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U N I V E R S I D A D E D O M I N H O 18 . 2 2004 REVISTA DO CENTRO DE ESTUDOS HUMANÍSTICOS dia crítica série filosofia / cultura

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  • U N I V E R S I D A D E D O M I N H O

    18.22004

    REVISTA DO

    CENTRO DE ESTUDOS HUMANSTICOS

    diacrtica

    srie filosofia / cultura

  • DIACRTICA(N. 18 2 2004)

    Srie FILOSOFIA / CULTURA

    CAMINHOS ACTUAIS DA FILOSOFIAHORIZONTES DE CULTURA

    DIRECOMARIA EDUARDA KEATINGANA GABRIELA MACEDO

    COORDENADORES

    ACLIO DA SILVA ESTANQUEIRO ROCHAVIRGNIA SOARES PEREIRA

    COMISSO REDACTORIAL

    ACLIO DA SILVA ESTANQUEIRO ROCHANORBERTO AMADEU FERREIRA G. CUNHAMANUEL ROSA GONALVES GAMAVIRGNIA CONCEIO SOARES PEREIRAFERNANDO AUGUSTO MACHADOJOO MANUEL CARDOSO ROSASJOANNE MADIN VIEIRA PAISANA

    COMISSO CIENTFICA

    ACLIO DA SILVA ESTANQUEIRO ROCHA (Universidade do Minho), CATHERINE AUDARD (London School E.P.S.),FERNANDO AUGUSTO MACHADO (Universidade do Minho), JOANNE MADIN VIEIRA PAISANA (Universidade doMinho), JOO MANUEL CARDOSO ROSAS (Universidade do Minho), JOO VILA-CH (Faculdade de Filosofia daU.C.P.), JOS ESTEVES PEREIRA (Universidade Nova de Lisboa), JOS LUIS BARREIRO BARREIRO (Universidade deSantiago de Compostela), MANUEL FERREIRA PATRCIO (Universidade de Evora), MANUEL ROSA GONALVESGAMA (Universidade do Minho), MARA XOS AGRA (Universidade de Santiago de Compostela), NORBERTO AMA-DEU FERREIRA G. CUNHA (Universidade do Minho), PEDRO CEREZO GALN (Universidade de Granada), RICHARDBELLAMY (University of Essex), STEVEN LUKES (New York University), VIRGNIA CONCEIO SOARES PEREIRA(Universidade do Minho), VIRIATO SOROMENHO-MARQUES (Universidade de Lisboa)

    PUBLICAO SUBSIDIADA PELA

    FUNDAO PARA A CINCIA E A TECNOLOGIA

    Os artigos propostos para publicao devem ser enviados aos Coordenadores.

    No so devolvidos os originais dos artigos no publicados.

    DEPOSITRIO:LIVRARIA MINHOLARGO DA SENHORA-A-BRANCA, 664710-443 BRAGATEL. 253271152 FAX 253267001

    CAPA: LUS CRISTVAM

    ISSN 0807-8967

    DEPSITO LEGAL N. 18084/87

    COMPOSIO E IMPRESSOOFICINAS GRFICAS DE BARBOSA & XAVIER, LIMITADARUA GABRIEL PEREIRA DE CASTRO, 31 A e C 4700-385 BRAGATELEFONES 253 263 063 / 253 618 916 FAX 253 615 350

  • NOTA DE APRESENTAO ............................................................................. 5

    CAMINHOS ACTUAIS DA FILOSOFIA

    O TRABALHO DE PENLOPE:ENTRE ESTRUTURALISMO E NEO-ESTRUTURALISMO

    Aclio da Silva Estanqueiro Rocha ........................................................... 9

    J. DERRIDA E E. HUSSERL:A CONTAMINAO ORIGINRIA DA ORIGEM

    Ana Lcia Cruz .......................................................................................... 55

    EMERSON, NIETZSCHE E O ANIMAL METAFRICO

    Vtor Moura ............................................................................................... 105

    ENTRE A LUZ E A SOMBRA: J. DEWEY E M. FOUCAULTRosrio Gambo ........................................................................................ 125

    POPPER ON SOCIAL ENGINEERING AND HAYEKS CRITIQUE OFSOCIAL JUSTICE

    Joo Cardoso Rosas .................................................................................. 157

    EDMUND BURKES COSMOPOLITANISM

    Jennifer Pitts .............................................................................................. 173

    COHERENCIA RACIONAL DEL HECHO RELIGIOSO

    Juan de Sahagn Lucas Hernndez ......................................................... 205

    NDICE

  • EL RETORNO DE LA RELIGIN EN EL PENSAMIENTO ACTUAL.

    LA RELIGION EN EL PENSAMIENTO DE VATTIMO, DERRIDA E TRAS

    Jos Mara Mardones ................................................................................ 217

    PENSAR DESPUS DE CHERNBIL. PROPUESTAS PARA UN GIRO

    ECOLGICO DE LA FILOSOFA

    Nel Rodrguez Rial .................................................................................... 229

    HORIZONTES DE CULTURA

    A APOLOGIA DAS LETRAS EM ROMA (LEITURAS DE CCERO, VIRGLIO

    E HORCIO)

    Virgnia Soares Pereira .............................................................................. 269

    A MEMRIA DE 1800 DE DANTAS PEREIRA

    J. M. Curado .............................................................................................. 285

    ENTRE O IDEAL DA HARMONIA E O REAL DA ANTINOMIA. MUNDIVI-

    DNCIA SOCIAL E POLTICA DE MANUEL DE ARRIAGA

    Jos Marques Fernandes ........................................................................... 329

    A PROBLEMTICA DO MAL EM VOLTAIRE

    Maria de Jesus Ferreira Mira Bezerra ..................................................... 383

  • Nota de Apresentao

    O presente nmero desta Revista quer desde logo na seco CaminhosActuais da Filosofia , prestar homenagem a Jacques Derrida, analisando, nosdois primeiros artigos (e num outro mais adiante), alguns aspectos da vastae variegada obra deste Filsofo, que, com 74 anos, deixou, vai para um ms(09/10/04), o mundo dos mortais, ele que dizia que a morte era cada veznica, o fim do mundo ttulo do livro onde celebrava os seus amigos desa-parecidos, a que chamava um cogito de adeus, essa saudao sem retorno.

    Aquele que foi o filsofo de lngua francesa contemporneo mais tradu-zido no mundo, em mais de 50 pases, tambm aquele que mais intradu-zvel to densa e sabiamente soube mobilizar os recursos mais secretos dalngua em que escrevia. Difcil , pois, encontrar outro filsofo que, comoele, tivesse sido to intensamente escritor, ele que acreditava por demais nasforas da escrita e, atravs desta, inquirir ainda mais as foras do esprito.Nesse intuito, os seus livros incidem tanto em textos de Plato, como emRousseau, Kant, Hegel, Nietzsche e Freud, Husserl e Heidegger, Saussure aLvi-Strauss, Foucault e Lacan, ou quem quer que seja, tambm com copiosaincurso nas literaturas, no importa quem, desde que releve a evocao,como ainda em vrios acontecimentos tais como o 11 de Setembro, ou ques-tes como o direito internacional e o cosmopolitismo; a palavra de ordem eraestar aberto ao que vem, ao porvir, ao outro, vinda de quem gostava de sedefinir como judeu franco-magrebino e cidado do mundo.

    Filsofo errante por entre textos, pelo mundo, porventura o filsofoeuropeu que maior seduo e fascinao exerceu no alm-Atlntico, pormuitos parecendo um pensamento-star nos campi americanos, mas ondecom regularidade exerceu o seu magistrio e deixou sulco e fundo rastro, ecom 25 ttulos de doutor honoris causa em universidades de todo o mundo.No podemos olvidar tambm a sua presena na nossa Universidade, atravsdo Centro de Estudos Humansticos, onde proferiu uma Lio (17 de Maro de1995), no dia seguinte conferncia feita em Braga, integrada no programacultural da Feira do Livro, onde gostosamente o apresentmos num texto emque publicamente disse reconhecer-se, ante um auditrio repleto de auditorespara o escutar e com ele dialogar.

  • A sua obra, muito exigente, parecendo muito pouco aplicvel, frutificouem quantas e variadas aplicaes. Esforando-se por pr entre parntesis asnossas pr-concepes, vindas da nossa cultura, das culturas, das coisas e doseventos, do Estado e das instituies, a fim de as entrever tais quais verdadei-ramente so e no tais como queremos que sejam, fez ouvir a sua voz e con-vidou escrita e leitura com os seus livros, que se contam pela centena, unsdifceis de penetrar, outros facilmente interiorizveis e penetrados por umaintensidade subversiva da vida, isto , a vida mais que a vida, por quemestava possudo pela vida que avidamente prosseguia.

    Solitrio apesar das multides nos auditrios, aqum e alm Atlntico,vedeta e tmido sem dvida, tambm sedutor, era ainda subtil e paradoxal e,como era conhecido, prximo e generoso, intransigente e vulnervel. Curiosode tudo, mantendo estreitas relaes tambm com escritores, artistas, arqui-tectos, chegou at a participar em filmes, mesmo de fico, legou-nos acimade tudo uma obra densa e inquietante; por entre a solido e o pblico, que olia e escutava, que o l e ouve, no se encerrou em nenhuma torre de marfim,tentando sempre, e acima de tudo, pensar num lugar em que a filosofia noestivesse nunca s.

    Outros trabalhos se seguem nesta primeira seco, considerando aspectoshoje pertinentes, seja sobre a metfora em Nietzsche, ou examinando dimen-ses das obras de John Dewey e Michel Foucault, de Karl Popper, ou o temaactual do cosmopolitismo (embora retornando a Burke). Hoje tambmessencial a reflexo acerca da religio; mais que nunca, no dealbar do sc. XXI,o problema da religio ressurge em fora: aps a anlise do fenmenoenquanto tal, clarifica-se esta magna questo no pensamento actual, seja emVattimo, Derrida e Tras. Por fim, impunha-se naturalmente a prospeco dadimenso e acutilante projeco do tema ecolgico no terreno da filosofia imperativo inadivel nos dias que correm.

    A segunda seco, Horizontes de cultura, abre com uma rememoraoacerca da amplitude e relevncia das Humanidades, ou se quisermos dasLetras, perscrutando textos clssicos de Ccero e poemas do Sculo de Augusto,no intuito de auscultar como esses escritos nos interpelam ainda nos nossosdias, revisitados numa poca que parece proclamar o primado tecnolgico.Prope-se depois uma leitura dum texto do matemtico portugus Jos MariaDantas Pereira, cuja dimenso utpica e originalidade se pretende aferir.Segue-se uma anlise da mundividncia social e poltica de Manuel de Arriaga,a partir de vrios dos seus textos. Indaga-se tambm a problemtica sempiternado mal, desta vez na obra de Voltaire, e como ela faz apelo exigncia datolerncia.

    ACLIO DA SILVA ESTANQUEIRO ROCHA

  • CAMINHOS ACTUAIS DA FILOSOFIA

  • Quando falamos em estruturalismo do estruturalismo cls-sico , evocamos obras com incidncia nas reas das cincias humanase sociais: primeiramente, Ferdinand de Saussure, o fundador da semio-logia clssica, ou cincia que estuda a vida dos signos no seio da vidasocial1; depois, o Crculo lingustico de Praga, criado em 1926 porlinguistas checos, a que se juntaram outros estrangeiros (entre eles,os franceses J. Vendryes, E. Benveniste, A. Martinet, e os russos N. S.Trubetzkoy e R. Jakobson), fundadores da fonologia estrutural, que, jem 1928 (Congresso em Haia), falavam de estrutura para designar oque Saussure entendia por sistema da lngua; pensamos tambm, eem especial, em Claude Lvi-Strauss, o primeiro que estendeu a semio-logia e a fonologia ao campo das cincias humanas e sociais; devemigualmente invocar-se figuras como Roland Barthes, Julien A. Greimas,Grard Genette, Louis Althusser, ou Jacques Lacan, Michel Foucaultou Jacques Derrida, estes ltimos j na confluncia entre estrutura-lismo e neo-estruturalismo, sobretudo nalgumas das suas configura-es mais peculiares.

