, concreta.

No caso brasileiro, o controle principal, realizado em tese ou em abstrato, independentemente de direitos subjetivos que lhes sejam adjacentes, é da com-petência do Supremo Tribunal Federal, quando a norma parâmetro violada é a Constituição Federal, e dos Tribunais de Justiça dos estados, quando a norma parâmetro for a Constituição estadual.

58. STF, Plenário, ADI 3.833. Rel. Min. Marco Aurélio, julgada em 19.12.2006, DJ-e de 14.11.2008..

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Tratando-se do Distrito Federal, quando a norma parâmetro for a lei cons-titucional distrital (Lei Orgânica do DF), o controle está a cargo do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

O principal veículo desse tipo de controle é a ação direta de inconstitucio-nalidade, que trataremos nos tópicos seguintes, com maior vagar.

11. Controle judicial por via incidental

11.1 Competência e eficácia da decisão

Qualquer juiz ou Tribunal está autorizado, como dissemos, a realizar o controle incidental. Daí esse ser típico, mas não exclusivo, do modelo difuso.

Iniciado o processo judicial, o Controle incidental pode ser realizado pelo órgão judicial, singular ou colegiado, quando, em uma lide que lhes foi apre-sentada, deixam de aplicar uma lei que considerem inconstitucional.

Nesse controle, ordinariamente, a decisão tem o condão de retirar a eficácia da norma inconstitucional apenas para o caso analisado, fazendo a decisão da coisa julgada apenas inter partes, de forma que a lei permanecerá eficaz para quem não foi parte do processo.

Trata de um tipo de controle que traz inconvenientes para Estados cujo Direito é de base romano-germânica, como é o caso do Brasil, criando decisões judiciais dispares, que afetam a segurança jurídica e a igualdade, pois a lei pode ser ao mesmo tempo inconstitucional para quem a impugnou e constitucional para quem não o fez. Hoje, no Direito brasileiro, onde se aplica o controle inci-dental por quaisquer juízes ou Tribunais, há mecanismos que visam a diminuir essa insegurança, a exemplo da edição pelo Supremo Tribunal Federal, das súmulas vinculantes.

De qualquer sorte, ainda vigora, como regra, no Brasil a eficácia interna da decisão judicial no controle incidental. Quando tratarmos da objetivação do controle difuso a cargo do Supremo Tribunal Federal veremos uma aproximação do modelo incidental com o principal.

Outra questão digna de nota é quanto à eficácia temporal da decisão. Se o Tribunal ou o Juiz, no caso concreto, deixar de aplicar a lei por considerá-la inconstitucional, prevalece a regra de que ela é eivada de nulidade, portanto, a decisão produz efeitos retroativos (ex tunc). Essa é uma tradição recolhida do

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216 Manual de direito ConstituCional

direito americano. Entretanto, no próprio Estados Unidos a referida eficácia tem sofrido mitigação,59 a partir do caso Linkletter X Walker.

No caso brasileiro, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem, de há muito, admitido igualmente a mitigação desses efeitos em prol de interesses constitucionais, a exemplo da segurança jurídica, dando eficácia ex nunc e até prospectiva em alguns casos.60

11.2 Clausula de plenário

No Brasil, o controle incidental é mais facilmente realizável por órgãos singulares ou juízos de primeiro grau, pois, conforme disposição do art. 97 da Constituição, “a declaração de inconstitucionalidade, perante Tribunais, deve ser tomada pela maioria dos membros do Tribunal de seu Conselho Especial. Essa exigência constitucional é denominada, doutrinariamente, cláusula de plenário ou de reserva de plenário”.61

A Cláusula de plenário foi mitigada pela jurisprudência do Supremo Tribu-nal Federal,62 que culminou com uma reforma legislativa no Código de Processo Civil. Este diploma legal – art. 481, parágrafo único- determina que: “Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão”.

O incidente de inconstitucionalidade é regido pelo Código de Processo Civil, perante os Tribunais e pelo Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, perante as suas Turmas.

59. “A jurisprudência americana evoluiu para admitir, ao lado da decisão de inconsti-tucionalidade com efeitos retroativos amplos ou limitados (limited restrospectivi-ty), a superação prospectiva (prospective overrruling), que tanto pode ser limitada (limited prospectivity), aplicável aos processos iniciados após a decisão, inclusive ao processo originário, como ilimitada (pure prospectivity), que nem sequer se aplica ao processo que lhe deu origem. [...] e em casos detemrinados, acolheu até mesmo a pura declaração de inconstitucionalidade com efeito exclusivamente pro futuro. MENDES; COELHO; BRANCO, op. cit., 5ª ed, p. 1259.

60. STF, CC 7204-MG, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, DJU 9.12.2005. 61. SÚMULA VINCULANTE N. 10: viola a cláusula de reserva de plenário (cf, artigo

97), a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressa-mente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.

62. RE 190.728, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 30.05.1997.

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217Controle de ConstituCionalidade

Quando, perante órgãos fracionários de Tribunais, à exceção de Órgão Es-pecial, a inconstitucionalidade de uma lei for matéria incidental suscitada pelas partes, pelo Ministério Público ou ex officio, nas causas originárias ou recursais, aplicar-se-á o incidente de inconstitucionalidade (art. 481 e 482 do CPC).

Destarte, arguida a inconstitucionalidade, perante o órgão fracionário, se a arguição não for de iniciativa do Ministério Público, o órgão dar-lhe-á vista dos autos para se manifestar sobre a questão, após o que o órgão fracionário pronunciar-se-á sobre a inconstitucionalidade. Caso seja rejeitada, o julgamento do feito principal é retomado. Caso seja acolhida a arguição de inconstitucio-nalidade lavrar-se-á acórdão para que seja submetida a matéria a conhecimento do Órgão Especial ou Plenário do Tribunal, conforme o Regimento Interno.

O Plenário do Tribunal ou seu Órgão Especial pronunciar-se-á acerca da arguição de inconstitucionalidade, acolhendo-a, pela maioria absoluta de seus membros, ou rejeitando-a, por qualquer maioria, após o que será lavrado acórdão, que será encaminhado para o órgão fracionário.

Proferida a decisão, portanto, no incidente, o julgamento do feito é reto-mado pelo órgão fracionário, que estará obrigado a decidir o feito originário, observando o que foi decidido sobre a inconstitucionalidade ou constitucio-nalidade da lei pelo Tribunal Pleno ou Órgão Especial.

Da decisão do Tribunal Pleno ou da Corte Especial que declara a inconsti-tucionalidade de lei federal cabe a interposição de recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal.

Esse incidente torna-se, a partir da Lei 9.756/1998, que modificou o art. 481, parágrafo único do CPC, desnecessário se a questão constitucional sobre a lei já foi objeto de decisão do Plenário do Supremo ou do Plenário ou Órgão Especial do Tribunal.

Questão interessante acerca do incidente é a possibilidade, a partir da Lei 9.868/99, que adicionou ao art. 482 do CPC, três parágrafos, de se admitir: a) a intervenção do Ministério Público e das pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato questionado, para se manifestarem no referido incidente, se assim o requererem, no prazo regimental; b) a intervenção dos legitimados ativos à propositura de ação direta; c) a intervenção do amicus curiae (amigo da corte).63

63. Art. 480. Arguida a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, o relator, ouvido o Ministério Público, submeterá a questão à turma ou câmara, a que tocar o conhecimento do processo. Art. 481. Se a alegação for

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218 Manual de direito ConstituCional

11.3 Normas parâmetro no controle incidental

No controle incidental a norma parâmetro para se aferir a inconstitu-cionalidade da lei ou do ato atacados pode ser tanto norma constante a atual Constituição, quanto normas da Constituição anterior, tendo por objeto leis anteriores ou posteriores à atual Constituição.

Segundo BArroso

o controle incidental de constitucionalidade pode ser exercido em relação a normas emanadas dos três níveis de poder, de qualquer hierarquia, inclusive anteriores à Constituição. o órgão judicial, seja federal ou estadual, poderá deixar de aplicar, se considerar incompatível com a Constituição, lei federal, estadual, municipal, bem como quaisquer atos normativos, ainda que secun-dários, como o regulamento, a resolução ou a portaria.64

Agora, é óbvio que nem todos os instrumentos processuais se prestam para esse controle incidental amplo. Com efeito, há instrumentos de controle incidental, a exemplo do recurso extraordinário, que tem por objeto decisões judiciais eivadas de inconstitucionalidade vinculada, vez que esse recurso só pode ser voltar nos casos taxativamente previstos na CF (art. 102, III).

rejeitada, prosseguirá o julgamento; se for acolhida, será lavrado o acórdão, a fim de ser submetida a questão ao tribunal pleno. Parágrafo único. Os órgãos fracioná-rios dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 1998) Art. 482. Remetida a cópia do acórdão a todos os juízes, o presidente do tribunal designará a sessão de julgamento. § 1o O Ministério Público e as pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato questionado, se assim o requererem, poderão manifestar-se no incidente de inconstitucionalidade, observados os prazos e condições fixados no Regimento Interno do Tribunal. (Incluído pela Lei nº 9.868, de 1999) § 2o Os titulares do direito de propositura referidos no art. 103 da Constituição poderão manifestar-se, por escrito, sobre a questão constitucional objeto de apreciação pelo órgão especial ou pelo Pleno do Tribunal, no prazo fixado em Regimento, sendo-lhes assegurado o direito de apresentar memoriais ou de pedir a juntada de documentos. (Incluído pela Lei nº 9.868, de 1999) § 3o O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá admitir, por despacho irrecorrível, a manifestação de outros órgãos ou entidades. (Incluído pela Lei nº 9.868, de 1999)

64. BArroso, O controle, op. cit., p. 84.

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219Controle de ConstituCionalidade

11.4 A participação do Senado no controle incidental a cargo do STF

Conforme noticiamos, o Brasil, ao lado do controle principal, adota o con-trole incidental, principalmente, pelo modo difuso, sem, contudo, em regra, aplicar a eficácia erga omnes de caráter vinculante. No entanto, há mecanismos implantados na Constituição com o fito de amenizar essa eficácia apenas inter partes da decisão que declara a lei inconstitucional, incidenter tantum.

Um deles é a participação do Senado Federal, no controle concreto a cargo do Supremo Tribunal Federal.

Segundo dispõe o art. 52, X, da CF, compete privativamente ao Senado Federal: “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada incons-titucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”.

Essa competência senatorial se faz, pela Constituição, necessária quando o controle de constitucionalidade for realizado pelo Supremo Tribunal Federal.

Restritivamente, a doutrina entende que essa norma (art. 52, X) só se aplica quando o STF realiza o controle incidental, de forma que, declarada por este, num caso concreto, a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos federais, estaduais, municipais ou distritais, caber-lhe-ia comunicar ao Senado, que, mediante resolução, poderia, nos limites do que foi decidido judicialmente, suspender a execução dessa lei, com efeito ex nunc, ou ex tunc, nesse último caso, quando visasse a alcançar a Administração Pública.

Na prática, essa participação do Senado está obsoleta, conforme entendi-mento de parte da doutrina e de alguns membros do STF, uma vez que o STF tem atribuído eficácia geral às decisões concretas que profere.

De fato, essa participação se torna obsoleta, igualmente, com a criação da Súmula vinculante, eis que, conforme prevê o art. 103-A da CF, o STF, após reiteradas decisões idênticas sobre matéria constitucional, pode, por dois ter-ços de seus membros, adotar súmula, que, a partir da publicação na imprensa oficial, vinculará à Administração Pública e aos demais órgãos do judiciário.

Esse é o posicionamento de gilMAr Mendes:

a exigência de que a eficácia geral da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo supremo tribunal Federal em casos concretos dependa de de-cisão do senado Federal, introduzida entre nós com a Constituição de 1934 e preservada na Constituição de 1988 (art. 52, X), perdeu parte do seu significado

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220 Manual de direito ConstituCional

com a ampliação do controle abstrato de normas, sofrendo mesmo um processo de obsolescência.65

A adoção desse mecanismo, pelo Senado, tem sido avaliada como uma mera reminiscência histórica inclusive para o controle difuso em face da admissão da pronúncia de inconstitucionalidade com efeito limitado no controle incidental, bem como pelas novas técnicas decisão, a exemplo da interpretação conforme.

11.5 Súmula vinculante

O controle incidental, quando realizado pelo Supremo Tribunal Federal, ganhou um mecanismo de correção da falta inicial de eficácia erga omnes e caráter vinculante, com a criação, pela EC 45/2004, das súmulas vinculantes.

A EC 45/2004, acrescentou à CF, o art. 103-A, para instituir a figura da súmula vinculante. Segundo esse dispositivo, o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

O § 1.º, do Art. 103-A da CF estabelece, ainda, que a súmula terá por ob-jetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

O § 2.º, por sua vez, estatui que: “Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade”.

Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicá-vel ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso (art. 103-A, § 3.º, CF).

65. Mendes; Coelho; BrAnCo. Op. cit., p. 1244.

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221Controle de ConstituCionalidade

Ora, o controle incidental, concreto, a cargo do Supremo Tribunal Federal, passa a ter de forma expressa caráter vinculante e eficácia erga omnes, após a instituição das súmulas vinculantes, se houver reiteradas decisões idênticas sobre a matéria questionada.

Note-se que a súmula vinculará a Administração Pública e os demais órgãos do Poder Judiciário, não afetando, portanto, a tarefa típica do Poder Legislativo.

A súmula depende de reiteração de decisões idênticas pelo STF. Ademais, a decisão de adotá-la, após a reiteração, deve obter voto de 2/3 dos Ministros, o que equivale a 8 deles, e deve ser publicada em jornal oficial para produzir o caráter vinculante.

A edição das súmulas foi regulada pela Lei 11.417, de 19 de dezembro de 2006.

Legitimados. Podem propor a edição, a revisão e o cancelamento de enun-ciado de súmula vinculante:

• oPresidentedaRepública;

• aMesadoSenadoFederal;

• aMesadaCâmaradosDeputados;

• oProcurador-GeraldaRepública;

• oConselhoFederaldaOrdemdosAdvogadosdoBrasil;

• oDefensorPúblico-GeraldaUnião;

• PartidopolíticocomrepresentaçãonoCongressoNacional;

• Confederaçãosindicalouentidadedeclassedeâmbitonacional;

• MesadeAssembléiaLegislativaoudaCâmaraLegislativadoDistritoFederal;

• GovernadordeEstadooudoDistritoFederal;

• osTribunaisSuperiores,osTribunaisdeJustiçadeEstadosoudoDis-trito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.

• OMunicípio,incidentalmenteaocursodeprocessoemquesejaparte.

No procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado da súmula vinculante, o relator poderá admitir, por decisão irrecorrível, a mani-festação de terceiros na questão, nos termos do Regimento Interno do Supremo

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222 Manual de direito ConstituCional

Tribunal Federal.66 Trata-se, nesse caso, de uma autorização para a intervenção do amicus curiae.

A Lei regente das súmulas vinculantes admite inclusive a modulação tem-poral de seus efeitos, conforme se extrai de seu art. 4.º: “A súmula com efeito vinculante tem eficácia imediata, mas o Supremo Tribunal Federal, por decisão de 2/3 (dois terços) dos seus membros, poderá restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público”.

Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação.

Ao julgar procedente a reclamação, o Supremo Tribunal Federal anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial impugnada, determinando que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso.

As súmulas, dado o seu caráter geral e vinculante, a nosso sentir, têm ver-dadeira equivalência de ato normativo primário. Ou seja, estamos diante de uma lei feita pelo Judiciário. Entretanto, essa não é a visão acolhida pela maioria da doutrina. Inclusive, não cabe, segundo esse entendimento, impugnação via ação direta de inconstitucionalidade por não ser considerada lei, mas mera interpretação de lei.

12. Controle judicial por via principal, abstrato, concentrado (noções)

O controle de constitucionalidade por via principal tem por escopo res-guardar, de forma direta, a supremacia da Constituição, mediante a provocação do Judiciário para que, nos autos de ação direta, resolva sobre a constituciona-lidade ou inconstitucionalidade em um cotejo abstrato, independentemente de direitos subjetivos ou conflitos em concreto, de leis ou atos normativos.

Logo, nesse tipo de controle, a inconstitucionalidade ou constitucionali-dade da lei ou do ato é o próprio pedido na ação direta. Essa matéria é a questão principal do processo.

A via principal não é competência de todos os órgãos do Judiciário. No caso brasileiro, ela se concentra perante três tribunais: o STF (art. 102, I, a, CF),

66. Resolução 388 do STF, de 29 de outubro de 2008, que estabelece procedimento para edição, revisão ou cancelamento de súmula vinculante.

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223Controle de ConstituCionalidade

Tribunais de Justiça dos Estados e Tribunal de Justiça do Distrito Federal (art.

125, § 2.º). Por conseguinte, não é controle de caráter difuso, mas de caráter

concentrado.

