livro- intervenção psicopedagógica na escola

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Intervenção PSICOPEDAGÓGICA

na Escola

Intervenção PSICOPEDAGÓGICA na Escola

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Mari Angela Calderari Oliveira

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2.ª edição2009

Mari Angela Calderari Oliveira

Intervenção PSICOPEDAGÓGICA

na Escola

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Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Es-pecialista em Psicologia Social pela PUCPR. Especialista em Psicopedagogia pelo Centro de Especialização em Psicopedagogia de Curitiba (CEP – Curitiba). Gradua-da em Psicologia pela PUCPR. Diretora Adjunta do curso de Psicologia da PUCPR e responsável técnica pelo Núcleo de Prática em Psicologia da PUCPR. Supervisora em Psicopedagogia Clínica e Institucional. Professora de Graduação e Pós-Gradu-ação da PUCPR. Professora dos cursos de Psicopedagogia da Faculdade Bagozzi e da Faculdade Espírita.

Mari Angela Calderari Oliveira

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Sumário

Um pouco mais sobre Psicopedagogia ............................ 11

Revendo alguns conceitos ..................................................................................................... 11

Algumas considerações sobre o objeto de estudo da Psicopedagogia ................ 12

A visão sistêmica e a Psicopedagogia ............................... 27

A Teoria Geral dos Sistemas ................................................................................................... 28

Psicopedagogia atuando no âmbito da instituição ..... 41

A escola enquanto instituição ............................................. 55

Os elementos do sistema escolar ........................................................................................ 59

O sistema escolar ....................................................................................................................... 62

A intervenção psicopedagógica na instituição educacional .................................................... 69

A demanda da escola para a intervenção psicopedagógica ..................................... 71

O que é “intervenção psicopedagógica”? ......................................................................... 72

Recursos psicopedagógicos para intervenção na instituição educacional ......... 74

O diagnóstico psicopedagógico: matriz diagnóstica ................................................................... 85

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Matriz do Pensamento Diagnóstico ................................................................................... 87

Diagnóstico psicopedagógico: instrumentos e técnicas ......................................................... 97

Entrevista para exposição de motivos ............................................................................... 97

Enquadramento do processo diagnóstico ....................................................................... 98

Observação e análise do sintoma........................................................................................ 99

Organização do primeiro sistema de hipóteses ...........................................................100

Escolha de instrumentos de investigação ......................................................................100

Levantamento do segundo sistema de hipóteses ......................................................101

Pesquisa da história ................................................................................................................101

Terceiro sistema de hipóteses .............................................................................................101

Devolutiva e o informe diagnóstico .................................................................................102

Mudanças na ação educativa: do ensinar para o aprender ................................................113

O fazer psicopedagógico na relação educador-educando ......................................113

A afetividade na sala de aula ...............................................................................................116

O que é modalidade de aprendizagem ..........................................................................119

Contribuições da Psicopedagogia na relação família e escola ..................................................131

Contextualizando a família ..................................................................................................132

A família e os problemas de aprendizagem ..................................................................133

A relação família e escola .....................................................................................................136

Um olhar psicopedagógico sobre as dificuldades de aprendizagem ........................149

O modelo nosográfico: uma proposta psicopedagógica .........................................152

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A aprendizagem sob o enfoque da Neuropsicologia ..........................................165

Aprendizagem e as bases neuropsicológicas ...............................................................165

A Neuropsicologia e o processo de aquisição da leitura e escrita .........................168

Alfabetização: o processo de leitura e escrita ...............................................................171

Princípios para trabalhar com grupos na escola .........185

O funcionamento grupal ......................................................................................................185

Algumas contribuições da técnica de grupos operativos ........................................189

Contribuições da Psicopedagogia no uso do lúdico .....................................................................199

O valor educativo dos jogos ................................................................................................201

Contribuições da Psicopedagogia no trabalho com projetos ....................................................215

Realização de um projeto .....................................................................................................216

Caixa de trabalho: uma contribuição da Psicopedagogia ............................229

Como operacionalizar a caixa de trabalho para o espaço da sala de aula .........232

Gabarito .....................................................................................241

Referências ................................................................................249

Anotações .................................................................................259

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Apresentação

Considerar a atuação psicopedagógica como uma possibilidade de levar o su-jeito que aprende a se tornar mais consciente e ativo no seu próprio processo de aprender, requer do psicopedagogo olhar e escuta diferenciados. Embora as fronteiras dessa atuação precisem ser definidas e delimitadas, o caráter interdisci-plinar está intimamente relacionado com a possibilidade da intervenção no pro-cesso de aprendizagem. A leitura deste livro possibilitará o conhecimento mais profundo da proposta prá-tica da Psicopedagogia, destacando a amplitude de possibilidades de interven-ção na instituição educacional.Para isso, inicialmente, será apresentada uma breve retomada da caminhada da Psicopedagogia, caracterizando seu objeto de estudo e o processo de aprendiza-gem, sob o enfoque da Epistemologia Convergente de Jorge Visca. Essa teoria faz referência à Psicopedagogia e irá nos subsidiar teoricamente para que se aproprie de um dos âmbitos da Psicopedagogia: o institucional. Dessa forma, retoma-se alguns conceitos, além de se possibilitar a construção de novos conhecimentos.O contexto em questão será a instituição educacional. Estudaremos a escola em seu status de instituição, pensando sobre sua organização e funcionamento, tendo como referencial a Teoria Geral dos Sistemas.O principal objetivo deste curso, no entanto, está focado na intervenção psicope-dagógica na escola e nas contribuições que essa área fornece como subsídio para o desenvolvimento da função do educador.Além de aspectos específicos da atuação dos profissionais que se especializam em Psicopedagogia, trataremos de aspectos que auxiliam os educadores que procuram um referencial a mais para sua função na instituição educacional.Para isso, será proposta uma reflexão sobre a relação entre educador e educando, bem como serão estudadas as contribuições da Psicopedagogia no que diz res-peito às dificuldades de aprendizagem.Serão também enfocados alguns aspectos da Neuropsicologia no que se refere à aprendizagem e à construção da leitura e da escrita. Importante também, para a Psicopedagogia, serão os capítulos sobre o trabalho com grupos e as contribui-ções do trabalho com o lúdico como modalidade de intervenção na aprendiza-gem, bem como o trabalho com projetos e a proposta psicopedagógica da caixa de trabalho.Outro aspecto bastante discutido dentro das escolas, que será enfocado nesse livro, é a relação entre família e escola, com a proposta de refletirmos sobre que contribuição a Psicopedagogia pode nos dar.Espera-se que este estudo seja muito proveitoso, de maneira que as reflexões que realizarem sejam um diferencial significativo, não só na vida profissional, mas também para uma vivência enquanto seres humanos.

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Revendo alguns conceitosA Psicopedagogia é uma área que desenvolve seus estudos concretizan-

do seu corpo teórico e aprimorando seus instrumentos para compreender, cada vez com mais precisão, o processo de aquisição do conhecimento, isto é, o aprender do ser humano.

Tomando, portanto, como referencial esse objeto de estudo da Psico-pedagogia, é perceptível a importância dessa área, diante da ampla visão que ela sugere sobre a aprendizagem. A exigência de uma ressignificação do saber sobre a aprendizagem requer do estudioso um aprofundamento em teorias que deem conta de um ser humano que se relaciona com um mundo em constante movimento.

Hoje, o ser cognoscente, sujeito que está em constante busca do co-nhecimento, é visto como um ser inserido em um contexto que lhe permi-te infindáveis aprendizagens, nos diferentes âmbitos da sociedade.

Retomemos, neste momento, a história da Psicopedagogia, no que se refere às visões sobre seu objeto de estudo e tentemos refletir como cada momento da história, por mais absurdo que nos pareça, teve sua im-portância para que hoje pudéssemos ter uma compreensão ampliada do processo de aprender, que vai muito além da aplicação da Psicologia à Pedagogia.

O status interdisciplinar da Psicopedagogia requer do profissional um mergulho em áreas de estudo, que antes pareciam ser distantes das ex-plicações que se buscavam para as dificuldades no aprender, bem como uma transformação que perpassa níveis pessoais do profissional estudio-so dessa área.

Não só o conhecimento teórico, sobre: Psicologia da Aprendizagem, Psicologia Genética, Teorias da Personalidade, Pedagogia, Fundamentos da Biologia, Linguística, Psicologia Social, Filosofia, Ciências Neurocogniti-vas, mas, principalmente, a capacidade de articular esses conhecimentos

Um pouco mais sobre Psicopedagogia

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

e manter o compromisso ético e social na prática e na investigação científica do processo de aprender, formam o alicerce da prática psicopedagógica.

A proposta do aprender o aprender do outro não se concretiza se o profissio-nal da Psicopedagogia não abrir um espaço para uma escuta e um olhar clínico para seu próprio aprender, que para Alicia Fernandez (apud BOSSA, 2000, p. 24) configura a atitude psicopedagógica.

Segundo Bossa (2000, p. 21), o termo Psicopedagogia distingue-se em três co-notações: como uma prática, como um campo de investigação do ato de apren-der e como um saber científico. Portanto, é importante que se tente entender a Psicopedagogia como uma área que vem, ao longo de sua história, criando um corpo teórico próprio, sistematizando instrumentos capazes de dar conta de suas investigações, não se propondo a especializar um profissional dando a ele somente parte do que lhe falta.

Algumas considerações sobre o objeto de estudo da Psicopedagogia

Estudando Psicopedagogia é consenso de diferentes autores que o objeto de estudo dessa área é o processo de aprendizagem. Embora esse consenso esteja presente, as definições sobre esse processo são complexas e dificilmente dão esse assunto por encerrado.

Segundo Bossa (2000, p. 20), “[...] a concepção de aprendizagem é o re-sultado de uma visão de homem e é em razão desta que acontece a práxis psicopedagógica”.

Portanto, não podemos ficar observando perplexos as mudanças que vêm ocorrendo. Muitas questões se impõem, levando-nos a rever antigos paradig-mas de uma ciência tradicional.

Segundo Gómez e Terán (2009, p. 31) “A aprendizagem supõe uma constru-ção que ocorre por meio de um processo mental que implica a aquisição de um conhecimento novo. É sempre uma reconstrução interna e subjetiva, processada e construída interativamente”.

A aprendizagem, enquanto processo de construção, define-se como um efeito que, a partir de uma articulação de esquemas, sugere a coexistência de

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Um pouco mais sobre Psicopedagogia

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dimensões para possibilitar ao ser humano configurar uma dinâmica própria de funcionamento, caracterizando assim o seu processo de aprendizagem.

Muitos autores descrevem essas dimensões a partir de diferentes axiomas, que perpassam as bases estruturais, funcionais, energéticas e sociais. Pain (1986, p. 13) descreve a aprendizagem como um acontecimento histórico em que coin-cidem um organismo, uma etapa genética da inteligência e um sujeito associado a outras estruturas teóricas. Nessa articulação de esquemas, pode-se incluir uma dimensão biológica de caráter estruturante, uma dimensão cognitiva de conti-nuidade biológica funcional, uma dimensão social que se insere na dimensão da cultura, provendo a educação e a dimensão afetiva que, definitivamente, perso-naliza o aprender, pois visualiza aspectos estruturais da personalidade dos agen-tes deste processo.

Jorge Visca1 apresenta a aprendizagem como um esquema evolutivo com base interacionista, estruturalista e construtivista. Para ele, aprendizagem, por-tanto, é o “[...] resultado de uma construção (princípio construtivista) dada em virtude de uma interação (princípio interacionista) que coloca em jogo a pessoa total (princípio estruturalista)[...]” (VISCA, 1987a, p. 56).

Tomando esses aspectos como base, é importante que a noção que se cons-trói sobre um processo de aprendizagem esteja respaldada no conhecimento das possíveis condutas aprendíveis do sujeito, dentro de um determinado con-texto sociocultural, em função das competências por ele adquiridas nos distin-tos níveis de aprendizagem.

Conceitos contemporâneos sobre a aprendizagem vêm confirmar esse pen-samento quando afirmam que “A aprendizagem é um processo integral que ocorre desde o princípio da vida. Exige de quem aprende o corpo, o psiquismo e os processos cognitivos que ocorrem dentro de um sistema social organizado, sistematizado em ideias, pensamento e linguagem” (RISUENO; LAMOTTA apud GOMEZ; TERÁN, 2009, p. 32).

Pain (1986), postulando fundamentos teóricos para classificar a noção de não aprendizagem como processo diferente de aprendizagem, descreve o processo de aprendizagem sistemática e assistemática como inscrito na dinâmica da trans-missão da cultura, que constitui a definição mais ampla da palavra educação.

1 Psicopedagogo argentino, que postulou a linha teórica da Epistemologia Convergente, possibilitando uma leitura do processo de aprendizagem, e entende esse processo à luz de sua teoria e o realiza pela integração da Escola de Genebra, que postula o pensamento de Piaget a cerca do desen-volvimento cognitivo, da Escola Psicanalista, que abordou a construção da personalidade, e da Psicologia Social representada por Pichon- Riviére, que estruturou seu pensamento sobre as vinculações nas relações interpessoais.

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Para isso, a autora descreve quatro funções da educação, que podem explicar o papel reprodutor social da escola enquanto espaço de sistematização da edu-cação, referido acima.

Segundo Pain (1986), a função mantenedora da educação reproduz em cada indivíduo o conjunto de normas que regem a ação possível, sendo que a condu-ta humana realiza-se por meio da instância ensino-aprendizagem. A função so-cializadora transforma o indivíduo em sujeito, quando ele aprende modalidades de ações, regulamentadas por normas, que transformam o sujeito em sujeito social, identificado em um grupo. A função repressora conserva e reproduz as limitações que o poder destina a cada classe e grupo social, segundo o papel que lhe atribui na realização de seu projeto socioeconômico. Por fim, a função transformadora da educação, que nas contradições do sistema opera mudanças que se transmitem por meio de um processo que revela formas peculiares de expressão.

Portanto, em função de um caráter tão complexo e contraditório da educa-ção, a aprendizagem se dá simultaneamente como instância alienante e como possibilidade libertadora.

Essa concepção, que a autora nos postula, possibilita um entendimento mais amplo da necessidade de fazermos uma leitura do processo de aprendizagem além dos muros da escola. É necessário que se descompatibilize o processo de exercício de poder, por meio do qual a escola efetiva a aprendizagem, para que possamos começar a visualizar a gama de relações que se estabelece frente aos diversos contextos que inserem o sujeito na construção de seu conhecimento.

A aprendizagem é um processo que não se restringe somente à escola. Esta é apenas um meio que promove a aprendizagem, pois o processo é produzido no sujeito nas mais diferentes situações. O meio cultural ao qual pertence lhe impõe situações que são por ele transformadas, algumas em bens pedagógicos.

Partindo dessa concepção de aprendizagem, podemos conceituá-la como uma construção que nasce da interação de aspectos estruturais ou cognitivos e energéticos ou afetivos, reagindo num determinado contexto social, tornando-se um processo específico e individualizado, constituindo a modalidade de aprendi-zagem, ou seja, o jeito de aprender de cada um.

A visão da Epistemologia Convergente, proposta por Jorge Visca (1987a, p. 58), justifica teoricamente essa concepção, propondo uma leitura com base

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Um pouco mais sobre Psicopedagogia

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na integração da Escola de Genebra, da escola Psicanalista e da Psicologia Social. Portanto, a aprendizagem apresenta-se como um esquema evolutivo, a partir de três axiomas: o interacionista, o estruturalista e o construtivista.

Dessa forma, o sujeito sempre é visto a partir de uma unidade de análise que envolve o grupo no qual este está inserido, a instituição que contém este grupo, bem como a comunidade à qual a instituição pertence. Essa macrovisão dá conta da percepção da inserção cultural do sujeito, facilitando a compreensão do estabelecimento de seu processo de aprendizagem, enquanto processo de produção e estabilização de conduta.

A visão interacionista da Escola Psicanalista propõe um pensamento baseado em duas classes de interação:

Interação interpsíquica � – acontece entre o sujeito em relação com o meio, percebendo o que acontece entre ele e o seu meio externo, sua ca-pacidade de reconhecer as individualidades, pensando no processo inter-no da unidade de análise, sujeito grupo instituição comunidade.

Interação intrapsíquica – � acontece entre o sujeito e ele mesmo, sua ca-pacidade de conhecer-se e administrar seus sentimentos considerando seus aspectos afetivos ou energéticos e cognitivos ou estruturais, respal-dados em bases biológicas.

Na proposta estruturalista, baseada na escola da Psicologia Social de Pichon Riviere, a aprendizagem não é uma função isolada, pois toda a personalidade compromete-se com a aprendizagem, a conduta é sempre modificada em um todo integrado. Podemos pensar sob o foco de duas perspectivas: histórica ou evolutiva, unidade de análise da personalidade, e a histórica ou situacional, sendo a unidade de análise da conduta. O interjogo dinâmico desses sistemas, entre si e com o meio, é o que permite a evolução de cada nível e de um todo caracteri-zando o movimento da aprendizagem.

A visão construtivista, baseada na Escola de Genebra, da Epistemologia Ge-nética de Piaget, concebe a aprendizagem em função de uma construção que se dá a partir do intercâmbio entre sujeito e meio, onde estruturas mais primitivas, genéticas são bases para estruturas mais complexas. A construção é concebida nas relações entre a lógica e a aprendizagem, sendo que a compreensão e o uso de estratégias diante de objetos e novas situações dependem do nível de ativi-dade lógica de quem aprende.

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Portanto, o Esquema evolutivo da aprendizagem (fig.1), proposto por Visca (1991, p. 27), respaldado teoricamente por estes três axiomas descritos, propõe que a partir do nascimento, quando o sujeito, como organismo biológico, entra em contato com o meio na interação recíproca com a função materna, não ne-cessariamente a mãe biológica, que assume a função de iniciar o contato físico e emocional da criança com o mundo, vai estabelecendo uma matriz de aprendi-zagem, a qual vai ser um referencial para as diversas aprendizagens futuras que vão surgindo.

(VIS

CA, 1

991,

p. 2

7)

Sujeito Meio

Substrato biológico

Protoaprendizagem

Deutero- aprendizagem

Aprendizagem assistemática

Aprendizagem sistemática

1.º nível de aprendizagem

2.º nível de aprendizagem

3.º nível de aprendizagem

4.º nível de aprendizagem

Instituições escolares

Comunidade restrita

Grupo familiar

Mãe

Figura 1 – Esquema evolutivo da aprendizagem.

Nessa visão, a aprendizagem é um processo de continuidade genética que, com as diferenças qualitativas que vão sendo observadas na sua evolução, per-mite que se identifique quatro importantes níveis, que vão de certa forma es-tabelecendo o processo particular de aprender de cada um de nós. Segundo Visca (1991, p. 22), “este modelo concebe a aprendizagem como uma construção intrapsíquica com continuidade genética e diferenças evolutivas, resultantes das precondições energéticas/estruturais do sujeito e das circunstâncias do meio”.

O primeiro nível que se identifica é o nível da protoaprendizagem, que significa as primeiras aprendizagens e estabelece-se a partir das primeiras relações vincu-lares (afetivas e cognitivas), até o momento que por transformações qualitativas o sujeito começa a entrar em contato com o seu meio familiar.

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Nesse nível, a função materna coloca-se como um objeto privilegiado, ao mesmo tempo mediador das características culturais, das características da história familiar e da sua situação atual. Nesse momento, é como se o sujeito estabeleces-se um limite que, segundo Visca (1991, p. 37), é uma “placenta biológica”, a qual se constitui a partir do grau de sensibilidade entre o sujeito e sua mãe. Os pro-cessos inter e intrapsíquicos operam cognitiva e afetivamente, e podem, em um movimento de desenvolvimento irregular ou regular, apresentar três momentos: o de indiscriminação, no qual os sistemas cognitivo e afetivo encontram-se indife-renciados, passando para o momento da discriminação, quando os sistemas cog-nitivo e afetivo vão se diferenciando, sendo que uma parte do afetivo investe no aspecto motor e, por fim, o momento da integração quando o sitema motor dá lugar ao aparecimento do simbólico, e esse à construção da cognição operativa. Há, na verdade, uma transformação do nível biológico em protoaprendizagem, ou seja, transformam-se algumas condutas da mãe em protoaprendizagens do filho.

O intercâmbio entre o interno e o externo permite um processo de enri-quecimento do sujeito em função do qual se opera o crescimento psicológico, implicando tanto em uma construção afetiva como cognitiva. Esta configuração vincular inicial Visca (1991) chamou de Matriz de Aprendizagem.

O segundo nível proposto é o da deuteroaprendizagem, que significa a segun-da aprendizagem, e vai sendo elaborada pela interação e pelas trocas entre o sujeito que chega ao nível da protoaprendizagem e seu grupo familiar. Segundo Visca (1991, p. 52) é nesse segundo nível que se inicia a função semiótica, descri-ta por Piaget, que é a capacidade que o indivíduo tem de gerar imagens mentais de objetos ou ações e que permite a evolução do pensamento.

Esse segundo nível prolonga-se até que o sujeito, já com uma maior plasti-cidade de relacionamentos e ampliando seu universo de aprendizagens, con-diciona novas percepções de mundo, diversificando o investimento de suas es-truturas cognitivas e energéticas. Existem processos inter e intrapsíquicos, mas a diferença substancial está no fato da criança tomar como principal objeto de interação os membros do grupo familiar e as relações dos mesmos entre si e também com os objetos animados e inanimados, as que se dão em função de uma escala de valores.

A vinculação com sua mãe ainda tem continuidade, porém, esta adota, na maioria dos casos, uma posição que permite a participação de terceiros, facili-tando a construção destse nível mais elaborado.

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

No terceiro nível, com um grau de sensibilidade já bem mais ampliado, o su-jeito passa a entrar em contato com os diferentes eixos, as características cul-turais amplas bem como o espaço geográfico de sua convivência rotineira e particular relacionados com sua comunidade próxima, passando a internalizar uma instrumentalização que lhe fornece conhecimentos, atitudes e destrezas, permitindo-lhe um acesso à sociedade culturalmente definida, a qual ele está inserido. Esse nível é denominado aprendizagens assistemáticas, pois, segundo Visca (1991, p. 26),

[...] o caráter assistemático é dado, não porque nos âmbitos intrapsíquico e social falte organização de seus fatores constitutivos, mas sim porque intercâmbios propostos pelo meio carecem do nível da consciência, graduação, ritmo e metodologia com que se efetivam nas instituições educativas.

Caracteriza-se por um período em que o sujeito entra em contato com os níveis mais complexos de sua cultura (eixo vertical). Por outro lado, conhe-ce apenas lugares próximos, como seu bairro, sua cidade (eixo horizontal). No entanto, esse processo das aprendizagens assistemáticas é importante para o desenvolvimento do ser humano e indispensável para que as aprendizagens sis-temáticas realizem-se com verdadeira significação, permitindo sua instrumenta-ção em função da cultura, à qual o sujeito pertence. Evidencia-se que a modali-dade de aprendizagem nasce na forma que o sujeito opera com a realidade nas aprendizagens assistemáticas.

No quarto nível, passa a estabelecer uma relação mais íntima com objetos e situações que a sociedade veicula por intermédio das instituições educativas, que para Visca (1991, p. 26) organizam-se

[...] a partir do nível da educação primária, o qual possui subestágios: o das aprendizagens instrumentais, o de conhecimentos fundamentais, o de aquisições transculturais, o de forma-ção técnica e o de aperfeiçoamento profissional; cada um dos quais implica em uma maior descentralização, objetividade e instrumentalização.

Aprendizagem sistemática é como se denomina esse nível que realiza a trans-formação dos bens culturais de uma sociedade em bens pedagógicos, que tem como base as aprendizagens instrumentais da leitura, escrita e conceitos matemáticos. Como um processo construtivo, essas aprendizagens vão abrindo caminho aos conhecimentos fundamentais sobre o espaço geográfico, histórico e cultural, para mais tarde se estabelecer na percepção daquilo que vai além da experiência temporoespacial, abrangendo as aprendizagens transculturais. O ápice desse processo dá-se quando o sujeito tem a possibilidade de formar-se tecnicamente, bem como de aperfeiçoar-se profissionalmente.

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Um pouco mais sobre Psicopedagogia

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Com a sistematização deste último nível tem-se o fechamento do esquema que propõe a aprendizagem como um processo evolutivo, tendo seu início nas primeiras interações do sujeito biológico com a função materna, que o acolhe, estabelecendo uma matriz de aprendizagem que regulará o percurso do sujeito por estes níveis descritos. Tomando esses aspectos como base, é importante que a noção que se constrói sobre um processo de aprendizagem esteja respaldado pelo conhecimento das possíveis condutas aprendíveis do sujeito, dentro de um determinado contexto sociocultural, em função das competências por ele ad-quiridas, nos distintos níveis de aprendizagem.

Retomar alguns conceitos sobre a Psicopedagogia e seu objeto de estudo no enfoque da Epistemologia Convergente nos leva a pensar a aprendizagem como um processo de construção que não se satisfaz com uma visão reducionista do ato de aprender. O sujeito que busca o conhecimento pode ser caracterizado como um sujeito inteiro, constituído de diferentes dimensões: biológica, afetiva, relacional, funcional, cultural, que interagem entre si, e é capaz de construir um conhecimento do seu ambiente natural e sociocultural bem como um conheci-mento sobre si mesmo (BARBOSA et al., 2007, p. 40).

A Psicopedagogia como uma área de estudo e especialização vai nos pos-sibilitar criar estratégias que busquem caminhos para a potencialização dessa capacidade de aprender traçada pela história das teias de relações universais de cada um.

Texto complementar

Psicopedagogia: superando a fragmentação do conhecimento e da ação

(NOFFS, 2009)

Causa-me perplexidade esta reação de ataque e não de diálogo do Con-selho Federal de Psicologia. Já presenciei esta ação quando a própria Psico-logia, ao diferenciar-se da Psiquiatria, exigiu respeito às suas ideias, ao novo que emergia.

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

A Psicopedagogia é uma interseção entre a Psicologia e a Pedagogia?

Não. Ela é um novo conhecimento que nasce a partir da interseção, é a própria interseção. Isso significa que tanto destas disciplinas, quanto de outras como: filosofia, linguística etc. são selecionados conhecimentos espe-cíficos que colaboram na compreensão do objeto da Psicopedagogia (que é o processo de aprendizagem, como se constrói o conhecimento) dessa forma, quem fez curso específico de Psicologia, e de Pedagogia, não encon-trará necessariamente a Psicopedagogia.

Ela é uma ação que nasce desse conhecimento interdisciplinar, mas essa ação é voltada para subsidiar o sujeito cada vez mais em sua própria aprendi-zagem, nesse sentido, o processo de aprendizagem é que é estudado criterio-samente pela Psicopedagogia, bem como as dificuldades dela decorrentes.

Qual o objeto de estudo da Psicopedagogia?

O objeto de estudo é o processo de aprendizagem, o processo utilizado pelo sujeito enquanto construtor de seu conhecimento. Algumas pessoas, ao estudarem aprendizagem, entendem que o contrário da aprendizagem é a dificuldade da aprendizagem, mas não entendo desta forma, o contrário da aprendizagem é a não aprendizagem.

As causas da não aprendizagem podem ser de três naturezas distintas:

a) Não aprenderam porque não passaram por um processo sistemático de ensino;

b) Foram ensinadas, mas por algum motivo externo ao sujeito (didática do professor, filosofia da escola, número de alunos por classe, proble-mas sociais, culturais etc.), não aprenderam;

c) Finalmente não aprenderam por dificuldades individuais específicas (orgânicas e emocionais).

Cabe ao psicopedagogo inicialmente diferenciar as situações facilitado-ras/dificultadoras pelas quais as pessoas passaram resgatando seu proces-so (incluindo na história de vida a aprendizagem), exemplo: Como andou? Como falou? Como se adaptou à escola? Como reagiu frente às tarefas esco-lares... Posteriormente identificar o quando e o porquê.

[...]

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Um pouco mais sobre Psicopedagogia

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Há no mercado cursos que atendam essa especificidade?

A partir da nova LDB de número 9.394/96 houve uma abertura para novos cursos que atendessem à necessidade do futuro. É a responsabilidade de pessoas no presente que propiciem a sobrevivência do homem em uma sociedade de mudanças.

Convivíamos antes da LDB com a Resolução 12/83 que criava cursos de pós-graduação, em nível de especialização e aperfeiçoamento, que se desti-navam à qualificação de docentes para o magistério superior e que tinham a duração mínima de 360h, não computando o tempo de estudo individual ou em estudo sem assistência docente.

Simultaneamente convivíamos com o curso de pós-graduação stricto sensu, cuja intenção era o aprofundamento de um conhecimento de uma determinada área que culminaria na construção de novas ideias que benefi-ciassem a sociedade como um todo. Porém, em 16/12/1998, foi criada a Por-taria 80 da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) para o aprimoramento de conhecimento ou técnicas de investigação científica, tecnológica ou artística, visando uma atuação mais dinâmica e efetiva no mercado.

Foi denominado de mestrado profissionalizante, uma vez que não impli-ca na eliminação do mestrado anteriormente denominado acadêmico, sua intenção é desenvolver capacidades de concepção e elaboração de projetos, visando à área profissional garantindo a compreensão e resolução de pro-blemas imediatos, porém direcionadas para o futuro.

Ou seja, a sociedade exige profissionais, com perfis diferenciados e habi-lidades específicas para enfrentar um mercado diversificado e em constante renovação, nesse sentido o psicopedagogo se apresenta como um dos que atendem a essa nova necessidade, o que justifica a sua formação em nível de pós-graduação. É o encontro da universidade com as exigências da socie-dade. Nesse encontro se exige do profissional maturidade, experiência pro-fissional mínima, e ter passado por um processo de aprendizagem reflexiva e consciente. Isto só é atingido num processo de interação, ação, atuação, e construção de conhecimento “útil” às pessoas.

Inicialmente a pós-graduação lato sensu, com 360h apenas, propiciava uma especialização sem a intenção de profissionalizar, porém a Psicopedagogia de

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

forma intuitiva já propunha essa formação com uma carga horária e exigên-cia acadêmica maiores, aproximando-se das ideias envolvendo atualmente o mestrado profissionalizante.

Em minha compreensão a Psicopedagogia neste momento deveria fazer parte das pós-graduações em nível de mestrado e não em nível de lato sensu, os cursos nos quais trabalho já vivem isso há muito tempo.

Esta nova profissão estaria criando uma nova reserva de mercado?

É comum encontrarmos atualmente em cada família, uma pessoa que precise de apoio em seu processo de aprendizagem, estas famílias têm pro-curado psicopedagogos na tentativa de entender o que está acontecendo com seus filhos, afastando-se de “rótulos” precipitados.

O que buscam é o atendimento que facilite o retorno de seu filho ao pro-cesso de aprendizagem escolar e não mais subsídios familiares que protelam de forma muito significativa este retorno. A família não nega seu problema, porém ela espera o atendimento à escolaridade de seu filho reduzindo a re-petência, a evasão, a troca de escola como soluções aos problemas escolares e a ajuda efetiva junto aos profissionais da escola e à própria família. O psico-pedagogo participa ativamente em parceria com profissionais de diferentes áreas como: psicólogos, fonoaudiólogos, médicos etc., sem perder a sua es-pecificidade e nem utilizar instrumentos que são exclusivos de outras áreas como testes psicológicos.

Esse atendimento ocorre em nível clínico e a regulamentação dessa profis-são permitirá a expansão desse atendimento às diferentes camadas sociais.

Nossas crianças empobrecidas têm esse atendimento clínico junto aos cursos de formação em Universidades como: PUC de São Paulo, Faculdade São Marcos, UNI Santana, Universidade Potiguar, Instituto Sedes Sapien-thiae, além de trabalhos específicos como em Brasília junto às Secretarias de Educação etc.

Essa profissão cria um novo mercado de trabalho e não uma reserva, visto que já há mais de 30 anos os psicopedagogos atuam.

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Um pouco mais sobre Psicopedagogia

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Como Doutora em Educação, como entende esta reação do Conselho Fe-deral de Psicologia, quando ataca veementemente a questão da profissiona-lização do psicopedagogo?

Causa-me perplexidade essa reação de ataque e não de diálogo.

Já presenciei essa ação quando a própria Psicologia, ao diferenciar-se da Psiquiatria, exigiu respeito às suas ideias, ao novo que emergia.

Cuidar do sujeito psíquico não poderia ser exclusividade de psiquiatras e sim de parceria entre psiquiatras e psicólogos.

O conhecimento psicológico é inicialmente retirado da psiquiatria e nem por isso se confundia, ou invadia campos. Surgia um novo fazer que na opi-nião (inicial) dos psiquiatras era inconsistente, pois lidar com o sujeito psí-quico requeria lidar com patologias e medicamentos apropriados, abrir mão deste fazer significaria não favorecer a cura do sujeito, protelar a solução. Psiquiatras aceitaram os argumentos dos psicólogos.

Várias escolas preferem profissionais formados em Psicopedagogia. Lega-lizar essa profissão amplia o mercado de trabalho para pedagogos e psicólo-gos que convivem harmoniosamente no momento da formação. Não aceito os argumentos que o fazer psicopedagógico deveria acontecer naturalmen-te na ação dos professores. Lido com eles a mais de 30 anos, e esse conheci-mento não fragmentado, ainda não chegou com essa força, pois a tendência (psicologizar ou pedagogizar) ocorre.

Só uma formação específica gera um fazer específico. [...]

Dica de estudoPsicopedagogia: um modelo fenomenológico, de Roseli B. Laurenti, Editora Vetor.

Essa obra relata o percurso que a autora fez com base no método fenome-nológico com o objetivo de aprimoramento de atitudes frente o processo de aprendizagem. O percurso da autora reflete experiências vividas com crianças e adolescentes acerca da essência do fenômeno da aprendizagem e seus obstácu-los. Descreve a possibilidade da compreensão do objeto de estudo da Psicope-dagogia sob uma ótica fenomenológica.

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Atividades1. Comente a seguinte afirmativa, tomando como base a proposta teoria da

área de estudo da Psicopedagogia: “A Psicopedagogia utiliza-se de diversas lentes para compreender o processo de aprendizagem”.

2. Assinale a alternativa que explica de que forma a visão da Epistemologia Convergente sobre o processo de aprendizagem auxilia o psicopedagogo a ressignificar sua concepção sobre esse processo.

a) Porque lhe fornece um maior número de instrumentos formais para ava-liar a aprendizagem.

b) Porque constrói uma noção de aprendizagem que parte das possíveis condições aprendíveis do sujeito, considerando o contexto sociocultural e seus diferentes níveis de aprendizagem.

c) Porque o psicopedagogo tem a possibilidade de diagnosticar o aluno em sala de aula.

d) Porque ela traz em sua base a teoria da Epistemologia genética de Piaget.

