sigilo bancÁrio x fisco

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  • Augusto Cesar de Carvalho Leal Procurador da Fazenda Nacional

    SIGILO BANCRIO E ADMINISTRAO TRIBUTRIA BRASILEIRA

    1 edio

    BrasliaAdvocacia-Geral da Unio

    2013

  • SIGILO BANCRIO E ADMINISTRAO TRIBUTRIA BRASILEIRA

    Autor: Augusto Cesar de Carvalho Leal, Mestre em Direito, Estado e Constituio pela Universidade de Braslia UnB , Especialista em Direito Pblico pela Universidade de Braslia UnB , Especialista em Direito Tributrio pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributrios IBET , Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco UFPE , Procurador da Fazenda Nacional atuante perante o Supremo Tribunal Federal e Ex-Procurador Federal.

    LEAL, Augusto Cesar de Carvalho. Sigilo Bancrio e Administrao Tributria Brasileira. 1 ed. Braslia-DF: Advocacia-Geral da Unio, 2013.

    ISBN 978-85-63257-11-6 2013 - Advocacia-Geral da Unio

  • minha irmzinha, Amanda de Carvalho Leal in memoriam , que sempre ser a mais amada de todas as Amandas.

    Aos meus pais, Maria Luiza de Carvalho Leal e Orlando Barbosa Leal, por quem possuo um amor impossvel de manter sob sigilo e a quem tudo devo.

  • SUMRIOPrefcio ...........................................................................................................................07

    Introduo. .....................................................................................................................11

    I. Da Inexistncia de Pacificao do Tema no mbito do Supremo Tribunal Federal. ............................................................................................................................12

    II. Do Voto-Vencedor do Ministro Luiz Fux, no Julgamento do Recurso Especial Repetitivo n. 1.134.665, no Sentido da Plena Validade da LC 105/2001. ................................................................................................................27

    III. Da Compatibilidade do Acesso Direto da Administrao Tributria aos Dados Financeiros do Contribuinte com o Art. 5, X, da Constituio. ..........28

    IV. Da Compatibilidade do Acesso Direto da Administrao Tributria aos Dados Financeiros do Contribuinte com o Art. 5, XII, da Constituio. ......55

    V. Da Inexistncia de Reserva Jurisdicional na Hiptese do Sigilo de Dados. ..............................................................................................................................58

    VI. A Oposio do Sigilo Bancrio Administrao Tributria como forma de Incremento da Sonegao Fiscal e Violao dos Direitos Fundamentais Igualdade e Concorrncia Leal, dos Princpios da Capacidade Contributiva, da Solidariedade e do Estado Democrtico de Direito, bem como dos Objeti-vos Fundamentais da Repblica. ...............................................................................65

    VI.1. O Acesso Direto da Administrao Tributria aos Dados Econmicos do Contribuinte e o Combate Sonegao Fiscal no Brasil. ..............................67

    VI.2. A Oponibilidade do Sigilo Bancrio Administrao Tributria como Violao dos Direitos Fundamentais Igualdade e Concorrncia Leal, e do Princpio da Capacidade Contributiva. ...........................................................71

    VI.3. A Oponibilidade do Sigilo Bancrio Administrao Tributria como Violao do Princpio da Solidariedade. ..................................................................79

    VI.4. A Oponibilidade do Sigilo Bancrio Administrao Tributria como Grave bice Consecuo dos Objetivos Fundamentais da Repblica e Realizao do Estado Democrtico de Direito. .....................................................81

    VII. O Art. 145, 1, da Constituio e a Teoria dos Poderes Implcitos como

  • Fundamentos Constitucionais do Acesso Direto da Administrao Tributria aos Dados Bancrios dos Contribuintes. .................................................................87

    VIII. Direito Internacional e Direito Comparado: A Democracia e o Acesso aos Dados Bancrios pela Administrao Tributaria no Mundo. .................. 102

    VIII.1. Estados Unidos ................................................................................... 136VIII.2. Alemanha .............................................................................................. 141VIII.3. Frana .................................................................................................... 143VIII.4. Itlia ....................................................................................................... 147VIII.5. Espanha ................................................................................................. 148VIII.6. Reino Unido ......................................................................................... 155VIII.7. Argentina .............................................................................................. 156VIII.8. Portugual .............................................................................................. 160VIII.9. Holanda ................................................................................................. 164VIII.10. Austrlia ............................................................................................. 164VIII.11. Canad ................................................................................................. 165VIII.12. Blgica ................................................................................................. 165VIII.13. Dinamarca .......................................................................................... 166VIII.14. Noruega .............................................................................................. 166VIII.15. Mxico ................................................................................................. 166VIII.16. Hungria.............................................................................................. 167VIII.17. Turquia ............................................................................................... 167VIII.18. Polnia ................................................................................................. 167VIII.19. Sua ..................................................................................................... 168VIII.20. Luxemburgo ...................................................................................... 170VIII.21. Uruguai ............................................................................................... 171VIII.22. ustria ................................................................................................. 171VIII.23. Lbano .................................................................................................. 172

    IX. Da Compatibilidade do Acesso Direto da Administrao Tributria aos dados Financeiros do Contribuinte com o Art. 5, LIV E LV, da Constituio. .173

    X. Da Inexistncia de Ofensa ao Art. 5, XXXVI, e ao Art. 150, III, a, da Constituio por Parte da Lei n. 10.174/2001 e da Lei Complementar n.105/2001. ................................................................................................................. 176

    Concluses. .................................................................................................................. 182

    Referncias .................................................................................................................. 194

  • Sigilo Bancrio e A Administrao Tributria Brasileira 7

    PREFCIO

    Recebi o honroso convite para prefaciar este livro como generoso reconhecimento do autor a todos os seus colegas procuradores da Fazenda Nacional e pelo fato de que o provoquei a publicar o presente trabalho em defesa dos interesses da Fazenda Nacional, pois a sua qualidade merecia ser tornada pblica.

    Com efeito, este livro intitulado Sigilo bancrio e administrao tributria brasileira nasceu da produo advocatcia do autor, procurador da Fazenda Nacional perante o Supremo Tribunal Federal, em defesa dos interesses jurdicos da Unio Federal. um trabalho que visa apresentar os fundamentos normativos e os argumentos jurdicos manejados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional em defesa da validade constitucional da Lei Complementar n. 105/2001, especificamente no que autoriza administrao tributria, mediante rigoroso procedimento administrativo fiscal, ter acesso aos dados das movimentaes financeiras dos contribuintes constantes nas instituies financeiras e similares, nos termos da legislao.

    Este trabalho no acadmico, no sentido de busca da verdade. um trabalho persuasivo. O seu destinatrio precpuo foi (e ) o Supremo Tribunal Federal. uma pea de persuaso e de convencimento. E, como pea de persuaso e convencimento, uma excelente petio, nada obstante extensa. Mas a sua extenso decorreu da necessidade de esgotar o tema. E, nesse aspecto, o trabalho alcanou o seu propsito. Os ministros do STF estaro municiados para, se assim se convencerem, decidirem favoravelmente no sentido da constitucionalidade da citada Lei Complementar n. 105.

    O trabalho de um advogado, e o autor deste livro advogado pblico federal, consiste nisso: apresentar fundamentos normativos e argumentos jurdicos capazes de persuadir e de convencer os magistrados. A literatura normativa prescritiva, assim como as decises judiciais. A literatura acadmica (ou cientfica) descritiva da verdade buscada e desejvel. Mas a literatura advocatcia persuasiva. O advogado escreve para obter adeso do seu leitor principal: o magistrado.

    Portanto, este livro uma pea de convencimento, um texto persuasivo, um convite para aderir verso fazendria sobre a

  • Publicaes Eletrnicas da Escola da AGU 8

    verdade discutida nos processos que tramitam no STF sobre o tema. Este trabalho uma pea de utilidade jurdica.

    Aqui no h especulaes filosficas nem elucubraes acadmicas. O direito no se presta para esses fins. O direito h de ser uma tecnologia til sociedade para solucionar os problemas normativos existentes. Peas postulatrias ou decises judiciais devem ser instrumentos normativos de soluo de problemas jurdicos.

    Mas qual o problema normativo enfrentado por esse livro? Saber se a citada LC n. 105 est em conformidade com a Constituio Federal. H duas correntes interpretativas. Uma defende a incompatibilidade da referida lei com a Constituio e invoca preceitos constitucionais que estariam sendo violados. A outra corrente, que a do autor, defende a conformidade da lei com a Constituio e invoca preceitos normativos chanceladores dessa interpretao.

    Qual a interpretao correta? Neste livro, o autor, com grande competncia e maestria, apresentar motivos suficientes e bastantes para que se acredite que a interpretao correta seja a dele. Com efeito, o autor tem excelente formao acadmica. Bacharelou-se pela tradicionalssima Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco, a famosa Casa de Tobias Barreto, celeiro de grandes juristas. Tem mestrado pela jovem, porm respeitada, Faculdade de Direito da Universidade de Braslia que, se no possui a mesma riqueza histrica da Casa de Tobias Barreto, tem revelado grandes nomes que cintilam no cenrio jurdico brasileiro. Tradio e modernidade se misturam na formao jurdica do autor. Logo, solidez intelectual um dos seus atributos facilmente perceptveis.

    Paralelamente a essa respeitvel bagagem acadmica, o autor tem destacada militncia advocatcia em matria tributria, oficiando, inicialmente como advogado particular e, posteriormente, a partir de 2007, como Procurador Federal e, a partir de 2008 como Procurador da Fazenda Nacional. Na PGFN oficiou perante o Superior Tribunal de Justia e desde 2010 tem atuado perante o Supremo Tribunal Federal. O autor alia, portanto, conhecimento intelectual com relevante prtica jurdica.

    Eis a razo de este livro ser lido e considerado. A sua boa qualidade e superior utilidade decorrem de seu realismo pragmtico. O autor investiga, com profundidade, os fundamentos normativos da questo

  • Sigilo Bancrio e A Administrao Tributria Brasileira 9

    controvertida. Esgrima, com retrica competente, os argumentos jurdicos das teses que defende. E analisa as eventuais consequncias da deciso que possa dimanar do STF.

    O autor no ingnuo. realista e pragmtico. Ele sabe que os textos normativos so pretextos para as decises judiciais. Ele sabe que o STF o nico censor e controlador de seus prprios atos. Ele sabe que a nica estratgia forte de obteno de adeso dos ministros da Corte consiste em reclamar coerncia narrativa e consistncia argumentativa nas manifestaes dos juzes do STF. Por isso o seu trabalho to bom.

    de sobejo conhecimento o uso abusivo dos princpios constitucionais para fundamentar e justificar quaisquer decises em quaisquer direes. Com espeque nos princpios constitucionais tudo ou vlido ou invlido. Os princpios constitucionais, que deveriam servir como vetores de realizao dos postulados supremos da justia e da paz, esto se tornando normas desestabilizadoras do sistema jurdico. Diante de explcitos e inequvocos preceitos normativos, mas que vo de encontro aos interesses das partes ou que sejam tidos como inconvenientes pelo magistrado, recebem a chancela de invlidos. Ou seja, paradoxalmente, nem o texto serve mais como pretexto para decidir. Basta invocar um princpio e a deciso est fundamentada e justificada.

