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2020 Luciano Figueiredo Roberto Figueiredo Manual de DIREITO CIVIL Volume único

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Page 1: Manual de DIREITO CIVIL - Editora Juspodivm · 2020. 7. 10. · Diniz3, Silvio Rodrigues4, Marcos Bernardes de Mello5, Rodolfo Pamplona e Pablo Stolze Gagliano6. Seguimos, todavia,

2020

Luciano Figueiredo Roberto Figueiredo

Manual de DIREITO CIVIL

Volume único

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CAPÍTULO VII

TEORIA DO FATO, ATO E NEGÓCIO JURÍDICO

Sumário • 1. Fato jurídico x fato material: 1.1. Classificação dos fatos jurídicos – 2. Negócios jurídicos: 2.1. Plano de Existência; 2.2. Plano de Validade; 2.3. Plano de Eficácia – 3. Classificação: 3.1. Quanto à declaração de vontade; 3.2. Quanto ao benefício alcançado; 3.3. Quanto à duração do Negócio; 3.4. Quanto à Forma; 3.5. Quanto à causa; 3.6. Quanto ao alcance dos efeitos do negócio – 4. Representação no negócio jurídico: 4.1. Representação direta e indireta; 4.2. Representação convencional e legal; 4.5. Anulação por conflito de interesses – 5. Defeitos ou vícios do Negócio Jurídico: 5.1. Vícios de consentimento; 5.2. Vícios Sociais – 6. Negócios Jurídicos Processuais.

1. FATO JURÍDICO X FATO MATERIAL

A introdução do estudo da teoria do fato, ato e negócio jurídico remonta à distinção dos fatos jurídicos e materiais.

O fato material é aquele desprovido de consequências jurídicas, a exemplo de um terremoto no fundo de um oceano, ou um raio que cai no meio do mar ou na floresta. São sempre exemplos desprovidos de lesão à pessoa ou seu patrimônio.

Já o fato jurídico é acontecimento, natural ou humano, relevante para o direito, ainda que não gere efeitos no mundo jurídico, como, por exemplo, um testamento. É jurídico, por conseguinte, aquele fato que potencialmente apto a gerar consequências para o direito.

Há quem defina o fato jurídico de maneira utilitarista, funcional, ou seja, como todo acontecimento natural ou humano capaz de criar, modificar, conservar ou extinguir rela-ções jurídicas. Assim se posicionam Orlando Gomes1, Francisco Amaral2, Maria Helena Diniz3, Silvio Rodrigues4, Marcos Bernardes de Mello5, Rodolfo Pamplona e Pablo Stolze Gagliano6.

Seguimos, todavia, a linha de Pontes de Miranda7, ao reconhecer o fato jurídico inde-pendente de sua eficácia. O fato jurídico traduz a essência do direito. Nessa ordem de ideias,

1. GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Revista, atualizada e aumentada, de acordo com o Código Civil de 2002, por Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de Brito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

2. AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014.3. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. V. 1, 31. ed. São Paulo: Saraiva,

2014. 4. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. V. 1, 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.5. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.6. GAGLIANO, Pablo Stolze; e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral. V. 1, 16. ed. São

Paulo: Saraiva, 2014.7. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves.

Tomo 1. Campinas: Bookseller, 1999.

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como bem lembra Pontes de Miranda8: “O mundo jurídico nada mais é senão o mundo dos fatos jurídicos”.

Ainda forte na doutrina de Pontes de Miranda9, bem como de Marcos Bernardes de Melo10, o fato jurídico deve ser estudado nas suas três dimensões (ou planos), quais sejam: os planos da existência, da validade e da eficácia. A isso se costuma denominar “Escada Ponteana”, composta por estes três degraus, oportunamente verificados.

1.1. Classificação dos fatos jurídicosUma vez verificado ser o fato jurídico essencial ao direito, questiona-se: o que engloba

os fatos jurídicos?

Inicialmente, urge salientar que o Código Civil de 2002 se divorciou da corrente unitária francesa, abraçando a corrente binária alemã, pandectista e italiana, ao distinguir o ato do negócio jurídico e, até mesmo, de ato-fato jurídico. Com efeito, o diploma anterior, de 1916, não realizava maiores distinções entre o ato jurídico e o negócio jurídico.

Assim, as expressões utilizadas por alguns doutrinadores – fato jurídico lato sensu e ato jurídico stricto sensu – estão em desuso, pois apenas se justificavam a época do art. 81 do ab-rogado Código Civil de 1916, como uma decorrência da doutrina francesa unitária que, sequer, realizava distinção entre ato e negócio jurídico. Perde-se completamente a razão de ser a utilização dessas expressões.

Alia-se a isso a necessidade de uma visão pautada no Princípio da Operabilidade, já sendo o momento de se afastar tais expressões que, de rigor, acabam por atrapalhar o aplicador da norma, exigindo desse uma desnecessária memorização.

Entrementes, por conta de um excesso de zelo, aliado à necessidade de atender aos mais diversos esquemas classificatórios, apresentados nas variadas obras doutrinárias, buscaremos classificar de forma ampla os fatos jurídicos, esgotando as expressões e subclassificações abraçadas nas mais diversas obras.

Nessa linha, o fato jurídico ou fato jurídico lato sensu engloba:i. Fato Jurídico Natural, também batizado como Fato Jurídico Stricto Sensu;

ii. O Fato Jurídico Humano, também denominado de Ato Jurídico ou Ato Jurídico Lato Sensu.

1.1.1. Fatos Naturais (ou Fato Jurídico em Sentido Estrito ou stricto sensu)É o grupo de fatos da natureza que independem do ato humano para se configurar, tais

como a maioridade, o nascimento e a morte. Quando esses fatos naturais atingem o inte-resse jurídico, a esfera humana, criando, modificando, conservando ou extinguindo relações jurídicas, tem-se o fato jurídico natural em sentido estrito.

8. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Tomo 1. Campinas: Bookseller, 1999.

9. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Tomo 1. Campinas: Bookseller, 1999.

10. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

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Percebe-se que, no que tange ao fato jurídico em sentido estrito, para o seu reconhe-cimento é bastante a ocorrência de acontecimento natural, sendo desnecessária a atuação humana. Entretanto, nada impede que a dita atuação humana, eventualmente, esteja presente.

Assim, pode acontecer que algumas vezes o evento suporte fático do fato jurídico stricto sensu esteja ligado a um ato humano, como ocorre com o nascimento do ser humano, o qual tem sua origem na concepção. Outras vezes, até o fato pode resultar de ato humano inten-cional, como na morte por assassinato ou suicídio. Isso, entretanto, não altera a natureza de fato jurídico, uma vez que a circunstância de haver um ato humano em sua origem não muda o caráter do evento que constitui seu suporte fático. A morte não deixa de ser evento da natureza se provocada por ato humano; do mesmo modo que o nascimento não perde a sua característica de fato natural porque houve um ato que lhe deu origem.

Imagine um furacão ocorrido no Deserto do Saara. Isso não é fato jurídico natural, pois é inapto a repercutir na esfera jurídica das pessoas. É um mero fato natural. Mas, caso este furacão aconteça na cidade de Salvador, gerando a morte de pessoas, surge o fato jurídico como, por exemplo, a abertura da sucessão (CC, art. 1.784), ou até mesmo a possibilidade de ajuizamento da ação de justificação de óbito (CC, art. 7º).

Os fatos jurídicos naturais admitem subclassificação:a) Ordinários: acontecimentos comuns, do quotidiano. Ex.: nascimento, morte e maio-

ridade.

b) Extraordinários: incomuns, excepcionais, que fogem ao quotidiano. Ex.: terremoto, maremoto, tsunami.

1.1.2. Fatos Humanos ou Ato JurídicoPara configuração do ato jurídico é imprescindível a presença da vontade exteriorizada

e consciente, dirigida à obtenção de um resultado. A mera cogitatio, no âmbito mental e interno, não é apta à caracterização do ato.

Tanto é assim que o Código Civil não confere efeitos à reserva mental, entendida esta como a omissão, no momento da celebração do negócio, da real intenção de não cumprir com o acordado (CC, art. 110). Não permite o legislador a preponderância do que se omitiu sobre aquilo que fora externado, até em atenção à boa-fé (CC, art. 113).