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Um pouco mais sobre Psicopedagogia

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3. Relacione a coluna da direita com a da esquerda, de maneira que os concei-tos sobre os âmbitos de atuação da Psicopedagogia se complementem.

( 1 ) Âmbito clínico ( ) Indivíduo e grupos

( 2 ) Âmbito institucional ( ) Indivíduo

( 3 ) Âmbito clínico e institucional ( ) Comunidade

( ) Instituição educacional

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Tendo como proposta básica a ampliação do olhar sobre o processo de aprendizagem, a Psicopedagogia procura proporcionar aos seus estu-diosos uma mudança nesta visão, o que também vai atingir a visão de homem e de mundo. Isso significa que quando o profissional se submete a um processo de especialização na sua formação, observa-se a necessi-dade de uma mudança que não alcance somente a dimensão profissional, mas sim a inteireza desse sujeito.

Transpor paradigmas não é tarefa fácil. O enfrentamento de uma nova situação e de um novo fazer traz medo e insegurança. Porém, atualmente, é impossível pensarmos em um profissional, respaldado pela Psicopeda-gogia, atuando com paradigmas mecanicistas e reducionistas.

Para mudar, é preciso viver a mudança. Nenhum profissional trans-põe paradigmas se estes não forem vividos em cada papel que esse ser humano assume no seu contexto social. Portanto, teremos a construção de um novo profissional se ele também for um novo filho, uma nova mãe, uma nova usuária do transporte coletivo, um novo colega de trabalho etc. É preciso mudar por inteiro, é preciso aprender a aprender, é preciso res-significar a experiência de vida em novas e saudáveis aprendizagens.

Dessa forma, propomos uma teoria que auxilia o psicopedagogo a al-cançar o objeto do seu estudo – a compreensão do processo de aprendi-zagem do sujeito que busca o conhecimento.

A Teoria Geral dos Sistemas propõe uma nova abordagem de mundo, de homem, de sociedade, e portanto ela não é específica para a Psicope-dagogia, auxiliando várias outras áreas de estudo com o mesmo objetivo de ampliar o olhar para um determinado fenômeno.

Segundo Gasparian (1997, p. 19), “[...] o conceito de sistemas, invadiu vários campos da ciência e penetrou no pensamento popular, na gíria e nos meios de comunicação da massa. O pensamento, em termos de sistemas, desempenha um papel dominante, em uma ampla série de campos.”

A visão sistêmica e a Psicopedagogia

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Para a Psicopedagogia, seus pressupostos vêm ao encontro da necessidade desse profissional entender a construção da aprendizagem a partir de uma rede de relações e dinâmicas que envolvem o sujeito da aprendizagem. É importan-te, não só para o profissional da clínica psicopedagógica, que caracteriza como seu cliente a rede de relações que sustentam o “paciente identificado” que se identifica por ser possuidor de dificuldades, transtornos, deficiências etc., como também, e principalmente, para o profissional que trabalha no âmbito da insti-tuição, pois esta é caracterizada por ser um sistema.

Essa importância reside no fato de essa teoria oportunizar ao psicopedagogo uma melhor análise da dinâmica das relações entre os elementos envolvidos no processo, o que auxilia na visão sobre o ensinar e o aprender, que é básica na instituição educacional.

A Teoria Geral dos Sistemas, por oferecer referências teóricas úteis à compreensão das leis que regulam os sistemas vivos, torna-se um modelo epistemológico cada vez mais eficaz para os profissionais que, trabalhando com a escola e com as famílias, podem utilizar os modelos elaborados a partir de observação do comportamento de apenas um indivíduo. (GASPARIAN, 1997, p. 35)

A Teoria Geral dos SistemasA palavra sistemas não surgiu no vocabulário de várias ciências de uma hora

para a outra. As raízes dessa evolução são complexas. Usaremos as reflexões que Maria Cecília Gasparian faz em seu livro Psicopedagogia Institucional Sistêmica (1997, p. 19) sobre essa evolução, para situar o pensamento sistêmico.

Quando a máquina passa a fazer parte do cotidiano do homem, muitos com-portamentos que antes não suscitavam dúvidas e incompreensão começam a ser estudados nas mais diversas áreas. Os problemas econômicos, sociais e polí-ticos entram em jogo, bem como a relação entre homem e máquina.

Para Gasparian (1997, p. 19), um fator diferencial nestas modificações sociais está relacionado ao surgimento da engenharia dos sistemas e dos campos que se especializaram nas ciências dos computadores. “Esse importante fator não é apenas a tendência da tecnologia em fazer as coisas maiores e melhores; trata-se de uma transformação nas características básicas de pensamento” (GASPARIAN, 1997, p. 19).

O homem se vê obrigado a lidar com questões mais complexas que envol-vem a percepção de totalidades. O pensamento mecanicista e reducionista, que leva a uma visão unidirecional, não dá mais conta da demanda do pensamento

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A visão sistêmica e a Psicopedagogia

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científico. Pensar sobre o esquema causa-efeito, isolando fatos e comportamen-tos, tornou-se insuficiente, especialmente para as ciências biossociais.

A ideia dessa teoria, que transforma o pensamento das partes para o todo, foi introduzida pelo biólogo Ludwig Bertalanffy, na década de 1920.

As lacunas existentes na pesquisa e na teoria da Biologia levaram esse cientis-ta a pensar os fenômenos da vida de uma forma mais sistêmica, isto é, deixar de lado a visão mecanicista que negava o todo.

“Ele advogava uma concepção organísmica na Biologia, que acentuasse a consideração do organismo como uma totalidade ou sistema e visse o principal objetivo das ciências biológicas na descoberta dos princípios de organização em seus vários níveis” (GASPARIAN, 1997, p. 20).

Conceitos e propriedades do pensamento sistêmicoA Teoria Geral dos Sistemas nos proporciona uma mudança no modo de

pensar sobre os fenômenos. Portanto, propõe alguns conceitos que devem ser considerados. Para essa teoria, as propriedades das partes só podem ser enten-didas a partir da dinâmica do todo. A teia inseparável de relações leva o sistema a caminhar como um bloco, agindo e interagindo para sua evolução. Da mesma forma, não há uma estrutura estática, o movimento interno de cada estrutura leva à visualização de um processo.

Na concepção do pensamento sistêmico, as teorias científicas devem incluir a compreensão do processo de conhecimento, isto é, passam de uma ciência objetiva para uma ciência epistêmica. Para Gasparian (1997, p. 26), “[...] à medida que a realidade é percebida como uma rede de relações, as descrições de um indivíduo formam igualmente uma rede interconexa representando os fenôme-nos observados. Não há hierarquias nem alicerces”.

Para essa teoria, a dinâmica das relações não deixa que se tenha uma com-preensão completa e definitiva da realidade: todas as teorias e descobertas são limitadas e aproximadas.

Esses conceitos são fundamentais para o fazer psicopedagógico na instituição. Nela, o psicopedagogo volta-se para trabalhos em grupo. Ele desfoca sua ação da parte, que é o indivíduo, para o todo, que são os grupos. Na sua inter-relação, os grupos formam o todo da instituição. Portanto, para o psicopedagogo, o im-portante é compreender o processo histórico de funcionamento e estabeleci-

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Intervenção Piscopedagógica na Escola

mento da estrutura maior que é a instituição a partir das redes de relação. Esse pensamento amplia sua visão e lhe dá maior flexibilidade para agir e compreen-der o estado atual da organização, isto é, como ela se caracteriza hoje.

Tomando como base a interpretação dada por Jorge Visca (1999) às unidades de análise (fig. 1) que se articulam e aprendem mutuamente, consideramos os conceitos da abordagem sistêmica fundamentais para compreensão da ampli-tude e flexibilidade da ação psicopedagógica. Cada unidade de análise, sujei-to, grupo, instituição e comunidade, é a representação do organismo vivo que aprende, sendo que uma influencia a outra e cada uma possui elementos consti-tutivos que movimentam-se em interação constante em seu interior. Os elemen-tos constitutivos do sujeito são as estruturas afetiva e cognitiva, caracterizando uma aprendizagem intrapsíquica. Do grupo, são o conjunto de indivíduos e as estratégias e mecanismos interpsíquicos, caracterizando a aprendizagem intra-grupal. Na unidade instituição, os elementos constituintes são o conjunto de grupos e as estratégias e mecanismos intergrupais, que caracterizam a aprendi-zagem institucional e, na unidade comunidade, esses elementos se caracterizam como o conjunto de instituições e os mecanismos e estratégias comunitárias, concebendo a aprendizagem comunitária.

Figura 1 – Unidades de análise.

(VIS

CA, 1

997.

Ada

ptad

o)

SUJEITO GRUPO INSTITUIÇÃO COMUNIDADE

Âmbito Clínico Âmbito Institucional

Seria importante, neste momento, levantarmos o conceito de sistema: con-junto de elementos materiais ou não que dependem reciprocamente uns dos outros, de maneira a formar um todo organizado (GASPARIAN, 1997, p. 27).

Um sistema pode ser aberto ou fechado, dependendo do grau de trocas que estabelece com outros sistemas de seu ambiente. A escola, por exemplo, pode ser considerada um sistema aberto, pois o movimento constante de seus mem-bros proporciona uma interação com elementos de outros sistemas. Esse movi-mento de entrada e saída leva o sistema aberto a uma organização controlada pela informação e abastecida pela energia.

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Podemos dizer que um sistema aberto possui algumas propriedades funda-mentais para a compreensão da organização e funcionamento das instituições, dentre elas a escola.

Essas propriedades podem ser definidas como abaixo.

Causalidade circular � : nada pode ser entendido sem estar relacionado com a circularidade das reações entre os elementos de um sistema. Pode também ser conceituada como retroalimentação ou feedback. Este concei-to vem para contrapor a causalidade linear, na qual só uma causa é rela-cionada com um efeito.

Para Gasparian (1997, p. 28), “[...] nessa mesma concepção, todos os elementos de um dado processo, no caso da instituição escolar, mo-vem-se juntos. A descrição do processo é feita em termos de relação de informações e organização entre seus membros. “

O psicopedagogo, internalizando o pensamento sistêmico na sua prática, será capaz de perceber a escola na sua funcionalidade, identificar um circuito de retroalimentação no qual cada sujeito afeta e é afetado pelo todo da instituição.

A intervenção, propriamente dita, conduzirá a instituição a uma nova visão de si mesma, como um todo. Por exemplo, a dificuldade de aprendizagem de um aluno, que antes se pensava ser resultado de um déficit do próprio sujeito, pode agora ser pensada a partir da rede de relações que envolve esse aluno, ou seja, suas relações escolares e familiares.

O conceito de causalidade circular afirma, portanto, que um todo não possui começo nem fim e qualquer tentativa por parte do psicopedagogo de transferir responsabilidades para onde o problema começou é tão inapropriada quanto a atitude da classe em atirar sobre os membros sintomáticos a culpa de serem a fonte do problemas. (GASPARIAN, 1997, p. 29)

Homeostase ou equilibração (movimento) � : é um processo que leva à mudança, à transformação. O caráter dinâmico de um sistema aberto ca-racteriza o grau de funcionamento sadio desse sistema, a partir da per-cepção que esse mesmo sistema tem da necessidade de buscar trocas, de flexibilizar suas fronteiras.

Portanto, o sistema aberto que busca esse equilíbrio, essa homeostase, mostra-se capaz de mudar, de realizar trocas e, a partir da retroalimentação ou feedback, ampliar desvios de padrões rígidos e imutáveis de interação que o sistema quer manter.

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O psicopedagogo que atua na instituição educacional deve estar atento a como a escola funciona em relação às novas situações que deve enfrentar. Por exemplo, a necessidade de ter a família mais perto do sistema escolar pode causar resistências e dificultar o movimento da escola em abrir suas portas para a família de seu aluno.

Para Gasparian (1997, p. 32), “[...] caberá ao psicopedagogo articular as relações entre os subgrupos, para que não ocorram disfunções nos padrões de interação e para que possa haver uma harmonia entre o ensinar e o aprender e, consequentemente, um avanço para transformações.”

Equifinalidade � : em qualquer sistema, comportamentos diferentes podem levar à mesma consequência. Os mesmos resultados podem derivar de condições iniciais diferentes e resultados diversos podem advir de circuns-tâncias semelhantes, o que indica que os parâmetros do sistema predomi-nam sobre as condições iniciais.

Para o psicopedagogo, esta propriedade é importante no trabalho junto aos professores, quando estes tendem a mitificar a construção da queixa escolar a partir de um pensamento linear e de uma desresponsabilização frente ao fracasso escolar.

Globalidade ou totalidade � : também pode ser considerada uma proprie-dade do pensamento sistêmico, pois em um sistema não há mudança somente em partes: se uma parte muda, o todo também sofrerá uma mu-dança.

O planejamento da prática interventiva do psicopedagogo deve estar sintonizado com esta propriedade, pois ele deverá ser capaz de atuar num determinado conjunto de elementos, ou nos subsistemas, para atingir o todo da instituição.

Na visão psicopedagógica, o pressuposto sistêmico, vem ao encontro da ne-cessidade de entender a construção da aprendizagem, a partir da dinâmica e das relações entre os elementos envolvidos no processo, e auxilia na visão sobre o ensinar e o aprender, que é básico na instituição educacional. Compreender o processo histórico de funcionamento e estabelecimento da estrutura maior que é a instituição, a partir das redes de relação, amplia a possibilidade de visão em rela-ção à aprendizagem e confere uma maior flexibilidade de atuação e compreensão da situação atual da instituição, isto é, como ela se caracteriza no aqui e agora.

Segundo Oliveira (2009) desfocar a ação da parte, que é o indivíduo, para o todo, que são os grupos, que na sua inter-relação formam o todo da instituição,

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parece ser fundamental na atuação junto à instituição educacional. Internalizar o pensamento sistêmico, para uma leitura psicopedagógica, supõe uma capa-cidade de perceber a escola na totalidade de seu funcionamento e de sua es-trutura, seu espaço de conhecimento e relacional, identificando um circuito de retroalimentação, onde cada sujeito afeta e é afetado pelo todo da instituição.

Texto complementar

Psicopedagogia sistêmica na instituição para crianças com dificuldades de aprendizagem

(POLITY, 2009)

Não podemos ainda esquecer da força sistêmica. O sistema tem uma força brutal. Se colocarmos uma criança mais frágil num sistema onde ela vai ser engolida, isso não pode ser bom em hipótese alguma, ela não tem recursos para lidar com esse sistema, ela não pode fazer frente à força desse sistema.

Como você está vendo o trabalho psicopedagógico atualmente?

A Psicopedagogia está ganhando um espaço muito grande, muito forte e muito bom. Contamos com bons cursos de especialização, consistentes, abarcando uma base teórica ampla. Esses cursos também contemplam a for-mação clínica, com prática e supervisão. Assim, o profissional adquire condi-ções de desenvolver um trabalho de excelência.

Ao mesmo tempo, noto nas escolas, nas empresas e nas clínicas um espaço aberto para o psicopedagogo. Tenho conhecimento de empresas, que operam na área de RH, solicitando psicopedagogos para o corpo de profissionais.

A Psicopedagogia vem se consolidando como área de conhecimento, como área de atuação, trabalhando interdisciplinarmente e fazendo as pes-soas compreenderem que aprender não é algo necessariamente ligado ao ensino sistematizado, à escola. “Aprender é algo que se faz o tempo todo, durante toda a vida. Depois que deixamos de fazer as coisas por reflexos, tudo o que fazemos demanda aprendizagem. Aprendemos nas empresas,

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aprendemos nas instituições, aprendemos nas escolas, aprendemos com as famílias e nas famílias”, o que amplia muito o campo do psicopedagogo.

O psicopedagogo nas empresas já é uma realidade?

Tenho notícias de que isso é uma realidade. O profissional integrando equipes multidisciplinares, dentro de empresas, na área de relações huma-nas, trabalhando com as questões relacionais, com as questões da organi-zação que aprende, com a visão compartilhada. Para as culturas orientais, aprender significa estudar e praticar constantemente. Creio ser este o espíri-to das organizações que pretendem atingir grandes mudanças.

Atualmente estou lendo um livro muito interessante chamado A Quinta Disciplina, que foi escrito por um administrador (SENGE, 1999), e tem por base o pensamento sistêmico. Ele afirma a questão da necessidade da aprendiza-gem das e nas relações: um profissional não pode só conhecer ou dominar o seu campo de trabalho. Ele precisa conhecer como se processam as relações, ter um razoável domínio pessoal, ter uma visão compartilhada e promover a aprendizagem em equipe. Creio que são requisitos plenamente tangíveis para um psicopedagogo, tendo em vista a pluralidade de sua formação.

[...]

Qual a vantagem do enfoque sistêmico no olhar psicopedagógico?

Penso que para melhor compreendermos as questões da aprendizagem, elas devem ser consideradas sistemicamente. O que vem a ser isso? A escola, a família do aluno, ele próprio, os professores, são todos integrantes de um sistema que formam uma unidade e tendem para a manutenção de um equilíbrio. Ao olharmos esses subsistemas de forma circular estaremos nos responsabilizando, e a todos os envolvidos, pelos processos de aprendiza-gem e pelas possíveis rupturas que possam aí surgir.

Dentro da minha experiência, trabalhando com alunos com a queixa de dificuldade de aprendizagem, pude perceber que embora essa possa ser uma condição ligada a múltiplos fatores internos do sujeito, ela está sobremaneira sustentada pelo meio familiar, escolar, social, no qual o sujeito está inserido. A circularidade, enquanto propriedade dos sistemas, evita que sejamos presos pela cômoda possibilidade de eleger uma única causa para o problema.

E quanto à instituição, o que o olhar sistêmico propicia?

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Tão importante quanto ter um modelo é perceber que ele não passa de uma metáfora. Assim, quando se fala em olhar sistêmico na instituição isso é apenas um recurso que nos auxilia a ordenação de uma realidade complexa, possibilitando definições operacionais, lógicas e pragmáticas.

O que este modelo nos permite é perceber como as questões do apren-der e do saber operam de uma forma relacional e circular. Tanto quem apren-de como quem ensina, estão ambos implicados e mutuamente responsá-veis pelos/nos resultados. Colocar tanto o ensinante quanto o aprendente, quanto as famílias de ambos, assim como os terapeutas envolvidos nesse processo, a escola, o próprio contexto social, implicados e corresponsáveis pela mesma situação. Dessa forma tiramos o foco da criança, deixamos de olhá-la como bode expiatório, e redistribuímos o sintoma (no caso, as dificul-dades de aprendizagem), por todos os envolvidos.

[...]

Quais são os problemas mais comuns encontrados na população de crianças com problemas de aprendizagem?

Quando fiz minha tese de mestrado “As dificuldades de Aprendizagem à Luz das Relações Familiares: um ensaio sistêmico” ocorreu-me fazer uma pesquisa, no colégio, a cerca das “ dificuldades” que mais apareciam como queixa inicial.

À primeira vista, os problemas emocionais emergiram como maioria. Depois, com um olhar mais detalhado e mais atento, pude perceber que as dificuldades se sobrepõem. Na verdade, você nunca tem uma única causa, mas um conjunto de situações que favorecem o aparecimento e a manu-tenção do sintoma (aqui entendido como dificuldade de aprendizagem). Na maioria das vezes, há um entrelaçamento de vários fatores (por exemplo: neurológicos, genéticos, cognitivos, familiares, sociais, escolares etc.) que precisam ser compreendidos sistemicamente.

Esse movimento me permitiu observar o papel fundamental dos siste-mas envolvidos, em especial o da família, que foi o alvo de minha pesquisa e poder concluir que seja qual for a etiologia da dificuldade de aprendizagem o apoio do sistema familiar é decisivo para a condução do processo.

Um exemplo que cito na minha dissertação: o estudo de uma criança com síndrome de X Frágil (alteração cromossômica caracterizada pela mutação

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do cromossomo X do par sexual XY. Atinge pessoas do sexo masculino e ca-racteriza-se por sintomas como: dificuldade para entender conceitos abstra-tos, depressão ou hiperatividade, traços de autismo, lentidão de raciocínio). No caso a que me refiro, a criança vem de uma família funcional, onde o pai e mãe têm muita clareza para lidar com a situação propiciando, desta forma, que a criança desenvolva seu potencial. Apesar das dificuldades próprias do quadro, outras variáveis favoráveis estavam presentes e se faziam notar, ofe-recendo um bom desenvolvimento para a aquisição da aprendizagem.

Estudei também o caso de um jovem, com queixa de abandono escolar em virtude de drogadição, proveniente de uma família disfuncional (onde as funções familiares ou não são claras ou não existem. Famílias onde não exis-tem hierarquia, fronteiras, onde filhos e pais são “iguais”). Embora ele apre-sentasse a capacidade cognitiva preservada, sua condição emocional não permitia que ele fizesse uso de suas competências. Assim, o fator emocional comprometia o cognitivo, o relacional, o social, que por sua vez impediam sua aprendizagem.

Novamente voltamos para questão sistêmica: as situações não devem ser analisadas isoladamente, porque na realidade, o todo não é a soma das partes.

Qual é o limite do psicopedagogo na prática do atendimento psicopeda-gógico?

Aí entramos numa questão muito interessante que é a Psicopedagogia como área de interseção, como um conhecimento multi e interdisciplinar.

Delimitar o campo de atuação de um profissional é antes de tudo preo-cupar-se com a qualidade do trabalho e a respectiva competência para exe-cutá-lo. Daí a importância da regulamentação dos cursos de especialização, dos estágios, da supervisão. Falando em limite da prática profissional, fala-se em Ética e em responsabilidade; em (re)conhecimento de seus próprios limi-tes pessoais. O psicopedagogo, por ter uma formação pluralista, pode estar apto a exercer práticas diferentes. Explicando melhor: o psicopedagogo que é também fonoaudiólogo, pode trabalhar com os distúrbios da fala. O que é psi-canalista está apto a fazer interpretações. O que é psicólogo pode fazer tera-pia, e assim por diante. O psicopedagogo que tenha uma formação em terapia familiar está apto a atender também a família. Cada um na sua área, tendo em comum a preocupação com a aprendizagem.

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A visão sistêmica e a Psicopedagogia

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Creio que o que se pode destacar aqui é a possibilidade de se procurar parcerias e trabalhar em redes que ofereçam um atendimento adequado aos nossos clientes.

A ideia de “Rede de Apoio” no Brasil ainda é nova, mas em outros locais, como EUA e Europa, ela já é largamente utilizada. Trata-se de um conjun-to de pessoas, que de maneira formal ou informal vinculam-se entre si. Ela diz respeito aos processos dessa interação social que são estabeleci-dos pelos indivíduos em seu cotidiano. Muitas são as redes que se pode dispor: a igreja, a comunidade social, o clube, o sistema de saúde, profissio-nais de outras áreas, entre outros. Cabe a nós, saber tecer os nós de rede que beneficiem nosso trabalho e o atendimento ao nosso cliente/aluno. Como ilustração cito um trabalho que apresentei no IV Congresso de Terapia Familiar – RJ, cujo tema era: “Flexibilizando as tramas das Lealdades Familia-res: relato de um atendimento”. Descrevo o caso de uma família que atendi, onde o apoio de uma rede mais ampla, uma igreja evangélica, foi decisivo para o andamento do processo terapêutico. O paciente identificado veio com diagnóstico de psicose e naquele momento a família não dispunha de recursos internos para ajudá-lo. Era um grupo pobre de contatos, que vivia isolado e com padrões de comunicação muito empobrecidos. A partir do momento que esse rapaz começou a fazer contato com esse grupo social, que foi incorporado no coro, que passou a fazer amizades, pode-se observar uma significativa mudança nos padrões relacionais dele e de todo o grupo. Fica aqui uma sugestão desse recurso como aliado do atendimento psicopedagógico.

[...]

Como reagem famílias de crianças que estudam em escolas “especiais”?

Como já mencionei, percebo a necessidade de elaboração do luto por se ter um filho diferente daquele que se imaginava.

Normalmente, quando as famílias chegam para nós, percebe-se uma di-ferença muito interessante: as famílias que vem procurando vaga para crian-ças até a 4.ª série, em sua maioria, ainda está naquele período em que não aceitou bem a dificuldade da criança, ainda tem a esperança de que um dia ela vá para uma escola “normal”.

Existe a vergonha porque a criança precisa de uma escola diferente; eles querem ver como é “a cara dos outros alunos”, aparece o preconceito. Por

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outro lado, os pais do Ensino Médio, são pais com maior tranquilidade em aceitar aquele filho diferente, já trilharam um caminho, veem a possibilidade de continuar. Percebe-se uma aceitação maior, não existe mais a questão do preconceito, na sua maioria estabeleceram um relacionamento mais amplo dentro da comunidade.

Pode-se observar uma clara analogia entre a aceitação de um filho dife-rente e as fases que Bowby descreveu para a aceitação do luto: sentimentos como raiva, ansiedade e medo, a família está desorganizada internamente, tendem a esconder essas crianças do mundo externo, da realidade. Depois disso vai existindo um salto qualitativo onde os pais começam a trabalhar melhor essa ideia e vão passando para uma fase de maior aceitação, de mais organização.

Temos experiências de crianças que entraram nas Séries Inicias e ficaram até o 3.º ano do Ensino Médio. Assim podemos observar por muitos anos essas famílias e perceber esse processo de mudança, de maneiras diferentes de se relacionar com o sujeito, com o mundo, com a comunidade. Obvia-mente que essa divisão que estou fazendo não é rígida e nem tenho a pre-tensão de generalizar. Serve apenas para efeito de elucidação. [...]

Dica de estudoAssista ao filme Edgar Morin, da Coleção Grandes Educadores – ATTA mídia

e educação. São Paulo: Editora Paulus, 2005. É um filme que normalmente as escolas têm e que pode ser adquirido pelo site da Editora Paulus: <www.edito-rapaulus.com.br>.

Esse filme traduz o pensamento de um intelectual que critica a fragmentação do conhecimento e propõe o desenvolvimento de um pensamento complexo que deve estar coadunado com a educação do futuro em termos de uma ação transdisciplinar. Esse pensamento vem ao encontro da proposta do subsídio da abordagem sistêmica para a ação psicopedagógica.

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A visão sistêmica e a Psicopedagogia

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Atividades1. Levante três aspectos sobre a construção da queixa escolar, pensando na

caracterização do fracasso escolar, com base na abordagem sistêmica.

2. Por que a escola poder ser considerada um sistema aberto?

a) Porque o movimento constante de seus membros proporciona interação com elementos de outros sistemas.

b) Porque a escola deve manter seus portões sempre abertos para que a família possa entrar quando desejar.

c) Porque o professor tem a liberdade de ação dentro da sala de aula.

d) Porque ela se propõe a trabalhar com o aluno, mesmo que ele tenha uma dificuldade de aprendizagem.

3. Explique o que significa a mudança de uma visão de causalidade linear para causalidade circular.

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Enfocar o estudo da Psicopedagogia no âmbito da instituição requer um conhecimento anterior que perpassa pelo conceito de Psicopeda-gogia como área de estudo, bem como compreender sua abrangência quando se define seu objeto de estudo como o ser cognoscente, aquele que busca conhecimento e aprende. Caracterizar a atuação da Psicopeda-gogia na instituição requer a compreensão das inter-relações das diferen-tes unidades de análise da Psicopedagogia, indivíduo, grupo, instituição e comunidade.

Portanto, se tomarmos como base o que nos fala Barbosa (2000, p. 103), devemos ter cuidado somente para não fragmentar a Psicopedagogia a ponto de descaracterizá-la.

A Pscicopedagogia Institucional e a Psicopedagogia Clínica estão in-seridas em uma mesma disciplina que atua em diferentes âmbitos. Não podemos caracterizar práticas diferenciadas em cada uma delas, pois es-taríamos salientando quatro diferentes psicopedagogias.

Para Barbosa (2001, p. 104),

[...] sempre que estivermos lendo referências sobre a Psicopedagogia Institucional, leia-se Psicopedagogia atuando no âmbito institucional, e, por isto, apresentando especificidades, o que não impede de relacionarmos seus conteúdos aos indivíduos, aos grupos, às comunidades e às culturas que fazem parte da construção de uma instituição.

Como a Psicopedagogia chegou até a instituição?

Como é de conhecimento de todos, o campo de conhecimento da Psi-copedagogia teve sua origem no atendimento aos problemas relaciona-dos com as dificuldades de aprendizagem. Porém, os estudos realizados nessa área voltam-se cada vez mais para uma ação preventiva, pois foi se percebendo ao longo do tempo que é preciso uma ação anterior ao apa-recimento dos problemas encaminhados à clínica.

Acreditando-se que muitas dificuldades com que os sujeitos deparam- -se na construção da aprendizagem devam-se às relações institucionais, escolares e familiares – que influenciam diretamente nesse processo – os

Psicopedagogia atuando no âmbito da instituição

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

trabalhos que foram sendo desenvolvidos por profissionais que atuaram dire-tamente com os problemas de aprendizagem mostraram que a intervenção di-recionada ao sujeito identificado como portador de dificuldades muitas vezes adaptava-o a uma situação externa pretendida, deslocando o sintoma e não o eliminando.

Dessa forma, os profissionais que atuavam junto às questões que envolviam o objeto de estudo da Psicopedagogia foram ampliando seu campo de atua-ção para âmbitos mais abrangentes de forma a atuar no âmbito etiológico dos obstáculos na aprendizagem, bem como foram transformando suas práticas em ações de cunho preventivo, onde a prioridade localiza-se no funcionamento da aprendizagem e não nos obstáculos. Esse aspecto facilita a ação psicopedagó-gica, pois são as potencialidades que devem ser ativadas para que obstáculos sejam vencidos.

Voltado, então, para as instituições que constituem o sujeito da aprendiza-gem, com ações mais preventivas do que remediativas, o psicopedagogo trans-forma a atenção individual em grupal. O suporte da abordagem sistêmica, que produz no psicopedagogo uma mudança que alcança seu olhar e sua escuta, transforma a visão reducionista e mecanicista dos fenômenos em uma visão de circularidade e totalidade. Ele deve considerar a gama de relações e ter um olhar direcionado para o todo e conceber a realidade por inteiro. As questões indivi-duais devem ser pensadas em relação ao contexto em que são produzidas e às relações que são estabelecidas.

Para Bossa (2000, p. 89)

[...] a Psicopedagogia Institucional caracteriza-se pela própria intencionalidade do trabalho. Atuamos como psicopedagogos na construção do conhecimento do sujeito, que neste momento é a instituição com sua filosofia, valores e ideologia. A demanda da instituição está associada à forma de existir do sujeito institucional, seja ele a família, a escola, uma empresa industrial, um hospital, uma creche, uma organização assistencial.

O caráter interdisciplinar da Psicopedagogia coloca-a como um campo que teoriza contemporaneamente sobre a questão da aprendizagem, efetivando sua prática na relação entre aprendizagem e saberes múltiplos. Não se funda-menta em bagagens conteudistas, mas sim em saberes que disputam prazer, configurando uma relação positiva com a aquisição de conhecimentos. Isso nos faz pensar a Psicopedagogia de forma articulada, sem rupturas e sem barreiras, com o objetivo de entender como as pessoas aprendem diante das experiências vivenciadas no cotidiano institucional.

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Tradicionalmente, pode-se pensar a Psicopedagogia exclusivamente como um trabalho voltado para a instituição educacional. Porém, o olhar sobre a apren-dizagem que ela se propõe a estabelecer oferece espaço para a Psicopedagogia nas mais diversas instituições, visto que o processo de aprendizagem é um pro-cesso constante no desenvolvimento do sujeito, inserido em todo o contexto.

A Psicopedagogia Institucional propõe-se, portanto, a estar atenta às inúme-ras possibilidades de construção do conhecimento e valorizar o imenso universo de informações que nos circunda.

Dessa forma, se pensarmos na criança hospitalizada que terá novas rotinas inseridas na sua vida, ou vai saber sobre doenças, sobre o que pode ou não pode fazer, o psicopedagogo tem espaço nos hospitais. Se pensarmos no motorista de ônibus que deverá aprender novas trajetórias, ter em mente uma nova distribui-ção espacial da cidade, vai aprender a estabelecer novas relações, há espaço em uma empresa de ônibus para o psicopedagogo. Assim, o psicopedagogo pode, nos mais diversos contextos institucionais, atuar sobre a aprendizagem.

Nádia Bossa (2000, p. 89) cita Fagali, que aborda a Psicopedagogia Institucio-nal, dizendo:

Dependendo da natureza da instituição, a Psicopedagogia pode contribuir trabalhando em vários contextos:

Psicopedagogia familiar: ampliando a percepção sobre os processos de aprendizagem de �seus filhos, resgatando a família no papel educacional, diferenciando as múltiplas formas de aprender e respeitando as diferenças dos filhos.

Psicopedagogia empresarial: ampliando formas de treinamento, resgatando a visão do �todo, as múltiplas inteligências, trabalhando a criatividade e os diferentes caminhos para buscar saídas, desenvolvendo o imaginário, a função humanística e dos sentimentos na empresa, ao construir projetos e dialogar sobre eles.

Psicopedagogia hospitalar: possibilitando a aprendizagem, o lúdico e as oficinas psicope- �dagógicas com os internos.

Psicopedagogia escolar: priorizando diferentes projetos. �

Diagnóstico da escola. �

Busca da identidade da escola. �

Definições de papéis na dinâmica relacional em busca de funções e identidade diante do �aprender.

Instrumentalização de professores, coordenadores, orientadores e diretores sobre práticas �e reflexões diante de novas formas de aprender.

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Reprogramação curricular, implantação de programas e sistemas avaliativos. �

Oficinas para vivência de novas formas de aprender. �

Análise de conteúdo e reconstrução conceitual. �

Releitura, ressignificando sistemas de recuperação e reintegração do aluno no processo. �

O papel da escola no diálogo com a família. �

A ação interventiva do psicopedagogo ressaltará as aprendizagens múltiplas construídas no contexto do sujeito, o aproveitamento de antigas aquisições e a sua reestruturação psicológica, por intermédio da crença na sua capacidade de aprender sempre.

Segundo Visca (1991, p. 15), “[...] a ampliação no âmbito da Psicopedagogia nos deu a possibilidade tanto de estudar o sujeito individual em profundidade, quanto de extrapolar estes conceitos para o macrossistema, os quais antes não tinham sido pesquisados”.

A partir desse pressuposto, ele propõe uma análise do processo de aprendi-zagem a partir de quatro unidades de análises, determinando diferentes âmbi-tos: o indivíduo, o grupo, a instituição e a comunidade (VISCA, 1997, p. 22).