    O autor, Procurador da Fazenda Nacional, sabe que a atuao fiscal deve se pautar pela regra da estrita legalidade. O tributo devido o legalmente estabelecido. A administrao fiscal deve agir em milimtrica conformidade com a lei. A lei, para as autoridades administrativas tributrias, cone sagrado. Da porque neste texto o autor faz vigorosa e vibrante defesa da lei. Lei aprovada pelos legtimos representantes do povo. Lei que visa tornar mais eficiente a administrao tributria. Lei que visa combater uma das chagas sociais deste Pas: a sonegao fiscal. Lei que insere o Brasil como Nao sria na comunidade internacional, como se v em sua excurso pelas experincias estrangeiras. Lei que, segundo o autor, tem pleno respaldo constitucional.

    Este trabalho uma densa contribuio s letras advocatcias nacionais e enche de orgulho a advocacia pblica federal, pois rivaliza, ombro a ombro, com as melhores produes da advocacia tributria em favor dos particulares.

    Eis outro aspecto positivo deste trabalho. A advocacia tributria tem uma rica publicao de suas teses e peas. A advocacia pblica ainda

  • Publicaes Eletrnicas da Escola da AGU 10

    engatinha nesse passo. Nada obstante, aqui e acol, comeam surgir produes intelectuais dos advogados pblicos federais em defesa dos interesses que representam. Este trabalho mais um tijolo na construo de uma advocacia pblica federal slida e respeitada.

    provvel que o convite que recebi derive dessa luta por uma advocacia pblica respeitvel. Tive a oportunidade de publicar, tambm pela Escola da Advocacia-Geral da Unio, livro (Direito Constitucional Fazendrio) que condensa parcela relevante de minha produo como Procurador da Fazenda Nacional, assim como o autor da presente obra.

    Como assinalado, este trabalho no especulativo. pragmtico. O autor apresenta, fundado em slidos argumentos, as razes pelas quais o STF deve julgar a questo na linha que defende. O autor, com este trabalho, participa do jogo processual como elemento consistente e que deve ser considerado. Com este trabalho o autor revela imenso respeito pela Suprema Corte e um entusiasmado sentimento de defesa do interesse pblico federal, pois, sem favor algum, produziu uma das melhores peas sobre esse complicado tema.

    Hora de finalizar e passar a palavra ao meu ilustre colega PFN Augusto Cesar Carvalho Leal. Antes, todavia, devo registrar vez mais, a satisfao pessoal em ver o seu texto publicado e ver o seu brilhantismo jurdico reconhecido. Esta a primeira de muitas outras contribuies que o autor dar para as letras jurdicas nacionais.

    Boa leitura!

    Lus Carlos Martins Alves Jr1

    1 Bacharel em Direito, Universidade Federal do Piau; Doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais; Professor de Direito Constitucional, Centro Universitrio de Braslia e Centro Universitrio de Anpolis; Procurador da Fazenda Nacional perante o Supremo Tribunal Federal; Advogado Pblico Federal inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil Distrito Federal.

  • Sigilo Bancrio e Administrao Tribubria Brasileira 11

    INTRODUO

    Desde a edio da Lei Complementar n. 105, em 2001, grande polmica marca o debate doutrinrio sobre a sua constitucionalidade, notadamente no ponto em que autoriza Administrao Tributria Federal, preenchidos certos requisitos, o acesso direto sem prvia autorizao judicial, portanto aos dados da movimentao financeira dos contribuintes em posse de instituies bancrias e similares.

    Para parte da doutrina, o acesso direto da Administrao Tributria aos dados financeiros do contribuinte em posse das instituies bancrias e similares, embasado no art. 6 da LC n. 105, violaria o art. 5, X, XII, LIV e LV, e o art. 145, 1, da Constituio. Nesse diapaso, bastante comum a utilizao, pelos juristas defensores da tese da inconstitucionalidade, de, dentre outros, argumentos no sentido da violao do direito privacidade, do princpio do devido processo legal e da existncia de uma reserva jurisdicional para a requisio de dados sigilosos dos contribuintes em posse de instituies financeiras.

    usual, ainda, argumentar-se que a aplicao do citado dispositivo legal para a apurao de crditos tributrios referentes a exerccios anteriores ao da sua vigncia encontraria obstculo nos constitucionais art. 5, XXXVI, e no art. 150, III, a, que vedariam qualquer possibilidade de retroatividade.

    A controvrsia jurdica envolve polidricos interesses, seja do lado do Estado, seja do lado dos particulares, que vo desde a privacidade dos contribuintes e a reduo do nus tributrio at o combate sonegao fiscal, nos mbitos nacional e internacional, a igualdade tributria, a concorrncia leal, o cumprimento de acordos de cooperao internacional voltados preveno e represso de ilcitos como a lavagem de dinheiro, o terrorismo, o trfico de entorpecentes e o contrabando de armas.

    Assim sendo, natural que esse confronto de ideias, e de mltiplos e complexos interesses, tenha rapidamente transcendido o plano acadmico e adotado o Judicirio como arena.

    No entanto, decorridos mais de dez anos da vigncia da LC n. 105/2001, e da judicializao da discusso, o impasse acerca da

  • Publicaes Eletrnicas da Escola da AGU12

    constitucionalidade do seu art. 6 ainda se encontra pendente de uma soluo definitiva pelo Supremo Tribunal Federal que, finalmente, promova segurana jurdica em torno do tema.

    Bem se v que, ante a iminncia da apreciao do tema pelo plenrio do STF, seja no RE n. 601.314, com repercusso geral reconhecida, seja nas Aes Diretas de Inconstitucionalidade n. 2.386/DF, n. 2.390/DF, n. 2.397/DF e n. 4.010/DF, que tm por objeto a constitucionalidade do art. 6 da LC n. 105/2001, o debate continua extremamente atual e relevante, tanto do ponto de vista terico como sob o prisma pragmtico.

    Da a utilidade do presente estudo, que tem o escopo de demonstrar, minuciosamente, a absoluta constitucionalidade da regulao, positivada pela LC n. 105/2001, do acesso, independente de prvia autorizao judicial, da Administrao Tributria, nas especficas hipteses ali previstas, aos dados da movimentao financeira dos contribuintes de que disponham os bancos e instituies anlogas.

    I DA INEXISTNCIA DE PACIFICAO DO TEMA NO MBITO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

    Como antecipado na introduo, o tema objeto de discusso nas Aes Diretas de Inconstitucionalidade n. 2.386/DF, n. 2.390/DF, 2.397/DF e n. 4.010/DF, ainda no julgadas.

    Sobre ele se debruou o STF em razo do Recurso Extraordinrio n. 389.808/PR e da Ao Cautelar 33/PR, a ele associada.

    Contudo, no se pode considerar que, neles, a Excelsa Corte tenha pacificado a questo e definido o entendimento institucional do tribunal sobre a matria, tarefa que caber ao paradigmtico precedente a ser estabelecido no julgamento do RE 601.314 ou de uma daquelas Aes Diretas de Inconstitucionalidade.

    Na AC n. 33, no obstante o Ministro Marco Aurlio tenha, monocraticamente, deferido a liminar pleiteada, obstaculizando, at a deciso final do RE 389.808, o fornecimento de informaes bancrias da requerente Receita Federal, o plenrio do STF negou referendo cautelar, nos termos do aresto a seguir:

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    EMENTA: RECURSO EXTRAORDINRIO. TUTELA DE URGNCIA (PODER GERAL DE CAUTELA). REQUISITOS. AUSNCIA. PROCESSUAL CIVIL. REFERENDO DE DECISO MONOCRTICA (ART. 21, V DO RISTF). CONSTITUCIONAL. TRIBUTRIO. DADOS BANCRIOS PROTEGIDOS POR SIGILO. TRANSFERNCIA DE INFORMAES SIGILOSAS DA ENTIDADE BANCRIA AO RGO DE FISCALIZAO TRIBUTRIA FEDERAL SEM PRVIA AUTORIZAO JUDICIAL. LEI COMPLEMENTAR 105/2001. LEI 10.174/2001. DECRETO 3.724/2001. A concesso de tutela de urgncia ao recurso extraordinrio pressupe a verossimilhana da alegao e o risco do transcurso do tempo normalmente necessrio ao processamento do recurso e ao julgamento dos pedidos. Isoladamente considerado, o ajuizamento de ao direta de inconstitucionalidade sobre o tema insuficiente para justificar a concesso de tutela de urgncia a todo e qualquer caso. Ausncia do risco da demora, devido ao considervel prazo transcorrido entre a sentena que denegou a ordem e o ajuizamento da ao cautelar, sem a indicao da existncia de qualquer efeito lesivo concreto decorrente do ato tido por coator (21.09.2001 30.06.2003). Medida liminar no referendada. Deciso por maioria.

    (AC 33 MC, Relator(a): Min. MARCO AURLIO, Relator(a) p/ Acrdo: Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2010, DJe-027 DIVULG 09-02-2011 PUBLIC 10-02-2011 EMENT VOL-02461-01 PP-00001).

    Como se v, o Pleno no antecipou, por ocasio da AC n. 33, o entendimento de mrito do STF sobre o tema, tendo a posio vencedora, representada pelo voto-vista do Ministro Joaquim Barbosa, se limitado a considerar inexistentes os requisitos para a concesso da tutela de urgncia, vencidos os Ministros Marco Aurlio, Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello.

    Por outro lado, o julgamento do RE n. 389.808 resultou em acrdo que recebeu essa ementa:

    SIGILO DE DADOS AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso XII do artigo 5 da Constituio Federal, a regra a privacidade quanto correspondncia, s comunicaes telegrficas, aos dados e s comunicaes, ficando a exceo a quebra do sigilo submetida ao crivo de rgo equidistante o Judicirio e, mesmo assim, para efeito de investigao criminal ou instruo processual penal. SIGILO DE DADOS BANCRIOS RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da Repblica norma legal atribuindo Receita

  • Publicaes Eletrnicas da Escola da AGU14

    Federal parte na relao jurdico-tributria o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte.

    (RE 389808, Relator(a): Min. MARCO AURLIO, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/2010, DJe-086 DIVULG 09-05-2011 PUBLIC 10-05-2011 EMENT VOL-02518-01 PP-00218).

