mandado de seguranÇa coletivo - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a senhora...

27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS 57ª e 78ª Promotorias de Justiça de Goiânia Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25 salas 332 e 148, Jardim Goiás, Goiânia-Goiás - CEP 74.805-100 e-mail: [email protected] | [email protected] 62 3243-8442 e 127 | www.mpgo.mp.br EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS Distribuição por dependência ao MSC n.º 170692-84.2015.8.09.0000 (201591706920) O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por seus Promotores de Justiça titulares da 57ª e da 78ª Promotorias de Justiça da Capital, com apoio no arts. 5º, LIXX e LXX, 127 e 129, II, III e IX, da Constituição Federal, art. 32, I, da Lei Federal 8.625/1993 e art. 58, I, da Lei Complementar Estadual-GO 25/1998, vem perante Vossa Excelência impetrar MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO com pedido de liminar

Upload: doxuyen

Post on 14-Nov-2018

235 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS57ª e 78ª Promotorias de Justiça de GoiâniaRua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25salas 332 e 148, Jardim Goiás, Goiânia-Goiás - CEP 74.805-100e-mail: [email protected] | [email protected] 62 3243-8442 e 127 | www.mpgo.mp.br

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO

ESTADO DE GOIÁS

Distribuição por dependência ao MSC n.º 170692-84.2015.8.09.0000 (201591706920)

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por seus

Promotores de Justiça titulares da 57ª e da 78ª Promotorias de Justiça da Capital,

com apoio no arts. 5º, LIXX e LXX, 127 e 129, II, III e IX, da Constituição Federal,

art. 32, I, da Lei Federal 8.625/1993 e art. 58, I, da Lei Complementar Estadual-GO

25/1998, vem perante Vossa Excelência impetrar

MANDADO DE SEGURANÇA

COLETIVO

com pedido de liminar

Page 2: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE

ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

Monteiro, n.º 2233, Setor Nova Vila, Goiânia/GO, CEP 74653-900 e, na qualidade de

litisconsorte, o ESTADO DE GOIÁS, representado por seu Procurador-Geral,

domiciliado na Praça Dr. Pedro Ludovico Teixeira, n.º 03, Setor Central, Goiânia/GO,

CEP 74003-010, tudo consoante os fatos e fundamentos jurídicos adiante

deduzidos.

I – DOS FATOS:

É público e notório que desde o mês de abril próximo passado o

Governo do Estado de Goiás vem realizando o pagamento dos servidores públicos e

agentes políticos estaduais de forma parcelada, isto é, 50% da remuneração tem

sido paga no último dia útil do mês trabalhado e o restante no 5º dia útil do mês

subsequente ao da prestação dos serviços.

Sucede que essa decisão tomada pela autoridade coatora padece de

vício insanável, porquanto a legislação de regência não autoriza o parcelamento do

pagamento das remunerações, subsídios e proventos do funcionalismo público do

Estado de Goiás. Além do mais, a Secretária da Fazenda informou ao Ministério

Público que não existe nenhum ato administrativo formal para justificar o

parcelamento dos salários dos servidores estaduais. Assim, é inolvidável que a

medida viola o princípio da legalidade.

Ademais, desde o ano de 1999 todos os servidores públicos do Estado

de Goiás, ativos e aposentados, recebem sua remuneração, subsídio ou proventos

no último dia útil do mês trabalhado. Bem por isso, desde 1999 o Estado de Goiás

tem deixado de exercitar o direito de pagar o funcionalismo público até o dia 10 do

mês subsequente ao trabalhado (art. 96 da Constituição de Goiás), o que criou uma

justa expectativa nos servidores em receber no último dia útil do mês trabalhado.

Esse o quadro, após o estabelecimento do costume constitucional de

2/27A.C.S.

Page 3: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

se pagar os servidores e agentes políticos estaduais até o último dia útil do mês

trabalhado, não pode a autoridade coatora simplesmente parcelar o pagamento e

quebrar esse costume.

Com efeito, a Secretária da Fazenda apenas divulgou, em 28 de abril

de 2015, uma nota no site da pasta informando que em razão da crise instalada no

país os salários seriam parcelados e pagos fora do que havia se estabelecido ao

longo dos últimos 16 (dezesseis) anos. Confira-se:

Sefaz fará pagamento do funcionalismo em duas parcelas28 de abril de 2015

A crise já se instalou no Brasil. Todos os indicadores apontamretração econômica e refletem a redução da atividade. Números daarrecadação federal do primeiro trimestre de 2015 mostram valoressimilares aos do primeiro trimestre de 2013, queda que há muito nãose observava no País.

Goiás também sente os reflexos desta crise. Os números daarrecadação total apresentam trajetória de queda desde novembrode 2014 (à exceção de dezembro em função do programa de anistiafiscal). Em números absolutos, as receitas de março, comparadasaos quase R$ 2 bilhões de novembro do ano passado,representaram uma queda de 14%, ficando abaixo de R$ 1,7 bilhão.Ou seja, apesar dos esforços de fiscalização e cobrança dos débitostributários, a queda nas outras linhas de receita e nos repasses daUnião geraram um quadro de redução dos recursos do tesouroestadual. Em relação a abril, não há expectativa de elevaçõessubstanciais tendo em vista que, até o dia 28 do mês, a arrecadaçãototal não chegou a R$ 1,4 bilhão (veja gráfico).

Por outro lado, a folha de pagamentos – a maior despesa do estado– tem mostrado oscilação positiva se considerarmos o mesmoperíodo. Atualmente, estes gastos representam 73% da receitatributária e 52% de toda a arrecadação de Goiás, ante 45% emnovembro do ano passado.

Tendo em vista a queda de receita, a Sefaz esclarece que, até o finaldo ano, todos os servidores públicos estaduais receberão daseguinte forma: 50% dos vencimentos no último dia útil do mês e orestante até o quinto dia útil do mês subsequente. Mesmo com asalterações, o Governo do Estado de Goiás mantém o compromissode pagamento em dia das obrigações com o funcionalismo público,de acordo com a legislação. Já o pagamento do 13º salário no mêsdo aniversário do servidor, prática adotada pelos governos MarconiPerillo, será mantido.

Finalmente, a necessidade de se manter a política de parcelamentoda folha se deve, além do descasamento observado entre receitas e

3/27A.C.S.

Page 4: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

despesas no primeiro trimestre do ano, à frustração quanto àexpectativa de receitas para o ano de 2015. A diferença entre osvalores estimados de receitas primárias na Lei de DiretrizesOrçamentárias aprovada em junho de 2014 e os valores revisadospara o exercício de 2015, monta a R$ 3,3 bilhões, sendo R$ 400milhões deles referentes à queda nos repasses da União.

Frente à essa situação e ao cenário que se delineia a frente, ogoverno está buscando – com responsabilidade e realismo - garantiro cumprimento das suas obrigações, reequilibrar as finanças doEstado e reduzir os custos da crise e do ajuste para todos oscidadãos goianos.

Conforme os dados informados pela própria SEFAZ é possível verificar

que a “justificativa” aventada para parcelar o pagamento da folha de pessoal não

merece fé. Veja-se.

A autoridade coatora alega que houve queda de arrecadação em abril

de 2015 em relação ao mês de novembro de 2014. Ora, o parâmetro utilizado é

completamente inadequado. Não é razoável comparar o mês de pior arrecadação de

2015 com o mês de maior entrada de 2014. Em verdade, deve servir de comparação

ao primeiro quadrimestre de 2015 o primeiro quadrimestre dos anos anteriores.

Por esse paradigma, tem-se:

a) 1º quadrimestre de 2011: R$ 4.779.852.404,13;

b) 1º quadrimestre de 2012: R$ 4.902.244.801,61;

c) 1º quadrimestre de 2013: R$ 5.678.623.299,34;

d) 1º quadrimestre de 2014: R$ 6.909.101.191,44;

e) 1º quadrimestre de 2015: R$ 6.885.922.771,57.