O Fato Jurídico Humano, também denominado de Ato Jurídico Lato Sensu, se divide em Ilícitos e lícitos. Ilícito é aquilo que é contrário ao direito, como um atropelamento, o que gera consequências jurídicas, a exemplo do dever de indenizar. Já o lícito é aquilo que está de acordo com o direito.

Aprofundando nos Fatos Jurídicos Humanos Lícitos, estes contemplam o Ato Jurídico Stricto Sensu, o ato-fato jurídico e os negócios jurídicos.

Dentre estas três categorias do Fato Jurídico Humano Lícito, também denominado de Ato Jurídico Lato Sensu, aquela que recebeu maior atenção do legislador são os negócios jurídicos. Estes estão disciplinados em 80 (oitenta) artigos (CC, art. 104 a 184), enquanto os atos-jurídicos em sentido estrito e o ato-fato jurídico estão referenciados em apenas um artigo (CC, art. 185). Ademais, no que tange aos atos-jurídicos em sentido estrito e o ato-fato jurídico, o Código Civil firma a aplicação, supletiva, das normas pertinentes aos negócios jurídicos.

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ATENÇÃO!Entendemos que o legislador disse menos do que deveria dizer no art. 185 do Código Civil. Afinal, a aplicação da disciplina dos negócios jurídicos se dará apenas no que couber, ou seja, quando não houver incompatibilidade entre os institutos.Observe, por exemplo, que o art. 185 contempla o ato-fato jurídico, categoria que dispensa a manifestação da vontade. Ora, aqui não será possível aplicar os vícios do consentimento, teorização dos afeta aos negócios jurídicos.

Dito isto, passaremos a aprofundar as categorias integrantes dos Fatos Jurídicos Humanos, também chamados de Atos Jurídicos Lato Sensu.

a) Atos Jurídicos Ilícitos11

Os ilícitos são aquelas condutas humanas contrárias ao direito. Os fatos jurídicos humanos são denominados pela doutrina de fatos jurígenos. Contudo, há divergência doutri-nária acerca da inclusão dos fatos ilícitos como fatos jurídicos. Dois são os entendimentos:

Entendimento 1: Sílvio de Salvo Venosa12 inclui o ato ilícito dentro dos fatos jurídicos humanos. Assim também entendem José Carlos Moreira Alves13 e Pontes de Miranda14.

Entendimento 2: Contudo, Orozimbo Nonato15, Vicente Ráo16, Zeno Veloso17, Rodolfo Pamplona e Pablo Stolze18, entendem negativamente, ou seja, que os atos ilícitos não são fatos jurídicos, sendo digno de nota a assertiva de Flávio Tartuce19, no particular, para quem o que é injurídico não é jurídico.

Concordamos com primeira corrente. Decerto, como já sinalizado, o ilícito produz consequências para o direito, impondo a obrigação de indenizar. Assim, não só é regrado pelo direito, como digno de sanção, com existência de consequente jurídico.

b) Atos Jurídicos Lícitos

São condutas humanas consoante o direito. Dividem-se em:

b1) Ato jurídico em sentido estrito (denominado pelo Código, simplesmente, de ato jurídico lícito)

É aquele que decorre da vontade humana intencional, mas cujos efeitos são todos disci-plinados na lei (ex legem). Assim, malgrado a voluntariedade na manifestação da vontade, é cerceada disciplina sobre seus efeitos.

11. Vide nas Jornadas em Direito Civil os Enunciados de nºs 37 e 38, que tratam do ato ilícito para efeito de respon-sabilidade civil, inclusive abordando a teoria do risco e do abuso do direito.

12. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Parte Geral. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2013.13. ALVES, José Carlos Moreira. A Parte Geral do Projeto de Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1986.14. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves.

Tomo 1. Campinas: Bookseller, 1999. 15. SILVA, Orozimbo Nonato da. Direito civil: Obrigações. Belo Horizonte: Oliveira, Costa & Cia, 1930.16. RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 5. ed. anot. e atual. por Ovídio Rocha Barros Sandoval. São Paulo:

RT, 1999.17. VELOSO, Zeno. Invalidade do Negócio Jurídico: Nulidade e Anulabilidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.18. GAGLIANO, Pablo Stolze; e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral. V. 1, 16. ed. São

Paulo: Saraiva, 2014. 19. TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 2. ed. São Paulo: Método. 2012.

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A renúncia ou aceitação de uma herança, o sim no casamento, o perdão, a quitação, o reconhecimento voluntário de filiação e o estabelecimento de domicílio constituem exemplos. Em todas estas situações a vontade humana tem grande relevância e deve estar presente para a configuração do aludido ato jurídico. Todavia, não terá a vontade humana força para regrar os efeitos do ato. No reconhecimento voluntário de filiação, por exemplo, reconhece-se por ato de vontade, mas não é possível retirar deste reconhecimento a imposição de obrigação alimentar, a qual é consequência automática prevista em lei.

b2) Ato-fato Jurídico

De início, afirma a doutrina que a própria inserção do ato-fato jurídico dentro da clas-sificação do Código Civil é polêmica, surgindo, basicamente, os seguintes entendimentos a respeito do assunto:

Entendimento 1 (negativista): é a corrente minoritária. Para estes, o ato-fato jurídico não teria sido contemplado pelo Código Civil. Este é o pensamento de Humberto Theodoro Jr, para quem “não se contemplou, nessa nova classificação legal, a figura do ato-fato, que se dá quando a atuação humana é lícita, mas desvinculada da vontade, situação que não é exatamente a mesma da atuação em que já há presença da vontade não autônoma”20.

Entendimento 2 (afirmativista): é a corrente majoritária. O ato-fato teria sido contem-plado pelo Código Civil como um acontecimento decorrente da ação humana, para cuja produção dos efeitos se abstrai a intenção, ressaltando apenas a consequência do fato. É o que leciona Marcos Bernardes de Mello, ao aduzir que “como o ato que está à base do fato é da substância do fato jurídico, a norma jurídica o recebe como avolitivo, abstraindo dele qualquer elemento volitivo que, porventura, possa existir em sua origem; não importa, assim, se houve, ou não, vontade em praticá-lo”21.

Superada a divergência doutrinária inicial, e filiando-se à teoria afirmativa majoritária, é possível estabelecer que o ato-fato jurídico constitui espécie autônoma. Nada obstante surgir da vontade humana, de logo a despreza, eis que para a produção de seus efeitos, ela (a vontade humana) pode ser até não intencional. Nestes casos, pouco importa a intenção da vontade na prática do ato.

Tradicionais exemplos de ato-fato jurídicos são a caça; a pesca; o achado de tesouro e a especi-ficação (CC, art. 1.269). Exemplifica-se, ainda, com condutas praticadas por incapazes, ainda que não assistidos ou representados, como a compra de merenda escolar, ou balas em uma banquinha.

Destarte, o exemplo mais lembrado é a configuração da união estável, a qual, para corrente majoritária, por ser ato-fato jurídico, não demanda vontade expressa e consciente, havendo a formação do núcleo familiar com a convivência pública, contínua e duradoura, com animus de constituir família, ainda que este animus não seja expresso (CC, art. 1.723).

Verticalizando o estudo dos atos-fatos jurídicos, podemos dividi-los em reais (ou mate-riais), indenizativos e caducificantes.

(i) Ato-fato jurídico real (ou material)

Poderíamos afirmar que a compra e venda, por um absolutamente incapaz, de merenda escolar, constitui ato-fato jurídico real (ou material), pois o ordenamento jurídico atribui

20. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. V. 3, 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 5.21. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p

130.

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consequências jurídicas a este comportamento humano sem se preocupar com o aspecto anímico, volitivo do autor do ato-fato.

Outro exemplo seria a especificação do art. 1.269 do Código Civil, ao afirmar que “aquele que, trabalhando em matéria-prima em parte alheia, obtiver espécie nova, desta será proprietário, se não se puder restituir à forma anterior”.

