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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA ‐ UniCEUB FACULDADE DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS LUÍZA VELLOSO SILVA A IN(CONSTITUCIONALIDADE) DA LEI COMPLEMENTAR N º 105/2001: possibilidade da quebra do sigilo bancário pelas autoridades fiscais sem a autorização prévia do Poder Judiciário. Brasília 2011

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Page 1: LUÍZA VELLOSO SILVA · 105/2001: possibilidade da quebra do sigilo bancário pelas autoridades fiscais sem a autorização prévia do Poder Judiciário. Monografia apresentada como

CENTROUNIVERSITÁRIODEBRASÍLIA‐UniCEUBFACULDADEDECIÊNCIASJURÍDICASESOCIAIS

LUÍZAVELLOSOSILVA

A IN(CONSTITUCIONALIDADE) DA LEI COMPLEMENTAR Nº 105/2001: possibilidade da quebra do sigilo bancário pelas autoridades

fiscais sem a autorização prévia do Poder Judiciário.

Brasília 2011

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LUÍZA VELLOSO SILVA

A IN(CONSTITUCIONALIDADE) DA LEI COMPLEMENTAR Nº 105/2001: possibilidade da quebra do sigilo bancário pelas autoridades

fiscais sem a autorização prévia do Poder Judiciário. Monografia apresentada como requisito para conclusão do curso de bacharelado em Direito do Centro Universitário de Brasília Orientador: Prof. José Carlos Veloso Filho

Brasília 2011

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A Deus, em primeiro lugar. À minha família, pelo apoio recebido durante todos esses anos, em especial a minha mãe, a pessoa mais maravilhosa do mundo. Ao meu namorado Fábio, pelo carinho, atenção, incentivo e apoio para que eu conseguisse terminar o trabalho.

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Ao meu professor e orientador José Carlos Veloso Filho, a quem aprendi a admirar nesse tempo, por ter acreditado em mim desde o início, não poupando esforços para que eu tivesse êxito nesta jornada. Ao Doutor Gustavo Pessanha Velloso, Procurador da República, cujo apoio foi fundamental para a consecução deste trabalho.

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“A Ciência do Direito, porém, é incapaz de fornecer uma interpretação que seja a única correta, em qualquer caso. A Ciência do Direito pode apenas fornecer algumas interpretações razoáveis, sem que possa afirmar ser uma delas correta e as demais erradas. O ato pelo qual o aplicador da norma escolhe uma das interpretações apontadas pela Ciência do Direito é, inegavelmente, um ato político. Assim, quando um jurista, ao interpretar uma norma, sustenta ser determinada interpretação a correta, afastando as demais, ele está tentando exercer influência na criação do Direito. Não se trata de atividade jurídico-científica, mas de atividade política jurídica”.

Hugo de Brito Machado

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RESUMO O presente trabalho tem como objetivo abordar o estudo e os fundamentos jurídicos sobre o sigilo bancário, analisando as hipóteses legais de sua quebra e expondo jurisprudência e doutrina sobre a possibilidade da Receita Federal agir sem a autorização prévia do Poder Judiciário, verificando, a partir disto, a constitucionalidade da Lei Complementar nº 105/2001. Para o embasamento, serão exibidas correntes favoráveis e contrárias à Lei, demonstrando, ao final, que nem mesmo o Supremo Tribunal Federal tem um entendimento uníssono sobre a questão. Palavras-chave: (in)constitucionalidade da Lei Complementar nº 105/2001, quebra do sigilo bancário e Receita Federal.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 7 1. PRINCÍPIOS APLICÁVEIS À QUEBRA DE SIGILO .......................................................... 91.1. Princípio constitucional da proteção do sigilo dos dados................................................................101.2. Princípio da intimidade e da vida privada................................................................................................111.3. Princípio da capacidade contributiva.........................................................................................................131.4. Princípio da proporcionalidade......................................................................................................................141.5. Princípio da vedação das provas ilícitas..................................................................................................151.6. Princípio da dignidade da pessoa humana.............................................................................................161.7. Princípio do devido processo legal.............................................................................................................171.8. Princípio da legalidade......................................................................................................................................181.9. Princípio da publicidade....................................................................................................................................191.10. Princípio do contraditório e da ampla defesa......................................................................................201.11. Princípio da presunção de inocência......................................................................................................201.12. Princípio da reserva de jurisdição.............................................................................................................21 2. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO ................................................................................... 232.1. Conceito e finalidade..........................................................................................................................................232.2. Natureza jurídica do sigilo bancário...........................................................................................................242.3. Sigilo bancário à luz da Constituição Federal de 1988.....................................................................262.4. Requisitos................................................................................................................................................................29 3. (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO PELOS AGENTES FISCAIS – RECEITA FEDERAL ........................................................................................... 313.1. Lei nº 4.595/1964.................................................................................................................................................313.2. Lei Complementar nº 105/2001....................................................................................................................323.3. Decreto Federal nº 3.724/2001.....................................................................................................................373.4. Argumentos favoráveis e contrários à quebra do sigilo bancário sem interferência do Poder Judiciário..............................................................................................................................................................39

3.4.1. Argumentos favoráveis...................................................................................................................................393.4.2. Argumentos contrários....................................................................................................................................403.4.3. Posicionamento dos Tribunais...................................................................................................................42

CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 48 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 51

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INTRODUÇÃO 

O tema a ser abordado será o sigilo bancário com ênfase nos

princípios aplicáveis a este instituto. O objetivo do trabalho é verificar a

constitucionalidade da Lei Complementar nº 105/2001, focando na possibilidade da

quebra do sigilo bancário pelas autoridades fiscais sem a prévia autorização do

Poder Judiciário.

O estudo contém julgados a respeito do assunto de vários tribunais,

como o Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal

Regional Federal.

O assunto não é recente, porém é complexo. E, a criação da Lei

Complementar nº 105/2001, ao autorizar a quebra de sigilo sem autorização prévia

do Judiciário, gerou discussões. A quebra de sigilo bancário é um meio de obtenção

de prova no processo penal. A partir disto, surge o problema: limites da instrução

probatória e de outro lado a privacidade e a intimidade.

O afastamento do sigilo bancário por parte da Receita Federal

encontra repercussão jurídica, no âmbito doutrinário e jurisprudencial, envolvendo

diversos ramos do Direito, principalmente em Constitucional, Tributário e Penal.

A base da pesquisa é analisar a constitucionalidade da exceção

autorizada pela Lei Complementar nº 105/2001, em seu artigo 6º. A inovação trazida

gerou discussões doutrinárias e jurisprudenciais quanto à sua constitucionalidade,

surgindo diversos questionamentos, tais como: sigilo bancário como um direito

fundamental; autoridade fiscal como parte legítima para efetivar a quebra do sigilo;

aplicação do princípio da proporcionalidade.

Inicialmente, tecer-se-á alguns esclarecimentos acerca dos

princípios em que envolve o sigilo bancário. Os pilares são os princípios do sigilo de

dados e o da intimidade. Porém, vários outros são tratados, pois servem de base

para a justificativa a respeito da constitucionalidade e inconstitucionalidade da Lei.

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O segundo capítulo abordará o conceito, finalidade e natureza

jurídica do sigilo bancário, tratando também da origem do instituto, chegando até a

Constituição Federal de 1988.

O terceiro capítulo preocupar-se-á com as leis que tratam do sigilo

bancário, tendo com base a Lei Complementar nº 105/2001. São apresentados

argumentos favoráveis e contrários à quebra do sigilo bancário sem a interferência

do Poder Judiciário. Por fim, o posicionamento de diversos tribunais do país, como

do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, apesar deste ainda

não ter se posicionado a respeito da constitucionalidade da Lei em questão.

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1. PRINCÍPIOS APLICÁVEIS À QUEBRA DE SIGILO

Princípios são normas que representam premissas de todo o

sistema jurídico, conferindo unidade e harmonia ao sistema1.

O princípio é essencial na orientação sócio-jurídica. É ele quem

oferece a base de orientação lógica e válida do pensamento a ser desenvolvido2.

Como bem explicitado por Mello, “violar um princípio é muito mais

grave que transgredir uma norma qualquer”. A não-observância gera uma afronta a

todo o sistema de comandos3.

Para tratar do tema é indispensável a exposição dos princípios

atinentes à quebra de sigilo. De um lado, os princípios do interesse público e da

legalidade e, de outro, os princípios atinentes às liberdades públicas, como a

dignidade da pessoa humana, do direito à privacidade, do sigilo de dados e do

devido processo legal4.

Os princípios que regem o direito devem ser observados em

qualquer construção em matéria penal, sem deixar de reconhecer os princípios

gerais do direito que lhe antecedem, sendo, portanto, as premissas de todo um

sistema jurídico5.

Outro conceito didático é apontado por Bonfim 6 , na qual os

princípios do processo penal são normas, que possuem caráter genérico e

abrangente, e atingem todo ordenamento jurídico e, por sua vez, guiam a aplicação

e a interpretação das normas.

1 FERRAZ, Sérgio Valladão. Curso de direito constitucional: teoria, jurisprudência e 1.000 questões. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 38. 2 FOLMANN, Melissa. Sigilo Bancário e Fiscal: à luz da LC 105/2001 e Decreto 3.724/2001. Curitiba: Juruá, 2001, p. 21. 3 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p .453. 4 DANTAS, David Diniz. O Sigilo Bancário e o Conflito entre Princípios Constitucionais. In: PIZOLIO, Reinaldo & Gavaldão Jr., Jayr Viégas (coord.). Sigilo Fiscal e Bancário. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2005, p. 317. 5 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 13. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 03. 6 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 34-35.

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Os princípios abrigam valores que, muitas vezes, são antagônicos,

especialmente numa ordem jurídica pluralista, como a nossa. A colisão entre

princípios não é somente uma recorrente possibilidade, mas uma decorrência lógica

do sistema7.

Quando há colisão de princípios é admitida a ponderação. Contudo,

só será realizada no caso concreto. Nenhum dos princípios envolvidos irá perder

força total diante de outro8.

Segundo Ferraz 9 , todo princípio goza de igual valor e somente

diante do caso concreto deve haver uma ponderação dos princípios envolvidos.

No caso do sigilo bancário, existem situações em que o interesse

público irá se confrontar com o direito à privacidade10, o que será exposto ao longo

do trabalho.

A seguir serão apresentados os princípios que têm relação em

algum momento com a quebra do sigilo bancário.

1.1. Princípio constitucional da proteção do sigilo dos dados

O artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal de 1988 dispõe da

inviolabilidade do sigilo de dados:

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal11.

7 FERRAZ, Sérgio Valladão. Curso de direito constitucional: teoria, jurisprudência e 1.000 questões. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 39. 8 BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Sigilo bancário e privacidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005, p. 44. 9 FERRAZ, Sérgio Valladão. Curso de direito constitucional: teoria, jurisprudência e 1.000 questões. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, pp. 39-40. 10 DANTAS, David Diniz. O Sigilo Bancário e o Conflito entre Princípios Constitucionais. In: PIZOLIO, Reinaldo & Gavaldão Jr., Jayr Viégas (coord.). Sigilo Fiscal e Bancário. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2005, p. 318. 11 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, Distrito Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>.