    Ocorre que o acrdo acima no consubstancia precedente idneo a pacificar a questo e a revelar o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a matria. Isso em razo de dois graves vcios: a desobedincia do quorum para a declarao de inconstitucionalidade exigido no art. 97 da Constituio clusula de reserva de plenrio e a contradio entre a ementa do julgado e a substncia do julgamento, no que diz respeito suposta necessidade da finalidade de investigao criminal ou instruo processual penal para a obteno dos dados financeiros dos contribuintes pela Administrao Tributria.

    Tais vcios, que foram demonstrados nos Embargos de Declarao opostos no processo pela Unio, sero, doravante, evidenciados.

    No julgamento em comento, foi declarada, em sede de controle difuso, a inconstitucionalidade parcial, sem reduo do texto, dos dispositivos da Lei n. 9.311/96, da Lei Complementar n. 105/01 e do Decreto n. 3.724/01 questionados no RE 389.808, utilizando-se a tcnica da interpretao conforme, descrita na Lei n. 9.868/1999. Em virtude dessa declarao parcial de inconstitucionalidade, sem reduo do texto, determinou-se que, naquele caso concreto, a Receita Federal somente poderia ter acesso aos dados bancrios dos contribuintes mediante autorizao judicial.

    Primeiramente, cumpre ressalvar que no parece adequada a utilizao, no caso, da tcnica da interpretao conforme a Constituio, tendo, em verdade, o acrdo veiculado uma declarao de inconstitucionalidade total.

    Isso porque a Lei Complementar n. 105/2001, alm da possibilidade de acesso direto da Administrao Tributria aos dados financeiros dos particulares em posse das instituies bancrias e similares prevista em seu art. 6, estabelece, em seu art. 3, que essas informaes financeiras protegidas por sigilo bancrio devero ser prestadas pelas instituies financeiras em decorrncia de ordem judicial, restringindo-se o seu conhecimento ao Juiz e s partes litigantes em uma dada ao judicial.

  • Sigilo Bancrio e Administrao Tribubria Brasileira 15

    Logo, declarando-se inconstitucional o dispositivo relativo ao acesso direto pela Administrao Tributria art. 6 da Lei Complementar , naturalmente seria possvel, com base no referido art. 3 inoponibilidade do sigilo bancrio em caso de ordem judicial que o ente pblico solicitasse ao Poder Judicirio que lhe autorizasse a obteno das sigilosas informaes financeiras do contribuinte.

    A tcnica da interpretao conforme privilegia a integridade do ordenamento jurdico. Ela se presta a evitar a declarao de inconstitucionalidade de um dispositivo quando possvel orientar a sua interpretao para que adentre uma via interpretativa que o compatibilize com a Constituio Federal.

    Na prtica, o acrdo, ao dar interpretao conforme o dispositivo que estabelece o acesso direto das informaes financeiras pela autoridade fiscal art. 6 da LC n. 105/2001 , determinando que somente seria possvel o acesso por ordem judicial retirou toda a utilidade jurdica do dispositivo interpretado, uma vez que a possibilidade de acesso por ordem judicial j existiria, de qualquer forma, com espeque em outro dispositivo legal explcito art. 3 da mesma Lei.

    Logo, a declarao de interpretao conforme, no caso, no garantiu a produo de nenhum efeito jurdico autnomo ao art. 6 da Lei Complementar n. 105/2001.

    Por isso, na prtica, no houve declarao de inconstitucionalidade parcial sem reduo do texto prpria da interpretao conforme a Constituio mas, sim, verdadeira declarao de inconstitucionalidade total do art. 6 da LC n. 105/01.

    Essa constatao, por si s, j suficiente para se perceber a necessidade de que a examinada deciso colegiada houvesse respeitado o que no fez a clusula de reserva de plenrio, prevista no art. 97 da Constituio da Repblica, que exige que, qualquer declarao de inconstitucionalidade efetivada por tribunais, seja determinada pelos votos da maioria absoluta dos seus membros ou dos membros do seu correspondente rgo especial.

    Esse preceito constitucional garante a segurana jurdica, protegendo a presuno de constitucionalidade das leis. A inobservncia dessa regra, com a declarao de inconstitucionalidade

  • Publicaes Eletrnicas da Escola da AGU16

    por mera maioria relativa, permite que um quorum de presena varivel conduza a concluses diversas quanto constitucionalidade de uma norma dentro do mesmo Tribunal, o que prejudicial ao ordenamento jurdico.

    No caso do Supremo Tribunal Federal, so exigidos 06 (seis) votos no mesmo sentido para a declarao de inconstitucionalidade.

    O acrdo, no entanto, omitiu-se no que tange considerao do teor do indicado art. 97, dispositivo constitucional esse por cujo cumprimento, deveria, de ofcio, zelar.

    Observe-se que, naquele julgamento, a declarao de inconstitucionalidade somente foi proferida por cinco ministros, que seguiram o eminente Ministro Marco Aurlio, relator.

    Eis a representao do plenrio na indigitada sesso de julgamento e a posio dos respectivos Ministros:

    Ministro Presidente Cezar Peluso: INCONSTITUCIONAL

    Min. Celso de Mello: INCONSTITUCIONAL Min. Marco Aurlio: INCONSTITUCIONAL

    Min. Ellen Gracie: CONSTITUCIONAL Min. Gilmar Mendes: INCONSTITUCIONAL

    Min. Ayres Britto: CONSTITUCIONAL Min. Joaquim Barbosa: AUSENTE

    Min.Ricardo Lewandowski: INCONSTITUCIONAL

    Min. Crmen Lcia: CONSTITUCIONAL

    Min. Dias Toffoli: CONSTITUCIONAL Min. Luiz Fux: AINDA NO HAVIA TOMADO POSSE

    Verifica-se, em sntese, o quorum correspondente votao do RE 389.808/PR:

    Inconstitucionalidade = Cinco votos

    Constitucionalidade = Quatro votos

    Ausncias = Dois votos

    Ante o referido quadro, entende-se ter sido olvidado o procedimento imposto pelo art. 97 da Constituio.

  • Sigilo Bancrio e Administrao Tribubria Brasileira 17

    Tambm se considera que o acrdo incorreu em omisso no que diz respeito ao art. 173, pargrafo nico, do Regimento Interno do STF, que assim dispe:

    Art. 173. Efetuado o julgamento, com o quorum do art. 143, pargrafo nico, proclamar-se- a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade do preceito ou do ato impugnados, se num ou noutro sentido se tiverem manifestado seis Ministros.

    Pargrafo nico. Se no for alcanada a maioria necessria declarao de inconstitucionalidade, estando licenciados ou ausentes Ministros em nmero que possa influir no julgamento, este ser suspenso a fim de aguardar-se o comparecimento dos Ministros ausentes, at que se atinja o quorum. (grifos nossos)

    Nesse diapaso, claro o transcrito dispositivo regimental no sentido de que, em situaes como a dos autos do RE 389.808, em que no se atingiu o quorum necessrio declarao de inconstitucionalidade seis votos , deve o julgamento ser suspenso para que sejam colhidos os votos dos Ministros ausentes, em nmero suficiente ao atendimento do art. 97 da Constituio da Repblica.

    O art. 134, 3, do Regimento do STF, por sua vez, fulmina qualquer eventual dvida quanto possibilidade de, nessas hipteses, Ministro ausente no momento da leitura do relatrio participar do julgamento:

    Art. 134. Se algum dos Ministros pedir vista dos autos, dever apresent-los, para prosseguimento da votao, at a segunda sesso ordinria subseqente.

    [...] 2 No participaro do julgamento os Ministros que no tenham assistido ao relatrio ou aos debates, salvo quando se derem por esclarecidos.

    3 Se, para o efeito do quorum ou desempate na votao, for necessrio o voto de Ministro nas condies do pargrafo anterior, sero renovados o relatrio e a sustentao oral, computando-se os votos anteriormente proferidos. (grifos nossos)

    Da leitura dos dispositivos do Regimento aqui colacionados, aduz-se que, diante da inexistncia de quorum, deveria ter sido suspenso o julgamento para que se colhesse o voto do eminente Ministro Joaquim Barbosa, e, havendo necessidade, at mesmo o do recm-empossado

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    Ministro Luiz Fux j que, no que tange a esse ltimo, as normas regimentais no parecem discriminar o motivo da ausncia do Ministro na sesso em que lido o relatrio.

    Conclui-se, portanto, que ao se proceder proclamao do resultado do julgamento a despeito da ausncia de quorum para a declarao de inconstitucionalidade, ignorou-se no apenas o art. 97 da Constituio, mas, igualmente, o art. 173, pargrafo nico, do prprio Regimento Interno do STF, ambos veculos de normas de ordem pblica, que deveriam ter sido conhecidas de ofcio.

    Destaca-se que se faz necessrio o respeito ao art. 97 da Constituio e ao art. 173, pargrafo nico, do RISTF, ainda que se considere que o acrdo no declarou a inconstitucionalidade total do art. 6 da LC n. 105, mas, apenas, procedeu a uma interpretao conforme a Constituio, reconhecendo a sua inconstitucionalidade parcial, sem reduo do texto. Seno vejamos.

    Lus Roberto Barroso leciona que pode ser considerada interpretao conforme a Constituio a:

    Declarao de inconstitucionalidade parcial sem reduo do texto, que consiste na excluso de uma determinada interpretao possvel da norma geralmente a mais bvia e na afirmao de uma interpretao alternativa, compatvel com a Constituio.1

    O Ministro Gilmar Ferreira Mendes relata que:

    Em deciso de 9 de novembro de 1987, deixou assente o Supremo Tribunal Federal que a interpretao conforme Constituio no deve ser vista como simples princpio de interpretao, mas sim como modalidade de deciso do controle de normas, equiparvel a uma declarao de inconstitucionalidade sem reduo de texto.2

    Uadi Lammgo Bulos, por sua vez, elucida:

    Declarao de inconstitucionalidade parcial sem reduo do texto a tcnica decisria que possibilita excluir determinadas hipteses de aplicao de um programa normativo. Sem empreender qualquer

    1 BARROSO, Lus Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposio sistemtica da doutrina e anlise critica da jurisprudncia. So Paulo: Saraiva, 2009. p. 207

    2 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocncio Mrtires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. So Paulo: Saraiva, 2010. p. 1427

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    alterao gramatical dos textos legais, permite que o Supremo aplique uma lei, num determinado sentido, a fim de preservar a sua constitucionalidade.3

    Complementa, ainda, que a interpretao conforme a Constituio construda pela jurisprudncia alem, sob a gide da Lei Fundamental de Bonn de 1949 um critrio de exegese constitucional e, ao mesmo tempo, uma tcnica de controle de constitucionalidade:

    Assim, no equacionamento de problemas jurdico-constitucionais, resta ao intrprete recorrer teoria da divisibilidade da norma. Desse modo, o Supremo declara a inconstitucionalidade da parte doente da lei, preservando o restante dela. Evidente que isso s pode ser feito em preceitos que abriguem mltiplos significados (normas polissmicas), aceitando vrias interpretaes. Caso a norma tenha sentido unvoco, no h opes de escolha. Resultado: ou ela totalmente constitucional, ou inconstitucional. Por isso, o instituto s utilizvel quando a norma impugnada admite, dentre as vrias interpretaes possveis, uma que a compatibilize com a Carta Magna, e no quando o sentido da norma unvoco.4

    Sob esse enfoque, Uadi afirma que:

    Em algumas situaes prticas, a declarao parcial de inconstitucionalidade sem reduo do texto posta-se como instrumento para operacionalizar a interpretao conforme. Sem alterar uma vrgula sequer da carta magna, o intrprete declara a inconstitucionalidade de algumas exegeses possveis do texto legal, mantendo, assim, a lei ou ato normativo na ordem jurdica.5

    Cumpre enfatizar que o acrdo do RE n. 389.808 se enquadra perfeitamente no conceito de declarao de inconstitucionalidade sem reduo do texto, definida pelo Ministro Gilmar Mendes como aquela em que h:

    Expressa excluso, por inconstitucionalidade, de determinadas hipteses de aplicao do programa normativo sem que se produza alterao expressa do texto legal. Assim, se se pretende realar que determinada aplicao do texto normativo inconstitucional, dispe o Tribunal da declarao de inconstitucionalidade sem reduo de texto, que, alm de mostrar-se tecnicamente adequada para essas situaes, tem a virtude de ser dotada de maior clareza e

    3 BULOS, Uadi Lammgo. Curso de direito constitucional. So Paulo: Saraiva, 2008, p. 356

    4 BULOS, op. cit., p. 352

    5 BULOS, op. cit., p. 357

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    segurana jurdica, expressas na parte dispositiva da deciso (a lei X inconstitucional se aplicvel a tal hiptese; a lei Y inconstitucional se autorizativa da cobrana do tributo em determinado exerccio financeiro).6

    Destarte, caso no se entenda que a deciso colegiada analisada realizou, nos termos j expostos, verdadeira declarao de inconstitucionalidade total do art. 6 da LC n. 105/2001, no deve haver dvida de que, ao menos, configurou declarao parcial de inconstitucionalidade sem reduo do texto.

    Ocorre que o acrdo excluiu, expressamente, por suposta incompatibilidade com a Constituio art. 5, XII justamente a interpretao literal e mais bvia do art. 6 da LC n. 105/2001, qual seja, a de que, preenchidos os inmeros requisitos e garantias estipulados naquela Lei, a Administrao Tributria possui acesso direto aos dados financeiros dos contribuintes que estejam em posse das instituies bancrias e estabelecimentos anlogos.

    Muito alm disso: a interpretao alternativa estabelecida na deciso colegiada, reputada compatvel com a Constituio da Repblica, como j salientado, esvaziou de sentido o debatido art. 6 da LC n. 105/2001, na medida em que lhe retirou toda e qualquer utilidade jurdica.

    Afirma-se isso porque, como j salientado, a interpretao alternativa conforme a Constituio do dispositivo legal em questo a de que a Administrao Tributria poder conhecer os dados econmicos dos contribuintes em posse das instituies financeiras se, e somente se, obtiver, por meio da propositura de uma ao, uma ordem judicial nesse sentido.

    Ora, essa possibilidade de acesso por ordem judicial j existiria com base em norma jurdica diversa art. 3 da LC n. 105/2001 , pelo que o art. 6 da Lei nenhum efeito jurdico til estaria produzindo, com base na interpretao conforme a Constituio realizada.

    Evidencia-se, com isso, que o acrdo, considerando existir um suposto bice constitucional art. 5, XII retirou todo e qualquer efeito

    6 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocncio Mrtires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. So Paulo: Saraiva, 2010. p.1428.

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    jurdico til do art. 6 da LC n. 105/2001, subtraindo, por isso mesmo, o seu carter normativo, o que equivale a declarar a sua inconstitucionalidade.

    Salta aos olhos, portanto, que a deciso colegiada recorrida configurou autntica declarao de inconstitucionalidade, ou, no mnimo, uma declarao de inconstitucionalidade parcial sem reduo de texto, pois determinou, nas palavras j citadas de Barroso, a excluso de uma determinada interpretao possvel da norma geralmente a mais bvia e, no seu lugar, explicitou uma interpretao alternativa, compatvel com a Constituio.

    Reala-se que, para que essa inconstitucionalidade parcial sem reduo do texto tivesse sido reconhecida pelo STF, deveria ter sido respeitada a clusula de reserva de plenrio, estatuda pelo art. 97 da Constituio, que impe que a deciso de inconstitucionalidade por parte de tribunal seja tomada por um quorum correspondente maioria absoluta do plenrio ou do seu rgo especial.

    Uadi Bulos, sobre a clusula de reserva de plenrio, revela:

    Trata-se de construo jurisprudencial da Suprema Corte norte-americana, chamada de regra do full bench (composio plenria), full court (tribunal pleno) ou julgamento en banc (pela bancada).7

    Lus Roberto Barroso detalha bastante o instituto:

    Por fora do princpio da reserva do plenrio, a inconstitucionalidade de uma lei somente pode ser declarada pela maioria absoluta dos membros do tribunal ou de seu rgo especial, onde exista. Essa norma, instituda pela primeira vez com a Constituio de 1934, e reproduzida nas subseqentes, aplicava-se, por fora de sua origem, apenas ao controle incidental e difuso. Com a criao do controle por via principal e concentrado, estendeu-se tambm a ele, no havendo qualquer distino na norma materializada no art. 97 da Carta em vigor. A reserva de plenrio espelha o princpio da presuno de constitucionalidade das leis, que para ser infirmado exige um quorum qualificado do tribunal. Sempre que o rgo julgador afastar a incidncia de uma norma, por consider-la inconstitucional, estar procedendo a uma declarao de inconstitucionalidade, mesmo que o faa sem explicitar e independentemente de argio expressa.8

    7 BULOS, Uadi Lammgo. Curso de direito constitucional. So Paulo: Saraiva, 2008. p. 274.

    8 BARROSO, Lus Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposio sistemtica da doutrina e anlise critica da jurisprudncia. So Paulo: Saraiva, 2009. p. 95-96.

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    O Ministro Gilmar Mendes no deixa dvidas de que a interpretao que afasta, por incompatibilidade com a Constituio, uma determinada interpretao da norma, ainda que sem expurgar o correspondente texto legal do sistema, deve respeitar a clusula de reserva de plenrio:

    Tema tambm importante relaciona-se necessidade ou no de se observar a regra do art. 97 da Constituio no caso de no aplicao de uma dada norma ou de no adoo de determinada interpretao sem afetar a expresso literal (declarao de inconstitucionalidade sem reduo de texto). Entendemos que tambm nesse caso tem-se inequvoca declarao de inconstitucionalidade e, por isso, obrigatria se afigura a observncia do disposto no art. 97 da Constituio Federal.9

    Foi devidamente demonstrado que o acrdo claramente afastou, por incompatibilidade com a Constituio, uma determinada interpretao da norma, ainda que sem expurgar o correspondente texto legal do sistema, sem que tenha sido respeitado o quorum exigido pelo art. 97 da Constituio.

    Em face de inmeros casos sobre a aplicao do art. 97 da Constituio Federal, o Supremo Tribunal Federal editou ainda a Smula Vinculante n. 10, que explicita que a clusula de reserva de plenrio deve ser respeitada ainda que a deciso do Tribunal no seja expressa acerca da declarao de inconstitucionalidade.

    Segundo a aludida smula vinculante, o que importa observar, para considerar aplicvel o art. 97 da Constituio, se a incidncia da Lei est sendo afastada, no todo ou em parte, com base em um fundamento constitucional. Segue o teor da smula:

    Viola a clusula de reserva de plenrio (CF, artigo 97) a deciso de rgo fracionrio de tribunal que, embora no declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder pblico, afasta sua incidncia, no todo ou em parte.

    Para que no haja qualquer hesitao sobre a tese aqui sustentada, reitera-se: o acrdo afastou, no todo ou em parte, a incidncia do art. 6 da LC n. 105/2001 com base em um fundamento constitucional, o art. 5,

    9 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocncio Mrtires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. So Paulo: Saraiva, 2010. p. 1230.

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    XII, da Constituio, circunstncia essa que se enquadra, com preciso, na leitura teleolgica do art. 97 feita pela Smula Vinculante n. 10.

    No sem motivo, o Ministrio Pblico Federal tambm ops Embargos de Declarao em face do acrdo do RE n. 389.808, alertando, em idntico sentido, sobre a violao ao art. 97 da Constituio, bem como ao art. 173, pargrafo nico, do RISTF.

    Nos seus Embargos de Declarao, subscritos pelo Procurador-Geral da Repblica Roberto Monteiro Gurgel Santos, o Ministrio Pblico Federal confirmou a tese defendida pelos Embargos de Declarao da Unio, j reproduzida:

    [...] 8. A reduo das hipteses de aplicao das normas excluindo-se, sem reduo do texto, a interpretao que admita o acesso dos dados bancrios imediatamente pelo Fisco, sem interveno jurisdicional configura verdadeira declarao de inconstitucionalidade, ainda que parcial e proferida sob a roupagem de interpretao conforme a Constituio. [...] 10. A conexo que existe hoje entre os processos de controle difuso e concentrado de constitucionalidade no deixa mais que sejam ignorados os amplos efeitos que qualquer deciso proferida pelo STF tem na aplicao das leis. 11. A declarao de inconstitucionalidade, sem reduo de texto, da LC 105/01, da Lei 9.311/96 e do Decreto 3.724/01, precisa representar o entendimento do Tribunal, devendo ser rigorosamente observado o art. 97 da Constituio da Repblica. 12. No caso, foi atendido o quorum de instalao dos trabalhos (art. 143, pargrafo nico, RISTF), presentes nove ministros sesso de 15/12/2010. Contudo, no momento da votao, apurados cinco votos pela declarao de inconstitucionalidade, vencidos outros quatro ministros, o julgamento deveria, necessariamente, ter sido suspenso, observando-se o art. 97 da Constituio, pois a questo prejudicial da constitucionalidade de lei estava em pauta. 13. Naquele momento, o Tribunal no estava apreciando o caso concreto, subjacente ao recurso extraordinrio. Estava, num processo de maior abrangncia, tal como acontece com os tribunais ordinrios, pelo rito dos arts. 481 e 482 do CPC, apurando a adequao de ato normativo federal, aprovado pelo Poder Legislativo, s diretrizes da Constituio. 14. A declarao de inadequao do texto normativo deve ser, portanto, do Tribunal. Noutras palavras, da maioria absoluta de seus membros, alis, como preconizado tambm pelo RISTF, que, em seus arts. 176, 177 e 178, comanda: Art. 176. Argida a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, em qualquer outro processo submetido ao Plenrio, ser ela julgada em conformidade com o disposto nos arts. 172 a 174, depois de ouvido o Procurador-Geral. 1 Feita a argio em processo de competncia da Turma, e considerada relevante, ser ele