No Supremo Tribunal Federal a fiscalização, por via direta, ocorre quan-

do o paradigma for a Constituição Federal; perante Tribunais de Justiça dos

Estados, quando a norma parâmetro for a Constituição estadual e perante o

Tribunal de Justiça do Distrito Federal, quando o paradigma for a Lei Orgânica

do Distrito Federal.

O controle principal, de caráter abstrato, é exercitável apenas mediante

ação direta de inconstitucionalidade genérica (ADI), ação direta de inconsti-

tucionalidade por omissão (ADO), ação declaratória de constitucionalidade

(ADC). Alguns, ainda adicionam a ação direta de inconstitucionalidade inter-

ventiva (ADI INTERVENTIVA) e a arguição de descumprimento de preceito

fundamental (ADPF).

A vantagem desse controle é a possibilidade de se retirar, de forma genérica

e vinculante, a eficácia de uma norma impugnada pela própria decisão judicial,

independentemente de necessidade de revogação legislativa.

Entretanto, esse controle é bem restritivo, pois ele só pode ser realizado

pelas ações supracitadas que são propostas apenas por autoridades, entidades

ou órgãos legitimados pela Constituição, expressa ou implicitamente. São,

segundo o art. 103 da CF, legitimados à propositura de ADI, ADO, ADC: o

Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o Presidente da Repú-

blica, o Procurador-Geral da República, Partido Político com representação

no Congresso Nacional, Mesa do Senado e da Câmara dos Deputados, Mesa de

Assembleia Legislativa e da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Governador

de Estado e do Distrito Federal e Confederação Sindical ou Entidade de Classe

de âmbito nacional.

Trataremos de cada uma das ações diretas e, posteriormente, da ADPF e da

ADI Interventiva, perante o Supremo Tribunal Federal. As ações diretas perante

os Tribunais estaduais e do DF demandariam um estudo da legislação local.

Desse modo, a este só nos reportaremos naquilo que estiver intrinsecamente

vinculado ao Direito Constitucional.

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224 Manual de direito ConstituCional

13. Ação direta de inconstitucionalidade genérica

13.1 Conceito

A ação direta de inconstitucionalidade genérica pode ser proposta no âmbito dos Tribunais de Justiça estaduais e do Distrito Federal e no Supremo Tribunal Federal. Dado o caráter abrangente da legislação estadual, que refoge o caráter dessa obra, trataremos da ADI que tramita apenas no Supremo Tribunal Federal, tendo como paradigma a Constituição Federal.

A ADI GENÉRICA, prevista no art. 102, I, a, da CF, é a ação constitucional a ser proposta, perante o Supremo Tribunal Federal, por determinados órgãos, autoridades e entidades, na defesa do ordenamento jurídico e da supremacia da Constituição, para se obter a declaração erga omnes e vinculante de invalidade de lei ou ato normativo primário ou autônomo, FEDERAIS E ESTADUAIS, criados após a Constituição de 1988 e com ela incompatíveis.

Trata-se de ação que provoca a jurisdição não para resolver controvérsias a respeito de uma relação jurídica que diretamente envolva direitos subjetivos, mas para tutelar a própria ordem constitucional mediante a análise da legitimi-dade ou não de norma jurídica federal ou estadual abstratamente considerada, independentemente de sua incidência em suportes fáticos.67

13.2 Objeto

13.2.1 Considerações preliminares

Inicialmente, é mister fazermos uma distinção entre o objeto e o parâmetro. O primeiro refere-se aos atos e leis que poderão ser alvo de questionamento na ADI. O segundo refere-se à norma constitucional que servirá de paradigma no cotejo abstrato, ou seja, à norma constitucional hipoteticamente violada.

Como se infere do conceito, nem todos os atos normativos e leis podem ser atacados no STF mediante na ADI GENÉRICA. Logo, seu objeto é restrito. Nela só poderão ser alvo de impugnação leis ou atos normativos federais ou estaduais posteriores à Constituição de 1988.

Assim, são objeto da ADI: leis ou atos normativos federais ou estaduais posteriores à Constituição em vigor.

67. ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: RT, 2001, p. 42.

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225Controle de ConstituCionalidade

Tradicionalmente a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem interpretado que o objeto da ADI exige normas jurídicas dotadas de abstração e generalidade. Assim, os atos de efeitos concretos, a exemplo de atos adminis-trativos e leis de efeitos concretos, estão fora do abjeto da ação direta.

Entretanto, recentemente, houve uma mudança na jurisprudência do Tribunal para permitir a análise, via ação direta, de atos de efeitos concretos corporificados em leis, a exemplo da lei orçamentária.68

Passemos à análise das leis e atos normativos federais, para, no tópico seguinte, tratarmos de leis e atos normativos estaduais.

13.2.2 Leis ou atos normativos federais posteriores à CF de 1988.

Apenas à título de recordação, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 2, da relatoria do Min. Paulo Brossard, decidiu que a inconstitucionali-dade envolve juízo acerca de leis e atos posteriores à Constituição vigente. Logo, a questão envolvendo as normas anteriores (pré-constitucionais) que com ele conflitem não se refere a juízo de inconstitucionalidade, mas de direito inter-temporal a ser resolvido no âmbito da recepção ou não recepção dessas normas.

Por conseguinte, a ADI volta-se para obter uma declaração de inconsti-tucionalidade de leis posteriores à atual Constituição. Comecemos pelas leis e atos normativos federais posteriores à Lei Maior em vigor.

Podem ser objeto de controle abstrato de constitucionalidade, via ação direta, todos os atos federais, posteriores à 5 de outubro de 1988, dotados de caráter abstrato, genérico e de carga normativa, envolvendo, portanto, as espé-cies contempladas no processo legislativo federal (art. 59, CF):

• EmendaConstitucional;

• LeiComplementar;

• LeiOrdinária;

• LeiDelegada;

• MedidaProvisória;

• DecretosLegislativose

• Resoluções

68. ADI-MC 4048, em que o STF admitiu ação direta contra lei de efeitos concretos. Sobre o tema, em tópicos subsequentes, o referido precedente é por nós desen-volvido com maior abrangência.

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226 Manual de direito ConstituCional

Além desses atos, que compõe o processo legislativo, podem, igualmente, ser objeto de ação direta:

• Decretosautônomos;

• TratadosInternacionais;

• DecretoPresidencialquepromulgatratadosinternacionais.

a) Emenda Constitucional:

Quanto às emendas constitucionais, é curial tecermos algumas considerações.

A elaboração de emendas à CF de 1988 está adstrita à limitações formais, materiais e circunstanciais ao poder de reforma constitucional.

Embora manifestação do poder constituinte derivado, a Emenda não pode subverter as limitações que lhe foram impostas pelo próprio poder originário. Destarte, a criação de emendas à Constituição deve ater-se às restrições impostas pela própria Constituição. Desrespeitadas estas, a Emenda poderá ser atacada em ação direta. Exemplos emblemáticos de declaração de inconstitucionalidade de emendas são: ADI 939, em que o STF declarou a inconstitucionalidade da EC 3/1993, que tratava do imposto provisório sobre movimentação financeira;69

69. Ementa: 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação a Constituição originaria, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precipua e de guarda da Constituição (art. 102, I, “a”, da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no paragrafo 2. desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica “o art. 150, III, “b” e VI”, da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutaveis (somente eles, não outros): 1. - o princípio da anterioridade, que e garantia individual do contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, “b” da Cons-tituição); 2. - o princípio da imunidade tributaria reciproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que e garantia da Federação (art. 60, par. 4., inciso I,e art. 150, VI, “a”, da C.F.); 3. - a norma que, estabelecendo outras imunidades impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre: “b”): templos de qualquer culto; “c”): patrimônio, renda ou serviços dos partidos politicos, in-clusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistencia social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e “d”): livros, jornais, periodicos e o papel destinado a sua impressão; 3. Em consequencia, e inconstitucional, também, a Lei Complementar n. 77, de 13.07.1993, sem redução de textos, nos pontos em que determinou a incidencia do tributo no mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas

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227Controle de ConstituCionalidade

e a ADI 2135 – MC na qual o STF suspendeu a eficácia do caput, do art. 39 da CF, com redação determinada pela EC 19/1998.70

b) Lei Complementar e Lei Ordinária

A lei complementar é aquela criada, pelo quórum de maioria absoluta, exigida a sanção presidencial (ou a superação do veto, pela maioria absoluta do Congresso), para regular matérias expressamente identificadas na CF.71

Criada uma lei complementar que subverta, material ou formalmente, a Constituição poderá ser atacada em ação direta perante o STF.

Bem assim, a lei ordinária. Aliás, embora o STF tenha se firmado no sen-tido de inexistir hierarquia entre leis ordinárias e complementares, aquela que regular matéria de lei complementar é inconstitucional.72

c) Lei delegada

A lei delegada é aquela criada pelo Presidente da República para tratar, em regra, de assuntos técnico-administrativos, após delegação contida em Resolução do Congresso Nacional. Havendo a delegação congressual para que o Presidente da República edite lei delegada típica, a sua publicação no Diário Oficial com afronta aos limites da delegação ou de outros princípios ou regras constitucionais, caberá tanto o controle político pelo Congresso, mediante Decreto Legislativo que suspenda a sua execução, quanto o controle jurídico, mediante a propositura de ação direta de inconstitucionalidade.

d) Medida Provisória

A medida provisória é ato normativo primário editado pelo Presidente da República, observados os limites constitucionais, para regular assuntos urgen-tes e relevantes, por prazo de até 60 dias, prorrogável por igual período uma vez, autorizando o Congresso a acatá-la, com ou sem modificação substancial, convertendo-a em lei ordinária.

no art. 150, VI, “a”, “b”, “c” e “d” da C.F. (arts. 3., 4. e 8. do mesmo diploma, L.C. n. 77/93). 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos termos do voto do Relator, mantida, com relação a todos os contribuintes, em caráter definitivo, a medida cautelar, que suspendera a cobrança do tributo no ano de 1993. (STF, Pleno, ADI 939, Rel. Min. Sydney Sanches, Julgamento em 15.12.1993, DJ 18.03.1994).

70. STF, Pleno, ADI 2135-MC, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ-e 06.03.2008. 71. Sobre lei complementar, confira o capítulo XIV. 72. ADI 2223. Sobre as leis complementares, remetemos o leitor para o capítulo XIV.

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228 Manual de direito ConstituCional

O controle das medidas é dual sob os mais variados critérios. Restrin-giremos, nessa fase, no entanto, o controle dual quanto ao sistema. Logo, utilizando-se desse critério, a medida provisória se submete a controle político do Congresso Nacional, que pode rejeitá-la por entendê-la inconstitucional e se submete a controle jurídico, pois é cabível o ajuizamento de ação direta contra medida provisória por ausência de seus pressupostos constitucionais (relevância e urgência) ou por violação de regras e princípios da CF.

No caso, nos interessa o controle judicial via ação direta sobre as referi-das medidas. Proposta ADI contra uma medida provisória que é, expressa ou tacitamente, rejeitada pelo Congresso, a ação direta perde o objeto, devendo ser, portanto, extinta.73

Outra situação interessante se refere à conversão da medida provisória em lei, no curso da ação direta ajuizada. Destarte, proposta a ação direta de inconstitucionalidade contra medida provisória e havendo, no curso daquela, a conversão desta em lei, não há que se falar em perda do objeto da ação, se houver aditamento da petição inicial.74

Como é cediço, a edição de medidas provisórias está adstrita à presença dos pressupostos de relevância e urgência. Em uma ação direta seria possível o

73. EM E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - MEDIDA PROVISORIA N. 190/90 - PERDA DE EFICACIA POR FALTA DE APRECIAÇÃO OPORTUNA PELO CONGRESSO NACIONAL (CF, ART. 62, PARAGRAFO ÚNI-CO) - PREJUDICIALIDADE DA AÇÃO DIRETA. - A medida provisoria constitui espécie normativa juridicamente instavel. Esse ato estatal dispõe, em função das notas de transitoriedade e de precariedade que o qualificam, de eficacia temporal limitada, na medida em que, não convertido em lei, despoja-se, desde o momento de sua edição, da aptidao para inovar o ordenamento positivo. - A perda retroativa de eficacia jurídica da medida provisoria ocorre tanto na hipótese de explicita rejeição do projeto de sua conversão em lei quanto no caso de ausência de delibe-ração parlamentar no prazo constitucional de trinta (30) dias. Uma vez cessada a vigencia da medida provisoria, pelo decurso “in albis” do prazo constitucional, opera-se, ante a superveniente perda de objeto, a extinção anomala do processo de ação direta de inconstitucionalidade. (ADI 293 QO / DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 18-06-1993).

74. EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PRO-VISÓRIA 1.699-41/1998 CONVERTIDA NA LEI 10.522/2002. FALTA DE ADI-TAMENTO. PREJUDICIALIDADE. Impõe-se a prejudicialidade da ação direta em consequência da omissão do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil em aditá-la por ocasião da conversão da medida provisória em lei. Ação direta julgada prejudicada. (ADI 1922, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 18.5.2007).

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229Controle de ConstituCionalidade

STF declarar a inconstitucionalidade de medida provisória por inexistência de seus pressupostos, mas trata-se de competência judicial excepcional, sob pena de violação à independência e harmonia entre os poderes.

O STF firmou entendimento no sentido de que os conceitos de relevância e de urgência, a que se refere o artigo 62 da Constituição, como pressupostos para a edição de Medidas Provisórias, decorrem, em princípio, do Juízo discri-cionário de oportunidade e de valor do Presidente da República, mas admitem o controle judiciário quando houver excesso do poder de legislar.75

Outra situação digna de nota, quanto ao controle judicial de constituciona-lidade das medidas provisórias, decidida recentemente pelo STF, é a que permite o tribunal declarar a inconstitucionalidade de medidas provisórias que abrem crédito extraordinário (art. 167, § 3.º c/c o art. 62, § 1.º, I, “d”, ambos da CF).

O art. 62, § 1.º, I, “d”, da CF veda a adoção de medidas provisórias para tratar de matéria orçamentária, salvo para a abertura de créditos extraordinários. Segundo o art. 167, § 3.º da CF, a abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública.

O STF, recentemente, admitiu ADI contra medida provisória que efetuava a abertura de créditos extraordinários em afronta aos requisitos constitucionais. Trata-se de um leading case, por demonstrar uma viragem na jurisprudência da Corte que não aceitava o ajuizamento de ADI contra lei de efeitos concretos, a exemplo de lei que importa em abertura de crédito orçamento, como se infere da leitura da ementa abaixo transcrita:

eMenta: Medida Cautelar eM aÇÃo direta de inConstituCio-nalidade. Medida ProVisÓria n° 405, de 18.12.2007. aBertura de CrÉdito eXtraordinÁrio. liMites ConstituCionais À atiVidade leGislatiVa eXCePCional do Poder eXeCutiVo na ediÇÃo de Medidas ProVisÓrias. i. Medida ProVisÓria e sua ConVersÃo eM lei. Conversão da medida provisória na lei 11.658/2008, sem alteração substancial. aditamento ao pedido inicial. inexistência de obstáculo processual ao prosseguimento do julgamento. a lei de conversão não convalida os vícios existentes na medida provisória. Precedentes. ii. Controle aBstrato de ConstituCionalidade de norMas orÇaMentÁrias. reVisÃo de Ju-risPrudÊnCia. o supremo tribunal Federal deve exercer sua função precípua

75. ADI-MC 162/DF, Rel. Min. Moreira Alves, Julgamento em 14.12.1989, DJ 19-09-1997. ADI 525 MC / DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 12.06.1991, DJ 02-04-2004. ADI 2213, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 23.04.2004.

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230 Manual de direito ConstituCional

de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, in-dependente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto. Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao controle abstrato de constitucionalidade. iii. liMites ConstituCionais À atiVidade leGis-latiVa eXCePCional do Poder eXeCutiVo na ediÇÃo de Medidas ProVisÓrias Para aBertura de CrÉdito eXtraordinÁrio. interpre-tação do art. 167, § 3.º c/c o art. 62, § 1.º, inciso i, alínea “d”, da Constituição. além dos requisitos de relevância e urgência (art. 62), a Constituição exige que a abertura do crédito extraordinário seja feita apenas para atender a despesas imprevisíveis e urgentes. ao contrário do que ocorre em relação aos requisitos de relevância e urgência (art. 62), que se submetem a uma ampla margem de discricionariedade por parte do Presidente da república, os requisitos de imprevisibilidade e urgência (art. 167, § 3.º) recebem densificação normativa da Constituição. os conteúdos semânticos das expressões “guerra”, “como-ção interna” e “calamidade pública” constituem vetores para a interpretação/aplicação do art. 167, § 3.º c/c o art. 62, § 1.º, i, alínea “d”, da Constituição. “Guerra”, “comoção interna” e “calamidade pública” são conceitos que repre-sentam realidades ou situações fáticas de extrema gravidade e de consequências imprevisíveis para a ordem pública e a paz social, e que dessa forma requerem, com a devida urgência, a adoção de medidas singulares e extraordinárias. a leitura atenta e a análise interpretativa do texto e da exposição de motivos da MP 405/2007 demonstram que os créditos abertos são destinados a prover despesas correntes, que não estão qualificadas pela imprevisibilidade ou pela urgência. a edição da MP n° 405/2007 configurou um patente desvirtuamento dos parâmetros constitucionais que permitem a edição de medidas provisórias para a abertura de créditos extraordinários. iV. Medida Cautelar deFerida. suspensão da vigência da lei 11.658/2008, desde a sua publicação, ocorrida em 22 de abril de 2008. (no mesmo sentido, adi 4049-MC).

e) Decretos Legislativos

O Decreto Legislativo é ato normativo, em regra, de caráter legal, editado pelo Congresso Nacional, para tratar de assuntos político-administrativos de sua com-petência exclusiva, elencados no art. 49 da CF, dispensada a sanção Presidencial.