Observe-se que de 2011 a 2014 houve um aumento vertiginoso na

arrecadação do Estado de Goiás, crescente rompida apenas no presente ano.

Todavia, a queda de arrecadação do primeiro quadrimestre de 2015, se comparada

ao primeiro quadrimestre de 2014, foi de apenas R$ 23.178.419,87, é dizer, a queda

da arrecadação estadual foi de míseros 0,33%.

Sem dúvida, uma pequena queda na arrecadação estadual não pode

4/27A.C.S.

Page 5: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

servir de justificativa para uma medida tão drástica como o parcelamento da

remuneração, subsídio e proventos de todos os servidores públicos e agentes

políticos de abril até o final do ano de 2015, situação que demonstra ter havido

violação ao princípio da motivação (art. 92, caput, da Constituição de Goiás).

Ressalte-se, por outro lado, que entre 2011 e 2014 a Secretaria de

Estado da Fazenda deixou de arrecadar a bagatela de R$ 12.407.480.329,36

somente a título de isenções fiscais conferidas por meio de Termo de Acordo de

Regime Especial – TARE, o que corresponde a 55,89% de toda a arrecadação do

ano de 2014.

Assim, valendo-se de incentivos fiscais inconstitucionais (art. 155, § 2º,

XII, g, da CF) e lesivos ao patrimônio público estadual, a Secretaria da Fazenda tem

premiado grandes empresários.

Com efeito, chama a atenção o Estado de Goiás conceder incentivo

fiscal de R$ 1 bilhão ao Grupo JBS-Friboi (Lei Estadual-GO 18.709, de 22 de

dezembro de 2014), de R$ 1,46 bilhão à montadora de veículos Suzuki (TARE n.º

001-0212/2011-GSF, questionado pelo Ministério Público por meio da ação civil

pública n.º 397775-06.2013.8.09.0051) e de R$ 5,52 bilhões à Mitsubishi Motors

(TARE n.º 001-0211/2011-GSF, sindicado pelo Parquet na ação civil pública n.º

397776-88.2013.8.09.0051).

Ora, não é razoável abrir mão de bilhões de reais em arrecadação de

tributos e punir o funcionalismo público com parcelamento de vencimentos. Se o

planejamento do Governo Estadual foi falho, não é o servidor público que deve

pagar o preço pela incúria dos mandatários de ocasião.

Demais disso, os vultosos gastos do Governo do Estado de Goiás com

publicidade desautorizam a alegação de “crise”, a ponto de acarretar fracionamento

da folha de pagamento do funcionalismo público. De acordo com dados disponíveis

no site do Tribunal de Contas do Estado de Goiás (link1 “relatório do art. 30”), entre

1 http://www.tce.go.gov.br/downloads/webarqcat.aspx?cid=452.

5/27A.C.S.

Page 6: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

2011 e 2014, o Governo Estadual gastou R$ 591.483.015,52 em publicidade. Sem

querer adentrar em qualquer discussão de mérito administrativo, é desarrazoado

gastar tanto em propaganda de realizações do Governo e ao mesmo tempo parcelar

o pagamento dos servidores públicos.

Enfim, por qualquer ângulo que se olhe, não se sustenta a medida de

pagar os servidores públicos e agentes políticos do Estado de Goiás de modo

parcelado.

II – DO DIREITO:

II.1 – DA LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM :

O art. 5º, LXX, da Constituição Federal traz um rol exemplificativo dos

legitimados para a impetração de mandado de segurança coletivo, o que foi repetido

pelo art. 21 da Lei Federal 12.016/2009.

Todavia, apesar da ausência de previsão expressa do Ministério

Público para o mandado de segurança coletivo, essa legitimidade ativa ad causam

decorre tanto da interpretação dos arts. 5º, LIXX e LXXX, 127 e 129, II, III e IX, da

Constituição Federal, quanto da literalidade do art. 32, I, da Lei Federal 8.625/1993 e

art. 58, I, da Lei Complementar Estadual-GO 25/1998, que preveem:

Art. 32. Além de outras funções cometidas nas Constituições Federale Estadual, na Lei Orgânica e demais leis, compete aos Promotoresde Justiça, dentro de suas esferas de atribuições:

I - impetrar habeas-corpus e mandado de segurança e requerer correição parcial, inclusive perante os Tribunais locais competentes;

Art. 58 - Além das atribuições previstas na Constituição Federal, naConstituição Estadual, na Lei Orgânica Nacional do MinistérioPúblico e em outras leis, compete aos Promotores de Justiça:

I - impetrar habeas corpus, mandado de segurança e requerercorreição parcial, inclusive perante o Tribunal de Justiça;

Além da autorização normativa estampada nas mencionadas leis

6/27A.C.S.

Page 7: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

orgânicas do Ministério Público, as lições doutrinárias de CASSIO SCARPINELLA

BUENO, JOSÉ ANTONIO REMÉDIO, FREDIE DIDIER JR. e HERMES ZANETI JR.

apontam para a legitimidade ativa do Ministério Público para o mandado de

segurança coletivo. Confiram-se:

O silêncio do art. 21, caput, da Lei n. 12.016/2009 não afasta alegitimidade ativa do Ministério Público para a impetração domandado de segurança coletivo. Ela, embora não seja previstaexpressamente pelo inciso LXX do art. 5º da Constituição Federal,decorre imediatamente das finalidades institucionais daquelaentidade tais quais traçadas pelos arts. 127 e 129, III, da mesmaCarta e, infraconstitucionalmente, pelo art. 6º, VI, da LeiComplementar n. 75/1993, para o Ministério Público da União, e noart. 32, I, da Lei n. 8.625/1993, para o Ministério Público dos Estados.(BUENO, Cassio Scarpinella. A Nova Lei do Mandado de Segurança,2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 166)

Entendemos, também, que a enumeração prevista no art. 5º, LXX, daConstituição Federal, para a impetração da segurança coletiva, não étaxativa, comportando, inclusive, a legitimidade ativa do MinistérioPúblico.O art. 129, III e IX, combinado com o art. 127, ambos da ConstituiçãoFederal, legitima o Ministério Público a impetrar o mandado desegurança coletivo, inclusive em relação aos direitos difusos.Prevê o art. 129, III, da Constituição Federal que são funçõesinstitucionais do Ministério Público promover o inquérito civil e a açãocivil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meioambiente e de outros interesses difusos e coletivos. E, nos termos doinciso IX do art. 129 da Magna Carta, cabe ao Ministério Públicoexercer outras funções que lhe forem conferidas, desde quecompatíveis com sua finalidade.A legitimidade do Ministério Público decorre de sua vocaçãoinstitucional constitucional, incumbindo-lhe a defesa da ordemjurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuaisindisponíveis (CF, art. 127, caput), sendo patente sua legitimidadepara agir em juízo, independentemente de previsão normativainfraconstitucional, uma vez que, se a Constituição estabelece o fim aser protegido, então confere os meios para se atingir tal desiderato.(…)Especificamente em relação ao mandado de segurança coletivo, autilização do verbo “poder” no inciso LXX do art. 5º da CF significaque é possível existirem outros legitimados ativos para a impetraçãodo mandado de segurança coletivo.Assim, seria um contrassenso permitir a legitimidade ativa doMinistério Público para a propositura da ação civil pública, quepoderá, inclusive, ser julgada antecipadamente na hipótese de odireito apresentado na inicial ser líquido e certo, e não reconhecersua legitimidade para a impetração do mandado de segurançacoletivo.(…)

7/27A.C.S.