Ainda nesses exemplos ter-se-á a união estável, que nas pegadas do art. 1.723 do Código Civil se configura ainda que não haja animus expresso, bastando a convivência pública, contínua e duradoura com animus de constituir família. Seguindo esta linha de raciocínio, advoga boa parte da doutrina a impossibilidade de afastamento da união estável por um contrato, denominado por muitos como contrato de namoro. Com efeito, em sendo a união estável um ato-fato jurídico, independerá da manifestação de vontade expressa, não sendo hábil o seu afastamento por um contrato, como bem pontua Paulo Luiz Netto Lobo22. O tema será aprofundado no capítulo dedicado à união estável.

(ii) Ato-fato jurídico indenizativo

Imagine a hipótese na qual alguém, dirigindo o próprio automóvel, dentro de um padrão de velocidade tolerável e permitido pela legislação de trânsito, é surpreendido pelo atraves-samento de um animal na pista e, por conta disso, em ato reflexo, desvie a direção e acabe por destruir um poste, um muro, ou até mesmo atingir um ser humano.

Nos termos do art. 188, incisos I e II, do Código Civil, este ato é lícito. Não há dolo, muito menos culpa no caso. Apesar disso, o art. 929 do mesmo Código Civil prevê o dever de indenizar. Mas o autor do dano não incorreu em culpa, nem em dolo? Alguém questionaria.

Pouco importa, pois o Ordenamento Jurídico atribuirá consequências a este comporta-mento humano sem se preocupar com o aspecto anímico do autor do ato-fato. Verificou-se, na hipótese, o exemplo do estado de necessidade que atinge interesse de terceiro inocente, que haverá de ser indenizado. É o que comumente denomina-se na doutrina de estado de necessidade agressivo.

Dentro desta mesma ideia, o Ordenamento Jurídico admitirá que, independentemente da vontade (dolo ou culpa), haverá o dever de indenizar quando, no caso concreto, se estiver diante de um ato-fato jurídico indenizativo.

Outro exemplo de ato-fato indenizativo está no art. 931 do Código Civil, e se reporta aos empresários individuais e às empresas, que respondem, independentemente de culpa, pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.

Também se poderia fazer referência ao art. 21, inciso XXIII, letra “c” da Constituição Federal e ao art. 927, parágrafo único, do Código Civil, como situações nas quais seria possível analisar a causa à luz da teoria do ato-fato indenizativo, especificamente o dano nuclear, a atividade de risco e a objetivação da responsabilidade por leis especiais.

(iii) Ato-fato jurídico caducificante

A prescrição e a decadência são os exemplos mais nobres do ato-fato jurídico caducifi-cante. Todos sabem que a inércia do titular de uma posição jurídica pode acarretar, como sanção, a perda da pretensão (prescrição), ou a perda de um direito potestativo (decadência). Não se questionará em tais situações se o inerte assim desejou. Não se questionará a intenção

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desta pessoa. O comportamento em si é bastante para a incidência desta consequência jurí-dica caducificante.

Dos exemplos postos, visível que no ato-fato jurídico se atribuem consequências jurídicas a certos comportamentos, sem a necessidade de identificar o elemento volitivo, abstraído dessa técnica, mas ainda sim decorrentes da vontade humana, não intencional.22

b3) Negócio Jurídico23

O negócio jurídico é a manifestação da vontade humana objetivando criar, conservar, modificar ou extinguir relações jurídicas. No negócio, terá a vontade humana forças, inclu-sive, para regulamentar sobre seus efeitos, a exemplo dos contratos e testamentos, sendo ex-voluntate.

Em suma-síntese, tem-se a expressão gráfica da classificação explicitada:

FATO Natural

Humano

Material

Jurídico

Ordinário

Extraordi-nário

Ato-Jurídico

Ato-Fato Jurídico

Negócio Jurídico

2. NEGÓCIOS JURÍDICOS

Conforme já noticiado é sobre os negócios jurídicos que o legislador civilista se debruça de maneira mais aprofundada. Justo por isto, reservaremos mais esforços ao aprofundamento deste tema.

Na tentativa conceitual do negócio jurídico, existem diversas teorias. Vejamos as principais.

a) Teoria Voluntarista ou Genética

Trata-se de teoria que dá destacada importância ao elemento volitivo como aquele apto à regulação de todos os efeitos desejados para o negócio jurídico. Aborda, portanto, o elemento psicológico ou subjetivo de maneira sobrelevada.

22. LOBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. Disponível em: < http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/9408-9407-1-PB.pdf >. Acesso em: 15 de maio de 2013.

23. GAGLIANO, Pablo Stolze; e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Direito de Família. V. 6, 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

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Na lição de Antônio Junqueira de Azevedo: “as definições voluntaristas são indubitavel-mente dominantes na doutrina brasileira, na qual, aliás, com poucas exceções, nem sequer se cogita da concepção oposta” 24.

A crítica que se pode elaborar em relação à teoria voluntarista ou genética está dire-tamente relacionada às situações nas quais a vontade não se apresentará decisiva para a realização do negócio, como acontece, por exemplo, nos casos do ato-fato jurídico, bem como nos casos da aplicação do princípio da conservação, ou mesmo nos casos de vícios de consentimento convalidados pelo decurso do tempo, após o prazo decadencial de impugnação pela via da ação ordinária anulatória.

Também se poderia criticar esta teoria sob o argumento de que essa, de origem nitida-mente liberal e burguesa, nem sempre atenderá aos anseios da socialidade, razão pela qual precisaria se harmonizar com o princípio da função social dos contratos.

b) Teoria Objetivista ou Funcional

Supõe que o negócio jurídico não decorre de maneira destacada do elemento volitivo, mas parte da autorização emanada pelo direito que permite a produção de seus efeitos no mundo jurídico.

Na lição de Fábio de Oliveira Azevedo25, “a Teoria preceptiva, defendida na Itália e na Alemanha foi uma oposição à teoria da vontade do negócio jurídico. O negócio jurídico seria compreendido como um comando concreto ao qual o ordenamento reconhece eficácia jurídica. Nesse sentido, diz-se que o negócio jurídico ganha uma acepção objetiva, passando a criar uma norma jurídica individual, nas lições de Hans Kelsen”.

A crítica feita é justamente a oposta à teoria da vontade. Vale dizer: a teoria objetivista desprestigia a autonomia privada e o princípio da intervenção mínima do Estado nas rela-ções particulares.

c) Teoria Estrutural

Objetiva harmonizar as duas teorias anteriores, extraindo o que estas têm de melhor e minimizando seus pontos críticos.

A teoria estrutural reconhece o negócio jurídico como uma manifestação de vontade qualificada (declaração de vontade). Admite, pois, a existência da vontade humana, mas a atrela a circunstâncias negociais. A manifestação de vontade estaria presente tanto no ato, quanto no negócio jurídico. Tratar-se-ia de gênero no qual o ato se contenta com a simples exteriorização, impondo a lei os demais efeitos, enquanto no negócio, a exteriorização já será bastante para, independente da lei, se atribuir os efeitos jurídicos desejados.

Tal teoria é a predominante nos dias de hoje.Em um conceito síntese, com vistas à teoria estrutural, pode-se afirmar que consiste o

negócio jurídico no encontro de vontades visando criar, modificar, conservar ou extinguir relações jurídicas. Tem como epicentro a vontade humana, a qual tem ampla atuação na criação do aludido negócio e na regulação dos seus efeitos, nos limites da boa-fé, da função social e do ordenamento posto.

24. AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio Jurídico: Existência, Validade e Eficácia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 4. 25. AZEVEDO, Fábio de Oliveira. Direito Civil: Introdução e Teoria Geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 352.

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No negócio jurídico, a vontade humana não só é o fato gerador, como também determina os seus efeitos (ex-voluntate). Nele, o exercício da autonomia privada é pleno. Exemplificam-se os contratos e os testamentos. O ato humano volitivo não adere simplesmente a um conjunto de efeitos pré-fixados, indo além, possibilitando a autodeterminação das partes negociantes.

E neste traço – possibilidade de regramento sobre as consequências – que reside a distinção entre o negócio e o ato jurídico stricto sensu. Isso, porque, como já visto, no ato jurídico em sentido estrito, a vontade humana é necessária apenas como seu fato gerador, mas as consequências são todas vinculadas em lei (ex lege).

