manejo de ambiente e o controle da mastite -...

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» 44 — junho 2013 Manejo de ambiente e o controle da mastite Para a produção de leite de alta qualidade, recomenda-se que as vacas sejam alojadas em ambiente limpo e seco, e que tenham boas práticas de ordenha para minimizar a ocorrência de mastite de origem ambiental e contagiosa D urante a última década, em várias re- giões do mundo e também no Brasil, uma parcela dos rebanhos leiteiros au- mentou o número de vacas em lactação e implantou paulatinamente medidas de controle de mastite contagiosa, visando produzir leite com baixa contagem de células somáticas (CCS). Conjuntamente com a redução da CCS, houve aumento do número de casos de mastite clínica de origem ambiental, entre os quais os principais agentes são os coliformes (Es- QUALIDADE DO LEITE Marcos Veiga dos Santos Professor Associado Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP www.marcosveiga.net cherichia coli, Klebsiella spp.) e estrepto- cocos ambientais (Streptococcus uberis e Streptococcus dysgalactiae). Estes casos de mastite ambiental ocorrem quando as bactérias conseguem entrar pelo canal do teto de forma oportunista e se multi- plicar na glândula mamária. Períodos de clima quente e úmido, asso- ciados a ambientes em condições precá- rias de higiene, resultam em situações estressantes para vacas em produção. Em tais condições, além de haver maior exposição aos agentes patogênicos, ocor- re redução da capacidade imune da vaca, o que pode levar ao aumento do risco de mastite. Para superar os desafios do estresse térmico e do desafio ambiental, faz-se necessário o uso de medidas es- pecíficas de controle de mastite, assim como a adoção de um programa nutri- cional e de manejo de instalações, que assegurem a melhoria de conforto e de limpeza das vacas. Desta forma, para a produção de leite de alta qualidade,

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Manejo de ambiente e o controle da mastitePara a produção de leite de alta qualidade, recomenda-se que as vacas sejam alojadas em ambiente limpo e seco, e que tenham boas práticas de ordenha para minimizar a ocorrência de mastite de origem ambiental e contagiosa

Durante a última década, em várias re-giões do mundo e também no Brasil,

uma parcela dos rebanhos leiteiros au-mentou o número de vacas em lactação e implantou paulatinamente medidas de controle de mastite contagiosa, visando produzir leite com baixa contagem de células somáticas (CCS). Conjuntamente com a redução da CCS, houve aumento do número de casos de mastite clínica de origem ambiental, entre os quais os principais agentes são os coliformes (Es-

QuaLiDaDE DO LEiTE

Marcos Veiga dos SantosProfessor Associado Faculdade de Medicina

Veterinária e Zootecnia da USPwww.marcosveiga.net

QuaLiDaDE DO LEiTE

Professor Associado Faculdade de Medicina

cherichia coli, Klebsiella spp.) e estrepto-cocos ambientais (Streptococcus uberis e Streptococcus dysgalactiae). Estes casos de mastite ambiental ocorrem quando as bactérias conseguem entrar pelo canal do teto de forma oportunista e se multi-plicar na glândula mamária.Períodos de clima quente e úmido, asso-ciados a ambientes em condições precá-rias de higiene, resultam em situações estressantes para vacas em produção. Em tais condições, além de haver maior

exposição aos agentes patogênicos, ocor-re redução da capacidade imune da vaca, o que pode levar ao aumento do risco de mastite. Para superar os desafi os do estresse térmico e do desafi o ambiental, faz-se necessário o uso de medidas es-pecífi cas de controle de mastite, assim como a adoção de um programa nutri-cional e de manejo de instalações, que assegurem a melhoria de conforto e de limpeza das vacas. Desta forma, para a produção de leite de alta qualidade,

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recomenda-se que as vacas sejam alo-jadas em ambiente limpo e seco, e que tenham boas práticas de ordenha para minimizar a ocorrência de mastite de ori-gem ambiental e contagiosa. as medidas de controle de mastite com enfoque no ambiente devem ter como alvo quatro pontos principais: 1) áreas de permanên-cia das vacas em lactação, vacas secas e maternidade; 2) condições de higiene do úbere e tetos antes da ordenha; 3) ma-nejo de ordenha visando reduzir a conta-minação ambiental dos tetos; 4) manu-tenção apropriada e utilização correta do equipamento de ordenha. Considera-se que o principal ponto crítico para o con-trole de mastite ambiental é a redução da exposição dos tetos aos patógenos.

Ambiente seco e limpoas condições ambientais nas quais as vacas fi cam alojadas durante o período entre as ordenhas, afetam diretamente o grau de exposição aos patógenos cau-sadores de mastite. Em muitas fazendas leiteiras, principalmente durante o verão e período de chuvas, as vacas entram em contato com lama, barro, acúmulo de ma-téria orgânica (esterco) e elevada umida-de em razão de defi ciências de limpeza ou de superlotação de instalações ou piquetes. Estes fatores aumentam con-sideravelmente o risco de ocorrência de mastite de origem ambiental e de aumen-to da contagem bacteriana total do lei-te. Considerando que os coliformes não apresentam capacidade de persistir por longos períodos de tempo na pele dos te-tos, a presença de alta contaminação por estas bactérias indica que ocorreu conta-minação recente, cuja origem geralmente é o local de permanência das vacas no pe-ríodo entre ordenhas. Estudos científi cos realizados nas últimas décadas indicam que existe relação direta entre o grau de contaminação da extremidade dos tetos (dependente das condições de higiene do ambiente) e o risco de ocorrência de mas-tite clínica e de aumento da contagem de células somáticas (CCS). Com base nestes estudos, foram desen-volvidas ferramentas práticas e de fácil utilização para a avaliação da higiene do úbere e dos tetos, entre os quais uma das mais conhecidas é um sistema de escores proposto por pesquisadores da univer-sidade de Wisconsin (Eua). Este escore de limpeza das vacas estima, por meio de uma avaliação visual, as condições de hi-