Indivíduo

Grupo

Instituição

Comunidade

(VIS

CA, 1

997.

Ada

ptad

o)

No que se refere ao indivíduo, que se caracteriza como a primeira unidade de análise, Visca elaborou um quadro que mostra a evolução da atenção ao indiví-duo com dificuldade de aprendizagem até o atendimento no nível preventivo.

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Psicopedagogia atuando no âmbito da instituição

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Crianças, adolescentes, adultos e terceira idade.5.º momento

4.º momento

3.º momento

2.º momento

1.º momento

Aprendizagem sistemática

Crianças, adolescentes, adultos e terceira idade.

Crianças, adolescentes, adultos e terceira idade.

Diagnóstico e tratamento de adolescentes, adultos e terceira idade.

Diagnóstico e tratamento de crianças.

Assistência AssistênciaPrevenção Prevenção

(VIS

CA, 1

997,

p. 2

3. A

dapt

ado)

A segunda unidade de análise, o grupo, é vista como funcional que também aprende. A tarefa da Psicopedagogia consiste em aprender a aprender por meio de atividades que emergem do grupo como uma forma de resolução de confli-tos cognitivo-afetivos. Portanto, ele pode ser estudado, em função do vetor de aprendizagem, sendo importante diferenciar, na unidade funcional da aprendi-zagem grupal, a aprendizagem do grupo e a aprendizagem em grupo. Deve-se considerar que saber compreender a aprendizagem do grupo implica em uma tarefa mais complexa e completa. Portanto, o grupo constitui um nível de inte-gração superior ao indivíduo, é um sistema ativo, no qual é possível reconhecer processos que são estratégias e mecanismos intrapsíquicos (do próprio sujei-to) como também aprendizagens intragrupais, configurando-se no alcance de todos os graus de estabilidade.

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

A terceira unidade diz respeito à instituição, o que nos interessa particular-mente, nesta disciplina. A instituição, nesta visão, é concebida como um conjun-to de normas, costumes, usos etc. que permanecem por um tempo em funcio-namento e servem como referencial para a conduta grupal.

Considerando esse conceito, o enfoque psicopedagógico nos leva a perceber que no interior da instituição os grupos interagem entre si, ao mesmo tempo em que são configurados por normas próprias, porém sob a rigidez da ação ins-titucional. Os conflitos frente a esta ação nos ajudam a entender o processo da aprendizagem institucional.

Quando o nível institucional permite o desenvolvimento da aprendizagem, é fácil perceber um movimento adequado de crescimento, que desarticula qualquer possibilidade de oclusão ou cristalização e fecha-se a intercâmbios, impossibilitando a concretização de um processo de aprendizagem conseguin-te àquele que a constitui.

Considerando, portanto, essa reflexão teórica, muitos profissionais estão di-recionando sua atuação psicopedagógica para diferentes instituições: empre-sas, hospitais, Ongs, associações de bairros, unidades de saúde etc. Essa atuação propõe, segundo Bossa (2000, p. 89), um diálogo com um complexo que se ma-nifesta como um sistema particular, sendo o sujeito da aprendizagem a institui-ção, com sua complexa rede de relações.

Partindo desses pressupostos da Psicopedagogia Institucional, voltaremos nosso foco para a instituição educacional, ou melhor, à prática da Psicopeda-gogia no âmbito da instituição educacional. Vocês devem ter percebido que a rede de relações que permeia a ação do psicopedagogo exige, desse pro-fissional, um estudo aprofundado de todos os aspectos que se constituem como fundamentais para essa ação.

A instituição educacional cumpre uma importante função social, socializan-do conhecimentos disponíveis, promovendo o desenvolvimento cognitivo e a construção de regras de conduta, dentro de um projeto social mais amplo. Porém, por outro lado, o espaço escolar sistematizado vem ao longo de sua his-tória priorizando a dimensão cognitiva em detrimento de um lugar para instân-cia afetiva, no que diz respeito ao processo de aprendizagem.

Esse posicionamento contribui para que o fenômeno da aprendizagem con-tinue a ser percebido como um processo racional, no qual o educador manipula o cognitivo, repetindo informações que devem ser acumuladas e memorizadas.

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O agente educativo que se disponibiliza a se especializar na área de Psicope-dagogia, já mostra um sinal de que há um movimento nesse posicionamento frente à aprendizagem. Tornar-se especialista em Psicopedagogia é assumir um novo papel frente ao mundo, pois essa área propicia uma transformação, que deve atingir inicialmente a instância pessoal para assim modificar a instância profissional.

Texto complementar

A questão dos sentidos: modos de pensar (e movimentar) o aprenderensinar nas

organizações do século XXI(BEAUCLAIR, 2007)

Introdução“Anda, quero te dizer nenhum segredo / Falo nesse chão da nossa casa / Vem

que tá na hora de arrumar.” (“O sal da terra”, Beto Guedes e Ronaldo Bastos)

De acordo com Fagali (2004) um dos nossos maiores desafios é o apren-der a transitar. No Brasil, a Psicopedagogia, já validada socialmente a partir de seus percursos e trajetórias, anseia por sua regulamentação profissional e, particularmente, acredito que uma das formas de ampliarmos parcerias neste sentido é adentrarmos e transitarmos, cada vez mais, pelos espaços das organizações.

É interessante destacar que, neste sentido, o profissional de Psicopedago-gia brasileiro possui um ponto muito positivo a favor, visto que ele acaba por construir seu próprio movimento de saber-fazer, ou seja, a partir do fato de nossa profissão ainda não estar regulamentada e que a questão do aprender e do ensinar está cada vez mais presente no campo organizacional, amplia- -se suas perspectivas de trabalho. Alguns cuidados precisam ser tomados para não cairmos na tentação de construirmos novas especializações. Laura Monte Serrat Barbosa nos alerta:

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

A meu ver, a Psicopedagogia é uma só; acontece em diferentes espaços, com objetivos específicos, mas a forma de pensar sobre o aprendiz, de ver o processo de aprendizagem, de considerar o mundo e o conhecimento é a mesma. O objeto de estudo – a aprendizagem – é o mesmo e, por isso, não precisamos seguir modelos médicos e psicológicos e subdividir nossa área. Somos especialistas em aprendizagem, independente do espaço no qual essa aprendizagem se processa.

Assim, somos convocados a enfrentar o desafio de aprender a transitar por outros campos de conhecimento e ações humanas, mas sem perder a visão de que a Psicopedagogia trata do tema aprendizagem e de suas múlti-plas interações, presentes nas atividades humanas. Nesse sentido, devemos nos movimentar com a finalidade de elaborarmos

[...] de modo consciente, nossas ações e práticas cotidianas, onde nossos valores, saberes e rituais se constituem numa elaboração-aprendizagem que se confunde com a construção de nossas subjetividades, de nossa profissionalidade, de nossa formação pessoal. Este é um movimento de construção, que devemos perceber como processo de articulação com o outro, com o mundo e com os nossos tantos dilemas, presentes no nosso acionar cotidiano. (BEUCLAIR, 2007, p. 81)

[...]

Learning organization: diferentes espaços e tempos da aprendizagem“Só posso compreender um todo se conheço, especificamente, suas partes.

Mas só posso compreender as partes, se conheço o todo.” (Pascal, filósofo)

Na atualidade, sabemos que diferentes programas de aprendizagem são colocados em movimento nas organizações como modo de buscarem van-tagens que as diferenciem, de maneira competitiva, no mercado. Assim, o grande desafio que se configura é transformar a organização em uma learning organization, ou seja, trazer para a organização a ideia de ser uma organização que aprende ou, como gosto de falar, uma organização aprendente.

O que caracteriza uma organização aprendente, a meu ver, é o envolvi-mento de todos os sujeitos que dela fazem parte em processos de incorpo-ração das cinco disciplinas de aprendizagem caracterizadas por Peter Senge (1997): domínio pessoal, modelos mentais, visão compartilhada, aprendizado em equipe e pensamento sistêmico. Senge percebe que, no cotidiano das or-ganizações, a importância da tecnologia da informação para o aprendizado organizacional é relativa e que processos de treinamento assim também se apresentam. De acordo com suas ideias, os sujeitos aprendem no cotidiano e no decorrer de suas experiências.

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[...]

Aqui reside um ponto significativo para atuação do profissional de Psico-pedagogia nas organizações: de que modo o psicopedagogo pode trabalhar questões importantes, tais como aprendizagem, liderança, conhecimento, in-formação e relações interpessoais neste espaço social? Que tipo de interven-ção pode esse profissional realizar ao transitar por espaços e tempos tão singulares?

[...]

Novos desafios no aprenderensinar nas organizações“Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”. (Cora Co-

ralina)

Antes de ampliar este item, cabe um esclarecimento: porque grafar apren-derensinar desta maneira? Penso e insisto, sempre, que é preciso criar novos modos para falarmos sobre coisas já ditas, mas que necessitam de novas reconfigurações. No âmbito psicopedagógico é de grande valia construir campos de sentido novos às nossas ações, intervenções e palavras. Aqui, a pa-lavra aprenderensinar pode ser percebida claramente como uma junção dos processos essenciais de construção do conhecimento: aprender e ensinar.

Esclarecido este ponto, vejamos os desafios que considero emergentes nas organizações de nosso tempo.

Primeiro desafio:

Compreender que uma organização simultaneamente é um sistema cul-tural, um sistema simbólico e um sistema imaginário que, combinados geram a cultura organizacional. Para o trabalho psicopedagógico nas organizações é preciso que se compreenda, de modo efetivo, todo esse processo.

Segundo desafio:

Ampliar as capacidades criativas das organizações, promovendo novos modos de fazer circular dados, informação e conhecimento, facilitando, assim, o desenvolvimento do pensamento sistêmico ao fazer proposições de interligação entre as partes e o todo. Com movimentos cotidianos de trans-missão de conhecimentos se vivencia o “estar junto com”, e assim, os sujeitos aprendem de modo contínuo.

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Terceiro desafio:

Atenção específica às revisões paradigmáticas de nosso tempo. Urge, nos espaços e tempos organizacionais, ampliar visões de futuro a partir da aprendizagem, percebendo que para acontecer novos movimentos, neces-sário se faz abandonar os que se encontram desgastados com o tempo e que não possuem serventia na contemporaneidade.

Quarto desafio:

Desenvolvimento de estruturas mais flexíveis que sejam propulsoras de aprendizagens, independente dos ambientes se apresentarem de modo es-táveis ou instáveis. Aqui a maior percepção que podemos ter é que a aprendi-zagem transforma o sujeito aprendente, primeiro em seus aspectos internos (auto-organização) e, a posteriori, nos aspectos externos (complexificação).

Quinto desafio:

Construir culturas de teias sistêmicas, onde as diferentes percepções dos sujeitos aprendentes nos espaços e tempos organizacionais sejam validadas a partir da constatação de que cada um de nós só é alguma coisa pelo fato de sermos seres de relação. Nossas ancestralidades comprovam que só che-gamos até aqui, em nossa história de evolução enquanto espécie biológi-ca, porque somos seres que se agregam e se relacionam. Na atualidade, o resgate necessário se faz presente na noção de interdependência, ou seja, nós somos e nos definimos a partir do conjunto de relacionamentos que possuímos.

Sexto desafio:

Na configuração do mundo atual, vivemos a sociedade do conhecimen-to que, para o seu pleno desenvolvimento, exige a competência do apren-der a aprender, envolvendo tudo e todos. Organizações aprendentes são organizações onde se busca transformar em realidade concreta o seguinte pensamento:

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Na sociedade do conhecimento as pessoas precisam aprender a aprender. Na verdade, na sociedade do conhecimento as matérias podem ser menos importantes que a capacidade dos estudantes para continuar aprendendo e que a sua motivação para fazê-lo. A socieda-de pós-capitalista exige aprendizado vitalício. (FANTOVA, 2005)

Sétimo e último desafio:

Promover a convivência dos contrários e favorecer a unidade na diferença é tarefa/desafio essencial em nosso tempo presente. Somos convocados, en-quanto sujeitos, a uma postura rigorosa focada no resgate de condutas e ati-vidades pró-sociais que tragam qualidade de vida para todos. O mundo do trabalho é uma importante parcela da vida humana, onde o sujeito dedica tempo, força e energia. Entretanto, muito ainda temos a fazer para que pos-samos ampliar o prazer e a alegria de estar trabalhando.

Nos espaços e tempos de atuação profissional, o resgate da amorosidade, do respeito, da afabilidade e da mansidão favorece ao crescimento de todos. Estratégias significativas podem ser utilizadas pelo profissional psicopeda-gogo para sensibilizar corações e mentes para o outro, respeitando as dife-renças e percebendo que nenhum humano possui todas as competências, capacidades e habilidades presentes em nossa espécie: cada um, com sua constituição, colabora para a formação do belo mosaico da vida humana. [...]

Dica de estudoAcesse o site do Instituto de Desenvolvimento do Potencial Humano <www.

idph.net>.

Nele há dicas de leitura, artigos interessantes para uma leitura reflexiva e muitas informações relevantes para o gestor educacional e o psicopedagogo institucional.

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Atividades1. Comente a seguinte afirmativa, tomando como base a proposta teórica da

área de estudo da Psicopedagogia: “O enfoque da Psicopedagogia Institu-cional é a relação de saberes construídos pelo sujeito em seu contato com a instituição em que se insere” (VASCONCELOS, 2003).

2. Assinale a afirmativa que contempla as diferentes ações que a Psicopedago-gia pode desenvolver no âmbito institucional.

a) Avaliação clínica das dificuldades da aprendizagem e aulas de matemática.

b) Instrumentalização de professores, reprogramação curricular e oficinas para vivência de novas formas de aprender.

c) Diagnosticar o aluno em sala de aula e realizar intervenção individual.

d) Gestão de uma escola particular e seleção de professores.

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3. Relacione a coluna da direita com a da esquerda, de maneira que os contex-tos institucionais que o psicopedagogo pode atuar se relacionem com as práticas possíveis.

( 1 ) Psicopedagogia Empresarial ( ) Oficinas com internos

( 2 ) Psicopedagogia Familiar ( ) Diversificar o treinamento

( 3 ) Psicopedagogia Hospitalar ( ) Resgatar o papel educacional dos pais

( 4 ) Psicopedagogia Escolar ( ) Resgatar a relação família e escola

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A escola faz parte da vida do ser humano, ou deveria fazer. Essa ins-tituição, embora seja responsável pela sistematização da aprendizagem, caracteriza-se como uma referência ligada fortemente ao processo de aprendizagem como um todo. É como se ela fosse o marco do início do processo de aprendizagem, é do que lembramos quando nos referimos às primeiras aprendizagens. Portanto, pode-se afirmar que as experiências vivenciadas na escola são marcas significativas na aprendizagem, mos-trando a importância de uma instituição educacional não perder o foco do processo de formação que se configura intrinsecamente ligado ao pro-cesso de sistematização da aprendizagem.

Mesmo refletindo muito sobre o objeto de estudo da Psicopedagogia, e visto que a aprendizagem está relacionada com muitos campos da ati-vidade humana, o poder dado à escola para assumir a responsabilidade sobre esse processo é historicamente relevante.

Portanto, tradicionalmente é comum nos reportamos instantanea-mente à instituição educacional ao relacionarnos qualquer aspecto sobre a aquisição do conhecimento, bem como é natural que a Psicopedagogia tenha sua origem no âmbito institucional contextualizado na escola.

A demanda inicial para o profissional voltado às dificuldades de apren-dizagem veio de uma inabilidade dessa instituição em lidar com os sujei-tos que supostamente não aprendiam. A Psicopedagogia, respondendo a essa demanda, percebeu que a prática clínica não dava conta de ques-tões que iam além de obstáculos afetivos, cognitivos ou funcionais, mas que estavam relacionadas às questões institucionais externas aos próprios sujeitos.

O outro aspecto importante, nessa questão, foi a possibilidade, a partir do caráter interdisciplinar da Psicopedagogia, de poder ter no seu corpo teórico um respaldo da Teoria Geral dos Sistemas. Dessa maneira, o psi-copedagogo pode perceber que junto a essa demanda clínica vem um pedido de “socorro” da própria escola, como se inconscientemente perce-besse a sua responsabilidade no não aprendizado do aluno.

A escola enquanto instituição

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Portanto, considera-se a importância da visão sistêmica para a prática da Psicopedagogia no âmbito da instituição educacional, pois supera a relação de causa e efeito sobre os fenômenos institucionais, que sustentam o processo de aprendizagem. Segundo Gasparian (1997, p. 56) “[...] pensar a escola à luz da Psi-copedagogia, significa analisar um processo que inclui questões metodológicas relacionais e socioculturais, englobando o ponto de vista de quem ensina e de quem aprende, abrangendo a participação da família e da sociedade”.

A atuação psicopedagógica, no âmbito da instituição, estará dessa forma dialogando constantemente com esse complexo que se manifesta como um sistema particular. Caracterizamos, então, o sujeito da aprendizagem como a própria instituição educacional, com sua complexa rede de relações, sendo ela uma instituição que aprende a partir das transformações de seus grupos, seja na dimensão horizontal (o grupo como organismo) seja na dimensão vertical (cada membro do grupo).

Segundo Sara Pain (1985, p. 12),

[...] a educação tem como função primeira a manutenção, a socialização e a transformação do sujeito, mas ao mesmo tempo, fortalece a repressão que lhe é imposta. A escola tem assumi-do um papel institucionalizado dessa ambivalência, sob a égide de sua função educativa. As representações da aprendizagem que se dão no seu interior, muitas vezes passam despercebi-das em detrimento de um fundamento teórico tradicional.

Jorge Visca (1988, p. 178), como já vimos anteriormente, coloca a escola como responsável pela sistematização da aprendizagem, isto é,

[...] aquela que se opera no interior da instituição educativa, mediadora da sociedade, órgão es-pecializado em transmitir os conhecimentos, atitudes e destrezas que a sociedade estima neces-sárias para a sobrevivência, capazes de manter uma relação equilibrada entre a identidade e a mudança. Estas instituições, além disso, provêm ao sujeito as aprendizagens instrumentais que irão permitir o acesso a níveis mais elevados de pensamento.

O psicopedagogo tem, segundo esses pressupostos, a difícil tarefa de analisar a adequação da estrutura e funcionamento da instituição, bem como do currícu-lo e métodos de ensino empregados, desfocando o olhar do aluno, como identi-ficado pela sua dificuldade, para os fatores intraescolares e interinstitucionais, de ordem social, econômica e política que envolve a educação.

Saber enfrentar as diferenças do sistema educativo, e saber como intervir para a aquisição do conhecimento no interior da instituição educacional, é poder compreender a importância da intervenção psicopedagógica nos processos do ensino da instituição.

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A escola enquanto instituição

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A contemporaneidade da educação, não permite que o educador, que hoje está à frente da sistematização da aprendizagem, deixe de considerar o que muitas pesquisas vêm mostrando, que as razões mais fortes dadas por alunos quando se pergunta do porquê gostar da escola, estejam relacionadas mais com as relações de convívio que ela facilita do que com os objetivos acadêmicos.

Esse fato é totalmente contraditório daquilo que historicamente tem sido priorizado em uma escola essencialmente intelectualista e sistemática, apesar do discurso oficial sobre a formação integral do sujeito. De qualquer forma, esses resultados mostram que é importante considerar a dimensão relacional da ins-tituição escolar. As aprendizagens de conteúdo sociais parecem favorecer so-bremaneira a aquisição de conteúdos acadêmicos. O sentimento de pertença, que é possível ser desenvolvido na convivência dos atores da aprendizagem, fortalece um sistema não só afetivo como funcional, social e cognitivo do sujeito da aprendizagem.

Estrela (1994, p. 44), quando se referiu à escola como um sistema social, como instituição ou como organização, cita Hoyle e sublinha estas expressões equiva-lentes que devem ser diferenciadas sendo que, “[...] enquanto sistema, a ênfase é posta na interação das partes, enquanto instituição, a ênfase é posta nos va-lores que se transmite e se recebe, nas convenções e situações estabelecidas e enquanto organização nas estruturas formais e informais”.

Nessa complexidade que se apresenta à escola, o que vem à tona é sempre a diversidade de atores que nela desempenham seus papéis, a partir de um re-ferencial próprio de compreensão das normas, valores e regras que a regem. Portanto, saber entender sobre relações humanas também é um pré-requisito importante para o psicopedagogo.

A configuração de uma rede de relações que vai se estabelecer a partir da cultura organizacional, que pode ser definida por “normas e valores do sistema formal e sua reinterpretação pelo sistema informal” (KATZ; KAHN apud ESTRELA, 1994, p. 44) é alvo de estudo aprofundado pelo psicopedagogo quando seu ob-jetivo é trabalhar no âmbito da instituição educacional.

Segundo Barbosa (2001, p. 66), é preciso conceber a realidade como intei-ra, e a escola acolher no seu interior, diariamente, uma diversidade enorme de relação, além de ter de interagir com situações externas, culturais, políticas, educacionais, que podem intervir no seu movimento positivo ou negativo.

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Todas essas relações contribuem para a complexidade da instituição esco-lar que, em muitos casos, não consegue administrá-las, gerando confusões de papéis e funções, provocando sintomas de desorganização, de dificuldade de comunicação e de execução.

É importante, portanto, centrar-se para dar conta de toda essa realidade, na perspectiva pedagógica da escola e, para isso, Estrela (1994, p. 45) nos auxilia estabelecendo uma pirâmide quadrangular (fig. 1), sistematizando a escola en-quanto instituição.

(EST

RELA

, 199

4, p

. 45)

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Estrutura

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Co

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info

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)

Funções e papéis

(formais e informais)

Currículo real

(expresso e escondido)

Física (espaço e

construção-apetrechamento)

Programática-normativaFina

ncei

ra -

Adm

inis

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iva

Hum

ana

(gru

pos

soci

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agóg

icos

)

Clima (espírito, ethos)

Figura1 – Escola como instituição.

A base representa a estrutura material e humana, formada por quatro com-ponentes:

humana, isto é, os grupos sociopedagógicos existentes na escola, as con- �figurações grupais que se estabelecem por funções, por aproximação afe-tiva, por tarefa etc.;

programática-normativa, constituindo um ponto de referência comum �aos diferentes grupos, é a base em que assenta a escola, são demarcações que norteiam a convivência grupal, bem como delimitam cargos e fun-ções, direitos e deveres;

financeira-administrativa, pois as fontes de financiamento e as formas de �gestão modificam as relações de poder dentro da instituição (vejam-se,

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A escola enquanto instituição

59

por exemplo, as formas diferentes de pressão dos pais a que estão sujei-tas as escolas conforme são públicas ou privadas ou as fontes de pressão decorrentes da atual autonomia universitária);

física, constituída pelos espaços físicos e equipamentos que limitam ou � facilitam certos tipos de relação.

A dinâmica seria formada pelas quatro faces da pirâmide:

a hierarquia, estabelecendo relações de poder, normatividade e autoridade; �

funções e papéis dos vários grupos – funções e papéis desempenhados e �esperados, formais e informais;

comunicação formal e informal, com as suas redes e normas formais e in- �formais;

currículo real, diferente do currículo proposto, na sua dimensão expressa �e escondida.

Interpretar uma história educacional, a partir dessa sistematização, requer um olhar para o interior do funcionamento da escola, caracterizando-a como única e essencialmente como uma instituição social, configurada por relações humanas, com padrões de interação própria, definindo o comprometimento dos valores acadêmicos e das estruturas organizacionais.

Esse caráter que configura a relação entre estrutura e dinâmica, dado ao funcionamento da instituição educacional, que a coloca no status de uma or-ganização pode ser considerado como clima, que seria, em relação à pirâmide proposta por Estrela, o topo da pirâmide, definido como o composto de normas, expectativas e crenças compartilhado pelos participantes desse sistema.

Pode-se dizer que as escolas mais eficazes combinam a preocupação com o rendimento do aluno, processos adequados de ensino e um bom ambiente rela-cional, fortalecido por um conjunto de regras coerentes e consistentes.

Os elementos do sistema escolarÉ importante, depois dessa trajetória pelo status institucional da escola, que se

especifique e se nomeie seus elementos que constituem sua estrutura formal e sua organização informal. Gasparian (1997) nos traz uma estrutura muito semelhante à descrita por Estrela, vista no item anterior. Essas duas visões se complementam,

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

tornando-se um todo, facilitando a compreensão dessa dimensão da instituição educacional.

Para o psicopedagogo, esse conhecimento é essencial, pois ele se propõe a ter uma tarefa de extrema responsabilidade, sendo o articulador das relações de aprendizagem, envolvendo todos os elementos da instituição, e provocan-do mudança não só na dimensão individual, mas, principalmente, na dimensão coletiva.

Segundo Gasparian (1997, p. 61), “a estrutura formal da escola é constituída de elementos sujeitos à influência da administração e intencionalmente dispos-tos, de forma a conduzir à consecução dos objetivos da escola”.

Ela os caracteriza em quatro grandes áreas, citadas a seguir.

ProgramaçãoConsiste na previsão das atividades a serem realizadas e das inter-relações

a serem mantidas para que os objetivos possam ser alcançados. As diretrizes da programação estão contidas na legislação geral escolar e no regimento da escola: mecanismo administrativo, plano didático e planos de trabalho.

Recursos materiaisExpressão física da programação, compreende prédio escolar, instalação, mo-

biliário, equipamento didático, material permanente e de consumo, verbas. Eles são dispostos na escola em função da programação.

Pessoal escolarO contingente humano que pertence à instituição educacional pode ser clas-

sificado como:

Pessoal administrativo � – direção e auxiliar de direção.

Pessoal técnico � – pedagoga, psicóloga, fonoaudióloga, bibliotecária.

Corpo docente � – professores.

Pessoal auxiliar � – secretárias, inspetores, serventes.

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A escola enquanto instituição

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Corpo discente � – alunos que compõem a instituição educacional, que têm características específicas, a partir da classe social a que pertencem, do seu meio familiar, da inserção em determinada cultura etc. O aluno deve ser visto sempre pelo conjunto de suas condições materiais e espirituais de existência.

A escola e seus subsistemasOs subsistemas existem para compor um sistema maior, relacionando-se

entre si e configurando um perfil de funcionamento desse sistema. Suas frontei-ras podem estar abertas ou fechadas, facilitando ou não a retroalimentação dos sistemas, possibilitando uma capacidade de equilibrar-se e, consequentemente, transformar-se e crescer.

A instituição escolar, ao mesmo tempo em que faz parte de um macrossiste-ma, tendo seu papel de subsistema, possui no seu interior uma suborganização que são seus subsistemas, alunos, professores, corpo técnico.

Cada um tem sua tarefa específica e tem autoridade. Portanto, dependendo da forma como os subsistemas da escola interagem entre si, a escola possuirá uma organização e uma estrutura específicas.

As interações que ocorrem entre os subsistemas, seja no interior da escola ou entre família e escola, dão-se, contudo, nos limites e fronteiras de cada subsistema que têm características específicas quanto à sua natureza e função, as quais estão vinculadas aos valores de nossa sociedade e cultura. (GASPARIAN, 1994, p. 72)

É importante que o psicopedagogo, a partir da visão sistêmica, consiga per-ceber o grau de possibilidades que existe entre os subsistemas. O grau de pos-sibilidades de trocas, muito permeável, no qual não há diferencial de papéis ou pouca permeabilidade, não havendo troca e sim empobrecimento por falta de informações, dará indícios para o psicopedagogo intervir com o objetivo de in-crementar a aprendizagem da instituição e estabelecer graus equilibrados de permeabilidade.

É, portanto, a partir do distanciamento do subsistema no interior da escola que se pode perceber que o não saber enfrentar conflitos, pode, muitas vezes, levar essa educação a estabelecer sintomas que se localizam em situações indi-viduais ou grupais, delatando supostos problemas de aprendizagem.

É nesse momento que o psicopedagogo tem como tarefa, a partir do mani-festado pela dificuldade de aprendizagem, chegar ao latente, que caracteriza a

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

individualidade da instituição escolar em lidar com as situações conflituosas. O psicopedagogo intervém, criando condições favoráveis para o alcance da apren-dizagem pelo grupo pertencente à instituição educacional, tornando-se com-prometido com o contínuo desse processo.

O sistema escolarParece-me fundamental, neste momento, retomarmos alguns conceitos da

Teoria Geral dos Sistemas, pois como vimos a escola descrita até aqui caracteri-za-se como um sistema, essencialmente um sistema aberto.

Podemos conceituar sistema como um conjunto de elementos materiais, ou não, que dependem reciprocamente uns dos outros, de maneira a formar um todo organizado. O sistema escolar corresponde, a partir de sua estrutura humana e organizacional, a esse conceito, podendo-se afirmar que é um sistema aberto, pois mantém um movimento constante de relação com outras institui-ções, estabelecendo fronteiras de entrada e saída de elementos de outros sub ou supra-sistemas.

A comunidade que insere a instituição educacional é um supra-sistema que traz à escola uma série de informações e uma multiplicidade de elemen-tos necessários para o desenvolvimento de sua função educativa e devolve a ela os produtos de sua atuação, num processo denominado retroalimenta-ção. Qualquer disfunção nesse processo pode ser representada por um sintoma que acaba sendo revelado no processo de aprendizagem, no interior da instituição educacional.

Embora muitos de vocês já tenham pela sua graduação, ou mesmo pela ex-periência, o conhecimento sobre o sistema escolar, penso ser relevante retomar, ou conhecer seus objetivos, conteúdos culturais, recursos humanos etc., no cumprimento de sua função social.

Segundo Gasparian (1997, p. 60), “a sociedade também possui um corpo de conhecimento, desenvolvido no transcorrer de sua história”, e é deste conheci-mento que o sistema escolar retira o conteúdo de seus currículos e programas. Por conseguinte, a escola contribui para a melhoria do nível cultural da popula-ção e para o aperfeiçoamento individual e formas de recursos humanos.

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A escola enquanto instituição

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Texto complementar

Nas Pegadas de Foucault: apontamentos para a pesquisa de instituições

(SOUZA, 2007)

IntroduçãoEm Nas Pegadas de Foucault: apontamentos para a pesquisa de institui-

ções, as autoras procuram desvendar os caminhos percorridos por Foucault para trabalhar a pesquisa, utilizando-se de um olhar diferenciado dos que tradicionalmente percorrem os meios acadêmicos. O livro é uma transcrição, a partir de gravações de fitas cassetes, de um curso intitulado “Educação: o olhar de Foucault”, ministrado na Universidade Federal de Santa Catarina, em 1995, pela professora Maria Oly Pey. Seus “capítulos” originam-se das aulas proferidas. E é assim que o livro está organizado, como se fossem aulas que contemplam a discussão sobre as “ferramentas de pesquisa” utilizadas por Foucault. Essas ferramentas de pesquisa visam obter saberes diferenciados, produzidos por olhares singulares contra poderes de dominação e os sabe-res já hierarquizados.

[...]

É importante utilizarem-se os instrumentos metodológicos instituídos por Foucault, devido ao jeito novo com que ele olha as coisas. Este olhar vai sendo construído e desponta em obras como História da Loucura, Nascimento da Clínica, As Palavras e as Coisas e Vigiar e Punir. Nessas obras, evidencia-se a originalidade da construção do pensamento de Foucault com a arqueologia (entendida como a busca das condições de possibilidades para a produção de saber) e a genealogia (que trata das relações de poder).

As leituras e as vivências realizadas por Foucault eram feitas de maneira peculiar, sem os óculos do enquadramento dos sistemas teóricos que as pro-duziram. Isso, de certa forma, fá-lo romper com o marxismo e contribui para sua aproximação com Nietzsche, cuja influência se faz presente em sua tese de doutorado, intitulada História da Loucura. Nessa tese, Foucault explicita

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

sua maneira de ver os marcos históricos, aqui caracterizados por ele como rupturas na forma ou nas relações de poder. Nesse momento, torna-se explí-cita a visão de Foucault acerca da invenção do saber científico – vinculado ao saber das ciências, encarcerado pelo saber das disciplinas científicas – e sua contrapartida, os saberes perceptíveis sobre o objeto de elucidação. Pode-mos vislumbrar, nesse momento, a transferência dessa reflexão para a edu-cação, analisando-a como perspectiva de construção da prática pedagógica com alicerces que ultrapassam os limites das disciplinas e transcendem para o alcance da realidade vivenciada.

Também preocupa Foucault a identificação dos momentos em que começa a ocorrer a segregação, os acontecimentos em que se inventam ró-tulos e categorizações para os que se comportam diferentemente dos outros, eleitos “normais”. Seus relatos sustentam que foi a partir desse momento que começaram a surgir os especialistas, prontos para lidar com esses diferentes, pois possuíam o saber, o discurso obtido pela observação e experimentação “fácil” sobre os confinados.

Neste momento, podemos voltar nossos olhares para a escola. Estando confinados, os alunos estão sob constante observação e experimentação. São, portanto, alvo de constantes discursos. Esses se traduzem em práticas pedagógicas que não podem ser refutadas; afinal, são desenvolvidas com olhares da ciência. Mas, muitas vezes, por sua generalidade, tais práticas não atingem a particularidade daqueles que lá se encontram.

Voltando nossa atenção para as “ferramentas de pesquisa” apontadas por Foucault, podemos vinculá-las a um olhar diferenciado daquele ditado por especialistas, assumindo um ângulo de observação do cenário educacio-nal próximo da subjetividade, muitas vezes silenciada, e da história que a produziu.

Na elaboração do “sistema de pensamento”, Foucault contribui para um aprimoramento do olhar sobre essa história, construída e silenciada. Estabe-lece a procura constante para conseguirmos buscar os pensamentos, como eles ocorrem, como se constituem, como permanecem e são privilegiados em detrimento de outros. É interessante destacar, na obra de Foucault, a qual podemos relacionar com a Educação, os procedimentos de exclusão enume-rados por ele: proibição, divisão, rejeição, rituais, doutrinação e apropriação social do discurso. Evidentemente, não seria difícil para nós, professores,

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A escola enquanto instituição

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identificarmos em nossas escolas exemplos vivenciados de exclusão, dentro das categorias mencionadas por Foucault. Também, fica fácil perceber as vozes daqueles que aparecem, as vozes privilegiadas, ou seja, aquelas que são ouvidas. O ritual de dominação ratifica-se por discursos de verdade. Esse discurso de verdade, para Foucault, na realidade não existe. Para ele o que existe é a produção de verdade. Assim, Foucault estabelece que não deve-mos buscar as verdades, nem tampouco descobri-las, mas quebrá-las, no sentido de descobrir como e por que são produzidas. Isso, na prática, traduz- -se não por se ler nas entrelinhas, nas lacunas do enunciado, mas, sobretudo, por se focalizarem as relações de poder, cuja existência não se dá no visível, mas se conhece pelos efeitos que produz.