É possível o manejo da ação direta para atacar decretos legislativos, depender da carga nele contida. Na jurisprudência do STF, encontramos algumas hipóteses:

• DecretoLegislativoquereferendaTratadosinternacionaissubscritospelo Presidente da República (Rp. 803, Rel. Min. Djaci Falcão; ADI-MC 4082, Rel. Min. Celso de Mello);

• DecretoLegislativoquesustaatodopoderexecutivo(ADI748,Rel.Min. Celso de Mello).

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231Controle de ConstituCionalidade

f) Resolução

A Resolução é espécie normativa que, ordinariamente a doutrina identifica

como ato criado pelo Congresso Nacional, pela Câmara dos Deputados e pelo

Senado Federal para tratar de assuntos de sua competência privativa.

Essas espécies normativas podem ser alvo de ação direta.

Entretanto, as resoluções não se limitam a esses órgãos. Com efeito, há

outros órgãos constitucionais que tem poder normativo e que, portanto, podem

adotar Resolução passível de questionamento pela via principal, a exemplo de

Resoluções do Conselho Nacional de Justiça76 e do Tribunal Superior Eleitoral.77

g) Decreto autônomo

Estão sujeitos ao controle de constitucionalidade concentrado os atos

normativos, expressões da função normativa, cujas espécies compreendem a

função regulamentar (do Executivo), a função regimental (do Judiciário) e a

função legislativa (do Legislativo). Os decretos que veiculam ato normativo

também devem sujeitar-se ao controle de constitucionalidade exercido pelo

Supremo Tribunal Federal (ADI 2950-AgR).

Os decretos regulamentares, portarias, resoluções administrativas são

considerados atos normativos secundários, diretamente subordinados à lei, e,

portanto, em regra não são suscetíveis de controle abstrato, por via principal.

Entretanto, os atos que formalmente se afigurem como secundários, mas

materialmente contenham inovação na ordem jurídica, são dotados de uma

abstração e generalidade que nos permite denominá-los, no sentido lato, como

decretos autônomos.78 Nesse caso, podem ser alvo de ação direta, a exemplo

de Regimentos Internos de Tribunais, Resoluções de Conselho Nacional de

Justiça, Resolução do Tribunal de Contas da União.

Nesse sentido, é admissível, outrossim, ação direta contra outros atos do

Poder Executivo com força normativa como os pareceres da Consultoria-Geral

da República, devidamente aprovados pelo Presidente da República (Decreto

76. ADC 12. 77. ADI 3345. 78. Usamos a nomenclatura “Decretos Autônomos” no sentido amplo. Não estamos

a nos referir apenas àqueles elencados no art. 84, IV da CF.

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232 Manual de direito ConstituCional

92.889/86) ou Decreto que assume perfil autônomo ou exorbite flagrantemente do âmbito do Poder Regulamentar.79

13.2.3 Leis ou atos normativos estaduais e distritais

Além de leis e atos normativos federais, o art. 102, I, a, da CF, permite o uso da ação direta de inconstitucionalidade para atacar leis ou atos normativos estaduais posteriores à CF de 1988.

Logo, a ADI, no STF, tem por objeto, outrossim, a legislação estadual: Constituição Estadual, Lei Complementar, Lei Ordinária, Lei Delegada e Medi-da Provisória (nos estados que optaram por adotá-las em suas Constituições); Decreto Legislativo e Resolução, bem como os decretos autônomos.

Embora a Constituição Federal não tenha sido expressa, é cabível ação direta de inconstitucionalidade contra leis distritais de caráter estadual. Com efeito, o Distrito Federal é ente político sui generis, pois, dentre outras carac-terísticas próprias, exerce competência legislativa cumulativa, podendo criar leis sobre matérias locais e regionais. No entanto, tendo em vista que é incabí-vel o manejo de ação direta, perante o Supremo Tribunal, para questionar lei municipal, apenas as leis distritais de caráter estadual podem ser alvo de ADI na Suprema Corte.

Esse, alias, é o entendimento fixado no verbete da Súmula 642 do STF: “não cabe ação direta de inconstitucionalidade de lei do Distrito Federal derivada da sua competência legislativa municipal”.

Por fim, tema relevante quanto ao objeto da ADI se relaciona com a con-corrência de parâmetros de Controle da legislação estadual.

Se uma lei estadual viola normas da Constituição estadual de reprodução obrigatória de normas da Constituição Federal poderia haver tramitação con-comitante entre uma ADI proposta no Tribunal de Justiça (tendo por norma parâmetro a Constituição estadual) e uma ADI proposta no STF (tendo por norma parâmetro a CF)?

O tema foi objeto de análise pelo STF, no julgamento da ADI-MC 1423, da relatoria do Min. Moreira Alves. Nesse precedente, a Corte fixou o en-tendimento de que quando tramitarem paralelamente duas ações diretas de inconstitucionalidade, uma no Tribunal de Justiça local e outra no Supremo

79. MENDES; COELHO;BRANCO, op. cit. 5ª ed., p. 1275. ADI-MC 2155.

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233Controle de ConstituCionalidade

Tribunal Federal, contra a mesma lei estadual impugnada em face de princípios constitucionais estaduais que são reprodução de princípios da Constituição Federal, suspende-se o curso da ação direta proposta perante a Corte estadual até o julgamento final da ação direta que tramita no Supremo.80

13.2.4 Não podem ser objeto de ADI no STF

A título exemplificativo é curial ressaltarmos que não podem ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade perante o STF:

• Legislaçãopré-constitucional(leisanterioresàCFde1988).

• Normasoriginárias(asnormasorigináriasdeCFqueaindanãoformaobjeto de reforma, por absoluta inexistência, no Brasil, de normas constitucionais originárias inconstitucionais);

• LeisMunicipais;

• ProposiçõesLegislativas(projetosdeleiepropostasdeemendaàCF);81

• Súmulas;82

• Leisjárevogadas;

80. ADI-MC 1423, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 22.11.1996. 81. Entretanto, o STF já admitiu a propositura de ADI contra Emenda Constitucional

promulgada, cuja publicação ocorrera supervenientemente, no curso da ação, antes da decisão final. (ADI 3367). Tratava-se de ADI contra a EC 45, ao instituir o CNJ.

82. ADI 594, Rel. Min. Carlos Velloso. A nosso sentir, a súmula vinculante tem natureza de ato normativo e não mero

ato de interpretação. Negar o caráter abstrato e erga omnes das súmulas e, sua consequente natureza de norma jurídica, é ato de mera retórica. Esse posiciona-mento, no entanto, não é prevalecente na doutrina.

Apesar do caráter normativo da Súmula, entendemos, como a maioria da doutri-na, que de fato é incabível ADI contra a Súmula Vinculante. Um dos argumentos utilizados pela doutrina é de o STF e os demais legitimados pela Lei da Súmula Vinculante (Lei 11.417/2006) podem provocar o Tribunal para rever ou cancelar a sobredita súmula vinculante, independentemente de ação direta. Nesse ponto concordamos, pois seria mais célere e razoável propor o simples cancelamento da Súmula a ajuizar uma ação direta. Logo, faltaria interesse de agir para provocar o Judiciário num procedimento de viés jurisdicional ao invés de fazê-lo por um procedimento administrativo. Ademais, é consabido que para o cancelamento ou revisão de súmula vinculante é mister apoio de 8 dos 11 Ministros (quorum qua-lificado de 2/3). Nesse caso, se 8 negam o cancelamento ou a revisão, dificilmente numa ADI esses Ministros modificariam seu entendimento para declarar-lhe a inconstitucionalidade.

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234 Manual de direito ConstituCional

• Leistemporáriasdevigênciaesgotada;

• LeisdeeficáciasuspensaporResoluçãodoSenadoFederal,nocasodocontrole incidental realizado pelo STF (art. 52, X);

Merece destaque, no entanto, a questão de leis revogadas. É certo que se uma lei ingressou no mundo jurídico mas já dele saiu, em virtude de sua revo-gação, não mais possui vigência. Logo, seria incabível a propositura de ação direta de inconstitucionalidade contra a referida norma revogada.

Essa situação não pode, todavia, ser confundida com a da revogação no curso da ação direta. Com efeito, proposta uma ação direta contra lei em vigor, antes do provimento judicial final, se ocorrer-lhe a revogação, o Tribunal con-tinua competente para analisá-la, pois nesse caso a revogação foi posterior ao ajuizamento da ação.

Esse é o posicionamento do STF. Para o Tribunal o fato de a lei objeto da ação ter sido revogada no curso do processo não subtrai da Corte a competência para examinar a constitucionalidade da lei até então vigente e suas consequências jurí-dicas.83 Logo, não há prejuízo da ADI, pois esse tipo de conduta seria uma fraude processual para subtrair da Corte a competência constitucional de guarda da CF.84

13.3 Legitimados ativos e participação do Advogado-Geral da União

Conforme vimos, o art. 103 da CF legitima apenas algumas autoridades, órgãos ou entidades a proporem a ADI, são eles:

• oPresidentedaRepública;

• aMesadoSenadoFederal;

• aMesadaCâmaradosDeputados;

• aMesadeAssembleiaLegislativaoudaCâmaraLegislativadoDistritoFederal;

• oGovernadordeEstadooudoDistritoFederal;

• oProcurador-GeraldaRepública;

• oConselhoFederaldaOrdemdosAdvogadosdoBrasil;

A Ministra Ellen Gracie, em decisão monocrática, defendeu o manejo da ADI para rever súmula vinculante. (HC 96.301, DJe-190, de 08.10.2008).

83. ADI 3232, Rel. Min. Cezar Peluso. DJ 3.10.2008. Vale a penar ler o belíssimo voto da Ministra Carmen Lúcia em que ela fala em quebra da confiança na Constituição e de inconstitucionalidades manifestas.

84. Parte do voto do Min. Ricardo Lewandoski.

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235Controle de ConstituCionalidade

• partidopolíticocomrepresentaçãonoCongressoNacional;85

• confederaçãosindical86 ou entidade de classe de âmbito nacional.87

Em regra, os legitimados ativos são universais, isto é, podem questionar leis ou atos normativos federais ou estaduais que tratem de qualquer matéria, salvo quanto à Mesa de Assembleia Legislativa e da Câmara Legislativa do DF, Gover-nador, Entidade de Classe e Confederação Sindical, que só podem questionar na ADI leis ou atos normativos que tratem de assuntos que tenham pertinência com os temas institucionais que defendam.88 Por exemplo, a Confederação dos trabalhadores da área da saúde só pode questionar leis que tratem de saúde.

Se for proposta ADI por quem não seja legitimado ativo, a ação deve ser extinta sem o conhecimento do mérito, por ilegitimidade ativa ad causam. Assim, por exemplo, não é legitimado ativo à propositura da ação direta o Advogado-Geral da União. Logo, a petição inicial da ADI subscrita apenas por ele acarreta a extinção do processo por ilegitimidade.

Embora o Advogado-Geral da União não seja legitimado ativo, não é alheio ao processo, pois a Constituição, no § 3.º do art. 103, determina que “quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado”. Infere-se, pois, que ele atua como defensor

85. Considera-se representação no Congresso a presença de um Deputado Federal eleito pelo partido ou de um Senador.

O STF decidiu que a perda superveniente da representação parlamentar não acarreta prejuízo para o curso da ADI já proposta. (ADI 2159, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 24.8.2004).

86. Não são todas as organizações sindicais que estão legitimadas à propositura da ADI. Apenas as Confederações Sindicais têm legitimidade ativa na ADI. Segundo o art. 533 da CLT, ss Confederações organizar-se-ão com o mínimo de 3 (três) federações e terão sede na Capital da República.

ADI-QO 1.006/PE, Rel. Min. Sepúlveda Pertence. DJ 26.3.1994. 87. As entidades de classe possuem âmbito nacional quando têm atual interestadual e

possuem membros em pelo menos nove Estados da Federal, em face de aplicação analógica com a Lei dos Partidos Políticos. Esse foi o entendimento do STF no julgamento da ADI 386/ES, Rel. Min. Sydney Sanches. Entretanto, no julgamento da ADI 2.866, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 17.10.2003, houve uma mitigação desse critério, para permitir que a associação composta por categoria de associados que só existe em menos de nove estados possa manejar ADI.

88. ADI 202, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 2.4.1993; ADI 902, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 22.4.1994.

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236 Manual de direito ConstituCional

legis, isto é, deve defender a validade ou constitucionalidade da norma ou lei impugnada, seja ela federal ou estadual.

Entretanto, o Supremo Tribunal entende que o Advogado-Geral da União não está obrigado a defender a lei ou ato atacados quando sobre a questão cons-titucional já houver precedente do STF no sentido da inconstitucionalidade da norma.89

De todos os legitimados ativos, exige-se que a petição inicial esteja subscrita por advogado apenas quanto ao partido político com representação no Con-gresso, às entidades de classe de âmbito nacional e às confederações sindicais.90

13.4 Procedimento da ADI – Lei 9868/99

Uma vez proposta a ação direta, o legitimado ativo não poderá dela desistir, conforme preceitua a Lei 9.868/1999, que trata do processo e julgamento da ADI e da ADC.

A petição inicial da ADI, acompanhada de instrumento de procuração, quando subscrita por advogado, será apresentada em duas vias, devendo conter cópias da lei ou do ato normativo impugnado e dos documentos necessários para comprovar a impugnação. Deverá ela indicar:

• odispositivodaleioudoatonormativoimpugnadoeosfundamentosjurídicos do pedido em relação a cada uma das impugnações;

• opedido,comsuasespecificações.

A petição inicial inepta, não fundamentada e a manifestamente impro-cedente serão liminarmente indeferidas pelo relator, cabendo dessa decisão a interposição de agravo. O relator pedirá informações aos órgãos ou às autori-dades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado. As informações serão prestadas no prazo de trinta dias contados do recebimento do pedido.

Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade, pois se trata de uma ação objetiva, isto é, sem lide entre sujeitos, logo não se admite o ingresso de terceiros na relação processual para auxiliar uma das partes, substituí-las ou fazer-lhes pedido contrário, mas isso

89. O munus a que se refere o imperativo constitucional (CF, artigo 103, § 3º) deve ser entendido com temperamentos. O Advogado- Geral da União não está obrigado a defender tese jurídica se sobre ela esta Corte já fixou entendimento pela sua inconstitucionalidade.(ADI 1616/PE, Rel. Min. Maurício Correa, DJ 24.08.2001).

90. ADI 1814,Rel. Min. Mauricio Correa, DJ 12.12.2001.

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237Controle de ConstituCionalidade

não impede que ingresse a figura do amicus curiae (amigo da corte), ou seja, órgãos, entidades ou pessoas que auxiliarão o Tribunal a decidir a questão de-batida, ofertando-lhe parecer ou opiniões sobre questões técnicas.91

Decorrido o prazo das informações, serão ouvidos, sucessivamente, o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República, que deverão manifestar-se, cada qual, no prazo de quinze dias. Nesse caso, o Procurador-Geral da República, embora seja legitimado ativo, poderá atuar, igualmente, como custos legis, opinando sobre a questão.

Ouvidos o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República, o relator lançará o relatório, com cópia a todos os Ministros, e pedirá dia para julgamento. Em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circuns-tância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, poderá o relator requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou fixar data para, em au-diência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria (amicus curiae). O relator poderá, ainda, solicitar informações aos Tribunais Superiores, aos Tribunais federais e aos Tribunais estaduais acerca da aplicação da norma impugnada no âmbito de sua jurisdição.

As informações, perícias e audiências, nesses casos, serão realizadas no prazo de trinta dias contados da solicitação do relator.

13.5 Concessão de Medida Cautelar

O STF, considerando o periculum in mora e o fumus boni iuris, poderá con-ceder medida cautelar nos autos da ADI para suspender a eficácia da norma impugnada até a decisão definitiva.

Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da União e do Diário da Justiça da União a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias, devendo solicitar as informações à autoridade da qual tiver emanado o ato.