Para elucidar o dito, basta comparar a distinção entre um contrato de prestação de serviço e a renúncia de uma herança. Naquele (prestação) se tem visivelmente um negócio jurídico, enquanto neste (renúncia) nada mais do que um ato jurídico. Tão só. No contrato de prestação fala-se em regramento das consequências, o que não ocorre na renúncia.

Claro que a autonomia privada em comento não é desprovida de limitações. Submete-se, como todo ato particular, à moldura delimitadora dos princípios da dignidade da pessoa humana, boa-fé, função social e demais questões de ordem pública. Tal tema será retomado no seu locus específico, quando do tratamento dos princípios contratuais.

Voltando aos negócios jurídicos, a doutrina, filiada à Escada Ponteana, aponta a existência de três planos de análise dos negócios jurídicos, quais sejam: existência, validade e eficácia.

A priori, os degraus da Escada Ponteana são autônomos entre si, apenas falando-se de relação de prejuízo entre os planos de validade e eficácia ao de existência; para que reste claro: para ser válido e eficaz, algo tem de existir. Superada tal hipótese, é plenamente possível um negócio inválido ser eficaz (nulidade relativa e convalidação), ou válido e ineficaz (condição, termo, modo ou encargo). A relação entre validade e eficácia, portanto, não é prejudicial.

Vamos aos planos!

2.1. Plano de ExistênciaO plano de existência não mereceu assento expresso no Código Civil, sendo de criação

doutrinária. É denominado plano do ser do negócio jurídico, pois analisa os pilares estru-turantes para que o negócio exista como tal.

O seu estudo na doutrina deve-se a Hans Kelsen26, Pontes de Miranda27 e Marcos Bernardes de Mello28, dentre tantos outros. Tal doutrina vaticina que para existir o negócio há de se ter, cumulativamente: a) agente; b) objeto; c) forma e d) vontade exteriorizada. A ausência de apenas um destes quatro pressupostos é bastante para qualificar o negócio como inexistente. A existência, portanto, relaciona-se com a própria estrutura do fato jurídico.

Trata-se de plano prejudicial aos demais. Se não existe, jamais poderá ser. Se jamais poderá ser, é porque não poderá ser valido ou ser eficaz – sequer é.

O plano da existência configura o primeiro degrau da Escada Ponteana, porque por meio dele é que o fato deixa de ser simplesmente material, extrajurídico, adentrando no mundo do direito. Pela via da existência ocorre a transmutação do fato material fato jurídico.

26. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009.27. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves.

Tomo 1. Campinas: Bookseller, 1999. 28. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

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2.2. Plano de ValidadeO plano de validade traduz um juízo de adequação entre o ato existente e o ordenamento

jurídico nacional. O escopo do plano de validade é verificar se o ato existente é recebido, abraçado, adequado; leia-se: validado pela ordem jurídica.

A verificação da validade pressupõe a constatação da existência, sendo a verificação da existência prejudicial à análise da validade.

O plano da validade, portanto, materializado no segundo degrau da Escada Ponteana, dedica-se ao campo da axiologia jurídica. Trata-se de uma comparação que se realiza entre o ato que existe e o arcabouço jurídico, para verificar se aquele é adequado ao sistema. Se a resposta for negativa, tem-se a consequência da invalidade, tema que será aprofundado mais adiante.

Diferentemente da existência, que apenas é tratada no plano doutrinário, a validade se encontra positivada no Código Civil. O tratamento legislativo se dá de forma preponderante, e não exclusiva, pelo art. 104.

Mas o que é necessário para um negócio existente ser válido?

Os elementos genéricos de validade estão disciplinados no art. 104 do Código Civil. Tal artigo, somado a outras disposições codificadas, adjetivam os elementos da existência, conferindo validade. Assim, para o negócio ser válido: a) o agente da existência há de ser capaz e legitimado; b) a forma da existência há de ser prescrita ou não defesa em lei; c) o objeto da existência há de ser lícito, possível, determinado ou determinável e d) a vontade da existência há de ser livre e desembaraçada – consentimento válido –, não sendo admitidos defeitos na sua manifestação.

Vamos à análise de tais elementos.

a) Capacidade e Legitimação do Agente

O tema capacidade e legitimação do agente já fora completamente desenvolvido no capí-tulo destinado à pessoa natural. Naquele momento restou verificada a capacidade de direito, sua diferença para a capacidade de fato, a capacidade jurídica geral ou plena e as hipóteses de legitimação, perpassando ainda pela teoria das incapacidades e seu suprimento.

Nessa linha, para não ocorrer repetições, não se abordará novamente o assunto.

b) Objeto Lícito, Possível, Determinado ou Determinável

Objeto lícito é aquele que está de acordo com a lei, falando-se em possibilidade jurídica. Assim, é lícita a compra e venda de uma casa, enquanto ilícita a compra e venda de cocaína.

Já possível é o objeto materialmente realizável, falando-se agora em possibilidade material. É possível a compra e venda de uma casa, enquanto impossível a compra e venda de um cachorro que fala.

Advirta-se que a impossibilidade material há de ser objetivamente considerada, de acordo com o homem médio. Outrossim, tal impossibilidade há de ser permanente, pois acaso transitória não invalidará o negócio jurídico.

Veja que se tem como viável um objeto ser ilícito e possível, como a compra e venda de cocaína.

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Somado a isso, tal objeto há de ser determinado, seja de maneira absoluta ou relativa, quando será denominado de determinável. O que não se admite é uma indeterminação absoluta. Nesse ponto, é possível realizar paralelo com o direito obrigacional, ao passo que:

• Determinado é o objeto previamente individuado, em seu gênero, quantidade e quali-dade. É a obrigação de dar coisa certa. Exemplifica-se com a venda de um carro, marca tal, modelo tal, placa policial tal.

• Determinável é o objeto indicado apenas pelo gênero e pela quantidade, ainda não individualizado. Configura-se uma obrigação de dar coisa incerta ou genérica, nas pegadas do art. 243 do Código Civil. Exemplifica-se com a venda de 10 (dez) sacas de café, ou feijão, ou arroz...

c) Forma Prescrita ou Não Defesa em Lei

Nos negócios jurídicos vigora o princípio da Liberdade de Formas, previsto no art. 107 do Código Civil. Nessa linha, na regra geral, os negócios poderão ser celebrados de qualquer maneira. Justo por isto, diuturnamente, muitos contratos são celebrados verbalmente, como a compra de um lanche, uma carona...

Todavia, o princípio em comento não é absoluto, haja vista afirmar o aludido artigo que “A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente exigir”.

Nessa ordem de ideais, tem-se como possível que a norma, excepcionalmente, exija uma forma vinculada. Tal se dá, por exemplo, na redação do art. 108 do mesmo Código, ao verberar que não dispondo a lei em contrário, a escritura pública será essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, à transferência, à modificação ou à renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Mas quem determinará o valor do imóvel para fins do art. 108 do Código Civil? As partes ou o Estado?

Trata-se de um interessante debate.Para a doutrina, nas pegadas do Enunciado 289 do Conselho da Justiça Federal, “O valor

de 30 salários mínimos constante no artigo 108 do Código Civil brasileiro, em referência à forma pública ou particular dos negócios jurídicos que envolvam bens imóveis, é o atribuído pelas partes contratantes e não qualquer outro valor arbitrado pela Administração Pública com finalidade tributária”.

Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça vem adotando parâmetro diverso, sinalizando a necessidade de obediência ao valor determinado pelo Fisco.

COMO O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA TEM DECIDIDO SOBRE O TEMA?DIREITO CIVIL. PREVALÊNCIA DO VALOR ATRIBUÍDO PELO FISCO PARA APLICAÇÃO DO ART. 108 DO CC.