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Todas as hipóteses mencionadas no artigo acima necessitam de

autorização judicial para a quebra de sigilo. Esta autorização é necessária, pois há

uma restrição de direitos fundamentais.12

Apesar do sigilo bancário envolver dados sigilosos em poder da

instituição financeira, sua quebra atinge uma parcela do direito à intimidade e da

vida privada. E, o Supremo Tribunal Federal, por seu turno, tem entendido que o

sigilo bancário está inserido na proteção constitucional da intimidade e não da

proteção de sigilo de dados13 . Até mesmo porque, se fosse enquadrado como

proteção do sigilo de dados, não haveria possibilidade de ser admitida a quebra sem

a autorização judicial.

1.2. Princípio da intimidade e da vida privada

Trata-se do direito à privacidade. Consiste na faculdade que cada

indivíduo possui de manter uma esfera de sua existência fora das vistas da

comunidade e da intromissão indevida do público, correspondendo ao direito de ser

deixado em paz e de estar só14.

A previsão ao direito à intimidade e a vida privada visa à defesa da

privacidade, tendo recebido proteção pela Constituição Federal em diversas

passagens, seja como restrição à publicidade dos atos processuais, seja como limite

à liberdade de comunicação social15.

O direito à privacidade ou à vida privada é o gênero, sendo seus

desdobramentos: inviolabilidade de dados (bancários, fiscais e telefônicos),

12 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 311. 13 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, pp. 312-313. 14 HOLTHE, Leo Van. Direito Constitucional. 6. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora Jus Podivm, 2010, p. 366. 15 HOLTHE, Leo Van. Direito Constitucional. 6. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora Jus Podivm, 2010, p. 367.

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inviolabilidade domiciliar, sigilo das correspondências e das comunicações

telefônicas, segredo profissional16.

O direito à intimidade possui menor amplitude que o direito à vida

privada. Moraes os diferencia esclarecendo que “intimidade relaciona-se às relações

subjetivas e de trato íntimo da pessoa, enquanto vida privada envolve todos os

demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações

comerciais”17.

De acordo com o ministro Ayres Britto, a intimidade se refere ao

indivíduo consigo mesmo, por exemplo, redigindo seu diário, enquanto a privacidade

é o relacionamento no âmbito menor de pessoa, como a troca de e-mails. Sendo,

deste modo, a vida privada mais ampla no sentido de envolver várias relações entre

os indivíduos18.

O Supremo Tribunal Federal - STF e o Superior Tribunal de Justiça -

STJ já pacificaram que o sigilo dos dados bancários, fiscais e telefônicos de uma

pessoa fazem parte de sua privacidade, contando com a proteção constitucional do

artigo 5º, inciso X, Constituição Federal19. Este inciso, garante a inviolabilidade

(aparentemente absoluta) da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das

pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral

decorrente de sua violação20. Verifica-se no referido dispositivo que a Constituição

dispõe de norma expressa em relação à proteção da privacidade21.

16 HOLTHE, Leo Van. Direito Constitucional. 6. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora Jus Podivm, 2010, p. 368. 17 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003, pp. 79-81. 18 Voto do Ministro Ayres Britto no RE 389808/PR, Relator: Min. Marco Aurélio. 19 HOLTHE, Leo Van. Direito Constitucional. 6. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora Jus Podivm, 2010, p. 369. 20 HOLTHE, Leo Van. Direito Constitucional. 6. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora Jus Podivm, 2010, p. 367. 21 SOUZA, Diego Fajardo Maranha Leão de & LEITE, Rosimeire Ventura. O sigilo no processo criminal e o interesse público à informação. In: Sigilo no processo penal: eficiência e garantismo. Coordenação Antônio Scarance Fernandes, José Raul Gavião de Almeida, Maurício Zanoide de Moraes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, pp. 203-238.

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X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação22.

Uma afronta ao princípio da intimidade pode ser ilustrado pela

divulgação de um extrato bancário de uma determinada pessoa sem sua

autorização, revelando de forma indevida sua vida, seus comportamentos, suas

preferências, expondo sua intimidade23.

1.3. Princípio da capacidade contributiva

O artigo 145, §1º, da Constituição Federal, é considerado pela

administração tributária uma exceção ao direito à intimidade. Eis a transcrição:

Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte (grifo nosso)24.

A Receita Federal não considera quebra de sigilo bancário a

transferência de informações aos seus agentes, mas tão somente uma fiscalização

inerente ao exercício de sua função que, de qualquer forma, deve resguardar o

segredo. Por outro lado, com o intuito de cumprir com o seu dever, pode o Fisco não

observar o inteiro teor do artigo acima referenciado, que expressamente dispõe

sobre a garantia dos direitos individuais25.

No entanto, este princípio tem relação direta de dependência com o

poder de fiscalização do Estado, uma vez que é sua incumbência verificar a

legalidade e legitimidade dos atos praticados pelos particulares26.

22 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, Distrito Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. 23 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 1129. 24 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, Distrito Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. 25 BELLOQUE, Juliana Garcia. Sigilo bancário: análise crítica da LC 105/2001. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, pp. 128-129. 26 FOLMANN, Melissa. Sigilo Bancário e Fiscal: à luz da LC 105/2001 e Decreto 3.724/2001. Curitiba: Juruá, 2001, p. 71.

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1.4. Princípio da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade não está expressamente disposto

na Constituição Federal de 1988, diferentemente de como ocorre em outros países,

como Portugal, por exemplo.27

O princípio da proporcionalidade, em um de seus aspectos, proíbe o

Estado, na função de acusador, de praticar qualquer excesso em suas atividades.

Se por um lado cabe ao Estado combater as infrações penais, por outro lado, não

deve restringir demasiadamente os direitos fundamentais.28

Primitivamente, o princípio em questão é considerado uma medida

para as restrições administrativas da liberdade individual. Atualmente, é também

conhecido como o “princípio da proibição de excesso”29.

Este princípio tem aplicação em vários campos do direito. Contudo,

uma de suas aplicações mais importantes é na área da restrição dos direitos,

liberdades e garantias dos indivíduos por parte do Poder Público30.

Na busca da autoria de crimes de colarinho branco, por exemplo,

para que o excesso não ocorra, a quebra de sigilo (medida que pode ser adotada)

não deve ser desproporcional ao fim desejado31.

A aplicação deste princípio demanda a ponderação de princípios

constitucionais que aparentemente são contraditórios. Todavia, somente na análise

do caso concreto identificar-se-á quais dentre eles irão prevalecer32.

27 BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Sigilo bancário e privacidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005, p. 49. 28 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 59-61. 29 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2000, pp. 266-267. 30 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra: Almedina, 2000, pp. 270-272. 31 FOLMANN, Melissa. Sigilo Bancário e Fiscal: à luz da LC 105/2001 e Decreto 3.724/2001. Curitiba: Juruá, 2001, p. 114. 32 BELLOQUE, Juliana Garcia. Sigilo bancário: análise crítica da LC 105/2001. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, pp. 107-109.

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A proporcionalidade para ser aplicada deve atender três

subprincípios, conhecido como teste alemão: adequação, necessidade e

proporcionalidade em sentido estrito, sendo que todos devem ser observados no

momento da aplicação. A adequação é a medida apta a alcançar o fim pretendido. A

necessidade é que a ação a ser tomada deve ser menos gravosa possível, ou seja,

quando não há outro meio menos gravoso para atingir o objetivo. A

proporcionalidade, por sua vez, é a ponderação dos interesses.33

1.5. Princípio da vedação das provas ilícitas

A Constituição Federal dispõe sobre proteções e reconhecimentos

de direitos fundamentais, e, um deles, é sem dúvida o princípio da inadmissibilidade

das provas obtidas ilicitamente.34

A vedação das provas ilícitas, disposto no artigo 5º, inciso LVI, da

Constituição Federal, protege o cidadão, tendo em vista que a busca pela verdade

real encontra limites em direitos e garantias fundamentais previstas na

ordenamento.35

LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos36.

Esta vedação age no controle da regularidade na fase da instrução

probatória, inibindo e desestimulando a prática de medidas ilícitas por parte daquele

que tem a incumbência da produção das provas.37

Do mesmo modo, é uma vedação para que os julgadores adotem

como elementos de convencimento provas obtidas por meios considerados ilícitos.38

33 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 61-62. 34 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, pp. 41-42. 35 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 49. 36 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, Distrito Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. 37 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 303.

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Segundo Oliveira, “a vedação das provas ilícitas tem por destinatário

imediato a proteção do direito à intimidade, à privacidade, à imagem, sendo estes os

mais atingidos durante as diligencias investigatórias”.39

1.6. Princípio da dignidade da pessoa humana

A Constituição Federal consagrou em vários dispositivos ao longo do

texto o princípio da dignidade da pessoa humana. É considerado fundamento do

Estado brasileiro, expresso no artigo 1º da Carta Magna, que tem como valor jurídico

o de maior hierarquia axiológica do nosso ordenamento constitucional.40

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político (grifo nosso)41.

Porém, a doutrina e a jurisprudência não admitem hierarquia jurídica

no interior do texto constitucional, o que não impede a prevalência de alguns

princípios contidos na Constituição Federal em relação a outros, como os valores

vida e propriedade, sendo que há primazia ao menos em abstrato, do primeiro42.

Podemos verificar que o Estado, excepcionalmente, pode impor

limitação aos exercício dos direitos fundamentais, mas não poderá “menosprezar a

necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos”.

Porquanto, o Estado deve agir conforme a lei e o indivíduo não pode se utilizar desta

para fins ilícitos43.

38 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 49. 39 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 303. 40 HOLTHE, Leo Van. Direito Constitucional. 6. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora Jus Podivm, 2010, p. 89. 41 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, Distrito Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. 42 HOLTHE, Leo Van. Direito Constitucional. 6. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora Jus Podivm, 2010, pp. 89-91. 43 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 50-61.

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De qualquer modo, não resta dúvida que a atuação dos poderes

públicos deve ter como finalidade precípua respeitar a dignidade da pessoa

humana44.

A proteção da dignidade da pessoa humana parte do pressuposto

de que o homem, em virtude tão somente de sua condição humana e independente

de qualquer outra circunstância, é titular de direitos que devem ser reconhecidos e

respeitados por seus semelhantes e pelo Estado45.

A dignidade da pessoa humana é sem dúvida um princípio

fundamental e, como tal, deve ser harmonizado com os demais princípios

constitucionais, apesar de sua inquestionável supremacia valorativa. Com isso,

evidencia-se que o princípio da dignidade da pessoa humana não é absoluto, assim

como qualquer direito e garantia fundamental, devendo necessariamente ser

relativizado e submetido a um juízo de ponderação no caso concreto46.