    1. A anlise mtica o trabalho de Penlope

    Com efeito, a lingustica anterior a Saussure interessava-se maispela questo da origem histrica da linguagem, luz da qual seapreendia o significado; todavia, Saussure entendia o significado comofuno dum sistema: o significado duma palavra depende to somente

    1 Ferdinand de Saussure, Cours de linguistique gnrale, ed. crtica de TullioMauro, Paris, Payot, 1980, p. 33.

    DIACRTICA, FILOSOFIA E CULTURA, n. 18/2 (2004), 9-54

    O trabalho de Penlope:entre estruturalismo e neo-estruturalismo

    ACLIO DA SILVA ESTANQUEIRO ROCHA

    (Universidade do Minho)

  • da sua funo no sistema da linguagem, de um modo diria a-histrico.Segundo Benveniste e Derrida, Saussure admitia que o signo tinhauma relao natural e imediata com o referente, e o significante umarelao unitria e estvel com o significado. Ora, o neo-estruturalismopostula o carcter arbitrrio, diferencial e no referencial do signo e,em geral, a sua ndole arbitrria e convencional do social a lingua-gem, a cultura, as prticas, a subjectividade, a sociedade, a histria.

    1.1. Se verdade que a passagem do estruturalismo clssico aoneo-estruturalismo se fez por uma deriva do conceito de estrutura,essa viragem est patente nas ltimas obras de Lvi-Strauss, nomea-damente em Mitolgicas (em particular na Abertura e no Final) nessa vasta tetralogia que uma suma mitolgica analtica de 813mitos (sem contar as variantes) do Sul ao Norte das Amricas2. Lvi--Strauss contradiz a o princpio cartesiano segundo o qual o estudocientfico deveria descobrir nos mitos as manifestaes dum princpionico; tal escopo, segundo Lvi-Strauss, no se verifica e, ao invs,a anlise mtica aparece como um trabalho de Penlope: cada pro-gresso d uma nova esperana, suspensa da soluo duma nova dificul-dade. O dossi nunca est encerrado3. como redes de signifi-cao, tal como outros fenmenos simblicos (sistemas de parentesco,mscaras, totemismo), que Lvi-Strauss analisou estruturalmente osmitos.

    O suposto implcito que no tm essncia prpria; por isso,a recorrncia dos temas traduz esta mistura de impotncia e de tena-cidade. Descuidado em partir ou chegar francamente, o pensamentomtico no efectua percursos inteiros: resta-lhe sempre alguma coisapor realizar. Como os ritos, os mitos so in-terminveis4. Da que oautor confesse: Querendo imitar o movimento espontneo do pensa-mento mtico, o nosso empreendimento, tal como ele demasiado brevee demasiado longo, teve de vergar-se s exigncias desse movimento erespeitar o seu ritmo. Assim este livro sobre os mitos tambm, sua

    DIACRTICA10

    2 assim que o prprio autor a caracteriza: Vaivns acelerados, juntos multi-plicao das perspectivas () permitiram consolidar o que, no incio, podia aparecercomo a unio lassa e precria de retalhos dissemelhantes pela forma, textura e cor.() Por gratuitos, estranhos, mesmo absurdos que tenham podido parecer no incio, osmenores detalhes a recebem uma significao e uma funo (Mythologiques, t. 4,Lhomme nu, Paris, Plon, 1971, p. 503).

    3 Claude Lvi-Strauss, Mythologiques, t. I: Le cru et le cuit [Ouverture], Paris,Plon, 1964, p. 13. O itlico nosso.

    4 C. Lvi-Strauss, Mythologiques, t. I, p. 14

  • maneira, um mito. Supondo que possui uma unidade, esta somentesurgir parte ou para alm do texto. Dizendo melhor, estabelecer-se-no esprito do leitor5. Lvi-Strauss pe claramente em dvida a exis-tncia dum centro organizador onde convirjam os fios da tessitura dosmitos, a partir do qual se tecem.

    1.2. Ora, foi Jacques Derrida6 quem, pensando o estruturalismo,conjecturava tambm novas vias analticas decorrentes dos pressupos-tos de partida; poder-se- mesmo notar que a sua obra teve tal rele-vncia que o prprio estruturalismo sem ela teria porventura outrosdesenvolvimentos; como ele prprio nota, o conceito de diferanadesenvolve mesmo as exigncias principiais mais legtimas do estru-turalismo7. Pode, pois, afirmar-se que Derrida foi quem levou ao

    O TRABALHO DE PENLOPE: ENTRE ESTRUTURALISMO E NEO-ESTRUTURALISMO 11

    5 Ib., p. 14. Mais adiante, retomando o tema, escreve: Como os prprios mitosrepousam em cdigos de segunda ordem (os cdigos de primeira ordem so aqueles emque consiste a linguagem), este livro ofereceria ento o esboo de um cdigo de terceiraordem, destinado a assegurar a tradutibilidade recproca de vrios mitos. a razo pelaqual no ser errneo tom-lo por um mito: de certo modo, o mito da mitologia (p. 20).O itlico nosso.

    6 Jacques Derrida, filsofo francs, de origem algeriana, que nasceu em 1930,acaba de falecer (9/10/04), com a idade de 74 anos. Assistente de Filosofia na Universi-dade de Sorbonne, de 1960 a 1964, foi depois professor na Escola Normal Superior deParis de 1965 a 1984, e da Escola de Altos Estudos em Cincias Sociais, igualmente emParis. Ensina ainda com muita regularidade em vrios pases estrangeiros, sobretudonos Estados Unidos, onde a sua notoriedade e projeco excedeu talvez mesmo a doseu pas de eleio. A obra filosfica de Derrida imensa, contando-se, pela centena, oslivros publicados, tendo vindo progressivamente a revelar uma matriz interdisciplinar,cruzando a filosofia, a lingustica, a literatura, a psicologia, a psicanlise, a antropolo-gia, a esttica, a poltica. Da sua obra, de difcil acesso porque assaz complexa, ousareiesboar algumas breves ideias dominantes; porque a interpretao , segundo Nietzsche,uma perspectiva e, como tal, sempre um acto filosfico errante, esta mais no que umaperspectiva.

    Esta tambm a nossa homenagem, na sequncia de outros escritos que lhe dedi-cmos, j que recordo quer algumas sesses das suas Lies que segui, em Paris, nacole Normale Suprieure, quer a sua vinda a Braga, Feira do Livro (3-19 de Maro de1995), onde o apresentmos num texto introdutrio (Jacques Derrida ou a sobreabun-dncia do significante, O Escritor, n. 6, Dezembro 1995, pp. 149-154), por ele publica-mente aceite como consonante com os seus escritos, cujo dilogo prolongado eparticipativo, por parte da assembleia que enchia o auditrio, subsequente sua Confe-rncia, foi necessrio pr termo, j a noite ia adiantada, tendo estado no dia seguinte naUniversidade do Minho, onde proferiu nova Lio.

    7 Jacques Derrida, Positions, Paris, Minuit, 1972, p. 39; o itlico nosso. O termodiferana ser analisado mais adiante.

    8 Franois Dosse, Histoire du structuralisme, t. II, Paris, ditions La Dcouverte,1992, p. 33.

  • extremo a lgica estruturalista, pondo em questo, radicalmente, qual-quer essncia fundadora, qualquer intento de substancializao, nosentido da eliso do significado8.

    Se Derrida pensou a estrutura e pensou-a foi ao modo dumdescentramento: a estrutura no exige um centro, caracterizando-sepor um conjunto de jogos diferenciais, conforme a uma presenacentral que nunca foi ela mesma, que sempre foi deportada para forade si no seu substituto; quer dizer, o substituto no se substitui anada que de algum modo lhe tenha preexistido. Desde ento deve ter-secomeado a pensar que no havia centro, que o centro no podia serpensado na forma de um sendo-presente, que o centro no tinha lugarnatural, que ele no era um lugar fixo mas uma funo, uma espciede no-lugar no qual se jogavam ao infinito substituies de signos. ento o momento em que a linguagem invade o campo problemticouniversal; ento o momento em que, na ausncia do centro ou deorigem, tudo se torna discurso com a condio de nos entendermossobre esta palava , isto , sistema no qual o significado central, origi-nrio ou transcendental, nunca est absolutamente presente fora dumsistema de diferenas. A ausncia de significado transcendentalestende ao infinito o campo e o jogo da significao9. Na verdade, seSaussure comparava a lngua a um jogo de xadrs, como sendo umjogo de diferenas, se interpretar era mesmo, para Roland Barthes,apreciar de qual plural [o texto] feito10, segundo Derrida a estru-tura sem centro e descentramento torna-se um conceito crucialdo neo-estruturalismo; e o que se diz do centro diz-se de princpio, dofundamento, afinal, dos grandes conceitos que, desde Plato, apenasrepresentaram desejos, exprimindo o invariante duma presena, osonho duma plenitude.

    O trabalho de Lvi-Strauss, segundo Derrida, no consiste tantoem fazer um repositrio emprico dos mitos da Amrica do Sul, quantoconstruir o esboo de uma sintaxe dessa mitologia, j que o discursomtico sempre aberto e nunca conclui. A totalizao da clausura impossvel; e nesta impossibilidade podemos entender o jogo comosubstituies infinitas dentro dum conjunto finito. pela finitude queh jogo, isto , pela falta de um centro que impea o jogo das substi-tuies; a este movimento chamar Derrida suplementaridade, por-quanto o signo substituto do centro se junta como suplemento. isto

    DIACRTICA12

    9 J. Derrida, Lcriture et la diffrence, Paris, Seuil, 1967, p. 411.10 Roland Barthes, S/Z, Paris, Seuil, 1970, p. 11.

  • que Derrida admira na obra de Lvi-Strauss, ao mesmo tempo que lhecritica uma certa nostalgia da origem; critica-lhe tambm a miragemdo lado triste e negativo do jogo, quando Nietzsche se comprazia coma sua dimenso alegre e positiva.

    Assim que a etnologia foi possvel quando a cultura europeiadeixou de ser o centro e se manifestou como crtica do etnocentrismoeuropeu que um logocentrismo. A etnologia surge quando a meta-fsica desaparece: h como que uma espcie de fatalidade para acincia, que estar vinculada metafsica. Ora, importa manter umrigor crtico com a linguagem, perscrutar permanentemente e reversempre que necessrio o processo de negao da tradio, j que nela que vamos buscar as categorias da nossa prpria linguagem; paraDerrida, nas pesquisas de Lvi-Strauss mostra-se explicitamente comose operou essa crtica da linguagem. Ento, para o etnlogo-filsofo,havia um escndalo na proibio do incesto quando esse fenmenoescapava tradicional oposio metafsica entre natureza e cultura:ora, a interdio do incesto , ao mesmo tempo, natural e cultural11.Ao longo de toda a sua obra h uma busca crtica de um novo estatutodo discurso cientfico que se faz com o abandono do centro, tal comoo concebe a metafsica. Lvi-Strauss operou o descentramento queDerrida tanto prossegue, e f-lo ao admitir, na anlise estrutural dosmitos, que o mito de referncia ao mesmo tempo uma transfor-mao de outros mitos; afinal, a estrutura do mito no ter centro:nem sujeito nem fonte onde possamos remontar.