91. “O amicus curiae é o sujeito processual, pessoa natural ou jurídica, de representati-vidade adequada, que atua em processos objetivos e alguns subjetivos cuja matéria for relevante”. PINTO, Rodrigo Strobel. Apud: CÂMARA, Alexandre Freitas, op. cit. Vol. I, p. 223. Segundo a visão deste autor, o amicus curiae tem uma atuação comparável a de um perito, pois não intervém no processo para defender direitos subjetivos seus, mas para fornecer subsídios ao juízo, a fim de que este possa bem resolver as questões de direito de repercussão geral quem tenham surgido na causa.

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238 Manual de direito ConstituCional

A medida cautelar, dotada de eficácia contra todos, será concedida com efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia re-troativa. A concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior, caso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário, ou seja, a medida cautelar produz o efeito repristinatório (restaurador). Esse efeito também é inerente às decisões definitivas de mérito.

13.6 Da decisão e seus efeitos e da natureza dúplice ou ambivalente

A decisão sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo somente será tomada se presentes na sessão pelo menos oito Ministros. Efetuado o julgamento, proclamar-se-á a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da disposição ou da norma impugnada se num ou noutro sentido se tiverem manifestado pelo menos seis Ministros, quer se trate de ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de constitucionalidade.

Se não for alcançada a maioria necessária à declaração de constitucionali-dade ou de inconstitucionalidade, estando ausentes Ministros em número que possa influir no julgamento, este será suspenso a fim de aguardar-se o compa-recimento dos Ministros ausentes, até que se atinja o número necessário para prolação da decisão num ou noutro sentido.

Segundo determina a Lei 9.868/1999, “proclamada a constitucionalidade da lei ou do ato normativo, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente eventual ação declaratória; e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória”. Percebe-se desse dispositivo legal que a ação direta e a ação declaratória têm natureza dúplice ou ambivalente, pois se prestam tanto para a declaração de inconstitu-cionalidade quanto à declaração de constitucionalidade.

Julgada a ação, far-se-á a comunicação à autoridade ou ao órgão respon-sável pela expedição do ato.

A decisão que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em ação direta ou em ação declaratória é irrecorrível, ressalvada a interposição de embargos declaratórios, não podendo, igualmente, ser objeto de ação rescisória.

A decisão de mérito, bem como a cautelar, produz efeitos gerais ou erga omnes, vinculantes, quanto aos demais órgãos do judiciário e quanto à ad-ministração pública. Entretanto, quanto aos efeitos temporais, é mister não confundirmos. Como vimos, a decisão provisória, cautelar produz, ordinaria-mente, efeitos não retroativos ou ex nunc. Já a decisão de mérito, de outra banda,

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239Controle de ConstituCionalidade

ordinariamente produz efeitos ex tunc, salvo se por dois terços dos Ministros,

em face de segurança jurídica ou de excepcional e relevante interesse social,

lhe for atribuído outro efeito, decidindo que ela só tenha eficácia a partir de seu

trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, o Su-

premo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e

do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão.

13.7 Intervenção de terceiros e atuação do amicus curiae

13.7.1 Vedação de intervenção de terceiros

De acordo com o art. 7.º da Lei 9.868/99, que regula o procedimento da

ADI e da ADC, não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação

direta de inconstitucionalidade. Idêntica vedação é imposta à ADC pelo art. 18

desse mesmo diploma legal.

Segundo Fredie didier Júnior

a intervenção de terceiro é fato jurídico processual que implica modificação de relação jurídica processual já existente. trata-se de ato jurídico processual pelo qual um terceiro autorizado por lei, ingressa em processo pendente, transformando-se em parte.92

O que justifica essa intervenção nas lides, dentre outras razões, é a exis-

tência de um vínculo entre o terceiro, alheio até então à relação processual, e

o objeto litigioso do processo e a relação jurídica material deduzida em juízo.

Daí essa intervenção só ser permitida em processo de índole subjetiva, o que

não ocorre no controle de constitucionalidade, por via principal ou ação direta,

em que inexiste vínculo subjetivo ou litígio no sentido processual.

Por conseguinte, dada a natureza objetiva da ação direta de inconstitucio-

nalidade e da ação declaratória de constitucionalidade, é incabível a intervenção

de terceiros.

92. DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Gral do Processo e Processo de Conhecimento. 7ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2007, p. 299.

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240 Manual de direito ConstituCional

13.7.2 Atuação do amicus curiae

Não obstante a vedação legal de intervenção de terceiros no âmbito do controle abstrato de constitucionalidade, a Lei 9.868/99 permitiu, em seu art. 7.º, § 2.º, a participação do amicus curiae (amigo da Corte, amigo da justiça):

o relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.

O amicus curiae é uma entidade ou uma pessoa que, com o consentimento do Tribunal, pode numa questão que afeta o interesse público, juntar o seu pa-recer aos autos do processo, declarando como entende que deve ser decidida a matéria.93 Ele municia a Corte com suas manifestações sobre matéria jurídica de relevância.

Origina-se de uma figura, de base romanística, aplicada no Direito anglo-saxão e aperfeiçoada pelo direito norteamericano.94

O amicus curiae será uma entidade ou organização, que, ingressará no processo para prestar informações técnicas relativas a matéria de direito, a pedido do Tribunal ou ex officio, autorizado nesse último caso o ingresso pelo relator, que auxiliará a Corte, com o seu parecer, a decidir questões relevantes de elevada repercussão geral ou de intrincada questão técnica.95

Segundo o STF, “o ordenamento positivo brasileiro processualizou, na regra inscrita no art. 7.º, § 2.º, da Lei 9.868/99, a figura do amicus curiae,

93. MELLO, Maria Chaves, op. cit. p. 576., com adaptações. 94. Sobre a origem do amicus curiae: MAGALHÃES, Rafael Geovani da Silva. “Ami-

cus curiae”: origem histórica, natureza jurídica e procedimento de acordo com a Lei 9.868/1999. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2091, 23 mar. 2009.

95. “A primeira previsão de intervenção de amicus curiae no direito brasileiro deu-se por ocasião da Lei Federal 6.85/76, que no art. 31 impôs a intervenção da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) nos processos que discutam matéria objeto da competência desta autarquia. A Lei Federal 8.884/94 (Lei Antitruste), no art. 89, também impõe a intimação do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) nos processos em que se discutam questões relacionadas ao direito da concorrência. Nestes dois casos, o legislador, reconhecendo as dificuldades técnicas dessas causas, determinou a intervenção do amicus curiae e ainda in-dicou quem exerceria as funções de auxiliar do magistrado”. DIDIER JÚNIOR; SARNO BRAGA; OLIVEIRA. Aspectos Processuais da ADIN e da ADC. In: DIDIER JR., Fredie (Org.). Ações Constitucionais. Salvador: Jus Podivm, 2006, p. 393.

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241Controle de ConstituCionalidade

permitindo, em consequência, que terceiros, desde que investidos de repre-sentatividade adequada, sejam admitidos na relação processual, para efeito de manifestação sobre a questão de direito subjacente à própria controvérsia constitucional. A intervenção do amicus curiae, para legitimar-se, deve apoiar-se em razões que tornem desejável e útil a sua atuação processual na causa, em ordem a proporcionar meios que viabilizem uma adequada resolução do litígio constitucional. A ideia nuclear que anima os propósitos teleológicos que motivaram a formulação da norma legal em causa, viabilizadora da inter-venção do amicus curiae no processo de fiscalização normativa abstrata, tem por objetivo essencial pluralizar o debate constitucional, permitindo, desse modo, que o Supremo Tribunal Federal venha a dispor de todos os elementos informativos possíveis e necessários à resolução da controvérsia, visando-se, ainda, com tal abertura procedimental, superar a grave questão pertinente à legitimidade democrática das decisões emanadas desta Suprema Corte, quando no desempenho de seu extraordinário poder de efetuar, em abstrato, o controle concentrado de constitucionalidade96”.

Trata-se de providência que confere um caráter pluralista ao processo ob-jetivo de controle abstrato de constitucionalidade, permitindo que o Tribunal decida com pleno conhecimento dos diversos aspectos envolvidos na questão.97 A sua participação, principalmente no âmbito do controle abstrato de consti-tucionalidade, pluraliza o debate constitucional e confere maior legitimidade social às decisões judiciais.

Embora o amicus curiae tenha origem remota já no Direito romano e tenha se desenvolvido nos países do Common law, a participação dessa figura, no âm-bito do controle de constitucionalidade encontra assento, hodiernamente, na ideia de uma sociedade aberta dos intérpretes da Constituição de Peter Häberle.98

96. Parte do voto do Min. Celso de Mello proferido na ADI 2321 MC / DF, Rel. Min. Celso de Mello, Julgamento: 25/10/2000, DJ 10-06-2005.

97. Mendes, Gilmar Ferreira.Jurisdição Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 244.

98. A hermenêutica constitucional, tradicionalmente fechada, por concentrar a in-terpretação nos juízes e nos processos formais, passa a ser aberta por permitir a participação nesse processo hermenêutico de “todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes da Constituição. (häBerle, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Tradução: Gilmar Mendes. Porto Alegre: SAFE, 1997, p. 13).

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242 Manual de direito ConstituCional

O ingresso de pessoas físicas, na condição de amicus curiae não tem sido permitido pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito do controle abstrato.99 Ademais, não existe direito subjetivo ao ingresso, que poderá ser negado pelo Relator, pois o relator tem discricionariedade para admitir, ou não, sob pena de tumulto processual, a presença do amigo da corte na ação direta.100

Prazo para ingresso do amicus curiae. Tradicionalmente, o Supremo Tribunal Federal tem admitido o ingresso do amicus curiae até o prazo das informações a serem prestadas pelas autoridades responsáveis pelo ato ou norma impugnada na ação. Entretanto, há casos em que a Corte admitiu-lhe o ingresso mesmo após o prazo das informações, até a data em que o Relator libera o processo para pauta.101

Pertinência temática do amicus curiae. A pertinência temática também é requisito para a admissão de amicus curiae.102

Poderes do amicus curiae. Já ficou consignado que o amigo da Corte possui alguns poderes processuais, consistentes na prática dos seguintes atos:

• Apresentaçãodememórias;

• Prestaçãodeinformaçõesquelhesforemsolicitas;

99. “(...) a admissão de terceiros, ‘órgãos ou entidades’, nos termos da lei, na condição de amicus curiae, configura circunstância de fundamental importância, porém de caráter excepcional, e que pressupõe, para tornar-se efetiva, a demonstração do atendimento de requisitos, dentre eles, a adequada representatividade daquele que a pleiteia. Dessa forma, o deferimento do pedido de ingresso de pessoa física na qualidade de amicus curiae ora formulado importaria em abrir espaço para a discussão de situações de caráter individual, incabível em sede de ação direta, além de configurar condição que refoge à figura do amicus curiae”. (ADI 4.403, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, decisão monocrática, julgamento em 25-5-2010, DJE de 31-5-2010.)

100. ADI 3.311, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 25.4.2005. 101. “O amicus curiae somente pode demandar a sua intervenção até a data em que o Relator

liberar o processo para pauta.” (ADI 4.071-AgR, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 22-4-09, Plenário, DJE de 16-10-09). No mesmo sentido: ADI 4.067-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 10-3-2010, Plenário, DJE de 23-4-2010; RE 586.453, Rel. Min. Ellen Gracie, decisão monocrática, julgamento em 2-3-10, DJE de 9-3-10. ADI 4.214, Rel. Min. Dias Toffoli, decisão monocrática, julgamento em 2-3-10, DJE de 9-3-10; ADI 3.978, Rel. Min. Eros Grau, decisão monocrática, julgamento em 20-10-2009, DJE de 26-10-2009; ADI 2.669, Rel. Min. Presidente Gilmar Mendes, decisão monocrática, julgamento em 25-5-09, DJE de 2-6-09.

102. ADI 3.931, Rel. Min. Cármen Lúcia, decisão monocrática, julgamento em 6-8-08, DJE de 19-8-08.

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243Controle de ConstituCionalidade

• Realizarsustentaçãooraldasrazõesquejustificaramseuingressonoprocesso.103

Questão tormentosa na doutrina e na jurisprudência se cinge na legiti-midade recursal do amicus curiae. O art. 7.º, § 2.º, da Lei 9.868/99 estatui que

o relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho104 irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.

Ora, optando a lei, criada pela maioria do Legislativo, em negar legitimi-dade recursal ao amigo da corte, entendemos que ele não pode manejar, em regra, nos autos de ADI ou ADC, qualquer recurso.

MorAes afirma que

É incompatível com a finalidade da presença do amicus curiae no controle concentrado a formulação de pedido ou mesmo o aditamento de pedido formulado anteriormente pelo autor, ou ainda, a interposição de recursos ou impugnações (grifamos).105

Há quem sustente que o amicus curiae teria legitimidade para interpor recurso da decisão que não admite o seu ingresso na ação.106 No âmbito do Supremo Tri-bunal Federal o tema é vacilante. É assente na Corte que o amicus curiae não tem legitimidade recursal. A controvérsia, no entanto, está vinculada ao recurso apenas quanto à decisão do Relator que lhe nega a sua intervenção no processo. Ora o STF aceita o recurso contra decisão do relator que lhe veda ingresso no feito, ora não.

103. O prazo para a sustentação oral é de até 15 minutos, aplicando-se nesse caso a regra contida no art. 131, § 3º, do Regimento Interno do STF. ADI 2943, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 23.05.2006.

104. Trata-se de verdadeiro ato judicial com carga decisória. Logo, é uma decisão interlocutória e não um despacho.

105. Op. cit. p. 759. Nesse mesmo sentido: DIDIER JÚNIOR; SARNO BRAGA; OLIVEIRA. Aspectos

Processuais da ADIN e da ADC. In: DIDIER JR., Fredie (Org.). Ações Constitucio-nais. Salvador: Jus Podivm, 2006, p. 399.

106. AGUIAR, Mirella de Carvalho. Amicus curiae. Salvador: Jus Podivm, 2005, p. 18. Há quem, ainda, sustente a legitimidade para a interposição de agravo regimental

contra decisões interlocutórias do relator, bem como dos embargos de declaração contra os acórdãos cautelares e de mérito. Nesse sentido: BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira; legitimidade democrática e instrumentos de realização. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 164.

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244 Manual de direito ConstituCional

Na ADI 3.105 infere-se que o Supremo Tribunal Federal não indeferiu o ingresso do amigo da Corte no caso. O relator aceitou a intervenção do amicus curiae. No entanto, da decisão de mérito proferida, esse agente interpôs o recurso de embargos declaratórios. Portanto, tratava-se da análise de recurso de embar-gos declaratórios por ele manejado. O STF, no caso, não conheceu de recurso de embargos declaratórios interpostos pelo amigo da Corte, pois esse agente não possui legitimidade recursal, nos mesmos moldes dos demais legitimados ativos. Entretanto, obter dictum, o relator consignou, que o amicus curiae só seria parte legítima para recorrer da decisão que indefere o seu ingresso no feito.107

Em outros precedentes, o STF reconheceu a ilegitimidade recursal do amicus curiae mesmo quanto à decisão que lhe nega ingresso no feito.108

O fato é que o Supremo Tribunal Federal, em sua maioria, têm reconhecido a legitimidade recursal do amigo da corte para impugnar a decisão que lhe nega ingresso no feito. Na prática, encontramos precedentes em que a impugnação contra o decisum denegatório de ingresso no feito foi realizada por embargos declaratórios109 e até mesmo por pedido de reconsideração,110 embora Cassio Scarpinella Bueno entenda que o correto seria a interposição de agravo interno.111

107 ADI 3105, Rel. Min. Cézar Peluso, DJ 23.12.2007. 108 ADI 3346 AgR-ED/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 086, de 12.05.2009. 109 “Na interposição destes embargos, observaram-se os pressupostos de recorribilida-

de. A peça, subscrita por profissionais da advocacia regularmente constituídos, foi protocolada no qüinqüídio. Consigno, mais, que a impossibilidade de impugnação das decisões relativas a pedido de admissão, como terceiro, em processo objetivo não alcança os declaratórios. O motivo mostra-se muito simples: o citado recurso visa ao aperfeiçoamento do ato atacado, podendo-se, excepcionalmente, provocar a modificação do pronunciamento. Conheço dos embargos de declaração”. (ADI 3346 AgR-ED / DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 28.04.2009, DJe-086 de 12.05.2009).

110 “Não obstante a plausibilidade da interpretação adotada na decisão de fl. 73, no sentido de que o prazo das informações seria o marco para a abertura procedi-mental prevista no art. 7º, § 2º, da Lei n. 9.868, de 1999, cabe reconhecer que a leitura sistemática deste diploma legal remete o intérprete a uma perspectiva pluralista do controle abstrato de normas. Assim, consideradas as circunstâncias do caso concreto, reconsidero a decisão de fl. 73, para admitir a manifestação da Companhia Energética de Brasília, que intervirá no feito na condição de amicus curiae. Fixo o prazo de cinco dias para a manifestação. (ADI 1.104, Rel. Min. Gil-mar Mendes, decisão monocrática, julgamento em 21-10-03, DJ de 29.10.2003).