1.7. Princípio do devido processo legal

Além da observância do princípio da dignidade humana, a

Constituição Federal, no artigo 5º, inciso LIV, estabeleceu que “ninguém será

privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Isto significa

que todas as formalidades previstas em lei devem ser respeitadas quando se

pretende restringir a liberdade ou privar alguém de seus bens47.

O devido processo legal se divide em dois aspectos: material e

formal. O aspecto material se refere a garantias fundamentais dos indivíduos, que

protege o cidadão contra a atividade estatal arbitrária e desproporcional. Já o devido

44 HOLTHE, Leo Van. Direito Constitucional. 6. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora Jus Podivm, 2010, p. 89. 45 HOLTHE, Leo Van. Direito Constitucional. 6. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora Jus Podivm, 2010, p. 90. 46 HOLTHE, Leo Van. Direito Constitucional. 6. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora Jus Podivm, 2010, p. 91. 47 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 13. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 03.

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processo legal formal tem relação com as garantias processuais, conferidas às

partes no âmbito do processo. 48

Apesar da processo penal buscar a verdade real, não pode, para

tanto, violar procedimentos delineados em lei. Quando o ordenamento jurídico, por

exemplo, veta as provas obtidas por meio ilícito, está observando uma garantia

fundamental inerente ao devido processo legal49. Da mesma forma, não é admissível

a prova ilícita por derivação, na qual o juiz para descobrir as informações faz

emprego de meios ilícitos50.

1.8. Princípio da legalidade

A Constituição Federal dispõe no artigo 5º, inciso II, sobre o princípio

genérico da legalidade, que visa combater o poder arbitrário por parte do Estado,

uma vez que está restrito às leis. Qualquer obrigação que se estabeleça com um

administrado, a lei deve ser observada51.

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei52.

No âmbito da Administração Pública significa dizer que esta só está

autorizada a fazer aquilo que a lei permite53.

No campo da persecução penal, os órgãos não possuem poderes

discricionários e ilimitados para determinar quaisquer meios de prova que desejarem

para atingirem seus objetivos54. É o caso da quebra de sigilo, uma vez que a Receita

Federal pode considerar indispensável a medida de afastamento do sigilo para

48 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 39-40. 49 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 13. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 04-12. 50 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 27-28. 51 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2003, pp. 41-44. 52 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, Distrito Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. 53 DANTAS, David Diniz. O Sigilo Bancário e o Conflito entre Princípios Constitucionais. In: PIZOLIO, Reinaldo & Gavaldão Jr., Jayr Viégas (coord.). Sigilo Fiscal e Bancário. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2005, p. 343. 54 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 15. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 29.

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determinar a autoria do delito, apesar desta medida não ser proporcional no caso

concreto.

1.9. Princípio da publicidade

O princípio da publicidade tem como finalidade proporcionar ampla

defesa e transparecer a justiça. A ampla defesa se refere à possiblidade do

envolvido ter acesso aos autos e direito de participação em todas as audiências do

processo. Mas, pode haver restrição em casos de tutela do interesse público ou para

proteção do direito à intimidade55.

Em relação à publicidade dos atos administrativos, como os

realizados pela Receita Federal, há previsão legal na Constituição Federal, no artigo

37, caput:

A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (grifo nosso)56.

Desse modo, é obrigatório que todos os atos em que há o

envolvimento da Administração Pública, em razão da sua atividade, devem ser

levados ao conhecimento da população, para que haja uma maior transparência

possível com o intuito de atingir os fins pretendidos pelo Estado57.

Todavia, a publicidade dos atos processuais possui restrição.

Excepcionalmente, para a proteção de direitos constitucionais, como, por exemplo, o

direito à intimidade, pode haver uma limitação à publicidade58.

55 BELLOQUE, Juliana Garcia. Sigilo bancário: análise crítica da LC 105/2001. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 104. 56 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, Distrito Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. 57 FOLMANN, Melissa. Sigilo Bancário e Fiscal: à luz da LC 105/2001 e Decreto 3.724/2001. Curitiba: Juruá, 2001, pp. 72-73. 58 SOUZA, Diego Fajardo Maranha Leão de & LEITE, Rosimeire Ventura. O sigilo no processo criminal e o interesse público à informação. FERNANDES, Antônio Scarance, José Raul Gavião de Almeida & Maurício Zanoide de Moraes (coordenadores). Sigilo no processo penal: eficiência e garantismo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, pp. 203-238.

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1.10. Princípio do contraditório e da ampla defesa

Os princípios do contraditório e da ampla defesa encontra

fundamental legal no inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal:

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (grifo nosso)59.

O contraditório e da ampla defesa são a regra no ordenamento

jurídico brasileiro. Contudo, na fase inquisitorial, estes princípios não prevalecem.

Com isso, é permitido a quebra do sigilo sem a oitiva do investigado60.

O contraditório se divide em real e diferido. O real é aquele se

efetiva no tempo da produção probatório, enquanto que o diferido é posterior à

produção das provas. Em casos em que não é possível a efetivação do contraditório

real, em razão da natureza do procedimento (inquérito policial) ou pela natureza da

prova (interceptação telefônica), deve ser assegurado às partes o contraditório

diferido, em respeito ao artigo citado acima61.

1.11. Princípio da presunção de inocência

É também chamado de princípio da não-culpabilidade ou do estado

de inocência. O fundamental legal está disposto no inciso LVII do artigo 5º da

Constituição Federal:

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória62.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, nos artigos XI e XII,

trata do princípio em questão. Estabelece que até que fique legalmente provada a

culpabilidade em processo transitado em julgado, é assegurado ao acusado o direito

59 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, Distrito Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. 60 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003, pp. 92-93. 61 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 42-43. 62 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, Distrito Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>.

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à ampla defesa e ao contraditório, como garantias indispensáveis, bem como a

proteção individual da intimidade e da correspondência, dentre outros.

Artigo XI 1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. 2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

Artigo XII Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques63.

Assim sendo, é cediço que não é o acusado que tem que provar que

é inocente, e sim o Estado, com o poder punitivo, que tem o ônus de provar a culpa

do indivíduo, demonstrando a materialidade do delito e a prova a existência do

fato64.

1.12. Princípio da reserva de jurisdição

A chamada reserva constitucional de jurisdição é um postulado no

sentido da submissão de determinadas decisões ao âmbito exclusivo de ação dos

magistrados. Vários juristas inserem o conhecimento de informações bancárias ou

financeiras na referida reserva constitucional. Tal inserção, no entanto, não se

sustenta, sequer resistindo ao crivo da análise a partir do próprio texto constitucional

e do sistema jurídico por ele inaugurado65.

63 Declaração Universal dos Direitos Humanos. Dezembro de 2000. Disponível em: <http://unicrio.org.br/img/DeclU_D_HumanosVersoInternet.pdf>.Acesso em 02 de dezembro de 2010. 64 WADDINGTON, Izabela Bezerra Gomes. Direito à privacidade face a quebra de sigilo nos crimes do “colarinho branco”.�Disponível em <http://www.ambito-jurídico.com.br/site/index.php?n_link= revista_artigos _leitura & artigo_id = 6073>. Acesso em 12 de fevereiro de 2011. 65 CASTRO, Aldemário Araújo. A constitucionalidade da transferência do sigilo bancário para o Fisco preconizada pela Lei Complementar n 105/2001. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br/sis _ artigos/artigos.asp?codigo=15>. Acesso em 05 de dezembro de 2010.

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É um tema pouco explorado pela doutrina. Seu significado se vincula

à ideia de que algumas determinadas matérias devem passar pelo crivo do Poder

Judiciário antes de qualquer medida ser deferida66.

Como bem definido por Quezado e Lima, “o princípio não significa

(reserva de) jurisdição, mas reserva de determinadas matérias à primeira palavra,

também, do Poder Judiciário”67.

Segundo Silva e Leite, não há na Constituição Federal de 1988 a

quebra de sigilo bancário presente na disposição da reserva de jurisdição. Para

tanto. a atuação não é exclusiva das autoridades judiciárias68.

A Constituição Federal (artigo 5o, inciso XXXV) dispõe que o Poder

Judiciário será competente para apreciar ameaças e lesões a direitos. Em casos de

prováveis lesões ou elas já tendo ocorridas, o juiz deverá apreciar o caso.

Entretanto, em relação a algumas matérias, a Carta Magna estabeleceu

expressamente ser necessária a autorização judicial prévia, devido a relevância dos

bens jurídicos abrangidos. Exemplo: busca domiciliar, interceptação de

comunicações telefônicas. Em relação as informações bancárias do contribuinte, o

constituinte julgou não ser necessária a autorização judicial prévia a realização do

ato. Ao contrário, a Constituição foi explícita em viabilizar o acesso do Fisco ao

patrimônio, aos rendimentos e às atividades econômicas do contribuinte (artigo 145,

§1o) quando houver justa causa.69

A hipótese de reserva de jurisdição pressupõe expressa previsão no

texto constitucional para ser imposta, não havendo esta explicitação na Constituição

sobre o sigilo bancário.

66 SILVA, Danielle Souza de Andrade e & Rosimeire Ventura Leite. O sigilo financeiro, os direitos à vida privada e à intimidade e a produção da prova criminal. In: Sigilo no processo penal: eficiência e garantismo. FERNANDES, Antônio Scarance, José Raul Gavião de Almeida e Maurício Zanóide de Moraes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, pp. 161-162. 67 QUEZADO, Paulo e Rogério Lima. Sigilo Bancário. São Paulo: Dialética, 2002, p. 56. 68 SILVA, Danielle Souza de Andrade e & Rosimeire Ventura Leite. O sigilo financeiro, os direitos à vida privada e à intimidade e a produção da prova criminal. In: Sigilo no processo penal: eficiência e garantismo. FERNANDES, Antônio Scarance, José Raul Gavião de Almeida e Maurício Zanóide de Moraes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 162. 69 CASTRO, Aldemário Araújo. A constitucionalidade da transferência do sigilo bancário para o Fisco preconizada pela Lei Complementar n 105/2001. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br/sis _ artigos/artigos.asp?codigo=15> Acesso em 16 de novembro de 2010.

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2. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO

2.1. Conceito e finalidade

O conceito de sigilo é frequentemente utilizado como sinônimo de

segredo. Entretanto, possuem definições e significados diversos. Segredo é aquilo

que não se pode, não se quer ou não se deve revelar. Já o sigilo é o dever de não

revelar o fato de que se tem conhecimento, ou seja, segredo que não se deve

violar70.

De acordo com o dicionário Houaiss, sigilo é “o que permanece

escondido da vista ou do conhecimento. Coisa ou notícia que não se pode revelar ou

divulgar. Silêncio ou discrição sobre algo que nos foi revelado”71.

Em relação ao sigilo bancário, Covello define como sendo a

“obrigação que têm os bancos de não revelar, salvo justa causa, as informações que

venham a obter em virtude de sua atividade profissional”72.

Segundo Valente, o sigilo bancário é a obrigação imposta aos

bancos de não revelar a terceiros, sem motivo justificado, os dados de seus clientes

bem como as operações que estes realizam73.