Page 8: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

É de levar em conta, ainda, que as garantias constitucionais, dasquais o mandado de segurança é espécie, devem ser interpretadasde forma ampla e extensiva, e não restritiva.É também juridicamente sustentável a legitimidade ativa para aimpetração da segurança coletiva das mesmas pessoas ou enteslegitimados para a propositura da ação civil pública, pessoas ouentes esses elencados no art. 5º da Lei n. 7.347/85.(REMÉDIO, José Antonio. Mandado de segurança individual ecoletivo, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 786-789)

A questão que surge é a seguinte: os outros legitimados à tutelacoletiva, não previstos no inciso LXX do art. 5º da CF/88, têmcapacidade processual para valer-se do procedimento do mandadode segurança coletivo? A CF/88, ao atribuir a capacidade processualreferida, limita-a aos partidos políticos e às entidades de classe, ouapenas assegura que eles a possuem?Parece que a melhor solução é, realmente, entender que se trata deuma garantia constitucional mínima atribuída aos partidos políticos eàs entidades de classe.É absolutamente irrazoável defender que as demais associaçõescivis e o Ministério Público (outros legitimados à tutela coletiva nãoprevistos no texto constitucional) não têm capacidade processualpara valer-se do procedimento do mandado de segurança. Podemvaler-se de qualquer procedimento previsto em lei (art. 83 do CDC),mas logo em relação ao mandado de segurança, que é direitofundamental, lhes faltaria capacidade processual. Perceba: podemlevar a juízo a afirmação de um direito coletivo por meio de umprocedimento comum, mas não podem fazê-lo por meio doprocedimento especial do mandado de segurança. Partindo dapremissa de que um direito fundamental pode sofrer restrições por leiinfraconstitucional, desde essa restrição encontre fundamentoconstitucional, pergunta-se: qual a justificativa constitucional para arestrição do direito fundamental de acesso à justiça por meio domandado de segurança ao Ministério Público, associações civis eoutros legitimados não mencionados no inciso LXX do art. 5º daCF/88? Nenhuma.É inconstitucional, portanto, qualquer interpretação do art. 21 da Lein. 12.016/2009, que praticamente reproduziu o texto constitucional,que reconheça a incapacidade processual dos demais legitimados àtutela coletiva para valer-se do procedimento do mandado desegurança coletivo.(DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Hermes. Curso de DireitoProcessual Civil, 8ª ed., Salvador: Juspodivm, 2013, vol. 4, p. 227-228)

Com efeito, o tema tem sido muito pouco enfrentado na jurisprudência,

todavia, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás conheceu de mandado de

segurança coletivo (inclusive houve o deferimento de liminar) impetrado pelo

Ministério Público em 2013 contra portaria do Juiz de Direito da Vara da Infância e

8/27A.C.S.

Page 9: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

Juventude da Comarca de Goiânia2, bem como de mandamus coletivo impetrado em

face do Secretário de Estado da Segurança Pública3, ou seja, em nenhuma das

ocasiões citadas o TJGO extinguiu o feito com supedâneo na ausência de

legitimidade ativa do Parquet.

Esse o quadro, deve ser reconhecida a legitimidade ativa ad causam

do Ministério Público para a impetração do presente writ coletivo.

II.2 – DA CONTINÊNCIA COM O MSC 170692-84.2015. 8.09.0000:

Para verificar a relação de continência entre demandas é preciso ter

presente o texto do art. 104 do CPC, in verbis:

Art. 104. Dá-se a continência entre duas ou mais ações sempre quehá identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o objeto deuma, por ser mais amplo, abrange o das outras.

Em relação à identidade de partes, é preciso ter presente que não há

essa exigência no que toca ao polo ativo do mandado de segurança coletivo,

porquanto os autores figuram como substitutos processuais. Assim, o fato do

presente writ ter o Ministério Público como autor não afasta a continência com o

mandamus 170692-84.2015.8.09.0000, impetrado pelo Sindjustiça. Sobre esse

ponto, eis a doutrina:

Quanto ao fenômeno da continência, sabemos, enfim, serperfeitamente possível identificá-lo entre ações civis públicas oucoletivas, desde que presentes, simultaneamente, os seguintesrequisitos: a) se houver identidade de partes (ainda que formalmenteos autores das ações sejam diferentes, são meros substitutosprocessuais da coletividade lesada); b) se houver identidade decausa de pedir; c) se o objeto de uma ação, por ser mais amplo,abranger o da outra. Nesse caso, haverá obrigatória reunião deprocessos, para evitar a possibilidade de decisões contraditórias.(MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo.22ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 256)

2 TJGO, MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO 431241-47.2013.8.09.0000, Rel. DES.GILBERTO MARQUES FILHO, 2ª SEÇÃO CÍVEL, julgado em 19/02/2014, DJe 1498 de07/03/2014.

3 TJGO, MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO 268-5/205, Rel. DES. WALTER CARLOSLEMES, 3ª CÂMARA CÍVEL, julgado em 26/01/2010, DJe 518 de 11/02/2010.

9/27A.C.S.

Page 10: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

São perfeitamente possíveis a conexão e a continência entre açõescivis públicas. Mas atenção. Em uma primeira leitura do art. 104 doCPC, poder-se-ia concluir não ser possível haver continência entreações civis públicas propostas por colegitimados distintos, visto queas partes processuais seriam diversas.Sem embargo, deve-se ponderar que o CPC foi elaborado tendocomo alvo, em regra, ações individuais de legitimação ordinária,onde há identidade entre as partes processuais e os titulares darelação jurídica de direito material. Já nas ações coletivas há umagama de autores extraordinariamente legitimados para a defesa dosinteresses de classes, grupos ou coletividades de pessoas. Logo, aidentidade entre autores das ações civis públicas, para efeitos daconfiguração da continência, é indiferente, pois o que importa, emseu lugar, é a identidade dos titulares do direito material defendidopelos autores. Portanto, para que se verifique a continência entreações coletivas, é somente necessária a coincidência de réus ede causas de pedir, e que o objeto de uma, por ser mais amplo,contenha o da outra.(…)Logo, também são viáveis a conexão, a continência e alitispendência entre mandados de segurança coletivos.Do mesmo modo que nas demais ações coletivas, para que hajacontinência ou litispendência entre mandados de segurançacoletivo é desnecessário haver identidade no polo ativo, dadoque diversos autores poderão, em nome próprio, defenderinteresses de uma mesma coletividade, que, portanto, poderáser atingida pelos efeitos da coisa julgada independentementede quem houver proposto a ação.Assim, em que pese à diferença de autores, poderemos termandados de segurança coletivos com idênticos objetos litigiosos(litispendência), ou, ainda, cujo objeto litigioso de um esteja contidono de outro (continência), havendo, em ambas as hipóteses, risco dedecisões conflitantes.(ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRADE, Landolfo.Interesses difusos e coletivos. 3ª ed., São Paulo: Método, 2013, p.151 e 354)

Em relação ao polo passivo, é preciso frisar que são coincidentes neste

mandado de segurança coletivo e no MSC 170692-84.2015.8.09.0000, uma vez que

as autoridades coatoras são, respectivamente, a Secretária de Estado da Fazenda e

o Governador do Estado, ambas pertencentes à pessoa jurídica Estado de Goiás,

verdadeiro réu nos dois mandamus em tela.

Com efeito, a doutrina amplamente majoritária entende que a parte ré

no mandado de segurança é a pessoa jurídica a que a autoridade coatora se acha

vinculada:

10/27A.C.S.