O estudo dessas relações e diagramas de poder se dá através da gene-alogia, “ferramenta” proposta por Foucault, evidenciada em suas obras Vigiar e Punir e História da Sexualidade. Ao conhecer esses instrumen-tos de pesquisa, devemos atentar para o cuidado de sua utilização, para não corrermos o risco de transformar nossas pesquisas em uma pes-quisa de cunho documental. Mesmo considerado um “rato de biblio-teca”, Foucault, em sua proposta de pesquisa busca constantemente o entendimento da história, e não a simples busca dos fatos ocorridos. Interrogações do tipo “como o poder é exercido?”, “como funciona?” e “quais considerações podemos fazer acerca dele?” são perguntas norteadoras numa pesquisa orientada pelas “ferramentas” utilizadas por Foucault. Com essa concepção, podemos avistar as forças (relações de poder) através dos regimes de verdade de luz, que constituem os enunciados (aquilo que paira no ar) e que se apresentam com certa regularidade. Foucault evidencia na genealogia a ferramenta capaz de extrair dos discursos essa regularidade e seus enunciados de verdade, e não apenas as palavras que são proferidas.

Outra ferramenta descrita por Foucault para se trabalhar a pesquisa, ou, como ele próprio se referia, “um modo de viver”, é a analítica. Trata-se de um instrumental para se tratar da subjetividade. Estar de posse de chaves analíti-cas pressupõe ter ferramentas para o entendimento e compreensão de uma obra, como também, em se tratando de um modo de vida, ter possibilidade de buscar espaços de liberdade.

A subjetividade, a forma como o eu é construído enquanto sujeito su-jeitado, pode estar sob os efeitos de dominação ou de liberdade. Aqui se evidencia o “ser governado”, que, segundo Foucault, implica o sujeito que

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

obedece, que segue o normatizado e que, para dizer não ao instituído, deve transgredir e sabotar. Transgredir seria uma forma de reagir em frente aos efeitos de poder do diagrama disciplinar, e sabotar seria uma forma de sin-gularizar espaços de liberdade; assim, podemos dizer não ao normatizado, o que implicaria uma maneira de não ser governado.

Os espaços de liberdade são, para Foucault, a busca da não identidade, do tornar-se anônimo, do viver sem precisar dizer sobre si, fazer confissões. Tor-nar-se identificável pode ser perigoso. Um exemplo disso seriam os grupos de homossexuais, prostitutas, menores de rua, entre outros, que, por serem reconhecidos, tornam-se alvo de constantes reações preconceituosas. Por-tanto, os espaços de liberdade traduzem um modo de vida, uma maneira de fazer e pensar singularidades fora das regras, hábitos e leis naturalizadas.

Voltando nossa atenção para o cenário educacional, no que se refere à avaliação do processo ensino, pode-se claramente avistar que vivenciamos o estabelecido: avaliar é preciso. Assim se estabelece a avaliação dentro do diagrama disciplinar e não se criam espaços de liberdade. Não avaliar, dentro do sistema em que se está operando, significaria destruir estruturas solidifi-cadas, cujas bases se apoiam no poder. Com isso, pode parecer que Foucault preconiza uma transformação da sociedade de forma universal. Mas isso não se dá; o pretendido por Foucault é uma transformação em nível local, indivi-dual, aquela que acontece na subjetividade das pessoas.

Querer viver com essa subjetividade que comporta a visão de avaliar para “aprovar” ou “reprovar” (e talvez atingir o título conferido ao “melhor profes-sor”, aquele que mais reprova), porque esta é a norma, não é seguir os passos descritos por Foucault. Aliás, os passos de Foucault, em si, não nos mostram os caminhos. Esses nós podemos e devemos buscar se nos identificarmos com sua obra.

Utilizar a arqueologia, a genealogia e a analítica seria uma alternativa para procurarmos os porquês, para perguntarmos “por que avaliar?”, pesqui-sar, ir ao fundo, sentindo-nos ser provocados pelas situações vivenciadas, e não fazer porque é a regra do instituído. Sem dúvida, isto nos instigaria não somente a pensar diferente, mas também a ser diferentes.

Ao nos questionarmos sobre nosso poder de traçar essa trajetória, de conseguir mudar algo que não nos satisfaz enquanto educadores, podemos pensar que a operação pode começar no nível das micro-relações, produzin-

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A escola enquanto instituição

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do acontecimentos que possam abalar as estruturas das instituições, sabotar seu controle ou mesmo impedir seu funcionamento de acordo com as regras preestabelecidas. Estamos dispostos a fazer isso? Essa é a primeira pergunta a se fazer!

Dica de estudoAssistir ao filme: Ser e Ter (França, 2002).

Esse filme mostra o cotidiano de uma escola rural multisseriada francesa. É a relação entre o professor e seus alunos e alunas no ato de alfabetização e de humanização.

Assistam refletindo sobre o funcionamento institucional dessa escola, sua estrutura, sua dinâmica, suas relações e seus objetivos e qual a relação com a efetivação da aprendizagem.

Atividades1. Comente sobre os aspectos que podem caracterizar a escola como uma ins-

tituição.

2. Relacione a coluna da direita com a da esquerda, de maneira que os concei-tos sobre as funções no interior de uma escola se relacionem.

( 1 ) Administração ( ) Pedagoga, psicóloga

( 2 ) Docência ( ) Secretaria

( 3 ) Técnicos ( ) Professores

( ) Direção

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

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A Psicopedagogia é uma área que se preocupa com o fenômeno da aprendizagem. No que tange a ação psicopedagógica na instituição edu-cacional, esse profissional habilitado em compreender o processo de aquisição do conhecimento, vai tanto na instância do aprender como na instância do ensinar, com sua ação interventiva, assumir um compromisso ético com a educação.

Podemos pensar, então que na história de construção desse campo de atuação houve um crescimento de uma ação mais preventiva, que priori-za a dimensão institucional em detrimento do foco individual. Segundo Porto (2006, p. 116), “[...] a atuação psicopedagógica institucional auxilia o resgate da identidade da instituição com o saber mediando e resgatando o processo de ensino e aprendizagem”.

Portanto, compreender a intervenção psicopedagógica na instituição educacional requer do profissional habilitado a esta função posicionar-se em relação às diferentes tendências que foram se delineando por meio de análises críticas e reflexivas frente às demandas da escola. É importante que o psicopedagogo tenha uma coerência entre a posição teórica que o referencia, com a estruturação de sua prática, para que seu trabalho con-tribua de fato como recurso para a instituição educacional.

Uma atuação psicopedagógica, que represente esse recurso, reside na capacidade do psicopedagogo em identificar no funcionamento ins-titucional as configurações relacionais que podem estar obstaculizando o fluxo do ensinar e aprender. Os obstáculos precisam ser pensados a partir da integração de diferentes forças que englobam o espaço institucional, portanto a ação interventiva segue o mesmo foco de reflexão, o espaço das relações entre vínculos de quem ensina e de quem aprende, das famí-lias com a escola e da comunidade como um todo.

Monereo e Solé (2000, p. 11) contribuem com esse pensamento, ca-racterizando algumas tendências na intervenção psicopedagógica, exem-plificando a diversidade no que se refere aos serviços psicopedagógicos,

A intervenção psicopedagógica na instituição educacional

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

que se relacionam diretamente com as particularidades que se encontram nas configurações vinculares no interior das instituições educacionais.

A primeira tendência refere-se a um trabalho psicopedagógico concebido como uma modalidade da individualização do ensino. A instituição escolar ofe-rece respostas suscetíveis de adequarem-se às condições de seus alunos. É uma tendência que não responde às expectativas que estamos estruturando diante da ação psicopedagógica na instituição educacional, parecendo direcionar a ação interventiva para o aluno que representa o fracasso escolar. Relacionando com as unidades de análise da Psicopedagogia, essa tendência tem seu foco no indivíduo.

A segunda tendência refere-se à ação psicopedagógica, e é voltada para o contexto concreto da instituição educativa, e transcende seu caráter de “lugar físico”, no qual é produzida a intervenção, para tornar-se objeto da intervenção, não descaracterizando a escola dos objetivos que socialmente lhe são confe-ridos. A intervenção do psicopedagogo tem como objetivo potencializar ao máximo a capacidade de ensinar dos profissionais que a integram e a capacida-de de aprender dos alunos, supondo que há um complexo emaranhado em que aspectos estruturais e organizacionais, as configurações relacionais intra e extra instituições, interagem constantemente.

A terceira tendência diz respeito à ação psicopedagógica que auxilia a escola a pensar sobre seus propósitos e fazê-los de forma coerente com as finalidades educativas socialmente estabelecidas, que são expressas nas previsões normati-vas de quem pretende um estado soberano.

Ao longo dessas reflexões, as características da intervenção psicopedagógica aqui abordadas não fugirão da concepção ampla do processo de aprendizagem, considerando que na instituição educacional este processo acontece de forma dinâmica, tornando concreta a unidade do ensinar e aprender. Torna-se, então, objeto de estudo aquilo que é vinculado na relação ensinar-aprender, tendo seus protagonistas uma interação que configura a ação educativa, um deixar que o outro aprenda. Portanto, a ação psicopedagógica na escola deve envolver a dinâmica da mesma, como um todo, intervindo em várias instâncias, deixando vivenciar o seu ensinar-aprender de forma crítica e reflexiva.

O importante, no que diz respeito ao que se considerou até o momento, é que o alvo da ação psicopedagógica não é somente o aluno com problemas de

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A intervenção psicopedagógica na instituição educacional

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aprendizagem, mas, principalmente, os mecanismos que interagem na constru-ção desse processo.

Portanto, segundo Barbosa (2001, p. 25),

[...] a Psicopedagogia na escola transforma a ação individual em grupal, analisa os sintomas, considerando a gama de relações que existe em uma instituição e propondo projetos de atuação que apontem para uma mudança global sem deixar de atender os casos concretos que aparecem como sintoma.

Levando em conta as considerações propostas sobre a intervenção psicope-dagógica, sua contribuição movimenta o ato educativo, como um fato global, isto é, sua ação resgata uma visão globalizante do processo de aprendizagem. O campo conceitual da Psicopedagogia contribui com novas estratégias de atuação, que envolve o fenômeno institucional sob uma abordagem crítica e sistêmica.

A demanda da escola para a intervenção psicopedagógica

É muito comum encontrarmos referências que mostram a configuração que a escola assume como um veículo transmissor de mudanças sociais. Como exem-plo, Patto (1984, p. 55) nos mostra sua análise das relações que se estabelecem entre a escola e os rumos da sociedade brasileira e analisa criticamente o papel desempenhado pelo sistema escolar no contrato do desenvolvimento de um país industrial, capitalista e independente.

Dessa forma, é importante para o psicopedagogo, que vai atuar na escola, parar para pensar nas diferentes demandas do sistema escolar atual, principal-mente objetivando a coerência de sua ação.

“As necessidades da escola não são algo estático e pré-fixado, mas sim algo dinâmico e mutável, que se configura de diversas maneiras em momentos dis-tintos e que obedeçam, em boa parte, às expectativas que a sociedade projeta sobre ela” (MONEREO; SOLÉ, 2000, p. 13).

Ao nos reportarmos ao status institucional da escola, nos deparamos com a importância do psicopedagogo ser capaz de estar atento às diferentes formas de funcionamento explícito e implícito da instituição educacional, pois essas cons-

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

tituirão a “personalidade” da escola, ou melhor, traduzirão como determinada instituição responde aos desafios que lhe são impostos no cumprimento de sua função de ensinar, envolvendo toda sua estrutura física, administrativa e humana.

Segundo Monereo e Solé (2000, p. 14),

[...] tudo isso conduz à revisão do papel, da formação, da localização, das funções e dos obje-tivos aos quais o trabalho psicopedagógico deve atender. Seria lógico que assim ocorresse, pois, como mencionamos, a escola vai se transformando, adotando novas dimensões e suas necessidades e objetivos também se modificam. Para a instituição entendida em sua globa-lidade, o trabalho psicopedagógico deve dispor, por sua vez, de referências e instrumentos capazes de ajudá-la.

No entanto, é necessário, que o psicopedagogo disponha de referencial e ins-trumental para que efetivamente conheça a instituição com a qual vai trabalhar, para poder coerentemente propor sua ação.

Ser capaz de fazer uma leitura do emergente e do latente na instituição escolar requer do psicopedagogo este referencial e instrumental.

É inevitável, inicialmente, retomar os fundamentos que dizem respeito à Teoria Geral dos Sistemas e à Epistemologia Convergente. Essas duas lentes teó-ricas vão auxiliar na compreensão da instituição educacional, enquanto contexto de nossa ação, bem como oferecer instrumental adequado para a intervenção.

O que é “intervenção psicopedagógica”?Silvia Ancona-Lopez (1995, p. 20) nos traz os seguintes sentidos para a pala-

vra intervenção:

Intervir (do latim intervenire): meter-se de permeio, ser ou estar presente, assistir, interpor os seus bons ofícios.

Meter-se de permeio: indica atuação. Posição ativa de alguém que interfere, que se coloca entre as pessoas, que de algum modo estabelece um elo, uma ligação.

Interpor os seus bons ofícios: ação de quem tem algum preparo em determinada área e põe seus conhecimentos à disposição de quem deles necessita. Ação de quem acredita no que faz.

Estar presente: não indica necessariamente uma ação, o que leva a pensar em alguém disponí-vel, que aguarda uma solicitação. Estar presente parece indicar uma posição, alguém a quem se pode recorrer e que está inteiro na situação.

Assistir: indica ajuda, cuidados, apoio.

Tomando como base essas palavras, gostaria de refletir com vocês o sentido da “ intervenção psicopedagógica”. Parece claro que intervir é uma ação que pre-determina um movimento. Alguém, numa atitude ativa, estabelece uma ligação,

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A intervenção psicopedagógica na instituição educacional

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um elo com outro alguém, e assim, por estar habilitada, produz alguma transfor-mação, que abrirá uma cadeia de ações para novas intervenções.

A intervenção psicopedagógica pressupõe essa ligação com objetivos muito claros, delineados pelo seu objeto de estudo, o processo de aprendizagem. Como intervir, então, para promover o aprender?

Se a Psicopedagogia, pelo que estamos estudando, propõe que o próprio sujeito seja autor de sua aprendizagem, intervir nesse processo é criar mecanis-mos que contribuam para que o aprender do sujeito da aprendizagem possibi-lite num processo dialético, a transformação da realidade bem como a transfor-mação de si mesmo.

Pichon-Rivière (1988, p. 128) nos traz um conceito de operatividade que pode nos referenciar sobre a ação interventiva do psicopedagogo, propondo que ope-ratividade seja a capacidade de agir por si, sem esperar que aquele que coordena dê os passos e as soluções prontas para a realização de uma tarefa, mas que coor-dene usando o desenvolvimento da autonomia.

Na instituição educacional, o psicopedagogo, segundo Barbosa (2000, p. 215),

[...] intervém a partir de ações que se caracterizem por uma atitude operativa, com objetivo de provocar no sujeito da aprendizagem a busca da operatividade, da resolução de um problema. Ele cria, mantém e fomenta a comunicação, para que os envolvidos possam desenvolver-se, progressivamente, a ponto de poderem aproximar-se afetivamente da tarefa e realizá-la.

Jorge Visca (1987, s.p.), teoricamente embasado pela Epistemologia Conver-gente, sugere que

[...] a atividade operativa do psicopedagogo tem como finalidade o movimento interno do sujeito da aprendizagem em direção à aprendizagem. Para isto, o psicopedagogo deve estabe-lecer, na configuração da sua ECRO profissional, a capacidade de integrar a atitude operativa no seu modo de interagir com o mundo.

A sigla ECRO significa Esquema Conceitual Referencial Operativo, proposto pela Epistemologia Convergente como unidade operacional, que possibilita ao psicopedagogo construir seu fazer psicopedagógico a partir de um voltar-se para si mesmo. Ele deixa que a ação interventiva não seja assimilada somente cognitivamente, mas na interação mútua dos aspectos pessoais e profissionais, distanciando-se tecnicamente do fenômeno estudado.

Dissociar instrumentalmente sua ação interventiva faz do psicopedagogo um profissional, que na instituição educacional, seja capaz de compreender horizon-talmente o funcionamento de uma totalidade grupal, assim como verticalmente

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

o indivíduo que se encontre nela inserido, considerando tanto a dinamicidade das situações quanto os problemas de adaptação que dela decorrem. Da mesma forma que possibilita que o psicopedagogo vivencie profissionalmente seus vín-culos afetivos, isto é, o mantém distanciado da relação para que ele possa fazer uso de seus recursos intelectuais, suas emoções, suas percepções para melhor identificar possíveis envolvimentos que venham a atrapalhar sua intervenção (ANCONA-LOPEZ, 1995).

Barbosa (2000, p. 217) sugere que

[...] vivenciar a operatividade como aprendiz e também como possibilitador de aprendizagem deveria fazer parte da formação de todos aqueles que ocupam o lugar de educador, sejam eles professores, pedagogos, psicopedagogos ou quaisquer outros profissionais que possuam em sua ação com o objetivo de promover a realização e o aprender do outro.

Recursos psicopedagógicos para intervenção na instituição educacional

Toda atuação psicopedagógica requer um planejamento coadunado com o contexto institucional onde esse vai ser aplicado. Seja junto ao corpo docente, junto aos alunos bem como junto a equipe técnica ou comunidade, as ações seguem uma proposta que vá ao encontro das demandas investigadas em um momento de avaliação institucional. Propondo projetos, grupos operativos, pa-lestras, grupos de trabalhos, ou qualquer outra atividade, ela só configura-se como prática interventiva do psicopedagogo, se na sua ECRO algumas atitudes estiverem internalizadas ao ponto de favorecer o movimento de aprendizagem criando comportamentos de autonomia e autoria nos sujeitos envolvidos.

Os recursos psicopedagógicos propostos por Barbosa (2000, p. 218) reúnem tanto contribuições de Jorge Visca como da própria autora citada, e possibilitam a intervenção no processo de aprender obstaculizado, como também para situ-ações de ação psicopedagógica preventiva, na instituição escolar.

Esses recursos têm sua origem na Psicologia e Pedagogia, sendo que aque-les referidos na Pedagogia podem também auxiliar na relação professor-aluno. Barbosa (2000, p. 218), portanto, nos relata alguns destes recursos:

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A intervenção psicopedagógica na instituição educacional

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Mudança de situação � – aquilo que é sempre feito da mesma forma pode estar criando si-tuações conflituosas. Propor uma mudança é agir operativamente, é surpreender para in-terferir.

Informação � – para provocar um movimento em relação à determinada tarefa, fornecem-se informações que não são acabadas e prontas.

Acréscimo de modelo � – apresentar uma outra opção para que determinada atitude possa ser efetivada. Em vez de dizer “não é assim” se diz “esta é uma forma de pensar, porém vo-cês poderiam considerar mais este aspecto”.

Modelo de alternativa múltipla � – sem ofuscar o conhecimento do outro, oferece-se algumas alternativas que permitem a reflexão, a escolha, o teste e a conclusão.

Mostra � – recurso não verbal, que objetiva a revisão do movimento do sujeito ou do grupo, sem necessariamente corrigi-lo.

Vivência do conflito � – criar um grau de ansiedade e desequilíbrio necessário para que essa vivência possibilite uma tensão e motivação do estabelecimento de metas e condutas mo-dificadas.

Problematização � – criar situações-problema para que hipóteses sejam levantadas, testadas, confirmadas ou não, colocando certa ordem na confusão inicial.

Destaque do comportamento � – comportamentos adequados assumidos pelo sujeito ou pelo grupo devem ser destacados para mostrar que estes possuem condições de atingir uma meta.

Explicação intrapsíquica � – busca explicar ou descrever para o sujeito ou grupo, o mecanis-mo interno que está sendo utilizado naquele momento. Pode referir-se à cognição, aos aspectos afetivos que energizam a ação de aprender e realizar tarefas.

Assinalamento � – explicita um segmento da conduta, enfatizando a motivação, a meta, a conduta escolhida etc.

Interpretação � – explicita ou comunica a conduta como um todo, enfatizando a motivação, a meta, a conduta excelente etc.

Os recursos apresentados caracterizam-se como ferramentas de uso contí-nuo na prática do psicopedagogo na instituição educacional, configurando sua atitude operativa e delineando a construção do seu papel profissional. É impor-tante salientar que esses recursos não são de uso exclusivo da Psicopedagogia, educadores em todas as funções podem se valer desses recursos, facilitando o desenvolvimento da atitude operativa, fundamental para a intervenção na aprendizagem.

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Os diferentes enfoques do trabalho psicopedagógico

(MONEREO; SOLÉ, 2000, p. 14)

O interesse em delimitar as diferentes maneiras de abordar (ou enfrentar) o trabalho psicopedagógico tem gerado um grande número de propostas que originaram outras tantas categorizações, sejam enfoques consultivos, assistenciais, humanistas, clínicos, comunitários etc. Mais importante que tratar de acrescentar uma nova classificação ao já complexo panorama que a literatura oferece sobre o assunto, é tentar identificar quais são as dimensões que definem, justificam e legitimam o conjunto de práticas profissionais que podem agrupar-se sob a epígrafe do trabalho psicopedagógico. Cremos que existem, pelo menos, três dimensões que gozam de um certo consenso e que brevemente comentaremos.

A primeira dimensão refere-se à concepção epistemológica que subjaz a cada enfoque de intervenção. Considerar que a aprendizagem na escola ocorre devido a um ou outro mecanismo ou processo determina de forma decisiva a interpretação feita dos fenômenos educativos e, consequentemen-te, influi de maneira decisiva no tipo de ações, de recursos e de instrumentos de intervenção e avaliação que entrarão em jogo.

Mesmo que, geralmente, nos deparemos com posições matizadas sobre quais são esses dispositivos epistemológicos que podem explicar a mudan-ça conceitual, podemos identificar os limites do que seria um contínuo: em um extremo, considerar-se-ia que esses mecanismos têm, essencialmente, um caráter individual e sua relação com o ambiente é de natureza reativa em alguns casos, adaptativa, em outros. Por meio de uma estimulação apropria-da ou da resolução de conflitos em momentos adequados, o funcionamento desses mecanismos poderá ser corrigido para a obtenção de um desenvolvi-mento adequado do aluno.

Tal intervenção, para ser eficaz, deverá responder, na medida do possível, às características individuais de cada aluno, tenderá a ser intensiva quanto à

Texto complementar

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A intervenção psicopedagógica na instituição educacional

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concentração de meios sobre o mecanismo responsável e deverá evitar que o aluno entre novamente em contato com aquelas situações que possam favorecer atitudes de regressão até que possua recursos suficientes para enfrentá-las.

[...]

No entanto, essa forma de abordar a intervenção não está isenta de pro-blemas. Por um lado, as dificuldades que aparecem em contextos educati-vos têm uma origem complexa e multicausal: ao considerar-se isoladamen-te parte dos supostos fatores desencadeantes, especialmente aqueles que são mais diretamente observáveis e mais facilmente controláveis, corre-se o risco de simplificar a situação, atuando sobre aspectos parciais e superficiais, que dificilmente atingirão o problema em sua magnitude.

Por outro lado, o desejo diretivo e distanciado que, nesses casos, o psi-copedagogo costuma adotar junto ao fato frequente de agir diretamente sobre os alunos, aos quais sujeita com sua autoridade, contribui para eximir de responsabilidades e compromissos os professores e os pais, que costu-mam eximir-se do problema ao comprovar que agora o aluno é “problema do psicopedagogo”. Essa atribuição, além do mais, costuma vir acompanha-da de fortes expectativas de uma rápida e satisfatória situação, expectativas que quando produzem decepção geram atitudes de desconfiança e receio para com os psicopedagogos em geral.

[...]

A segunda dimensão que distingue alguns enfoques psicopedagógicos de outros faz alusão a áreas de intervenção que são atendidas prioritaria-mente no âmbito de cada enfoque.

Em geral, a atuação do assessor psicopedagógico, que caracterizamos an-teriormente como especialista resolutivo, costuma centralizar sua interven-ção em algum elemento específico do sistema escolar que foi considerado como problemático, preferentemente algum aluno, mas também pode tra-tar-se de um professor, de algum membro da equipe de direção ou de algum familiar. De qualquer modo, o âmbito de intervenção é particularizado e o problema isolado, como já explicamos, para seu eficaz tratamento.

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

No caso do psicopedagogo colaborativo, o âmbito de intervenção não é um elemento do sistema escolar, mas inclui, pelo menos, desde as inten-ções às relações entre os diferentes subsistemas que integram a escola: a equipe de direção, a equipe de professores – agrupados por etapas, séries e/ou departamentos –, os diferentes grupos-aula e as respectivas famílias. Lo-gicamente, nem toda intervenção deve envolver diretamente todos e cada um desses subsistemas, mas quando a questão tiver focalizado sobre um aluno problemático, sob esse enfoque serão analisadas as implicações e as consequências que as ações e as medidas que forem adotadas terão sobre os demais subsistemas.

A terceira e última dimensão considera o tipo de relação de trabalho e profissional que cada enfoque mantém com a instituição educacional à qual presta seus serviços. Mesmo quando essa relação profissional apresentar múltiplas modalidades, são dois os aspectos que contribuem sobremaneira para defini-la: a situação contratual do psicopedagogo e o grau de depen-dência com a instituição.

Quanto ao primeiro ponto, é preciso distinguir entre a situação de um psicopedagogo que age por conta própria, a do profissional contratado tem-porariamente por uma escola, ou a do assessor que conseguiu sua colocação mediante concurso e faz parte do quadro estável de funcionários de uma administração pública. Quanto ao segundo aspecto, podemos diferenciar a figura de um psicopedagogo externo, que intervém de fora para a escola, de um psicopedagogo que atende diretamente diversas escolas e também per-tence a uma equipe psicopedagógica, de uma terceira alternativa, a daquele que faz parte da equipe de professores da escola que atende. Obviamente, ambos os aspectos mantêm relações estreitas.

O trabalho psicopedagógico, por parte da iniciativa privada, costuma realizar-se fora do contexto escolar e em função de demandas específicas formuladas por possíveis clientes, quer se trate de instituições ou de pessoas físicas. Os prazos da intervenção e os resultados a serem obtidos costumam ser tratados a priori.

Embora o “livre exercício da profissão” pareça estar plenamente vincula-do a essa modalidade de intervenção, existem importantes restrições que necessitam ser avaliadas. Em primeiro lugar, a intervenção está subordinada

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A intervenção psicopedagógica na instituição educacional

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a um cliente que, como afirma o tópico, sempre tem razão e que pode tentar impor condições e critérios de trabalho que sejam contraditórios aos que o próprio psicopedagogo considera adequados para o correto exercício de sua tarefa. Em segundo lugar, a situação externa, a partir da qual se trabalha, reduz substancialmente a possibilidade de efetuar um trabalho contextuali-zado e colaborativo com a escola e, portanto, costuma-se agir segundo um enfoque mais individual, direto e terapêutico.

Em resumo, trata-se de uma modalidade de intervenção cuja atuação institucional está subordinada a casuísticas muito definidas; por exemplo, quando uma escola necessita de um ponto de vista externo, seja para intro-duzir algum projeto de inovação, seja para mediar em situações de confron-tação que requerem a presença de um árbitro que possa opinar sobre o con-flito existente, com maiores garantias de objetividade e de independência.

A situação muda radicalmente quando o psicopedagogo é parte inte-grante da equipe de profissionais da escola em que trabalha, como um de seus membros, mas com funções e atribuições particulares. As vantagens parecem evidentes: para o conhecimento em primeira mão da realidade e dos meandros da instituição, cabe acrescentar a possibilidade de influir de forma permanente em seu desenvolvimento. No entanto, não é opção isenta de dificuldades, algumas das quais derivadas da necessidade de definir-se e manter-se como psicopedagogo, evitando a confusão de funções e de atri-buições. Com isso, deve ser acrescentada a dificuldade de manter a suficiente independência e distanciamento profissionais para detectar necessidades e propor mudanças que, mesmo sendo consideradas onerosas, trariam bene-fícios em relação à qualidade do serviço educativo oferecido. Essa circunstân-cia é agravada quando o contrato de trabalho é temporário e precário e sua renovação depende da satisfação dos responsáveis pela escola, que podem não ver com bons olhos as iniciativas renovadoras que o psicopedagogo defende.

Uma última modalidade de relação de trabalho e profissional é a prota-gonizada pelas equipes psicopedagógicas de um setor educacional, depen-dentes de uma administração pública. Nesse caso, o assessoramento adota uma perspectiva combinada, dentro e fora da escola: dentro, porque o psi-copedagogo efetua uma intervenção regular e contínua em cada escola que

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

atende, geralmente um dia fixo da semana. Fora, porque participa de uma equipe mais ampla, que possui uma dinâmica própria e age com certa auto-nomia de critérios e sua presença na escola não é constante.

É difícil realizar uma avaliação genérica desta modalidade de intervenção considerando-se a grande gama de variáveis que intervêm em sua definição: concepções epistemológicas e formação de seus membros, número de es-colas assessoradas, localização urbana ou rural dessas escolas, existência de outros serviços de assessoramento na própria escola ou no setor atendido etc. De qualquer forma, na melhor das hipóteses, trata-se de uma opção que permitiria manter um ótimo equilíbrio entre a proximidade das escolas, suas peculiaridades e seus problemas específicos, e o necessário distanciamen-to que frequentemente se requer para efetuar diagnósticos, informações, opiniões, orientações e propostas de inovação ou de intervenção que nem sempre são igualmente valorizadas por todos os grupos.

Como se pode deduzir do exposto, os organizadores deste livro inclinam- -se a defender um enfoque – ou se preferirem, uma observação dos processos educativos a partir do trabalho psicopedagógico – que se aproxime do perfil mais contextual preventivo e colaborativo, que constitui o que se costuma chamar de enfoque “educacional”, em contraposição a modelos ou enfoques clínicos e assistenciais. Esse enfoque educacional-construtivo do trabalho psi-copedagógico (COLL, 1989a, 1989b) constitui a “visão” que articula e fornece um ponto de convergência aos diferentes capítulos deste livro.

Dica de estudoAcesse: <http://recantodasletras.uol.com.br/artigos/795611>.

Esse site é sempre alimentado com textos atuais sobre Psicopedagogia, aprendizagem e educação em geral. O texto “Intervenção psicopedagógica: como e o que planejar” faz uma reflexão acerca do papel de mediação do profis-sional psicopedagogo no momento da intervenção, bem como propõe rever as condições de tratamento que se dá para a compreensão do sujeito em processo de aprendizagem.

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Atividades1. A partir dos três casos descritos a seguir (BARBOSA, 2000), elabore um co-

mentário, no qual seja explicitado o que seria ter uma atitude operativa, em cada um dos casos.

a) Caso 1

Um menino de 13 anos não consegue concentrar-se na aula. Está sempre brincando, chamando os colegas e andando pela sala. Os colegas riem e desconcentram-se. A professora chama a atenção dele a todo o momen-to, até que acaba por mandá-lo para fora da sala: “– Seus colegas desejam assistir à aula e você está atrapalhando, como sempre. Diante disso, por favor, retire-se.”

b) Caso 2

Uma aluna, ao fazer uma pesquisa, pergunta à professora: “– Qual dos dois livros a senhora acha melhor? Como é para colocar o tema na folha? O nome do autor é para ser destacado? Professora, você vai tirar nota se o trabalho for curto? Quantas páginas ele deve ter? Professora, você pode dar uma olhada?” Como a professora poderia responder a essas questões para que a aluna fosse a real autora desta pesquisa e, com isso, pudesse aprender?

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

c) Caso 3

Um menino de 11 anos que precisa ser sempre lembrado por sua mãe de suas obrigações. “– Como posso deixá-lo sair sem escovar os den-tes? Eu preciso lembrá-lo. Sempre pergunto se escovou os dentes para sair. Isso quando já estamos no elevador. E todas as vezes, sem exce-ção, ele volta correndo para escovar os dentes. Se eu não falar ele não vai lembrar.”

2. Assinale a alternativa que indica qual o melhor significado para a expressão intervenção psicopedagógica.

a) Intervir é fornecer um modelo a ser seguido para o aprendiz.

b) O ato de intervir é uma ação que pré determina um movimento na apren-dizagem.

c) A intervenção não prevê uma transformação no sujeito da aprendiza-gem.

d) A ação interventiva é passível de acontecer sem o estabelecimento de vínculos.

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A intervenção psicopedagógica na instituição educacional

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3. Assinale a alternativa que contempla os recursos que são considerados para uma intervenção psicopedagógica.

a) EOCA e EOCMEA.

b) Informe psicopedagógico.

c) Mostra, informação e alternativas múltiplas.

d) Pesquisa documental.

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Na ação psicopedagógica é de fundamental importância o desenvolvi-mento de um diagnóstico para que a configuração da prática interventiva possa ser delineada. Independente das diversas técnicas de intervenção disponíveis para o trabalho do psicopedagogo, é no diagnóstico que se identificam as singularidades do processo de aprendizagem e é a partir dele que potencialidades e competências bem como obstáculos sãs des-critos para posterior planejamento e ação psicopedagógica.

Portanto, quando nos referimos ao diagnóstico psicopedagógico no âmbito da instituição, nos referimos a um instrumento conceitual capaz de levar o psicopedagogo “a construir um olhar e uma escuta diferencia-da, voltada para o ensinar/aprender, que possibilite o conhecimento de sintomas, a análise dos mesmos e a busca de solução para os problemas estudados” (BARBOSA, 2001, p. 135).

A palavra diagnóstico origina-se do grego diagncôtikós e significa “discernimento, faculdade de conhecer, de ver através de” (LOPES apud TRINCA, 1984, p. 1). De modo geral, as pessoas possuem uma capacidade de diagnosticar um fenômeno, por observação e experiências próprias, usando o que se pode chamar de senso comum.

A proposta do diagnóstico psicopedagógico baseia-se em pressupos-tos científicos que caracterizam a compreensão de um fenômeno, em que a realidade é significada a partir do uso de conceitos, noções e teorias científicas.

Identificar o sintoma, conhecer o contexto, referenciar uma construção histórica e discernir aspectos, características e relação que compõe o todo, configura-se no que chamamos de processo. Processo diferencia-se de uma ação pontual, pois trata-se de uma sequência de atuação, que tende à transformação de uma situação inicial.

Portanto, o diagnóstico vai além de uma coleta de dados, sobre a qual organiza-se um raciocínio. Ele é um momento de transição, como um pas-saporte para a intervenção posterior, pois usa de aproximação sucessiva para entrar em contato com seu objeto de estudo.