A norma que trata do sigilo bancário visa coibir a divulgação de

dados de clientes de que o Banco tenha tomado conhecimento em razão de seu

ofício, preservando a intimidade dos indivíduos74.

É imprescindível expor a natureza jurídica do instituto, tendo em

vista a necessidade de saber quem são os sujeitos envolvidos.

70 BELLOQUE, Juliana Garcia. Sigilo bancário: análise crítica da LC 105/2001. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, pp. 56-57. 71 Minidicionário Houaiss da língua portuguesa. 2 ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004, p. 680. 72 COVELLO, Sérgio Carlos. O Sigilo Bancário, com particular enfoque na tutela civil. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito, 2001, p. 86. 73 VALENTE, Christiano Mendes Wolney. Sigilo Bancário: obtenção de informações pela Administração Tributária Federal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 95 74 COVELLO, Sérgio Carlos. O Sigilo Bancário, com particular enfoque na tutela civil. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito, 2001, pp. 102-103.

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2.2. Natureza jurídica do sigilo bancário

Os elementos que compõem o sigilo bancário como relação

obrigacional são: sujeito passivo, sujeito ativo e o objeto75.

É preciso saber quem está obrigado a conservar o sigilo das

informações que as detêm. É chamado sujeito passivo da relação aquele que está

obrigado a conservar o sigilo. As instituições bancárias em sentido estrito, bem como

as instituições financeiras em geral, que são subordinadas à Lei que regula o

Sistema Financeiro Nacional, podem ser considerados sujeitos passivos. Todas elas

desempenham atividade bancária, apesar de não serem classificadas como banco

em sentido estrito. Exemplo: Bolsa de Valores, sociedades corretoras de valores

mobiliários e agentes autônomos de investimentos76.

É necessário saber quem são o sujeito ativo e passivo na relação

obrigacional, tendo em vista que o sigilo bancário visa resguardar o cliente e o

banco. O cliente em relação aos seus dados e a instituição financeira no que se

refere a manutenção da sua clientela77.

Quanto ao sujeito ativo, a maior parte dos doutrinadores consideram

ser o cliente. Contudo, deve ficar claro que o dever de sigilo não mantido somente

na relação cliente/Banco, mas também entre aqueles que eventualmente realizam

qualquer atividade com a instituição financeira78.

Entretanto, há doutrinador que defende que o sujeito ativo na

relação obrigacional é apenas aquele cliente que realiza habitualmente negócios

75 ROQUE, Maria José Oliveira Lima. Sigilo Bancário e Direito à Intimidade. Curitiba: Juruá, 2001, p. 85. 76 COVELLO, Sérgio Carlos. O Sigilo Bancário, com particular enfoque na tutela civil. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito, 2001, pp. 92-93. 77 FOLMANN, Melissa. Sigilo Bancário e Fiscal: à luz da LC 105/2001 e Decreto 3.724/2001. Curitiba: Juruá, 2001, p. 82. 78 COVELLO, Sérgio Carlos. O Sigilo Bancário, com particular enfoque na tutela civil. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito, 2001, pp. 96-100.

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bancários, não se enquadrando aquele que realiza uma transação isolada, não

vinculando o Banco ao sigilo79.

É evidente que o negócio realizado entre a instituição bancária e o

cliente, por mais que seja único, envolve confiança. E, mesmo que a operação não

se consume, permanece a obrigação de sigilo do Banco em relação aos dados do

indivíduo que teve conhecimento no momento da negociação.80

Quanto às informações que são abarcadas pelo sigilo bancário, não

há consenso na doutrina, variando a amplitude dos dados que são abrangidos81.

Neste sentido, não há divergência de que o objeto imediato do sigilo

bancário é a abstenção da divulgação por parte do Banco das informações que

obtém em razão de sua atividade profissional. E, por outro lado, o objeto mediato

são as operações bancárias e os serviços inerentes à função bancária82.

O sigilo bancário não se restringe aos dados pessoais. Também são

acobertados a operação bancária ativa, como os empréstimos, financiamento,

abertura de crédito, e a operação bancária passiva, como o depósito, conta corrente.

E, por mais que não se efetive um serviço, por exemplo, a negação de empréstimo

bancário, estes dados colhidos para consulta são sigilosos83.

O sujeito ativo tem como objetivo a abstenção da divulgação de

suas informações, com o intuito de que terceiros tomem conhecimento dos dados

captados pela instituição financeira, no exercício de sua atividade professional. Por

79 COVELLO, Sérgio Carlos. O Sigilo Bancário, com particular enfoque na tutela civil. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito, 2001, pp. 96-100. 80 COVELLO, Sérgio Carlos. O Sigilo Bancário, com particular enfoque na tutela civil. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito, 2001, pp. 100-101. 81 BELLOQUE, Juliana Garcia. Sigilo bancário: análise crítica da LC 105/2001. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 69. 82 COVELLO, Sérgio Carlos. O Sigilo Bancário, com particular enfoque na tutela civil. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito, 2001, pp. 106-109. 83 VALENTE, Christiano Mendes Wolney. Sigilo Bancário: obtenção de informações pela Administração Tributária Federal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 96

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outro lado, o sujeito passivo é o que detém as informações e não deve disseminar o

que sabe, devendo guardar o devido sigilo.84

O sigilo bancário encontra previsão na Constituição Federal, como

se verá a seguir. As obrigações e delimitações previstas no texto constitucional

devem observadas pelos sujeitos ativos e passivos envolvidos na relação

obrigacional.

2.3. Sigilo bancário à luz da Constituição Federal de 1988

O sigilo bancário envolve vários princípios de importância

inquestionável, tais como o sigilo de dados e o da intimidade. Todos os três estão

inseridos, ainda que implicitamente, na Constituição Federal de 1988.

O sigilo bancário não foi uma novidade introduzida pela Constituição

Federal de 1988, tendo em vista que a Lei nº 556, de 25 de junho de 185085, trouxe

a proibição expressa da revelação pelos banqueiros de dados de seus clientes a

qualquer autoridade e sob qualquer fundamento, por mais necessário que fosse:

Art. 17. Nenhuma autoridade, juízo ou tribunal, debaixo de pretexto algum, por mais especioso que seja, pode praticar ou ordenar alguma diligência para examinar se o comerciante arruma ou não devidamente seus livros de escrituração mercantil, ou neles tem cometido algum vício.

O Supremo Tribunal Federal, contudo, viu a necessidade de afastar

o caráter absoluto da regra de proibição. Assim, criou duas súmulas na qual admitia

a exibição de livros comerciais como medida preventiva a ser requerida e ainda que

estão sujeitos à fiscalização tributária ou previdenciária, quaisquer livros comerciais,

limitando o exame aos pontos objeto da investigação, conforme orienta as súmulas

39086 e 43987.

84 COVELLO, Sérgio Carlos. O Sigilo Bancário, com particular enfoque na tutela civil. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito, 2001, p. 89. 85 Lei nº 556, de 25 de junho de 1850– Código Comercial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/L0556-1850.htm> Acesso em 03 de novembro de 2011. 86 Súmula 390 do STF: A exibição judicial de livros comerciais pode ser requerida como medida preventiva. 87 Súmula 439 do STF: Estão sujeitos à fiscalização tributária ou previdenciária, quaisquer livros comerciais, limitado o exame aos pontos objeto da investigação.

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Posteriormente, a Constituição Federal de 1988 não trouxe de

maneira expressa o termo sigilo bancário88. Mas, demonstrou ao longo dos artigos,

extremo cuidado com o direito à intimidade e à privacidade, sendo estes conexos à

garantia fundamental do sigilo bancário. Diante disto, este deverá ser analisado

como um direito constitucional preconizado no artigo 5º, inciso XII, da Carta Magna,

em especial o conteúdo dos artigos 5º e 6º da Lei Complementar nº 105/200189.

Resta claro que o sigilo resulta da proteção à intimidade e à vida

privada dos indivíduos combinada com a garantia do sigilo de dados90.

De acordo com a concepção atual, o direito ao sigilo está baseado

nos direitos à intimidade, à liberdade e à privacidade91.

A garantia do sigilo de dados estáticos, como o bancário, é uma

norma constitucional recente, introduzida na Constituição Federal de 1988. E, esta

inviolabilidade trazida no texto constitucional complementa a previsão ao direito à

intimidade e à vida privada92.

Não resta dúvida de que a proteção à privacidade humana engloba

as informações fiscais e bancárias dos indivíduos em posse do Poder Público, uma

vez que constituem parte da vida privada da pessoa e merecem, portanto, o devido

sigilo93.

O Supremo Tribunal Federal e a jurisprudência de diversos tribunais

fazem silogismo do sigilo bancário com os princípios da intimidade e da vida privada,

88 QUEZADO, Paulo e Rogério Lima. Sigilo Bancário. São Paulo: Dialética, 2002, p. 32. 89 VALENTE, Christiano Mendes Wolney. Sigilo Bancário: obtenção de informações pela Administração Tributária Federal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, pp. 97-106. 90 SILVA, Danielle Souza de Andrade e & Rosimeire Ventura Leite. O sigilo financeiro, os direitos à vida privada e à intimidade e a produção da prova criminal. In: Sigilo no processo penal: eficiência e garantismo. FERNANDES, Antônio Scarance, José Raul Gavião de Almeida e Maurício Zanóide de Moraes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 144. 91 FOLMANN, Melissa. Sigilo Bancário e Fiscal: à luz da LC 105/2001 e Decreto 3.724/2001. Curitiba: Juruá, 2001, p. 48. 92 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2003, pp. 69-78. 93 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2003, pp. 69-78.

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e, alertam que a quebra do sigilo se sujeita à uma prévia autorização do Poder

Judiciário, em razão da reserva de jurisdição94.

Sendo assim, os sigilos bancário e fiscal são consagrados como

direitos individuais constitucionalmente protegidos e, para o afastamento do sigilo é

indispensável motivo relevante, como, por exemplo, suspeita de atos ilícitos por

parte dos correntistas95.

No entanto, deve ser analisado até que ponto o Estado pode invadir

a esfera privada das pessoas para conhecer de seus negócios no interesse público

de coibir ilícitos, como no caso da Lei Complementar nº 105/2001. No caso da

quebra dos sigilos bancário e fiscal, a doutrina tenta estabelecer qual limite da ação

fiscalizadora em face dos princípios da intimidade e da vida privada96.

O limite a ser definido é subjetivo. Porém, o que se sabe é que

nenhum direito fundamental é absoluto. Portanto, se o sigilo estiver sendo utilizado

para acobertar a prática de crimes, a investigação dos dados será possível97. O

julgado do Mandado de Segurança nº 23.452/RJ do Supremo Tribunal Federal

confirma a tese de que não existe direito ou garantia que seja revestido de caráter

absoluto. Este julgado se refere à uma Comissão Parlamentar de Inquérito que

ordenou, por autoridade própria, a quebra de sigilo bancário98:

“Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitadas os termos estabelecidos pela própria Constituição” (grifo nosso).