Para a aferição do valor do imóvel para fins de enquadramento no patamar definido no art. 108 do CC – o qual exige escritura pública para os negócios jurídicos acima de trinta salários mínimos –, deve-se considerar o valor atribuído pelo Fisco, e não o declarado pelos particulares no contrato de compra e venda. De fato, essa interpretação do art. 108 do CC é mais consentânea com a finalidade da referida norma, que é justamente conferir maior segurança jurídica aos negócios que envolvem bem imóveis. Ressalte-se ainda que o art. 108 do CC,

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ao prescrever a escritura pública como essencial à validade dos negócios jurídicos que objetivem a constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta salários mínimos, refere-se ao valor do imóvel e não ao preço do negócio. Assim, havendo disparidade entre ambos, é aquele que deve ser levado em conta para efeito de aplicação da ressalva prevista na parte final desse dispositivo legal. Destaque-se, finalmente, que a avaliação levada a termo pela Fazenda Pública para fins de apuração do valor venal do imóvel é baseada em critérios objetivos, previstos em lei, os quais admitem aos interessados o conhecimento das circunstâncias consideradas na formação do quantum atribuído ao bem (REsp 1.099.480-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 2/12/2014, DJe 25/5/2015).

De mais a mais, como ato notarial que o é, nas pegadas do art. 22 da Lei 8.935/1994, alterado pela Lei 13.286/2016, há responsabilidade civil dos notários e oficiais do registro por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso. Trata-se de responsabilidade subjetiva, visando a reparação civil, cujo prazo prescricional é de três anos. Logo, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que tem por base valor atribuído pelo fisco, tende a prevalecer.

ATENÇÃO!Um importante lembrete reside para o contrato de compra e venda pelo Sistema Financeiro Imobiliário, que pode ser feito mediante instrumento particular, na forma do art. 38 da Lei Federal 9.514/97.

Também não exigirá forma especial alguma a promessa de compra e venda geradora do direito real de aqui-sição, a ser firmada mediante instrumento particular, como permitem os arts. 1.417 e 462, ambos do Código Civil.

Outrossim, é possível que haja, ainda, vinculação de forma em decorrência da vontade humana, a teor do art. 109 do Código Civil. Nessa esteira, é possível que em um contrato preliminar fique ajustado que o contrato principal haverá de ser celebrado por escritura pública, vinculando uma forma.

O desrespeito à forma vinculada, em qualquer dos casos, acarretará a nulidade absoluta do negócio jurídico, a teor do art. 166 do mesmo diploma.

Além disso, quando a forma for livre e o instrumento inválido, esse não gerará a inva-lidade do ato, pois se estará diante de uma situação na qual a forma é uma mera questão de prova (forma ad probationem), e não de substância (ad substancione ou solemnitatem), tudo consoante a redação do art. 183 do Código Civil. Logo, plenamente possível comprovar o contrato de outra maneira.

ATENÇÃO!Há quem distinga na doutrina os conceitos de solenidade e forma. Assim, a forma é interna ao ato, enquanto a solenidade é externa. A forma, por exemplo, é escrita ou verbal, já a solenidade pode ser a exigência de inscrição do registro de imóveis.

Nesse diapasão, verifica-se possível que o ato seja informal, mas solene. É o exemplo do contrato preliminar, cuja forma é livre – pois deve ter todos os requisitos do contrato principal, à exceção da forma –, mas deverá respeitar a solenidade de ser levado ao registro respectivo (arts. 462 e 463 do CC).

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d) Vontade Exteriorizada Não Viciada: O Consentimento Válido

Partindo para uma análise sistemática do Código Civil, infere-se que a vontade exterio-rizada do plano de existência, para ser validada, haverá de ser feita de forma livre e desem-baraçada. Apenas assim estar-se-á diante de um consentimento válido.

A validade do consentimento verifica-se sempre que este for desprovido de vícios, não sendo fruto de erro, dolo, coação, lesão, estado de perigo e fraude contra credores.

O consentimento poderá, em regra, ser externado de qualquer maneira: verbalmente, por escrito público ou particular... E seria viável consentir pelo silêncio? Será quem cala consente para o Direito Civil?

A priori, não é certo dizer no Direito Civil que “quem cala consente”, até por razões de segurança jurídica. O silêncio, em regra, é neutro para o Direito Civil, não sendo nem aceitação e nem negativa.

Na sistemática legislada, porém, é possível que o silêncio, excepcionalmente, gere anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem e não for necessária a declaração de vontade expressa, na forma dos arts. 111 e 432, ambos do Código Civil.

No plano da Defesa do Consumidor, porquanto à tutela do hipossuficiente, o tema merece análise ainda mais cuidadosa. Decerto, extrair do silêncio concordância em face do consumidor configuraria prática abusiva não autorizada pelo art. 39, inciso III do Código de Defesa do Consumidor.

D’outra banda, o art. 49 do CDC aduz que toda aquisição fora do estabelecimento comercial submete-se ao crivo do consumidor, sendo possível enjeitar o produto, com a respectiva devolução dos valores atualizados, em até 7 (sete) dias. A negativa do consumidor na hipótese em comento não demanda justificativa, sendo decorrente apenas do seu não contentamento. Verifica-se, assim, que se trata de uma venda a contento. A proteção deve-se a não ter o consumidor acesso ao produto, mas tão somente à sua mídia e imagens meramente ilustrativas, podendo ser seduzido de forma indevida, porquanto a aquisição estar a ocorrer fora do estabelecimento comercial. Caso, porém, deixe o consumidor que o prazo em tela ultrapasse in albis (em branco, sem manifestação), presume-se o aceite pelo seu silêncio.

Ainda sobre o tema, registra-se que o Código Civil veicula algumas hipóteses de possível aceitação pelo silêncio, a exemplo da doação pura, na qual se restar fixado prazo para acei-tação, e o donatário persiste silente (art. 539 do CC).

Visto os elementos de validade do negócio, a questão que se coloca é a seguinte: o que acontece caso o negócio não obedeça a um desses requisitos de validade?

O negócio será inválido. A invalidade configura sanção, resposta do Ordenamento Jurídico decorrente da aludida

incompatibilidade do ato diante do sistema. Sendo assim, passa-se ao estudo da teoria das invalidades, também intitulada de teoria das nulidades.

2.2.1. Teoria das Invalidades ou das NulidadesA teoria das invalidades, também denominada teoria das nulidades, objetiva averiguar

o grau de impertinência ou inadequação de um negócio com o ordenamento jurídico. A análise da invalidade pressupõe a verificação de duas premissas:

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a) Coloquialmente, afirma-se que as invalidades, ou nulidades, traduzem um grande gênero. Se a impertinência for muito severa, desrespeitando questão de ordem pública, estar-se-á diante de uma nulidade absoluta, também chamada, simplesmente, de nuli-dade. Se for menos grave, desrespeitando tema de índole privada, verificar-se-á uma nulidade relativa, denominada simplesmente de anulabilidade. Nulidade absoluta e relativa, por conseguinte, são degraus de invalidade. Exemplifica-se com o ato dos incapazes. Se for praticado por absolutamente incapaz, sem representação, a hipótese será de nulidade absoluta. Já se praticado por relativamente incapaz, sem assistência, configurada estará a nulidade relativa – arts. 166 e 171, ambos do Código Civil.

Tal afirmação, porém, não é desprovida de críticas. De fato, a tradição jurídica brasileira acabou por incorporar – desde o Regulamento 737 de 1850 e forte na influência do direito francês – a expressão nulidade absoluta (nullité absolute). Malgrado o seu uso corrente, é muito curiosa tal conduta, afinal de contas, em uma verificação do texto legislado, observa-se que este apenas utiliza o signo nulidade, sem adjetivar em absoluta ou relativa. Seguindo no uso corrente, e por consequência do reconhecimento da nulidade absoluta, fala-se na exis-tência de uma nulidade relativa (nullité relative), referindo-se àquilo que a norma denomina apenas de anulabilidade.

Do dito, o fato é que o Código Civil de 2002 não utiliza as expressões nulidade absoluta e relativa. Por conseguinte, como se vê, há um descompasso entre aquilo que está na lei e aquilo que está na doutrina. Dois entendimentos, portanto, podem ser extraídos à vista destas considerações:

Entendimento 1. Nulidade e anulabilidade seriam as corretas expressões que deveriam ser compreendidas de acordo com o interesse público envolvido. Para este entendimento, o termo nulidade equivaleria à expressão doutrinária nulidade absoluta. O termo anulabilidade significaria nulidade relativa. Foi esse o entendimento lançado na assertiva “a” elencada no início deste tópico.