O diagnóstico psicopedagógico: matriz diagnóstica

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Pode-se considerar nesse aspecto que o diagnóstico como tal se caracteriza por ser um processo contínuo, sistemático, organizado e planejado, que busca o conhecimento da realidade do fenômeno aprendizagem, usando conceitos e noção psicopedagógicas embasados por teorias científicas. “Quando procura-mos ler determinado fato a partir de conhecimentos específicos, estamos rea-lizando um diagnóstico no campo da ciência ao quais esses conhecimentos se referem” (TRINCA, 1984, p. 54).

Alguns estudiosos da Psicopedagogia, também contribuem com definições e conceitos significativos, como vemos a seguir:

Alicia Fernández (1990) afirma que o diagnóstico, para o psicopedagogo, �deve ter a mesma função que a rede para um equilibrista. É ele, portanto, a base que dará suporte para que este faça o encaminhamento necessário.

Segundo Bossa (2007, p. 24), é um processo que permite ao profissional �investigar, levantar hipóteses provisórias que serão ou não confirmadas ao longo do processo recorrendo, para isso, a conhecimentos práticos e teóricos. Esta investigação permanece durante todo o trabalho diagnós-tico através de intervenções e da “escuta psicopedagógica”, para que “[...] se possa decifrar os processos que dão sentido ao observado e norteiam a intervenção”.

Conforme Weiss (2003, p. 32), o objetivo básico do diagnóstico psicope- �dagógico é identificar os desvios e os obstáculos básicos no Modelo de Aprendizagem do sujeito que o impedem de crescer na aprendizagem dentro do esperado pelo meio social.

Essas reflexões sobre o diagnóstico psicopedagógico nos reportam à neces-sidade de identificarmos quais então seriam os aspectos fundamentais a serem identificados nesse processo de maneira que facilitassem a intervenção psicope-dagógica na instituição educacional?

Sendo nossa área de estudo a Psicopedagogia, estamos sempre nos repor-tando ao fenômeno aprendizagem. É importante que o psicopedagogo tenha clara as diferentes dimensões desse fenômeno, para que processe sua leitura de forma que identifique as diferentes configurações que ela assume na instituição educacional. O psicopedagogo deve priorizar aspectos que identifiquem as di-mensões de conhecimento, a dimensão relacional, a dimensão funcional e a di-mensão estrutural (BARBOSA, 2001). Vale lembrar, que essas dimensões devem ser consideradas sob a ótica da interatividade, configurando assim um perfil de funcionalidade.

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O diagnóstico psicopedagógico: matriz diagnóstica

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A partir desse mapeamento das diferenças funcionais que caracterizam o processo de aprendizagem na instituição educacional, a intervenção psicope-dagógica tende a assumir uma linha de ação destinada a mobilizar aspectos que venham ao encontro das necessidades identificadas. São priorizados dessa forma aspectos relevantes e críticos que guiam as mudanças necessárias a serem alcançadas com a intervenção.

Localizar essa importância no diagnóstico psicopedagógico é pensar a inter-venção como um processo que não assume uma forma pontual, mas sim se ca-racteriza como um processo muito particular que tende a caminhar a partir da significação que as técnicas e procedimentos utilizados sejam internalizados e ativem a potencialização de competências e habilidades, para a superação dos obstáculos que vinham impedindo a realização do processo de aprendizagem como um todo.

Vamos nos reportar à Epistemologia Convergente, pois, segundo Visca (1991, p. 32), é necessário a existência de um instrumento conceitual “capaz de represen-tar os distintos estados do objeto sem que o mesmo perca sua unicidade”. Esse instrumento diz respeito à Matriz de Pensamento Diagnóstico, sendo que sua prática é orientada por princípios que estabelecem a realização do diagnóstico.

Veremos, inicialmente, o conceito de Matriz do Pensamento Diagnóstico e, em seguida, os instrumentos que o psicopedagogo utiliza para sua prática do diagnóstico psicopedagógico no âmbito da instituição.

Matriz do Pensamento DiagnósticoEla está organizada como a maioria dos esquemas diagnósticos: o diagnóstico

propriamente dito, o prognóstico e as indicações. Apoia-se em princípios interacio-nis tas, construtivistas e estruturalistas e prevê, segundo Barbosa (2001, p. 135):

análise do contexto e leitura do sintoma; �

explicação das causas que coexistem temporalmente com o sintoma; �

explicação da origem do sintoma e das causas “a-históricas”; �

análise do distanciamento do fenômeno em relação aos parâmetros con- �siderados aceitáveis;

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

levantamento de hipóteses sobre a configuração futura do fenômeno atual; �

indicações e encaminhamentos. �

Análise do contexto e leitura do sintomaParte-se da observação da realidade, levando-se em consideração o contexto

em que o mesmo está inserido. Observar o sintoma requer, desta forma, o pensamento sistêmico, para que os ideais e princípios não se cristalizem e a visão não seja unidirecional. Na instituição escolar, o sintoma é visto como emer-gente do funciona mento da instituição como um todo e da sua relação com o universo educacional.

Explicações das causas que coexistem temporalmente com o sintoma

Sem negar uma historicidade, existem as partes que temporalmente estão presen tes junto ao sintoma, caracterizando-se como causas atuais, que devem ser considera das numa explicação causal. Visca (1991, p. 33) parece esclarecer que a explicação do presente não pode ser reduzida a causas passadas – são as causas “a-históricas”.

Barbosa (2001, p. 135), fazendo uma releitura dessas causas “a-históricas”– que Visca também conceituou como obstáculos, a partir de sua prática nas insti-tuições educacionais – propõe obstáculos de diferentes ordens.

Obstáculo de ordem do conhecimento � : falta de aprofundamento ou desconhecimento de determinado tema, grau de coerência entre o discurso da proposta política pedagógica da mesma e sua interpretação, revelada pela prática do cotidiano.

Obstáculo de ordem da interação � : vinculação objetiva que se estabelece com as situações de aprendizagem dentro da instituição e a comunicação que se instala entre o protagonista do processo ensinar-aprender. Numa instituição, as relações que se estabelecem entre as pessoas, e entre elas e as situações de aprendizagem, podem gerar conflitos combinados, com maior dificuldade na busca da resolução.

Obstáculo da ordem do funcionamento � : obstáculos relacionados ao funcionamento da instituição como um todo podem estar relacionados

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O diagnóstico psicopedagógico: matriz diagnóstica

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à administração, à metodologia educacional vigente, ao grau de filiação de seus elementos, à distribuição de funções, aos espaços físicos, e a tudo que se encontra relacionado ao aprender e ensinar.

Obstáculos de ordem estrutural � : como a instituição está organizada, níveis de hierarquia e relação prevista, os subsistemas e suas relações e o quanto auxiliam ou dificultam o processo de ensinar-aprender.

A análise desses obstáculos é feita a partir de alguns instrumentais que caracterizam tecnicamente o diagnóstico institucional. Porém, se o objetivo é compreender a totalidade do fenômeno que foi considerado como sintoma, é ne-cessário pesquisar a dimensão histórica, tanto dos obstáculos como do sintoma.

Explicação da origem do sintoma e das causas “a-históricas”

É o estudo da origem e da evolução do contexto, do qual emergem os sintomas. Para Visca (apud BARBOSA, 2001, p.142), essa explicação consiste no estabelecimento de relações causais, anexos entre pré-condições, circunstâncias e/ou acontecimentos que possam apontar para a intervenção na realidade atual.

Análise do distanciamento do fenômeno em relação aos parâmetros considerados aceitáveis

Este aspecto da Matriz do Pensamento Diagnóstico está relacionado ao que Pichon-Rivière (1988, p. 122) chamou de ECRO (Esquema Conceitual Referencial Operativo), podendo ser relacionado com a Psicopedagogia Institucional, pen-sando que a instituição tem parâmetros de normalidade vinculados aos valores, normas, usos e costumes que permanecem no tempo, os quais, caracterizam a relação do mesmo com seus professores, alunos, comunidade e sociedade que está inserido.

Um fenômeno considerado sintoma em uma instituição, não pode necessaria-mente ser considerado sintoma em outra instituição.

Segundo Barbosa (2001, p.143), “os parâmetros a serem considerados, num diagnóstico psicopedagógico institucional, devem estar relacionados à propos-ta político-pedagógica da instituição e à sua consequente fundamentação teó-rica e filosófica”.

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Levantamento de hipóteses sobre a configuração futura do fenômeno atual

Para Barbosa (2001, p. 144), todo diagnóstico supõe um prognóstico, que trata de ser uma previsão do estado futuro da situação descrita no diagnóstico. O prognóstico tem função de mostrar a intervenção futura e, por isso, deve expres-sar uma previsão baseada em fundamentos teóricos-sólidos, pois, do contrário, transforma-se em uma profecia popular, fundada apenas no senso comum ou no bom senso.

Indicações e encaminhamentosUm dos componentes da Matriz do Pensamento Diagnóstico é a possibilidade

de serem realizadas indicações referentes ao sintoma analisado e seu contexto. Essas indi cações podem ser gerais, quando se referem a outras áreas que não à Psico pedagogia, e específicas, quando se voltam para a intervenção psicope da-gógica propriamente dita.

A Matriz do Pensamento Diagnóstico, na ação Psicopedagógica, está sempre vol-tada para o ensinar-aprender que se desenvolve na instituição. É importante, então, que tenhamos uma gama de instrumentos específicos para que um bom diagnós-tico seja realizado e, assim, termos uma intervenção com resultados eficazes.

Texto complementar

Análise dos resultados(BARBOSA, 2001, p. 162)

Para analisar os resultados, temos nos utilizado do “cone invertido”, um instrumento idealizado por Enrique Pichon-Rivière, utilizado por Visca (1987), para medir a mudança em termos dinâmicos e para avaliar grupos durante a realização de uma tarefa.

O “cone invertido” é um instrumento composto de seis vetores de análise, representado a seguir, que permitem a observação da operação interior de um grupo.

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ComunicaçãoPresença

Cooperação

Pertinência

Aprendizagem

Tele

Mudança

O a

utor

.

O nome “cone invertido” deriva de sua representação gráfica, segundo Saidon apud Baremblitt (1986), na sua parte superior, os elementos manifes-tos pelo grupo, e em sua parte inferior, as fantasias latentes do grupo.

A interpretação desses elementos, tornando explícito o que se encontra implícito no movimento interno do grupo, leva o grupo a enfrentar o temor à mudança.

A filiação consiste em ser uma aproximação da tarefa, como um torcedor e não como um participante do jogo grupal; a pertença seria o sentimento de pertencer à dinâmica grupal, sentir-se parte, comportar-se como elemen-to importante no grupo, cuja ausência fará falta para a execução da tarefa. A presença é medida a partir da presença no grupo, da pontualidade, das intervenções realizadas por seus elementos.

A cooperação percebe-se a partir do agir com o outro, pela capacidade de se colocar no lugar do outro, de realizar a tarefa de forma consciente, de ofe-recer ao outro os elementos de que precisa para contribuir com a realização da tarefa.

A pertinência ou eficácia está ligada à realização da tarefa. Mede-se pela quantidade de energia que se despendeu durante a realização da mesma e pela adequação do resultado aos objetivos pretendidos. Não se consegue a pertinência simplesmente pela vontade dos elementos do grupo, mas sim pelo desejo grupal que trabalha os medos básicos (tarefa subjetiva), junta-mente com os aspectos objetivos da tarefa assumida pelo grupo.

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

A comunicação, como mais um vetor de análise grupal, foi caracterizada como o intercâmbio de informações e sentimentos que são vinculados no interior do grupo. Visca (1987) diz que esse vetor pode ser entendido tanto do ponto de vista da teoria da comunicação, como também a partir da teoria psicanalítica. Segundo Saidon apud Baremblitt (1986), Enrique Pichon-Rivière via a comunicação como o meio privilegiado, através do qual, expressam-se os transtornos e as dificuldades do grupo em enfrentar a tarefa. No que se refere à teoria da comunicação, este vetor é visto como contendo um trans-missor, um receptor, um código e um canal, pelos quais a comunicação dá-se através da decodificação de quem recebe a mensagem, utilizando o código comum e recodificando-o a partir de suas vivências pessoais.

A existência de ruído na comunicação vai obrigando emissor e receptor a modificarem seu código, fato que pode levar à formação de subgrupos no in-terior de um mesmo grupo. A forma como a mensagem é expressa pode levar à identificação de obstáculos ao aprender do grupo. Uma comunicação oral, identificada por Enrique Pichon-Rivière com a fase oral estudada por Sigmund Freud, pode levar o grupo a uma relação de dependência, através da qual fica clara a comunicação de um que sabe para outros que não sabem e usufruem deste saber. Por exemplo, os alunos que pedem ao professor: “Por favor, repita isto que disse, bem lentamente, para que possamos copiar”. A comunicação anal seria aquela que denigre o outro, que humilha e desqualifica. Por exem-plo, o professor que chama a atenção: “Mais uma vez, o senhor espalhando sua alegria no momento inadequado, atrapalhando seus colegas.” A comunicação fálica foi vista como aquela que impõe o ponto de vista, em que não cabem dis-cussões. Por exemplo, o professor que repete: “Eu já disse que é assim e ponto final. Será possível que preciso explicar mais?”. Por fim, a comunicação genital, considerada como aquela que possibilita troca de opiniões e modificação do estado inicial do que foi comunicado. Por exemplo, o professor que comenta: “Esta é a minha crença; no entanto, gostaria de conhecer a de vocês.”

Outro vetor do cone invertido a ser considerado é a aprendizagem, que está estreitamente ligado ao da comunicação e caracteriza-se por ser a apre-ensão instrumental da realidade. Toda alteração da comunicação em grupo deve-se a uma dificuldade de aprendizagem e vice-versa. A aprendizagem pode ser avaliada a partir da pré-tarefa grupal, que é a resistência demons-trada pelo grupo para entrar na tarefa, e a partir da realização da própria tarefa, que inclui os conceitos de tática (possibilidade de colocar em prática as estratégias construídas para executar a tarefa), de técnica (arte de levar a tarefa adiante) e de logística (possibilidade de avaliar as estratégias dos ele-

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mentos que opõem-se à realização da tarefa, para permitir sua realização). A aprendizagem pode ser recebida, ainda, através do projeto, que é o sinal que o grupo dá para mostrar que existe um caminho para continuar, aperfeiçoar uma tarefa já existente ou iniciar uma nova tarefa.

A tele (aproximação), conceito tomado da Sociometria de Moreno, signifi-ca a distância afetiva que o grupo toma da tarefa, do coordenador e de seus companheiros. Segundo Saidon, apud Baremblitt (1986, p. 198), a observa-ção da tele permite perceber o grau de empatia positiva ou negativa que se estabelece nas relações grupais.

A fundamentação deste conceito parte da base de que todo encontro é, na realidade, um reencontro, ou como gostava de dizer o próprio Pichon-Rivière: “Todo amor é um amor à primeira vista”. Isto quer dizer que o afastamen-to e a aproximação entre as pessoas de um grupo não têm a ver com essa pessoa real presente, mas com a recordação de outras pessoas e outras situ-ações que ela evoca. [...] A interpretação da tele tende ao reconhecimento do outro como diferenciado, e não como uma simples projeção fantasmática do grupo interno prévio.

O vínculo que o grupo estabelece com a aprendizagem tem relação com este amor, que Pichon-Rivière (1988b) aponta como um meio de afastar ou aproximar o sujeito do aprender. O vínculo apoiado numa “ansiedade confu-sional” resulta em condutas de dependência para amenizar o medo à confu-são que o mesmo provoca. Alguém que está indiscriminado, que não perce-be os limites entre si e o outro, precisa de ajuda para resolver seus problemas. O vínculo dissociado, que se apoia na ansiedade “esquizo-paranoide”, resulta em condutas defensivas que protegem o sujeito do medo ao ataque. Um vínculo integrado com as situações de aprendizagem resulta em conduta depressiva diante do medo à perda que provoca, pois sempre que integra-mos um novo conhecimento ao anterior, perdemos a referência do conheci-mento do jeito que ele existia em nós.

A análise do material diagnóstico psicopedagógico institucional, que se uti-liza no cone invertido como instrumento de avaliação grupal, necessita de um exercício constante de estabelecer relações entre os vetores apresentados. Os vetores da esquerda apresentam uma característica cumulativa, o que indica que não é possível para um grupo ser eficaz na realização de uma tarefa se não tiver adquirido a possibilidade de cooperar e de pertencer ao grupo. Os veto-res da direita são indicadores do grau de pertença, de cooperação e de eficá-

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

cia. Para Visca (1987), o grau de pertença, por exemplo, pode ser estimado em função da comunicação, da aprendizagem ou da tele observada no grupo.

O cone invertido, embora seja um instrumento de avaliação grupal, pode ser utilizado, com o mesmo fim, para analisar os elementos do grupo, da equipe de coordenação e os resultados obtidos através dos instrumentos diagnós-ticos. É possível analisar uma entrevista, por exemplo, através dos vetores já apresentados, e perceber pelo tipo de comunicação de uma pessoa, o grau de pertença que possui em relação à instituição em que trabalha, à sua capacida-de de se colocar no lugar do outro e à eficácia de sua ação nesta instituição.

Após a análise do material e do levantamento de dados, a equipe diag-nóstica faz as relações necessárias entre os resultados e as hipóteses iniciais, destacando as hipósteses que foram confirmadas, identificando as novas hi-póteses que surgem e eliminando as hipóteses não confirmadas, proceden-do, desta forma à organização do segundo sistema de hipóteses.

Dica de estudoPsicopedagogia Institucional: teoria, prática e assessoramento psicopedagógico, de Olivia Porto, Editora Wak.

Essa obra enfoca a necessidade da Psicopedagogia se preocupar com a insti-tuição educacional de forma que sua atuação interventiva esteja voltada para a prevenção. Apresenta, também, alguns instrumentos necessários para a prática do diagnóstico institucional que parecem ser muitos úteis para quem está ini-ciando nessa área de atuação.

Atividades1. Na matriz do pensamento diagnóstico, Jorge Visca (1991) considera a impor-

tância de se investigar as causas “a-históricas” de um sintoma, que Barbosa (2001) sistematiza a partir de diferentes dimensões que se relacionam com a totalidade da instituição. Cite essas dimensões e comente sobre elas se referindo à importância no diagnóstico institucional.

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O diagnóstico psicopedagógico: matriz diagnóstica

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2. Assinale a alternativa que descreve a importância do diagnóstico psicopeda-gógico na instituição educacional.

a) O psicopedagogo precisa esclarecer para a instituição sobre a importân-cia de seu trabalho.

b) O diagnóstico psicopedagógico auxilia o psicopedagogo a construir uma prática diferenciada, a partir do conhecimento mais profundo que ele tem do sintoma.

c) O psicopedagogo vai dirigir sua ação interventiva somente no sintoma.

d) O psicopedagogo apenas coleta dados necessários para o registro do diagnóstico psicopedagógico.

3. Relacione a coluna da direita com a da esquerda, de maneira que os concei-tos sobre os vetores do cone invertido se complementem.

( 1 ) Tele ( ) Contribuição mútua.

( 2 ) Aprendizagem ( ) Distância afetiva.

( 3 ) Cooperação ( ) Apreensão instrumental da realidade.

( 4 ) Pertença ( ) Sentir-se parte.

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O diagnóstico psicopedagógico é um processo que deve ser entendido a partir de uma visão de rede. A dinâmica das relações que se estabelecem em torno do foco do diagnóstico deve ser entendida sistemicamente. O sintoma, que orienta o início da ação diagnóstica, surge como um sinali-zador dessa dinâmica, comunicando a configuração que essa rede de re-lações está assumindo naquele momento.

Portanto, entender o fenômeno psicopedagógico que está envolvido no processo de ensinar-aprender requer uma compreensão de causas que coexistem com o sintoma. Todo esse processo de diagnóstico objetiva es-sencialmente a orientação para um processo interventivo significativo para o sujeito ou instituição em questão, no sentido de potencialização da aprendizagem.

Laura Monte Serrat Barbosa (2001, p.147) propõe uma sequência de passos que foram por ela elaborados, a partir de experiências e estudos sobre a Psicopedagogia Institucional, que nos parece ser um bom referen-cial para o processamento do diagnóstico psicopedagógico na instituição educacional, a partir da matriz diagnóstica.

Entrevista para exposição de motivosA existência de uma demanda para a realização de um diagnóstico tem

importância significativa para a construção da queixa, que se caracteriza como o motivo do diagnóstico.

O psicopedagogo deve, nesse momento, aguçar sua capacidade de observação pelo olhar e pela escuta, pois esse contato já é o início do diagnóstico.

Essa entrevista deve ser realizada com a equipe responsável pela ins-tituição, pois a queixa trazida está relacionada ao desenvolvimento do ensinar-aprender no interior desta.

Diagnóstico psicopedagógico: instrumentos e técnicas

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Caracteriza-se como uma entrevista aberta, em que observa-se a temática e a dinâmica dos participantes envolvidos e o resultado obtido neste momento.

A observação temática tem ligação com tudo que é falado durante a entrevis-ta, a comunicação manifesta e a comunicação latente. Segundo Alicia Fernández (1994, s.p.), a queixa ocupa lugar do pensamento, e aquele que se queixa pensa que está pensando e, muitas vezes, não deixa espaço para buscar a solução.

A observação da dinâmica diz respeito aos movimentos que acontecem durante a entrevista e que, nesse caso, podem servir de referência para que se possa clarear a queixa (BARBOSA, 2001, p. 149). Esse movimento pode ser de ordem física, afetiva, cognitiva. O importante é identificá-lo, relacionar com a temática e pensar na proposta de diagnóstico a partir desse resultado.

Enquadramento do processo diagnósticoO enquadramento é a possibilidade que o profissional de Psicopedagogia

tem de tornar constantes as diversas variáveis que podem ocorrer durante o processo. Ele se concretiza pela elaboração de um contrato por escrito, a critério do profissional.

Segundo Visca apud Barbosa (2001, p. 150), é um marco para se conhecer a realidade, é importante isolar a realidade do contexto e integrá-la ao mesmo.

No enquadramento deve estar incluída a justificativa e o objetivo do diagnós-tico, bem como o tempo a ser utilizado, o espaço, o material, os honorários pre-vistos e a entrega de um planejamento após um primeiro sistema de hipóteses.

O enquadramento não significa uma ação estática, em que tudo deve fun-cionar pré-fixadamente. Os aspectos que foram contratados inicialmente objeti-vam a melhor observação do movimento de aprender no interior da instituição. Segundo Barbosa (2001, p. 151), “as referências têm função de eliminar o cami-nho, e não de submeter os elementos a uma rigidez desnecessária”.

É importante que, desde o início do diagnóstico, o psicopedagogo mantenha um distanciamento instrumentalizado do fenômeno que está sendo investiga-do, com o objetivo de observar o movimento da instituição sem se misturar com o mesmo.

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Diagnóstico psicopedagógico: instrumentos e técnicas

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O distanciamento instrumentalizado significa um envolvimento do psicope-dagogo na situação, porém uma parte dele deve estar distanciada para poder referenciar a confusão de papéis e permitir que as relações que se estabelecem durante o diagnóstico sejam utilizadas como ferramentas de trabalho desse profissional.

Observação e análise do sintomaO sintoma, segundo a Teoria Geral dos Sistemas, deve ser percebido como

uma comunicação de que algo não está funcionando adequadamente em um determinado sistema, no nosso caso, a instituição educacional. Normalmente, o sintoma, ou a queixa trazida, configura-se pela descrição da dificuldade de aprendizagem de um indivíduo, ou um grupo deles. O “porta-voz” da instituição é nossa primeira referência a ser investigada.

Segundo Calberg (2000, p. 16), iniciar investigando o sintoma é uma forma de iniciar o processo diagnóstico pela aproximação sucessiva do objeto de estudos de maneira menos contaminada.

Essa mesma autora organizou um instrumento, para essa observação, que denominou EOCMEA (Entrevista Operativa Centrada na Modalidade de Ensino Aprendizagem).

Esse instrumento foi referenciado no modelo de Diagnóstico Psicopedagógi-co Clínico proposto por Jorge Visca, que nos fala da EOCA (Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem).

Ela prevê uma aproximação ao objeto de estudo de maneira a perceber o que o grupo sabe e, não simplesmente o que o grupo não sabe. Este saber é relativo à operatividade em um grupo. Objetiva, portanto, pesquisar a dinâmica (o que o corpo fala), a temática (o que é verbalizado) e o produto. (CALBERG, 2000, p. 17)

A EOCMEA deve ser aplicada no grupo identificado pelo psicopedagogo, a partir do momento que ele escuta a queixa trazida pela instituição. Quando o grupo passa a ser identificado, a organização da tarefa a ser proposta deve estar relacionada a melhor maneira de se observar o sintoma. Portanto, é um dos passos importantes no diagnóstico, pois a partir dela será levantada hipóteses e instrumentos para analisá-la.

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Organização do primeiro sistema de hipóteses

Segundo a matriz diagnóstica, devemos analisar as causas que coexistem temporalmente com os sintomas. Para isso, a partir da EOCMEA, levantaremos o primeiro sistema de hipóteses, com o objetivo de traçarmos um plano de traba-lho, que verificará a veracidade das hipóteses, ou rejeição das mesmas.

Essas hipóteses podem estar relacionadas com questões interacionistas e culturais, podem dizer respeito aos vínculos afetivos, podem estar vinculadas ao funcionamento e forma de comunicação, com a capacidade da instituição em atender seus objetivos etc.; podemos usar obstáculos descritos na matriz diag-nóstica (interação, conhecimento, funcionamento e estrutura) para o levanta-mento das referidas hipóteses.

Com o primeiro sistema de hipóteses, teremos uma referência para a utili-zação dos demais instrumentos que verificarão a confirmação ou negação das mesmas.

Escolha de instrumentos de investigaçãoOs instrumentos que são utilizados no diagnóstico vão ser estabelecidos a

partir do primeiro sistema de hipóteses, portanto, não há nada preestabelecido para esta fase. Segundo Visca apud Barbosa (2001, p. 158), não propõe uma bate-ria fixa, pois, assim, exige do investigador uma atitude de constante reflexão na procura do instrumento e da ação mais eficaz para cada caso.

Os instrumentos que normalmente são utilizados podem ser: entrevistas, observações, técnicas projetivas psicopedagógicas, levantamento estatístico, dinâmica de grupo, análise de material escolar etc. O importante é pensarmos em instrumentos que nos possibilitem uma visão ampliada da instituição e não o enfoque reducionista no indivíduo. Portanto, às vezes, os instrumentos utiliza-dos na clínica psicopedagógica não são viáveis para a instituição.

Esses instrumentos, na sua maioria, não são específicos da Psicopedagogia, porém a leitura deles caracterizará o fazer psicopedagógico.

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Diagnóstico psicopedagógico: instrumentos e técnicas

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Levantamento do segundo sistema de hipóteses

A decantação do primeiro sistema de hipóteses resultará em um segundo sistema de hipótese, isto é, as hipóteses confirmadas são repetidas, as refutadas são retiradas e as novas hipóteses surgidas com a aplicação do instrumento são adicionadas.

Ele é organizado nos mesmos moldes do anterior, usando as referências dos obstáculos, permitindo, assim, irmos nos aproximando gradualmente da reali-dade, conhecendo-a em suas especificidades e objetivando as possibilidades de intervenção futura.

Pesquisa da históriaMesmo já tendo obtido muitas informações sobre a configuração da insti-

tuição a partir do sintoma, ainda nos resta a pesquisa histórica, que segundo Barbosa (2001, p. 168),

[...] não se resume ao conhecimento da história da instituição, de forma geral, e sim preocupa-se em centrar seu levantamento no conhecimento da história da problemática, objeto de queixa que originou o diagnóstico e no conhecimento histórico dos fatores causais que foram base das hipóteses anteriormente.

Deve ser realizada junto aos responsáveis pela escola, por meio de entrevis-ta, questionário ou mesmo em documentos da escola, que esta permitir serem manipulados.

Terceiro sistema de hipótesesMais uma decantação das hipóteses anteriores, agora já com um objetivo

final de ajustar a hipótese diagnóstica, para posterior devolutiva. Essa devolu-tiva será feita a partir da descrição dos obstáculos de ordem de conhecimento, interação, funcionamento e estrutural, de maneira que classifiquem as causas, “a-histórias” e históricas, em relação ao sintoma investigado.

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Devolutiva e o informe diagnósticoA hipótese diagnóstica deve ser levada para a instituição em forma de infor-

mativo; escrita, seguindo uma linguagem adequada e especificando os perfis institucionais, no que se refere ao sintoma investigado.

A devolutiva é um momento de extrema importância no diagnóstico, pois não se concretiza apenas pela entrega de um documento escrito, mas, principal-mente, pela devolutiva verbal. Ela deve ter um caráter interventivo, na medida em que a instituição reflete e internaliza as indicações fornecidas pelo informe. As indicações preveem um prognóstico a partir de sua efetivação e da sua não efetivação.

O diferencial conceitual que nos proporciona o fechamento da matriz diag-nóstica possibilita a construção de uma prática psicopedagógica interventiva. É com as informações obtidas a partir do diagnóstico que o psicopedagogo vai elaborar um plano de trabalho interventivo.

A implementação da Matriz do Pensamento Diagnóstico, proposta pela Epis-temologia Convergente, a partir da sequência das etapas apresentadas, pode ser otimizada com a convergência de alguns aspectos importantes que Olívia Porto (2006) nos apresenta acerca da avaliação e assessoramento psicopedagógico.

Essa autora enfatiza nessa atuação psicopedagógica a técnica da observação, considerada como uma técnica científica de grande valor para que na investiga-ção os fatos observados sejam válidos e confiáveis. Enfatiza também o uso da análise de documentos, entrevistas com respondentes e informantes e partici-pação direta em atividades.

Entre as várias competências e habilidades que o profissional da Psicopeda-gogia deve desenvolver para atuar de maneira eficaz em um processo de avalia-ção institucional psicopedagógica, podemos lembrar sobre:

o ser observador arguto e minucioso; �

o saber ouvir; �

o saber falar no tempo necessário; �

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Diagnóstico psicopedagógico: instrumentos e técnicas

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o compreender a lógica subjacente aos conteúdos das suas percepções; �

o ser flexível, oportuno e imparcial; �

o ser sistematizado e organizado; �

o saber sobre os instrumentos e técnicas a serem utilizados. �

A integração dessas competências será para o psicopedagogo uma ferra-menta eficaz para o processo de investigação, pois ele tem nessa tarefa múltiplas fontes de dados, decorrentes do uso que faz de inúmeros métodos em várias situações e diferentes tipos de participantes. Diante de tantas informações é fun-damental que ele esteja atento não somente para as que apresentam sob forma verbal, mas também para as construções não verbais, como gestos, expressões faciais, linguagem corporal, entre outras que se caracterizam como formas sutis de linguagem.

A proposta apresentada para a realização do diagnóstico psicopedagógico institucional vai ao longo de sua aplicação configurando o processo de aprendiza-gem da instituição em questão. Algumas das atividades propostas nesse modelo são tarefas que os grupos que compõem a instituição devem realizar para que se observe a partir daí o processo de aprendizagem. Muitos são os dados que se pode obter a partir das tarefas propostas para os grupos durante o processo de avaliação.

É importante que o psicopedagogo tenha claro como analisar os resultados obtidos e principalmente consiga realizar uma análise funcional com todo esse material levantado. Essa análise se propõe não somente identificar aspectos que possam ser caracterizados como potencialidades ou fragilidades institucio-nais, mas também identificar as relações entre esses aspectos que configuram a dinâmica institucional no que diz respeito à aprendizagem. Os grupos como unidades de análise usam de estratégias e mecanismos interpsíquicos que se caracterizam como a aprendizagem intra-grupal, sendo esse um fator primordial de busca para o psicopedagogo poder identificar e construir sua matriz diagnós-tica, bem como traçar suas estratégias de intervenção.

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Removendo barreiras à aprendizagem e à participação: ressignificando a prática

psicopedagógica nas escolas(SOUSA, 2009)

A constituição de uma intervenção psicopedagógica segue orientações específicas, porém, não há modelos rígidos para tal. Importante ter em mente as finalidades traçadas ao processo, bem como uma visão bem exercitada. O processo, uma vez iniciado pela apresentação de uma proposta de inclusão em educação, seguiu uma trajetória de grupo operativo e construção de um projeto político pedagógico. O presente trabalho toma esse processo como exemplo, denotando o papel do psicopedagogo frente às demandas edu-cacionais futuras. Para a implementação da proposta de trabalho, a articu-lação com a metodologia de pesquisa-ação confiou maior produtividade ao mesmo; apontando a intervenção cotidiana como a mais eficaz.

IntroduçãoA Psicopedagogia surgiu como norteadora dos procedimentos necessá-

rios ao trabalho com crianças que apresentam barreiras à sua aprendizagem. Através de estudos nas áreas da psicanálise, psicologia social e epistemolo-gia genética, a Psicopedagogia objetiva o reconhecimento das capacidades da criança visando retirar o obstáculo que a impede de aprender.

O estudo da Psicopedagogia demonstra que não há uma relação causa- -efeito sobre os fatores que obstacularizam a aprendizagem, mas, sim, há um contexto que envolve o ser aprendente e o “objeto” a ser analisado e compreendido. Na análise do contexto, a aprendizagem e o ensino estão em consonância para a compreensão do processo de cada indivíduo. Ou seja, para cada sujeito haverá um processo singular, permeado por uma aprendi-zagem individual e social onde as estratégias de ensino estarão em acordo ou desacordo.

Texto complementar

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Diagnóstico psicopedagógico: instrumentos e técnicas

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A análise e compreensão do contexto referem-se à relação da própria criança com a aprendizagem (vínculo positivo-negativo), a sua modalidade de aprendizagem, a dinâmica da família a qual pertence e a instituição es-colar que se encarrega de seu processo de aprendizagem sistematizado. À instituição escolar caberia trabalhar com o processo de aprendizagem, de-senvolvendo habilidades de raciocínio lógico, solução de problemas, apro-priação de conhecimentos vitais ao indivíduo e a coletividade... enfim, pre-parar o sujeito para o futuro , baseando nos saberes passíveis de adaptação e atualização que as incertezas provocam. Ou seja, trabalhar com o “como pensar” e não o “que pensar”.

Através dos estudos realizados baseando-se na psicopedagogia institucio-nal pôde-se observar quais os aspectos que, pertencentes ao processo de “en-sinagem”, estavam obstacularizando o processo de aprendizagem de muitas crianças. Torna-se difícil, num primeiro momento, citar os aspectos que podem se efetivar como entraves à aprendizagem e à participação das crianças; pois, como cada processo é individual (do ponto de vista do aluno), também será bastante particular a cada grupo (do ponto de vista da instituição).