111. Bueno, Cassio Scarpinella. Amicus Curiae no Processo Civil Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 201.

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245Controle de ConstituCionalidade

13.8 Apuração de questões fáticas em sede de controle principal-abstrato

É certo que no controle principal, por via de ação direta, há um cotejo abstrato, em tese, entre a lei que se sugere inconstitucional e a Constituição. No entanto, esse cotejo não impede a análise de questões fáticas.

Com efeito, o art. 9.º da Lei 9.868/99, em seus §§ 1.º, 2.º e 3.º, prevê essa possibilidade, in verbis:

§ 1º em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, poderá o relator requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou fixar data para, em audiência pú-blica, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria.

§ 2º o relator poderá, ainda, solicitar informações aos tribunais superiores, aos tribunais federais e aos tribunais estaduais acerca da aplicação da norma impugnada no âmbito de sua jurisdição.

§ 3º as informações, perícias e audiências a que se referem os parágrafos ante-riores serão realizadas no prazo de trinta dias, contado da solicitação do relator.

Esses dispositivos legais derrogaram o entendimento originário do STF de que no âmbito do controle abstrato era inadmissível o exame do conteúdo de outras normas jurídicas infraconstitucionais e de matéria fática.112

Essa possibilidade de se analisar matéria de fato, no âmbito do controle abstrato, não importa, todavia, em utilizar a referida medida na defesa de direi-tos subjetivos. Com efeito, trata-se de utilizar-se de fatos como instrumento de hermenêutica para solucionar o Tribunal a decidir de forma mais aproximada da realidade social.

Nesse sentido, pedimos vênia para transcrevermos as lições de BArroso

112. “1. Há impossibilidade de controle abstrato da constitucionalidade de lei, quando, para o deslinde da questão, se mostra indispensável o exame do conteúdo de ou-tras normas jurídicas infraconstitucionais de lei ou matéria de fato. Precedentes. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Violação ao art. 33 do ADCT/CF-1988 e ao art. 5.º da EC 3/93. Alegação fundada em elementos que reclamam dilação probatória. Inadequação da via eleita para exame da matéria fática. 3. Ato de efeito concreto, despido de normatividade, é insuscetível de ser apreciado pelo contro-le concentrado. Ação direta não conhecida”. ADI 1523/SC, Rel. Min. Maurício Correa, Julgamento em 05.11.1997, DJ 18.05.2001).

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246 Manual de direito ConstituCional

na moderna dogmática jurídica, os fatos, a natureza dos problemas e as consequências práticas das soluções preconizadas desempenham papel de crescente importância na interpretação constitucional. Já não corresponde mais às demandas atuais uma interpretação asséptica e distanciada da vida real, fundada apenas no relato da norma.113

A possibilidade de se analisar fatos, no âmbito do controle abstrato, deve-se, sobretudo na nova hermenêutica que não mais aceita uma jurisdição constitucional desvinculada da necessidade de se solver questões de elevada repercussão jurídico-política.

Dessa forma, verifica-se que a norma-texto será apenas um elemento necessá-rio – mas insuficiente – para a concreta realização jurídica, já que essa realização exigirá, para além daquela norma e em função agora do caso concreto (do proble-ma jurídico do caso concreto), que se elabore já a normativa “concretização”, já a específica “norma de decisão.114”

Passa-se, a partir dessa autorização legal, portanto, a permitir no âmbito do controle abstrato a apreciação de fatos e dados da realidade como instrumental hermenêutico no processo de defesa da Constituição.

A matéria fática poderá ser analisa no âmbito do controle abstrato. Achamos que, em verdade, trata-se mais que análise de matéria fática, mas da própria possibilidade de apreciação de fatos e prognoses legislativas. Segundo Mendes, um dos primeiros a tratar do tema no Brasil, antes do advento da referida lei:

É bem verdade que, se analisarmos criteriosamente a nossa jurisprudência constitucional, verificaremos que, também entre nós, procede-se ao exame ou à revisão dos fatos legislativos pressupostos ou adotados pelo legislador. É o que se verifica na jurisprudência do supremo tribunal Federal sobre a aplicação do princípio da igualdade e do princípio da proporcionalidade.115

113. BArroso, Luis Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito brasileiro. Op. cit. p. 178.

114. CAstAnheirA neves, A. A metódica jurídica: problemas fundamentais. Coimbra, 1993, p. 145.

115. Mendes, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: hermenêutica consti-tucional e revisão de fatos e prognoses legislativos pelo órgão judicial. In: Mendes, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. Saraiva: São Paulo, 2004, p. 472.

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247Controle de ConstituCionalidade

Assim, para que seja adequado o controle de constitucionalidade, o tribunal não pode, em determinados casos fazer um mero juízo de adequação abstrata da lei com a Constituição. Com efeito, há uma simbiose em normas e fatos, que não podem ser afastados no âmbito do controle de constitucionalidade.

O exame dos fatos e prognoses legislativas é medida que se impõe no novo modelo de interpretação constitucional.

gilMAr Mendes trata da matéria, com base, principalmente, nos estudos de KlAus Jürgen phillippi. Nesse estudo, os fatos legislativos são classificados em históricos, atuais e futuros.

Quanto a estes últimos, é permitido que o Tribunal profira decisão sobre a legitimidade ou ilegitimidade de uma dada lei a depender da confirmação ou não de um prognóstico feito pelo legislador ou da provável verificação de um dado evento.116

Assim, por esse método, é possível se fazer uma análise dos impactos presentes e futuros de uma lei e também permitir ao Tribunal a possibilidade de se valer de todos os elementos técnicos disponíveis para a apreciação da legitimidade do ato questionado, e também um amplo direito de participação por parte de terceiros (des)interessados no âmbito do controle abstrato.

Há manifestações monocráticas do Ministro gilMAr Mendes dentro do Supremo Tribunal Federal, aplicando as prognoses tanto para se aferir a legiti-midade de leis em face das prognoses quanto para se permitir uma participação mais aberta dos intérpretes da Constituição na fiscalização das leis (sociedade aberta dos interpretes da Constituição –Peter Häberle).117

13.9 Paradigma de controle e bloco de constitucionalidade

13.9.1 Paradigma de controle e sua revogação

Quando se ataca numa ação direta uma lei ou um ato normativo federal ou estadual, alega-se a violação de alguma norma da Constituição. A norma constitucional hipoteticamente violada é denominada de paradigma do controle ou norma parâmetro.

116. Op. cit. p. 475. 117. ADI 3842 / MG – Min. Gilmar Mendes, Decisão Monocrática que analisa o ingresso

de amicus curiae, DJe-231 de 09.12.2009.

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248 Manual de direito ConstituCional

Pode ser chamada também de paradigma de controle. O paradigma de

controle é composto pelos princípios e regras expressa e implicitamente con-

tidos na Constituição em vigor.

Assim, por exemplo, uma lei violada do princípio da igualdade, tem como

paradigma de controle, em regra, o art. 5.º, caput, que contempla o princípio

da isonomia.

De outra banda, uma lei que afronte o princípio da proporcionalidade

está, em verdade, a ofender um princípio constitucional implícito, eis que não

positivado expressamente na atual Constituição, mas decorrente do princípio

do devido processo legal substantivo contido na cláusula do devido processo

legal (art. 5.º, LIV, CF).

Além desse paradigma de controle. Devemos, igualmente, enxergar os

tratados de direitos humanos com envergadura de norma constitucional.

Com efeito, o art. 5.º, § 3.º, da CF permite a incorporação de tratados de

direitos humanos com equivalência de Emenda Constitucional. Logo, leis e

atos normativos que afrontem os sobreditos tratados, também podem ser objeto

de ação direta.

A revogação ou modificação superveniente do parâmetro de controle

acarreta extinção da ação direta. Esse tem sido o entendimento acolhido pelo

Supremo Tribunal Federal. Mas já aceno tímido da Corte no sentido contrário,

em voto do Min. Menezes Direito, com pedido de vista (ADI 509).

Não se prestam como elemento de parametricidade:

• OpreâmbulodaCF,poisnãoédotadodeforçanormativa;

• Normasconstitucionaisrevogadas;

• NormasdaConstituiçãoanterior.

13.9.2 Bloco de Constitucionalidade

Entretanto, há no Supremo Tribunal Federal quem atribua ao paradigma

de controle uma interpretação mais elástica para permitir a fiscalização de leis

e atos tendo por norma paradigmática o que se denomina de bloco de constitu-

cionalidade.

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249Controle de ConstituCionalidade

Basicamente, a ideia de um controle em face do bloco de constitucionali-dade é contributo do Ministro Celso de Mello nos votos proferidos no Supremo Tribunal Federal.118

No direito estrangeiro, principalmente na França, a ideia de bloco de consti-tucionalidade, originariamente tímida, passou a contemplar como Constituição um conjunto de disposições normativas e diplomas legais esparsos, ainda que produzidos em épocas históricas distintas.

Nesse sentido, lá a Constituição é composta pelas normas da Constituição de 1958, ainda em vigor, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789,119 bem como as disposições do preâmbulo da Constituição de 1946 e de

118. ADI 2182 / DF; HC 87585 / TO; ADC 12 / DF; ADI 3510 / DF. “A construção de um conceito de constituição, considerando, para esse efeito, não

apenas os preceitos de índole positiva, expressamente proclamados no documento formal que consubstancia o texto escrito da Constituição, mas reconhecendo, por igualmente relevantes, em face de sua transcendência mesma, os valores de caráter suprapositivo, os princípios éticos e o próprio espírito que informam e dão sentido e razão à Lei Fundamental do Estado. A Constituição muito mais que o conjunto de normas e princípios nela formalmente positivados há de ser entendida em fun-ção do próprio espírito que a anima, afastando-se, desse modo, de uma concepção impregnada de evidente minimalismo conceitual. [...] A busca do paradigma de confronto, portanto, significa, em última análise, a procura de um padrão de cote-jo, que, ainda em regime de vigência temporal, permita, ao intérprete, o exame da fidelidade hierárquico-normativa de determinado ato estatal contestado em face da Constituição. [...] É por tal motivo que os tratadista – consoante observa JORGE XIFRA HERAS (“Curso de Derecho Constitucional, p. 43) -, em vez de formula-rem um conceito único de Constituição, costuma referir-se a uma pluralidade de acepções, dando ensejo à elaboração teórica do conceito de bloco de constitucio-nalidade (que atuará como parâmetro constitucional), cujo significado – revestido de maior ou de menor abrangência material – projeta-se, tal seja o sentido que se lhe dê, para além da totalidade das regras constitucionais meramente escritas e dos princípios contemplados, explicita ou implicitamente, no corpo normativo da própria Constituição formal, chegando, até mesmo, a compreender normas de caráter infraconstitucional, desde que vocacionadas a desenvolver, em toda a sua plenitude, a eficácia de postulados e dos preceitos inscritos na Lei Fundamental, viabilizando, desse modo, e em função de perspectivas conceituais mais amplas, a concretização da ideia de ordem constitucional global”. Parte do voto do Min. Celso de Mello. ADC 12, Rel. Min. Carlos Brito, DJ-e18.12.2009.

119. FrAnCiso, José Carlos. Bloco de Constitucionalidade e Recepção dos Tratados Interna-cionais. In: tAvAres, lenzA, AlArCón. Reforma do Judiciário analisada e comentada. São Paulo: Método, 2005, p. 104.

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250 Manual de direito ConstituCional

alguns elementos marginais compostos por princípios fundamentais reconhe-cidos pelas leis da República.120

Na verdade a ideia de bloco de constitucionalidade quer lembrar que ape-sar de ser viável a existência de disposições constitucionais contempladas em textos esparsos a Constituição é a norma maior dotada de unicidade, ou seja, é um todo orgânico, uno, estejam as suas normas positivas expressamente ou não no espírito da Constituição.

No Brasil compõem o bloco de constitucionalidade, e, portanto, constituem nosso paradigma de controle: as disposições da Constituição Federal de 1988, inclusive as incluídas nos atos das disposições constitucionais transitórias; as Emendas Constitucionais, seja com suas normas incorporadas ao texto cons-titucional, seja com normas estanques em seu próprio texto; e os tratados de direitos humanos com envergadura de emenda constitucional. Por enquanto, a visão ampliativa de bloco de constitucionalidade ainda não se manifestou na jurisprudência nacional, nos moldes do que vislumbrado por Celso de Mello.

13.10 Prazo

Quando versamos sobre a natureza da lei inconstitucional, afirmamos que o direito brasileiro adota como regra, a teoria da nulidade. Portanto, lei inconstitucional é lei nula. A nulidade é defeito que não se convalesce com o decurso do tempo, motivo pelo qual o ajuizamento de ação direta de inconsti-tucionalidade não se sujeita a prazo prescricional ou decadencial.121

Portanto, as leis feitas sob a égide da Constituição que lhes dá fundamento podem ser alvo de ação direta, enquanto a norma constitucional paradigmática estiver vigorando.

Efeitos da decisão A decisão de mérito proferida na ação direta é dotada de eficácia erga omnes e de caráter vinculante, quanto aos demais órgãos do judiciá-rio e da Administração Pública. Seus efeitos em regra são retroativos (ex tunc), podendo haver modulação dos efeitos, com base no art. 27, da Lei 9.868/99,

120. FAvoreu, Louis; llorente, Francisco Rubio. El bloque de la constitucionalidad. Madrid: Civitas, 1991, p. 30-38.

121. “Ação direta de inconstitucionalidade e prazo decadencial. O ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade não está sujeito a observância de qualquer prazo de natureza prescricional ou de caráter decadencial, eis que atos inconsti-tucionais jamais se convalidam pelo mero decurso do tempo. Súmula 360.” (ADI 1.247-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 17-8-95, DJ de 8-9-95).

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desde que se obtenha o voto de 2/3 dos Ministros. Destarte, a declaração de inconstitucionalidade depende da cláusula de plenário (art. 97 CF), ou seja, de deliberação da maioria absoluta do plenário. De outra banda, a modulação temporal dos efeitos, depende e maioria qualificada (2/3).

Ademais, a decisão que declara a norma inconstitucional tem o condão de restaurar a eficácia da legislação anterior. A matéria está regulada no art. 12, § 2.º da Lei 9.868/99 (§ 2.º A concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário). Embora a norma se refira aos efeitos repristinatórios de medida cautelar, com maior razão, ela se aplica para a decisão de mérito.

A decisão cautelar também é dotada de efeitos vinculantes, erga omnes e repristinatórios. Entretanto, quanto à eficácia temporal, a regra é de que, na cautelar, será ex nunc, salvo manifestação em contrário do Tribunal.

13.11 Teoria da transcendência dos motivos determinantes

No que pertine aos efeitos vinculantes das decisões proferidas pelo STF, cumpre-nos alertar para uma interessante teoria discutida no âmbito do controle de constitucionalidade. Trata-se da teoria dos motivos determinantes.

Essa teoria está atrelada aos limites objetivos do efeito vinculante dessas decisões proferidas pela Corte Suprema. O Supremo Tribunal Federal “tem-se firmado no sentido de que os fundamentos ou os motivos determinantes adotados em decisões proferidas em processos de controle concentrado de constitucionalidade são dotados de eficácia vinculante, e, portanto, capazes de ensejar o ajuizamento de Reclamação, na hipótese de serem desrespeitados por outros órgãos do Poder Judiciário ou da Administração Pública122”.

Para compreendê-la, é necessário, conhecer as partes integrantes de uma sentença judicial.

As sentenças, em geral, no processo brasileiro possuem uma estrutura tricotômica, pois são constituídas de três partes ou elementos: relatório, fun-damentação e dispositivo (art. 458 do CPC).

O relatório é a parte em que o magistrado relata de forma sucinta o histórico do processo, desde a sua propositura até o momento da prolação da sentença.

122. Rcl-AgReg 5.389-0/PA, trecho do voto da Ministra Relatora Cármen Lúcia, DJ 19.12.2007.

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A fundamentação é a parte da sentença em que o magistrado expõe os fatos relevantes e as razões ou motivações jurídicas que o levaram a tomar a decisão. Essa fundamentação pode ser denominada, igualmente, de motivação. Frise-se que todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas ou motivadas, sob pena de nulidade (art. 93, IX, CF).

Por fim, tem-se a parte dispositiva. Trata-se de um elemento constante da sentença em que o julgador externa o conteúdo da decisão, em que ele conclui se conhece o mérito do pedido, se o julga procedente ou improcedente.

Essa estrutura tricotômica é, igualmente, seguida, em regra, nas decisões proferidas pelos Tribunais, ou seja, nos acórdãos.

Da leitura dos artigos 469 e 470 do Código de Processo Civil infere-se que dessas três partes ou elementos apenas o dispositivo da sentença faz coisa julgada, transita em julgado.123

Entretanto, essa conclusão, não é aplicada, de idêntica forma, no âmbito do controle de constitucionalidade, pela via direta. Com efeito, o Supremo Tribunal Federal tem entendido que no âmbito do controle abstrato de consti-tucionalidade, em que a decisão e dotada de caráter vinculante e erga omnes, os motivos determinantes que serviram de fundamento para a decisão declaratória transcendem o caso para se tornarem obrigatórios não só para o processo onde essa decisão foi proferida.