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    submetido ao Plenrio, independente de acrdo, depois de ouvido o Procurador-Geral. 2 De igual modo procedero o Presidente do Tribunal e os das Turmas, se a inconstitucionalidade for alegada em processo de sua competncia. Art. 177. O Plenrio julgar a prejudicial de inconstitucionalidade e as demais questes da causa. Art. 178. Declarada, incidentalmente, a inconstitucionalidade, na forma prevista nos arts. 176 e 177, far-se- comunicao, logo aps a deciso, autoridade ou rgo interessado, bem como, depois do trnsito em julgado, ao Senado Federal, para os efeitos do art. 42, VII, da Constituio. 15. E o teor do art. 173 do RISTF, ao qual o art. 176 remete o procedimento de julgamento de questo prejudicial relativa a argio de inconstitucionalidade de lei, peremptrio ao estabelecer que: Art. 173. Efetuado o julgamento com o quorum do art. 143, pargrafo nico, proclamar-se- a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade do preceito ou do ato impugnados, se num ou noutro sentido se tiverem manifestado seis Ministros. Pargrafo nico. Se no for alcanada a maioria necessria declarao de inconstitucionalidade, estando licenciados ou ausentes Ministros em nmero que possa influir no julgamento, este ser suspenso a fim de aguardar-se o comparecimento dos Ministros ausentes, at que se atinja o quorum. 16. O vcio de procedimento, tal como aqui deduzido, pode ser tratado em sede de embargos de declarao (RE 428.991/RS, Ministro Marco Aurlio, Primeira Turma, Dje-206, divulgado em 30/10/2008, publicado em 31/10/2008). Alm de constituir em si mesmo tema omitido pelo acrdo, o que j daria ensejo ao seu acolhimento pela letra do art. 535, II, do CPC, nota-se a presena de nulidade de carter absoluto, passvel de ser alegada a qualquer tempo (art. 245, pargrafo nico, do CPC). 17. Decretada a nulidade da proclamao do resultado do julgamento ocorrido em 15/12/2010, por no se ter observado o art. 97 da Constituio (clusula de reserva de plenrio), tal como o art. 173, pargrafo nico, do RISTF, segundo os quais dever-se-ia ter suspendido a sesso para que fosse colhido o voto do ministro ausente, pede-se a renovao do ato (RE 418.978 AgR-ED/RJ, Ministro Cezar Peluso, Primeira Turma, DJ de 4/3/2005, p. 22), preservados os pronunciamentos j colhidos, sendo ento finalizado o julgamento com a manifestao do Ministro Joaquim Barbosa. [...]

    Essas as slidas razes pelas quais se sustenta ter o julgamento realizado no RE n. 389.808 violado o art. 97 da Constituio e o art. 173, pargrafo nico, do Regimento Interno do STF, incorrendo em nulidade absoluta, conhecvel de ofcio, a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdio.

    Alm do demonstrado vcio, o acrdo em foco tambm incorreu, com todas as vnias, no vcio de contradio.

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    O Ministrio Pblico Federal, nos seus Embargos de Declarao, detalha de maneira bastante didtica em que consiste o indigitado vcio:

    [...] 20. Os quatro ministros vencidos compreenderam que as disposies legais atinentes ao acesso dos dados bancrios pelo Fisco no contrastam com o inciso XII do art. 5 da Constituio. 21. Mesmo que considerem essencial a interveno do Poder Judicirio, os Ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski no convergiram para o argumento de que, inclusive, o acesso s possa ser realizado com fim especfico de servir a investigao criminal e instruo processual penal. 22. Ou seja, quanto a essa restrio de finalidade, as normas no foram declaradas inconstitucionais (por pelo menos seis votos), apesar da manifestao do Relator, que seguia nesse sentido. 23. Ocorre, contudo, que da ementa consta a mencionada restrio, sugerindo-se que o acesso de dados s poder ser admitido para os fins de se promover investigao criminal e instruo processual penal. O tema, nessa extenso, no foi acolhido pelo Plenrio. 24. Seja pela tica do erro material, seja pela contradio que se verifica entre o teor da ementa dada ao julgado e os votos colhidos, pede-se o acolhimento dos embargos de declarao para que o trecho e, mesmo assim, para efeito de investigao criminal ou instruo processual penal seja retirado da ementa. [...]

    Como bem sinalizado pelo Ministrio Pblico Federal, a contradio revelada se materializa no destacado excerto da ementa do acrdo embargado:

    SIGILO DE DADOS AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso XII do artigo 5 da Constituio Federal, a regra a privacidade quanto correspondncia, s comunicaes telegrficas, aos dados e s comunicaes, ficando a exceo a quebra do sigilo submetida ao crivo de rgo equidistante o Judicirio e, mesmo assim, para efeito de investigao criminal ou instruo processual penal. SIGILO DE DADOS BANCRIOS RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da Repblica norma legal atribuindo Receita Federal parte na relao jurdico-tributria o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte. (RE 389808, Relator(a): Min. MARCO AURLIO, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/2010, DJe-086 DIVULG 09-05-2011 PUBLIC 10-05-2011 EMENT VOL-02518-01 PP-00218; grifos nossos)

    Essa restrio concernente necessidade de investigao criminal ou instruo processual penal para que a Administrao Tributria obtenha autorizao judicial para acessar os dados financeiros

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    do contribuinte em posse dos bancos constava do voto proferido pelo eminente relator, Ministro Marco Aurlio.

    Contudo, como lembra o Ministrio Pblico Federal, essa especfica restrio no foi acolhida pela maioria dos votantes, tendo o relator ficado vencido no ponto.

    Como a posio vencedora no reflete essa restrio possibilidade de autorizao judicial Administrao Tributria no sentido do levantamento do sigilo bancrio to-somente para fins penais , h ntida contradio na ementa do julgado, que veicula esse entendimento como se tivesse se sagrado vencedor na correlata sesso de julgamento.

    O no acolhimento da tese do Ministro Marco Aurlio nesse especfico ponto fica bem ilustrado no seguinte excerto dos debates ocorridos durante o voto do Ministro Gilmar Mendes fl. 266-267 dos autos do RE n. 389.808:

    O SENHOR MINISTRO MARCO AURLIO (RELATOR) Surge um problema, no tocante jurisdio, a reserva diz respeito a um objeto, persecuo criminal, e, no caso concreto, o objeto outro, a cobrana de tributo. O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES No, mas pode haver at uma disciplina legislativa, uma medida cautelar que permita, porque essa permitiu ao legislador, eventualmente poderia permitir se entendermos. O SENHOR MINISTRO MARCO AURLIO (RELATOR) Mas, a, contrariaria, porque, quando a Constituio abre exceo regra, o faz quanto ao Judicirio e para uma finalidade exclusiva, ou seja, a investigao criminal, e no a cobrana de tributo. O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES No me parece, pelo menos no havia entendido assim o voto de Vossa Excelncia e, certamente, no dou essa extenso. Eu entendo que a matria est sujeita a exame parece-me que a razovel -, mas no exigir que sempre haja uma investigao criminal. No me parece tambm que fosse essa a posio do Ministro Celso de Mello. Ele enfatizava simplesmente o princpio da reserva de jurisdio, mas no a necessidade de existncia de um procedimento de ndole criminal. Tanto que foi isso que me sensibilizou, especialmente no voto de Sua Excelncia, quer dizer, claro que isso onera. E Vossa Excelncia, inclusive, sempre ressalta dizendo que se paga um preo para se viver no Estado de Direito ou na democracia, que a observncia de regras mais onerosas. Portanto, no chego a esse ponto, mas eu vou acompanhar Vossa Excelncia quanto ao fundamento bsico da necessidade de jurisdio, que tambm acho que foi a posio defendida pelo Ministro Cezar Peluso, no julgamento, a idia de reserva de jurisdio. Portanto, Presidente, eu me manifesto nesse sentido, j com a ressalva, quer dizer, entendo que aqui est

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    presente a necessidade de reserva de jurisdio, mas no a necessidade de que haja uma investigao de ndole criminal. (grifos nossos)

    Por tudo o que se exps, entende-se inexistir, na jurisprudncia do STF, precedente vlido, sequer em sede de controle difuso de constitucionalidade, capaz de evidenciar o entendimento oficial da Excelsa Corte sobre o tema, que permanece indefinido e controverso.

    II DO VOTO-VENCEDOR DO MINISTRO LUIZ FUX, NO JUL-GAMENTO DO RECURSO ESPECIAL REPETITIVO 1.134.665, NO SENTIDO DA PLENA VALIDADE DA LC 105/2001

    No paradigmtico Recurso Especial n. 1.134.665/SP, que se submeteu sistemtica dos recursos repetitivos art. 543-C do Cdigo de Processo Civil o Superior Tribunal de Justia manifestou-se no sentido de que a oponibilidade do sigilo bancrio ao Estado uma forma de serem encobertos ilcitos tributrios, reconhecendo a compatibilidade da LC n. 105/2001 com a Constituio.

    Nesse sentido, o voto do eminente Ministro Luiz Fux relator daquele Recurso Especial e, atualmente, Ministro do Supremo Tribunal Federal acolhido unanimidade pelos seus pares, deixou claro que o art. 145, 1, da Constituio fundamenta a criao de instrumentos que possibilitem que a Administrao Tributria identifique o patrimnio, os rendimentos e as atividades econmicas do contribuinte como forma de conferir efetividade ao princpio da capacidade contributiva. Mais do que isso: sustentou que o sigilo bancrio no absoluto, devendo ceder diante do princpio da moralidade, o qual impede que a intimidade seja invocada para encobrir ilcitos.

    Para melhor compreenso, transcreve-se elucidativo excerto do voto-condutor exarado pelo Ministro Luiz Fux acerca da constitucionalidade da LC n. 105:

    Deveras, a Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 facultou Administrao Tributria, nos termos da lei, a criao de instrumentos/mecanismos que lhe possibilitassem identificar o patrimnio, os rendimentos e as atividades econmicas do contribuinte, respeitados os direitos individuais, especialmente com o escopo de conferir efetividade aos princpios da pessoalidade e da capacidade contributiva (artigo 145, 1). Destarte, o sigilo bancrio, como cedio, no tem carter absoluto, devendo ceder ao

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    princpio da moralidade aplicvel de forma absoluta s relaes de direito pblico e privado, devendo ser mitigado nas hipteses em que as transaes bancrias so denotadoras de ilicitude, porquanto no pode o cidado, sob o alegado manto de garantias fundamentais, cometer ilcitos. Isto porque, conquanto o sigilo bancrio seja garantido pela Constituio Federal como direito fundamental, no o para preservar a intimidade das pessoas no af de encobrir ilcitos. O suposto direito adquirido de obstar a fiscalizao tributria no subsiste frente ao dever vinculativo de a autoridade fiscal proceder ao lanamento de crdito tributrio no extinto.