A Psicopedagogia InstitucionalÀ escola cabe ensinar, isto é, garantir a aprendizagem de certas habilida-

des e conteúdos/conhecimentos que são necessários para a vida em socieda-de. Oferecendo instrumentos de compreensão da realidade local e, também, favorecendo a participação dos educandos em relações sociais diversificadas e cada vez mais amplas. A vida escolar possibilita exercer diferentes papéis, em grupos variados, facilitando a integração dos jovens no contexto maior.

Para cumprir sua função social, a escola precisa considerar as práticas de nossa sociedade, sejam elas de natureza econômica, política, social, cultural, ética ou moral. Tem que considerar também as relações diretas ou indiretas dessas práti-cas com os problemas específicos da comunidade local a que presta serviços.

As escolas existem para agir no mundo, na sociedade e na história. Agir planejadamente, intencionalmente e, por isso, com direção. A escola consti-tui-se em uma organização sistêmica aberta, conjunto de elementos, que in-teragem e se influenciam mutuamente, conjunto esse relacionado, na forma de troca de influências, ao meio em que se insere.

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Dessa forma, qualquer mudança em qualquer dos elementos da escola produz mudança nos outros elementos, mudança essa que provoca novas mudanças no elemento iniciador, e assim sucessivamente.

Tendo por linha de ação envidar todos os esforços para assistir a escola, os professores, os pais, não para resolverem o problema imediato, mas sim a desenvolverem, por meio da resolução desse problema, novas habilidades, percepções, entendimentos; o enfoque da consultoria é o desenvolvimento da escola como organização, pelo desenvolvimento dos seus recursos hu-manos, a fim de que, gradativamente, torne-se mais eficiente na realização do processo educativo.

O processo de consultoria se caracteriza por um:

a. Relacionamento interpessoal em caráter profissional;

b. Exame de alguma problemática ou necessidade educacional;

c. Tomada de decisão e implementação de medidas necessárias à sua solução;

d. Exame e utilização de percepções, conhecimentos e habilidades dos que implementarão as medidas.

No entender deste trabalho, consultoria poder-se-ia traduzir em agir com direção e, agir com direção refere-se ao papel do gestor educacional.

“Gestão [...] é caracterizada pelo reconhecimento da importância da par-ticipação consciente e esclarecida das pessoas nas decisões sobre a orienta-ção e planejamento de seu trabalho” (LÜCK, 2000).

A participação de toda a comunidade escolar não depende de ordens ou de agrupamentos de pessoas; depende sim da ratificação da necessidade de estudar, aprender, trocar experiências, exercitar a convivência, para melhor interação de uns com os outros.

Exercício psicopedagógicoÀ proposta de Educação para Todos, a escola tem apresentado levanta-

mento de diversas barreiras à aprendizagem e à participação que ocasionam o “fracasso” da mesma diante de sua tarefa educacional.

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Diagnóstico psicopedagógico: instrumentos e técnicas

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A palavra-chave para que a escola consiga reverter o quadro de fracasso escolar é intervenção. Intervenção para que a escola potencialize ao máximo a capacidade de ensinar dos professores e a capacidade de aprender dos alunos.

A escola, ao vislumbrar a potencialização das capacidades dos “agentes” no fazer escolar, têm como suporte a intervenção psicopedagógica terapêu-tica presencial, com elaboração de estratégias de ensino em conjunto com os professores, objetivando a construção de um referencial epistemológi-co. Também, foco de intervenção psicopedagógica a gestão escolar, traba-lhando a liderança profissional do diretor e cada membro de sua equipe. A gestão escolar tendo como alvo projetos educativos, através de um processo participativo e com apoio positivo e contínuo aos agentes.

A cada barreira à aprendizagem e à participação (indisciplina, agressivi-dade, motivação para a aprendizagem...) relacionada pelo grupo, eram sele-cionados textos sobre os mesmos e, desenvolviam-se sessões de estudo em grupo. Os textos, na realidade, eram pretextos para desencadear diálogos, trocas de experiências, emoções, numa verdadeira ação de repensar a práti-ca que temos e a prática que queremos, numa abordagem de educação de qualidade para todos, que nem expulse e nem segregue nenhum aluno. O papel do psicopedagogo sendo o de integrar os agentes.

A intervenção psicopedagógica institucional, em seu processo, tem como fins últimos a autoanálise e a autogestão. Uma vez o grupo encontrando o caminho para localizar/ identificar suas barreiras à aprendizagem e à partici-pação e, promovendo sua superação, encontrar-se-á finalizado o trabalho da intervenção psicopedagógica.

Dica de estudoPsicopedagogia Institucional Aplicada, de Eloísa Q. Fagali e Zélia Del Rio do Vale, Editora Vozes.

Essa obra de âmbito escolar é uma frente, onde há um aprofundamento nas questões sobre as dificuldades de aprendizagem, propondo uma contribuição na dimensão preventiva e ampliando técnicas para o trabalho na escola.

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Atividades1. O texto citado abaixo se refere ao artigo de Carlberg (2000). Esse texto nos

traz um exemplo da atividade da EOCMEA, como possibilitadora de uma compreensão inicial sobre o sintoma emergente na instituição educacional e a partir dela algumas considerações sobre o diagnóstico institucional. Re-alizem a leitura deste trecho e procurem identificar, por ordem de aconteci-mento, as etapas do diagnóstico psicopedagógico institucional.

[...]

Para deixar mais claro, segue abaixo o exemplo de uma consigna de E.O.C.M.E.A1 :

A queixa:

“Turma indisciplinada e com baixo rendimento escolar. Grupo de 3.ª série, composto por 24 alunos, 13 meninos e 11 meninas com idades variando entre 9 e 13 anos. Escola Pública Municipal.

E.O.C.M.E.A.

Materiais:

24 quadradinhos (15 x 15 cm) de papel carmim nas cores marrom, �azul, vermelho e verde;

5 rolos de durex; �

7 canetas hidrocor coloridas; �

2 cartolinas brancas �

Obs.: O número de quadradinhos de papel correspondiam ao número de alunos da turma e combinou-se previamente que, mesmo faltando alunos na aplicação, permanceriam o mesmo número de quadradinhos, a fim de se verificar como o grupo lidaria com a “falta”. A quantia dos demais materiais foi combinada a fim de provocar a interação grupal.

Consigna:

“Bom dia ! Eu sou a Rosilei, ela é a Clélia, a Andréa, a Jussara e estamos aqui, como a professora deve ter comentado, para conhecermos vocês, o que vocês sabem e o que vocês aprenderam.

1 ZELAQUETT, Andréa Garcia; SCROCCARO, Clélia Ivete Nichele; NICHELE, Jussara T. Schueda; FERRARINI, Rosilei. Psicopedagogia Institucio-nal: a experiência de um olhar e uma escuta na instituição escolar. Monografia (Graduação em Psicopedagogia) – PUCPR, Curitiba, 1995.

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Diagnóstico psicopedagógico: instrumentos e técnicas

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Para isso, trouxemos os materiais que estão sobre a mesa para a confecção de um painel para o qual cada aluno contribuirá fazendo uma dobradura.

Cada um vai pegar um quadradinho de papel e fazer sua dobradura. Sobre a mesa existem 24 quadradinhos de papel.

Após o término da confecção da dobradura, o grupo montará um painel utilizando as dobraduras que fez e os materiais que estão sobre a mesa.

Vocês terão até as 11h e 05 min para fazer esta tarefa e agora são 10h e 15 min.”

Após a aplicação e análise dos registros e do produto a equipe de coorde-nação parte para a seleção dos instrumentos de pesquisa. No exemplo apre-sentado os instrumentos de pesquisa, selecionados em função do primeiro sistema de hipóteses, foram os seguintes:

Observação das aulas de Ciências, Literatura, Educação Artística, Educação Física, aula da professora regente, da entrada dos alunos na escola e do recreio;

Entrevista com as professoras de Educação Física, regente, de Literatura, Ciências, Educação Artística; com a inspetora, diretora e orientadora edu-cacional. (Entrevista com consigna aberta, ou seja, “o que você teria a nos contar sobre a 3.ª série B e que você considera importante sabermos?”);

Aplicação da técnica projetiva psicopedagógica Parelha Educativa – apli-cação feita individualmente com o objetivo de pesquisar o vínculo que os alunos mantinham com a aprendizagem;

Levantamento estatístico do percentual de alunos da turma que apresen-tavam notas inferiores à média adotada pela Instituição.

É importante registrar que os instrumentos de pesquisa utilizados na clínica psicopedagógica não podem ou não devem, na sua maioria, serem utilizados na pesquisa institucional, como é o caso do Diagnóstico Operatório, pois o que se pretende é traçar o perfil do grupo pesquisado, para podermos, então, ter a “fotografia” da Instituição como um todo naquele momento. O que importa é o funcionamento do grupo e não o funcionamento individual. Grupo não é simplesmente a soma do que cada elemento sabe ou deixa de saber.

Após a seleção e aplicação dos instrumentos de pesquisa temos a análise dos dados. Para essa análise utiliza-se o que Pichon denominou de Cone In-vertido, instrumento de avaliação que apresenta seis vetores de análise:

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Pertença Comunicação

Cooperação Aprendizagem

Pertinência Tele

Mudança

Para cada sessão, ou para cada instrumento de pesquisa aplicado, faz-se a análise, relacionando os vetores da esquerda (que são quantitativos) com os vetores da direita (que são qualitativos) e o resultado dessa análise permitirá traçarmos a modalidade de funcionamento do grupo e, por conseguinte, da Instituição.

O perfil traçado da turma pesquisada no exemplo citado foi o seguinte:

“A 3.ª série B, da Escola Municipal ‘Acolhedora’, com 24 alunos, funcionan-do no período da manhã e sob o trabalho de cinco profissionais, é uma turma que, em sua maioria possui um vínculo negativo com a aprendizagem, evi-denciado na relação com os professores e pelo baixo rendimento escolar.

Esse vínculo negativo parece tomar corpo por meio da forma como é en-caminhado o trabalho pedagógico com a classe: falta de enquadramento em todas as situações observadas. A condução das atividades, não estabelecendo regras e limites e não as discutindo, deixa-os dispersos, desatentos, agressivos entre si e percebe-se uma dissociação dos campos geográfico, de consciência e psicológico, o que dificulta a aprendizagem. No entanto, a turma parece manifestar o desejo de vínculo positivo com a aprendizagem, quando, em sua maioria, idealizam a situação, projetando-se nos colegas de classe.

A 3.ª B é uma turma que parece pedir por liderança, mas, não tendo uma orientação clara e segura por parte dos professores, parece dar margem à manifestação de ‘lideranças negativas’, as quais, não sendo canalizadas para uma integração e cooperação grupal, tornam-se alvo de rótulos e constantes pertubações na realização das tarefas.

A dinâmica de todo o grupo parece revelar essa relação conflitante e, so-bretudo, a temática em que a comunicação predominante parece ser anal, oral e fálica, na maior parte do tempo entre professores e alunos e alunos entre si.”

Traçado o perfil da turma, procede-se a devolutiva para a escola por meio de documento escrito, denominado informe psicopedagógico em que serão apresentados o histórico do processo diagnóstico, os instrumentos de pes-quisa utilizados, bem como o encaminhamento, indicações e prognóstico.

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Diagnóstico psicopedagógico: instrumentos e técnicas

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Resumidamente, ilustro com as sugestões feitas à escola pela equipe de co-ordenação do exemplo citado:

“Orientação à equipe de professores que trabalham diretamente com o grupo de alunos, abordando aspectos como: enquadramento, organização e en-caminhamento de tarefas, comunicação, dinâmica em sala de aula, entre outros; reuniões e/ou grupos de estudos oferecidos ao corpo docente da instituição, buscando embasamento teórico sobre as questões em foco e também quanto à proposta curricular da mantendedora; encaminhamento de casos específicos a profissionais especializados pela Orientação Educacional da Instituição.”

2. Justifique qual a importância do diagnóstico institucional para o processo de intervenção psicopedagógica institucional?

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O espaço sistematizado escolar vem, ao longo de sua história, priori-zando a dimensão cognitiva em detrimento do lugar da instância afeti-va no processo de ensino-aprendizagem. Esse posicionamento contribui para que os fenômenos de ensinar e aprender continuem sendo percebi-dos como processos racionais, em que o educador manipula o cognitivo repetindo informações que devem ser acumuladas e memorizadas pelo educando.

Revisar e refletir sobre as práticas pedagógicas, com o objetivo de su-perar um posicionamento conservador, alienante, leva o educador e, con-sequentemente, a escola, a assumirem um papel diferenciado frente ao educando. Descobrir um espaço nos processos de ensinar e aprender que visualize a importância do vínculo e, consequentemente, do aspecto afe-tivo, faz do educador um ser transformador e desencadeante de tônicas vitais. Esse diferencial é a garantia de um crescimento mútuo do educador e do educando.

O fazer psicopedagógico na relação educador-educando

O ensinar e o aprender são ações que possuem uma interação ativa, portanto, interdependentes na sua vitalidade. “Quem ensina mostra um signo do que conhece. Quem aprende toma, agarra esse signo para cons-truir os próprios” (FERNÁNDEZ, 2001, p. 78). Há que se pensar que, na relação entre o ensinar e o aprender, quem ensina, ensina algo com um conjunto de significados para si, que não necessariamente quem recebe compreende. Na situação de aprendizagem, o sujeito apropria- se da infor-mação a partir de suas capacidades e competências já dominadas.

O educador, enquanto profissional atento ao seu contexto, é um cons-trutor da história, portanto, sua ação não poderá em momento algum ser entendida e praticada como um fazer neutro. Na verdade, o educador

Mudanças na ação educativa: do ensinar para o aprender

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atento possibilita ao processo ensino-aprendizagem o movimento de ir e vir, em que educador e educando tornam-se aprendentes e ensinantes1.

Sabe-se que as práticas pedagógicas são determinadas por meio de linhas norteadoras que orientam a partir de um modelo social existente os enfoques teóricos que subsidiam o ensinar e o aprender. Segundo Mizukami (1986, p. 1),

[...] há várias formas de se conceber o fenômeno educativo. Por sua própria natureza, não é uma realidade acabada que se dá a conhecer de forma única e precisa em seus múltiplos aspectos. É um fenômeno humano, histórico e multidimensional. Neles estão presentes tanto a dimensão humana quanto a técnica, a cognitiva, a emocional, a sociopolítica e a cultural. Não se trata de mera justaposição das referidas dimensões, mas sim da aceitação das suas múltiplas implicações e relações.

A partir dessa ideia, é importante que se revejam as diferentes abordagens, que vêm estabelecendo diferentes diretrizes à ação pedagógica. Em nenhum momento pretende-se desconsiderar as contribuições dessas abordagens, mas sim a partir delas pensar em um modelo que ressignifique a relação educador- -educando, tornando-a uma ferramenta importante na efetivação do processo ensino-aprendizagem. É importante esclarecer que a relação professor-aluno é uma via afetiva que possibilita, em um segundo momento, a relação professor- -aluno-conhecimento, tendo como cenário a sala de aula.

Como todos os aspectos científicos são regidos por princípios e valores que os explicam, a educação não estaria de fora. Mizukami (1986) elencou e descre-veu cinco abordagens pelas quais a educação foi regida:

abordagem tradicional; �

abordagem comportamentalista; �

abordagem humanista; �

abordagem cognitivista; �

abordagem sociocultural. �

Todas essas abordagens foram conjuntos de ideias e valores que regeram a educação dentro de um contexto histórico e social, conforme os padrões de cada época.

Revisando essas abordagens, percebe-se que o ensino e a aprendizagem per-correram caminhos marcados por diferentes situações, ora por uma verticalidade,

1 Ensinante e aprenden te são termos utilizados por Alicia Fernández (1994), que designam as diferentes posições que educa-dor e educando podem ocupar no processo ensino-aprendizagem, denotando hora quem ensina e hora quem aprende.

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ora por um controle, ora por uma situação mais aberta em que o aluno tinha pos-sibilidade de fazer escolhas em relação ao seu processo de aprendizagem, ora pela transmissão e recepção de informações.

Não se pode negar que cada abordagem tem seus aspectos positivos e ne-gativos, embora sempre uma tendência pedagógica tenha surgido para superar a outra. Há que se levar em consideração os aspectos positivos de cada aborda-gem. Vivemos, hoje, com uma forte influência da Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos, postulada por Saviani e pela Pedagogia Libertadora postulada por Paulo Freire.

Uma prática pedagógica que favoreça todos os prismas das relações que se estabelecem a partir dela deve priorizar a percepção de cada educando e do grupo como um todo, deixando o educador de ser medida de todas as coisas. Freire (1982, p. 61) afirma que “[...] educador e educando (liderança e massas), cointencionados à realidade, encontram-se em uma tarefa em que ambos são sujeitos no ato não só de desvelá-la e, assim, criticamente conhecê-la, mas também no de recriar este conhecimento.”

Na superação dessas situações, promove-se uma relação aberta na qual o co-nhecimento é construído pela interação professor-aluno, com uma prática trans-formadora, desmistificadora e questionadora. Concretamente, contempla uma mudança de foco do ensinar para o aprender, promovendo uma aprendizagem conjunta entre ensinante e aprendente.

A coerência, o equilíbrio na postura do olhar e escutar, a aprendizagem con-cretizam a práxis educativa, denotando uma segurança da opção filosófica sob a qual assenta-se a concepção do ensinar e do aprender.

A reflexão sobre a dinâmica do ensinar e do aprender deve basear-se em uma articulação de esquemas que constitui não como uma estrutura, mas como um efeito a partir das relações que vão se estabelecendo entre o ensinante e o aprendente. Segundo Pain (1985, p. 89), nessa articulação de esquemas pode-se incluir uma dimensão biológica de caráter estruturante, uma dimensão cogniti-va de continuidade biológica funcional, uma dimensão social que se insere na dimensão da cultura provendo a educação e a dimensão afetiva que definitiva-mente personaliza o aprender e o ensinar, pois visualiza aspectos estruturais da personalidade dos agentes desse processo.

Deve-se levar em consideração a pessoa do aluno e do professor, nesse pro-cesso de aprendizagem, porque a forma de aprender está relacionada às carac-terísticas pessoais, tanto orgânicas como psicológicas e sociais. Para tanto, o

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professor deve ter consciência de que o indivíduo é um ser biopsicossocial que interage com o meio construindo gradativa e concomitantemente suas estru-turas afetivas e cognitivas. Isso o torna um ser ímpar, com características extre-mamente individuais, possuidor de uma modalidade única de aprendizagem, decorrente da sua matriz de relações vinculares.

A afetividade na sala de aulaO espaço da sala de aula é o cenário onde protagonistas do ensinar e do

aprender desenvolvem a construção do conhecimento, onde o afeto é indispen-sável. Entendendo que as relações entre ensino e aprendizagem são movidas pelo desejo e pela paixão é possível identificar e prever condições afetivas favo-ráveis que facilitam a aprendizagem nesse cenário.

Segundo Wallon (apud ALMEIDA; ALVARENGA, 2007, p. 45) a emoção é o pri-meiro e mais forte vínculo entre os indivíduos. É fundamental observar o gesto, a mímica, o olhar, a expressão facial, pois são constitutivos da atividade emocio-nal. Da mesma forma que encontramos no pensamento de Vygotsky (1994, p. 63) contribuições que acrescentam a importância da afetividade na relação educa-dor-educando, ele afirma ainda que: “O conhecimento do mundo objetivo ocorre quando desejos, interesses e motivações aliam-se à percepção, memória, pensa-mento, imaginação e vontade, em uma atividade dinâmica entre parceiros”.

Dessa forma podemos afirmar que a afetividade se constitui como um fator de grande importância na determinação da natureza das relações que se estabe-lecem entre sujeitos (educandos) e os diversos objetos de conhecimento (áreas e conteúdos escolares), bem como na disposição dos educandos diante das ati-vidades propostas e desenvolvidas.

O que se diz, como se diz, em que momento e por que – da mesma forma que o que se faz, como se faz, em que momento e por que – afetam profundamente as relações educador-educando e, consequentemente, influenciam diretamente o processo de ensinar e aprender, ou seja, as próprias relações entre sujeito e objeto.

Nesse processo de inter-relação, o comportamento do educador, em sala de aula, por meio de suas intenções, crenças, seus valores, sentimentos, desejos, afeta cada aluno individualmente. Condições de ensino planejadas e desenvol-vidas pelo educador e as possíveis implicações afetivas no comportamento do aluno são fatores importantes de serem considerados quando se afirma na im-portância dessa relação.

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Cinco decisões2 no desenvolvimento de um planejamento pedagógico, as quais certamente terão implicações afetivas, interferindo na relação que se es-tabelece entre o educando e o objeto de conhecimento, são importantes de serem consideradas:

1) Para onde ir?

A escolha dos objetivos.

A escolha dos objetivos de ensino nunca foi uma questão técnica, ao contrário, é uma decisão que sempre reflete valores, crenças e determinadas concepções de quem decide. Uma das implicações afetivas relacionadas à questão refere-se à escolha de objetivos não relevantes para uma determinada população, em que o educando é obrigado a envolver-se com temas que não têm relação alguma com a sua vida ou com as práticas sociais do ambiente em que vive.

2) De onde partir?

O educando como referência.

Iniciar o ensino desvinculado de qualquer aspecto de conhecimento do educando aumenta as chances do insucesso ocorrer logo no início do pro-cesso, deteriorando prematuramente as possibilidades de se estabelecer uma relação saudável entre o sujeito e o objeto de conhecimento.

A decisão sobre o início do ensino só deve ser assumida após o educador realizar uma avaliação diagnóstica sobre o que os educandos já sabem sobre o tema, e não a partir de decisões burocráticas ou de pressupostos irreais.

3) Como caminhar?

A organização dos conteúdos.

Quando os conteúdos de uma prática pedagógica são organizados de forma aleatória, não se respeitando a lógica da organização do conhecimen-to na área, dificulta-se o processo de apropriação do referido conhecimento por parte do educando. Ocorre, portanto, a deterioração das relações entre este e o objeto em questão.

2 LEITE, S. A. S; TASSONI, E. C. M. A Afetividade em Sala de Aula. As condições de ensino e a mediação do educador. Dados retirados de slides do Power Point, s/d.

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4) Como ensinar?

A escolha dos procedimentos e atividades de ensino.

A escolha das atividades de ensino é um aspecto bastante discutido, pois envolve a relação educador-educando naquilo que ela tem de mais visível. São relações observáveis, nessa dimensão são indiscutíveis os aspectos afe-tivos envolvidos. Essas devem obedecer aquilo que o educador observar que é relevante para o grupo de educandos e que vão facilitar no alcance dos objetivos.

5) Como avaliar?

Uma decisão contra ou a favor do educando?

A questão da avaliação escolar tem sido apontada como um dos fatores responsáveis pelo fracasso escolar de grande parcela da população. A ava-liação torna-se profundamente aversiva quando o educando discrimina que as consequências do processo podem ser direcionadas contra ele próprio. O educador ensina e avalia; se o educando for bem, é sinal que o educador ensinou de forma adequada; se o educando for mal, é o único responsabili-zado, podendo ser reprovado ou excluído.

A natureza da mediação, portanto, é um dos principais fatores determi-nantes da qualidade dos vínculos que se estabelecerão entre o sujeito e o objeto do conhecimento.

Pode-se afirmar que as relações de mediação feitas pelo professor, duran-te as atividades pedagógicas, devem ser sempre permeadas por sentimen-tos de acolhimento, simpatia, respeito e apreciação, além de compreensão, aceitação e valorização do outro.

É tarefa primordial que o educador garanta uma unidade na relação ensino- -aprendizagem para que esta não se constitua mecanicamente. Segundo Mei-rieu (1998), a prática docente deve estar respaldada na modalidade de apren-dizagem do aluno. Conhecer as capacidades e competências do educando não

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é agir de forma arbitrária, é partir do educando, é levá-lo a experimentar novas estratégias que só poderão ser superadas se antes forem respeitadas.

Para o educador, o exercício de perceber as modalidades de aprendizagem não é tarefa fácil, pois nenhuma modalidade é socialmente neutra. Por outro lado, estruturar a ação docente a partir das modalidades de aprendizagem do educando é descobrir que se pode variar na forma de ensinar priorizando o aprender, é desfazer o cotidiano da sala de aula como um processo de transmis-são, é envolver e envolver-se como sujeito da ação pedagógica.

Fernández (2001) afirma que as mudanças no posicionamento dos educado-res, as quais devem ocorrer frente a si mesmos e frente aos seus alunos, precisam recuperar o próprio prazer em aprender e, partindo dessa premissa, modificar a modalidade de ensino, para que se possibilite ao educando o caráter de sujeito pensante capaz de aprender.

O que é modalidade de aprendizagemA mesma autora (FERNÁNDEZ, 1994, p. 65) propôs que, para ocorrer uma

situação de aprendizagem, deve-se estabelecer uma relação entre ensinante e aprendente e destes com o conhecimento. Para ela, o aprendente observa o que o ensinante olha e mostra. Ela se refere a “olhar”, como uma busca e uma seleção e “mostra” fazendo um recorte da realidade, simbolizando o conhecimento.

Tornando isso mais claro, ela dá um significado à relação ensinante-apren-dente, aqui para nós, educador-educando, em que, o conhecimento buscado pelo educando é mostrado pelo educador a partir de referenciais da realidade que este possui.

Para Fernández (1994, p. 66), este molde relacional que se estabelece é a mo-dalidade de aprendizagem, que tem sua matriz na relação mãe (ensinante) e filho (aprendente) e continua construindo-se nas posteriores relações entre persona-gens aprendentes e ensinantes, aqui no nosso foco educadores e educandos.

A autora criou um dispositivo de interpretação psicopedagógica, que tomou como eixo os movimentos do aprendente em relação com o conhecimento me-diatizado pelos movimentos do ensinante (FERNÁNDEZ, 1994, p. 73).

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Os quadros, a seguir, nos ajudam a interpretar o grau de saúde ou enfermida-de que caracteriza as relações educador-educando, sendo que na aprendizagem sadia, o lugar de ensinante e aprendente alterna-se, move-se, mostrando que o educador só ensina se aprende e o educando só aprende se ensina.

Se o educador, em lugar de mostrar o conhecimento, obscurece-o, por meio do não dito, esconde-o, retirando-o da vista do educando, ou o cobre, substi-tuindo-o por outro objeto, este precisará significar seu olhar como um espiar, en-clausurando seu aprender. Nesse caso, aparecem os problemas de aprendizagem enquanto sintoma emergente de uma situação externa ao educando.

Só se o educador “mostra e guarda” é que o educando poderá conectar-se com o desejo de conhecer, elegendo e selecionando de acordo com sua história aqueles conhecimentos que poderiam articular-se com seu saber (FERNÁNDEZ, 1994, p. 74).

Dispositivo de interpretação psicopedagógica tomando como base a linha do “mostrar-olhar”

Movimento desde Relação com o conhecimento

O ensinante

Exibir Mostrar Guardar

Ocultar Esconder

Desmentir

O aprendente

Ofuscar Olhar ativo Espiar

Abrir os olhos não enxergar.

Cegueira histérica

Prob

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Dispositivo de interpretação psicopedagógica tomando como base a linha do “mostrar-olhar”

Tipo de vínculo Ensinante Aprendente

PerversoExibe-se Mostra-se conhecedor Perversão do ensinar

Evita pensar Inibe o pensamento Expulsa e cospe o conhecimento

Neurótico

Esconde

Oculta

o conhecimento secreto

Ao não ser autorizado pelo ensinante a apropriar-se do conhecimento, só pode conhecer:– espiando e pertubando o processo de conhecimento;– não mostrando o que aprendeu.Espia e expiaA culpa desloca-se do ensinante para o aprendente.

Psicótico Desmente o conhecimento formulado pelo aprendente.

Ao ser anulado pelo ensinante como conhecedor, pode:– usar seu pensamento para alucinar e delirar outra realidade (psicose);– anular sua capacidade pensante (oligotomia).

Sadio

Mostra

Guarda

o conhecimento sem culpa

Conhece e conhece que desconhece

Pode apropriar-se do conhecimento Aprende

Quanto ao educador, dá-se a oportunidade de uma reflexão sobre seus pró-prios mecanismos de aprendizagem, levando-o a redescobrir a sua modalidade de aprendizagem, possibilita-se que o caminho da transformação da modalida-de de ensino efetive-se com maior qualidade. Enfrentar suas fraquezas, suas in-seguranças, seus medos e temores, levam o professor a enxergar-se enquanto pessoa, deixando cair as máscaras que durante seu processo de formação teve que vestir para dar conta de um modelo social existente.

Requer-se uma educação reflexiva, em que educador e educando saibam olhar-se e olhar o outro. Nessa dimensão, a construção de valores e de conheci-mentos faz-se presente crítica e reflexivamente, gerando uma ação pedagógica que possibilite a convivência harmônica e enriquecedora a partir da escuta de si

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mesmo e do outro. Segundo Moraes (1997, p. 34), “a educação para um mundo em constante transformação solicita o fortalecimento da unidade interior e a necessidade de privilegiar o desenvolvimento da intuição e da criatividade”.

Estar de frente com o “ser humano” do educador, facilita a este profissional seu posicionamento frente ao educando. Perceber-se como uma pessoa inacabada, que necessita simultaneamente estar na posição de aprendente para poder ser ensinante, revela a dinamicidade do processo de ensinar e aprender, e traduz a condição humana do educador.

É importante que o educador seja um profissional que busque o autoconhe-cimento e perceba a sua modalidade de aprendizagem, para que a sua moda-lidade de ensino possa mobilizar o desejo de conhecer do educando. Nessa di-mensão, a prática pedagógica passa a se preocupar com o “como se aprende”, para que o ensinar se coadune com o aprender, de maneira que ensinar e apren-der não sejam ações isoladas, mas interativas. Faz-se necessário que o professor rompa com estruturas predeterminadas pelo ensino, amplie esta função profis-sional com o ato de aprender, abrindo espaço para o aprender do educador, o qual caminha mediando o aprender do educando.

Texto complementar

Ensinante e aprendente: a construção da autoria de pensamento

(ANDRADE, 2006)

ApresentaçãoNos últimos 25 anos tenho pesquisado a relação entre conhecimento e

constituição de subjetividades. Meu universo tem sido a família e a escola, duas instituições em crise, crise compreendida como sintoma de um mal- -estar na cultura. Enquanto sintoma, a crise nos interroga sobre o sofrimento contemporâneo, produzido na e pela sociedade. Na minha experiência como professora e pesquisadora o sofrimento do aluno e do professor aparece como sensação de desamparo, sensação que remete à busca de culpados e

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de redentores: culpa dos pais, do sistema educativo, da instituição; redenção nas receitas, nos profissionais da saúde. Em ambos os casos, os problemas e as soluções aparecem como exteriores ao próprio sujeito, numa posição pa-ranoica no sentido freudiano. A falta de resposta à demanda pode remeter o sujeito a uma angústia paralisante. É necessário que ele se interrogue sobre suas escolhas, suas práticas, suas angústias e seu desejo: pensar nas suas li-mitações possibilita contactar suas possibilidades.

Professor-aluno ou ensinante-aprendente?Inicialmente pretendemos refletir sobre algumas relações comumente

tratadas como sinônimos. Pensar estas relações de forma estanque e linear justifica-se apenas didaticamente, uma vez que estaremos tentando delimi-tar o sentido de cada uma. São elas: professor-aluno, educador-educando e ensinante-aprendente. Apesar das relações apontadas instituírem-se a partir da aprendizagem, estas situam-se em lugares diferentes e tratam de níveis distintos do aprender. A relação professor-aluno, independentemente da postura teórico-metodológica adotada, implica numa aprendizagem relacio-nada a conteúdos formais de uma determinada disciplina. Michaelis (1998, p. 1.704) define professor como sendo: homem que professa ou ensina uma ciência, uma arte ou uma língua.

Já a relação educador-educando estaria pautada num outro nível de aprendizagem, relacionado a questões mais amplas, segundo os ideais de cultura e moral de um povo. Dessa forma, um professor não se transforma em educador ao mudar seus pressupostos metodológicos, pois não é isso que o define. Porém em ambos os casos, professor-aluno e educador-educando, estamos falando de lugares objetivos e de um conhecimento também obje-tivo, permeados pela relação ensino-aprendizagem.

Às palavras ensinante, aprendente, atribuímos o valor de conceitos. Não são equivalentes a aluno e professor, pois estes fazem referência a lugares objetivos em um dispositivo pedagógico, enquanto aqueles indicam um modo subjeti-vo de situar-se. Ensinante-aprendente pauta-se numa relação transferencial, que se define a partir de lugares subjetivos e de um projeto identificatório. Os estudos de Pedagogia não dão conta dos posicionamentos singulares diante do conhecer e do aprender. Para pensarmos a relação ensinante-aprendente vamos situar o aprendente, necessariamente em uma cena vincular que, em

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nossa cultura, primária e paradigmaticamente, dá-se no grupo familiar. Para efeito de análise, recortamos dessa estrutura vincular ao aprendente, desco-brindo que nele intervêm quatro estruturas, quatro níveis constitutivos de um sujeito que, por sua vez, se constroem ou se instalam através de uma inter-relação constante e permanente com o meio familiar e social.

[...]

Quando falamos de sujeito cognoscente, estamos considerando a inteli-gência, a construção do conhecimento a partir do sistema cognitivo.

A Epistemologia Genética trata da gênese do conhecimento, das ques-tões relacionadas ao cognitivo, busca delimitar o que é comum a todos os seres humanos no processo psicológico de construção do conhecimento. O sujeito epistêmico é dotado de um sistema cognitivo formado por estrutu-ras, cuja unidade é o esquema. Toda e qualquer ação demanda um esquema e caso este não esteja disponível, o sistema entra em desequilíbrio provocan-do então o movimento de assimilação (transformação do objeto de conhe-cimento), acomodação (transformação do organismo). Com a assimilação/acomodação novos esquemas são formados e toda a estrutura se modifica retornando ao equilíbrio.

O sujeito cognoscente é aquele do qual se ocupa a escola e os profes-sores. Cabe ao professor promover o desequilíbrio do sistema cognitivo de seus alunos frente aos conteúdos escolares para que estes possam construir novos esquemas e dessa forma construir o conhecimento formal. Já o su-jeito desejante pode ser compreendido pela Psicanálise, que nos traz o sis-tema psíquico, cuja unidade inata e inconsciente é o Isso. Para Freud, o Isso funciona pelo princípio do prazer sem, entretanto, interferir na realidade. Para que o objeto de desejo possa ser localizado no mundo real é necessária uma outra instância psíquica, o Eu que funciona pelo princípio da realidade. O Eu serve de mediador entre duas forças opostas e inconscientes: o Isso que busca o prazer total e o Superego, regido pelo princípio da perfeição. O desejo de prazer total e perfeição absoluta nunca é alcançado cabendo ao Eu realizar uma metáfora desse desejo.