    2. A cincia mtica como uma anaclstica

    No se trata tambm de encontrar por via indutiva uma estruturageral, mas de unificar as inumerveis variantes duma estrutura formalque idntica a si mesma sob um fluxo incessante. No portanto avia de Descartes: Com efeito, o estudo dos mitos levanta um problemametodolgico, dado que no pode conformar-se ao princpio cartesianode dividir as dificuldades em tantas partes quantas as necesssriaspara as resolver. No existe termo verdadeiro para a anlise mtica,nem unidade secreta que possa apreender-se no final do trabalho dedecomposio. Os temas desdobram-se at ao infinito. E prossegue:

    O TRABALHO DE PENLOPE: ENTRE ESTRUTURALISMO E NEO-ESTRUTURALISMO 13

    11 Cf. C. Lvi-Strauss, Les structures lmentaires de la parent [1949], Paris/Haia,Mouton, 1967, cap. I, p. 3 ss. Cf. tambm Aclio S. E. Rocha, Problemtica do estrutura-lismo: linguagem, estrutura, conhecimento, Lisboa, Instituto Nacional de InvestigaoCientfica, 1988, p. 53 ss.

  • Quando se cr hav-los desemaranhado uns dos outros e t-los sepa-rados, somente para constatar que voltam a misturar-se, em respostas solicitaes de afinidades imprevistas. Por conseguinte, a unidadedo mito apenas tendencial e projectiva, nunca reflecte um estado ouum momento do mito. Fenmeno imaginrio implicado pelo esforode interpretao, a sua funo dar uma forma sintctica ao mito, eimpedir que ele no se dissolva na confuso dos contrrios. Poderiaassim dizer-se que a cincia dos mitos uma anaclstica, tomando estevelho termo no sentido amplo autorizado pela etimologia, e queadmite na sua definio o estudo dos raios reflectidos com o dos raiosrefractados. Mas, diferentemente da reflexo filosfica, que pretenderemontar at sua fonte, s reflexes aqui versadas interessam osraios privados de qualquer outro foco que no o virtual. A divergnciadas sequncias e dos temas um atributo fundamental do pensamentomtico12. Isto significa que se mantm as relaes, ou as relaes dasrelaes13; mantm-se, pois, a profunda estrutura inconsciente.

    Deste modo, nunca os mitos manifestam a unidade da sua orga-nizao: tal unidade no mais que tendencial e projectiva, isto ,uma narrativa nunca fechada, que s se completa na leitura que delesse faa, de maneira provisria; assim, o pensamento mtico mani-festa-se sob o aspecto duma irradiao, para a qual, somente, a medidadas direces e de seus ngulos incita em postular uma origemcomum: ponto ideal onde os raios desviados pela estrutura do mitoiriam juntar-se, se precisamente no proviessem de outra parte e nose tivessem mantido paralelos ao longo de todo o seu trajecto14. Pro-jecta-nos tambm para a analogia musical: cada mito particular, encer-rado num ponto do espao e do tempo, somente uma nota da imensasinfonia que todos em conjunto compem; o grupo social que elaborao mito no sabe afinal o que significa: a verdade (significado) no seexpe pelas melodias mas apenas na conjuno harmnica global.

    Na verdade, a estrutura universal dos mitos possui uma lgicainterna to rigorosa como a da nossa lgica simblica: Se verdadeque o objecto do mito fornecer um modelo lgico para resolver umacontradio (tarefa irrealizvel quando a contradio real), umnmero teoricamente infinito de fragmentos produzir-se-, cada qualligeiramente diferente do precedente. O mito desenvolver-se- como

    DIACRTICA14

    12 Ib., p. 13. O primeiro itlico nosso.13 Cf. C. Lvi-Strauss, Anthropologie structurale, Paris, Plon, 1958, p. 254.14 Ib., 13-14. Cf. Manfred Frank, Quest-ce que le no-structuralisme?, tr. do alemo

    Ch. Berner, Paris, Cerf, 1989, p. 52.

  • que em espiral, at que o impulso intelectual que o produziu se esgote.O crescimento do mito portanto contnuo, em oposio sua estru-tura, que permanece descontnua. Se nos permitem uma imagemousada, o mito um ser verbal que ocupa, no domnio da fala, umlugar comparvel ao que equivale ao cristal no mundo da matriafsica. Por relao com a lngua, por um lado, com a fala, por outro, asua posio seria de facto anloga do cristal: objecto intermdioentre um agregado estatstico de molculas e a estrutura molecularpropriamente dita15. Com efeito, em vez de axiomas e frmulasabstractas, so deuses, heris, reis, estrelas, etc., que esto em cena.

    Lvi-Strauss aceita alis que Ricoeur apresente o seu estrutura-lismo como um kantismo sem sujeito transcendental16, o que signi-fica que h uma ordem dos mitos sem que ela seja obra dumasubjectividade ordenadora e consciente de si mesma. Afinal, d-secom os mitos o mesmo que com a linguagem: o sujeito que aplicasseconscientemente no seu discurso as leis fonolgicas e gramaticais,supondo que possuia a cincia e a virtuosidade necessrias, no deixa-ria por isso de perder quase imediatamente o fio das ideias. Da mesmamaneira, o exerccio e o uso do pensamento mtico exigem que as suaspropriedades permaneam ocultas17. Por isso, acrescenta: a anlisemtica no tem e no pode ter por objecto mostrar como pensam oshomens. () No pretendemos portanto mostrar como os homenspensam dentro dos mitos, mas como os mitos se pensam dentrodos homens, e sem eles o saberem. E continua: E talvez, tal comosugerimos, convenha ir mais longe, fazendo abstraco de todos osassuntos para considerar que, duma certa maneira, os mitos se pensamentre si. Porque se trata aqui de descobrir, no tanto o que h dentrodos mitos (sem estar alis na conscincia dos homens), como o sistemade axiomas e dos postulados que definem o melhor cdigo possvel,capaz de dar uma significao comum a elaboraes inconscientes,devidas a espritos, sociedades e culturas escolhidas entre as que ofere-cem, umas em relao a outras, o maior afastamento18. Frmulaestranha, que o neo-estruturalismo ilustrar com diversas variaes,seja no mito, na lngua, nos textos: no o sujeito que os fala comoautor, em parte eco de certas modulaes de autores simbolistas, comoMallarm, ou de Heidegger (a palavra fala).

    O TRABALHO DE PENLOPE: ENTRE ESTRUTURALISMO E NEO-ESTRUTURALISMO 15

    15 C. Lvi-Strauss, Anthropologie structurale, p. 254.16 C. Lvi-Strauss, Mythologiques, t. I, p.19.17 Ib., pp. 19-20.18 Ib., p. 20.

  • A questo saber se basta excluir a subjectividade como centrounificador da cadeia de paradigmas, ou se este ressurge sob umaforma velada. Para Derrida, este centro tinha por funo no somenteorientar e equilibrar, organizar a estrutura no se pode, com efeito,pensar uma estrutura inorganizada , mas sobretudo fazer que o prin-cpio de organizao da estrutura limitasse o que ns poderamosdenominar o jogo da estrutura. Sem dvida que o centro de uma estru-tura, dado que se orienta e organiza a coerncia do sistema, permite ojogo de elementos no interior da forma total. E ainda hoje uma estru-tura privada de todo o centro representa o impensvel19.

    H, porm, no final de Mitolgicas frmulas que vo mais almque a abertura; cabe, ento, perguntar: h uma unidade de estruturaou o conceito de estrutura dever ser concebido como aberto? Comovimos, uma primeira aproximao mostrou que a armadura dos mitosno atingia a unidade da estrutura: tratava-se dum gnero de estru-turalismo transformacional. Desde a abertura de Mitolgicas, Lvi--Strauss excluiu o cartesianismo, isto , a ideia segundo a qual algocomo um sujeito dirigiria a organizao da estrutura, seja o sujeitoconcebido como um indivduo ou o gnero humano; no final deMitolgicas, Lvi-Strauss (de modo mais radical que na abertura)refere-se ao sujeito como o lugar insubstancial oferecido a um pensa-mento annimo a fim de que ele a se manifeste20; se, no primeirovolume de Mitolgicas, o autor distinguira rigorosamente o cdigo oua estrutura (invariantes) e a armadura dos mitos (variando continua-mente), agora, no ltimo volume, afirma a variabilidade das prpriasestruturas: introduz o antigo conceito de transformao, que afectaapenas os contedos e as significaes, mas no os valores dum sistemasemiolgico. Por outro lado, o texto refere um conceito geral, o dematrizes a partir das quais se produzem estruturas que derivam todasdum mesmo conjunto; o conceito anterior de armadura resolve-se node estrutura e o de estrutura no de matriz que permanece idntica efunda a continuidade atravs de todas as transformaes das estru-turas. A unidade semntica , pois, constantemente desviada pelasparticularidades histricas e sociais que se inscrevem na narrativamtica. Isso mesmo Lvi-Strauss o expressa: Cada verso do mito traia influncia dum duplo determinismo: um liga-o a uma sucesso deverses anteriores ou a um conjunto de verses estrangeiras, o outro

    DIACRTICA16

    19 J. Derrida, Lcriture et la diffrence, p. 409 ss.20 C. Lvi-Strauss, Mythologiques, t. IV: Lhomme nu [Finale], Paris, Plon, 1971,

    p. 559.

  • age de algum modo transversal, pelos constrangimentos de origeminfra-estrutural que impem a modificao de tal ou tal elemento,donde resulta que o sistema se reorganiza para acomodar essas dife-renas a necessidades de ordem externa21. Se Lvi-Strauss conver-geria com o que Jean Piaget denomina de auto-regulao22, a hiptesede estrutura sem centro insere-se j noutro terreno, claramente o doneo-estruturalismo.

    3. Entre estruturalismo e neo-estruturalismo

    Ao falarmos em neo-estruturalismo, somos assediados tambm pelopicante termo de ps-modernidade, usado a propsito e a desprop-sito; ora, se neo-estruturalismo remete tambm para essa dimenso doencerramento da modernidade, a ps-modernidade uma condioposterior ao questionamento da metafsica23; o neo-estruturalismocompreender-se-, ento, na senda de Freud, Nietzsche e de Marx, no

    O TRABALHO DE PENLOPE: ENTRE ESTRUTURALISMO E NEO-ESTRUTURALISMO 17

    21 Ib., p. 562.22 Cf. Jean Piaget, Le structuralisme, Paris, P.U.F., 1968, p. 13 ss. Cf. Aclio S. E.

    Rocha, Problemtica do estruturalismo, op. cit., cap. V, . 1.23 Com efeito, ps-estruturalismo um termo muito indeterminado; a queda do

    muro de Berlim, o 11 de Setembro, ou a criao do Euro como moeda nica europeia,so igualmente posteriores ao estruturalismo, sem no entanto lhe estarem ligados.

    Na verdade, neo-estruturalismo no remete para o ps-modernismo e funcionanum registo epistmico mais restrito. Genericamente, o denominado ps-modernismo,conceito ambguo e polissmico, que faz parte duma rede de post (sociedade ps--industrial, sociedade ps-histrica, ps-estruturalismo, etc.) que, segundo parece,decorre da tomada de conscincia duma mudana de poca, de contornos ainda impre-cisos, confusos e ambivalentes, mas cuja percepo parece anunciar o fim de um pro-jecto histrico - o projecto da modernidade, isto , da ilustrao europeia. A ruptura coma razo totalizante surgiria agora como um adeus s grandes narrativas (por exemplo, ada emancipao da humanidade, etc.).

    A este propsito, Lyotard defende, ento, um pluralismo irredutvel dos jogos delinguagem e acentua o carcter local de todos os discursos, acordos e legitimaes.Caberia falar de um conceito pluralista, pontualista, anti-euclidiano da razo, em con-traposio, por exemplo, com o conceito que Jrgen Habermas projecta da razo emtermos de teoria do consenso, o qual, desde a perspectiva de Lyotard mais no que oltimo grande intento de se ater ao pensamento reconciliador, totalizante, do idealismoalemo (ou da tradio marxista).