Page 11: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

Na verdade, a melhor exegese é a que atribui à autoridade coatoraapenas a legitimidade formal para defender a pessoa jurídica dedireito público em cujo nome atuou na prática do ato discutido nomandamus. Com efeito, a repercussão do processo operará todasobre os poderes e interesses daquela pessoa pública e não apenassobre a autoridade notificada. Não há como, portanto, ignorar aparticipação substancial da entidade no processo. A atual Lei doMandado de Segurança segue, explicitamente, esse entendimento,pois determina que, concomitantemente, se proceda à notificação àautoridade coatora e se dê ciência do feito ao órgão derepresentação judicial da pessoa jurídica interessada (Lei n. 12.016,art. 7º, I e II).A autoridade coatora, portanto, não é incluída no processo como ré,mas como órgão da pessoa jurídica em cujo nome praticou o atoimpugnado e sobre cuja esfera jurídica irá incidir o provimento judiciala ser pronunciado em solução ao pedido do autor.Nem mesmo se pode cogitar de um litisconsórcio entre o coator e apessoa jurídica interessada. A autoridade responsável pelo atoimpugnado não é um ente distinto da pessoa jurídica, é um órgãodela, uma “parte integrante daquela”.O agente da pessoa jurídica responsável pelo ato impugnado pode edeve defendê-lo, agindo, pois, no processo, como representanteespecial da pessoa jurídica em cujo nome atuou. Esta atuaçãoprocessual, porém, não exclui a legitimidade da pessoa jurídica para,querendo, intervir, também, através de seu órgão institucional derepresentação judicial. Se isto acontecer, duas entidades poderãoatuar paralelamente na defesa do ato impugnado: o coator e oprocurador da pessoa jurídica.Para não deixar dúvida quanto à posição da pessoa jurídica dentroda relação processual, a Lei n. 12.016 exige do impetrante queindique qual é, no caso deduzido em juízo, a pessoa jurídica a que aautoridade coatora se acha integrada (art. 6º).(THEODORO JR., Humberto. O mandado de segurança segundo aLei n. 12.016, de 07 de agosto de 2009. Rio de Janeiro: Forense,2009, p. 7-8)

Predomina amplamente na doutrina a opinião de que a autoridadecoatora não é ré no mandado de segurança. Ré é a pessoa jurídicaque a autoridade coatora integra, à qual ela esteja vinculada, ou daqual ela exerça atribuições. Logo, a “ciência” referida no inciso II doart. 7º teria status de verdadeira citação.(ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRADE, Landolfo.Interesses difusos e coletivos. 3ª ed., São Paulo: Método, 2013, p.346)

Esse o quadro, é nítida a identidade de partes entre as demandas.

Nessa senda, para verificar os demais requisitos do art. 104 do CPC,

resta observar a causa de pedir e a amplitude do objeto dos writs.

11/27A.C.S.

Page 12: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

Pois bem. A causa de pedir nos dois mandamus é a mesma, é dizer, a

decisão administrativa ilegal e abusiva de se parcelar o pagamento da folha de

pessoal dos servidores e agentes políticos estaduais de abril a dezembro de 2015,

proferida em violação aos princípios da legalidade e da motivação e vulnerando o

direito dos servidores de receber sua respectiva remuneração, subsídio ou

proventos de aposentadoria no último dia útil do mês trabalhado.

Por fim, considerando que a decisão a ser proferida no mandado de

segurança coletivo n.º 170692-84.2015.8.09.0000 atingirá tão somente os filiados ao

Sindjustiça (isto é, parcela dos servidores efetivos do Poder Judiciário) e que no

presente writ todos os servidores públicos, ativos e aposentados, e agentes políticos

serão alcançados pela coisa julgada, tem-se que o pedido deste MSC é mais amplo

do que o daquele, em verdadeira relação de continência.

Ante o exposto, o presente mandado de segurança coletivo deve ser

reunido e julgado simultaneamente aos autos de n.º 170692-84.2015.8.09.0000,

Relator o Desembargador Carlos Alberto França.

II. 3 – D A VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE,

DA RAZOABILIDADE E DA MOTIVAÇÃO :

Em sendo o Brasil um país democrático, a Administração Pública está

submetida ao princípio da legalidade, previsto em nosso ordenamento nos arts. 5º,

II, 37, caput, e 84, IV, da Constituição Federal, sendo que estes dois últimos foram

repetidos pelos arts. 37, IV, e 92, caput, da Constituição de Goiás.

Assim, conforme clássica lição doutrinária, a Administração Pública só

pode fazer o que a lei expressamente autoriza, o que importa dizer que, no silêncio

da lei, o comportamento não previsto é vedado ao agente público. Veja-se:

O princípio da legalidade, no Brasil, significa que a Administraçãonada pode fazer senão o que a lei determina. Ao contrário dos particulares, os quais podem fazer tudo o que a leinão proíbe, a Administração só pode fazer o que a leiantecipadamente autorize.

12/27A.C.S.

Page 13: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

(BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de DireitoAdministrativo. 22ª ed., São Paulo: Malheiros, 2007, p. 102)

É aqui que melhor se enquadra aquela ideia de que, na relaçãoadministrativa, a vontade da Administração Pública é a que decorreda lei.Segundo o princípio da legalidade, a Administração Pública só podefazer o que a lei permite. No âmbito das relações entre particulares, oprincípio aplicável é o da autonomia da vontade, que lhes permitefazer tudo o que a lei não proíbe. (...)Em decorrência disso, a Administração Pública não pode, porsimples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie,criar obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto,ela depende de lei.(DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23ª ed., SãoPaulo: Atlas, 2010, p. 63-64)

O princípio da legalidade significa estar a Administração Pública, emtoda a sua atividade, presa aos mandamentos da lei, deles não sepodendo afastar, sob pena de invalidade do ato e responsabilidadede seu autor. Qualquer ação estatal sem o correspondente calçolegal, ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei, é injurídica eexpõe-se à anulação. Seu campo de ação, como se vê, é bem menorque o do particular. De fato, este pode fazer tudo que a lei permite etudo que a lei não proíbe; aquela só pode fazer o que a lei autoriza e,ainda assim, quando e como autoriza. Vale dizer, se a lei nadadispuser, não pode a Administração Pública agir, salvo em situaçõesexcepcionais (grave perturbação da ordem e guerra quandoirrompem inopinadamente). A esse princípio também se submete oagente público. Com efeito, o agente da Administração Pública estápreso à lei, e qualquer desvio de sua competência pode invalidar oato e tornar o seu autor responsável, conforme o caso, disciplinar,civil e criminalmente.(GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 15ª ed., São Paulo:Saraiva, 2010, p. 61-62)

Nesse passo, considerando que nem a Constituição Federal, nem a

Constituição goiana, e tampouco qualquer lei do Estado de Goiás autoriza o

parcelamento/fracionamento do pagamento de remunerações, subsídios e proventos

dos servidores públicos e agentes políticos, tem-se que o comportamento da

autoridade coatora viola o princípio da legalidade.

Os Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul e do Distrito Federal e

Territórios já se depararam com situação análoga à versada nos presentes autos e

não permitiram o pagamento parcelado das remunerações dos servidores públicos:

MANDADO DE SEGURANÇA. PAGAMENTO PARCELADO DOS

13/27A.C.S.