[...]

A Psicopedagogia não se coloca no lugar da Pedagogia no sentido de que irá trabalhar com o sujeito cognoscente, o sujeito do conhecimento, nem no

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lugar da Psicologia/Psicanálise ao trabalhar com o sujeito do inconsciente, o sujeito desejante. Por outro lado, não trabalhará com a soma dessas duas ins-tâncias, mas na articulação de ambas, no espaço de transformação que surge da fecundação entre sujeito cognoscente e sujeito desejante e que possibi-lita o nascimento do sujeito aprendente. A Psicopedagogia busca compre-ender a subjetividade constituída pelo desejo de saber e pela demanda de conhecimento. Nessa perspectiva, o sujeito em situação de aprendizagem, o sujeito aprendente e seu par dialético, e o sujeito ensinante adquirem o estatuto de categorias teóricas, que não podem ser consideradas sinônimo de professor-aluno.

Durante os anos iniciais que permitiram ao bebê constituir-se como su-jeito, produziram-se encontros que foram significados em relação às experi-ências com um outro significativo e que tiveram, portanto, uma função es-truturante. Esses encontros com as figuras ensinantes, objetos de amor, que intercederam entre o sujeito em constituição e os objetos de conhecimento são fundantes na construção do sujeito aprendente.

Ao falarmos de aprendente-ensinante, estamos nos referindo a lugares sub-jetivos, a personagens da trama inconsciente que serão ocupados, vivenciados, construídos pelo sujeito em situação de aprendizagem e que por sua vez proje-tará no ensinante as formas que tenham tomado essas figuras no transcurso do processo de castração. Estamos nos referindo igualmente, não apenas àquilo que tem a ver com seu ser sujeito aprendente e seu projetar, o sujeito ensinante internalizado no outro, mas também como vivencia a si mesmo como sujeito ensinante, ou seja, como pode ou não mostrar o que conhece.

[...]

Do que falamos quando falamos de autoria de pensamento?Para compreendermos melhor a relação ensinante-aprendente e o nível

de aprendizagem que funda essa díade precisamos explicitar o que enten-demos quando falamos em autoria do pensamento. Postulamos que o sujei-to aprendente se constitui autor na medida em que vivencia a castração do pensamento, momento em que o sujeito se dá conta de que o pensamento é uma instância psíquica pessoal, constituindo dessa forma um mundo sub-jetivo próprio separado da subjetividade materna.

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Consideramos castração como o processo de separação mãe-bebê, em que a criança constrói o próprio corpo a partir do organismo herdado. Essa construção se dá pela experiência de dor e prazer, mas não se fixa em qual-quer dos dois polos opostos, constituindo-se a partir da síntese e trans-formação dos dois vetores. A castração do pensamento é aqui considerada enquanto um processo cuja gênese se confunde com a gênese da constru-ção do símbolo e que traz no seu bojo a articulação possível e necessária entre mundo interno e mundo externo de um sujeito que formula teorias sobre o mundo e sobre si mesmo desde que se constitui como sujeito.

Mas o que significa dizer autoria do pensamento? Primeiramente, signi-fica que o ser vivente e inteligente, que reflete em virtude da dualidade da vida – corpo e espírito – que o habita, descobre que como ser vivente poderia não ser dotado de inteligência. Em segundo lugar, significa que a presença da inteligência, seu surgimento destituído de justificação na consciência do vivente, como enigma inexplicável, é perturbador, sobretudo quando esse ser inteligente finda por reconhecer quão prescindível é a inteligência para que a vida siga o seu curso.

[...]

Diante do exposto, podemos considerar que o ensinante não é o sujeito que sabe, nem pode ser o sujeito do Saber, ele deverá ocupar a posição de suposto Saber, reconhecendo o desejo de conhecer no sujeito aprendente. Concordamos com Almeida (1999, p. 63), o conhecimento que verdadeira-mente se ensina é o que se transmite como efeito de um Saber sobre a pró-pria castração.

Cabe ao ensinante ensinar ao aprendente sobre a castração, sobre a con-vivência com a falta, com o furo, significando o conhecimento como metá-fora possível do falo. A função do ensinante é a de indicar ao aprendente a posição do sujeito a respeito da verdade, a verdade daquilo que ele deseja. A Psicopedagogia busca, portanto, construir uma teoria que dê conta de ex-plicitar o processo através do qual o sujeito aprendente articula fantasia e realidade, abandonando a ilusão da onipotência para criar o símbolo e com ele a capacidade de gerar pensamento ampliando o conhecimento sobre si e sobre o mundo.

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Retornando ao professor-alunoPensamos ter esclarecido, a partir da Psicopedagogia, os diferentes níveis

de aprendizagem a que nos referimos quando falamos de professor-aluno e ensinante-aprendente. Entretanto, se pensarmos essas relações em termos dinâmicos, como elas de fato podem se apresentar, devemos considerar uma outra categoria teórica: a transferência. Colocamos que professor, edu-cador e ensinante situam-se em lugares distintos e tratam de aprendizagens diferentes. As diferentes instâncias se interpenetram e se sobrepõem em al-gumas áreas. Isso significa que num mesmo momento, entre duas pessoas, podemos identificar os diferentes níveis de aprendizagem. Essa possibilida-de se instala a partir da transferência.

[...]

Ocorre, entretanto, que, por ser um mecanismo inconsciente, não cabe ao professor tomar consciência dessas questões ou manejá-las em sala de aula, até mesmo porque nenhum de nós faz isso no dia a dia de nossas vidas. Acre-ditamos que esse é o papel do psicopedagogo nas instituições escolares: analisar as relações transferenciais estabelecidas entre professores-alunos, educadores-educandos e assim fazendo analisar as posições subjetivas ensi-nante-aprendente, a partir da identificação dos tipos de vínculos reedidatos e que demandam modalidades de aprendizagem específicas, favorecendo, com sua atuação, que as intervenções dos professores possam se tornar mais eficazes. O objeto da Psicopedagogia não é, então, o conteúdo ensinado ou o conteúdo aprendido ou não aprendido; são os posicionamentos ensinan-tes e aprendentes e a intersecção problemática entre o conhecer e o saber.

Dica de estudoAssistir ao filme O Clube do Imperador (EUA, 2002).

Esse filme conta a história de um conceituado professor de história da Anti-guidade Clássica (Grécia e Roma) verdadeiramente apaixonado por seu trabalho. Além disso, é um dos baluartes da tradicional escola onde dá suas aulas. Respeita-do pelo diretor e pelos alunos, todos os anos esse professor organiza uma compe-tição cultural que se tornou clássica no colégio, o “Clube do Imperador”. Com esse filme poderemos refletir sobre a importância da relação educador-educando e o quanto vale acreditar que a educação é a mola mestra para a formação humana.

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Atividades1. No livro infantil de Mansur (1988), intitulado O Frio Pode ser Quente, há uma

frase que diz “[...] as coisas têm muitos jeitos de ser, depende do jeito que a gente vê”. Comente qual a relação dessa frase com a importância da relação educador e educando para a Psicopedagogia quando se propõe a compre-ender um processo de aprendizagem.

2. Marque a afirmativa correta no que diz respeito a melhor explicação de qual é a proposta psicopedagógica que caracteriza uma mudança na ação edu-cativa.

a) Caracteriza-se pela superação de um posicionamento diferenciado do aluno.

b) Deve-se considerar a importância do poder do educador.

c) É uma ação que prioriza a dimensão cognitiva.

d) É a capacidade de visualizar a importância do vínculo na relação ensinar- -aprender.

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3. Relacione a coluna da direita com a da esquerda, de maneira que os con-ceitos sobre os tipos de vínculos entre educador e educando se comple-mentem.

( 1 ) Perverso ( ) Educando não conhece

( 2 ) Neurótico ( ) Educando evita pensar

( 3 ) Psicótico ( ) Educando não mostra o que aprendeu

( 4 ) Sadio ( ) Educando apropria-se do conhecimento

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Os pressupostos teóricos abordados pela Psicopedagogia, no que diz respeito ao caráter relacional da aprendizagem, não se baseiam em uma visão de um sujeito cognoscente estático, portador de características imu-táveis, que possivelmente podem desviar do considerado normal – adap-tado, caracterizando a patologia do aprender inscrita no próprio sujeito.

A proposta teórica-prática da Psicopedagogia procura subsidiar o pen-samento do profissional envolvido com a relação família-escola de manei-ra que a visão anterior seja transformada. Dessa forma, contextualizada na perspectiva do pensamento sistêmico, a Psicopedagogia compreende a existência do sujeito cognoscente, vinculada às relações que estabelece com as instituições a que pertence.

A Psicopedagogia ao considerar o processo de aprendizagem como re-sultante de uma construção que envolve as relações do sujeito aprenden-te, nos vários contextos em que está inserido, não pode deixar de se preo-cupar com o processo relacional que se estabelece entre escola e família.

A patologia do aprender não pode ser compreendida como uma “falta” individual, mas sim como uma confluência de fatores que envolvem vi-gorosamente família, escola e sujeito, estabelecendo uma rede ampla de relações sociais. Esses elos relacionais revelam uma nova configuração da responsabilidade, antes localizada no próprio sujeito, agora distribuída nas configurações relacionais que o sujeito estabelece.

Entender o sujeito da aprendizagem contextualizado permite ao psi-copedagogo e ao educador que se subsidia pelo saber psicopedagógi-co, uma visão mais compreensiva das particularidades existenciais deste, de maneira que possamos melhor inseri-lo nos sistemas dos quais ele faz parte.

Pensar a família e pensar a escola requer do psicopedagogo a inserção em diversos e diferentes sistemas, pois sua intervenção vai considerar a complexidade de seu campo de atuação. Portanto, mais uma vez estare-mos abordando um tema em que o pensamento sistêmico será pano de fundo para referenciar o fazer psicopedagógico.

Contribuições da Psicopedagogia na relação família e escola

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Contextualizando a famíliaCaracterizamos a escola como uma instituição, um sistema aberto, com fron-

teiras que assumem um caráter relacional com outros sistemas. Essa abordagem direcionada à escola estabeleceu também a sua visão sobre o processo de apren-dizagem, quando refletimos um pouco sobre a queixa escolar e as dificuldades de aprendizagem.

Nesta aula iremos contextualizar a família enquanto sistema aberto, e sua re-lação com o processo de aprendizagem tanto assistemática como sistemática.

Relembrando o que nos coloca a Epistemologia Convergente, no que diz res-peito às funções do grupo familiar quanto ao processo de aquisição do conheci-mento, Jorge Visca (1991, p. 25) nos fala, dentro do Esquema Evolutivo da Apren-dizagem, de um nível de aprendizagem que refere-se à apreensão da cosmovisão do grupo familiar. Para ele, a criança toma como principal objeto de interação os membros do grupo familiar e as relações dos mesmos entre si e com os objetos, em função de uma escala de valores. A frequência, a intensidade e a alternância de tais interações constituem um nível que determina a percepção de mundo.

Essa descrição posiciona a família como intermediária de um sistema social mais amplo. Diante de tantas transformações da sociedade contemporânea, a família tem que ajustar normas e valores, tornando-se ainda de maior importância a sua função psicossocial, pois é ela que inicialmente ajusta socialmente seus membros.

Para Macedo (apud OLIVEIRA; BOSSA, 1994, p. 187), “O contexto social é fun-damental na definição das características estruturais e funcionais da família. Assim, quando se fala de sobrevivência, necessidades e desenvolvimento, está se falando das finalidades básicas da família que variam em função da sociedade a que pertence.”

Essa função pode caracterizar a família como um sistema aberto, pois ao mesmo tempo em que assegura para a criança padrões interacionais e de valo-res para que ela se sinta pertencente àquele contexto social, a família assegura à sociedade a continuidade de sua cultura e de seus valores.

Macedo (apud OLIVEIRA; BOSSA, 1994, p. 189) propõe um esquema concei-tual que permite a apreciação de alguns aspectos da estrutura e funcionamento familiar, que são:

As regras � – governam o sistema de relações e definem a organização da fa-mília. A mais importante é aquela que regula o poder: a hierarquia. É impor-tante que entre pais e filhos não haja uma simetria de poder, a autoridade

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dos pais tem uma função importante. Perceber regras implícitas e explíci-tas que governam um grupo familiar é necessário para a compreensão da dinâmica interna dessa família e, consequentemente, das atitudes de seus membros.

Os subsistemas � – dentro de uma família podemos considerar como subsis temas, os que são regidos por idade, sexo, gênero, por exemplo: os pais, os irmãos mais velhos, as mulheres etc. Os diferentes subsistemas estabelecem uma complementaridade de funções, sendo neles que se aprende as funções que serão desempenhadas na vida. As relações en-tre os subsistemas são regidas por fronteiras que dependem dos limites estabelecidos.

O ciclo vital � – visão evolutiva que observa as características funcionais da família, em cada etapa de seu desenvolvimento, através de gerações. Cada fase exige mudanças e transformações. Ver a família a partir desta evolução permite apreender a estrutura da família e sua flexibilidade no momento de mudanças.

Podemos também considerar a família em relação à sua estrutura, seu con-texto e seu processo. Em relação à estrutura, podemos pensar na sua organiza-ção, na divisão de funções, nas regras, nos limites e na hierarquia.

A ideologia familiar, suas crenças, seus ideais, estabelecem características de visão de mundo que permanece através de gerações, concretizando seu contex-to. E em relação ao processo, podemos pensar em que momento evolutivo se encontra, de que forma se cria a comunicação verbal e não verbal e a forma de modelos funcionais.

O pensamento sistêmico, voltado para a estrutura familiar, nos leva, dentro da Psicopedagogia, a pensar a aprendizagem e seus desvios, como delimitan-do um sintoma, em alerta, pois pode surgir a partir da resistência em enfrentar momentos de mudança. Nesse caso, fatores situacionais internos ou externos podem romper o equilíbrio na totalidade da família.

A família e os problemas de aprendizagemA partir do desenrolar das relações familiares, novas redes sociais são estabele-

cidas no seu ciclo vital. Este constitui-se por momentos particulares, que podem influenciar diretamente nas mudanças, como exemplo temos o casamento, o

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nascimento de um novo filho, a doença de um membro da família etc. A reper-cussão dessas mudanças pode afetar regras, limites, valores e estruturas.

Como todo sistema aberto, a família procura manter seu equilíbrio o maior tempo possível, agindo a partir de suas normas regulamentais. Segundo Bassedas et al. (1996, p. 33),

[...] cada família, como todo sistema, possui uma estrutura determinada que se organiza a partir das demandas, interações e comunicação que ocorrem em seu interior e com o exterior. Esta estrutura forma-se a partir das normas transacionais da família, que se repetem e informam sobre o modo, o momento e com quem deve relacionar-se cada um de seus membros.

Portanto, as resistências frente às necessidades de adaptação e manutenção da homeostase podem levar ao aparecimento de um obstáculo que impede a família dos avanços no desenvolvimento de suas relações. Neste momento, em que a família tenta dar conta de seu ciclo vital evolutivo, pode ocorrer o que chamamos de sintoma.

O sintoma para Polity (2001, p. 33) pode ser definido como “[...] uma men-sagem que emerge em determinada circunstância e que tem uma função para aquele sistema. Em busca da homeostase, o sintoma na família adquire um signi-ficado de funcionalidade que ocorre pela impossibilidade de simbolizar”.

O sintoma, portanto, pode surgir a partir das resistências da família ao enfren-tar momentos de transição e serve de alerta para a mesma elaborar e preparar uma mudança de forma mais gradual.

Quando o sintoma vem descrito a partir das dificuldades de aprendizagem, a família encontra uma maneira de evitar a mudança e manter o equilíbrio de forma rígida, locando o problema no sujeito portador do sintoma, ou seja, o filho que não aprende porque é desatento, preguiçoso etc.

É muito comum que as expectativas dos pais que recaem sobre seu filho sejam por performances intelectuais de sucesso, pois isso garante o sucesso do desempenho de suas funções. A não correspondência a essa expectativa carac-teriza um momento difícil de enfrentamento, podendo gerar uma dificuldade ainda maior, estagnando padrões de relação e flexibilidade.

A dificuldade de aprendizagem pode, portanto, caracterizar-se como um sin-toma que emerge em uma situação familiar, configurando-se a partir do não cum-primento das funções sociais que se espera daquele sujeito portador do sintoma.

Dentro do ciclo vital evolutivo da família, espera-se que o sujeito em idade es-colar atinja objetivos como, por exemplo, a alfabetização. A alfabetização pode

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ser considerada como uma função social que todo ser humano deve cumprir ao redor de seus sete anos. O fato dessa função não ocorrer determina algumas resistências na família, emergindo nesse momento um sintoma, que é localiza-do nesse sujeito e evita que essa família tenha que encontrar mecanismos que movimentem sua funcionalidade em busca de mudanças. O sujeito passa a ser o portador do sintoma, que se caracteriza como um problema de aprendizagem.

É claro que não podemos deixar de citar que os problemas de aprendizagem têm várias causas, origens e desenvolvimentos múltiplos e que exigem pesquisa em diferentes campos do conhecimento. Aqui, estamos enfocando a dificuldade de aprendizagem, dentro do contexto familiar e também das redes sociais mais amplas como, por exemplo, a escolar.

Para Polity (2001, p. 28),

[...] a dificuldade de aprendizagem pode ser concebida por uma condição bastante abrangente que pode apresentar um leque muito amplo de causas que manifestam-se na prática; também muito diversa na sua forma evolutiva, está intimamente relacionada com o sistema familiar, educacional e social no qual o sujeito está inserido.

A função psicossocial que assume a família caracteriza-se por uma proteção a seus membros, bem como uma função de transmissão e favorecimento à adap-tação cultural existente. Essas funções podem levar a família a ser concebida como um contexto potencializador de sintomas relacionados com o processo de aprendizagem.

Sendo assim, a dificuldade de aprendizagem não pode ser explicada somente pelo viés do sujeito, como se ocorresse um processo individualizado. O modelo sistêmico nos possibilita ter um instrumento que auxilia a leitura de um fenôme-no pela ordem dinâmica de suas partes e pelos processos de mútua interação.

A dificuldade de aprendizagem, enquanto sintoma, deve ser tomada como um escudo que protege a organização familiar, a partir dos padrões de intera-ção. Na verdade, não se objetiva aqui criar uma hegemonia diante do fenômeno da dificuldade de aprendizagem, descaracterizando outros fatores que estão relacionados a ele. O que se observa, na maioria dos casos, é um entrelaçamen-to desses fatores, que nos faz reconhecer a complexidade da situação (POLITY, 2001, p. 18).

O importante, em se tratando das dificuldades de aprendizagem, é perceber como a família encara e administra a aprendizagem de seus membros. Esse as-pecto sim, dentro da visão que se está propondo, é determinante na constitui-ção de um obstáculo no processo de aprendizagem.

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Segundo Audrey Souza (apud POLITY, 2001, p. 25),

[...] a inibição intelectual, que estaria na base da dificuldade de aprendizagem, está ligada a fatores da vida psíquica da criança, que podem atrapalhar o bom desenvolvimento dos processos cognitivos e sua relação com a aquisição de conhecimentos e com a família, à medida em que as atitudes parentais influenciam sobremaneira a relação da criança com o conhecimento.

A relação família e escolaNossas reflexões nos reportam constantemente à oportunidade de nos apro-

fundarmos um pouco no pensamento sistêmico, já muito falado, bem como ca-racterizamos a escola como instituição, funcionando como um sistema aberto. A família, também como um sistema aberto, tem seu papel frente às questões de aprendizagem. A relação conflituosa entre escola e família torna-se uma dimen-são fundamental de ser entendida psicopedagogicamente.

Não é de hoje que a escola vem adquirindo um status de socializadora e res-ponsável por grande parte do desenvolvimento e aquisição de condutas e atitu-des necessárias à sobrevivência social do sujeito.

Portanto, o desenvolvimento de um comportamento social adequado não é mais objetivo somente da família. A escola, muitas vezes, fornece maiores sub-sídios ao sujeito para que desenvolva comportamentos aceitáveis pela própria natureza da ambientação grupal.

Esse fato foi se constituindo a partir das necessidades crescentes das famílias em colocar seus filhos em instituições educacionais que oferecem um espaço educativo, no que se refere à formação integral do sujeito. A família contempo-rânea requisitou da escola uma responsabilidade que vai além do objetivo da escolarização e sistematização dos conteúdos sistematizados.

Os sistemas extrafamiliares começam a ter influência significativa na vida do ser humano, pois, depois da família, é na escola que as crianças permanecem por mais tempo.

Em contrapartida, a família passa a exigir maior qualidade e competência da instituição educacional, em preparar o sujeito para a complexidade da vida, es-tabelecendo fronteiras tênues, frágeis e, às vezes, bastante rígidas entre esses dois sistemas. Dessa forma, a relação saudável entre família e escola é de funda-mental importância, para evitar que o prejuízo recaia sobre o educando.

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Contribuições da Psicopedagogia na relação família e escola

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Vem percebendo-se que essa relação está se configurando de forma diferen-ciada, não se encontrando, muitas vezes, um equilíbrio no qual esses dois siste-mas abram espaços para a colaboração mútua. Por um lado, temos as escolas produzindo resistências e rivalidades e, por outro, a família adotando atitudes de competição, que acabam refletindo no educando que sofre com os modelos e expectativas que a família lhe impõe diante da escolarização.

Dessa forma, é primordial que o educando perceba a confiança que a família deposita na escola, quando demonstra tranquilidade em deixar seu filho naquela escola e valoriza suas aquisições e avanços. O sucesso escolar do educando não pode estar vinculado ao sucesso de seus pais, a ponto de indicarem o quanto competentes eles têm sido.

À escola compete criar um contexto institucional favorável à aprendizagem, no qual se observe uma interação instrutiva e o desenvolvimento de compe-tências. A criação de uma relação dialógica entre família e escola, na qual se estabeleça uma aceitação de princípio de parte a parte, favorece que a esses sistemas constituam fronteiras flexíveis, sendo que as trocas resultariam em um movimento de transformação mútua, sem necessidade de definir causas nem procurar culpas.

Segundo Bassedas et al. (1996, p. 35):

A angústia e a ansiedade de pais e professores interferem na relação e a criança sente-se prejudicada. O psicopedagogo, por sua vez, pode ajudar as partes implicadas a despirem-se de culpa e analisarem de forma mais objetiva o que está ocorrendo. É preciso fazer um trabalho de aproximação dos dois sistemas, ajudar a buscar canais mais fluidos de comunicação e colaboração, para planejar e estabelecer compromissos e acordos mínimos que levam ao fim do bloqueio criado nesta situação.

Para finalizar essas nossas reflexões, sobre a relação família e escola, podemos pensar no papel da escola enquanto transmissora de valores e significados, que determinam uma cultura, bem como responsável pela escolarização. Ela possui uma dinâmica própria que a referencia enquanto espaço relacional, funcional, sistêmico e organizacional.

A família se insere nesse espaço do sistema escolar, participando de seu co-tidiano (normas, regras), propondo algumas vezes mudanças nessa dinâmica, pois entram em confronto a exigência da escola e as demandas da família. O fato de a escola manter um padrão rígido em função de um aluno-padrão levará, por conseguinte, à manutenção do funcionamento familiar, o que pode acarretar na emergência do obstáculo na aprendizagem, caracterizando o sintoma.

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A escola deve estar preparada para novas configurações nas relações familiares, mobilizando-se para ressignificar a disfuncionalidade da família frente à dificuldade de aprendizagem. A participação da escola na família deve atuali-zar a possibilidade de ressignificar mitos relativos ao processo de construção do conhecimento.

As relações família e escola devem ser caracterizadas pelo esforço comum em prol do desenvolvimento do educando. A escola não deve manter o sinto-ma familiar, mas se apropriar de mecanismos que favoreçam a transformação, o crescimento e a aprendizagem.

A complexidade que se representa nessa relação é um dos aspectos que o psicopedagogo, que atua na instituição educacional, encontra no momento que se dispõe a intervir no processo de aprendizagem. O olhar do psicopedago-go para o interior dessa relação caracteriza uma ferramenta fundamental para a intervenção, visto a importância da unicidade de atitudes e referências entre escola, família e psicopedagogo.

Conhecer a qualidade das fronteiras entre esses dois sitemas, isto é, a qua-lidade de suas relações, é a primeira instância fundamental para que o psico-pedagogo reconheça nesse contexto possibilidades de serem desenvolvidos procedimentos que o auxiliem no processo de intervenção. A perspectiva peda-gógica da escola, a diversidade de atores que nela desempenham seus papéis, as diferentes configurações familiares com suas características culturais e sociais orientarão a ação do psicopedagogo, que reconhecerá a abertura que essa rela-ção dará para o trabalho integrado, em favor da aprendizagem.

Segundo Tereza Huguet apud Sanches-Cano e Bonal ( 2008, pg. 93), “as fonterias entre as funções e os limites das atuações profissionais são úteis para a coordena-ção, como também para evitar confusões, mas o princípio básico das intervenções de cada um é que realmente proporcionem ajuda a quem precisa”.

O psicopedagogo deve se assegurar de todas as possibilidades que a relação família e escola oferece para que possam em conjunto mobilizar recursos do próprio contexto escolar e familiar, sem que o psicopedagogo assuma uma ati-tude de direcionamento sem operatividade e crie uma dependência da escola e da família quanto a sua assessoria, ficando professores e pedagogos sempre esperando as “dicas” do psicopedagogo para que possam intervir junto às famí-lias e vice-versa.

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Em resumo, é fundamental que o psicopedagogo crie relações saudáveis com a escola, com a família e com a relação escola-família, garantindo que a qualidade desse contato seja um fator preponderante para o desenvolvimento das poten-cialidades do aprender. Sua habilidade em contextualizar esses sistemas a partir da configuração de suas fronteiras, isto é, o olhar e a escuta sistêmica do psico-pedagogo diante da escola e da familia, possibilitará a promoção de mudanças, onde cada um encontra seu ponto de responsabilidade e ao mesmo tempo a intervenção psicopedagógica se concretizará em prol da aprendizagem.

Texto complementar

Relações família e escola – continuidade / descontinuidade no processo educativo

(GOMES, 1993, p. 84-92)

A questão das relações família-escola é demasiado ampla e polêmica. Cabe, pois, um esclarecimento inicial: minha análise deriva de pesquisas em-píricas e de estudos teóricos acerca da socialização – primária e secundária –, além da atividade docente, e não de investigações específicas acerca desse tema (GOMES, 1988 e 1990). Se pensarmos a Educação Infantil da ótica da Psicologia Social – de uma Psicologia Social da Educação –, ela nos aparece em sua inteireza, enquanto um processo único e contínuo. É esse o ponto que, nesta oportunidade, trago ao debate. É, para mim, o aspecto funda-mental a ser considerado, se quisermos melhorar a qualidade do processo educativo.

Até aqui nenhuma novidade, bem o sei. Novidade é retroagir ao início desse processo, ao princípio da existência individual de cada um. É remetê-lo à época em que a criança começa a aprender no interior do grupo doméstico. Essa é a linha da abordagem que faço das relações família-escola. Desdobra-rei o tema em três aspectos, a saber:

História da Relação Família-Escola; �

Educação é Processo Social; �

Educação Familiar e Educação Escolar: Continuidades/Descontinuidades. �

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História da relação família-escola[...]

Hoje, poucos são os casos em que família e escola, através das APMs, compartilham a responsabilidade sobre a educação escolar. Em geral, a escola promove reuniões para dar explicações – para não dizer fazer quei-xas – sobre o desempenho e o comportamento dos escolares. Assim, uma a duas vezes por semestre, às vezes por ano, os pais são convidados para uma dessas reuniões. Há também eventos festivos, para os quais eles devem contribuir com dinheiro, donativos, e até mesmo com seu trabalho (festas juninas, quermesses etc.). Resumem-se nisso, quase sempre, as relações fa-mília-escola. No mais, os pais mantêm-se e são mantidos bastante afastados dos acontecimentos na esfera escolar.

Não há dúvida: toda generalização é perigosa. Há de se levar em conta a especificidade dos bairros, das escolas e das famílias que os habitam. As relações família-escola diferem de bairro para bairro, de classe para classe. E até mesmo de diretor para diretor. Mas, de maneira geral, o quadro é mais ou menos este. Lembro-me, à guisa de exemplo, de uma escola pública, de bom nível, administração séria e corajosa, que visitei há dois anos, aproxima-damente. Quando adentrei o que seria a biblioteca, percebi que nela reinava o caos: livros e móveis desordenados, recobertos pelo pó. Uma observação superficial permitiu-me avaliar os livros, que me pareceram bons. Impossível era consultá-los, naquelas condições. A funcionária apressou-se em justificar a desordem, alegando falta de pessoal. Sugeri então que recorressem à cola-boração de pais e de alunos, à parte do tempo disponível por eles, ao que ela reagiu de imediato: “Deus me livre! Depois vão se sentir com outros direitos”. Lembrei-me de um dito antigo, dentre profissionais de escola: “Os pais são ótimos, desde que mantidos a distância”.

Há, contudo, momentos em que a presença dos pais é desejada: diante da falta grave do aluno, para que eles tomem ciência e ajudem a enquadrá-lo; quando o rendimento (as notas) do aluno é tão baixo que justifica a pre-paração da família, para aceitar resignada a futura e inevitável reprovação dele; quando a escola faz algum tipo de acompanhamento psicológico – e há suspeita de conflitos familiares, ou mesmo de doença ou disfunção, quase

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sempre neuropsicológica, capazes de explicar a conduta escolar da criança ou do adolescente.

[...]

Educação é processo socialEsse é um pressuposto básico para a presente análise da educação. O nas-

cimento inicia o processo de transformação do ser biológico em um ser social, em um ator social típico – de sua classe, de sua sociedade, de seu tempo. Nesse processo, as bases da individualidade, da personalidade, da identida-de e da cidadania são progressivamente construídas. Acentuemos o termo bases, porque tudo isso é constantemente construído e reconstruído na di-nâmica social. Porque, nessa abordagem, também é um pressuposto a con-cepção sartriana de homem como um vir-a-ser, de ser em situação (SARTRE, 1960), em constante e inacabado processo de construção e de reconstrução (que abrange educação e autoeducação). Na verdade, cada homem – cons-truído no social, pelo social, para o social – é também o construtor do social, na medida em que é um ator participante da dinâmica social. Portanto, nessa mesma medida, ele acaba por se autoconstruir (BERGER; LUCKMANN, 1976).

[...]

Na verdade, ambos são velhos conhecidos dos educadores, mas com outros rótulos, a saber: Educação Informal – de maneira geral levada a cabo nas famílias, em sociedades semelhantes às nossas – e Educação Formal – aquela desenvolvida por instituições escolares e por outras mais que se de-diquem a alguma modalidade de educação sistemática. A criança, em idade bastante precoce, inicia sua aprendizagem de hábitos, usos, costumes, va-lores, papéis sociais e de gênero, atitudes e, sobretudo, uma modalidade de língua materna, além de desenvolver as bases da personalidade e da iden-tidade. Tudo isso acontece no interior do grupo doméstico, e quase sempre já está bastante estabelecido antes de principiar sua vida escolar. Tais apren-dizagens, coerentes com a realidade social circundante, derivam da inserção particular de cada família na sociedade de classes.

[...]

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Educação familiar e educação escolar: continuidade-descontinuidadeDeixemos claro: unicidade e diversidade são faces diferentes do processo

educativo que, de fato, é um só, embora se realize no decorrer da existência individual, em instituições diversas, com propósitos bastante diversos. Dá-se isto também no que tange aos atributos de continuidade e descontinuidade, como tentarei demonstrar.

A continuidade é inerente, sabemos, ao conceito de processo social (LERNER, 1984). Pressupor social o processo educativo implica assumi-lo, in-clusive, enquanto continuidade que se desdobra no tempo, de maneira dinâ-mica e progressiva. E, conforme vimos, no que se refere à educação escolar, ela se realiza em continuidade à educação familiar. Relevemos isto: longe de se iniciar, como parecem supor teóricos e demais profissionais da educação, com o princípio da vida escolar, a educação da criança começa na família. Lembro-me, sempre, de uma frase de Sartre, quando trato dessa questão. Referindo-se aos marxistas franceses de seu tempo, ele os acusa de “imagi-nar que o homem nasce ao receber o seu primeiro salário”. Parafraseando-o, costumo dizer que trabalhamos em educação como se a criança nascesse ao principiar sua vida escolar.

[...]

Posto isto, retomemos a ideia da família enquanto local privilegiado, enquanto “um contexto durável de aprendizagem”. Nela, com os familia-res, e com as demais pessoas do meio circundante, o indivíduo, já o vimos, faz sua iniciação à linguagem, aos valores, atitudes, tradições, costumes e técnicas fundamentais. Aprende, de seu grupo, uma maneira particular de perceber e de julgar o mundo e, sobretudo, de se relacionar com as outras pessoas. Muito embora tais aprendizagens sejam preponderantes na in-fância, elas se prolongam por toda a existência individual – da infância à maturidade.

De fato, “é na família que a criança aprende a aprender” (lnstitut Vanier – Unesco). Retomemos aqui o conceito de capital cultural de Bourdieu e Pas-seron. Para eles, trata-se da propriedade (posse) de costume, de hábitos, de disposições de uma determinada população para reconhecer, adquirir, usar e perpetuar um determinado “bem da cultura”. Inclui, sobretudo, os capitais

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linguísticos (domínio prático da língua materna, adquirido no interior de uma família, de uma classe, de uma sociedade) e das relações sociais e de prestígio, e as informações acerca do sistema escolar. E tudo isso, notem, é adquirido, é aprendido, de uma maneira a que os autores, com propriedade, denomina-ram de Familiarização Insensível (BOURDIEU; PASSERON, 1970; e BOURDIEU, 1987).

Interessa-me, neste trabalho, pôr em discussão não a propriedade dessa teoria, mas a ideia central, e coincidente com a aqui assumida, da família enquanto local privilegiado de aprendizagem, no qual a criança realiza sua aprendizagem por familiarização insensível, ou seja, sem o sentir. Ambas acabam por nos conduzir a perguntas inevitáveis, tais como:

De que maneira família e escola podem atuar para a garantia de uma �continuidade desejável, porque adequada, dos processos educativos?

Em uma sociedade de classes, portanto desigual, há diferentes graus �de coerência entre os dois sistemas educativos – entre o capital cultu-ral apropriado e o requerido?