    Se, na arte, isso se verifica com a disseminao dos gostos mais retricos evulgares, R. Venturi refere-se sensibilidade ps-moderna como a que reivindica umaarquitectura, na qual a riqueza e a ambiguidade prevalecem sobre a unidade e a clareza,e a contradio e a redundncia sobre a harmonia e a simplicidade. Como definiuS. Lash em Ps-modernidad e desejo, a ps-modernidade esttica caracteriza-se por umaruptura com os formalismos, uma ruptura com o significante; significa uma nova pri-

  • somente como um pensamento ps-metafsico, mas posterior ao estru-turalismo.

    A grande separao entre modernidade e ps-modernidade radicana conceptualizao de sistema; esse o mais pequeno comum deno-minador das obras de tericos to diferentes como Foucault, Lacan,Derrida, Deleuze, Lyotard; com eles, e porventura outros, diluiu-sea ideia de sistema fechado, prprio do estruturalismo. Quer dizer:o neo-estruturalismo reporta-se a hipteses do estruturalismo, fun-dando-se na verso oficial do Cours de Saussure, a principal das quais a rejeio da seguinte concepo: tal como as palavras seriam areproduo de pensamentos preexistentes ou de impresses psquicas,tambm as ligaes sintcticas seriam a reproduo das snteses lgicasque unem esses pensamentos a predicados para formar juzos24. H,pois, uma certa anarquia nos neo-estruturalistas, entre defesa, conser-vao do sistema e dissoluo do sistema; no se trata da rejeio daconcepo saussuriana duma articulao diferencial dos signos, masda contestao de possibilidade de articulao num sistema fechado.A estrutura dos neo-estruturalistas no refere limites atribuveis,mas aberta, susceptvel de infinitas transformaes.

    DIACRTICA18

    mazia do inconsciente, do corporal e material, do desejo, dos impulsos libidinais.Adorno, em Teoria Esttica, j havia advertido que a esttica moderna/ps-modernaavanava para uma constante compulso inovao, subverso do sentido da forma.

    Com Lyotard, o ps-modernismo aparece como um grande movimento de desle-gitimao da modernidade europeia, de que a filosofia de Nietzsche teria sido a mensa-geira antecipadora. Segundo o autor dA condio ps-moderna, h, nas sociedadesps-modernas, uma vontade de fragmento, dissenso e elevao do desejo a categoriascentrais, esta ltima tambm invocada por Gilles Deleuze; proclama-se, ento, a imagi-nao, a inventiva, o dissenso, a busca de paradoxos, a instabilidade, o localismo, aagonstica, como a nova opo cognitiva aplicvel tambm s instituies sociais e pol-ticas; trata-se, por outras palavras, de enfatizar a exacerbao dos jogos de linguagemvrios e diversos, sem possibilidade de sada para acordos ou consensos que no sejamtemporrios ou locais. Ocorrncias polticas desastrosas como Auschwitz, Berlim em1953, Budapeste em 1956, Checoslovquia em 1968, etc., que foram reais sem seremracionais, mostram que o projecto moderno (da ilustrao europeia), isto , da imple-mentao da universalidade, no foi apenas abandonado mas destrudo, manifestandoa falncia da base metafsica desse discurso de emancipao, cuja narrativa mais abran-gente se revela na filosofia das Luzes, concentra-se em Kant, expandindo-se no sistemahegeliano.

    Contudo, no ser essa uma via para um individualismo extremado, um hedo-nismo narcisista e mesmo uma insularidade radical? Essa seria o resultado da reflexoparalgica ps-moderna, a que Habermas contrape, com justeza, o tpico de um pro-jecto da ilustrao ainda inacabado, assente na eficcia do discurso comunicacional.

    24 M. Frank, op. cit., p. 28.

  • No ser, todavia, como alegam alguns, duma brilhante bricolageps-moderna a que o neo-estruturalismo opera: tratar-se-, sim, dumtrabalho paciente de anamnese sem o qual o que estrutura e produz atradio ocidental no seria nunca transformado; aqui radicam certospontos de divergncia; ao invs de Deleuze, a desconstruo derridianano ps-moderna, pois jamais esquece a tradio: busca, sim, umaanamnese do imemorial, isto , daquilo que na tradio o esqueci-mento; em suma, pela memria daquilo que inevitavelmente seesquiva em todo o intento de rememorao.

    O termo neo-estruturalismo tambm demasiado geral e vago; tambm falacioso, porque pode induzir a ideia de renovao do estru-turalismo clssico, tal como se manifestou em lingustica, filosofia,antropologia, psicanlise, literatura e em vrias aplicaes interpreta-tivas. Por outro lado, pode remeter para outras expresses doutroscontextos histricos e doutrinais, com as quais nada tem em paralelo neotomismo, neomarxismo, neopositivismo, que retomam, revendoou modificando, elementos de teorias que lhes foram clssicas. Na ver-dade, neo-estruturalismo, ligando-se embora ao denominado estrutu-ralismo clssico que acima referencimos , no simplesmenteposterior ao estruturalismo: liga-se de maneira crtica a esse movi-mento e no poder ser compreendido fora dessa origem; alm disso,radicaliza e inverte, numa perspectiva filosfica, o estruturalismo queo precedeu e que era tido alis mais como uma metodologia das cin-cias humanas que como um movimento filosfico; esse itinerrioprende-se, alis, mais com a superao da metafsica por Nietzsche.

    Eis tambm por que necessrio juntar, aps Nietzsche, tambmHeidegger e Freud rvore genealgica do neo-estruturalismo; o pri-meiro, pelo combate ao platonismo e filosofia ocidental em geral,criticando desde o sujeito, representao, verdade, aos valores, sistema,propondo um perspectivismo segundo o qual qualquer linguagem metafrica; o segundo, porque, ligando-se a Hegel e Nietzsche, criticao sujeito moderno da representao e os efeitos corrosivos da raciona-lizao e da tcnica, consequncias do esquecimento do ser, tentandosuperar a metafsica em nome dum ser que nenhum conhecimento outeoria poder inteiramente referenciar a essncia; e Freud, por umarazo estrutural anloga: porque recorre a um insconsciente quenenhum trabalho do conceito poder plenamente esclarecer. Ento,apreender conceptualmente, explicar, eis as referncias especficas queo neo-estruturalismo mostra como epistema da conscincia europeia:o saber ps-moderno no pode mais ter a forma do idealismo platnico,

    O TRABALHO DE PENLOPE: ENTRE ESTRUTURALISMO E NEO-ESTRUTURALISMO 19

  • dos dogmas religiosos, da conscincia de si hegeliana25, ou mesmo dosaber que o estruturalismo clssico tornou patente.

    Diferentemente do estruturalismo, o neo-estruturalismo nosomente rejeita a ideia dum domnio cientfico e tcnico do objecto,como apreende, na ideia dum sistema lingustico ou social, um ltimoassento da metafsica que seria um pensamento do poder, do controlo,da dominao. Somente o que visvel e presente, o que se manifestanele mesmo tal como em si mesmo, na sua essncia, pode ser contro-lado pelo conceito e pelo sistema; isso precisamente o que Heideggertinha como caracterstica da interpretao ocidental do ser: pensar oser como presena. O neo-estruturalismo, ao poder, ope-lhe umaresistncia no-presente, uma no-presena que no pode inteira-mente resolver-se no presente, uma indecibilidade principial do sen-tido dos signos26 a essa interpretao ocidental do ser: no existeexperincia de pura presena mas apenas cadeias de marcas diferen-ciais. Isso ocorre porque deixa de descrever os efeitos de poder emtermos negativos: se ele exclui, reprime, recalca, censura, abstrai,mascara, oculta, o que a anlise finalmente mostra que de facto opoder produz; produz domnios de objectos e rituais de verdade, bemcomo o indivduo e o conhecimento que dele podemos tomar deri-vam dessa produo27; chega-se, pois, a um sistema integrado no qualos que vigiam so tambm eles vigiados: todo o aparelho que produzpoder, no somente indiscreto, pois que est por todo o lado, mas tambmdiscreto, pois que funciona em permanncia e silenciosamente.

    Neste sentido, o neo-estruturalismo desenvolve, intensifica e radi-caliza uma crtica da epistema clssica, isto , uma crtica do pensa-mento histrico, incluindo as categorias de sujeito e de sentido basesda hermenutica e da metafsica; tais eram as posies que Derridadenomina metafsicas da presena, fundacionalistas da linguageme do conhecimento, que pretendem dar ao sujeito um acesso nomediado realidade; tais oposies binrias predominantes, sujeito/objecto, aparncia/realidade, voz/escrita, efectuam uma hierarquia devalores que buscam garantir a verdade e servem para excluir e desva-lorizar os termos inferiores da oposio: metafsica binria que privi-

    DIACRTICA20

    25 Cf. M. Frank, op. cit., pp. 23-25.26 J. Derrida, Marges de la philosophie, Paris, Minuit, 1972, p. 378. Cf. M. Frank,

    op. cit., pp. 28-29.27 Michel Foucault, Surveiller et punir: la naissance de la prison, Paris, Gallimard,

    1975, pp. 195-196.

  • legia a realidade e no a aparncia, o falar e no o escrever, a razo eno a natureza, o homem e no a mulher.

    Carece-se, pois, duma desconstruo da filosofia e duma novaprtica da filosofia; em consequncia, importar desfazer fronteiras,no s entre filosofia e literatura, mas entre filosofia e teoria social;ser necessrio iniciar novas prticas acadmicas, novos modos deescrever, e romper com as instituies e polticas do passado28. Nestasequncia, como filsofo que rejeita a poltica do mesmo, da reconci-liao que Hegel expressa o acabamento , Derrida promove a alteri-dade irredutvel, as dissidncias e as repeties diferentes; um dos seusmritos inegveis subverter as certezas rapidamente tematizadas, ospensamentos completos, as snteses orgnicas; contra as filosofias queelaboram um sistema completo, que intentam uma explicao total eacabada, do todo, da identidade, da universalidade, Jacques Derridaocupa, entre os filsofos contemporneos, posio cimeira: estes pen-sadores tentam esclarecer as ideias da diferena, das margens, delutas29, dos confins, dos limites, do outro.

    4. Inquietude da linguagem e na prpria linguagem

    sintomtico que em todos os domnios, por todos os seuscaminhos e apesar de todas as diferenas, a reflexo universal recebahoje um formidvel movimento duma inquietude acerca da linguagem que no pode ser seno uma inquietude da linguagem e na prprialinguagem30. Por esta inquietude, a gramatologia mostrar o legado

    O TRABALHO DE PENLOPE: ENTRE ESTRUTURALISMO E NEO-ESTRUTURALISMO 21

    28 Note-se que vrios levantamentos intelectuais do tempo foram tambm eventospolticos: Maio de 1968, onde a revolta estudantil se juntou s greves de trabalhadores;recorde-se a politizao do ensino universitrio: a produo de conhecimentos foi criti-cada como instrumento de poder e de dominao e a universidade como espao buro-crtico asfixiante que gera um conformismo organizado, gerador de saberes especiali-zados irrelevantes para a existncia; a televiso e imprensa como mecanismos masca-rados do sistema capitalista de conservao do poder.

    29 Este mesmo compromisso levou-o a solidarizar-se com os escritores que, naantiga Checoslovquia, se esforavam por trabalhar livremente e relacionarem-se comintelectuais estrangeiros; em Praga (Dezembro de 1982), foi mesmo preso, quandopretendeu participar num seminrio com intelectuais (alguns, subscritores da clebreCarta 77), proibido pelas autoridades desse pas. que o domnio da poltica tambmterreno da desconstruo. Por isso mesmo integrou o Parlamento Internacional deEscritores, tendo participado no 1. Encontro realizado em Lisboa, em 1994.