Assim, o efeito vinculante da decisão proferida no controle abstrato de constitucionalidade se refere tanto à parte dispositiva da decisão quanto aos seus fundamentos determinantes (ratio decidendi), ocasionando o que se de-nominou de efeito transcendente dos fundamentos determinantes da decisão ou transcendência dos motivos determinantes.

Na prática, portanto, a decisão proferida numa ação direta vincula os demais órgãos do Judiciário e a Administração Pública não apenas na parte dispositiva do decisum, mas na razão de decidir, de forma que se a Administração Pública

123. Art. 469. Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; Il - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença; III - a apreciação da questão prejudi-cial, decidida incidentemente no processo. Art. 470. Faz, todavia, coisa julgada a resolução da questão prejudicial, se a parte o requerer (arts. 5.º e 325), o juiz for competente em razão da matéria e constituir pressuposto necessário para o julgamento da lide. Nesse sentido: CâMArA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 20. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 502.

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e o Judiciário praticarem atos incompatíveis com os motivos determinantes da decisão, cabe pedido de reclamação ao Supremo Tribunal Federal, para preservar a supremacia da Constituição e a autoridade das decisões da Suprema Corte.

É mister alertarmos que a transcendência dos motivos determinantes só é aplicável quando a decisão do Supremo Tribunal estiver dotada de eficácia erga omnes e vinculante.124 Ademais, é necessário haver similitude de objeto entre o ato impugnado e a decisão tida por desrespeitada.

Exemplifiquemos a aplicação dessa teoria. No julgamento da ADI 1662, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a possibilidade de seqüestro de recursos públicos apenas quando houver preterição do credor na ordem cronológica de requisição dos precatórios. Logo, se um Tribunal der ordem de seqüestro de precatório fora dessa hipótese, cabe pedido de Reclamação ao Supremo Tribunal Federal, com base nos motivos determinantes na referida ADI.125

13.12 Causa de pedir aberta e inconstitucionalidade por arrastamento

Na ação direta de inconstitucionalidade, bem como na ação declaratória de constitucionalidade, vigora o preceito da “causa de pedir aberta”. Logo, os fundamentos aventados pelo legitimado ativo, na petição inicial, não vinculam o Tribunal.

Destarte, é possível que o tribunal leve em conta a declaração de (in)cons-titucionalidade com base em fundamentos jurídicos diversos dos indicados pelo autor.

Ademais, é possível que o legitimado ativo expressamente peça a declara-ção de inconstitucionalidade de um dispositivo ou diploma legal e o Tribunal acate o pedido e, numa relação de conexão ou continência, acabe por também declarar a inconstitucionalidade de dispositivos ou diplomas que guardem conexão lógica com os primeiros. Trata-se da técnica de inconstitucionalidade por arrastamento, arrasto ou consequencial. Por exemplo, proposta um ação direta para se obter a declaração do art. 106, § 3.º, da Constituição do Estado de Santa Catarina, que tratava da obrigatoriedade de adequação da remuneração dos diversos cargos da polícia civil com a do cargo de Delegado, o STF declarou

124. Rcl 5389 AgR / PA, Rel. Ministra Cármen Lúcia, DJ-e 165 de 19-12-2007. Rcl 6319 AgR / SC, Rel. Min. Eros Grau, DJ-e 145 de 06.08.2010. Rcl 5703 AgR / SP, Rel. Ministra Cármen Lúcia , DJ-e 195, de 16.10.2009. 125. ADI 1662-SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 19-09-2003. Rcl 2291 MC / RJ – Rel.

Min. Gilmar Mendes. DJ 01.04.2003.

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a inconstitucionalidade desse dispositivo, arrastando, por uma conexão lógica,

§ 1.º do artigo 10 e os artigos 11 e 12 da LC estadual 254/03.126

Geralmente, o STF usa essa técnica para arrastar Decretos que regulamen-

tam uma lei declarada inconstitucional.127

O arrasto pode ser interno ou externo, isto é, o Supremo pode arrastar,

por conexão, dispositivos do mesmo diploma legal inicialmente impugnado,

a exemplo do pedido para ser declarar o art X inconstitucional e o Tribunal

arrasta o art. Y; ou diplomas legais ou dispositivos de outros diplomas legais

conexos ao inicialmente declarado inconstitucional, a exemplo do caso citado

da Constituição de Santa Catarina que o STF declarou inconstitucional o art.

106, § 3.º, arrastando dispositivos de lei complementar conexa.

14. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE

14.1 Conceito e Legitimados Ativos

A EC 3, de 17-3-1993, instituiu na Constituição brasileira a figura da ação

declaratória de constitucionalidade (ADC). Inicialmente, foi conferida a legiti-

midade ativa para a sua propositura apenas ao Presidente da República, à Mesa

do Senado Federal, à Mesa da Câmara dos Deputados e ao Procurador-Geral da

República. Entretanto, a EC 45/2004 ampliou o rol dos legitimados ativos, de

forma que hoje podem propô-la os mesmos legitimados à propositura da ADI.

Podemos defini-la como a ação constitucional a ser proposta por deter-

minados órgãos, autoridades e entidades, na defesa do ordenamento jurídico,

para se obter a declaração erga omnes e vinculante, de validade de lei ou ato

normativo primário ou autônomo, federais, quando houver controvérsia judicial

sobre a sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade.128

126. ADI 4009. 127. ADI 2947 128. O STF, no julgamento da ADC 1, Rel. Min. Moreira Alves, Julgamento em

01.12.1993, DJ 16.06.1995, julgou, incidentalmente, a constitucionalidade da EC 3/1993 que criou a figura da Ação Declaratória de Constitucionalidade. Em síntese: a constitucionalidade da ADC, como novo mecanismo do controle prin-cipal de constitucionalidade de leis, foi declarada, incidenter tantum, na ADC 1.

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14.2 Pressuposto e Objeto

Como se infere da definição acima, o seu objeto é menor que o da ação direta de inconstitucionalidade, pois só cabe contra leis ou atos normativos federais.

É mister, para a sua propositura, que seja demonstrada a existência de dúvida relevante ou controvérsia judicial quanto à validade da norma federal. Essa exi-gência é compreensível, pois em favor das leis vigora o princípio da presunção de legitimidade e constitucionalidade.

Há quem defenda que a demonstração da controvérsia judicial há de ser entendida como atinente à existência de controvérsia jurídica relevante, capaz de afetar a presunção de legitimidade da lei, e, portanto, a eficácia da decisão legislativa.129

Sobre o parâmetro de controle vale as mesmas observações sobre a ação direta de inconstitucionalidade.

14.3 Medida cautelar

A medida cautelar, em sede de ação declaratória de constitucionalidade, está prevista no art. 21 da Lei 9.868/1999, que determina que:

o supremo tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus mem-bros, poderá deferir pedido de medida cautelar na ação declaratória de cons-titucionalidade, consistente na determinação de que os juízes e os tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo.

Parágrafo único. Concedida a medida cautelar, o supremo tribunal Federal fará publicar em seção especial do diário oficial da união a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias, devendo o tribunal proceder ao julgamento da ação no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de perda de sua eficácia.

Assim, a medida cautelar prevista na lei é distinta da prevista para a ADI. Ademais, é curial ressaltar que a medida cautelar na ADI se distingue da cautelar proferida na ADC. Nesta, a medida visa a sustar, por até 180 (cento e oitenta) dias o julgamento de processos em que se faça necessária a aplicação da lei objeto da ação. Naquela, a medida visa a suspender os efeitos da lei ou do ato normativo impugnado, até a decisão de mérito.

129. Mendes; Coelho; BrAnCo, op. cit., 5ª ed., p. 1297.

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Entendemos que a cautelar deve caducar se em até 180 dias o Tribunal não efetuar o julgamento. Entretanto, o STF tem admitido a prorrogação desse prazo.130

14.4 Intervenção de Terceiros Amicus Curiae

Na ação declaratória de constitucionalidade, da mesma forma que na ação direta, não cabe intervenção de terceiros (art. 18 da Lei 9.868/99).

A redação originária da Lei 9.868/99, no art. 18, teve seus parágrafos ve-tados, quanto à intervenção do amicus curiae.

Mas não há sentido em eliminar a participação dele na ação declaratória, eis que ela tem um mesmo espírito da ADI. Assim, a despeito do veto, a juris-prudência do STF tem admitido a manifestação do amicus curiae.

14.5 Advogado-Geral da União

O Advogado-Geral da União, na ADI e na ADPF, atua como defensor le-gis. Logo, na ADC como não há lei atacada, pois o pedido inicial não é para a declaração de inconstitucionalidade de lei, à primeira vista, não se faz neces-sária a manifestação do Advogado-Geral da União. Tanto o é que a própria Lei 9.868/99, diferentemente do que previu para a ADI, não trata da participação do defensor legis.

Entretanto, dado o caráter dúplice da ADC, havendo possibilidade do Tribunal julgar improcedente o pedido e declarar a lei federal inconstitucional, é prudente que o Advogado-Geral da União participe do processo. Até porque até mesmo na ADO (ação direta por omissão) a participação dele é permitida desde que haja pedido do relator (art. 12-E da Lei 9.868/99, com redação de-terminada pela Lei 12.063/2009).

14.6 PROCEDIMENTO

O procedimento para o ajuizamento da ADC foi uma construção pretoriana. Hoje, entretanto, está regulado pelo art. 13 da Lei 9.868/99.

A petição inicial, acompanhada de instrumento de procuração, quando subscrita por advogado, será apresentada em duas vias, devendo conter cópias do ato normativo questionado e dos documentos necessários para comprovar a procedência do pedido de declaração de constitucionalidade.

130. ADC 18 QO-3-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ-e 200 de 22.10.2209.

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257Controle de ConstituCionalidade

A petição inicial inepta, não fundamentada e a manifestamente improce-dente serão liminarmente indeferidas pelo relator. Nesse caso, cabe a interpo-sição de recurso de agravo.

Proposta a ação declaratória, não se admitirá desistência, nos mesmos moldes da ADI.

Recebida a petição pelo Relator, será aberta vista ao Procurador-Geral da República, que deverá pronunciar-se no prazo de quinze dias, após o que o relator lançará o relatório, com cópia a todos os Ministros, e pedirá dia para julgamento.

Em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, poderá o relator requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria. As informações, perícias e audiências serão realizadas no prazo de trinta dias, contado da solicitação do relator

O relator poderá solicitar, ainda, informações aos Tribunais Superiores, aos Tribunais federais e aos Tribunais estaduais acerca da aplicação da norma questionada no âmbito de sua jurisdição.

A decisão de mérito proferida tem os mesmos efeitos, dependendo do caso, da ADI.

15. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão

15.1 Noções

Como vimos, a inconstitucionalidade pode se dar por conduta positiva ou negativa. Neste caso, temos a inconstitucionalidade por omissão do legis-lador em tornar efetiva norma constitucional. Por isso, a doutrina enquadra a ADI por omissão como ação competente, ao lado do mandado de injunção, como instrumento idôneo a combater a síndrome da inefetividade das normas constitucionais.

A ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO) encontra fun-damento no § 2.º do art. 102 da CF que estabelece, in verbis:

declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção

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258 Manual de direito ConstituCional

das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

Como inferimos do texto constitucional supramencionado, a ADO volta-se contra a omissão legislativa em tornar efetiva norma constitucional de eficácia limitada.

Ela encontra regramento infraconstitucional na Lei 9.868/1999, com redação determinada pela Lei 12.063, de 27 de outubro de 2009.

15.2 Objeto

O que se questiona na ADO é a omissão de medida para tornar efetiva a norma constitucional de eficácia limitada. Assim, a inércia em regulamentar, mediante edição de atos normativos primários e secundários, pode voltar-se contra quaisquer dos Poderes, inclusive sobre órgãos, a exemplo do TCU.

A omissão pode ser total ou parcial, como se infere da leitura da Lei 12.063/2009: “Art. 12-B. A petição indicará: I - a omissão inconstitucional total ou parcial quanto ao cumprimento de dever constitucional de legislar ou quanto à adoção de providência de índole administrativa;”

Para Mendes, a omissão legislativa que enseja a propositura da ADO no STF é omissão legislativa federal e estadual.131

Em regra, se a omissão é de oferecimento de projetos de lei de iniciativa exclusiva ou reservada, o oferecimento do projeto de lei, não permite o manejo da ADO. Entretanto, havendo iniciativa legislativa, mas inércia ou morosidade excessiva do legislativo em deliberar sobre a proposição legislativa integrativa apresentada, caberá a ADO.132

15.3 Legitimados Ativos

Estão legitimados à propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) os mesmos legitimados da ADI genérica, nos moldes do que dispõe a Lei 12.063/2009: “Art. 12-A. Podem propor a ação direta de in-constitucionalidade por omissão os legitimados à propositura da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade.”

131. Mendes; Coelho, BrAnCo, op. cit., 5. ed., p. 1352. 132. ADI 3682, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 06.09.2007.

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259Controle de ConstituCionalidade

15.4 Participação do Advogado-Geral da União

O Advogado-Geral da União, no âmbito do controle abstrato de constitu-cionalidade, assume o papel de defensor legis, o que levou parte da doutrina a rechaçar a sua participação no âmbito da ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

No entanto, a Lei 12.063/2009 facultou-lhe a participação, mediante a solicitação do Relator, nos termos do art. 12-E, § 2.º: “O relator poderá solicitar a manifestação do Advogado-Geral da União, que deverá ser encaminhada no prazo de 15 dias.”

A referida norma tem razão de ser, principalmente, pelo fato da ADO poder se voltar contra omissão parcial ou relativa. Nesse caso, houve diploma legal editado aquém do comando constitucional.

15.5 Efeitos da Decisão

A doutrina entende que a decisão de mérito proferida na ADO tem caráter mandamental, eis que tem o condão de constituir o legislador em mora. Ade-mais, quando a omissão for de caráter de órgão administrativo, deverá este, no prazo de 30 dias, suprir a omissão.

O tratamento infralegal desses efeitos veio à tona com a Lei 12.063/2009, in verbis:

art. 12-H. declarada a inconstitucionalidade por omissão, com observância do disposto no art. 22, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias.

§1º em caso de omissão imputável a órgão administrativo, as providências deverão ser adotadas no prazo de 30 (trinta) dias, ou em prazo razoável a ser estipulado excepcionalmente pelo tribunal, tendo em vista as circunstâncias específicas do caso e o interesse público envolvido.

§2º aplica-se à decisão da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, no que couber, o disposto no Capítulo iV desta lei.”

15.6 Medida Cautelar na ADI por Omissão

A doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entendiam que à ação direita de inconstitucionalidade por omissão não cabiam as normas

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260 Manual de direito ConstituCional

referentes à concessão de medida cautelar, muito embora houvesse acenos de que seria possível a liminar de caráter negativo (tutela inibitória).133

Entretanto, a grande inovação da Lei 12.063/2009 é pertinente à concessão de medida cautelar em sede de ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

Com efeito, restou contemplada a possibilidade de sua adoção, nos se-guintes termos:

art. 12-F. em caso de excepcional urgência e relevância da matéria, o tribunal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, observado o disposto no art. 22, poderá conceder medida cautelar, após a audiência dos órgãos ou autori-dades responsáveis pela omissão inconstitucional, que deverão pronunciar-se no prazo de 5 (cinco) dias.

§1o a medida cautelar poderá consistir na suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo questionado, no caso de omissão parcial, bem como na suspen-são de processos judiciais ou de procedimentos administrativos, ou ainda em outra providência a ser fixada pelo tribunal.

§2o o relator, julgando indispensável, ouvirá o Procurador-Geral da república, no prazo de 3 (três) dias.

§3o no julgamento do pedido de medida cautelar, será facultada sustentação oral aos representantes judiciais do requerente e das autoridades ou órgãos responsáveis pela omissão inconstitucional, na forma estabelecida no regi-mento do tribunal.

art.12-G. Concedida a medida cautelar, o supremo tribunal Federal fará publicar, em seção especial do diário oficial da união e do diário da Justiça da união, a parte dispositiva da decisão no prazo de 10 (dez) dias, devendo solicitar as informações à autoridade ou ao órgão responsável pela omissão inconstitucional, observando-se, no que couber, o procedimento estabelecido na seção i do Capítulo ii desta lei.

Como se infere da leitura desses dispositivos, a cautelar poderá se con-substanciar nas seguintes medidas:

• no caso de omissão parcial: suspensão da aplicação da lei ou do ato nor-mativo questionado;

• no caso de omissão total: suspensão de processos judiciais ou de proce-dimentos administrativos, ou ainda em outra providência a ser fixada pelo Tribunal.

133. ADInMC 361-DF.

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261Controle de ConstituCionalidade

15.7 Procedimento

O procedimento para a ADO segue, no que couber, o procedimento da ADI genérica.134

Proposta a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, não se ad-mitirá desistência.