Page 14: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

VENCIMENTOS DE SERVIDOR PÚBLICO DO DISTRITOFEDERAL. DECISÃO DEFERITÓRIA DE LIMINAR PARAPRESTAÇÃO INTEGRAL NA DATA PREVISTA EM LEI. AGRAVOREGIMENTAL. DESPROVIMENTO. Presentes a relevância do direito e o perigo na demora, mantém-se aliminar para doravante assegurar ao impetrante o recebimento dototal dos seus vencimentos até o quinto dia útil do mês subsequenteàquele a que corresponder o pagamento.Agravo regimental a que se nega provimento.(TJDFT, Acórdão n. 859229, 20150020036850MSG, Relator: MARIOMACHADO, Conselho Especial, Data de Julgamento: 24/03/2015,Publicado no DJE: 10/04/2015. Pág.: 20)

AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA.CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LIMINAR.RESTABELECIMENTO DE PAGAMENTO. POSSIBILIDADE. NÃOCARACTERIZAÇÃO DA VIA DO MANDADO DE SEGURANÇACOMO AÇÃO DE COBRANÇA. PRESENÇA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. PARCELAMENTO DO PAGAMENTO DESERVIDOR PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL. PRINCÍPIO DALEGALIDADE. QUITAÇÃO DA FOLHA SALARIAL ATÉ O QUINTODIA ÚTIL DO MÊS SUBSEQUENTE. DEFERIMENTO DA LIMINAR.PAGAMENTO INTEGRAL ATÉ O QUINTO DIA ÚTIL DO MÊSSUBSEQUENTE. 1. As limitações à concessão de antecipação de tutela contra aFazenda Pública previstas nas Leis nº 9.494/97, artigo 1º, e12.016/2009, artigo 7º, § 2º, não atingem as hipóteses derestabelecimento de vantagem suprimida, o que abrange o caso deparcelamento do pagamento da remuneração de servidor para alémdo quinto dia útil seguinte ao mês de referência.2. Tendo o mandado de segurança sido impetrado com o intuito deser garantido o recebimento da integralidade do salário no quinto diaútil do mês subseqüente, evidencia-se que a hipótese não se amparaem período pretérito, tornando-se inadequado o argumento de que oremédio constitui substitutivo de ação de cobrança, tampoucodeflagra efeito patrimonial relativo a período pretérito.3. Demonstrada a condição de servidor público do Distrito Federal ediante das informações notórias do parcelamento do pagamento dosservidores pelo Governo Local, encontra-se, a título de condição daação, presente prova pré-constituída concernente ao direito derecebimento da integralidade da remuneração até o quinto dia útilsubseqüente ao mês de referência, sendo que a concessão, ou não,da segurança perpassará, quando do julgamento final, peloreconhecimento, ou não, da existência de direito líquido e certo. 4. A atividade executiva da Administração Pública encontra-sejungida pelo princípio da legalidade, segundo o qual o campo deatuação dos gestores públicos é delineado e amparado pela lei, detal modo que somente se revela legítimo o agir do gestor público seestribado em previsão legal.5. Nada obstante o cenário atual que ilustra severa crise financeirado Distrito Federal, cumpre ao gestor público, dentro da sua atividadevoltada a propiciar o reequilíbrio das contas, a tomada de medidasque se afeiçoem ao disposto no ordenamento, o que não ocorre coma opção administrativa de parcelamento da remuneração dos

14/27A.C.S.

Page 15: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

servidores públicos, ante a previsão clara na Lei Orgânica do DF ena LC nº 840/2011 de que a quitação da folha salarial deve ocorreraté o quinto dia útil subsequente ao mês de referência.6. Ao passo que a legislação reconhece como direito do servidor aquitação da folha salarial até o quinto dia útil do mês seguinte,revela-se, em sede de cognição sumária, ilegal, por malferir omencionado direito, o ato do Poder Público que determina opagamento parcelado para além do quinto dia útil.7. Agravo regimental conhecido e não provido.(TJDFT, Acórdão n.859557, 20150020057358MSG, Relator: SIMONELUCINDO, Conselho Especial, Data de Julgamento: 24/03/2015,Publicado no DJE: 13/04/2015. Pág.: 33)

AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITOPÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. PARCELAMENTO/ADIAMENTODO PAGAMENTO DE REMUNERAÇÃO MENSAL DE SERVIDORESPÚBLICOS. OFENSA AO ARTIGO 35 DA CONSTITUIÇÃOESTADUAL. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE MEDIDALIMINAR. CARÁTER PREVENTIVO. ADMISSIBILIDADE.ILEGITIMIDADE PASSIVA DO SECRETÁRIO DE ESTADO DAFAZENDA. EXTIRPAÇÃO DO TRECHO DA DECISÃO REFERENTECOM FUNCIONÁRIOS DA PGE/RS NÃO REPRESENTADOS PELAIMPETRANTE. 1. De acordo com o artigo 35 da Constituição Estadual, o pagamentoda remuneração mensal dos servidores públicos estaduais deve serrealizado até o último dia útil do mês do trabalho prestado.Considerando a existência de informações públicas de que o Chefedo Poder Executivo considera a possibilidade de atrasar/adiar opagamento da remuneração mensal, cabível a concessão de medidaliminar preventiva vedando a conduta, relevando-se, ainda, o carátereminentemente alimentar da verba discutida. Possibilidade deconcessão da medida liminar sem a oitiva da parte impetrada,considerando a urgência caracterizada no caso concreto.2. Reconhecida a ilegitimidade do Secretário de Estado da Fazendapara constar do polo passivo do mandado de segurança, uma vezque, analisando o processo com o qual se dá a tomada de decisõesno âmbito do Poder Executivo, é possível concluir que, apesar de oSecretário ser o responsável pela análise continuada das finanças doEstado, eventual decisão de alteração na rotina do pagamento dosservidores certamente teria de ser tomada pelo Governador doEstado, contra quem deverá o mandamus ter regularprosseguimento. Extirpada da decisão a determinação de que amedida liminar inibitória abrangeria todos os membros daProcuradoria-Geral do Estado. Restrição da medida aos membros daAPREGS, que é a parte impetrante.AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME.(Agravo Regimental Nº 70064081920, Tribunal Pleno, Tribunal deJustiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em13/04/2015)

MANDADO DE SEGURANÇA. GOVERNADORA DO ESTADO QUETOMOU A DECISÃO POLÍTICA DE PARCELAR O PAGAMENTODOS SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS, LIMITANDO ESTE AOTETO DE R$ 2.500,00 NA DATA PREVISTA PARA PAGAMENTO,

15/27A.C.S.

Page 16: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

RESTANDO O SOBEJANTE A SER PAGO ATÉ O DIA 10 DOPRÓXIMO MÊS. ORDEM ADMINISTRATIVA QUE VIOLADIRETAMENTE A DISPOSIÇÃO DO ART. 35 DA CONSTITUIÇÃOESTADUAL. E, NO ART. 36, O CONSTITUINTE ESTADUAL DISPÔSQUE AS OBRIGAÇÕES NÃO CUMPRIDAS ATÉ O ÚLTIMO DIA DOMÊS DA AQUISIÇÃO DO DIREITO DEVERÃO SER LIQUIDADASPOR VALORES ATUALIZADOS. A REFORÇAR A TESE DAEXIGÊNCIA DO PAGAMENTO DENTRO DO PRAZOCONSTITUCIONALMENTE PREVISTO COMO LIMITE. DESCABE ADISCUSSÃO ACERCA DAS RAZÕES POLÍTICAS DA DECISÃO DAGOVERNADORA, AUTORIDADE IDENTIFICADA COMO COATORA.MAS CABE DEFINIR O DIREITO LÍQUIDO E CERTO DOREQUERENTE NO SENTIDO DE RECEBER INTEGRALMENTESEUS SALÁRIOS NA DATA CONSTITUCIONALMENTE PREVISTA.PRETENDIDO PARCELAMENTO QUE NÃO DECORRE DEABSOLUTA IMPOSSIBILIDADE FÁTICA DO PAGAMENTO, MASSIM DE UMA ESCOLHA POLÍTICA. SEGURANÇA CONCEDIDA,VENCIDOS, ENTRE ELES, O RELATOR. (Mandado de SegurançaNº 70019109693, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator:Leo Lima, Julgado em 10/09/2007)

O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Ação Direta de

Inconstitucionalidade 657/RS, Rel. Min. Neri da Silveira, em caso análogo, declarou

a constitucionalidade do art. 354 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul,

que estabelece que o pagamento da remuneração dos servidores públicos naquela

Unidade da Federação deve ser realizado até o último dia útil de cada mês

efetivamente trabalhado e, consequentemente, já se manifestou sobre A

IMPOSSIBILIDADE DO PAGAMENTO DA REMUNERAÇÃO DOS SERVIDORES

PÚBLICOS a DESTEMPO (FRACIONADA), pois não está entregue à

discricionariedade da Administração o momento de fazê-lo. Confira-se a

ementa do julgado:

- Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Art. 35 e parágrafo único daConstituição do Estado do Rio Grande do Sul. Fixa data parapagamento de remuneração aos servidores públicos do Estado e dasautarquias. 3. Alegação de ofensa aos artigos 2º; 25; 61, § 1º, II, "c";84, II e VI, e 11 do ADCT, todos da Constituição Federal. 4. Parecerda Procuradoria-Geral da República pela improcedência da ação. 5.Inexistência de inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 35 daConstituição gaúcha. Correspondência com o que se encontralegislado no âmbito federal. Precedentes. 6. Ação julgadaimprocedente para declarar a constitucionalidade do art. 35 eparágrafo único da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul.