    30 J. Derrida, Lcriture et la diffrence, p. 9. O itlico nosso.

  • logocntrico da lingustica estrutural saussuriana e ps-saussuriana edo fonocentrismo da antropologia de Lvi-Strauss, confrontados comum pensamento da escrita; mas a tendncia geral manifestada porfilsofos, desde Plato at ele, que Derrida escalpeliza, pois considerama fala (parole) como o lugar primignio e privilegiado da significaolingustica e a escrita como um fenmeno da resultante; o que pre-tende esclarecer que essa significao no resulta das intenes denatureza psicolgica do autor mas da estrutura da prpria lngua: paraDerrida, no estamos jamais em presena do ser, mas sempre dumarepresentao que remete para uma outra representao, e isto indefi-nidamente: o que h, a deriva indefinida dos signos em errncia31.A sobreabundncia do significante, o seu carcter suplementrio,deve-se a uma finitude, isto , a uma falta que deve ser suprida; trata-sede traduzir na prtica a eliminao de todo e qualquer tipo de autori-dade na determinao daquilo que dito ou escrito, seja do orador, doautor ou do leitor.

    4.1. O privilgio da presena como conscincia que se estabelecepor meio da voz (relao necessria e imediata que a tradio ocidentalpretende estabelecer entre o pensamento, logos, e a voz, phon) emdetrimento da escrita, a iluso de transparncia absoluta do signifi-cado transcendental (sentido prvio e absolutizado, complemento dapresena, da interioridade), que se escondem detrs de todos os juzos metas e aspiraes da metafsica: identificmos o logocentrismo ea metafsica da presena como o desejo exigente, poderoso e irrepri-mvel de semelhante significado (transcendental)32. O logofonocen-trismo, como Derrida denomina o discurso clssico, funciona no pen-samento com toda a intensidade cega de enganos e fora de persuasoilusria.

    O saber ocidental produz-se a partir da escrita fontica, que aconverte em mera tcnica auxiliar da significao e privilegia a vozcomo depositria nica do poder do sentido: tal logocentrismo ilustraa metafisica da escrita fontica (por exemplo, do alfabeto). O logo-centrismo determina-se, portanto, como fonocentrismo, isto , comoproximidade absoluta da voz e do ser, da voz e do sentido do ser, da

    DIACRTICA22

    31 J. Derrida, La voix et le phnomme, Paris, P.U.F., 1967, p. 116.32 De la grammatologie, Paris, Minuit, 1967, pp. 71-72. Cf. tambm Cristina de

    Peretti, Jacques Derrida: texto y deconstruccin, prl. de J. Derrida, Barcelona, Anthropos,1989, pp. 31-32, 33.

  • voz e da idealidade do sentido33. sobretudo a recusa do significante(por oposio ao privilgio outorgado ao significado) que toma formacomo recusa da escrita, ficando esta relegada a tcnica normal repre-sentativa e acessria da linguagem.

    O privilgio da fala deriva do binarismo significado/significante,que implica conceber a escrita como algo derivado, exterior e repre-sentativo, como um signo do signo, e que faz da escrita meramentealfabtica a perfeio final de toda a escrita; ora, a escrita alfabtica(silbica e alfabtica) tornou-se modelo da escrita em geral, mas s nombito da cultura ocidental, isto , num mbito fortemente influen-ciado pela fonetizao e por um pensamento logocntrico. E segundoDerrida, esta pertena essencial e irredutvel: no se pode manter acomodidade ou a verdade cientfica da oposio estica, mais tardemedieval, entre signans e signatum sem com isso reconduzir tambma si todas as suas razes metafsico-teolgicas. A estas razes no adereapenas (e j muito) a distino entre o sensvel e o inteligvel, comtudo o que comanda, isto , a metafsica na sua totalidade34.

    Importa, porm, referir outros pressupostos ocultos, cujo horizonte genuinamente teolgico: a cincia semiolgica ou, mais estrita-mente, lingustica, no pode reter a diferena entre significante e signi-ficado a prpria ideia de signo sem a diferena entre o sensvel e ointeligvel, certamente, mas sem reter tambm ao mesmo tempo, maisprofunda e mais implicitamente, a referncia a um significadopodendo ter lugar, na sua inteligibilidade, antes da sua queda,antes de qualquer expulso para a exterioridade deste mundo sensvel.Enquanto face de inteligibilidade pura, remete para um logos absolutoao qual est imediatamente unido. Este logos absoluto era, na teologiamedieval, uma subjectividade criadora infinita: a face inteligvel dosigno permanece voltada para o lado do verbo e da face de Deus.E prossegue, com o seguinte esclarecimento: claro, no se trata derejeitar estas noes: elas so necessrias e, pelo menos hoje, parans, nada mais pensvel sem elas. Trata-se, primeiramente, de prem evidncia a solidariedade sistemtica e histrica de conceitos ede gestos de pensamento que se cr frequentemente poder separarinocentemente. O signo e a divindade tm o mesmo local e o mesmotempo de nascimento. A poca do signo essencialmente teolgica.

    O TRABALHO DE PENLOPE: ENTRE ESTRUTURALISMO E NEO-ESTRUTURALISMO 23

    33 J. Derrida, De la grammatologie, pp. 11-12.34 De la grammatologie, p. 23. Cf. tambm, F. Nault, Derrida et la thologie, Paris,

    Cerf, 2000, pp. 79-84.

  • Ela no terminar talvez nunca. A sua clausura histrica est, contudo,desenhada35.

    Assim, a definio saussuriana do signo surge como ambgua: porum lado, Saussure opera uma dessubstancializao da linguagem, mas,por outro, a distino significante-significado abre a possibilidade depensar um significado em si mesmo; alm disso, a distino arrastauma desvalorizao do significante: no s a distino se funda nobinmio sensvel-inteligvel, como implica a valorizao do inteligvel.

    4.2. Na Grcia, j a marginalizao da escrita como tcnica auxi-liar um facto, tido como a origem da prpria filosofia, entendida estacomo epistema e a verdade como unidade de logos e phon. Disso bem ilustrativo o frmaco, discutido por Derrida nA Farmcia dePlato36, mediante o qual se revela a iluso do controlo do sentido:

    DIACRTICA24

    35 De la grammatologie, p. 24. E nota: Um motivo a mais para no renunciarmosa estes conceitos, que eles nos so indispensveis para abalar hoje a herana de quefazem parte. No interior da clausura, por um movimento oblquo e sempre perigoso,correndo permanentemente o risco de recair aqum daquilo que ele desconstri, preciso cercar os conceitos crticos por um discurso prudente e minucioso, marcar ascondies, o meio e os limites de sua eficcia, designar rigorosamente a sua pertena mquina que eles permitem desconstituir; e ao mesmo tempo a falha por onde se deixaentrever, ainda inominvel, o claro da alm-clausura (ib.).

    36 La pharmacie de Platon [1968], em La dissmination, Paris, Seuil, 1972,pp. 69-198. Derrida examina o conhecido mito da origem da escrita, que aparece no finaldo Fedro, e onde Scrates, que no escreveu nada, convence Fedro da superioridade dafala sobre a escrita, no com argumentos, mas invocando o mito egpcio acerca daorigem da escrita.

    O deus-inventor, Theuth, inventa os nmeros, o clculo, a geometria, a astronomia,o jogo das damas e o dos dados e, ainda por cima, a escrita. Theuth tem que justificaros seus inventos ante o deus-rei Tamos, que representa a mon, rei dos deuses e rei dosreis, que o vai inquirindo sobre a utilidade de cada um dos inventos, ora censurando oralouvando. A escrita, segundo o seu inventor, um pharmakon para a memria e a sabe-doria, que tornar os egpcios mais sbios e melhorar a sua memria; ora, pharmakon uma puno mgica, uma cura, um remdio, uma receita; assim, Derrida faz notar aambigudade do termo grego pharmakon, que significa ao mesmo tempo cura e veneno;o pharmakon indizvel: cura e veneno, sra e infecta; ora, se Theuth apresenta aescrita como pharmakon, como remdio para a memria e a sabedoria limitada, o reiprev que os seus efeitos sero contrrios: que a escrita far os homens esquecidos, queestes apoiar-se-o nas marcas externas da escrita e no na sua capacidade interna derecordar: a escrita um pharmakon para a rememorao, no para a autntica memriae oferece uma mera aparncia de sabedoria.

    Se Theuth apresenta a escrita como pharmakon, Tamos, com a sua autoridade dedeus dos deuses e rei dos reis, decide-a como veneno: o indizvel foi decidido pelo poder.

  • a ambivalncia ocorre na medida em que h fuso entre os opostos,numa operao dupla e impossvel; com efeito, o frmaco venenoe remdio ao mesmo tempo, pelo que qualquer tomada de posio afavor de um ou de outro invalida a possibilidade do jogo de significa-es: a indecidibilidade perde-se e o pharmakon um dos limites,uma das formas verbais, uma das palavras, mas haveria outras, muitasoutras formas, que marcam o limite do filosfico como traduo37.A disseminao conceito a que adiante voltaremos mostra-se nessaproliferao incontrolvel de sentidos; como exclama Derrida, para oreconhecer bastaria ter em conta que aquilo que parece inaugurar-sena literatura ocidental com Plato no deixar de reproduzir-se aomenos em Rousseau e mais tarde em Saussure38.

    4.3. Na sua leitura do Ensaio sobre a origem das lnguas, deRousseau, Derrida mostra como opera, nesta nova verso da metaf-sica da presena, a antiga teoria da primazia da fala sobre a escrita.O estado de natureza, no qual os homens so bons, o estado em quese fala e no se escreve; a sociedade civil, ao invs, o estado em queos homens, que se tornam maus, escrevem. No estado de natureza, oshumanos so livres, no estado civil, escravos. Rousseau ope a voz escrita como a presena ausncia e a liberdade escravatura. ParaRousseau, num primeiro momento, a linguagem gestual seria sufi-ciente para as necessidades fsicas e prticas de sociedades naturais,muito distintas das que possui o homem civilizado; a linguagem degestos revela-se incapaz de expressar as paixes e as necessidadesmorais, que aproximam os humanos, embora tambm os afastem; em

    O TRABALHO DE PENLOPE: ENTRE ESTRUTURALISMO E NEO-ESTRUTURALISMO 25

    Derrida quer mostrar que o argumento de Plato funda-se nas oposies: bom/mau,interior/exterior, verdadeiro/falso, essncia/aparncia, vida/morte. A escrita es inscritanestas oposies: a fala boa, a escrita m; a verdadeira memria interna, a recor-dao escrita externa; a fala traz a essncia da sabedoria, a escrita s a sua aparncia;os signos da fala so vivos, as marcas escritas esto mortas. A escrita como pharmakonno pode ser fixada segundo as oposies platnicas. O pharmakon no tem umaposio prpria de significao: o jogo de possibilidades, o movimento para diante epara trs, dentro e fora dos opostos que o determina.

    37 J. Derrida, Loreille de lautre: otobiographies, transferts, traductions, Textes etdbats avec J. Derrida, sous la dir. de Cl. Levesque e Ch. V. MacDonald, Montreal, 1982,p. 160.

    38 La pharmacie de Platon, La dissmination, Paris, Seuil, 1972, pp. 182-183.39 De la grammatologie, p. 29. No Emlio, pode ler-se tambm: O abuso dos livros

    mata a cincia, tantos livros fazem-nos negligenciar o livro do mundo; nose deve ler, deve-se ver. Cf. citaes em De la grammatologie, p. 194.

  • ordem a isso surgiria a linguagem falada: mas, para Rousseau, ohomem sente antes de pensar.