94 BARBEITAS, André Terrigno. O sigilo bancário e a necessidade da ponderação dos interesses. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, pp. 19-23. 95 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2003, pp. 69-78. 96 FERRAZ, Sérgio Valladão. Curso de direito constitucional: teoria, jurisprudência e 1.000 questões. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 87. 97 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 60. 98 MS 23452, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 16/09/1999, DJ 12-05-2000. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=85966> Acesso em: 23 de janeiro de 2011.

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O sigilo bancário admite exceções, assim como qualquer direito ou

garantia. Logo, surgirão casos em que os bancos deverão fornecer os dados de

seus clientes diante de situações concretas99.

É evidente que o sigilo não detém caráter absoluto diante da

apuração de infrações penais. Mas, para que seja relativizado, deve estar dentro das

hipóteses legais e observado o devido processo legal100.

Neste sentido, um julgado da Sétima Turma do Tribunal Regional

Federal da 1ª Região:

[...] 1. Na dicção do Supremo Tribunal Federal, o direito ao sigilo bancário insculpido no art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal, não tem caráter absoluto, pois deve ceder diante dos interesses público, social e da Justiça [...]. O poder de investigação do Estado é dirigido a coibir atividades afrontosas à ordem jurídica e a garantia do sigilo bancário não se estende às atividades ilícitas [...] (AMS 0037490-37.2004.4.01.3400/DF, Relator Desembargador Federal Reynaldo Fonseca, Sétima Turma, e-DJF1 p.287 de 28/05/2010) (grifo nosso).

2.4. Requisitos

Especificamente em relação à Lei Complementar nº 105/2001, os

requisitos a serem observados estão dispostos no artigo 6º:

Art. 6º. As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. (grifo nosso)

Depreendesse que as condições são cumulativas, quais sejam101:

(a) existência de processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso

99 VALENTE, Christiano Mendes Wolney. Sigilo Bancário: obtenção de informações pela Administração Tributária Federal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, pp. 96-97 100 BELLOQUE, Juliana Garcia. Sigilo bancário: análise crítica da LC 105/2001. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, pp. 73-74. 101 GIANNETTI, Francesco. O Sigilo Bancário em face do atual Ordenamento Jurídico Brasileiro. In: PIZOLIO, Reinaldo & Gavaldão Jr., Jayr Viégas (coord.). Sigilo Fiscal e Bancário. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2005, pp. 439-440.

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e (b) os exames dos documentos financeiros a serem examinados devem ser

considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

A ordem de quebra de sigilo, uma vez indispensável, deve se atentar

para outras minúcias. Em relação ao sujeito investigado, este deverá ser identificado

e qualificado, para que não haja uma devassa descontrolada sem qualquer motivo

justificável102.

Além disso, deve haver uma base concreta de indícios de

materialidade e autoria do fato a ser investigado, para que se reconhecida a causa

provável, no qual restará demonstrada a necessidade da medida de afastamento de

sigilo103.

O capítulo seguinte, ao tratar da Lei Complementar nº 105/2001, irá

tratar de forma detalhada os requisitos a serem observados para a quebra de sigilo

bancário em investigação criminal.

102 BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Sigilo bancário e privacidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005, p. 120. 103 BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Sigilo bancário e privacidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005, p. 121.

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3. (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO PELOS AGENTES FISCAIS – RECEITA FEDERAL

As Leis tratadas a seguir se referem à relatividade do sigilo bancário.

Estas normas autorizam a quebra de sigilo de informações se observados

determinados requisitos, principalmente quando estiverem envolvidos crimes contra

a ordem tributária e financeira. Será analisado até que ponto se justifica ou é

legítima a violação dos direitos à privacidade e da intimidade e do princípio da

presunção de inocência.

3.1. Lei nº 4.595/1964

A Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, dada como a Lei do

Sistema Financeiro Nacional, recepcionada como Lei Complementar em

complemento ao disposto no artigo 192 da Constituição Federal de 1988104, dispõe

no artigo 38 sobre o dever de sigilo por parte das instituições financeiras em relação

as operações ativas e passivas que realiza, bem como as respectivas exceções,

contidas nos parágrafos:

Art. 38. As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados. §1º. As informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder Judiciário, prestados pelo Banco Central da República do Brasil ou pelas instituições financeiras, e a exibição de livros e documentos em Juízo, se revestirão sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a eles ter acesso as partes legítimas na causa, que deles não poderão servir-se para fins estranhos à mesma. [...] § 5º Os agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos Estados somente poderão proceder a exames de documentos, livros e registros de contas de depósitos, quando houver processo instaurado e os mesmos forem considerados indispensáveis pela autoridade competente.� § 6º O disposto no parágrafo anterior se aplica igualmente à prestação de esclarecimentos e informes pelas instituições financeiras às autoridades fiscais, devendo sempre estas e os exames serem conservados em sigilo, não podendo ser utilizados senão reservadamente. (grifo nosso)

De maneira equivocada, o artigo leva a compreensão de que

somente serão conservados em sigilo as operações efetivamente consumadas. 104 Artigo 192 da Constituição Federal. O sistema Financeiro Nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre […].

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Porém, não foi esta a intenção ao utilizar esta expressão, mas sim, atividades

relacionadas à profissão105.

A Lei em questão, ao contrário do Código Comercial, admitia a

relativização do sigilo bancário, abrandando a severidade, permitindo que a

administração tributária tivesse acesso às informações bancárias, desde que fossem

respeitados dois requisitos: processo instaurado e os documentos a serem

analisados serem indispensáveis para a investigação.

O artigo 38, acima transcrito, não dizia qual tipo de processo deveria

estar instaurado, se era judicial ou bastava ser na seara administrativa.

Havia possiblidade de ser excepcionada em casos em que

objetivava a aquisição de informações de contribuintes que burlavam a lei. Todavia,

deveria sempre ser precedida de autorização do Poder Judiciário106.

3.2. Lei Complementar nº 105/2001

A criação da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2011, foi

reflexo de um movimento internacional que tem o intuito de flexibilizar o sigilo

bancário sem a necessidade de intermediação do Poder Judiciário. A razão que

justificaria tal medida seria o combate à lavagem de dinheiro oriundo de práticas

criminosas, dentre outros motivos. Vários países entendem neste sentido: Estados

Unidos, Espanha, França, Bélgica e Holanda107.

A Lei em questão representa uma modificação do significado do

princípio constitucional do direito à vida privada, uma vez que autoriza o Poder

Público, em situações de relevante interesse público, o afastamento do sigilo,

105 COVELLO, Sérgio Carlos. O Sigilo Bancário, com particular enfoque na tutela civil. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito, 2001, p. 87. 106 DANTAS, David Diniz. O Sigilo Bancário e o Conflito entre Princípios Constitucionais. In: PIZOLIO, Reinaldo & Gavaldão Jr., Jayr Viégas (coord.). Sigilo Fiscal e Bancário. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2005, p. 331. 107 CASTRO, Aldemário Araújo. A constitucionalidade da transferência do sigilo bancário para o Fisco preconizada pela Lei Complementar n 105/2001. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br/sis _ artigos/artigos.asp?codigo=15> Acesso em: 22 de fevereiro de 2011.

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observados determinados requisitos108. A Receita Federal, para tanto, não necessita

de prévia autorização judicial109.

É possível que o Fisco obtenha informações de contribuintes

diretamente das instituições financeiras e demais entidades a elas equiparadas pela

Lei Complementar nos casos em que houver suspeita de prática de infração

tributária110.

A Secretaria da Receita Federal divulgou dados preocupantes, tais

como111:

a) 62 pessoas físicas que declararam perante a Receita

Federal suas condições de isentas de imposto de renda

tiveram movimentação financeira anual acima de R$ 10

milhões, totalizando R$ 11,03 bilhões;

b) 139 pessoas físicas omissas perante a Receita Federal

tiveram movimentação financeira anual acima de R$ 10

milhões, totalizando R$ 28,92 bilhões;�

c) �45 pessoas jurídicas incluídas no SIMPLES (pressupõe

receita bruta anual inferior a R$ 120 mil) tiveram

movimentação financeira anual acima de R$ 100 milhões,

totalizando R$ 53,21 bilhões;�

d) 46 pessoas jurídicas que declararam perante a Receita

Federal suas condições de isentas de imposto de renda

tiveram movimentação financeira anual acima de R$ 100

milhões, totalizando R$ 18,39 bilhões;�

108 GIANNETTI, Francesco. O Sigilo Bancário em face do atual Ordenamento Jurídico Brasileiro. In: PIZOLIO, Reinaldo & Gavaldão Jr., Jayr Viégas (coord.). Sigilo Fiscal e Bancário. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2005, pp. 438-439. 109 CHIAPPINI, Carolina & Marcelo Magalhaes Peixoto. Sigilo Bancário e Fiscal no Direito Brasileiro. In: PIZOLIO, Reinaldo & Gavaldão Jr., Jayr Viégas (coord.). Sigilo Fiscal e Bancário. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2005, p. 425. 110 DANTAS, David Diniz. O Sigilo Bancário e o Conflito entre Princípios Constitucionais. In: PIZOLIO, Reinaldo & Gavaldão Jr., Jayr Viégas (coord.). Sigilo Fiscal e Bancário. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2005, p. 330. 111 CASTRO, Aldemário Araújo. A constitucionalidade da transferência do sigilo bancário para o Fisco preconizada pela Lei Complementar n 105/2001. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br/sis _ artigos/artigos.asp?codigo=15> Acesso em: 22 de fevereiro de 2011.

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e) 139 pessoas jurídicas omissas perante a Receita Federal

tiveram movimentação financeira anual acima de R$ 100

milhões, totalizando R$ 70,96 bilhões.

Por outro lado, há quem defenda que o afastamento do sigilo

bancário afronta os direitos de intimidade, da vida privada e do próprio sigilo de

dados, sendo que todos estão dispostos na Constituição (art. 5º, incisos X e XII)112.

O Fisco, ao tomar conhecimento de informações financeiras dos

contribuintes, não o faz com o objetivo de divulgá-las para terceiros. Até porque, os

agentes fiscais estão obrigados a resguardar as informações manuseadas sob pena

responsabilidade penal e administrativa, conforme dispõem os artigos 10 e 11 da LC

nº 105/2001113:

Art. 10. A quebra de sigilo, fora das hipóteses autorizadas nesta Lei Complementar, constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa, aplicando-se, no que couber, o Código Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis. Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem omitir, retardar injustificadamente ou prestar falsamente as informações requeridas nos termos desta Lei Complementar. Art. 11. O servidor público que utilizar ou viabilizar a utilização de qualquer informação obtida em decorrência da quebra de sigilo de que trata esta Lei Complementar responde pessoal e diretamente pelos danos decorrentes, sem prejuízo da responsabilidade objetiva da entidade pública, quando comprovado que o servidor agiu de acordo com orientação oficial114.