4 Art. 35. O pagamento da remuneração mensal dos servidores públicos do Estado e das autarquiasserá realizado até o último dia útil do mês do trabalho prestado.

16/27A.C.S.

Page 17: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

(ADI 657, Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA, Tribunal Pleno,julgado em 10/10/1996, DJ 28-09-2001 PP-00037 EMENT VOL-02045-01 PP-00058)

Vale registrar, no ponto, trecho do voto do Min. Maurício Corrêa,

proferido no julgamento dessa mesma ação direta de inconstitucionalidade:

“Sr. Presidente, pela própria natureza do dispositivo impugnado, é dever-se que não há inconstitucionalidade alguma, porque o limite aliestabelecido é exatamente o final do mês para o pagamento dosvencimentos dos servidores públicos estaduais.Ora, se não pagar o que é devido depois de vencido o mês eprestados os serviços, quando então será pago?”.

Nesse mesmo sentido tem decidido o Supremo Tribunal Federal em

vários casos análogos: RE 830265, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em

03/12/2014, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-242 DIVULG 10/12/2014

PUBLIC 11/12/2014; RE 605705, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI,

julgado em 20/05/2014, publicado em DJe-098 DIVULG 22/05/2014 PUBLIC

23/05/2014; RE 629484, Relator(a): Min. ROSA WEBER, julgado em 27/09/2012,

publicado em DJe-197 DIVULG 05/10/2012 PUBLIC 08/10/2012; RE 605300,

Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 07/10/2010, publicado em DJe-207

DIVULG 27/10/2010 PUBLIC 28/10/2010; RE 605684, Relator(a): Min. EROS GRAU,

julgado em 03/03/2010, publicado em DJe-053 DIVULG 23/03/2010 PUBLIC

24/03/2010.

Além do princípio da legalidade, o art. 92, caput, da Constituição de

Goiás prevê, de forma expressa, que a Administração Pública deve obediência aos

princípios da motivação e da razoabilidade:

Art. 92. A administração pública direta e indireta de qualquer dosPoderes do Estado e dos Municípios obedecerá aos princípios delegalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência,razoabilidade, proporcionalidade e motivação e, também, aoseguinte:

Desse modo, considerando que a queda de arrecadação do primeiro

quadrimestre de 2015, se comparada ao primeiro quadrimestre de 2014, foi de

míseros 0,33%, forçoso reconhecer que a justificativa apresentada pela autoridade

17/27A.C.S.

Page 18: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

coatora na nota à imprensa divulgada no site da SEFAZ em 28 de abril de 2015 para

amparar o parcelamento da folha de pagamento padece do vício de inexistência de

motivos, nos termos do art. 2º, “d”, parágrafo único, “d”, da Lei Federal

4.717/1965 (“a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de

direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente

inadequada ao resultado obtido”).

Como dito em linhas volvidas, uma pequena queda na arrecadação

estadual não pode servir de justificativa para uma medida tão drástica como o

parcelamento da remuneração, subsídio e proventos de todos os servidores públicos

e agentes políticos de abril até o final do ano de 2015.

Destarte, a benevolência da Secretaria da Fazenda na entabulação de

TAREs com grandes empresas, resultou em uma renúncia de R$ 12.407.480.329,36

a título de tributos estaduais entre 2011 e 2014.

Bem por isso, não se mostra razoável deixar de auferir nos últimos 4

(quatro) anos o equivalente a 55,89% de toda a arrecadação estadual de 2014 e, de

inopino, sacrificar os servidores públicos e agentes políticos do Estado de Goiás

com parcelamento de remunerações, subsídios e proventos.

Demais disso, os vultosos gastos do Governo do Estado de Goiás com

publicidade desautorizam a alegação de “crise”, a ponto de acarretar fracionamento

da folha de pagamento do funcionalismo público. De acordo com dados disponíveis

no site do Tribunal de Contas do Estado de Goiás (link5 “relatório do art. 30”), entre

2011 e 2014, o Governo Estadual gastou R$ 591.483.015,52 em publicidade. Sem

querer adentrar em qualquer discussão de mérito administrativo, é desarrazoado

gastar tanto em propaganda de realizações do Governo e ao mesmo tempo parcelar

o pagamento dos servidores públicos.

Assim, o pagamento das remunerações, subsídios e proventos dos

servidores públicos e agentes políticos do Estado de Goiás deve ser realizado em

5 http://www.tce.go.gov.br/downloads/webarqcat.aspx?cid=452.

18/27A.C.S.

Page 19: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

parcela única a ser paga no último dia útil do mês trabalhado.

II. 4 – DA MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL SOFRIDA PELO ART. 96 DA

CONSTITUIÇÃO DE GOIÁS:

Diz o art. 96 da Constituição de Goiás:

Art. 96. É obrigatória a quitação da folha de pagamento do pessoalativo e inativo da administração direta, autárquica e fundacional doEstado até o dia 10 do mês posterior ao vencido, sob pena de seproceder à atualização monetária da mesma.

Como se vê, a Constituição goiana outorga(va) à Administração Pública

direta, autárquica e fundacional a prerrogativa de quitar a folha de pagamento do

pessoal ativo e inativo até o dia 10 do mês subsequente ao trabalhado.

Todavia, desde o ano de 1999 o Estado de Goiás tem quitado a folha

de pagamento no último dia útil do mês trabalhado, renunciando tacitamente,

portanto, à prerrogativa conferida pelo art. 96 da CE/GO. Por via de consequência,

surgiu para todos os servidores públicos e agentes políticos estaduais, ativos e

inativos, o direito de perceber remuneração, subsídio ou proventos no último dia útil

do mês trabalhado.

Desse modo, ocorreu em relação ao Estado de Goiás o fenômeno da

supressio e no tocante aos servidores estaduais a surrectio, importantes

desdobramentos da boa-fé objetiva, assim conceituados pela doutrina:

Decorrente da expressão alemã Verwirkung, consiste na perda(supressão) de um direito pela falta de seu exercício por razoávellapso temporal.Trata-se de instituto distinto da prescrição, que se refere à perda daprópria pretensão. Na figura da supressio, o que há é,metaforicamente, um “silêncio ensurdecedor”, ou seja, umcomportamento omissivo tal, para o exercício de um direito, que omovimentar-se posterior soa incompatível com as legítimasexpectativas até então geradas.Assim, na tutela da confiança, um direito não exercido durantedeterminado período, por conta desta inatividade, perderia suaeficácia, não podendo mais ser exercitado. Nessa linha, à luz do

19/27A.C.S.