    Ademais, decidiu-se que a Lei Complementar n. 105/2001 estabelece normas formais que regulam o procedimento de fiscalizao tributria, sendo, por isso mesmo, imediatamente aplicvel, inclusive no que tange apurao de fatos geradores anteriores sua vigncia.

    III DA COMPATIBILIDADE DO ACESSO DIRETO DA ADMI-NISTRAO TRIBUTRIA AOS DADOS FINANCEIROS DO CONTRIBUINTE COM O ART. 5, X, DA CONSTITUIO

    O art. 5, X, da Constituio da Repblica preconiza que so inviolveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenizao pelo dano material ou moral decorrente de sua violao.

    Como bem esclareceu o eminente Ministro Ayres Britto, no voto proferido no RE n. 389.808, as informaes do indivduo protegidas por tal direito constitucional intimidade so aquelas relacionadas esfera do ser, vinculada sua personalidade, e no quela do ter.

    Para o citado Ministro, o direito intimidade no abrange os dados do ter, porquanto as informaes relacionadas ao patrimnio, renda e s atividades econmicas do sujeito de direito, na sua objetividade, so, num Estado Democrtico de Direito, que possui a transparncia como pilar da democracia, vocacionadas ao controle da sociedade.

    Isso porque a sociedade, para alcanar o bem comum, necessita, por intermdio do Estado, fiscalizar a licitude desses bens, receitas e atividades econmicas.

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    No se pode olvidar que um dos pressupostos para que a atividade econmica do contribuinte esteja em plena harmonia com as normas jurdicas estabelecidas pelos representantes do povo o pagamento de tributos em proveito de toda a sociedade, destinatria final das mais diversas polticas pblicas mantidas com as receitas tributrias.

    Como reconhece a doutrina e a jurisprudncia notoriamente majoritrias, o pagamento de tributos deve ocorrer na medida da capacidade contributiva do contribuinte, o que prestigia o interesse deste e da prpria sociedade de que o sistema tributrio brasileiro respeite critrios de equidade e de solidariedade, realizando justia fiscal.

    Ora, de se questionar como realizar a justia fiscal, concretizando os valores da isonomia substancial e no meramente formal e da solidariedade tributrias, sem que o Estado possua meios de conhecer quais so os bens, as rendas e as atividades econmicas do contribuinte. Ou, em outras palavras, sem que a Administrao Tributria tenha o poder de verificar se um dado contribuinte colaborou financeiramente com a manuteno da sociedade no montante devido ou se, por outro lado, omitiu-se, total ou parcialmente, desse dever cvico, relegando, egoisticamente, aos demais cidados e pessoas jurdicas a carga integral do sustento de obras e servios pblicos que beneficiam toda a comunidade, inclusive aquele devedor.

    So, por certo, razes de interesse pblico primrio como a justia fiscal, a igualdade substancial e a solidariedade tributria, princpios decorrentes do sistema constitucional tributrio brasileiro, que movem a interpretao de que o art. 5, X, da Constituio da Repblica veda, em homenagem ao legtimo resguardo da intimidade, o acesso da coletividade a informaes do ser, estritamente ligadas personalidade, mas no o acesso da Administrao Tributria a dados do ter, com o absoluto resguardo do sigilo das informaes, que continuam protegidas do pblico, e com respeito a inmeras rgidas garantias do contribuinte estabelecidas na prpria Lei Complementar n. 105/2001.

    Essa hermenutica do art. 5, X, da Constituio como proteo s informaes prprias do ser, e no do ter, do sujeito de direito encontra forte eco na doutrina.

    Observe-se, por exemplo, a lio de Roberto Massao Chinen, que cita, por sua vez, Trcio Sampaio Ferraz Jnior:

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    A idia de intimidade, conforme acima relatada, traz certa dificuldade de comportar bens econmicos, com os quais as contas bancrias guardam estreita conjugao; o sigilo bancrio como manifestao do resguardo intimidade no deixa de parecer, primeira vista, uma tentativa de materializao de algo essencialmente espiritual. Nesse sentido, Trcio Sampaio Ferraz Jnior adverte que no to simples subsumir os sigilos do mundo econmico, em especial da pessoa jurdica, privacidade; at porque estes parecem ter, antes, um acentuado sentido de propriedade, mais do que de liberdade.10

    Tambm assim, referindo-se ao Direito espanhol, entende Jos Ramn Ruiz Garca, segundo o qual:

    O direito intimidade constitucionalmente garantido pelo art. 18 tem relao com uma rea espacial ou funcional da pessoa precisamente em favor da salvaguarda da sua privacidade, que h de restar imune s agresses exteriores de outras pessoas ou da Administrao Pblica e no se pode estender de tal modo que constitua um instrumento que impossibilite ou dificulte o dever constitucionalmente declarado no art. 31 da Norma Fundamental de todo cidado de contribuir sustentao dos gastos pblicos atravs do sistema tributrio, de acordo com sua capacidade econmica.11

    Nas palavras de Aldemario Araujo Castro, h notcia de que o Tribunal Constitucional espanhol distingue a intimidade pessoal da intimidade econmica.12

    Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho acentua que s excepcionalmente as informaes e documentos bancrios, relativos a meros nmeros, a contabilidade fria, poderiam revelar alguma relao com a vida privada do contribuinte.13

    Enfatiza-se que, na hiptese de se optar por uma leitura do art. 5, X, da Constituio abrangente no apenas dos dados do ser, mas, tambm, dos dados do ter, ainda assim no se revelaria razovel,

    10 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancrio e o fisco. Curitiba: Juru, 2005. p. 90.

    11 Apud CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancrio e o fisco. Curitiba: Juru, 2005. p. 90.

    12 CASTRO, Aldemario Araujo. Consideraes acerca dos Sigilos Bancrio e Fiscal, do Direito Fundamental de Inviolabilidade da Privacidade e do Princpio Fundamental da Supremacia do Interesse Pblico sobre o Privado. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancrio e Fiscal - Homenagem ao Jurista Jos Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Frum, 2011. p. 457.

    13 Apud CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancrio e o fisco. Curitiba: Juru, 2005. p. 82.

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    com a devida vnia, a tese da inconstitucionalidade do acesso direto da Administrao Tributria s informaes da movimentao financeira do contribuinte em poder dos bancos e instituies anlogas.

    Ocorre que, mesmo que se vislumbre o sigilo bancrio como decorrncia do direito intimidade, a sua interpretao teleolgica leva concluso de que a finalidade da norma veiculada pelo art. 5, X, da Constituio proteger a informao privada contra a sua divulgao pblica.

    Nesse diapaso, parece evidente que no h qualquer leso ao direito intimidade em decorrncia do debatido acesso direto da Administrao Tributria aos dados econmicos do contribuinte, uma vez que estes no so, de forma alguma, divulgados publicamente, havendo mera transferncia do sigilo das instituies financeiras para o Estado, tendo por escopo, como ser adiante demonstrado, a realizao da justia fiscal, por meio, por exemplo, da concretizao dos princpios constitucionais da isonomia, da capacidade contributiva, da solidariedade tributria, da concorrncia leal e de objetivos fundamentais da Repblica como a construo de uma sociedade livre, justa e igualitria e a reduo das desigualdades sociais.

    Importante no ignorar que a funo primordial dos direitos individuais proteger os particulares contra aes ilegtimas do Estado, e no inibir as legtimas atividades estatais que busquem garantir diversos direitos fundamentais sem qualquer leso dignidade do indivduo.

    Ressalte-se, a propsito, que o art. 5, 5, e o art. 6, pargrafo nico, da LC n. 105 impem Administrao Tributria que seja conservado o sigilo das informaes bancrias obtidas.

    Alm disso, o acesso a esses dados ocorre em procedimento cercado de rigorosas garantias legais para o contribuinte, dentre as quais est a sano criminal ao servidor pblico que divulgar a informao sigilosa.

    Chinen elenca algumas dessas garantias:

    Em sntese, a ordem de levantamento do sigilo subordinada a uma srie de garantias: a) existncia de prvio processo administrativo

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    ou procedimento fiscal; b) indispensabilidade dos dados para a apurao dos fatos; c) formalidades que delimitam a ao fiscal; d) intimao prvia do sujeito passivo para que apresente e esclarea as informaes requeridas, que, sendo atendidas, dispensam a quebra do sigilo; e) conservao do sigilo.14

    Oswaldo Othon tambm indica uma srie de garantias formais dos contribuintes:

    Assim que reza o pargrafo nico do art. 6 da Lei Complementar 105/2001, que o resultado dos exames, as informaes e os documentos a que se refere este artigo sero conservados em sigilo, observada a legislao tributria. Pondere-se, pois, que, em quaisquer hipteses, esses informes, documentos, livros e registros bancrios no esto sendo transmitidos para qualquer pessoa, para a curiosidade gratuita de algum particular ou mesmo concorrente, o que poderia justificar alguma limitao, mas para a Administrao Tributria, que tem justo motivo e mesmo o dever de ter cincia desses dados, no uso da autoexecutoriedade do seu poder de polcia, para efeito de atender s exigncias constitucionais de eficincia administrativa (CF, art. 37, caput) quanto identificao do patrimnio, dos rendimentos e das atividades econmicas dos contribuintes, especialmente, para conferir efetividade aos princpios do carter pessoal do imposto sobre a renda, da igualdade material e da capacidade contributiva (CF, art. 145, 1. Art. 150, II). Repise-se que, por fora da legislao tributria, os prprios contribuintes so obrigados a apresentar ao Fisco a totalidade de seus rendimentos, a identificao de suas atividades econmicas e profissionais e suas situaes patrimoniais. Ademais, o art. 10 da Lei Complementar 105, de 10.01.2001, alerta que a quebra de sigilo, fora das hipteses autorizadas nesta lei complementar, constitui crime e sujeita os responsveis pena de recluso, de um a quatro anos, e multa, aplicando-se, no que couber, o Cdigo Penal, sem prejuzo de outras sanes cabveis. Na mesma linha, o art. 11 da Lei Complementar 105/2001, adverte que o servidor pblico que utilizar ou viabilizar a utilizao de qualquer informao obtida em decorrncia da quebra de sigilo de que trata esta lei complementar responde pessoal e diretamente pelos danos decorrentes, sem prejuzo da responsabilidade objetiva da entidade pblica, quando comprovado que o servidor agiu de acordo com orientao oficial. [...] Pode-se dizer, ento, em quaisquer hipteses, que no h, a rigor, previso de quebra de sigilo bancrio, mas a mera transferncia, com todas as garantias, de sigilo bancrio para sigilo fiscal.15

    14 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancrio e o fisco. Curitiba: Juru, 2005. 165-166.