Portanto, de um lado temos a necessidade de sigilo das informações

bancárias reveladoras de intimidade e vida privada e de outro lado temos a

necessidade de fiscalização, de apuração da ocorrência de fatos geradores

112 CASTRO, Aldemário Araújo. A constitucionalidade da transferência do sigilo bancário para o Fisco preconizada pela Lei Complementar n 105/2001. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br/sis _ artigos/artigos.asp?codigo=15> Acesso em: 22 de fevereiro de 2011. 113 CASTRO, Aldemário Araújo. A constitucionalidade da transferência do sigilo bancário para o Fisco preconizada pela Lei Complementar n 105/2001. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br/sis _ artigos/artigos.asp?codigo=15> Acesso em: 22 de fevereiro de 2011. 114 BRASIL. Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001. Dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/Leis/LCP/Lcp105.htm>.

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tributários anunciados na própria Constituição com a possível ocorrência de

fraudes115.

A Lei Complementar nº 105/2001 traz as hipóteses legais de quebra

de sigilo bancário. Contudo, no presente estudo, serão tratados apenas os requisitos

imperiosos para o afastamento do sigilo em investigação criminal. O artigo 1º, §4º

combinado com o §3º, estabelecem as condições:

§4º A quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos seguintes crimes: I – de terrorismo; II – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado a sua produção; IV – de extorsão mediante sequestro; V – contra o sistema financeiro nacional; VI – contra a Administração Pública; VII – contra a ordem tributária e a previdência social; VIII – lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores; IX – praticado por organização criminosa (grifo nosso).

§3º Não constitui violação do dever de sigilo: I – a troca de informações entre instituições financeiras, para fins cadastrais, inclusive por intermédio de centrais de risco, observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil; II - o fornecimento de informações constantes de cadastro de emitentes de cheques sem provisão de fundos e de devedores inadimplentes, a entidades de proteção ao crédito, observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil; III – o fornecimento das informações de que trata o §2º do art. 11 da Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996; IV – a comunicação, às autoridades competentes, da prática de ilícitos penais ou administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa; V – a revelação de informações sigilosas com o consentimento expresso dos interessados; VI – a prestação de informações nos termos e condições estabelecidos nos artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º e 9º desta Lei Complementar (grifo nosso116).

115 CASTRO, Aldemário Araújo. A constitucionalidade da transferência do sigilo bancário para o Fisco preconizada pela Lei Complementar n 105/2001. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br/sis _ artigos/artigos.asp?codigo=15> Acesso em: 22 de fevereiro de 2011.

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O §3º do artigo 1º descreve as hipóteses em que não constitui

violação do dever de sigilo, caracterizando, de certo modo, as atividades habituais

das instituições financeiras117.

E o §4º do artigo 1º autoriza a quebra do sigilo bancário em caráter

excepcional, especificando nos casos em que for necessário o afastamento para a

apuração da prática de ilícito118.

A apuração de qualquer ilícito, descrito no artigo, é o chamado ilícito

penal. Poderá ser decretada na fase do processo judicial ou até mesmo na fase pré-

processual119. E, a Lei ao utilizar “especialmente nos seguintes crimes” quer dizer

que o rol não é taxativo, e sim meramente exemplificativo120.

A finalidade da instrução probatória do processo judicial ou pré-

processual é de natureza criminal. Para tanto, deve observar o devido processo

legal, tendo em vista que esta quebra de sigilo atinge direitos fundamentais.

Segundo Valente, o núcleo essencial da norma sempre deve ser

respeitada. Pode ser que haja exceção ao tipo, porém, a essência não pode se

perder:

Com efeito, a própria norma estatui a existência do sigilo bancário antes de abrir-lhe exceções (art. 1°). Outrossim, além do fato de que as informações transferidas ao Fisco ainda permanecem sob sigilo (agora transmutado em sigilo fiscal), também podem ser colhidos na norma dispositivos que implicam a responsabilidade civil e penal em virtude da divulgação da informação obtida (arts. 10 e 11), deixando claro que a intimidade e a vida privada (bens jurídicos tutelados), bem como a liberdade de negação (valor e fundamento lógico-jurídico), ainda subsistem, na medida em que as informações não

116 BRASIL. Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001. Dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/Leis/LCP/Lcp105.htm>. 117 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 1130. 118 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 1130. 119 BELLOQUE, Juliana Garcia. Sigilo bancário: análise crítica da LC 105/2001. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 94. 120 SILVA, Danielle Souza de Andrade e & Rosimeire Ventura Leite. O sigilo financeiro, os direitos à vida privada e à intimidade e a produção da prova criminal. In: Sigilo no processo penal: eficiência e garantismo. FERNANDES, Antônio Scarance, José Raul Gavião de Almeida e Maurício Zanóide de Moraes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 160.

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passam da restrita esfera da privacidade para a ampla esfera da publicidade121.

Há de ser analisado se o princípio da proporcionalidade foi

observado quando da criação da Lei. É preciso avaliar se a quebra de sigilo é o meio

menos gravoso a fim de se garantir a fiscalização tributária, com vistas à efetividade

do princípio da capacidade contributiva, bem como a comprovação da autoria de

crimes, por exemplo, de colarinho branco.

A adequação com a proporcionalidade em sentido estrito será

observada se houver decisão judicial prévia à quebra do sigilo bancário para que se

adote o meio menos gravoso para o consecução dos fins pretendidos, evitando,

deste modo, abusos por parte da Administração, que detém a posse das operações

bancárias.

3.3. Decreto Federal nº 3.724/2001

Regulamentando a Lei Complementar nº 105/2001122, o Executivo

editou o Decreto nº 3.724, de 10 de janeiro de 2001123, alterado pelo Decreto nº

6.104, de 30 de abril de 2007:

Regulamenta o art. 6º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, relativamente à requisição, acesso e uso, pela Secretaria da Receita Federal, de informações referentes a operações e serviços das instituições financeiras e das entidades a elas equiparadas. Art. 1o. Este Decreto dispõe, nos termos do art. 6o da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, sobre requisição, acesso e uso, pela Secretaria da Receita Federal e seus agentes, de informações referentes a operações e serviços das instituições financeiras e das entidades a elas equiparadas, em conformidade

121 VALENTE, Christiano Mendes Wolney. Sigilo Bancário: obtenção de informações pela Administração Tributária Federal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, pp. 194-195. 122 BRASIL. Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001. Dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/Leis/LCP/Lcp105.htm>. 123 BRASIL. Decreto nº 3.724, de 10 de janeiro de 2001. Regulamenta o art. 6º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, relativamente à requisição, acesso e uso, pela Secretaria da Receita Federal, de informações referentes a operações e serviços das instituições financeiras e das entidades a elas equiparadas. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/ d3724.htm>.

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com o art. 1º, §§ 1º e 2º, da mencionada Lei, bem assim estabelece procedimentos para preservar o sigilo das informações obtidas. Art. 2o. Os procedimentos fiscais relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil serão executados, em nome desta, pelos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil e somente terão início por força de ordem específica denominada Mandado de Procedimento Fiscal (MPF), instituído mediante ato da Secretaria da Receita Federal do Brasil. §5o. A Secretaria da Receita Federal do Brasil, por intermédio de servidor ocupante do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, somente poderá examinar informações relativas a terceiros, constantes de documentos, livros e registros de instituições financeiras e de entidades a elas equiparadas, inclusive os referentes a contas de depósitos e de aplicações financeiras, quando houver procedimento de fiscalização em curso e tais exames forem considerados indispensáveis. Art. 3o. Os exames referidos no §5o do art. 2o somente serão considerados indispensáveis nas seguintes hipóteses: IV - omissão de rendimentos ou ganhos líquidos, decorrentes de aplicações financeiras de renda fixa ou variável;

Esta norma infraconstitucional especificou o modus operandi pelo

qual as autoridades fiscais, tratadas no artigo 6º da Lei Complementar, podem obter

as informações indispensáveis para instrução de processo administrativo ou

procedimento fiscal em curso124.

O Decreto ainda prevê a situação em que a pessoa envolvida, ao se

sentir prejudicada, pode requerer uma apuração. Portanto, resta evidente que a

quebra do sigilo bancário não pode ocorrer de forma aleatória. É o que dispõe o

artigo 12:

O sujeito passivo que se considerar prejudicado por uso indevido das informações requisitadas, nos termos deste Decreto, ou por abuso da autoridade requisitante, poderá dirigir representação ao Corregedor-Geral da Secretaria da Receita Federal, com vistas à apuração do fato e, se for o caso, à aplicação de penalidades cabíveis ao servidor responsável pela infração125.

124 DANTAS, David Diniz. O Sigilo Bancário e o Conflito entre Princípios Constitucionais. In: PIZOLIO, Reinaldo & Gavaldão Jr., Jayr Viégas (coord.). Sigilo Fiscal e Bancário. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2005, p. 341. 125 BRASIL. Decreto nº 3.724, de 10 de janeiro de 2001. Regulamenta o art. 6º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, relativamente à requisição, acesso e uso, pela Secretaria da Receita Federal, de informações referentes a operações e serviços das instituições financeiras e das entidades a elas equiparadas. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/ d3724.htm>.

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3.4. Argumentos favoráveis e contrários à quebra do sigilo bancário sem interferência do Poder Judiciário

3.4.1. Argumentos favoráveis

O primeiro argumento é de que há prevalência do interesse público

sobre o particular. Isto quer dizer que se necessitar, o Estado pode se intrometer na

privacidade do indivíduo, razão pela qual poderia ser afastado o sigilo bancário126.

Outro argumento tem relação com o artigo 145, §1º, da Constituição

Federal, tratado anteriormente no trabalho. O dispositivo constitucional em questão

faz menção a possibilidade de identificação do patrimônio, dos rendimentos e

atividades econômicas do contribuinte, “respeitados os direitos individuais”. Para

tanto, o Poder Público entende que se forem tomados os cuidados necessários para

que não ocorra a divulgação das informações das pessoas, o direito da intimidade

permaneceria intacto127.

O Ministro Dias Toffoli entende ser licitamente permitido pelo artigo

145, §1º, da Carta Magna, a Receita Federal verificar os rendimentos dos

contribuintes, que são as movimentações financeiras. Além disso, entende que

ocorre apenas uma transferências de informações entre órgão, não se tratando de

quebra de sigilo128.

A Ministra Cármen Lúcia tem o mesmo entendimento. Para ela, a

Receita Federal ao requisitar informações das instituições financeiras não está indo

contra ao que prevê a Constituição Federal, uma vez que não fere o princípio da

privacidade, pois os dados quando obtidos pelo Fisco não estão autorizados a

serem divulgados publicamente, mas apenas são transferidos de um órgão da

126 DANTAS, David Diniz. O Sigilo Bancário e o Conflito entre Princípios Constitucionais. In: PIZOLIO, Reinaldo & Gavaldão Jr., Jayr Viégas (coord.). Sigilo Fiscal e Bancário. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2005, p. 348. 127 DANTAS, David Diniz. O Sigilo Bancário e o Conflito entre Princípios Constitucionais. In: PIZOLIO, Reinaldo & Gavaldão Jr., Jayr Viégas (coord.). Sigilo Fiscal e Bancário. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2005, p. 348. 128 Voto do Ministro Dias Toffoli no RE 389808/PR, Relator: Min. Marco Aurélio.