A petição inicial da ADO, acompanhada de instrumento de procuração, se for o caso, será apresentada em 2 (duas) vias, devendo conter cópias dos documentos necessários para comprovar a alegação de omissão, e indicará:

I - a omissão inconstitucional total ou parcial quanto ao cumprimento de dever constitucional de legislar ou quanto à adoção de providência de índole administrativa;

II - o pedido, com suas especificações.

A petição inicial inepta, não fundamentada, e a manifestamente improce-dente serão liminarmente indeferidas pelo relator. Dessa decisão monocrática, é cabível a interposição do recurso de agravo.

Não tendo sido indeferida, o relator pedirá informações aos órgãos ou autoridades responsáveis pela omissão, após o que dará vista dos autos por 15 dias ao Procurador-Geral da República, nas ações em que não for autor.

O relator poderá solicitar a manifestação do Advogado-Geral da União, que deverá ser encaminhada no prazo de 15 dias.

Em caso de excepcional urgência e relevância da matéria, o Tribunal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá conceder medida cau-telar, após a audiência dos órgãos ou autoridades responsáveis pela omissão inconstitucional, que deverão pronunciar-se no prazo de 5 dias.

A medida cautelar poderá consistir na suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo questionado, no caso de omissão parcial, bem como na suspensão de processos judiciais ou de procedimentos administrativos, ou ainda em outra providência a ser fixada pelo Tribunal.

O relator, julgando indispensável, ouvirá o Procurador-Geral da República, no prazo de 3 dias.

134. Art. 12-E da Lei 12.063/2009: Aplicam-se ao procedimento da ação direta de incons-titucionalidade por omissão, no que couber, as disposições constantes da Seção I do Capítulo II desta Lei.

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262 Manual de direito ConstituCional

No julgamento do pedido de medida cautelar, será facultada sustentação oral aos representantes judiciais do requerente e das autoridades ou órgãos responsáveis pela omissão inconstitucional, na forma estabelecida no Regi-mento do Tribunal.

Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará publicar, em seção especial do Diário Oficial da União e do Diário da Justiça da União, a parte dispositiva da decisão no prazo de 10 dias, devendo solicitar as infor-mações à autoridade ou ao órgão responsável pela omissão inconstitucional.

Declarada a inconstitucionalidade por omissão, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias.

Em caso de omissão imputável a órgão administrativo, as providências deverão ser adotadas no prazo de 30 dias, ou em prazo razoável a ser estipulado excepcionalmente pelo Tribunal, tendo em vista as circunstâncias específicas do caso e o interesse público envolvido.

16. Arguição de descumprimento de preceito fundamental

16.1 Noções e parâmetro

Estabelece o art. 102, § 1.º da CF que: “A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei”. A Lei 9.882/1999 veio regulamen-tar o procedimento da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).

O que é preceito fundamental? Nem a Constituição Federal nem a lei da ADPF (Lei 9.882/99) definiram o que venha a ser preceito fundamental.

Ora, a ADPF tem como parametricidade o referido “preceito fundamental”.

O Supremo Tribunal Federal não enfrentou o tema de forma direta, mas tem, caso a caso, identificado o que não é preceito fundamental. Mas, a Suprema Corte, a título exemplificativo, já afirmou que são preceitos fundamentais, as seguintes normas constitucionais:

• Artigos1ºao4ºquetratamdosprincípiosfundamentais;

• Artigos5ºe6ºqueversamsobreosdireitosindividuais,coletivosesociais;

• Art.14quetratadosdireitospolíticos;

• Art.18quetratasobreaorganizaçãopolítico-administrativabrasileira(organização do Estado brasileiro em federação);

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263Controle de ConstituCionalidade

• Art.34,VII,quetratasobreosprincípiosconstitucionaissensíveis;

• Art.60,§4º,queestabeleceoroldecláusulaspétreas;

• Art.170quetratasobreosprincípiosdaordemeconômica;

• Art.196quereconheceodireitoàsaúde;

• Art.200sobrealiberdadedemanifestaçãodopensamento,dacriação,a expressão e a informação pelos meios de comunicação social;

• Art.222quetratadapropriedadedeempresasjornalísticascomopri-vativo de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos;

• Art.225quereconheceodireitoaomeioambienteecologicamenteequilibrado.135

O Constituinte, ao criar o instituto da ADPF – Arguição de Descumpri-mento Fundamental, não lhe deu uma conformação básica, deixando-a para regulamentação pelo legislador constituído.

Apenas em 1999, ingressou em nosso ordenamento infraconstitucional lei regulamentadora da ADPF – Lei 9.882/1999. A referida é lei é sintética, contando com apenas 14 artigos.

Segundo o disposto no art. 1.º da Lei em tela, a ADPF será proposta pe-rante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objetivo evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público, bem como quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato nor-mativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição.

16.2 Objeto

O objeto da referida ação foi se configurando aos poucos na jurisprudência do STF, que só a partir de 2005 deu uma configuração segura ao instituto. Prati-camente, a ADPF é uma ação de controle concentrado de constitucionalidade de natureza subsidiária, eis que veio para colmatar a lacuna do controle sobre atos infralegais, leis municipais e direito pré-constitucional (leis anteriores à CF).

Assim, a ADPF analisará leis ou atos que não poderão ser objeto das demais ações de controle abstrato de constitucionalidade. Logo, podem ser impugnados na ADPF, exemplificativamente:

• LeisanterioresàatualConstituição,aexemplodaleideimprensa;

• LeisMunicipais;

135. Nesse mesmo sentido: FernAndes, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 944.

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264 Manual de direito ConstituCional

• Atosinfralegais,aexemplodeDecretos.;

Há quem entenda cabível a ADPF, igualmente, contra ato judicial.136

Essa natureza subsidiária da ADPF é retirada do art. 4.º, § 1.º da Lei 9.882/1999, que estabelece não ser admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.

Entretanto, a doutrina e a jurisprudência do STF têm interpretado esse dispositivo legal cum grano salis. Com efeito, essa subsidiariedade é vislum-brada à luz da inexistência de outra ação de cunho objetivo de controle de constitucionalidade.

Ainda quanto ao objeto da ADPF, a doutrina, em face dos dispositivos da Lei 9.882/99, o tem dividido em razão da espécie de ação.

Com efeito, a doutrina aponta duas modalidades de ADPF: ADPF Autô-noma e ADPF incidental.

Na ADPF Autônoma tem-se uma modalidade controle de constituciona-lidade de normas, pela via principal ou direta. Na ADPF incidental, a lei ou ato

136. A doutrina trava uma relevante controvérsia sobre o cabimento ou não da ADPF nesse caso. Basicamente, há aqueles que defendem a inviabilidade de manejo da ADPF contra decisão judicial e aqueles que sustentam a sua possibilidade, em al-guns casos. Analisemos a primeira acorrente, a qual nos filiamos: Com efeito, em regra, contra decisões judiciais, não cabe ADPF no STF, sob pena de se transformar o STF uma instância recursal para anular ou reformar decisões dos demais órgãos do Judiciário. Portanto, a ADPF não é de recursos. Nesse sentido: Bulos, Uâdi Lam-mêgo. Direito Constitucional ao alcance de todos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 245. Sobre o tema, cumpre-nos trazer à baila trecho decisão do Min. Ricardo Ricardo Lewandowski: “A argüição de descumprimento de preceito fundamental configura instrumento de controle abstrato de constitucionalidade de normas, nos termos do art. 102, § 1º, da Constituição, combinado com o disposto na Lei 9.882, de 3 de dezembro 1999, que não pode ser utilizado para a solução de casos con-cretos, nem tampouco para desbordar os caminhos recursais ordinários ou outras medidas processuais para afrontar atos tidos como ilegais ou abusivos (ADPF 145, Min. Ricardo Lewandowski, decisão monocrática, julgamento em 2-2-09, DJE de 9/2/09). Entretanto, há quem sustente a possibilidade de se manejar a ADPF con-tra ato judicial de interpretação direta de um preceito fundamental que contenha violação à norma constitucional. “Nessa hipótese caberá a propositura da arguição de descumprimento para afastar lesão a preceito fundamental resultante desse ato judicial do Poder Público, nos termos do art. 1º da Lei n. 9.882/99”. Mendes, Gilmar Ferreira. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Comentários à Lei 9.882/1999. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 72.

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265Controle de ConstituCionalidade

normativo são questionados em face de uma situação concreta. Tratar-se de um procedimento que lembra a cisão funcional que se realiza nos Tribunais de Justiça, quando nos processos concretos, é necessária a aplicação da cláusula de plenário (art. 97 CF).

Entretanto, a cisão, no âmbito da ADPF incidental, é uma cisão vertical. (Mendes, op. cit. p. 1311). Nesse caso, o STF deverá sustar o andamento dos processos ou julgamentos dos feitos onde a matéria se originou.

O fato é que a jurisprudência do STF é muito tímida acerca da ADPF, dentro da abertura legislativa dada ao instituto. Basicamente, na prática judicial da Corte, tem sido utilizada a ADPF autônoma para resolver controvérsia sobre recepção de leis ou sobre a inconstitucionalidade de atos que não possam ser alvo das demais ações de controle de cunho objetivo. Assim, carecemos de exemplos práticos para elucidar a ADPF incidental.

16.3 Legitimados ativos

O art. 2º da Lei da ADPF determina como legitimados ativos os mesmos da ADI.

16.4 Procedimento da ADPF

A petição inicial da ADPF, segundo o art. 3.º da Lei 9.882/1999, deverá conter:

• aindicaçãodopreceitofundamentalqueseconsideraviolado;

• aindicaçãodoatoquestionado;

• aprovadaviolaçãodopreceitofundamental;

• opedido,comsuasespecificações;

• seforocaso,acomprovaçãodaexistênciadecontrovérsiajudicialrelevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado.

A petição inicial, acompanhada de instrumento de mandato, se for o caso, será apresentada em duas vias, devendo conter cópias do ato questionado e dos documentos necessários para comprovar a impugnação. Só precisam ser acompanhados por advogado os seguintes legitimados ativos: Confederação Sindical, Entidade de Classe de âmbito nacional e Partido Político com repre-sentação no Congresso Nacional.

A petição inicial será encaminhada a um Relator sorteado. Da decisão de indeferimento da petição inicial, caberá agravo no prazo de cinco dias.

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266 Manual de direito ConstituCional

Apreciada medida liminar, o relator solicitará as informações às autoridades responsáveis pela prática do ato questionado no prazo de dez dias.

Se julgar necessário, poderá o relator ouvir as partes nos processos que ensejaram a arguição, requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou ainda fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria.

Poderão ser autorizadas, a critério do relator, sustentação oral e juntada de memoriais, por requerimento dos interessados no processo.

Decorrido o prazo das informações, o Ministério Público, nas arguições que não houver formulado, terá vista do processo, por cinco dias. Após tal prazo, o relator lançará o relatório, com cópia a todos os ministros, e pedirá dia para julgamento.

Julgada a ação, far-se-á comunicação às autoridades ou órgãos responsá-veis pela prática dos atos questionados, fixando-se as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental. O presidente do Tribunal determinará o imediato cumprimento da decisão, lavrando-se o acórdão pos-teriormente. Dentro do prazo de dez dias, contados a partir do trânsito em julgado da decisão, sua parte dispositiva será publicada em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União.

16.5 Efeitos da Decisão de Mérito

A decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público. A decisão depende de maioria absoluta, pre-sentes pelo menos 2/3 dos Ministros na sessão.

Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de arguição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

16.6 Irrecorribilidade das decisões mérito

A decisão que julgar procedente ou improcedente o pedido em arguição de descumprimento de preceito fundamental é irrecorrível, não podendo ser objeto de ação rescisória.

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267Controle de ConstituCionalidade

16.7 Medida Cautelar

O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na arguição de descum-primento de preceito fundamental. Em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda, em período de recesso, poderá o relator conceder a liminar, ad referendum do Tribunal Pleno. A liminar é, no caso da ADPF, inaudita altera pars, isto é, sem audição da parte contrária. Entretanto, o relator poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem como o Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da República, no prazo comum de cinco dias.

A liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da arguição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada.

17. Ação direta de inconstitucionalidade interventiva (representação interventiva)

Em face do princípio federativo por nossa Constituição adotado, prevalece a regra de autonomia entre os entes federativos (União, Estados, Municípios e DF). Entretanto, para a própria sobrevivência do Estado Federal ou para assegurar a observância de outros princípios, excepcionalmente se admitirá a suspensão da autonomia de um ente federativo por outro, mediante a Intervenção, nos casos taxativamente previstos entre os arts. 34 a 36 da CF.

Uma das hipóteses de intervenção federal da União nos Estados e no DF é para assegurar a observância dos princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VII, CF). No entanto, a intervenção, nesse caso, depende do provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação proposta pelo Procurador-Geral da República, denominada ação direta de inconstitucionalidade interventiva ou representação interventiva

Assim, a ação direta de inconstitucionalidade interventiva é uma medida processual inserta no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade, para que o Supremo Tribunal Federal autorize o Presidente da República a intervir nos Estados e no DF, por violação aos seguintes princípios sensíveis:

• formarepublicana,sistemarepresentativoeregimedemocrático;

• direitosdapessoahumana;

• autonomiamunicipal;

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268 Manual de direito ConstituCional

• prestaçãodecontasdaadministraçãopública,diretaeindireta;

• aplicaçãodomínimoexigidodareceitaresultantedeimpostosestadu-ais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.

O único legitimado à propositura da ADI interventiva é o Procurador-Geral da República. Entretanto, qualquer pessoa pode representar pela Intervenção, oportunidade em que o STF encaminhará a representação ao Procurador-Geral da República para que este, no prazo de 30 dias, proponha a ação perante o STF.

Há um precedente interessante sobre a ADI interventiva, no caso de vio-lações aos direitos humanos, cuja ementa transcrevemos:

eMenta: - intervenção Federal. 2. representação do Procurador-Geral da república pleiteando intervenção federal no estado de Mato Grosso, para assegurar a observância dos “direitos da pessoa humana”, em face de fato criminoso praticado com extrema crueldade a indicar a inexistência de “con-dição mínima”, no estado, “para assegurar o respeito ao primordial direito da pessoa humana, que é o direito à vida”. Fato ocorrido em Matupá, localidade distante cerca de 700 km de Cuiabá. 3. Constituição, arts. 34, Vii, letra “b”, e 36, iii. 4. representação que merece ser conhecida, por seu fundamento: alegação de inobservância pelo estado-membro do princípio constitucional sensível previsto no art. 34, Vii, alínea “b”, da Constituição de 1988, quanto aos “direitos da pessoa humana”. legitimidade ativa do Procurador-Geral da república (Constituição, art. 36, iii). 5. Hipótese em que estão em causa “direitos da pessoa humana”, em sua compreensão mais ampla, revelando-se impotentes as autoridades policiais locais para manter a segurança de três presos que acabaram subtraídos de sua proteção, por populares revoltados pelo crime que lhes era imputado, sendo mortos com requintes de crueldade. 6. interven-ção Federal e restrição à autonomia do estado-membro. Princípio federativo. excepcionalidade da medida interventiva. 7. no caso concreto, o estado de Mato Grosso, segundo as informações, está procedendo à apuração do crime. instaurou-se, de imediato, inquérito policial, cujos autos foram encaminhados à autoridade judiciária estadual competente que os devolveu, a pedido do delegado de Polícia, para o prosseguimento das diligências e averiguações. 8. embora a extrema gravidade dos fatos e o repúdio que sempre merecem atos de violência e crueldade, não se trata, porém, de situação concreta que, por si só, possa configurar causa bastante a decretar-se intervenção federal no estado, tendo em conta, também, as providências já adotadas pelas autoridades locais para a apuração do ilícito. 9. Hipótese em que não é, por igual, de determinar-se que intervenha a Polícia Federal, na apuração dos fatos, em substituição à Polícia Civil de Mato Grosso. autonomia do estado-membro na organização dos serviços de justiça e segurança, de sua competência (Constituição, arts. 25, § 1º; 125 e 144, § 4º). 10. representação conhecida mas julgada improcedente).

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269Controle de ConstituCionalidade

(iF 114-Mt, rel. Min. néri da silveira, Julgado em 13.03.1991, dJ 27-09-1996

PP-36154 eMent Vol-01843-01 PP-00001).

O procedimento da ADI interventiva está consagrado na Lei 4.337/1964,

parcialmente recepcionada pela CF 88. O relator que for designado ouvirá, em

30 dias, os órgãos que hajam elaborado ou praticado o ato arguido e, findo esse

termo, terá prazo igual para apresentar o relatório.

Apresentado o relatório, do qual se remeterá cópia a todos os Ministros,

o Presidente designará dia para que o Tribunal Pleno decida a espécie, cientes

os interessados.