    15 SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Segredos Bancrio e Fiscal relacionados com a Administrao Tributria e o Ministrio Pblico. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancrio e Fiscal - Homenagem ao Jurista Jos Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Frum, 2011. p. 35.

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    Ainda sobre os rgidos requisitos para a transferncia do sigilo bancrio para a Administrao Tributria, observa De Santi:

    Basta ler a LC 105 e os Decretos 3.724/2001 e 4.489/2002, para verificarmos que o procedimento de acesso aos dados bancrios completamente blindado, protegido por sigilo funcional e com trmite rigorosamente estrito aos agentes fiscais, sob pena de responsabilidade funcional, civil, pessoal e criminal: I. no caso de simples conhecimento dos dados bancrios: ao contrrio, a LC 105 garante a proteo dos dados bancrios, prescrevendo o dever de sigilo s instituies financeiras e ao Banco Central (artigos 1 e 2); II. o acesso aos dados bancrios tambm no simples: exige processo administrativo ou procedimento fiscal em curso (artigo 6 da LC 105) e o incio do procedimento exige mandado de procedimento fiscal (MPF), privativo de coordenador-geral, superintendente, delegado ou inspetor (1 e 2 e inciso V do 3 do artigo 2 do Decreto 3.724/2001; III. sendo pressuposto do ato de requisio de informaes sobre movimentao financeira, a prvia intimao ao sujeito passivo para apresentao de suas informaes financeiras, necessrias execuo do mandado de procedimento fiscal (2 do artigo 4 do Decreto 3.724/2001); IV. o 2 do artigo 5 da LC 105 no permite possibilidade jurdica de deixar ao desabrigo a intimidade das pessoas, pois determina que as informaes transferidas Administrao Tributria da Unio restringir-se-o a informes relacionados com a identificao dos titulares das operaes e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a insero de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados; V. impe-se, ainda, que tais informaes sejam conservadas sob sigilo (5 do artigo 5 e pargrafo nico do artigo 6 da LC 105), com controle de acesso registrado e tramitao estritamente regulada mediante envelopes lacrados (1 e 2 do artigo 7 do Decreto 3.724/2001); VI. e todo esse regime rigoroso impe-se sob pena de responsabilidade funcional do servidor pblico (artigo 10 do Decreto 4.489/2002) e responsabilidade material e moral pessoal do servidor por eventuais danos decorrentes (artigo 11 da LC 105); VII. Alm disso, o acesso s informaes bancrias fora das estritas hipteses autorizadas na LC 105, ex vi do seu artigo 10, constitui crime sujeito pena de recluso, de um a quatro anos, sem prejuzo de outras sanes.16

    A Nota Conjunta Copes/Corin n. 2011/143, de 09 de agosto de 2011, emanada da Receita Federal do Brasil, demonstra, com riqueza

    16 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. O Sigilo e a Lei Tributria: Transparncia, Controle da Legalidade, Direito Prova e a Transferncia do Sigilo Bancrio para a Administrao Tributria na Constituio e na Lei Complementar 105. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancrio e Fiscal - Homenagem ao Jurista Jos Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Frum, 2011. p. 613-614.

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    de detalhes, que a expedio de requisio de informaes protegidas por sigilo bancrio tem como pressuposto a observncia de um rigoroso rito administrativo que afasta abusos na apurao da indispensabilidade dos dados requisitados, alm de demandar a prvia intimao do contribuinte. Mais do que isso, a Nota em questo expe que a requisio de informaes bancrias protegidas por sigilo somente ocorre em hipteses que revelam grande probabilidade de ocorrncia de evaso fiscal no caso concreto:

    Os Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil somente podem requisitar os dados bancrios considerados indispensveis apurao do crdito tributrio, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e somente aps o contribuinte ter sido intimado e ter se negado a proceder entrega espontnea daquelas informaes. O critrio de indispensabilidade no est sob o arbtrio do Auditor Fiscal responsvel pelo procedimento de fiscalizao. O art. 3 do Decreto n 3.724, de 10 de janeiro de 2001, estabelece as hipteses exclusivas em que os exames das informaes dos contribuintes, mantidas pelas instituies financeiras, so considerados indispensveis ao fiscal, a saber:

    I - subavaliao de valores de operao, inclusive de comrcio exterior, de aquisio ou alienao de bens ou direitos, tendo por base os correspondentes valores de mercado;

    II - obteno de emprstimos de pessoas jurdicas no financeiras ou de pessoas fsicas, quando o sujeito passivo deixar de comprovar o efetivo recebimento dos recursos;

    III - prtica de qualquer operao com pessoa fsica ou jurdica residente ou domiciliada em pas enquadrado nas condies estabelecidas no art. 24 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996;

    IV - omisso de rendimentos ou ganhos lquidos, decorrentes de aplicaes financeiras de renda fixa ou varivel;

    V - realizao de gastos ou investimentos em valor superior renda disponvel;

    VI - remessa, a qualquer ttulo, para o exterior, por intermdio de conta de no residente, de valores incompatveis com as disponibilidades declaradas;

    VII - previstas no art. 33 da Lei no 9.430, de 1996;

    VIII - pessoa jurdica enquadrada, no Cadastro Nacional da Pessoa Jurdica (CNPJ), nas seguintes situaes cadastrais:

  • Sigilo Bancrio e Administrao Tribubria Brasileira 35

    a) cancelada;

    b) inapta, nos casos previstos no art. 81 da Lei no 9.430, de 1996;

    IX - pessoa fsica sem inscrio no Cadastro de Pessoas Fsicas (CPF) ou com inscrio cancelada;

    X - negativa, pelo titular de direito da conta, da titularidade de fato ou da responsabilidade pela movimentao financeira;

    XI - presena de indcio de que o titular de direito interposta pessoa do titular de fato.

    Note-se que as hipteses apresentadas, em numerus clausus, so extremamente restritivas e revelam condutas agressivamente evasivas, tais como:

    fraudes no comrcio internacional;

    simulao de emprstimos para acobertar recursos de origem duvidosa, inclusive decorrente do trfico de drogas e armas;

    operaes com parasos fiscais ou com pases que no permitam o acesso a informaes relativas composio societria, titularidade de bens ou direitos ou s operaes econmicas realizadas;

    omisso de rendimentos decorrentes de renda varivel, inclusive com operaes fora de bolsa de valores;

    realizao de gastos ou investimentos em valor superior a renda disponvel;

    remessa de valores ao exterior por conta de no residente de valores incompatveis com as disponibilidades declaradas;

    contribuintes sujeitos ao regime especial de cumprimento de obrigaes, como, por exemplo, empresas constitudas por interpostas pessoas;

    pessoa jurdica inexistente de fato;

    pessoa fsica inexistente de fato;

    negativa do titular de direito da titularidade de fato dos recursos mantidos ou movimentados; e

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    presena de indcio de existncia de interposta pessoa do titular de fato dos recursos (laranjas ou testas-de-ferro), neste hiptese, caracterizada, objetivamente, pela movimentao financeira superior a dez vezes a renda disponvel ou declarada ou, ainda, de que a ficha cadastral do sujeito passivo na instituio financeira contenha informaes falsas.

    Verificada e comprovada uma das onze hipteses de indispensabilidade, e apenas nesses casos, o Auditor Fiscal dar incio ao procedimento de emisso da Requisio de Informaes sobre Movimentao Financeira (RMF) para requisio s instituies financeiras das informaes protegidas pelo sigilo bancrio. O procedimento para a emisso da RMF, alm dos requisitos objetivos previstos no Decreto, prev um triplo grau de anlise de sua indispensabilidade: a do Auditor-Fiscal responsvel pelo procedimento de fiscalizao, do Chefe de Fiscalizao e do Delegado da Receita Federal do Brasil. (Anexo I Cpia de RMF, onde esto discriminadas as assinaturas do Auditor-Fiscal, do Chefe de Equipe e do Delegado da Receita Federal). Assim, no basta que o Auditor Fiscal, que conduz a ao de fiscalizao, se convena da imprescindibilidade das informaes bancrias para sua requisio s instituies financeiras, necessrio que ele convena, ainda, seus dois superiores hierrquicos: o Chefe de Fiscalizao e o Delegado da unidade local da RFB em que desenvolve o trabalho. O procedimento para emisso da RMF no mbito da Receita Federal do Brasil rigidamente controlado. Como dito, checado em mais de uma instncia hierrquica. Os agentes pblicos envolvidos na requisio de tais informaes so cientes da responsabilidade de manter o sigilo fiscal daquelas, sob pena de responsabilizao administrava e penal. (Anexo II Maprof Ttulo: Regras Gerais Captulo: Procedimentos Especiais Seo: RMF Requisio de Informaes sobre Movimentao Financeira). A manipulao dos dados bancrios obtidos via RMF fica restrito ao Auditor Fiscal responsvel pelo procedimento de fiscalizao e apenas no curso do procedimento. Ao final do procedimento de fiscalizao, os documentos obtidos a partir da RMF que no serviram de prova no processo de exigncia tributria, so entregues ao contribuinte ou destrudos pela RFB.17

    Em resumo, a Lei Complementar n. 105/2001 e o Decreto n. 3.724, que a regulamentou, exigem o inequvoco preenchimento de uma srie de requisitos para que a Administrao Tributria tenha acesso aos dados bancrios dos contribuintes, tais como:

    a) a existncia de processo administrativo instaurado;

    17 BRASIL. Receita Federal do Brasil. Nota Conjunta Copes/Corin n 2011/143, p. 04-06.

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    b) a indispensabilidade dos dados bancrios para a apurao do crdito tributrio, o que somente ocorre nas restritas hipte-ses do art. 3 do Decreto, as quais revelam grande probabili-dade de ocorrncia de evaso fiscal;

    c) a confirmao de tal indispensabilidade num triplo grau de anlise, que envolve o exame por parte de trs graus hierr-quicos no mbito da Receita Federal;

    d) a prvia intimao do contribuinte para que proceda apre-sentao espontnea das informaes, sendo essas requisi-tadas s instituies financeiras somente diante da negativa daquele;

    e) a rgida manuteno do sigilo das informaes bancrias obtidas, sob pena de responsabilizao penal do servidor p-blico responsvel pela sua divulgao a terceiros. Para tanto, o art. 7 do Decreto determina que: as informaes sejam enviadas pela instituio financeira em dois envelopes lacra-dos, um externo e um interno, sendo que este ltimo dever conter observao de que se trata de matria sigilosa, ou, se encaminhadas por meio eletrnico, sejam obrigatoriamente criptografadas; os documentos sigilosos sejam guardados em condies especiais de segurana; seja mantido controle de acesso ao procedimento administrativo fiscal, ficando sem-pre registrado o responsvel pelo recebimento, nos casos de movimentao.