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administração para outro para o cumprimento das finalidades da administração

pública129.

O Ministro Ayres Britto é favorável a quebra de sigilo sem a

intervenção judicial, tendo em vista que entende que o objetivo da lei é a troca de

informações, e não a divulgação de dados bancários. Os órgãos que detêm os

dados possuem dever de conficialidade, cuja quebra sem observância legal implica

em tipificação de crime. Deste modo, não é necessária a autorização judicial, uma

vez que se houver abuso por qualquer agente, responderá pelo ato130.

3.4.2. Argumentos contrários

O primeiro posicionamento é no sentido da observância da

separação dos poderes, cujo objetivo é fazer com que nenhum poder atue com

arbitrariedade131.

Outro entendimento é de que fere a liberdade individual. Para sua

excepcionalidade, deveria haver um devido processo legal, sendo observado ampla

defesa e contraditório, perante um juiz imparcial. Não é o que ocorre no

procedimento administrativo, uma vez que o Estado-Administração é parte

interessada132.

Assim sendo, uma vez decretada por autoridade judiciária de forma

prévia, há uma maior imparcialidade da decisão e esta é tomada por alguém que

não é parte interessada.

129 Voto da Ministra Carmen Lúcia no RE 389808/PR, Relator: Min. Marco Aurélio. 130 Voto do Ministro Ayres Britto no RE 389808/PR, Relator: Min. Marco Aurélio. 131 DANTAS, David Diniz. O Sigilo Bancário e o Conflito entre Princípios Constitucionais. In: PIZOLIO, Reinaldo & Gavaldão Jr., Jayr Viégas (coord.). Sigilo Fiscal e Bancário. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2005, p. 350. 132 DANTAS, David Diniz. O Sigilo Bancário e o Conflito entre Princípios Constitucionais. In: PIZOLIO, Reinaldo & Gavaldão Jr., Jayr Viégas (coord.). Sigilo Fiscal e Bancário. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2005, pp. 350-351.

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Ao retirar do Judiciário o poder de análise a respeito da quebra do

sigilo bancário, indiretamente, removeu do cidadão o direito ao devido processo

legal, sendo que este é considerado uma cláusula pétrea.133

O cidadão pode ser investigado pela Receita Federal, sem a

interferência de um terceiro imparcial, em que aquele que culpa é o mesmo que tem

o poder de julgar se é indispensável para o caso concreto o afastamento do sigilo134.

O Ministro Ricardo Lewandowski defende que o Poder Judiciário

deve ser ouvido previamente. Apesar do artigo 145, §1º, da Constituição Federal,

fazer alusão ao respeitos aos direitos, entende que somente o judiciário pode deferir

o pedido de quebra de sigilo, tendo em vista que afeta direitos fundamentais dos

indivíduos, e, o judiciário, como guardião último destes direitos, tem a função de

escolher o meio menos gravoso135.

De acordo com o Ministro Celso de Mello, o sigilo bancário só pode

sofrer restrição com autorização judicial, sob pena da autoridade administrativa

interferir indevidamente na esfera de privacidade constitucionalmente assegurada as

pessoas. Ainda sim, esclarece que em nada compromete a competência para

investigar atribuída ao Poder Público pedir a autorização ao Judiciário para a quebra

de sigilo, podendo requisitar sempre que achar necessário136.

Neste sentido, o voto do ministro relator Marco Aurélio, na Medida

Cautelar da Ação Cautelar nº 33/PR137, que alega a Receita Federal não ser órgão

imparcial para afastar o sigilo bancário:

[...] sopesando os valores em jogo, e é preciso também atentar para a posição do contribuinte, para esse bem maior que é a privacidade, tanto que inserido na Carta da República, afastável de regra mediante deliberação de órgão equidistante, e o Fisco não é o órgão

133 FOLMANN, Melissa. Sigilo Bancário e Fiscal: à luz da LC 105/2001 e Decreto 3.724/2001. Curitiba: Juruá, 2001, p. 109. 134 FOLMANN, Melissa. Sigilo Bancário e Fiscal: à luz da LC 105/2001 e Decreto 3.724/2001. Curitiba: Juruá, 2001, p. 109. 135 Voto do Ministro Ricardo Lewandowski no RE 389808/PR, Relator: Min. Marco Aurélio. 136 Voto do Ministro Celso de Mello no RE 389808/PR, Relator: Min. Marco Aurélio. 137 AC 33 MC, Relator: Ministro Marco Aurélio, Relator para Acórdão: Ministro Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado em 24 de novembro de 2010. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/ paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=618868> Acesso em 08 de outubro de 2010.

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equidistante, ele é sujeito da relação jurídica tributária, é parte interessada, preconizo o referendo da decisão [...].

3.4.3. Posicionamento dos Tribunais

A primeira decisão que se tem notícia a respeito de sigilo bancário é

o RMS nº 1.047, de 6 de setembro de 1949. Possui a seguinte ementa138:

“Os bancos não podem se eximir de ministrar informações, no interesse público, para o esclarecimento da verdade, essenciais e indispensáveis ao julgamento das demandas submetidas ao Poder Judiciário”.

Quanto ao acesso das informações pelos servidores fazendários

será analisado no Mandado de Segurança nº 15.925-GB, de 20 de maio de 1966. O

entendimento foi de que os dados informados à fiscalização fazendária são

protegidos e permanecem intactos, havendo uma simples transferência de

informações139.

Com a vigência da Constituição Federal de 1988, a primeira

vinculação do sigilo bancário ao direito fundamental à vida privada foi na Petição nº

577/DF. O Ministro Carlos Velloso afirmou que o sigilo bancário é espécie do direito

à privacidade. Além disso, era necessário a existência de elementos mínimos de

autoria de um delito para que houvesse o afastamento do sigilo.140

“[...] o sigilo bancário protege interesses privados. É ele espécie de direito à privacidade, inerente à personalidade das pessoas e que a Constituição consagra (C.F., art. 5º, X), além de atender a uma finalidade de ordem pública, qual seja a de proteção do sistema de crédito [...]”141.

Contudo, neste mesmo julgamento, os Ministros Célio Borja, Néri da

Silveira e Marco Aurélio fundamentaram o sigilo bancário também no inciso XII,

artigo 5°, da Constituição Federal de 1988, ou seja, no sigilo de dados.

138 BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Sigilo bancário e privacidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005, p. 65. 139 BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Sigilo bancário e privacidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005, p. 66. 140 VALENTE, Christiano Mendes Wolney. Sigilo Bancário: obtenção de informações pela Administração Tributária Federal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, pp. 97-98. 141 Supremo Tribunal Federal, Petição nº 577/DF.

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Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento dividido

(seis votos contra cinco) do Mandado de Segurança nº 21.729-4/DF, de 7 de abril de

1995, restou decidido que as informações deveriam ser entregues ao Ministério

Público. O que merece atenção são os votos dos Ministros Celso de Mello e Carlos

Velloso. Afirmam que para haver restrição de direitos fundamentais, como a quebra

de sigilo bancário, esta deve ser feita por um órgão imparcial, ou seja, pelo Poder

Judiciário142.

Nos Tribunais Regionais Federais há diversos julgados no sentido

da compatibilidade vertical dos dispositivos em estudo143:

CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO À PRIVACIDADE E ÀINTIMIDADE. SIGILO BANCÁRIO. QUEBRA. IRRETROATIVIDADE DA LEI. CONSTITUCIONALIDADE. 1.O alegado SIGILO bancário não pode ser interpretado como direito absoluto, desvinculado de outras garantias constitucionais, havendo de compatibilizar-se, pois, com os demais princípios, voltados à consecução do interesse público. 2. É plenamente legítimo que a AUTORIDADE competente (Fisco), uma vez detectados indícios de falhas, incorreções, omissões, ou de cometimento de ilícito FISCAL, requisite as in- formações e os documentos de que necessita para a consecução de seu dever legal de constituir crédito tributário. 3.Não há que se falar em ofensa ao princípio da irretroatividade da lei tributária, porquanto a Lei Complementar no 105/01, bem como a Lei no 10.174/01 não criaram novas hipóteses de incidência, a albergar fatos econômicos pretéritos, mas apenas dotaram a Administração Tributária de instrumentos legais aptos a promover a agilização e o aperfeiçoamento dos procedimentos fiscais. 4.Precedentes desta Turma. 5.Apelação improvida144.

142 BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Sigilo bancário e privacidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005, p. 69. 143 Neste sentido: Tribunal Regional Federal da Terceira Região, AMS 235185/SP, Processo: 2001.61.04.002694-7, Sexta Turma, Desembargadora Salette Nascimento, v.u., Data da Decisão: 25/09/2002, DJU DATA:02/12/2002, p. 378. No mesmo sentido: Tribunal Regional Federal da Terceira Região, AG 129757/SP, Processo: 2001.03.00.012332-0, Sexta Turma, Data da Decisão: 13/06/2001, DJU 12/09/2001, p. 243, Relatora Desembargadora Marli Ferreira; MS 230413/SP, Processo: 2001.03.00.036839-0, Primeira Seção, Relatora Desembargadora Suzana Camargo, v.u., Data da Decisão: 07/08/2002, DJU 12/11/2002, p. 221; Agravo de instrumento 131881/SP, Processo: 2001.03.00.015953-2, Sexta Turma, Data da Decisão: 28/08/2002, DJU 11/11/2002, p. 367. 144 Tribunal Regional Federal da Terceira Região, Classe: AMS – Apelação em Mandado de Segurança 236767, Processo: 2001.61.00.022952-5, UF: SP, Órgão Julgador: SEXTA TURMA, Juíza Consuelo Yoshida, v. u., Data da Decisão: 25/09/2002, DJU 25/11/2002, p. 603.

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O Superior Tribunal de Justiça recentemente julgou um caso que

envolve a quebra de sigilo bancário sem autorização judicial. Eis o teor da ementa:

PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS REFERENTES A FATOS IMPONÍVEIS ANTERIORES À VIGÊNCIA DA LEI COMPLEMENTAR 105/2001. APLICAÇÃO IMEDIATA. ARTIGO 144, §1º, DO CTN. EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE. RECURSO ESPECIAL N° 1.134.665 REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. 1. A quebra do sigilo bancário sem prévia autorização judicial, para fins de constituição de crédito tributário não extinto, é autorizada pela Lei 8.021/90 e pela Lei Complementar 105/2001, normas procedimentais, cuja aplicação é imediata, à luz do disposto no artigo 144, § 1º, do CTN. 2. O §1º, do artigo 38, da Lei 4.595/64 (revogado pela Lei Complementar 105/2001), autorizava a quebra de sigilo bancário, desde que em virtude de determinação judicial, sendo certo que o acesso às informações e esclarecimentos, prestados pelo Banco Central ou pelas instituições financeiras, restringir-se-iam às partes legítimas na causa e para os fins nela delineados. 3. A Lei 8.021/90 (que dispôs sobre a identificação dos contribuintes para fins fiscais), em seu artigo 8º, estabeleceu que, iniciado o procedimento fiscal para o lançamento tributário de ofício (nos casos em que constatado sinal exterior de riqueza, vale dizer, gastos incompatíveis com a renda disponível do contribuinte), a autoridade fiscal poderia solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no artigo 38, da Lei 4.595/64. 4. O §3º, do artigo 11, da Lei 9.311/96, com a redação dada pela Lei 10.174, de 9 de janeiro de 2001, determinou que a Secretaria da Receita Federal era obrigada a resguardar o sigilo das informações financeiras relativas à CPMF, facultando sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente. 5. A Lei Complementar 105, de 10 de janeiro de 2001, revogou o artigo 38, da Lei 4.595/64, e passou a regular o sigilo das operações de instituições financeiras, preceituando que não constitui violação do dever de sigilo a prestação de informações, à Secretaria da Receita Federal, sobre as operações financeiras efetuadas pelos usuários dos serviços (artigo 1º, § 3º, inciso VI, c/c o artigo 5º, caput, da aludida lei complementar, e 1º, do Decreto 4.489/2002). 6. As informações prestadas pelas instituições financeiras (ou equiparadas) restringem-se a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados (artigo 5º, § 2º, da Lei Complementar 105/2001).