Entendimento 2. Nulidade absoluta e nulidade relativa seriam espécies do gênero nuli-dade que, nem de longe, poderiam se confundir com a expressão anulabilidade. Trata-se de entendimento contrário à doutrina francesa tradicionalmente incorporada pela cultura jurídica nacional. A nulidade absoluta estaria configurada apenas quando fosse passível ser suscitada pelo Ministério Público, pelos interessados e decretada de ofício pelo Juiz. A nulidade seria relativa quando somente pudesse ser suscitada pelas pessoas juridicamente prejudicadas. Portanto, este segundo entendimento utiliza como critério distintivo entre a nulidade absoluta e a relativa a legitimidade para suscitá-la e a possibilidade de ser declarada ou não de ofício pelo Magistrado. Apesar disso, ambas pertenceriam ao gênero nulidade.

Trata-se de polêmica ainda não solucionada, pois se vê tanto na legislação, quanto na juris-prudência, além da doutrina indicada, contradições jurídicas a respeito desse assunto. Veja, por exemplo, o conflito normativo entre os arts. 168 e 1.549 do Código Civil: no primeiro, a norma autoriza a decretação da nulidade ex officio. No segundo, a norma restringe a alegação da nulidade ao Ministério Público, ao cônjuge e aos interessados. Essa situação auxiliaria no reforço do entendimento de que nulidade absoluta e relativa seriam espécies do signo nulidade.

A doutrina não ignora este problema. Para Pontes de Miranda29 seria importante “evitar os dois adjetivos, absoluta e relativa. Porque, empregando-os em diferentes sentidos

29. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado – Parte Geral: Validade, Nulidade e Anulabilidade. Tomo IV. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2001. p. 66.

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e baralhando-os a esses, a cada momento, os juristas e os juízes cometem erros sem conta”. Também é isso o que sustenta Caio Mário da Silva Pereira30, para quem “no sistema do Código Civil, portanto, o vocábulo nulidade já tem por si o sentido de absoluto, e é de pleno direito; a expressão nulidade relativa deve dar lugar à anulabilidade”.

Malgrado a divergência apontada, fato que, majoritariamente, afirma-se ser a nulidade um gênero, que engloba como espécimes tanto a absoluta como a relativa, esta última (rela-tiva), também chamada de anulabilidade. Essa, inclusive, é a linha seguida neste trabalho.

Seguindo com as premissas das invalidades:b) Não há invalidade presumida. Invariavelmente, a invalidade decorre de previsão

legislativa expressa, na forma dos arts. 166, 167 e 171, todos positivados na legislação civilista.

Recordando-se das técnicas processuais, pergunta-se: a nulidade no direito material, necessariamente, exige a presença de prejuízo?

Decerto, tem-se como usual a afirmação nos manuais dedicados ao estudo do processo civil segundo a qual não há invalidade sem prejuízo (pás de nullité sans grief). Isso é o que afirma, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça, ao consignar que “A jurisprudência assente neste Superior Tribunal afirma que a declaração de nulidade dos atos processuais depende de demonstração de existência de prejuízo à parte interessada, conforme o art. 249, § 1º, do CPC, o que não ocorreu no caso” (Precedente citado: RMS 18.923-PR, DJ 12/4/2007, REsp 879.567-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/5/2007. Informativo 394). Também ali já se entendeu que “não cabe a declaração de nulidade se a decisão pode ser proferida no mérito a favor da parte a quem se aproveita” para, com este entendimento, prover o aludido Recurso Especial – REsp 764.278-SP, DJe 28/5/2008, REsp 912.612-DF, DJe 15/9/2008. REsp 1.095.323-RS, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 17/3/2009. Informativo 387.

Mas seria correto também afirmar que no direito material não há nulidade sem prejuízo?

No direito material, tal premissa se aplica com temperamentos. Na teoria das nulidades disciplinadas para os negócios jurídicos (CC, arts. 104, 166, 167 e 171) e ao casamento (CC, arts. 1.548 e 1.550), presume-se tal prejuízo, o mesmo acontecendo para as cláusulas abusivas nas relações de consumo (art. 51, CDC).

Dessa forma, em sendo o aludido prejuízo presumido, torna-se desnecessária sua demons-tração. É este o pensamento de Humberto Theodoro Jr.31, ao firmar que “não há, porém, em nosso direito, a cláusula que obrigue o arguente da nulidade demonstrar prejuízo concreto causado pelo negócio jurídico. Com ou sem prejuízo, a nulidade produzirá o efeito invali-dante”. Idem para Caio Mário da Silva Pereira32, ao aduzir que “na construção da teoria da nulidade, desprezou o legislador brasileiro o critério do prejuízo, abandonando o princípio que o velho direito francês enunciava. Inspirou-se, ao revés, no princípio do respeito à ordem pública, assentando as regras definidoras da nulidade na infração de leis que tem esse caráter”.

30. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Introdução ao Direito Civil. Teoria Geral de Direito Civil. V. 1, 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

31. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. V. 3, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 458.

32. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Introdução ao Direito Civil. Teoria Geral de Direito Civil. V. 1, 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 632.

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COMO ENTENDEU O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA?O Superior Tribunal de Justiça entende da mesma maneira, pois já decretou a invalidade mesmo sem a prova do prejuízo concreto (Recurso Especial 38.353).

Uma vez estudadas as premissas das invalidades, passamos para a análise das nulidades, abrindo tópico específico para a nulidade absoluta, e, posteriormente, para a relativa. Em tais tópicos iremos nos debruçar sobre as hipóteses de ocorrência das nulidades, bem como suas características.

Registra-se, no particular, que como os planos da validade e da eficácia são autônomos, é possível acontecer de um negócio inválido produzir efeitos, como nas situações de conversão, convalidação ou, até mesmo em razão da boa-fé, a exemplo do casamento putativo (art. 1.561, CC).

I) Nulidade Absoluta

A nulidade absoluta traduz o mais alto grau de impertinência do negócio com o orde-namento jurídico, pois resulta da violação de uma questão de ordem pública.

As suas principais hipóteses de ocorrência estão elencadas nos arts. 166 e 167, ambos do Código Civil.

Na forma do art. 166 do Código Civil, é nulo o negócio jurídico quando: a) celebrado por absolutamente incapaz; b) for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; c) o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; d) não revestir a forma prescrita em lei; e) for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; f) tiver por objetivo fraudar lei imperativa ou quando a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

Analisando as supracitadas hipóteses de nulidade do art. 166, ainda no que tange ao objeto, tem-se como importante a abordagem sobre o motivo, a causa do negócio jurídico. Isso, porque, o motivo ilícito, comum a ambas às partes, é assunto expressamente abordado no Código Civil de 2002. Resta consignado no art. 166, inciso III, como causa de nulidade do negócio jurídico.

Mas o que se deve entender como causa do negócio jurídico?

Pode-se conceituar a causa como sendo a “razão determinante na realização do negócio jurídico”, como adverte Fábio de Oliveira Azevedo33.

De acordo com o sistema causalista francês – adotado pela Itália, França e Espanha –, seria necessário haver um fato jurídico lícito – causa lícita – para justificar o aparecimento de uma obrigação ou de um contrato. A causa seria um elemento do negócio jurídico.

O sistema anticausalista alemão – adotado pelo Brasil, Suíça e Portugal – entende que a causa não seria elemento do negócio jurídico. Os elementos seriam apenas a existência de sujeitos, da declaração da vontade, da forma e do objeto.

Mas causa e motivo são expressões sinônimas?

Conceitualmente, é possível se referir à causa com um sentido objetivo e subjetivo.

33. AZEVEDO, Fábio de Oliveira. Direito Civil: Introdução e Teoria Geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 413.

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Em sentido objetivo, a causa é considerada como a função econômica e social do negócio jurídico. Constitui o fim prático deste. Nesta perspectiva, a causa seria, portanto, instituto bem diferente do motivo, não se confundindo com este. O motivo seria a razão psicológica a levar alguém à celebração do ajuste.

Já no sentido subjetivo, a causa seria o motivo determinante da relação negocial. Assim, causa e motivo se confundiriam.