    Da se advertir, vigorosamente, que, na remotssima hiptese de mau uso das informaes financeiras do contribuinte o que se vislumbra, ante a sua extrema improbabilidade, simplesmente para fins argumentativos , este, certamente, no ocorreria em razo da LC n. 105/2001, mas em inadmissvel e austeramente punvel afronta a ela.

    Tanto assim que a Receita Federal destaca que, do incio da vigncia da LC n. 105/2001 at meados de 2011, mais de setenta e quatro mil Requisies de Informaes sobre Movimentao Financeira RMF foram expedidas, sem que seja, de forma alguma, comum o vazamento pblico das informaes financeiras dos contribuintes obtidas por meio delas:

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    Desde a edio da LC n 105, de 2001, foram emitidas 74.101 Requisies de Informaes sobre Movimentao Financeiras, cujo regramento republicano para sua emisso e as normas norteadoras para a guarda das informaes, obtidas a partir desse instrumento, garantiram a sua manuteno em absoluto sigilo, preservando a intimidade, a vida privada e a imagem das pessoas sujeitas ao procedimento de fiscalizao. Vale destacar que, decorridos onze anos desde a emisso da primeira RMF, e depois de emitidas mais de 74 mil, no h notcia de que em qualquer daqueles casos tenha havido vazamento de informaes bancrias para o pblico ou para a mdia, o que demonstra a eficincia no controle e guardo do sigilo das informaes bancrias pela Receita Federal do Brasil. Tambm no h notcia de que qualquer ao judicial tenha sido impetrada com o objeto de imputar RFB a quebra de seu dever de guardar as informaes bancrias obtidas a partir da transferncia do sigilo bancrio. Conforme demonstrado, para a obteno de informaes pela transferncia do sigilo bancrio RFB, o pedido objeto de anlise por autoridades de trs nveis hierrquicos da organizao. Alm disso, tais informaes obtidas a partir da transferncia do sigilo bancrio RFB so mantidas sob rgido sistema de controle interno. Com base nos fatos objetivos apontados, no h como concluir que a manuteno do procedimento estatudo pela LC n 105, regulamentada pelo Decreto n 3.724, ambos de 2001, leva a uma menor garantia do direito do contribuinte, em face de arbitrariedades que poderiam vir a ser praticadas por rgos estatais da administrao tributria, visto que o histrico do instrumento demonstra exatamente o contrrio.18

    Isso comprova a confiabilidade do procedimento de manuteno do sigilo bancrio por parte da Administrao Tributria Federal, em obedincia ao que impe aquela Lei Complementar. Eis o motivo pelo qual o Ministro Dias Toffoli, no julgamento do RE n. 389.808, destacou ser inapropriado designar o fenmeno ora estudado como quebra de sigilo bancrio, sendo mais preciso falar-se em transferncia do sigilo das instituies financeiras para a Administrao Tributria.

    o que pensa Andr Terrigno Barbeitas, para quem o sigilo bancrio seria convertido em sigilo fiscal, permanecendo as informaes financeiras do contribuinte totalmente protegidas do conhecimento do pblico:

    Sucede ainda que, como assinalado anteriormente, no haveria propriamente quebra do sigilo bancrio dos contribuintes pelo Fisco, e, sim, mera subsuno das informaes bancrias ao mbito maior do sigilo fiscal ao qual esto vinculados os agentes pblicos [...] O sigilo bancrio s tem sentido enquanto protege o contribuinte

    18 BRASIL. Receita Federal do Brasil. Nota Conjunta Copes/Corin n 2011/143, p. 10.

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    contra o perigo de divulgao ao pblico, nunca quando a divulgao para o fiscal do imposto de renda que, sob pena de responsabilidade, jamais poder transmitir o que lhe foi dado conhecer.19

    Segundo Eurico de Santi, a expresso quebra do sigilo, alm de passar, retoricamente, uma noo muito mais ampla e socialmente negativa dos termos da LC n. 105, completamente estranha atividade delegada Administrao nos artigos 5 e 6.20

    Karla Padilha Rebelo Marques fortalece esse pensamento ao assim se manifestar:

    Afinal, a rigor s se pode falar em quebra de sigilo quando as informaes coletadas so disponibilizadas ao pblico em geral. Se seu conhecimento fica restrito aos rgos incumbidos de investigao, mais adequado seria o uso da expresso transferncia de sigilo, cuja quebra redunda igualmente em sanes.21

    Barretto, fazendo coro a essa orientao, tambm se posiciona pela inexistncia de abalo da intimidade do contribuinte:

    [...] Essa mesma elite toma-se de revolta quando o legislador permite que se use de dados pessoais, de contas bancrias, para apurar-se o crdito tributrio. Essa utilizao de dados no implica em quebrar-se a intimidade, porque a divulgao proibida.22

    No que concerne ao art. 5 da LC n. 105/0123, a prpria literalidade do 2 do dispositivo legal em questo no deixa qualquer dvida da inexistncia de agresso ao direito intimidade, ao esclarecer que as informaes transferidas na forma do caput deste artigo restringir-se-o a informes relacionados com a identificao dos titulares das

    19 BARBEITAS, Andr Terrigno. O sigilo bancrio e a necessidade da ponderao dos interesses. So Paulo: Malheiros, 2003. p. 108.

    20 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. O Sigilo e a Lei Tributria: Transparncia, Controle da Legalidade, Direito Prova e a Transferncia do Sigilo Bancrio para a Administrao Tributria na Constituio e na Lei Complementar 105. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancrio e Fiscal - Homenagem ao Jurista Jos Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Frum, 2011. p. 595.

    21 MARQUES, Karla Padilha Rebelo. Corrupo, dinheiro pblico e sigilo bancrio: Desconstruindo Mitos. Porto Alegre: Nuria Fabris, 2009. p. 77.

    22 BARRETTO, Ricardo Cesar Mandarino. Sigilo bancrio: direito intimidade ou privilgio In: Direito federal. Revista da Associao dos Juzes Federais do Brasil, v.21, n.69, jan./mar. 2002. p. 252.

    23 O dispositivo legal em foco foi regulamentado, no mbito administrativo, pelo Decreto 4.489/2002.

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    operaes e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a insero de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados.

    Saraiva Filho, a respeito do art. 5 da LC n. 105/01, assim se manifestou:

    [...] esses dados genricos cadastrais no esto protegidos pelo direito vida privada e intimidade em relao ao Fisco, embora, como aludido, se possa at admitir que mesmo essas matrias estariam protegidas pelo sigilo bancrio nas relaes privadas, para obstar a bisbilhotice de terceiros particulares. Ora, o que pode haver de sigiloso, de privativo, com a transferncia direta, por parte das instituies financeiras para o Fisco, de informes globais acerca de valores, periodicamente, movimentados e de nmeros dos respectivos CPFs, com o escopo de controle com outros elementos que, eventualmente, possa dispor a Receita Federal do Brasil, se o ordenamento jurdico ptrio determina que at mesmo o mais humilde das pessoas naturais declare ao Fisco os totais dos seus rendimentos, suas atividades econmicas e a variao do seu patrimnio, via declarao do IRPF? Presumivelmente, os rendimentos declarados, pelas pessoas fsicas para a Receita Federal, para fins de fiscalizao do imposto de renda, devem ser, normalmente, compatveis com os totais dos valores movimentados, investidos ou depositados em instituies financeiras. Da mesma forma, o que tem de sigiloso na transferncia dessas informaes sobre movimentaes globais de pessoas jurdicas e os respectivos CNPJs, se elas prprias esto obrigadas, pela legislao tributria, a declarar ao Fisco os totais de seus rendimentos, suas atividades econmicas e a respectiva variao patrimonial, tudo no interesse da fiscalizao e da arrecadao do IRPJ? Se as sociedades annimas esto obrigadas, por lei comercial, a publicar seus balanos em jornais de alta circulao? Alis, nos termos do art. 1, inciso I, e do art. 2, inciso I, ambos da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990 constitui crime contra a ordem tributria omitir informao ao Fisco ou omitir declarao sobre rendas. Ademais, as pessoas jurdicas fazem questo de divulgar, por toda mdia, os recordes seguidos dos seus lucros, com vistas obteno de mais investimentos e valorizao de suas aes!24

    Sobre esse aspecto, versa Roberto Massao:

    24 SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Segredos Bancrio e Fiscal relacionados com a Administrao Tributria e o Ministrio Pblico. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancrio e Fiscal - Homenagem ao Jurista Jos Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Frum, 2011. p. 32.

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    Os informes peridicos, que as instituies financeiras devero remeter Secretaria da Receita Federal, restringem-se identificao dos titulares das operaes e aos montantes globais mensalmente movimentados, sendo vedada a insero de qualquer elemento que permita identificar a origem dos recursos financeiros e a natureza dos gastos realizados. Verifica-se que, por essa disposio legal, nenhum dado que envolva o direito privacidade ou intimidade das pessoas repassado ao fisco, tendo em vista que os informes limitam-se identificao de pessoas e aos montantes mensais de suas operaes bancrias. Esses registros viabilizam, para a Administrao Tributria Federal, a verificao do correto cumprimento de obrigaes tributrias dos contribuintes, mediante confronto com os rendimentos que eles declararam Receita Federal, fazendo parte daquilo que Trcio Sampaio Ferraz Jnior denomina fiscalizao continuada dentro do exerccio do dever de vigilncia das autoridades fiscais.25

    E prossegue:

    Segundo relatrio da OCDE, as informaes peridicas automticas fornecidas pelos bancos ao fisco, prtica que ocorre em dezenove dos trinta pases-membros, beneficiam tanto a administrao fazendria como os contribuintes, pois: a) viabilizam a verificao da informao declarada pelos contribuintes; b) provocam aumento da adeso voluntria observncia das leis tributrias, j que os contribuintes sabem que dados seus so transmitidos ao fisco; e c) possibilitam administrao tributria implementar programas que beneficiam os contribuintes pela reduo de formalidades que devem cumprir.26

    O Ministro Toffoli, no voto pronunciado no RE n. 389.808, lembrou, ainda, que os contribuintes so legalmente obrigados a declararem anualmente Receita Federal o seu patrimnio e renda auferida sem qualquer necessidade de prvia autorizao judicial.

    Ora, como se v, os contribuintes declaram anualmente o seu patrimnio e a sua renda diretamente Administrao Tributria, dispensada interveno judicial, sem que se vislumbre qualquer leso ao direito intimidade em razo do conhecimento da vida econmica daqueles pelo Fisco.

    Da se revelar de difcil compreenso a alegao de que viola o direito intimidade e necessita de autorizao ju