    J nas Confisses, Derrida perscruta um novo conceito, o de suple-mento, que Rousseau utiliza em diferentes escritos, referindo-se sempre falta de presena de algo natural que suprido, isto , substi-tudo, por algo artificial; casos de suplemento nas Confisses so,por exemplo, a senhora Warens, que supre a falta da me do autor, eo auto-erotismo que supre a falta de amor natural. O suplementorefere-se ausncia da presena, sendo, pois, por um lado, artificial eperigoso, um mal necessrio, mas, por outro, assegurando-nos da reso-luo de problemas de outro modo insolveis: o suplemento encerraem si o duplo sentido de suprir ou suplantar; ademais, Rousseau asso-cia ideia de suplemento a de angstia: o suplemento rompe coma natureza e conduz o desejo fora do caminho justo, f-lo errar longedos caminhos naturais; mas, afinal, o suplemento, perigoso e ambguo, indispensvel.

    Por sua vez, no Ensaio sobre a origem das lnguas, cujo tema prin-cipal a msica, tambm esta antecedida pela fala: no comeo nohavia outra msica que a melodia, nem outra melodia que os variadossons da fala; no princpio, era a cano: ora, constituindo a melodiao natural da msica, a harmonia o seu suplemento. Como tal, afala a expresso natural do pensamento, enquanto a escrita no mais que o suplemento da fala, o seu substituto no natural.

    Depois de Descartes e antes de Hegel, Rousseau, que havia preve-nido contra a escrita o pensador do sentimento , defensor acrrimodas paixes e da natureza, que as contrape s ideias e cultura, inau-gura uma nova verso da metafsica moderna, que ocupar posiosingular entre o Fedro de Plato e a Enciclopdia de Hegel: Rousseaurepete o gesto platnico referindo-se agora a outro modelo da presena;presena a si no sentimento, no cogito sensvel que traz simultanea-mente em si a inscrio da lei divina. Por um lado, a escrita represen-tativa, decada, segunda, instituda, a escrita em sentido prprio e estrito, condenada no Ensaio sobre a origem das lnguas (). A escrita, nosentido corrente, letra morta, portadora de morte. Ela asfixia avida. Por outro lado, na outra face do mesmo propsito, a escrita emsentido metafrico, a escrita natural, divina e viva, venerada; ela igual, em dignidade, origem do valor, voz da conscincia comolei divina, ao corao, ao sentimento, etc. (). A escrita natural estimediatamente unida voz e ao sopro. A sua natureza no gramato-lgica mas pneumatolgica. hiertica, mui prxima da santa vozinterior da Profisso de f, da voz que se ouve ao entrar-se em si: pre-

    DIACRTICA26

  • sena plena e veraz da fala divina no nosso sentimento interior39.Rousseau distingue entre o significado natural da linguagem e o seusentido convencional: as expresses com significado natural so sono-ras, prosdicas, harmoniosas, so expressivas, figurativas, aforsticas eapaixonadas; ao invs, as expresses com significado convencional soprticas, literais, exactas; pela escrita que a primeira linguagem expressiva e metafrica; a literal, -lhe posterior e inferior.

    Se a linguagem, para Rousseau, a alma da comunicao, aescrita (que lhe externa) baseia-se numa conveno externa do que expressado: o signo escrito um suplemento para o signo natural, paraa expresso falada: Mas Rousseau no podia pensar esta escrita quetem lugar antes e na fala. Na medida da sua pertena metafsica dapresena, ele sonhava com a exterioridade simples da morte vida,do mal ao bem, da representao presena, do significante ao signi-ficado, do representante ao representado, da mscara ao rosto, daescrita fala. Mas todas estas oposies esto irredutivelmente enrai-zadas nesta metafsica. Servindo-se delas, s pode operar-se por inver-ses, isto , por confirmao. O suplemento no nenhum dessestermos. Em particular, no mais um significante que um significado,um representante que uma presena, uma escrita que uma fala.Nenhum dos termos desta srie pode, estando a compreendido,dominar a economia da diferena ou da suplementaridade. O sonho deRousseau consistiu em fazer o suplemento entrar fora na metaf-sica40. A suplementaridade altera a ordem natural e a linguagem,mudando o esprito, substituindo a expressividade pela exactido; aescrita inverte a ordem natural ao no ser ela mesma algo de natural.

    4.4. De certo modo, Lvi-Strauss segue o seu mestre, Rousseau.Na Lio de escrita de Tristes Trpicos, descreve o aparecimento daescrita nos Nambikwara, trazendo, com ela, a explorao e diversasformas de sujeio; tais consideraes de Lvi-Strauss so para Derridaa prova que o etnlogo no conseguiu, melhor que Saussure, culminaro acto de descentramento do etnocentrismo ocidental41. verdade queLvi-Strauss introduz a suspeita nas suas pesquisas, tenta eximir-se a

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    40 De la grammatologie, p. 444.41 Todavia, Derrida sublinha: A escrita, explorao do homem pelo homem: no

    impomos esta linguagem a Lvi-Strauss. Lembremos, por precauo, os Entretiens:a prpria escrita no nos parece associada de modo permanente, nas suas origens,seno a sociedades que so fundadas sobre a explorao do homem pelo homem(p. 36). Lvi-Strauss tem conscincia de propor, em Tristes Trpicos, uma teoria marxista

  • modelos conscientes, faz prevalecer a cadeia significante e no o signi-ficado central, relega a dicotomia tradicional natureza/cultura levadaa cabo de modo insigne nAs Estruturas Elementares do Parentesco.Com esse escopo, o projecto de Derrida prossegue o de Lvi-Strauss,mesmo que este no seja to radical; h, contudo, num e noutro, amesma busca das diferenas: quer entre os mitos que se pensam entresi, para Lvi-Strauss, quer os textos que se inscrevem na trama daintertextualidade, para Derrida.

    Derrida faz notar a referncia de Lvi-Strauss, nA vida familiare social dos ndios Nambikwara (1948), a que no alude em Tristestrpicos, sobre o nome dado ao acto de escrever: eles denominaram oacto de escrever: iekariukedjutu, isto , fazer riscos42. E Derridaconstata: bem evidente que uma traduo literal das palavras quequerem dizer escrever nas lnguas dos povos com escrita, reduziriatambm esta palavra a uma significao gestual muito pobre. umpouco como se se dissesse que tal lngua no tem nenhuma palavrapara designar a escrita e que, por consequncia, os que a praticamno sabem escrever sob pretexto que eles se servem duma palavra quequer dizer raspar, gravar, arranhar, esfolar, incisar, traar,imprimir, etc. Como se escrever, no seu ncleo metafrico, qui-sesse dizer outra coisa43. Se Lvi-Strauss parece extrair uma primeirasignificao, conforme o interpreta Derrida44, de que a apario daescrita instantnea, que ela no preparada, que um tal saltoprovaria que a possibilidade da escrita no habita a fala, mas o fora dafala, porque, segundo o etnlogo, a escrita fizera a sua apario entreos Nambikwara no como o poderamos imaginar, [mas] ao caboduma aprendizagem laboriosa, segundo Derrida, sabemos que esse

    DIACRTICA28

    da escrita. Ele o diz numa carta de 1955 (ano de publicao do livro) a Nouvelle Critique[que no a publica], que pode ler-se em Anthropologie structurale, pp. 364-365. Cf. De lagrammatologie, pp. 174-175.

    42 Os Nambikwara do grupo (a) ignoram completamente o desenho, se se excep-tuarmos alguns traos geomtricos nas cabeas. Durante vrios dias, no souberam oque fazer do papel e dos lpis que lhes distribumos. Pouco depois, ns os vimos muitoatarefados em traar linhas onduladas. Imitavam nisso o nico uso que nos viam fazerdos nossos blocos de notas, isto , escrever, mas sem compreender o seu objectivo ealcance. Elas denominavam alis o acto de escrever: iekariukedjutu, isto , fazer riscos.De la grammatologie, p. 180.

    43 E pouco depois, remata: Dizer que um povo no sabe escrever porque se podetraduzir por fazer riscos a palavra de que ele se serve para designar o acto deinscrever, no como recusar-lhe a fala traduzindo a palavra equivalente por gritar,cantar, soprar? (ib., p. 180).

    44 De la grammatologie, pp. 184-185.

  • carcter de instantaneidade pertence a todos os fenmenos de difusoou de transmisso da escrita; ele nunca pde qualificar a apario daescrita que, ao contrrio, foi laboriosa, progressiva, diferenciada emsuas etapas: e a rapidez do emprstimo, quando tem lugar, supe apresena prvia de estruturas que o tornem possvel.

    Por outro lado, tendo em conta o dito por Lvi-Strauss se aminha hiptese for exacta, preciso admitir que a funo primria dacomunicao escrita facilitar a escravizao , para Derrida sabe-seh muito tempo que o poder da escrita nas mos de um pequenonmero, de uma casta ou de uma classe, foi sempre contemporneoda hierarquizao, diramos da diferena poltica: simultaneamentedistino de grupos, das classes e dos nveis do poder econmico--tcnico-poltico e delegao da autoridade, poder diferido, abando-nado a um rgo de capitalizao; todavia, nesse texto, Lvi-Straussno faz nenhuma diferena entre hierarquizao e dominao, entreautoridade poltica e explorao. Ora, a nota que governa estas distin-es a de um anarquismo que confunde deliberadamente a lei com aopresso, sem se iniciar o menor dilogo crtico com os defensoresde outra tese, segundo a qual a generalidade da lei , pelo contrrio, acondio da liberdade na cidade45.

    A antropologia lvistraussiana fez reactivar, segundo Derrida, opensamento do sculo XVIII o de Rousseau , com essa gama decategorias, anlise, gnese, origem, natureza, cultura, signo, fala,escrita, que manifestam o logocentrismo, tributria duma filosofia danatureza46. Situado no territrio da filosofia que Lvi-Strauss aban-dona, Derrida denuncia o empirismo da antropologia; o olhar queLvi-Strauss cr liberto do etnocentrismo de facto um etnocentrismode um outro modo, sustentado por tomadas de posies tico-polticasque acusam o Ocidente de estar na origem, com a escrita, do ocaso dainocente fala.

    No restava mais, para Derrida, que suspeitar da prpria noode signo: a relao significado/significante totalmente metafsica, uma relao de representao; pela tese da natureza arbitrria dosigno, a escrita no pode reduzir-se a mera representao da fala; seera para Saussure, como para a tradio ocidental, a unio naturalentre o pensamento e a voz, entre sentido e som, apesar da reduo

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    45 De la grammatologie, pp. 190, 191.46 J. Derrida, Lvi-Strauss dans le XVIIIe sicle, Cahiers pour lAnalyse, n. 4,

    Setembro-Outubro 1966, pp. 3-4; o texto foi integrado em De la grammatologie, pp. 150-151.Cf. tambm, F. Dosse, op. cit., pp. 45-47.

  • que nela se opera da materialidade fnica, no deixa de ser logocn-trica, isto , metafsica. H, pois, que rever a relao da fala (sistema:significante/significado) e da escrita (signo de signo); tendo em contaque os valores dos signos lingusticos se estabelecem por sua mtuanegao e oposio, concebendo as vrias dualidades lingusticas poruma operao sincrnica, isto , onde os signos lingusticos, porque seopem mutuamente, esto simultanemanete presentes uns aos outros,para Derrida, toda a operao sincrnica, por isso mesmo, est ligadaao logocentrismo e metafsica da presena; frente sincronia saus-suriana, revitalizar a dimenso diacrnica das distines lingusticasacentuaria a dimenso temporal da significao47. A gramatologia der-ridiana , em grande parte, um esforo de questionamento desses con-ceitos bsicos da lingustica contempornea fala e escrita questionando com eles os mitos da fala original, da plenitude do ser,do sentido, quer dizer, da presena.

    Derrida parte da escrita como o lugar prprio para uma crtica dalingustica, que se projecta numa dimenso da palavra viva, da vozcomo expresso do sentido; no pretendendo que a escrita ocupe dora-vante o lugar privilegiado da fala, o tipo de ausncia que caracteriza aescrita frente voz a condio de qualquer signo: todo o significadoest em posio de significante a partir do momento em que pertence cadeia que constitui o sistema de significaes; ora, se o signo repre-senta a prpria coisa, por uma presena-ausncia, o signo s podepensar-se a partir da presena diferida.