Feitas tais considerações, verifica-se que o art. 166, inciso III do Código Civil qualificará como nulo o negócio jurídico quando o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito. Refere-se o Código ao motivo que, na concepção objetiva, não se confunde com a causa. Daí a lição de Humberto Theodoro Jr.34, para quem “é necessário que deixe de ser motivo e passe à categoria de causa (razão determinante absorvida por ambas as partes); é preciso que o motivo se transforme em condição (elemento acidental do negócio jurídico)”.

Portanto, como adverte Fábio de Oliveira Azevedo35, “Não basta a ilicitude unilateral do motivo, isto é, não é suficiente a compra de armas, o aluguel do imóvel, a compra de acetona, visando a um sequestro e ao tráfico de drogas. É preciso que o vendedor esteja em consonância com o adquirente, participando do crime que sabe será praticado, pois o motivo é conhecido por ele”.

Dando seguimento às hipóteses de nulidade do negócio jurídico, verbera o art. 167 do Código Civil ser nulo o negócio simulado.

Uma vez verificada a nulidade absoluta, tem-se como suas características:1) O ato nulo atinge interesse público superior;

2) Opera-se de pleno Direito (Ope Legis ou Ope iures);3) Não admite confirmação (ratificação, convalidação ou saneamento), mas pode ser

convertido em um negócio válido;4) Pode ser arguida pelas partes, por terceiro interessado, pelo Ministério Público,

quando lhe couber intervir, ou pronunciado de ofício pelo Juiz;5) A ação declaratória de nulidade é decidida por sentença de natureza declaratória,

com efeitos ex tunc e contra todos (erga omnes);6) A nulidade, segundo o novo Código Civil, pode ser reconhecida a qualquer tempo,

não se sujeitando a prazo prescricional (imprescritível) ou decadencial, bem como em qualquer grau de jurisdição.

Vistas as características das nulidades absolutas, são importantes algumas notas.Como visto, a nulidade absoluta poderá ser arguida a qualquer tempo.

COMO ENTENDEU O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA?Apenas para ilustrar, segue o Informativo nº 517 do Superior Tribunal de Justiça, ano de 2013:

“DIREITO CIVIL. PRAZO PRESCRICIONAL DA PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DE NULIDADE ABSOLUTA DE NEGÓCIO JURÍDICO. Não se sujeita ao prazo prescricional de quatro anos a pretensão de anular dação em pagamento de bem imóvel pertencente ao ativo permanente da empresa sob a alegação de suposta falta de apresentação de certidões

34. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. V. 3, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 458.

35. AZEVEDO, Fábio de Oliveira. Direito Civil: Introdução e Teoria Geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 414.

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negativas tributárias. Com efeito, trata-se de hipótese de pretensão de reconhecimento de nulidade absoluta por ausência de cumprimento dos requisitos previstos em lei. Desta feita, como os atos nulos não prescrevem, a sua nulidade pode ser declarada a qualquer tempo. Não tem aplicação, portanto, o art. 178, § 9º, V, ‘b’, do CC/1916, cuja redação previa o prazo de quatro anos para o ajuizamento das ações de nulidade relativa, ou anulabilidade pelos vícios de consentimento e incapacidade relativa”. (REsp 1.353.864-GO, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 7/3/2013).

Entretanto, malgrado tal possibilidade, recorda-se que por conta da técnica processual, o reconhecimento da nulidade absoluta nas instâncias extraordinárias demandará que o tema tenha sido d’antes ventilado nos autos. É a famosa necessidade de prequestionamento.

COMO ENTENDEU O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA?A este respeito, o Informativo 329: “ainda que se trate de questão chamada de ‘ordem pública’, isto é, nulidade absoluta – passível, segundo respeitável doutrina, de conhecimento a qualquer tempo, em qualquer grau de juris-dição –, este Superior Tribunal já cristalizou seu entendimento pela impossibilidade de se conhecer da matéria de ofício, quando inexistente o necessário prequestionamento”. Precedentes citados: REsp 178.342-RS, DJ 3/11/1998; AgRg no REsp 478.379-RS, DJ 3/4/2006; Edcl no REsp 750.406-ES, DJ 21/11/2005; REsp 919.243-SP, DJ 7/5/2007, e REsp 591.401-SP, DJ 13/9/2004. REsp 297.117-RS, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, julgado em 28/8/2007.

Outrossim, malgrado não haver prazo para arguir a nulidade absoluta, as consequências patrimoniais capazes de ensejar pretensões prescrevem (Enunciado 536 do CJF).

Destarte, imperioso realizamos um importante registro doutrinário. Antes do Código Civil de 2002 se discutia muito acerca da perpetuidade do ato nulo. Construiu-se, sob a égide do Código Civil de 1916, o entendimento no sentido de que mesmo o ato nulo convalesceria após o prazo vintenário da prescrição, sendo Caio Mário da Silva Pereira36 um grande defensor do tema.

Todavia, o Código Civil de 2002 foi impiedoso com o ato nulo. Importante lembrar, inclusive, que durante sua tramitação no Congresso Nacional, o saudoso político Tancredo Neves chegou a apresentar, perante a Câmara dos Deputados, a Emenda de número 219 para, inserindo a doutrina de Clóvis Beviláqua, admitir o convalescimento do ato nulo após o longo período temporal. Contudo, a emenda foi rejeitada, havendo intenção manifesta do legislador em vedar o convalescimento do ato nulo pelo tempo.

Por conta dessa interpretação histórica, a doutrina acabou por se render ao atual art. 169 do Código Civil, sendo hoje minoritária a doutrina que pensa em sentido oposto. Com a minoria, persiste Caio Mário da Silva Pereira37, aduzindo que: “continuo sustentando que não há direitos patrimoniais imprescritíveis, e, portanto, perante o novo código, a declaração de nulidade prescreve em dez anos (art. 205)”. Observe que apenas adequou a defesa do prazo, de vintenário, para decenário, pois é de 10 (dez) anos – e não mais de 20 (vinte) anos – o prazo prescricional geral no Código Civil (art. 205).

De mais a mais, malgrado a lei permitir ao juiz decretar de ofício a nulidade, isso não autoriza ao magistrado supri-la, ainda que a requerimento da parte (art. 168, parágrafo

36. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1999.37. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Introdução ao Direito Civil. Teoria Geral de Direito

Civil. V. 1, 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

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único). Outrossim, por força do Novo Código de Processo Civil, art. 10, antes de pronunciar a nulidade absoluta de ofício deverá o juiz oportunizar contraditório às partes. Com efeito, mesmo nas decisões de ofício, sobre questões de ordem pública, o contraditório prévio há de ser garantido, sendo vedada, na nova ordem processual, a denominada decisão surpresa.

E o que seria a nulidade de bolso ou nulidade algibeira?

Trata-se de tema de direito processual que claramente dialoga com a boa-fé e a venire contra factum proprium.

Nulidade algibeira propugna relativização ao sistema de nulidades processuais, quando se infere, no caso concreto, ausência de prejuízo somada a violação da ética, por parte daquele que há muito conhecia da nulidade e a resolveu guardar no bolso, aguardando fase processual avançada para invalidar todo o procedimento. Explica-se. Segundo artigo publi-cado por Ticiano Alves e Silva e Vitor Fonseca38:

“A expressão ‘nulidade de algibeira’ apareceu pela primeira vez no acórdão do REsp. 756.885, da 3ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 14/08/2007. Nesse Recurso Especial, a demandada alegava, na fase de liquidação, que deveria ser declarado nulo todo o módulo de conhecimento, porque as intimações da ré teriam sido realizadas em nome do estagiário, e não dos advogados, razão pela qual a demandada teria perdido a chance de se manifestar sobre o laudo pericial juntado aos autos.O STJ percebeu, porém, que, apesar do vício processual, a ré atendeu a todas as inti-mações realizadas em nome de seu estagiário, com exceção da única vez em que as partes foram chamadas para se manifestar sobre o laudo pericial. Segundo a 3ª Turma do STJ, a ré utilizou-se do vício processual como uma ‘nulidade de algibeira’, ou seja, uma nulidade que ‘cabia no bolso’ para ser utilizada segundo sua conveniência. Entendeu-se que a alegação de nulidade não poderia ser utilizada apenas quando interessasse à parte prejudicada, especialmente depois da formação da coisa julgada e em fase de liquidação.No REsp n. 1.372.802, já em 11/03/2014, a mesma 3ª Turma reiterou o entendimento quanto à ‘nulidade de algibeira’. Nesse caso específico, o recorrente havia deixado de ser intimado para apresentar contrarrazões ao agravo do art. 522 do CPC/1973. Após a decisão monocrática do agravo, contudo, o recorrente foi intimado, permaneceu em silêncio e nada alegou quanto ao vício do ato processual.A alegação de nulidade apenas foi levantada nos embargos de declaração contra o acórdão do agravo regimental, ou seja, duas decisões judiciais depois. Para a 3ª Turma, mencionando expressamente o precedente anterior do REsp n. 756.885, esse vício seria sanável e a alegação tardia seria uma ‘nulidade de algibeira’, ou seja, uma estratégia de permanecer silente quanto à nulidade para alegá-la em momento posterior”.