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7. O artigo 6º, da lei complementar em tela, determina que: "Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária. [..] 9. O artigo 144, § 1º, do Codex Tributário, dispõe que se aplica imediatamente ao lançamento tributário a legislação que, após a ocorrência do fato imponível, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros. 10. Consequentemente, as leis tributárias procedimentais ou formais, conducentes à constituição do crédito tributário não alcançado pela decadência, são aplicáveis a fatos pretéritos, razão pela qual a Lei 8.021/90 e a Lei Complementar 105/2001, por envergarem essa natureza, legitimam a atuação fiscalizatória/investigativa da Administração Tributária, ainda que os fatos imponíveis a serem apurados lhes sejam anteriores [...] 11. A razoabilidade restaria violada com a adoção de tese inversa conducente à conclusão de que Administração Tributária, ciente de possível sonegação fiscal, encontrar-se-ia impedida de apurá-la. 12. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 facultou à Administração Tributária, nos termos da lei, a criação de instrumentos/mecanismos que lhe possibilitassem identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, respeitados os direitos individuais, especialmente com o escopo de conferir efetividade aos princípios da pessoalidade e da capacidade contributiva (artigo 145, § 1º). 13. Destarte, o sigilo bancário, como cediço, não tem caráter absoluto, devendo ceder ao princípio da moralidade aplicável de forma absoluta às relações de direito público e privado, devendo ser mitigado nas hipóteses em que as transações bancárias são denotadoras de ilicitude, porquanto não pode o cidadão, sob o alegado manto de garantias fundamentais, cometer ilícitos. Isto porque, conquanto o sigilo bancário seja garantido pela Constituição Federal como direito fundamental, não o é para preservar a intimidade das pessoas no afã de encobrir ilícitos. 14. O suposto direito adquirido de obstar a fiscalização tributária não subsiste frente ao dever vinculativo de a autoridade fiscal proceder ao lançamento de crédito tributário não extinto. 15. In casu, a autoridade fiscal pretende utilizar-se de dados da CPMF para apuração do imposto de renda relativo ao ano de 1998, tendo sido instaurado procedimento administrativo, razão pela qual merece reforma o acórdão regional. 16. O Supremo Tribunal Federal, em 22.10.2009, reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário 601.314/SP, cujo thema iudicandum restou assim identificado: "Fornecimento de informações sobre movimentação bancária de contribuintes, pelas instituições

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financeiras, diretamente ao Fisco por meio de procedimento administrativo, sem a prévia autorização judicial. Art. 6º da Lei Complementar 105/2001". [...] 11. Agravo regimental desprovido (grifo nosso).145

Foi facultada à Administração Tributária a criação de mecanismos

que lhe possibilitassem identificar o patrimônio do contribuinte, observados os

direitos individuais, conferindo efetividade dos princípios da pessoalidade e da

capacidade contributiva, conforme prevê o artigo 145, §1º, da Constituição

Federal).146

Segundo o Ministro Luiz Fux, o sigilo bancário não tem caráter

absoluto, devendo ceder ao princípio da moralidade, no qual é aplicado de forma

absoluta às relações de direito público e privado. Deste modo, o sigilo deve ser

afastado nas hipóteses em que operações bancárias são revestidas de ilicitude. O

cidadão não pode alegar ofensa à garantias fundamentais com o intuito de encobrir

ilícitos147.

Por outro lado, a quebra do sigilo bancário não pode ser visto como

uma atividade complementar, isto é, não se pode querer iniciar uma investigação por

meio do afastamento do sigilo, pois fere diretamente os princípios constitucionais da

presunção de inocência e do princípio da intimidade148.

145 AgRg no Ag 1329960/SP, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 03 de fevereiro de 2011, DJe 22/02/2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro= 201001324727 & dt_publicacao=22/02/2011>Acesso em: 10 de março de 2011. 146 AgRg no Ag 1329960/SP, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 03 de fevereiro de 2011, DJe 22/02/2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro= 201001324727 & dt_publicacao=22/02/2011>Acesso em: 10 de março de 2011. 147 AgRg no Ag 1329960/SP, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 03 de fevereiro de 2011, DJe 22/02/2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro= 201001324727 & dt_publicacao=22/02/2011>Acesso em: 10 de março de 2011. 148 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 1131.

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É evidente que não se pode quebrar sigilo bancário para descobrir

um crime de sonegação fiscal, por exemplo. Sua quebra justifica-se para comprovar

um delito que, previamente, já apresente fundados indícios149.

Quanto ao fato de lei complementar poder delegar à autoridade

fiscal competência para realizar função jurisdicional, foi constatado que ainda não

existe doutrina nem jurisprudência pacífica sobre o assunto. Nem mesmo o Supremo

Tribunal Federal, em decisão recente (Recurso Extraordinário 389808), demonstrou

unicidade a respeito do assunto.

O Supremo Tribunal Federal ainda não decidiu se é constitucional

ou inconstitucional a Lei Complementar nº 105/2001. Porém, é evidente que o

assunto é controverso, possuindo opiniões concretas de ambos os lados. Tramitam

as ações diretas de inconstitucionalidade 2.386, 2.390 e 2.397 que têm por objeto a

possibilidade das autoridades fazendárias e a Advocacia Geral da União, sem ordem

judicial prévia, terem acesso às movimentações financeiras de indivíduos que

mantiveram relação com a instituição bancária.

149 Supremo Tribunal Federal, Pleno, MS 25.668/ DF, Min. Celso de Mello, D.J.U. 04/08/2006, p. 01. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=365434>. Acesso em 14 de março de 2011.

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CONCLUSÃO 

O sigilo bancário apesar de ser um tema antigo, envolve uma certa

complexidade. A finalidade e a importância reside no fato do sigilo resguardar a

intimidade e a privacidade dos indivíduos. Os sujeitos envolvidos na relação

obrigacional que se forma são os próprios clientes - sujeito ativo - que podem ser

pessoas físicas ou jurídicas e, do outro lado, a instituição financeira - sujeito passivo

- que deve ser entendida em sentido amplo, conforme explicitado no artigo 1º da Lei

Complementar nº 105/2001.

Como foi visto ao longo do trabalho, as operações financeiras

realizadas por pessoas físicas ou jurídicas detêm sigilo e devem ser preservadas.

Por outro lado, esta preservação não pode prejudicar o interesse público à

informação, uma vez que com esses dados se busca a materialidade de atos ilícitos.

É evidente que muitas vezes o sigilo bancário é um obstáculo para a

apuração de infrações penais. Por vezes, para a busca da materialidade e autoria,

há de ser afastado o sigilo. Entretanto, esta medida probatória deve ser excepcional.

O sigilo bancário é um direito fundamental que decorre do direito à

intimidade. Qualquer que seja o direito fundamental, pode haver um relativização.

Deste modo, quando há choque entre princípios constitucionais a solução deve ser

tomada com base na ponderação entre os princípios envolvidos no caso concreto.

Ou seja, diante de um conflito de interesses constitucionais é preciso realizar o

sopesamento ponderado dos fins. Ao realizar esta convivência, o magistrado diminui

a força de um princípio; entretanto, não deve excluí-lo ao viabilizar a aplicação do

outro.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que o sigilo bancário não é

absoluto, podendo ser relativizado em favor do interesse público. Resta saber se o

pedido de quebra do sigilo bancário necessita de autorização judicial prévia. O Pleno

tem entendido que o sigilo bancário encontra fundamento constitucional no inciso X

do artigo 5º da Constituição Federal, especificamente na proteção da vida privada.

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Por não encontrar previsão expressa na Constituição Federal, o

sigilo bancário não está submetido à reserva de jurisdição. Todavia, a relativização

requer decisão fundamentada na qual reste evidenciada a existência de indícios dos

fatos, bem como da necessidade da medida.

E, a autorização prévia por parte do Judiciário garante maior

segurança aos contribuintes, tendo em vista que a decisão será tomada por um

órgão imparcial. O Fisco, ao quebrar o sigilo, o faria com imparcialidade, uma vez

que seria parte interessada na arrecadação de tributos.

Exímios doutrinadores como Hugo de Brito Machado e Juliana

Garcia Belloque e os ministros Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Marco

Aurélio do Supremo Tribunal Federal entendem que o artigo 6º da Lei Complementar

nº 105/2001 é inconstitucional, uma vez que consideram ser necessário que o Poder

Judiciário autorize previamente a Receita Federal para o afastamento do sigilo

bancário.

Com entendimento contrário, o doutrinador Aldemário Araújo de

Castro e os ministros Dias Toffoli, Carmen Lúcia e Ayres Britto, do Supremo Tribunal

Federal, consideram ser constitucional o artigo 6º da Lei Complementar nº 105/2001,

admitindo, portanto, o acesso direto das autoridades fiscais às informações

bancárias dos indivíduos.

Conclui-se que a Lei Complementar nº 105/2001 é um ato

eminentemente político, visando o combate ao crime de colarinho branco. Do ponto

de vista jurídico, esta Lei contraria os ditames constitucionais; entretanto,

moralmente possui seu aspecto positivo, tendo em vista que visa combater ilícitos.

Entende-se a necessidade da relativização do sigilo bancário com o

intuito de que o mesmo não seja utilizado para a práticas ilícitas. Os próprios

Ministros do Supremo Tribunal Federal tem julgado neste sentido, sob o

entendimento de que é razoável e com isso se busca uma sociedade mais justa e

igualitária.

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Por fim, diante de um conflito entre o direito ao sigilo bancário e o

interesse público, em que envolve uma restrição legal, é imprescindível a aplicação

do princípio da proporcionalidade, no qual o próprio Poder Legislativo, ao editar a Lei

Complementar nº 105/2001, realizou a ponderação entre os princípios

constitucionais da intimidade e sigilo bancário, estabelecendo as hipóteses em que o

sigilo bancário poderá ser afastado.

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REFERÊNCIAS 

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