    5. A escrita e a diferena

    A escrita e a diferena , como j vimos, o ttulo de um dos seuslivros; h tambm que entrever a funo de protagonismo que tem essaconjuno, na expresso que rene os termos do problema48. No qua-dro da poca metafsica, de Plato a Saussure, a questo da escritatomou, mais que uma vez, o andamento dum processo: a histria daverdade, da verdade da verdade, foi sempre, com a ressalva dumadiverso metafrica de que deveremos dar conta, o rebaixamento daescrita e o seu recalcamento fora da palavra plena49. Tal processo,

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    47 Cristina de Peretti, Jacques Derrida: texto y deconstruccin, prlogo de J. Derrida,Barcelona, Anthropos, 1989, pp. 53-55.

    48 Cf. Silvano Petrosino, Jacques Derrida et la loi du possible, Paris, Cerf, 1994,p. 112.

    49 Cf. De la grammatologie, pp. 11-12.

  • conduzido em nome da fala, funda-se na metafsica que sempre atri-buiu ao logos a origem da verdade.

    5.1. Assim, numa operao tradicional (que foi tambm a dePlato, Aristteles, Rousseau, Hegel e Husserl), Saussure excluiu aescrita do campo da lingustica, como a dimenso da representaoexterior, ao mesmo tempo intil e perigosa; a subordinao da escrita fala era ligada a uma metafsica da presena, que aspirava imedia-tez dum sujeito. Conforme escreve Saussure, lngua e escrita so doissistemas de signos distintos; a nica razo de ser do segundo repre-sentar o primeiro; o objecto lingustico no definido pela combi-nao da palavra escrita e da palavra falada; esta ltima constitui, porsi s, esse objecto. Mas a palavra escrita mistura-se to intimamentecom a palavra falada de que imagem, que acaba por usurpar o papelprincipal; acaba-se por dar tanta ou mais importncia representaodo signo vocal do que a este mesmo signo. como se acreditasse que,para conhecermos algum, mais vale olhar a sua fotografia que o seurosto50. Foi o motivo da presena que levou a reprimir a substnciagrfica e a exaltar a substncia fnica.

    A crtica da metafsica da presena e do logocentrismo faz-seporque pressupem precisamente o acesso no mediatizado aos dadosda experincia. O conceito derridiano de diferana diffrance comum a funciona como um antdoto face ao relevo dado presena:diferana significa, ento, diferente e diferido. Como escreve Derrida,a diferana o que faz com que o movimento da significao no sejapossvel a no ser que cada elemento dito presente, que aparecesobre a cena da presena, se relacione com outra coisa que no elemesmo, guardando em si a marca do elemento passado e deixando-sej moldar pela marca da sua relao com o elemento futuro, no serelacionando o rastro menos com aquilo a que se chama o presente doque com o que se chama passado, e constituindo aquilo a que chama-mos o presente por esta relao mesma com o que no ele: absoluta-mente no ele prprio, isto , nem mesmo um passado ou um futurocomo presentes modificados. preciso que um intervalo o separe doque no ele para que ele seja ele mesmo, mas esse intervalo que oconstitui em presente deve tambm do mesmo lance dividir o presenteem si mesmo, partilhando assim, com o presente, tudo o que se possapensar a partir dele, isto , todo o ente, na nossa lngua metafsica, sin-

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    50 Ferdinand de Saussure, Cours de linguistique gnrale, p. 45.

  • gularmente a substncia ou o sujeito. Esse intervalo constituindo-se,dividindo-se dinamicamente, aquilo a que podemos chamar espaa-mento, devir-espao do tempo ou devir-tempo do espao (tempori-zao)51. A diferana como Derrida insiste , no um ente--presente, por mais excelente, nico, principial ou transcendente que odesejemos. No comanda nada, no reina sobre nada e no exerce emparte alguma qualquer autoridade. No se anuncia por nenhumamaiscula. No somente no h reino da diferana mas esta fomentaa subverso de qualquer reino52. assim que qualquer aspecto daexperincia exige que outros aspectos no efectivamente presentesfaam sentido e sejam tomados como uma experincia genuna.

    Como o mostra Derrida, a tradio ocidental menospreza o signi-ficante, que o anlogo do corpo, da aparncia, do mundo, da ima-nncia, da natureza; tambm Saussure faz um uso psicologista doconceito-chave da lingustica e da semiologia contemporneas osigno; todos os conceitos correlativos estariam igualmente envolvidospor tais pressupostos metafsicos; atente-se, por exemplo, na comuni-cao, que implica a transmisso, com vista a fazer passar, de umsujeito a outro, a identidade dum objecto, dum significado, dumsentido ou conceito: pressupe-se, pois, sujeito e objecto, categorias--mestras da epistemologia metafsica.

    Tambm Derrida recorre semiologia, o que, alis, o distingueclaramente neste ponto de Heidegger. O filsofo alemo desenvolveu asua reflexo acerca da linguagem fora do campo cientfico, isto ,lingustico: A linguagem, na sua essncia, no nem o meio para umorganismo se exteriorizar, nem a expresso dum ser vivo. No pode-remos to-pouco, por esta razo, pens-la duma maneira conforme sua essncia, partindo do seu valor de signo, nem talvez mesmo do seuvalor de significao. A linguagem o advento do prprio Ser que seclareia e se oculta53. Todavia, no recurso lingustica contempo-rnea, Derrida no deixa de enfatizar os limites de um tal itinerrio:No seguro que aquilo que denominamos linguagem () se deixealguma vez esgotar na sua determinao por uma cincia ou umateoria completamente objectiva. mais cientfico ter em conta estelimite, se h um, e repensar a partir da tais ou tais conceitos rece-

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    51 Marges de la philosophie, pp. 13-14.52 Ib., p. 22.53 Marttin Heidegger, Lettre sur lhumanisme [1947], tr. R. Munier, Questions III,

    Paris, Gallimard, 1966, pp. 94-95.

  • bidos da cincia e da objectividade54. Para Derrida, tal percursocientfico, parece-lhe insuficiente; carece-se dum trabalho crticono interior da semiologia, de modo que se transformem os conceitos,volvendo-os contra os seus pressupostos, reinscrevendo-os noutrosplanos, produzindo novas figuras.

    5.2. Na verdade, se desconstrutor da metafsica, no niilista;a desconstruo implica um duplo gesto, uma dupla escrita: bfida edissimtrica, uma dupla cincia. Um primeiro gesto inverte as hierar-quias metafsicas, pe em baixo a altura pela generalizao de umdos contrrios, o mais desfavorecido pela tradio; este gesto conservao velho nome mas pela generalizao que efectua, desloca o sentido qual efeito de paleonomia. O outro gesto, ou reinscreve o velho nomenum outro jogo, ou faz emergir uma noo que no se deixa maisdobrar ou submeter a um intuito idealizante ou sublimante; estasnovas marcas, por analogia, Derrida denomina-as indecidveis: estasnoes so unidades de simulacro que resistem oposio filos-fica, desorganizam-na, sem serem terceiros termos de dois opostos;so plurais, circulam umas nas outras, prestam-se ao jogo dumadisseminao indefinida 55. Derrida no ingnuo neste sentido epensa que toda a ruptura se constitui de algum modo sobre um tecidoantigo, que necessrio seguir desfazendo-o continuamente.

    Ento, Derrida pe em questo a lgica fonolgica, sustendo queno h que limitar-se ao modelo da escrita fnica, recordando-nostambm que j Saussure no havia privilegiado uma substncia, masconsiderado todo o processo de significao como um jogo formal dediferenas. O que far Derrida produzir um novo conceito de escritaque denominar grama ou diferana, que tende a neutralizar a pro-penso fonologista do signo: O grama como diferana ento umaestrutura e um movimento que no se deixam mais pensar a partirda oposio presena/ausncia. A diferana o jogo sistemtico dasdiferenas, das marcas de diferenas, do espaamento pelo qual oselementos se relacionam uns com os outros. Este espaamento a pro-duo, ao mesmo tempo activa e passiva (o a da diferana indica estaindeciso em relao actividade e passividade, o que se no deixaainda comandar e distribuir por esta oposio), dos intervalos sem osquais os termos plenos no significariam, no funcionariam. tam-

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    54 J. Derrida, Limited Inc., Paris, Galile, 1990, p. 214.55 Cf. Sarah Kofman, Lectures de Derrida, Paris, Galile, 1984, pp. 37-38.

  • bm o devir-espao da cadeia falada que se disse temporal e linear;devir-espao que o nico que torna possveis a escrita e qualquercorrespondncia entre a fala e a escrita, qualquer passagem de uma aoutra56. H, pois, apenas diferenas e traos de traos, sendo o gramao conceito mais geral da semiologia e a gramatologia a cincia queocupa o lugar da semiologia.

    No entanto, a diferana no substituir o conceito-chave da me-tafsica o ser , j que ento inscrever-se-ia no mesmo espao teol-gico; a diferana remete, sim, mas para uma cadeia de conceitos, parauma constelao de palavras e textos grama, reserva, trao, espa-amento, suplemento, e muitas outras. O intento fundamental deDerrida realizar uma estratgia geral da desconstruo, o que implicasair da lgica binria de oposies em que se move a metafsica. Aspalavras antes referidas situam-se num mbito intermdio que escapa oposio filosfica binria, pondo-a assim em questo: desse modo,desorganiza-a, mas no maneira dialctica atravs do terceiro termosinttico, mas habitando na fissura, no entre: assim, o suplementono nem um mais nem um menos, nem um fora, nem um comple-mento dum dentro, nem um acidente, nem uma essncia; aqui seproduz o facto de que algo ao mesmo tempo isto e o outro, e no nem isto nem o outro. Derrida no evita este acontecimento insupor-tvel da ambiguidade, da instabilidade, da diferena, como o evita ametafsica, mas, pelo contrrio, assinala-o, pe-no em relevo.

    A escrita no designa j o escrever em vez do falar, mas o jogoindizvel no escrever e no falar, a ldica indecibilidade que afecta queras falas quer as marcas escritas e todos os demais signos. O jogo dediferenas impede de modo absoluto a presena plena; todo o signoremete para outros que esto ausentes e nessa forma contm a rastrode todos os demais elementos do sistema: () a escrita no comea. mesmo a partir dela, se assim podemos dizer, que se pe em questoa petio duma arquia, de um comeo absoluto, de uma origem.A escrita no pode, pois, comear tal como o livro no pode acabar57.A escrita recebe mais propriamente o nome de arqui-escrita, anterior atoda a oposio (especialmente voz/escrita), como constitutivo ltimoda linguagem e de qualquer signo, de que a repetio a possibilidadenecessria, essencial; no h presena absoluta: o presente no maisrastro do rastro: na origem est a repetio. Derrida identifica a escrita

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    56 Smiologie et grammatologie, Positions, Paris, pp. 38-39.57 Implications, Positions, p. 23.

  • com referncia ao jogo: o advento da escrita o advento do jogo58;sendo o sem-limite do Livro, o transbordamento de suas fronteiras,o jogo desenha o advento sempre-a-vir da escrita, definida precisa-mente como o jogo na linguagem. A este encadeamento, a estetecido, chama Derrida texto, no orientado para a presena plena edefinitiva, mas que presena-ausncia, claro-escuro impossvel deevitar totalmente.