giene do úbere e das pernas (inferior e superior) por meio de pontuação que varia de 1 a 4 (1 = ausência de esterco; 2 = pequenos respingos de esterco – 2 a 10% da área; 3 = 10-30% das áreas com placas de esterco; 4 = > 30% das áreas cobertas com esterco), confor-me ilustrado na figura 1. rebanhos com mais do que 20% das vacas com escores de limpeza de 3 e 4 apresen-tam problemas de higiene do úbere, o que resulta em maior risco de mas-tite, de redução da qualidade do leite e da efi ciência de ordenha. um dos principais locais que infl uen-ciam o grau de contaminação dos te-tos e do úbere é a cama. isto ocorre porque as vacas podem permanecer deitadas de 12 a 14 horas por dia, e durante este período, os tetos e toda a região do úbere estão em contato di-reto com a cama. De acordo com estu-dos científi cos, há uma relação linear entre a incidência de mastite clínica e a contagem de bactérias gram nega-tivas, as quais estão associadas com a presença de alta umidade e alto teor de matéria orgânica. a presença de altas contagens bacterianas na cama (> 106 ufc/ml) pode resultar em maior risco de surtos de mastite clínica de origem ambiental. Em sistemas de confi namento, nos quais são utilizados materiais orgânicos para a cama, a po-pulação bacteriana aumenta de forma acelerada em razão da disponibilidade de matéria orgânica e umidade.Por outro lado, materiais inorgânicos, como a areia e os colchões, reduzem a capacidade de multiplicação bacteria-na e facilitam a drenagem da umidade, o que resulta em menor contaminação de tetos e do úbere. além do efeito de redução da contaminação dos te-

A chave para a produção

leiteira é a saúde.

REBANHOS COM MAIS DO QUE 20% DAS VACAS COM ESCORES DE LIMPEZA DE 3 E 4 APRESENTAM PROBLEMAS DE HIGIENE DO ÚBERE, O QUE RESULTA EM MAIOR RISCO DE MASTITE, DE REDUÇÃO DA QUALIDADE DO LEITE E DA EFICIÊNCIA DE ORDENHA

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figura 1. ESCORE DE HIGIENE DE VACAS LEITEIRAStos, o uso da areia nas camas melhora o conforto das vacas e a ocorrência de lesões de jarrete. É recomendável que a areia da cama não apresente mais do que 5% de material orgânico, o que in-dicaria alta contaminação e potencial de facilitação de multiplicação microbiana. um bom manejo da limpeza da cama em sistemas de confinamento pode ser rea-lizado pela retirada diária do excesso de fezes da cama e a reposição frequente do material da cama que é jogado para fora pelas vacas.

Manejo de ordenhaDentre as principais etapas da rotina de ordenha, os procedimentos de pré-orde-nha, principalmente a desinfecção dos tetos antes de ordenha (pré-dipping), são fundamentais para a prevenção da masti-te ambiental e melhoria da qualidade do leite. O objetivo principal desta medida de manejo é descontaminar a pele dos tetos antes da ordenha, por meio do uso de uma solução desinfetante. após um tempo de ação mínimo de cerca de 30 segundos, a solução desinfetante deve ser retirada pela secagem dos tetos com papel toalha descartável, o que evita a presença de resíduos do desinfetante no leite e o deslizamento de teteiras em ra-zão da alta umidade dos tetos. Os estu-dos que avaliaram o uso da desinfecção dos tetos antes da ordenha indicam que somente esta medida, de forma isolada, pode reduzir em até 50% os novos casos de mastite clínica de origem ambiental. além disso, o pré-dipping reduz em até 80% a CBT total do leite, uma vez que evita que a contaminação dos tetos en-tre em contato com o equipamento de ordenha.Para a máxima eficiência do pré-dipping, recomenda-se evitar o uso de água para a lavagem dos tetos antes da ordenha. Esta etapa somente deve ser feita se houver acúmulo de matéria orgânica aderida nos tetos, o que impede a ação desinfetante do pré-dipping.Para facilitar a higienização do úbere antes da ordenha, uma medida simples e eficiente é a remoção dos pelos do úbere, já que o excesso de pelos facilita a retenção de partículas da cama e es-terco. Quando uma vaca com acúmulo de matéria orgânica aderida ao úbere

entra em contato com a teteira ocorre a contaminação do leite. Desta forma, entre as vantagens da remoção dos pelos do úbere pode-se destacar: a re-dução do acúmulo de matéria orgânica (esterco, lama, sujidades), diminuição do tempo para preparação do úbere antes da ordenha, mãos e teteiras mais lim-pas, melhoria da ação do desinfetante, tetos mais limpos e secos, menor risco de ocorrência de mastite ambiental e, como resultado final, menor CCS e CBT. a remoção dos pelos pode ser feita por corte (tosquia) ou a queima. Em razão

de facilidade e rapidez, o último proce-dimento é o mais recomendado.Em síntese, a redução da mastite am-biental é um desafio muito maior do que o controle da mastite contagiosa. isto ocorre pois as medidas de controle e de manejo devem ter como foco a redução da exposição aos patógenos ambientais. Como cada fazenda apresenta particula-ridades de instalações e do manejo do ambiente, devem ser tomadas medidas específicas para melhoria de higiene, manejo de ordenha e monitoramento dos casos de mastite ambiental.

Fonte:http://milkquality.wisc.edu/wp-content/uploads/2011/09/udder-hygiene-chart.pdf

QuaLiDaDE DO LEiTE

Escore Pernas Úbere Flanco e região superior das pernas