Nítida a adoção da boa-fé processual e impossibilidade de violação da ética, sendo guar-dada uma nulidade com o único intuito de arguição posterior, visionando invalidar a todo o processo. Não é possível que a parte que seguiu praticando atos, argua a nulidade desses, quando já conhecia do vício que os inquinaria, sob pena de venire contra factum proprium, quebra da confiança, ética, violação da boa-fé.

38. Nulidade de Algibeira e Boa-Fé Processual. Disponível em: http://portalprocessual.com/nulidade-de-algibeira--e-boa-fe-processual/?subscribe=success#blog_subscription-2. Acesso em: 25.12.2015.

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II) Nulidade Relativa ou Anulabilidade

A anulabilidade é mais branda do que aquela dita absoluta, pois, ao revés de atingir interesse público, desrespeita questão de ordem particular, privada.

As principais hipóteses de ocorrência das anulabilidades estão descritas no art. 171 do Código Civil, o qual afirma que, além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico por incapacidade relativa do agente e por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

Curioso observar, no que tange a nulidades, que o Código Civil adota um sistema dual. Afinal, se a nulidade não for absoluta, ela será relativa. Logo, ao conhecer um dos blocos, já se sabe de todas as circunstâncias, ainda que por exclusão. Nessa esteira, caso se esteja diante de um ato praticado por um relativamente incapaz, sem assistência, ou da presença de algum dos defeitos do negócio jurídico (erro, dolo, coação, lesão, estado de perigo e fraude contra credores), a hipótese será de anulabilidade. Afora tais casos, ter-se-á uma nulidade absoluta.

Verificadas as hipóteses de ocorrência, deve-se focar nas características do negócio anulável:1) O ato anulável atinge interesses particulares;2) Não se opera de pleno Direito, exigindo decisão judicial (Ope Iudices). Logo, o negócio

existe e gera efeitos concretos até que sobrevenha a declaração de invalidação;3) Admite confirmação expressa ou tácita (também denominada ratificação, convali-

dação ou saneamento);4) Somente pode ser arguida pelos legítimos interessados;5) A ação anulatória é decidida por sentença de natureza desconstitutiva, de efeitos

ex nunc, aproveitando exclusivamente aos que a alegarem – não tendo efeitos erga omnes –, ressalvados os casos de solidariedade ou indivisibilidade;

6) A anulabilidade somente pode ser arguida pela via judicial, em prazos decadenciais de 4 (quatro) anos, em regra, ou de 2 (dois) anos, excepcionalmente.

Sobre as características, algumas considerações importantes.Inicialmente é imperioso noticiar a existência de uma importante divergência de entendi-

mentos quanto à produção de efeitos do ato nulo e do ato anulável, após a decretação judicial da invalidade. Antes da sentença inexiste controvérsia na medida em que o próprio Código Civil de 2002 expressamente disciplina a situação. Após a sentença assim pensa a doutrina:

Entendimento 1. O negócio jurídico anulável será eficaz enquanto não surgir decisão judicial que lhe retire esta eficácia. Existiria, portanto. Seria inválido, porém eficaz. Já o negócio jurídico nulo já nasceria ineficaz. A decisão judicial, ao reconhecer a nulidade, desconstituiria o negócio jurídico.

Este é o pensamento de Pontes de Miranda39, ao advogar que “o ato jurídico anulável existe, não vale, mas é eficaz. O anulável é eficaz; o nulo é ineficaz [...] tem-se o nulo como o desconstituível, que não precisa de desconstituição e efeitos, pois os irradia, e o anulável como o desconstituível que precisa da desconstituição para que se extingam, ex tunc, os efeitos [...] se o juiz reconhece a nulidade, desconstitui o negócio jurídico nulo: pode-se dizer que a sua sentença tem a força de extinguir, ex tunc, o ato jurídico, repelindo o suporte fático gravemente

39. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado – Parte Geral: Validade, Nulidade e Anulabilidade. Tomo IV. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2001. p. 483.

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deficitário. Não se pode dizer que tem eficácia de extinguir os efeitos do negócio jurídico, ex tunc. Não se extingue o nada. A sentença de anulação, sim; extingue ex tunc, negócio jurídico e, pois, a eficácia que se produza”.

Também assim entende Humberto Theodoro Jr, ao ensinar que “um princípio clássico que distinguia a nulidade da anulabilidade pela total impossibilidade que teria o negócio nulo de produzir efeitos, ao passo que o anulável produziria todos os efeitos enquanto não operada a anulação”40.

Portanto, para este primeiro entendimento haveria dois degraus de invalidade. A nulidade seria o grau mais elevado em termos de sanção jurídica a gerar ineficácia erga omnes, sendo inconvalidável o vício. A anulabilidade seria o segundo grau de sanção, mais leve, cujos efeitos atingiriam apenas os interessados prejudicados desde que houvesse decisão judicial assim determinando, sob pena de convalidação.

Entendimento 2. Não existiria qualquer tipo de diferença entre ato nulo e anulável após a decisão judicial. A diferença haveria apenas até a prolação desta sentença. Depois disso, os negócios jurídicos nulos seriam equiparados aos negócios jurídicos anuláveis.

É o que pensa Orlando Gomes, ao verberar que não é igualmente correta a tese de que a nulidade é imediata ou instantânea. O negócio nulo subsiste, se escapa à apreciação do juiz. Seja para pronunciá-la, declará-la, a intervenção judicial é imprescindível. Enquanto não se faz sentir, o negócio aparentemente normal está produzindo efeitos. 41

Existe certa dose de razão a este segundo entendimento na medida em que o Código Civil não diferencia na prática o ato nulo do anulável quanto da produção de seus efeitos após a sentença judicial, como também não nega a possibilidade de o negócio nulo produzir efeitos no mundo jurídico. Além disso, o art. 182 do Código Civil, ao afirmar que declarada a anulabilidade, a situação retorna ao status quo ante, acaba por equiparar no plano dos efeitos jurídicos, ambos os institutos.

É preciso, portanto, avançar na polêmica para, agora, analisar os efeitos do ato nulo e os efeitos do ato anulável. Seriam ex tunc ou ex nunc?

Duas correntes surgem no debate desta matéria:Entendimento 1. Na invalidação, tanto o ato nulo, quanto o anulável, produzem efeitos

ex tunc, especialmente ante a análise do art. 182 do Código Civil, segundo o qual “anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente”. Assim entendem Washington de Barros Monteiro42, Zeno Veloso43, Gustavo Tepedino44, Orlando Gomes45, Humberto Theodoro Jr.46 e Pontes de Miranda47.

40. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. V. 3, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. 41. GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Revista, atualizada e aumentada, de acordo com o Código Civil de

2002, por Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de Brito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.42. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Parte Geral. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.43. VELOSO, Zeno. Invalidade do Negócio Jurídico: Nulidade e Anulabilidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.44. TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado:

conforme a Constituição de República. V. 1, 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. 45. GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Revista, atualizada e aumentada, de acordo com o Código Civil de

2002, por Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de Brito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.46. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. V. 3, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. 47. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado – Parte Geral: Validade, Nulidade e

Anulabilidade. Tomo IV. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2001.

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