Page 20: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

princípio da boa-fé, o comportamento de um dos sujeitos geraria nooutro a convicção de que o direito não seria ais exigido.(…)Costumamos afirmar, em sala de aula, que a surrectio é o outro ladoda moeda da supressio.Com efeito, se, na figura da supressio, vislumbra-se a perda de umdireito pela sua não atuação evidente, o instituto da surrectio seconfigura no surgimento de um direito exigível, como decorrêncialógica do comportamento de uma das partes. (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Cursode Direito Civil, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2013, vol. 4, tomo I, p.120-122)

Inicialmente, quanto à supressio (Verwirkung), significa a supressão,por renúncia tácita, de um direito ou de uma posição jurídica, peloseu não exercício com o passar dos tempos.(…)Ao mesmo tempo em que o credor perde um direito por essasupressão, surge um direito a favor do devedor, por meio da surrectio(Erwirkung), direito este que não existia juridicamente até então, masque decorre da efetividade social, de acordo com os costumes. Emoutras palavras, enquanto a supressio constitui a perda de um direitoou de uma posição jurídica pelo seu não exercício no tempo; asurrectio é o surgimento de um direito diante de práticas, usos ecostumes. Ambos os conceitos podem ser retirados do art. 330 doCC, constituindo duas faces da mesma moeda, conforme afirma JoséFernando Simão (Direito Civil..., 2008, p. 38).(TARTUCE, Flávio. Direito Civil, 8ª ed., São Paulo: Método, 2013, vol.3, p. 104-105)

Assim, ante a ocorrência da supressio em desfavor do Estado de

Goiás e da surrectio em benefício dos servidores públicos, o art. 96 da Constituição

de Goiás sofreu verdadeira mutação constitucional, advinda do costume de se

quitar a folha de pagamento no último dia útil do mês trabalhado.

No ponto, aplica-se inteiramente ao caso vertente a lição doutrinária do

eminente Ministro do STF LUÍS ROBERTO BARROSO:

À vista dos elementos expostos até aqui, é possível dizer que amutação constitucional consiste em uma alteração dosignificado de determinada norma da Constituição, semobservância do mecanismo constitucionalmente previsto paraas emendas e, além disso, sem que tenha havido qualquermodificação de seu texto. Esse novo sentido ou alcance domandamento constitucional pode decorrer de uma mudança narealidade fática ou de uma nova percepção do Direito, umareleitura do que deve ser considerado ético ou justo. Para queseja legítima, a mutação precisa ter lastro democrático, isto é, deve

20/27A.C.S.

Page 21: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

corresponder a uma demanda social efetiva por parte dacoletividade, estando respaldada, portanto, pela soberania popular.(…)A mutação constitucional se realiza por via de interpretação feitapor órgãos estatais ou por meio dos costumes e práticaspolíticas socialmente aceitas. Sua legitimidade deve ser buscadano ponto de equilíbrio entre dois conceitos essenciais à teoriaconstitucional, mas que guardam tensão entre si: a rigidez daConstituição e a plasticidade de suas normas. A rigidez procurapreservar a estabilidade da ordem constitucional e a segurançajurídica, ao passo que a plasticidade procura adaptá-la aos novostempos e às novas demandas, sem que seja indispensável recorrer,a cada alteração da realidade, aos processos formais e dificultososde reforma.A conclusão a que se chega é a de que além do poder constituinteoriginário e do poder de reforma constitucional existe uma terceiramodalidade de poder constituinte: o que se exerce em caráterpermanente, por mecanismos informais, não expressamenteprevistos na Constituição, mas indubitavelmente por elaadmitidos, como são a interpretação de suas normas e odesenvolvimento de costumes constitucionais. Essa terceira viajá foi denominada por célebre publicista francês poder constituintedifuso, cuja titularidade remanesce no povo, mas que acaba sendoexercido por via representativa pelos órgãos do poder constituído,em sintonia com as demandas e sentimentos sociais, assim comoem casos de necessidade de afirmação de certos direitosfundamentais.(…)A adaptação da Constituição a novas realidades pode dar-se porações estatais ou por comportamentos sociais. A interpretaçãoconstitucional, normalmente levada a efeito por órgãos e agentespúblicos – embora não exclusivamente -, é a via mais comum deatualização das normas constitucionais, sintonizando-as com asdemandas de seu tempo. Em segundo lugar vem o costumeconstitucional, que consiste em práticas observadas porcidadãos e por agentes públicos, de maneira reiterada esocialmente aceita, criando um padrão de conduta que se passaa ter como válido ou até mesmo obrigatório.(…)A ideia do costume como fonte do direito positivo se assenta naadoção de uma prática reiterada, que tenha sido reconhecida comoválida e, em certos casos, como obrigatória. O costume, muitasvezes, trará em si a interpretação informal da Constituição; de outras,terá um papel atualizador de seu texto, à vista de situações nãoprevistas expressamente.(BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito ConstitucionalContemporâneo, 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2013, p. 148-151 e 157)

Ora, desde o ano de 1999 o Governo do Estado de Goiás tem quitado

a folha de pagamento dos servidores ativos e inativos no último dia útil do mês

trabalhado, comportamento concretizador de uma promessa política feita pelo

21/27A.C.S.

Page 22: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

Governador Marconi Perillo.

Assim, a reiteração dessa prática política ao longo de 16 (dezesseis)

anos se transformou em verdadeiro costume constitucional, de modo que o art. 96

da Constituição de Goiás sofreu mutação constitucional em seu sentido, isto é, o

Estado de Goiás deve quitar integralmente a folha de pagamento do funcionalismo

público até o último dia útil do mês trabalhado (novo sentido da norma) e não mais

até o dia 10 do mês subsequente ao trabalhado (sentido superado pela mutação

constitucional).

II.5 – DA VIOLAÇÃO AO ART. 168 DA CF E AO ART. 112-A DA CE/GO :

A fim de concretizar a autonomia funcional, administrativa e financeira

do Poder Legislativo (art. 2º da CF), do Poder Judiciário (art. 99 da CF e art. 41, §§

1º e 1º-A, da CE/GO), do Ministério Público (art. 127, §§ 2º e 3º, da CF e art. 115 da

CE/GO) e da Defensoria Pública (art. 134, §§ 2º e 3º, da CF e art. 120, § 3º, da

CE/GO), o art. 168 da Constituição Federal e o art. 112-A da Constituição de Goiás

preveem:

Art. 168. Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias,compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinadosaos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do MinistérioPúblico e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a quese refere o art. 165, § 9º.

Art. 112-A. Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias,compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinadosaos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do MinistérioPúblico e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a quese refere o art. 165, § 9º da Constituição da República.

Assim, ante o texto constitucional, o Poder Executivo deve repassar os

respectivos duodécimos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e

da Defensoria Pública até o dia 20 de cada mês.

Contudo, desde abril de 2015 a autoridade coatora tem repassado 50%

22/27A.C.S.

Page 23: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

do duodécimo no último dia do mês e os 50% restantes apenas no 5º dia útil do mês

subsequente, o que, claramente, afronta o art. 168 da Constituição Federal.

Com efeito, o STF já reconheceu a ilegalidade da omissão de

Governador de Estado em atrasar o repasse de duodécimo para as entidades

referidas no art. 168 da CF. Confiram-se os julgados:

Mandado de segurança. 2. Ato omissivo de governador de Estado. 3.Atraso no repasse dos duodécimos correspondentes às dotaçõesorçamentárias do Poder Judiciário. 4. Art. 168 da ConstituiçãoFederal. 5. Independência do Poder Judiciário. 6. Precedentes. 7.Deferimento da ordem.(MS 23267/SC, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno,julgado em 03/04/2003, DJ 16-05-2003 PP-00092 EMENT VOL-02110-02 PP-00295)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - FUNÇÃOJURÍDICA - CARACTER NÃO-SATISFATIVO - PROVIDÊNCIASMATERIAIS RECLAMADAS - IMPOSSIBILIDADE DE SUA ADOÇÃO.DESPESAS CORRENTES DE CUSTEIO - NORMACONSTITUCIONAL ESTADUAL QUE AS EXCLUI DA INCIDÊNCIADO ART. 168 DA CARTA FEDERAL (CE/RJ, ART. 209, PARAGRAFOÚNICO) - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA E "PERICULUM IN MORA"CONFIGURADOS - CAUTELAR DEFERIDA. - A ação direta de inconstitucionalidade, quando ajuizada em face decomportamento positivo do poder público, não legitima, em face desua natureza mesma, a adoção de quaisquer providenciassatisfativas tendentes a concretizar o atendimento de injunçõesdeterminadas pelo tribunal. em uma palavra: a ação direta não podeultrapassar, sob pena de descaracterizar-se como via de tutelaabstrata do direito constitucional positivo, os seus próprios fins, quese traduzem na exclusão, do ordenamento estatal, dos atosincompatíveis com o texto da constituição.O Supremo Tribunal Federal, ao exercer em abstrato a tutelajurisdicional do direito objetivo positivado na Constituição daRepública, atua, apenas, como legislador negativo. - O comando emergente da norma inscrita no art. 168 daConstituição Federal tem por destinatário específico o PoderExecutivo, que está juridicamente obrigado a entregar, emconsequência desse encargo constitucional, até o dia 20 decada mês, ao Legislativo, ao Judiciário e ao Ministério Público,os recursos orçamentários, inclusive aqueles correspondentesaos créditos adicionais, que foram afetados, mediante lei, aesses órgãos estatais.- A prerrogativa deferida ao Legislativo, ao Judiciário e aoMinistério Público pela regra consubstanciada no art. 168 da LeiFundamental da República objetiva assegurar-lhes, em graunecessário, o essencial coeficiente de autonomia institucional. A"ratio" subjacente a essa norma de garantia radica-se nocompromisso assumido pelo legislador constituinte de conferir

23/27A.C.S.

Page 24: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

as instituições destinatárias do "favor constitutionis" o efetivoexercício do poder de autogoverno que irrecusavelmente lhescompete.- Assume inquestionável plausibilidade jurídica a tese, deduzida emsede de controle normativo abstrato, que sustenta a impossibilidadede o Estado-membro restringir a eficácia do preceitoconsubstanciado no art. 168 da Constituição Federal. Essa normaconstitucional impõe-se a observância compulsória das unidadespolíticas da Federação e não parece admitir - para efeito de liberaçãomensal das quotas duodecimais - qualquer discriminação quanto anatureza dos recursos orçamentários, sejam estes referentes, ounão, as despesas correntes de custeio.(ADI 732 MC/RJ, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, TribunalPleno, julgado em 22/05/1992, DJ 21-08-1992 PP-12782 EMENTVOL-01671-01 PP-00045 RTJ VOL-00143-01 PP-00057)

No mesmo sentido: SS 4992/RN, Relator(a): Min. Presidente, Decisão

Proferida pelo(a) Ministro(a) RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 02/02/2015,

publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-026 DIVULG 06/02/2015 PUBLIC

09/02/2015; AO 1079 MC/RO, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em

09/06/2004, publicado em DJ 16/06/2004 PP-00004; MS 21450/MT, Relator(a): Min.

OCTAVIO GALLOTTI, Tribunal Pleno, julgado em 08/04/1992, DJ 05-06-1992 PP-

08429 EMENT VOL-01664-02 PP-00220 RTJ VOL-00140-03 PP-0081.

Vale lembrar, por oportuno, que o art. 9º, § 3º, da Lei Complementar

101/20006 está com a eficácia suspensa, uma vez que o Supremo Tribunal Federal

considerou o dispositivo uma hipótese de interferência indevida do Poder Executivo

nos demais Poderes e no Ministério Público (ADI 2238 MC, Relator(a): Min. ILMAR

GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 09/08/2007, DJe-172 DIVULG 11-09-2008

PUBLIC 12-09-2008 EMENT VOL-02332-01 PP-00024 RTJ VOL-00207-03 PP-

00950).

Assim, o parcelamento da folha de pagamento, para além de violar os

princípios da legalidade, razoabilidade e motivação, adquire um plus em relação aos

6 Art. 9º Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar ocumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de MetasFiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantesnecessários, nos trinta dias subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira,segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias. (…)

§ 3º No caso de os Poderes Legislativo e Judiciário e o Ministério Público não promoverem alimitação no prazo estabelecido no caput, é o Poder Executivo autorizado a limitar os valoresfinanceiros segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.

24/27A.C.S.

Page 25: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

servidores públicos e agentes políticos, ativos e inativos, do Poder Legislativo, do

Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, pois vulnera

frontalmente o art. 168 da Constituição Federal e o art. 112-A da Constituição de

Goiás.

II. 5 – D O PEDIDO DE L IMINAR :

O art. 7º, III, da Lei 12.016/2009 prevê:

Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: (...)III - que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houverfundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficáciada medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir doimpetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar oressarcimento à pessoa jurídica.

Com efeito, o fundamento esgrimido ao longo desta petição inicial, em

que restou demonstrado que a prática de parcelamento da folha de pagamento dos

servidores públicos estaduais se deu em violação aos princípios da legalidade, da

razoabilidade e da motivação, bem como ao art. 168 da CF e ao art. 112-A da

CE/GO, contrariando, também, o costume constitucional de se quitar integralmente a

folha de pagamento, possui relevância apta a atender a exigência do inciso III do art.

7º da Lei do Mandado de Segurança.

Demais disso, caso a política de fracionamento da folha de pagamento

não seja suspensa imediatamente a decisão final será inócua, porquanto o ato

coator foi programado para vigorar entre abril e dezembro de 2015, o que merece a

maior urgência por parte do Poder Judiciário.

Importa registrar, ainda, que não incide in casu a vedação imposta pelo

§ 2º do art. 7º da Lei Federal 12.016/20097.

7 § 2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditostributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ouequiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens oupagamento de qualquer natureza.

25/27A.C.S.

Page 26: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

Esse o quadro, satisfeitos os requisitos autorizadores (fumus boni iuris

e periculum in mora), a liminar deve ser concedida inaudita altera pars, de modo a

conferir eficácia ao presente mandamus.

III - DOS PEDIDOS:

Ante o todo o exposto, a impetrante requer:

a) a concessão da liminar pleiteada, a fim de que:

a.1) seja proibido o parcelamento da folha de pagamento do

pessoal ativo e inativo da Administração Pública do Estado de Goiás;

ou

a.2) seja determinado o provisionamento do valor referente ao

pagamento da folha dos servidores públicos para, só após, pagar

fornecedores e demais encargos, dando-se prioridade absoluta à

quitação (integral e em momento único) da folha de pagamento em

razão de seu caráter alimentício; ou

a.3) seja repassado o duodécimo dos Poderes Legislativo e

Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública até o dia 20 do

mês em curso.

b) a notificação da autoridade coatora acerca do conteúdo da petição inicial,

enviando-lhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de

que, no prazo de 10 (dez) dias, preste as informações necessárias;

c) a citação do Estado de Goiás, por meio de sua Procuradoria-Geral, enviando-lhe

cópia da inicial, para os fins do art. 7º, II, da Lei 12.016/2009;

d) vista dos autos ao Ministério Público (membro com atuação no 2º grau de

jurisdição), nos termos do art. 12, caput, da Lei 12.016/2009;

26/27A.C.S.

Page 27: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - mpgo.mp.br · acoimando de autoridade coatora a Senhora SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA, Ana Carla Abrão Costa, domiciliada na Av. Vereador José

e) a tramitação preferencial do mandamus garantida pelo art. 20, caput, da Lei

12.016/2009;

f) a procedência dos pedidos, mediante a concessão da segurança em

definitivo, para confirmar o pedido liminar, sem prejuízo da responsabilidade penal

ínsita no art. 26 da Lei 12.016/2009.

Valor da causa: R$ 1.000,00 (mil reais).

Pede deferimento.

Goiânia/GO, 10 de junho de 2015.

Fernando Aurvalle Krebs Villis Marra

Promotor de Justiça Promotora de Justiça

27/27A.C.S.