    6. A linguagem uma disseminao no dominvel

    A diferana, isto , a escrita das diferenas, tambm a produ-o, se ainda o podemos dizer, destas diferenas, desta diacriticidadeque a lingustica desde Saussure e todas as cincias estruturais quea tomaram por modelo nos recordaram que elas eram a condio dequalquer significao e de qualquer estrutura. Estas diferenas e acincia taxinmica, por exemplo, qual podem dar lugar so osefeitos da diferana, elas no esto inscritas nem no cu, nem no cre-bro, o que no quer dizer que sejam produzidas pela actividade dequalquer sujeito falante. Deste ponto de vista, o conceito de diferanano nem simplesmente estruturalista, nem simplesmente genetista,uma tal alternativa em si mesma um efeito de diferana 59.A escrita deve ser pensada como uma estrutura e o texto como o que produzido geneticamente pela transformao de um outro texto.

    Para acentuar a sua crtica tradio hermenutica, Derridadesigna mesmo aquilo que faz, por disseminao. Na verdade, por umprocesso diferente do adoptado por Julia Kristeva, que pressupe umaindeterminabilidade de proposies em sistemas axiomticos formali-zados, com Derrida so mais as palavras simples que invocam vriossentidos ou sentidos opostos; por uma via que recorda Freud, Derridasitua a indeterminabilidade mais a nvel sintctico que semntico, afir-mando que essas palavras tm um duplo valor antagnico, indeter-minvel, que resulta sempre da respectiva sintaxe. Deste modo, adesconstruo no uma operao ou um acto de um sujeito indivi-dual que se aplica a um texto: simplesmente a desconstruo temlugar, um acontecimento que no espera a deliberao, a conscinciaou a organizao do sujeito, nem sequer da modernidade. Isso sedesconstri. O isso no aqui uma coisa impessoal que se oporia a

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    58 De la grammatologie, p. 16.59 Positions, pp. 17-18. Cf. tambm M. Goldschmit, Jacques Derrida: une intro-

    duction, Paris, Pocket, 2003, pp. 18-20.

  • alguma subjectividade egolgica. () no se do desconstruir-se,que no a reflexividade de um eu ou de uma conscincia, que residetodo o enigma60.

    O que Derrida impugna a verdade do texto, para reivindicar oque Roland Barthes chama de prazer do texto: o frmaco questionaa existncia duma verdade nica e unvoca, a partir da sua instabili-dade ou da sua ambivalncia constitutiva; o que se passa com o frmaco(vazio semntico) em Plato, que no nem o remdio nem o veneno,nem o bem nem o mal, ocorre com suplemento em Rousseau, que no um mais nem um menos, assim ainda com o termo hmen nas anli-ses da concepo literria de Mallarm, que no nem a confuso nema distino; isso, sim, opera-se pela similitude contextual, no sinon-mica, dos vrios termos, que so instrumentos da desconstruo e querasuram a oposio entre interior e exterior.

    O prprio Derrida estabelece essa necessidade contextual desubstituies: Se consideramos agora a cadeia na qual a diferanase deixa submeter a um certo nmero de substituies no sinon-micas, segundo a necessidade do contexto, porque recorrer reserva, arqui-escrita, ao arqui-rastro, ao espaamento, mesmo aosuplemento, ou ao frmaco, logo depois ao hmen, margem--marca-marcha, etc.?61. O que vale para hmen vale para todos ossignos, que, como frmaco, suplemento, diferana, e outros mais, tmum valor duplo, contraditrio, indizvel, cujo suporte a sintaxe, arti-culando duas significaes incompatveis. Uma outra passagem sermais esclarecedora: O pharmakon no nem o remdio, nem oveneno, nem o bem nem o mal, nem o interior nem o exterior, nem afala nem a escrita; o suplemento no nem um mais nem um menos,nem um exterior nem o complemento de um interior, nem um aci-dente, nem uma essncia, etc.; o hmen no nem a confuso nem adistino, nem a identidade nem a diferena, nem a consumao nema virgindade, nem o vu nem a manifestao; nem o interior nemo exterior, etc. (). Nem/nem, simultaneamente ou ou; a marca tambm o limite marginal, a marcha, etc.62. Torna-se, assim, apor-tica a distino sintagma-paradigma, de uso frequente na lingustica.

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    60 Lettre un ami japonais, Psych: inventions de lautre, Paris, Galile, 1987,p. 391.

    61 Marges de la philosophie, p. 13.62 Positions, pp. 58-59.63 De la grammatologie, p. 73. Cf. Cristina de Peretti, Jacques Derrida: texto y

    deconstruccin, op. cit., pp. 59-60.

  • A linguagem perde, pois, toda a sua seriedade e converte-senum jogo de signos sempre descentrados por relao a si mesmos:Poder-se-ia denominar jogo a ausncia de significado transcendentalcomo no-limitao do jogo, isto , como violenta comoo da onto-teologia e da metafsica da presena. No surpreendente que asacudidela de semelhante comoo, que se afana sobre a metafsicadesde a sua origem, se deixe nomear como tal na poca em que certoslinguistas americanos, que rejeitam ligar a lingustica semntica(coisa que fazem todavia todos os linguistas europeus, desde Saussurea Hjelmslev), que expulsam o problema do meaning das suas inves-tigaes, se referem constantemente ao modelo do jogo 63. ParaDerrida, esta invaso da linguagem sintomtica como poca em quea linguagem chega ao seu fim, por esgotamento da prpria inflao.O conceito de escrita, ao contrrio, prepara a sua poca, transbor-dando a extenso da linguagem e liberando-se cada vez mais da pro-duo fontica; disso so exemplo as matemticas tericas (quedesenvolvem uma escrita que nada tem a ver com os sons), e as pr-ticas da informao para as quais a mensagem j no a traduoescrita duma linguagem, o veculo dum significado que poderia perma-necer falado na sua integridade64.

    Tem interesse perscrutar as seguintes passagens de Derrida: agora necessrio pensar que a escrita ao mesmo tempo mais exte-rior fala, no sendo a sua imagem ou o seu smbolo, e mais inte-rior fala que j em si mesma uma escrita. Antes mesmo de estarligado inciso, gravura, ao desenho ou letra, a um significanteremetendo em geral para um significante por ele significado, o conceitode grafia implica, como a possibilidade comum a todos os sistemas designificao, a instncia do rastro institudo. () No pode pensar-se orastro institudo sem pensar a reteno da diferena numa estruturade remisso em que a diferena aparece como tal e permite assim umacerta liberdade de variao entre os termos plenos. () A imotivaodo signo requer uma sntese na qual o totalmente outro se anunciacomo tal sem nenhuma simplicidade, nenhuma identidade, nenhumasemelhana ou continuidade no que no ele. () O rastro, onde semarca a relao com o outro, articula a sua possibilidade sobre todoo campo do ente, que a metafsica determinou como ente-presente apartir do movimento oculto do rastro. necessrio pensar o rastroantes do ente65. Derrida no pretende cair no erro de opor um grafo-

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    64 De la grammatologie, pp. 20-21.65 De la grammatologie, pp. 68-69.

  • centrismo ao logocentrismo; no se trata de erigir outro centro, mas desair do centramento, pondo-se em questo o prprio conceito deexcesso ou de transgresso; nisto, Derrida coincide com o mais impor-tante e interessante das crticas actuais ao poder.

    7. A desconstruo o mais radicalmente poltico dos discursos

    7.1. Nesta sequncia, aquilo que, com e aps Derrida, comum-mente denominamos desconstruo, no uma lgica da inverso, dasubverso, no sentido de negao da ordem; ela , mais exactamente,um questionamento da hierarquia e da posio em prol dum sistema,que no segue um roteiro predeterminado, mas depende das circuns-tncias e tem, consequentemente, um movimento ou um sentidoestratgico66; ento, a desconstruo nada tem a ver com uma sim-ples negao, ou com uma destruio ou aniquilao, nem to poucocom a mera inverso ou substituio da metafsica tradicional: maisque de destruir, era preciso tambm compreender como um conjuntose havia construdo, reconstru-lo para isso67; desconstruir no ,pois, sinnimo de desarticular, desfazer, demolir.

    A desconstruo pretende, pois, multiplicar o factor de mutabili-dade, buscando antagonismos insolveis na interpretao; para isso,joga com a polissemia do texto, para fazer irromper uma multiplici-dade de interpretaes possveis. No uma crtica, pois no culminanum elemento simples ou numa origem: elemento simples e origemso, de si, j valores, como tais, tambm susceptveis de descons-truo; no tambm um mtodo, e essa ter sido uma das maisfrequentes deformaes da obra derridiana. A desconstruo no seajusta a cdigos ou a metalinguagens estabelecidas: a extrametodici-dade ser um dos seus a priori; no entanto, tambm no se aproximado anarquismo epistemolgico de Feyerabend, pois nem sequer seprende com as estratgias positivas duma ausncia de mtodo. Assim,no h de modo nenhum uma nica interpretao que possa apre-sentar-se como definitiva, e o exerccio da desconstruo conduz ahermenutica a ultrapassar-se a si mesma, at aos limites extremos,conduzindo profuso de interpretaes.

    DIACRTICA38

    66 Marges de la philosophie, 1972, p. 162. Cf. tambm Pierre V. Zima, La dcons-truction: une critique, Paris, P.U.F., 1994.

    67 Lettre un ami japonais, Psych: inventions de lautre, p. 390.

  • A desconstruo exercida vai, portanto, muito mais alm que aprpria hermenutica; se esta mostra que no existe nenhuma escritaou leitura que no seja, em si mesma, uma interpretao, a descons-truo muito mais radical: clarifica que qualquer sistema de pensa-mento, texto ou instituio, aparentemente coerentes, tm subjacenteantinomias no resolvidas. Assim, dizer que nunca estamos segurosdum ponto de partida, no significa que comeamos seja onde for;significa que, onde comearmos, exerce-se uma sobredeterminaopor estruturas histricas, polticas, filosficas, que no podemos expli-citar nem controlar totalmente 68; da que seja possvel sustentarleituras ao mesmo tempo mltiplas e antagnicas.

    De certo modo, trata-se dum desarranjo da dialctica; se, emHegel, o trabalho do negativo (na histria, nas sociedades) se mani-festa como o que negado, mas integrado enquanto suprimido, comoexemplarmente o mostra a dialctica especulativa hegeliana, a descons-truo a tentativa, no de negar as oposies, mas de as neutralizaraps t-las invertido. A inverso da hierarquia tradicional entre a falae a escrita, um dos exemplos que logo aflora ao pensamento: se aescrita era pensada como instrumento inessencial derivada da falaviva e presente que Derrida designou tambm por fonologocen-trismo , a desconstruo inverte o valor das oposies metafsicasda derivadas, sobrevalorizando o que foi subvalorizado a fim de neu-tralizar essas oposies, deslocando e criando depois novos conceitos,como texto, escrita, rastro, espectros, etc.

    Neste sentido, importa ainda referir que o pensamento de Derridano de tipo propriamente iconoclasta. A diferena com Heidegger notria: com efeito, este opera a destruio da histria da ontologiadentro da prpria metafsica, tornando explcitos os seus princpios.Como dissemos, isso no implica uma anulao da origem: segundoDerrida, a desconstruo no uma destruio do elemento estabele-cido, gesto que conviria melhor demolio nietzscheana. Umadigresso sobre a rasura mostra como o texto no apaga totalmente,mas, pelo contrrio, destaca a sua relao com um evento original desentido problematizado; no h na desconstruo (embora filsofos,como Paul Ricoeur, Emmanuel Lvinas, Jrgen Habermas, possamsugerir isso mesmo) o preceito da destruio, do parricdio que ins-tauraria uma nova hierarquia a do leitor.

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    68 J. Derrida, Glas, Paris, Galile, 1974, 11a.

  • 7.2. Ento, a desconstruo no aparece como um projecto filo-sfico arbitrrio do autor, mas como o princpio de runa que estinscrito em qualquer texto aquando da sua escrita: age como um vrusinseminado desde a origem e que desmonta de antemo qualquermontagem textual ou institucional. Neste sentido, a desconstruono uma crtica nem uma crtica da