Na sessão de julgamento, findo o relatório, poderão usar da palavra, na

forma do Regimento Interno do Tribunal, o Procurador-Geral da República,

sustentando a arguição, e o Procurador dos órgãos estaduais interessados,

defendendo a constitucionalidade do ato impugnado.

Se, ao receber os autos, ou no curso do Processo, o Ministro Relator enten-

der que a decisão de espécie é urgente em face de relevante interesse de ordem

pública, poderá requerer, com prévia ciência das partes, a imediata convocação

do Tribunal.

Só caberão embargos, que se processarão na forma da legislação em vigor,

quando, na decisão, forem 3 (três) ou mais os votos divergentes.

A doutrina brasileira entende não ser cabível a concessão de medida caute-

lar em sede de ação direta de inconstitucionalidade interventiva.137 Entretanto,

há lei autorizando a concessão da medida (5.778/1972).

O objeto da representação interventiva é abarcado por atos normativos

estaduais ou distritais, bem como atos administrativos138 e omissões estadu-

ais ou distritais quem importem em violação aos princípios constitucionais

sensíveis. No STF a ADI interventiva é classificada e denominada como “IF”

(intervenção federal).

137. Nesse sentido: luís roBerto BArroso. 138. IF 114, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 27.09.1996.

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270 Manual de direito ConstituCional

18. As espécies de decisão no controle de constitucionalidade

18.1 Introdução

Com o surgimento da ideia de controle de constitucionalidade das leis as decisões judiciais faziam um juízo acerca da lei, dizendo-a, em cotejo com a Constituição, constitucional/inconstitucional.

Tratava-se de uma maneira de decidir binária. Logo, ou a lei era constitucio-nal ou era inconstitucional. Com o amadurecimento da jurisdição constitucional e o surgimento de questões complexas que se apresentam, principalmente, por influência da experiência das Cortes alemã, italiana e americana, fez-se neces-sário o surgimento de novas formas

Apresentaremos, nesse tópico, as seguintes modalidades decisórias en-contráveis na nossa jurisprudência:

• Declaraçãodenulidade;

• Declaraçãodenulidadeparcialsemreduçãodotexto;

• Interpretaçãoconforme;

• Decisõesaditivas;

• Decisõessubstitutivas;

• Decisõestransitivas;

• Inconstitucionalidadeprogressiva.

18.2 Declaração de nulidade

Tradicionalmente o STF, por ter o Brasil se filiado à ideia americana de que lei inconstitucional é nula, tem, ao declarar a inconstitucionalidade da lei, lhe culminado de nulidade.

Desta feita, em regra, já que o vício não convalesce com o decurso do tempo, a lei inconstitucional tem um defeito congênito e, portanto, a decisão judicial que o reconhece, produz efeitos desde o surgimento da lei no mundo jurídico (eficácia temporal retroativa).

A nulidade pode ser total, parcial ou parcial sem redução de texto.

Quando o Tribunal reconhece que a lei impugnada, na ação direta, é total-mente inconstitucional, estar-se-ia diante de uma nulidade total. Esse tipo de nulidade integral se apresenta mais frequente na inconstitucionalidade formal. Entretanto, há casos em que, mesmo diante de inconstitucionalidade formal, a nulidade é parcial. Com efeito, por exemplo, a casa revisora ao fazer uma al-

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271Controle de ConstituCionalidade

teração substancial ao projeto aprovado pela casa iniciadora, adicionando-lhe apenas um dispositivo, sem, contudo, devolver o projeto à primeira casa, está aprovando um projeto com nulidade parcial.

18.2.1 Nulidade total

Nulidade total em virtude da indivisibilidade. Em alguns casos, o Supre-mo Tribunal Federal acaba por declarar a inconstitucionalidade total de um diploma legislativo em razão de sua indivisibilidade. A indivisibilidade pode resultar de pendência unilateral; de dependência recíproca de dispositivos e de dependência recíproca especial.139

a) Nulidade total em virtude de dependência unilateral: Assim, quando a parte principal de um diploma legal for considerada inconstitucional, sendo neces-sária à própria compreensão e aplicação do restante da lei, há uma verdadeira relação de interdependência entre a parte principal inconstitucional e a parte acessória. Destarte, a lei nesse caso deve ser considerada um todo indivisível, sendo, portanto declarada integralmente nula. Essa é uma decisão que declara a inconstitucionalidade total em razão de dependência unilateral.140

b) Nulidade total em virtude de dependência recíproca. Em outros casos, a Corte se depara com um diploma legal em que os dispositivos legais estão de tal maneira interligados que a nulidade de um acarreta a dos demais. Nesse caso, tem-se uma decisão declaratória de inconstitucionalidade em razão de dependência recíproca.141

c) Nulidade total em virtude de dependência recíproca especial. Quando a declaração de nulidade de parte da legal puder resultar em alteração substan-cial do sentido original da lei, o Tribunal, em face da separação dos poderes, para não desvirtuar a vontade do legislador e para preservar a autoridade da Constituição deve declarar a inconstitucionalidade total da lei.

18.2.2 Nulidade parcial.

Se a parte de uma lei é inconstitucional sem, todavia, prejudicar o sentido, o alcance e a aplicação da parte restante, há uma declaração de nulidade par-cial.142 A declaração de nulidade parcial pode ser com ou sem redução do texto.

139. tAvAres, André Ramos., op. cit. p. 251 e Mendes; Coelho, BrAnCo, op. cit, p. 1421. 140. Rp. 1.305, Rel. Min. Sydney Sanches. Rep. 1379, Rel. Min. Moreira Alves. 141. Rp. 1379, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 11.9.1987. 142. ADI 3459, Rel. Min. Marco Aurélio, Julgamento em 24.08.2005.

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272 Manual de direito ConstituCional

18.3 Declaração de nulidade parcial sem redução de texto

Na declaração de nulidade parcial sem redução de texto, o Tribunal profere uma decisão que limita o âmbito de aplicação da lei, vedando-lhe incidência sobre determinadas situações ou circunstâncias inconstitucionais, sem importar em modificação da expressão literal da lei.

Segundo CArvAlho, com base em Clève e veloso, a declaração de nulidade parcial sem redução de texto

a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto ‘significa reco-nhecer a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo sob algum aspecto, em dada situação, debaixo de determinada variante. a norma impugnada continua vigendo, na forma originária. o texto continua o mesmo, mas o tribunal limi-ta ou restringe a sua aplicação, não permitindo que ela incida nas situações determinadas, porque, nestas, há a inconstitucionalidade. nas outras não.143

Essa técnica foi usada pelo STF, inclusive no âmbito do Controle incidental (Lei que fixa a correção monetária a partir do ajuizamento da ação nas desa-propriações (RE 97816, Rel. Min. Djacy Falcão, DJ 12.11.192), por violação ao princípio da não-retroatividade).

18.4 Interpretação conforme

Quando uma lei possuir redação ambígua, obscura, de forma a permitir variadas interpretações, algumas contrárias à Constituição, outras não, o Tribu-nal, para preservar a norma, prestigiar o trabalho do legislador, por economia jurídica, dentro de um juízo de razoabilidade que não importe em subversão do espírito do legislador, pode proferir decisão para o fim de afastar as interpreta-ções que culminariam em inconstitucionalidade, aplicando-se apenas aquelas que estejam em conformidade com a Constituição.

O que se realizada nesse tipo de decisão é a eliminação de possibilidade interpretativas que afrontem a Constituição. Essa técnica foi utilizada, por exemplo, no julgamento da ADI 3395-6/MC, para afastar qualquer interpretação que inclua na competência da justiça do trabalho a competência para julgar causas estatutárias ou de natureza jurídico-administrativa.

Trata-se de técnica inspirada no direito norteamericano,em que se fixou os postulados de que, na dúvida, o Tribunal deve reconhecer a constitucionalidade

143. CArvAlho, Kildare Gonçalves, op. cit. p. 488.

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da lei e no caso de duas interpretações possíveis, deve ser aplicada aquela que se mostre compatível com a Constituição.144

Na interpretação conforme o que se exclui são interpretações inconstitu-cionais. Essa técnica pode ser utilizada com a declaração de nulidade parcial sem redução de texto, mas com esta não se confunde. Nesta, as hipóteses de aplicação ou incidência previstas pelo legislador se mostram inconstitucionais e, portanto, são declaradas nulas.

Na jurisprudência do Supremo há, corriqueiramente, uma equiparação da referida técnica com outra denominada de “interpretação conforme”, a partir de precedentes de Moreira Alves (ADI 319). Entretanto, há casos em que a distinção foi empreendida (ADI 939).

18.5 Declaração de inconstitucionalidade sem pronuncia da nulidade

A declaração de nulidade de lei é raciocínio plenamente aplicável para as inconstitucionalidades comissivas. No caso de inconstitucionalidades omis-sivas, o raciocínio não se opera.

Trata-se, nessa hipótese, de uma das possibilidades da técnica de declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia da nulidade.

Outra modalidade dessa técnica decisória é encontrável na manipulação dos efeitos temporais da decisão declaratória de inconstitucionalidade. Destarte, nesse caso, o tribunal declara a inconstitucionalidade, por exemplo, diferindo os efeitos da decisão.

18.6 Declaração de inconstitucionalidade progressiva

Uma técnica de interessante aplicação no âmbito do controle de constitu-cionalidade é a que declara que uma determinada lei é constitucional enquanto perdurarem determinadas situações.

A referida técnica decisória é aplicável no âmbito do controle incidental e do controle principal.

O leading case no STF referia-se à concessão legal de prazo em dobro para a Defensoria Pública recorrer. No julgamento do HC 70.517, julgado em 23.03.1994, da relatoria do Min. Sydney Sanches restou fixada a premissa de que a Lei 1.060/1950, com redação determinada pela Lei 7.871/1989, ao conceder prazo em dobro para a Defensoria Público interpor recurso seria constitucional

144. Mendes; Coelho, BrAnCo, op. cit. p. 1426.

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enquanto esta Instituição não alcançar, nos estados, o mesmo nível de organi-zação do respectivo Ministério Público.

Trata-se de uma lei declarada inconstitucional sob a cláusula rebus sic stantibus, ou seja, enquanto a situação ou os fatos assim não se modificarem.

Outro precedente importante, em que houve aplicação da declaração de inconstitucionalidade progressiva ou lei ainda constitucional foi o RE 147.776, no qual o STF permitiu que o Ministério Público continuasse a ser parte legítima à propositura da ação civil ex delicto (art. 68 do Código Penal), enquanto nos respectivos estados não fosse implantada a Defensoria Pública.145

Nesses casos, a lei ainda é constitucional, segundo a decisão do Tribunal, mas servindo como alerta de que assim o será, enquanto os fatos não mudarem na situação de imperfeição, tendendo a transformar-se a caminhar para uma inconstitucionalidade progressiva.

A advertência, segundo tAvAres, é feita obter dictum (coisa dita de passa-gem) na decisão.146 Na verdade, no seio dessa técnica, faz-se, muitas vezes, um apelo ao legislador para que providencie as mudanças corretivas necessárias à implementação de uma situação.

145. Ementa: Ministério Público: legitimação para promoção, no juízo cível, do ressar-cimento do dano resultante de crime, pobre o titular do direito à reparação: C. Pr. Pen., art. 68, ainda constitucional (cf. RE 135328): processo de inconstitucionali-zação das leis. 1. A alternativa radical da jurisdição constitucional ortodoxa entre a constitucionalidade plena e a declaração de inconstitucionalidade ou revogação por inconstitucionalidade da lei com fulminante eficácia ex tunc faz abstração da evidência de que a implementação de uma nova ordem constitucional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual a possibilidade de realização da norma da Constituição - ainda quando teoricamente não se cuide de preceito de eficácia limitada - subordina-se muitas vezes a alterações da realidade fáctica que a viabilizem. 2. No contexto da Constituição de 1988, a atribuição anterior-mente dada ao Ministério Público pelo art. 68 CPP - constituindo modalidade de assistência judiciária - deve reputar-se transferida para a Defensoria Pública: essa, porém, para esse fim, só se pode considerar existente, onde e quando or-ganizada, de direito e de fato, nos moldes do art. 134 da própria Constituição e da lei complementar por ela ordenada: até que - na União ou em cada Estado considerado -, se implemente essa condição de viabilização da cogitada transfe-rência constitucional de atribuições, o art. 68 C. Pr. Pen. será considerado ainda vigente: é o caso do Estado de São Paulo, como decidiu o plenário no RE 135328 (RE 147.776, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 19.06.1998).

146. Op. cit. p. 261.

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18.7 Decisões Aditivas, substitutivas e transitivas

O direito italiano tem contemplado, desde a década de 1960, espécies de decisões constitucionais de caráter peculiar, que lá são denominadas de “sen-tenças manipulativas” (decisioni manipolative). Tratam-se de técnicas de decisão em que há uma transformação do significado da lei. Há quem as denomine, de forma genérica, como sentenças intermediárias.

Nas decisões manipulativas tem-se uma declaração de inconstitucionali-dade com efeito aditivo ou substitutivo, dependendo do caso.

Na decisão aditiva o Tribunal alarga o âmbito normativo de um preceito, declarando inconstitucional a disposição na parte que não prevê, contempla uma exceção ou impõe uma condição a certas situações que deveria prever.147 Segundo Mendes, na decisão manipulativa aditiva a corte constitucional declara inconstitucional certo dispositivo legal não pelo que expressa, mas pelo que omite, alargando o texto da lei ou se âmbito de incidência.148

Na decisão substitutiva, o Tribunal declara a inconstitucionalidade de uma norma na parte ou nos limites em que contém uma prescrição em vez de outra ou profere uma decisão que implica a substituição de disciplina jurídica contida no preceito inconstitucional.149 “As manipulativas com efeito substitutivo são aquelas em que o juízo constitucional declara a inconstitucionalidade da parte em que a lei estabelece determinada disciplina ao invés de outra, substituindo a disciplina advinda do poder legislativo por outra, consentânea com o parâ-metro constitucional”.150

Outra classificação possível dessas decisões intermediárias é a encontrada em José AdérCio leite sAMpAio.151

147. goMes CAnotilho, J.J. , op. cit. 7. ed., p. 1019. 148. Mendes; Coelho; BrAnCo, op. cit. p. 1432. Exemplo citado pelo autor de sentença

aditiva foi do mandado de injunção do direito de greve dos servidores (MI 670; MI 708; MI 543). Outros exemplos: RE 405.579; MS 26.602; MS 26.604; ADI 3105; Pet. 3388.

149. Op. cit. p. 1019. 150. Mendes; Coelho; BrAnCo. Op. cit. p. 1433. O autor cita exemplo de sentença

substitutiva no STF (ADI-MC 2332, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 2.4.2004). 151. sAMpAio, José Adércio Leite. As sentenças intermediárias e o mito do legislador ne-

gativo. In: Cruz; sAMpAio (Orgs.). Hermenêutica e jurisdição constitucional, p. 172. Nesse mesmo sentido: CArvAlho, op. cit. p. 499.

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Na visão do referido autor as sentenças intermediárias podem assim ser divididas:

sentenças intermediárias

a) normativas

b) transitivas outransacionais

a1) aditivas;

a2) aditivas de princípios;

a3) substitutivas

b1) sem efeito ablativo;

b2) Com efeito, ablativo diferido;

b3) de efeito apelativo;

b4) de aviso

Sentenças normativas. Nessas espécies de decisões normativas, o Tribunal empreende a criação de uma norma geral e vinculante. Podem ser: a1) aditivas; a2) aditivas de princípios e a3) substitutivas.

a1) sentença normativa aditiva. Nestas, há um alargamento da abrangência do texto legal em virtude da criação de uma regra pela própria decisão.

a2) sentença normativa aditiva de princípios. O tribunal adiciona um prin-cípio deixando a criação da regra pelo legislador.

a3) sentença normativa substitutiva. Correspondem às substitutivas ante-riormente já citadas.

b) Sentenças transitivas ou transacionais. Nelas há uma espécie de transa-ção com supremacia da Constituição. Podem ser divididas em: b1) sem efeito ablativo; b2) com efeito ablativo; b3) apelativas e b4) de aviso.

b1) sentença transativa sem efeito ablativo: a declaração de inconstitu-cionalidade não se faz acompanhar da extirpação da norma do ordenamento jurídico, se houve possibilidade de se criar uma situação jurídica insuportável ou de grave perigoso orçamentário.

b2) sentença transativa,com efeito ablativo. Nesse caso, a decisão que declara a inconstitucionalidade com possibilidade extirpar a norma ou seus efeitos do ordenamento jurídico, mas efetuando a modulação temporal dos efeitos da decisão.

b3) sentença transativa apelativa. Trata-se de declarar a constitucionalidade da norma, mas assentando um apelo ao legislador para que adote providências

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277Controle de ConstituCionalidade

necessárias destinadas que a situação venha a se adequar, com a mudança de fatos, aos parâmetros constitucionais.

b4) sentença transativa de aviso. Nesse tipo de decisão há um prenúncio de uma mudança de orientação jurisprudencial que não será aplicado ao caso em análise.

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