A diversidade de escolas oferecidas às diferentes classes acentua ou �diminui tal distância?

Há relação direta entre Educação Familiar, Educação Escolar e o desti- �no profissional de jovens nas sociedades modernas?

No caso brasileiro, como analisar esta relação família-escola-trabalho? �

[...]

De fato, é possível distinguir, hoje, a boa escola pública que, apesar dos pesares, insiste em oferecer boas condições de trabalho e de aprendizagem, a despeito da desvalorização geral da educação e da atividade profissional do educador. As exceções – e elas existem – localizam-se, quase sempre, em bairros de classes médias. São escolas que têm uma história, viveram épocas áureas, de apogeu – quando ser professor ainda era orgulho e não vergo-nha. Há escolas boas em bairros populares periféricos, mas elas são raras (por favor, não vai aqui culpabilização de quem quer que seja; tenho o maior res-peito por profissionais das escolas contemporâneas, mas as coisas precisam ser ditas e vistas, se quisermos superá-las).

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[...]

Não há, de fato, estabelecimento de relações entre a sua aprendizagem anterior, no ambiente doméstico, e a atual, na escola; aliás, nem mesmo com as atuais aprendizagens em seu ambiente doméstico. Até os críticos da re-produção social, defensores das diversas teorias da reprodução, acabam por simplificar em demasia. Falta-lhes, para mim, esclarecer os vínculos existen-tes, e a necessidade de estabelecer outros novos, entre a educação familiar e a escolar. Façamos justiça àqueles que se aproximam dessa abordagem: no Recife, o grupo de psicólogos que trabalham com Carraher denuncia, por exemplo, este descompasso. M. Helena Patto, aqui, também o faz. Em toda a América Latina há gente seguindo esta trilha. Parece-me que lhes falta, não obstante, atrelar uma modalidade educativa à outra.

Mas, quando digo que a Escola vive no intramuros, refiro-me, também, a coisas não teóricas, a coisas menos nobres – a coisas banais. Os profissionais exigem das crianças e de suas famílias quase o mesmo material escolar, in-dependentemente do bairro, sem levar em conta – ou levando bem pouco em conta – o real poder aquisitivo de cada uma delas (até mesmo em relação ao número de filhos em idade escolar). Tenho visto listas de material escolar que o orçamento do grupo doméstico seria incapaz de suprir. Já é exigência excessiva para um, para todos é simplesmente impossível. Há professores que dizem às crianças: deixe de comprar balas, compre livros e cadernos. Nem com autocontenção a criança seria capaz de economizar o dinheiro ine-xistente, e comprar os materiais exigidos. Início de ano é sempre uma época dramática para tais populações.

[...]

É nesse contexto que imagino devam ser repensadas as relações família- -escola. Não há dúvida, houve uma deterioração generalizada do sistema de ensino (do público e do particular). Na verdade, parece-me mais apro-priado falar em desorganização do que em deterioração, embora uma acabe por acarretar a outra. Porém, quando falamos em deterioração, há implíci-ta a ideia da existência, no passado, de um padrão de melhor qualidade. E,

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no caso da educação, isto é discutível. Era, de fato, superior, melhor. Mas, comparado a quê? Evidentemente havia uma similaridade entre a educa-ção familiar e a promovida por instituições escolares. Lógico, a segunda era pensada para atender às necessidades da primeira. Em outras palavras, era uma escola de classe média, para famílias de classe média. A pergunta é: a quantos essas escolas atendiam? Parece-me que a má qualidade atual do ensino deve-se muito mais à nossa incapacidade de encontrar as soluções adequadas à sociedade brasileira moderna. Não é nem desejável nem possí-vel “resgatar” (usando o termo da moda) o padrão anterior de ensino. Mesmo porque ele só era compatível com aquela sociedade. E nenhum de nós gos-taria de resgatá-la (muitos teriam até outro destino de vida e de trabalho, se isso fosse levado a cabo).

O descaso com as coisas sociais – educação e saúde, repito, são o exem-plo – é, sem dúvida, o grande responsável pelo nosso atraso na busca de saídas adequadas e possíveis. Neste momento, o Estado de São Paulo parece empenhado em favorecer a superação desse descompasso. Quero crer que assim o seja. É minha certeza que a solução do problema educacional, do ensino escolar, melhor dizendo, passa por uma aproximação família-escola. Nos termos aqui desenvolvidos, ou seja: a saída obriga-nos a buscar conciliar os dois momentos do processo educativo, o familiar e o escolar. Sem isso não me parece que as soluções possam ser muito eficazes. Contudo, esse é um projeto cabível só a médio e a longo prazos. Há melhorias ao alcance de todos nós profissionais da educação e que constituem, ou podem constituir, etapas de um projeto de maior fôlego. É nesses termos que vejo o atual pro-jeto de reforma das escolas públicas.

No bojo dessas reformas, parece-me possível e necessário um trabalho de conhecimento do bairro e de sua população, para que cada uma das escolas possa adequar seus planejamentos às expectativas e condições reais de vida e de trabalho das famílias que lhes fornecem a clientela. E isso, creio, aplica-se a qualquer escola, de todo e qualquer bairro. Não dá para justificar baixos salários com distribuição orçamentária, como de costume. Mas também não dá para justificar inação com baixos salários. O desafio está posto.

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Dica de estudoProfessores Formadores: a relação entre a família, a escola e a aprendizagem, de Isabel Parolin, Editora Positivo.

Com um texto de leitura agradável, Isabel Parolin faz contribuições significa-tivas para educadores que se preocupam com a importância das relações com a família no que diz respeito à aprendizagem. Educadora bastante conceituada no país, ela reúne nesse livro algumas questões muito debatidas por pais e educa-dores no que se refere ao comportamento de crianças e jovens.

Atividades1. Faça uma reflexão com foco na abordagem sistêmica, caracterizando a im-

portância de relações saudáveis entre escola e família, discutindo o conceito de sistema aberto.

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Contribuições da Psicopedagogia na relação família e escola

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2. Tendo como base as considerações feitas no decorrer da aula, levante alguns aspectos que são fundamentais para que a instituição educacional sistema-tize em seu Projeto Político-Pedagógico, garantindo assim uma relação sau-dável com as famílias.

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Pensando sobre a ressignificação da relação educador-educando, percebe-se a necessidade de um movimento constante no ensinar-apren-der. A mesma ótica pode ser utilizada para enfocar as dificuldades de aprendizagem.

A proposta psicopedagógica de compreensão e intervenção junto às dificuldades de aprendizagem leva em conta todo o referencial de atitude operativa e ampliação do olhar sobre o objeto de estudo da Psicopeda-gogia. Esse subsídio procura levar o psicopedagogo a ter uma visão di-ferenciada sobre a aprendizagem, desresponsabilizando o portador da dificuldade, ampliando as possibilidades dele vislumbrar suas potencia-lidades e habilidades, encobertas pela estagnação nas suas relações com o conhecimento.

Considera-se pertinente que se parta de um aspecto importante que se refere à construção da queixa escolar.

É muito comum que o ser humano normalize os fenômenos que o cercam, naturalizando-os, isto é, pensando que eles ocorrem a partir da natureza das coisas e não da história particular de cada um deles.

É como se fixasse uma maneira de ser, estagnando relações, em que a expressão do fenômeno se dá de uma forma na qual se acredita que aquela maneira de ser é natural. Parece que qualquer forma de pensamen-to ficou cristalizada, tendo-se a sensação de que nada se pode fazer a não ser esperar (MACHADO; SOUZA, 1997, p. 38).

Dentro da instituição educacional, é necessário que os mecanismos institucionais, que criam ações cristalizadas e rupturas do pensamento, sobre a própria condição dos agentes educativos, sejam movimentadas, ou melhor, problematizadas.

Normalmente, as queixas em relação às dificuldades de aprendizagem parecem já estar constituídas, antes mesmo de ocorrerem. A permanência de mitos, no que se refere à queixa escolar, parece fazer parte da história institucionalizada da aquisição do conhecimento sistematizado.

Um olhar psicopedagógico sobre as dificuldades de aprendizagem

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Existem algumas ideias que servem como causas e explicações para o pro-blema do rendimento escolar. Muitas vezes, essas ideias são mitificadas, viram mitos. Aos mitos está dispensada a origem histórica, e dessa maneira sua exis-tência passa a nos afetar como algo natural.

Vamos refletir, a seguir, sobre alguns mitos que circulam pela escola (SOUZA apud CONCEIÇÃO, 1994, p. 128):

A alfabetização da criança foi deficitária. �

A criança que não foi bem em uma série sempre vai apresentar problemas. �

A criança é igual ao pai, por isso não aprende. �

As relações escolares são responsáveis pelas dificuldades de aprendizagem. �

A desnutrição não deixa a criança aprender. �

Os pais são desinteressados e, por isso, a criança não vai bem na escola. �

As crianças de classes desprivilegiadas apresentam déficit cognitivo. �

A criança adotiva vai ter dificuldades de aprendizagem. �

O portador de necessidades especiais vai ter dificuldade de aprendiza- �gem.

No fazer cotidiano dos educadores, se escutarmos o conteúdo de suas lingua-gens, observaremos a presença desses mitos. Essa atitude, simbolicamente se remete à necessidade de se colocar fora do processo de aquisição de conhecimen-to do educando, como se o educador se desresponsabiliza. É importante, portan-to, que se reflita na concepção da queixa escolar, que deve deslocar o seu eixo de análise, do sujeito para o conjunto de relações que se faz presente e constitui a história do seu desenvolvimento.

A conceituação teórica, proposta por Jorge Visca, em que ele focaliza o pro-cesso de aprendizagem como um construto histórico que se estabelece por axiomas construtivistas, interacionistas e estruturalistas, pode nesse momento respaldar uma abordagem teórica que auxilie no entendimento desses pressu-postos. Lá ele nos fala em uma matriz de aprendizagem e que, a partir dela, o sujeito vai ao longo de seu desenvolvimento estabelecendo relações que carac-terizam a sua modalidade de aprendizagem. Essa é única, que pela sua história,

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pela suas características, não pode ser descrita a partir de mitos que cristalizam o movimento de vida do sujeito.

Essa reflexão pode desvelar as relações de poder existentes na instituição educacional, causando uma ruptura e levando a uma priorização do pensa-mento que considera a escola como efetivadora do processo de aquisição do conhecimento. A escola é um espaço em que as relações sociais e individuais articulam-se numa rede de relações complexas. A queixa escolar é um fragmen-to dessa rede de relações.

O fracasso no processo de aprendizagem sistemática é muito menos determi-nado por questões individuais do que por mecanismos institucionais e políticos. Não há como negar a influência dos aspectos cognitivos e afetivos constituídos na criança, mas há que se considerar que as relações escolares podem contribuir, modificar ou reforçar quaisquer que sejam esses aspectos, criando e recriando inú-meras outras situações desafiadoras, aversivas ou violentas (PATTO, 1990, p. 296).

Esses aspectos estão aqui sendo apresentados, pois, quando se trata de enfo-car as dificuldades de aprendizagem no contexto atual, é inconcebível que não se abra um espaço de fala e escuta, para que, os agentes educativos envolvidos no processo de escolarização, tenham a possibilidade de analisar mais dinamica-mente a realidade escolar, de forma que consigam reverter a produção de pro-blemas em construções de mudanças efetivas.

Portanto, o enquadre da queixa escolar deve conseguir idealizar sobre o que fazer para imprimir algum movimento naquilo que está cristalizado e naturali-zado. A partir dessas discussões sobre a construção da queixa escolar, pode-se afirmar sobre a importância da atuação psicopedagógica na instituição educa-cional de maneira que a visão reducionista de causa e efeito seja transformada em uma visão circular.

Diante dessa possibilidade, para a Psicopedagogia a queixa escolar se con-figura como um disparador, um sinalizador que leva a ação psicopedagógica a entender mecanismos relacionais e integrativos muito mais complexos que sus-tentam a permanência de diferentes configurações de discursos sobre a queixa escolar.

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O modelo nosográfico: uma proposta psicopedagógica

É muito comum, hoje em dia, escutarmos a descrição de diversos sintomas que caracterizam as dificuldades que as crianças em idade escolar apresentam quando colocadas frente à necessidade de cumprir a função social, da aprendi-zagem da leitura e da escrita. Por outro lado, o ensino sistematizado pouco se preocupa em entender a caracterização do processo de aprendizagem dessas crianças, o que facilitaria a compreensão dos fatores que podem obstaculizar esse processo.

As várias concepções que a escola aceita como verdadeiras sobre o processo de aprender, muitas vezes, subsidiam o olhar e a ação que promovem para desenvolver a relação da criança com a aquisição do conhecimento. Muito se tem discutido em diferentes perspectivas e a partir de diferentes referenciais teóricos, e até mesmo práticos. Muitas foram as causas e explicações, ora enfa-tizando fatores orgânicos, ora fatores cognitivos e funcionais, bem como fato-res afetivos, sendo que, em qualquer dessas instâncias o fator “patologizante” sempre foi localizado no sujeito cognoscente.

A família, delegando à escola o direito de processar as aprendizagens assis-temáticas e sistemáticas da criança, pode em uma ação pouco reflexiva, aceitar essa posição institucionalizada, vinculando as dificuldades para a aprendizagem a fatores externos ao seu próprio processo.

Essa posição desresponsabiliza toda a rede de relações na qual a criança está inserida, criando, algumas vezes, alianças que permitem um mascaramento de obstáculos importantes de serem removidos, requerendo, assim, um processo bem mais doloroso. O movimento percebido, nesta posição, desloca e realoca os fatores causadores do problema de aprendizagem e adota medidas paliati-vas, produzindo uma visão compartimentalizada em relação ao ser que aprende, criando mitos, como já vimos anteriormente, sustentados como verdades que justificam ações frente a dificuldades, que mais uma vez reforçam um posicio-namento unilateral.

É necessário, portanto, tentarmos entender os problemas de aprendizagem, buscando um outro eixo, que respalde uma visão mais ampla, que possibilite a construção de um conhecimento interdisciplinar acerca do processo de aprendi-zagem, em primeiro lugar. Esse é o diferencial que propõe a Psicopedagogia.

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O referencial, que deve nos respaldar teoricamente a este respeito, não pode deixar de vislumbrar o ser humano enquanto ser biopsicossocial, que vive em tempos de um conhecimento inacabado, em que a cada minuto novas informa-ções se fazem necessárias. O caráter produtivo do ser humano vem cada vez mais sendo sustentado como fator preponderante na construção de sua cidadania. A educação, nesse sentido, deve levar o sujeito a reconhecer a possibilidade de ser o próprio autor de seu conhecimento, reforçando o exercício de sua cidadania.

Uma prática psicopedagógica que favoreça todos os prismas das relações que se estabelecem a partir dela, deve priorizar a percepção de cada aluno e do grupo como um todo, deixando o educador de ser a “medida de todas as coisas”. Nesse movimento, o educador, também como uma pessoa em mudança, subsi-dia o aluno em seu crescimento, como um ser questionador que seja capaz de propor e repropor o trabalho educativo, que se modifique e modifique o outro em uma busca mútua e paralela. É a nova atitude do educador respaldado pela ação psicopedagógica.

Podemos pensar, então, que as diferentes concepções sobre a finalidade e o poder da educação, determinam as linhas norteadoras que orientam as decisões na esfera no sistema de ensino em qualquer nível. A coerência, o equilíbrio na seleção de procedimentos e meios de concretizar a “práxis” educativa denotam segurança da opção filosófica sobre a qual se assenta a concepção sobre o ensi-nar e o aprender.

Portanto, não podemos ficar observando perplexos as mudanças que vêm ocorrendo. Muitas questões se impõem, levando-nos a rever antigos paradig-mas de uma ciência tradicional. Essa revisão movimenta a concepção isolada do processo de aprender, vinculando-o diretamente ao processo de ensinar, as-pecto de significativa importância na estruturação de um novo paradigma para compreender os problemas de aprendizagem.

Continuando dentro da concepção da Epistemologia Convergente, e enten-dendo agora o processo de aprendizagem “[...]como resultado de uma cons-trução (princípio construtivista) dada em virtude de uma interação (princípio interacionista) que coloca em jogo a pessoa total (princípio estruturalista)[...]” (VISCA, 1987, p. 56), os conceitos acerca do problema de aprendizagem recaem sobre a concepção de sintoma. Como sintoma, entendemos ser um indicador manifesto de uma situação maior e mais global, a qual teremos que desvendar, descobrindo os fenômenos que o mantém, bem como suas causas primeiras. Essa visão vem reafirmar a necessidade de não tender a visualizar a causa do problema de aprendizagem por meio de um vetor linear e cristalizado.

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De acordo com esse modelo, o sintoma goza de ubiquidade, ou seja, é oni-presente. Cabe dizer que não existe uma relação unívoca entre ele e uma única causa, pelo contrário, diferentes causas podem produzir um mesmo sintoma.

O modelo nosográfico, proposto por Visca (1991, p. 69), classifica os estados patológicos da aprendizagem, conforme a base de sua descrição e explicação em três níveis complementares: o semiológico, o patogênico e o etiológico. Esse modelo parte do princípio da nosologia, enquanto mecanismos de produção da “doença”.

Nível semiológico � : nível dos sintomas – epifenômeno – o que fica na su-perfície – observável, por quem está fora da situação.

Sintomasobjetivos

Aprendizagem assistemática

(vida cotidiana)

Sintomas objetivos

específicos (alexia, dislalia, discalculia...)

inespecíficos parada global �

lentidão geral �

detenção global ausência total

(não aparição de conduta)

Nível patogênico � : nível das estruturas e mecanismos que auxiliam na emergência dos sintomas – subfenômeno. É o nível caracterizado pelos obstáculos da aprendizagem:

Epistêmico. �

Epistemofílico. �

Funcional. �

Epistemológico. �

Interessa, aqui, o estudo da afetividade enquanto aspecto energético da estru-tura cognitiva, das funções e dos mecanismos de regulação interna utilizadas. As-pectos afetivos e estruturais que podem ter distintos níveis de desenvolvimento,

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configurando uma constelação dinâmica, ou estrutura total, da qual emergem o sintoma em resposta às informações recebidas do meio.

� Obstáculo epistêmico: (o que começa a partir de uma estrutura cogniti-va) limitação do conhecimento pela restrição que o grau ou nível de cons-trução da estrutura cognitiva compõe a apreensão da realidade. Forma que se constrói a cognição. O conceito desse obstáculo tem como base a teoria piagetiana; o indivíduo vai aprender dentro de sua estrutura cognitiva.

� Obstáculo epistemofílico: (conhecimento – afeto/amor) seu conceito é baseado na teoria freudiana (psicanálise). Consiste em um impedimento ao amor pelo conhecimento, que se pode organizar em três tipos de con-figurações afetivas:

medo de confusão � – resistência a aprender por temor a indiscriminação do que se sabia e do que se vai adquirir. Primeiro momento de vida – indiscriminação – anobjetal;

medo de ataque � – medo que os conhecimentos anteriores sejam ata-cados pelos novos conhecimentos (mecanismo dissociativo). Posição kleiniana (equizoparanoide);

medo de perda � – medo de perder aquilo que já conheceu.

Obstáculo funcional � : função, capacidades isoladas em um sujeito (me-mória, percepção, vocabulário, percepção visomotora...)

Pode ser detectado pela análise qualitativa das provas psicométricas e provas piagetianas (diagnóstico operatório).

Exemplo: distintas formas de pensamento, oscilação do mesmo, predomi-nância da assimilação ou da acomodação, diferentes no uso de justificativas.

Esse conceito é usado como hipótese auxiliar.

Obstáculo epistemológico � : trabalhado no nível institucional, estudado por Pichon-Rivièrie. Indivíduo se apoia contra qualquer coisa que não oponha a sua concepção de mundo – conflito com a cultura.

Nível etiológico � : é o nível da causa originária, que pode ser:

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Orgânica

Psicológica

Conduta reativa

Núcleo neurológico

Neuroses

Núcleo psicótico

Psicose

Má-formação anatômicaAlterações genéticas e metabólicasLesões etc.

Todos os aspectos levantados até então parecem fortalecer um que não pode ser descartado em detrimento de qualquer outro. Esse aspecto é o caráter rela-cional que, quando considerado no entendimento dos problemas de aprendiza-gem, possibilita uma nova e diferente leitura sobre essa questão polêmica, que ronda as diversas instituições educacionais e os demais contextos sociais, nos quais o ser humano está inserido.

Busca-se, dessa forma, uma compreensão mais humana para que consiga-mos mediar situações frente aos problemas de aprendizagem, na qual a apren-dizagem se torne figura sob o fundo dos processos da não aprendizagem, em que espaços sejam criados para a ressignificação do processo de aprender e que as estruturas predeterminadas no ensino se rompam e possibilitem a ampliação e efetiva vivência do real significado do ato de aprender.

Texto complementar

O mal-estar do professor frente à “criança-problema”

(MIRANDA; SANTIAGO, 2007)

Trabalhar com a temática da “criança-problema” tornou-se um desafio, principalmente quando, a partir do lema da escola democratizada no Brasil, nas primeiras décadas do século XX, a exclusão se consolidou. O pressuposto de que incluir a totalidade das crianças nas escolas solucionaria a problemá-tica da segregação apresentou evidente contradição, se nos basearmos nos

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trabalhos de Proença (2004) que demonstram as dificuldades com a qualida-de do ensino.

Dando o testemunho de que algo emperra o campo educacional, estão aqueles alunos nomeados pelos professores como “os desinteressados”, “os indisciplinados”, “os agressivos” e “os sem-limites”. Existe na relação educacio-nal um conflito produtor de mal-estar permeando os intramuros escolares e fazendo derrapar a investida democrática no ensino. A proposta da pre-sente pesquisa foi identificar o que não vai bem nos interstícios dos corre-dores e das salas de aula, dando, portanto, voz aos silêncios e rumores ali instalados.

Elegemos o fórum da relação professor-aluno-saber como espaço privi-legiado que nos aproximasse desse descabido na educação que continua produzindo o fracasso. Focalizando o objeto O mal-estar do professor frente à criança-problema, pretendíamos, por meio de um processo investigativo, encontrar elementos que evidenciassem a implicação da subjetividade dos professores em direção ao seu aluno “problemático”.

O que induziria os professores a aprisionar alguns alunos no estatuto das impossibilidades escolares? Fixados nos rótulos concebidos pela cultura contemporânea, sempre de forma generalizadora e dogmática, alguns pro-fessores não apostavam em uma posição que viabilizasse o acesso do aluno aos bens culturais. Diante do próprio mal-estar instalado na relação ensino- -aprendizagem, o que se delineava como difícil para os professores no en-frentamento das “crianças-problema”?

Em nossa empreitada metodológica, o ponto de partida foi levantar ma-terial teórico concernente à criança, tomando o conceito de infância como uma construção histórica contextualizada. Tínhamos, então, como objetivo, localizar no texto de alguns historiadores, dentre eles, Phillipe Ariès (1981), Mary Del Priore (2004), Greive Veiga (2004) e outros envolvidos com a ques-tão da infância e da criança, elementos que servissem de ancoragem para os estudos da “criança-problema”. Embora o conceito de “criança-problema” tenha surgido no Brasil apenas nas primeiras décadas do século XX, por meio de Arthur Ramos (1939), na tentativa de diferenciar dos considerados “anor-mais” alunos que, de alguma maneira, “não acompanhavam os outros”, era importante para a análise dos dados dessa pesquisa, entender o processo educativo das crianças em tempos diferentes e as possíveis tensões envol-vendo a relação criança-adulto-educação.

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Em uma perspectiva civilizatória1, a educação de crianças parece ter se tornado um fator de regulação de comportamentos e, portanto, produtor de conflitos, mesmo quando a prática educativa não se fazia nos bancos es-colares. Até que ponto uma tensão permanente atravessa o ato de educar, quando as crianças não respondem aos “símbolos socializadores2” empreen-didos pelos adultos?

Ao considerar as concepções científicas em nosso país, prevalentes no século XX – a organicista, a instrumental, a abordagem sociocultural – em sua interface com a educação, pretendemos demarcar as nomeações que serviram para identificar as crianças como sujeitos incapazes, deficitários, marcados por quaisquer limitações. Sob caracterizações depreciativas, essas crianças se diferenciavam das outras como as “anormais”, as “carentes”, as “de-sajustadas”, as “imaturas”, as “inaptas” e as “crianças-problema”.

[...]

A pesquisa de campo se deu através do dispositivo da Conversação3 e, me-diante a oferta da palavra, buscou-se situar a Psicanálise à subjetividade de sua época. Esse procedimento permitiria localizar os pontos de condensação do mal-estar na civilização atual e criar oportunidades para que cada parti-cipante do grupo questionasse as verdades cristalizadas pela cultura. Nessa pesquisa, trabalhamos em dez reuniões com nove professores de crianças de 0 a 9 anos de uma escola pública da cidade de Belo Horizonte.

Com base em nossas investigações, pudemos concluir que, impactados pelo mal-estar que as “crianças-problema” lhes despertavam, os professores se embaraçavam nas atividades de ensinar a essas crianças. Dessa maneira, observamos que os pontos isolados para análise, a partir de suas definições por escrito, não alteram muito os quadros traçados anteriormente nos es-tudos de Ramos (1934), Mello (1984), Patto (1990) e Freller (2004) sobre a “criança-problema”. A lista de características para relacionar as “crianças-pro-blema” deu origem a cinco categorias: (a) agitação e falta de concentração; (b) passividade e desinteresse; (c) agressividade e desrespeito; (d) indiscipli-na e falta de limites e (e) outros.

1 Ao tratar o termo “civilização” tomaremos como base o texto freudiano O mal-estar na civilização (1930). Freud enfatiza ali a tensão entre ego e superego na internalização da autoridade, elemento protetor da vida comunitária. (FREUD [1930] 197, p.146-148).2 Expressão à qual se refere Veiga (2004) em uma das hipóteses levantadas em seu trabalho, para distinguir o tempo da infância do tempo do adulto, como uma “função de regulação sociocultural e de orientação na cadeia das gerações, o que demandou longo processo de apren-dizagem das gerações adultas e das crianças” (VEIGA, 2004, p. 40).3 Dispositivo clínico criado por Jacques Allain-Miller nos anos de 1990, e adotado pelo CIEN (Centro Interdisciplinar de Estudos sobre a Infância), na França, desde 1996, com a finalidade de promover o diálogo da Psicanálise com outros discursos que têm incidência sobre a criança – Ver Lacadèe. 2003.

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Porém, no transcorrer das conversações, foi possível entender detalhada-mente a peculiaridade dos problemas vividos pelos professores com aqueles alunos. Localizamos três pontos de conflitos para os docentes quando lida-vam com a “criança-problema”: (1) Agressividade/Sexualidade; (2) Falhas na imagem corporal e (3) A impotência de saber.

No problema número 1, a agressividade da qual se queixavam os profes-sores estava associada ao mal-estar frente ao desconhecido da sexualidade feminina: “[...] ai, é de não suportar!”, se inquieta a professora. Pudemos ana-lisar que, embora declarassem que os meninos são mais agressivos porque partem para a ação de “bater, socar e ameaçar de faca”, para as professoras era mais difícil suportar a “ironia, o cinismo, o desafio e o confronto” das me-ninas. Até que ponto o mal-estar em relação à “agressividade/sexualidade” atualizava conteúdos recalcados no inconsciente dos professores, referentes à própria realidade subjetiva?

Outro problema levantado nas conversações foi o incômodo expresso diante dos alunos “deficientes-incluídos”, que poderiam estar ressignificando uma falha na imagem corporal dos professores. Falaram, portanto, de sua in-disposição para “chegar perto dos deficientes” e alegaram “falta de preparo” para lidar com eles. O que das “imperfeições” que aquelas crianças traziam evidenciadas no físico, ou oculto em um primeiro momento na disfunção fisiológica – “só vimos depois de algum tempo que ele usava fraldas” – fazia disparar o mal-estar dos professores? Suas crenças narcísicas os mantiveram presos a uma certeza de que as fraturas, os escorregões, os avessos, enfim, não se presentificariam?

Encarnar o diferente não tem sido fácil em nossa cultura, que está sempre pronta a se horrorizar com o diferente ou a se surpreender, como nos mos-trou a professora: “Ele é tortinho, mas consegue fazer gol!”. Talvez valha a pena um alerta quando se implanta uma política pública de inclusão. Para além dos cursos de “preparação” dos professores, a expressão do mal-estar pode abrir caminhos, e não, como se pode pensar a princípio, oferecer resis-tências ao processo.

O terceiro problema levantado pelos professores traz à tona os “proble-mas de aprendizagem” na medida em que declaram uma “impotência para aprender”. Em uma leitura mais afilada pôde-se vislumbrar a relação do pro-fessor com a “criança-problema” em momentos de tensão em que os pro-fessores se sentem desanimados e impotentes perante o saber ensinar. Foi

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possível, também, entrever a mobilização dos professores que se deixaram desafiar por aqueles alunos que lhes são entregues com a predestinação das palavras “esse não tem mais jeito!”.

Se, em alguns momentos, os professores declararam o seu desânimo para trabalhar com tais alunos, em outros, se deixaram tocar pela pulsão de vida, que colocou em movimento o próprio desejo de saber. Fugindo aos procedimentos de “encaixe”, como nos lembra Mrech (1999), os professores se aproximaram do aluno para entender melhor o seu funcionamento parti-cular. Surpreenderam-se e as crianças também, e, quase sempre, o resultado desfez as avaliações antecipadas e generalizadoras. Tecidas na relação pro-fessor-aluno, as significações e os desencontros foram sendo trabalhados. Uma professora chegou a declarar: “Essas crianças são inteligentes!”.

No relato de casos pelos professores nas conversações, pudemos acompa-nhar os vários caminhos empreendidos por eles ao trabalhar com “crianças indiferentes”, com os “problemas de aprendizagem” e os “comportamentos inadequados”. No vaivém dos conflitos e descobertas, tornou-se visível o in-vestimento das professoras e a conexão com o próprio desejo de saber. E isso contagiou a relação professor-aluno-saber. Admirada, a professora declara o sucesso com o aluno “impossível”: “Saí contando pra todo mundo da escola! Tive vontade de soltar foguetes!”. Outra professora dá o seu testemunho:

D - É diferente num espaço assim. Achei legal! E como a Luíza está di-zendo aí, o mínimo que a gente consegue com a criança que tem proble-mas, nossa! A gente fica numa felicidade, de você conseguir... igual hoje, o Maicon, foi da Marília, hoje eu fiquei surpreendida com uma atitude dele, porque... eu estava trabalhando interpretação de texto e ele fez a interpre-tação, oito questões com a minha ajuda, e chegou o horário da Patrícia, eu estava saindo e ele falou: “Não, espera, espera, espera aí pra você corrigir!” E eu corrigi a penúltima questão, sabe, e ele fez questão que eu esperasse ele terminar. Por ser um menino difícil de fazer as coisas, e estava interessado!... Eu sempre faço isso com uns três, difíceis de concentrar... Fiquei feliz porque ele não é muito de concentrar, ele é um menino difícil de concentrar. Mas hoje ele me surpreendeu! Isso dá uma satisfação na gente!... Igual quando os alunos começam a ler, fico super feliz! Aqueles alunos que têm mais difi-culdade, quando você dá o clique e o aluno começa a aprender, isso é muito gratificante! (depoimento de uma professora da pesquisa).

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O mal-estar é inerente à cultura e à educação, de acordo com Freud (1930). Ao se retirar o véu da história da educação de crianças, foi possível vislumbrar uma tensão constante permeando o ato educativo. Nossas in-vestigações nos permitiram divisar, por meio do dispositivo da Conversação, momentos em que a implicação da subjetividade dos professores produziu mal-estar e influenciou a relação professor-aluno-saber quando se tratava de ensinar para a “criança-problema”. Muitas vezes, os próprios educadores são “presas” das marcas impostas pela cultura, entendendo que, responsabilizar o outro pelo que não vai bem, no caso o aluno, pode ser a melhor saída para diluir suas angústias. E aí, repetem estereótipos e ações. Nessa pesquisa pu-demos, também localizar, momentos da docência em que duvidar do rótulo de “criança-problema” possibilitou a criatividade e a invenção dos educado-res, dando margem para que o inédito florescesse. Conectados ao próprio desejo de saber, eles aceitaram o desafio e provocaram o que estagnava a relação ensino-aprendizagem-saber. Suportaram conviver com o vazio ine-rente ao vínculo educativo, como nos lembra Tizio (2003), de onde emerge o singular, o original. Afinal, não aprendemos com Lacan4 (1992) sobre o con-ceito de transferência, como um constante rever cada trilhamento, como um inabalável devir? Talvez esse seja o ponto chave que esse trabalho produziu.

[...]

4 Para Lacan ([1958]1998) a confrontação é um procedimento de intervenção diferente da interpretação. Sem apontar para o fantasma do sujeito, a confrontação seria “uma formulação articulada para levar o sujeito a ter uma visão (insight) de uma de suas condutas (...) possa receber um nome totalmente diferente, como confrontação, por exemplo, nem que seja a do sujeito com seu próprio dizer, sem merecer o de interpretação, simplesmente por ser um dizer esclarecedor” (LACAN, 1998, p. 598).

Dica de estudoO Estilo de Aprendizagem e a Queixa Escolar: entre o saber e o conhecer, de Edith Rubinstein, Editora Casa do Psicólogo.

O livro indicado é uma obra que nos mostra uma sistematização das reflexões sobre aprendizagem e as dificuldades de aprendizagem que passam pelas con-cepções do construtivismo e da Psicanálise, enfocando as dificuldades a partir dos estilos de aprendizagem, isto é, da construção da singularidade de cada processo.

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Atividades 1. A partir dos depoimentos descritos a seguir (MACHADO; SOUZA, 1997), refli-

ta sobre a construção da queixa escolar, tomando como referência os pres-supostos trabalhados em aula.

“Acho que foi porque quando ele era pequeno ele caiu de uma laje e bateu �a cabeça “.

“Ele tem problema no coração, fica nervoso à toa”. �

“Eu não sei não, a professora é que disse que ele está precisando de trata- �mento”.

“Eu não sei por que na escola ele não aprende, porque eu o acho um me- �nino esperto. Faz um monte de coisas para mim. Ajuda muito em casa. Ele me ajuda a fazer contas, ler coisas, pegar ônibus. E a professora diz que ele não aprende. Não sei o que é”.

“Ele lê para mim as cartas que chegam, todinhas, e na aula a professora diz �que ele não quer ler”.

2. De que maneira o Modelo Nosográfico auxilia o educador na ressignificação do seu olhar sobre as dificuldades de aprendizagem? Faça uma análise sobre o assunto.

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3. A partir da análise anterior reflita sobre esta afirmativa: “Toda criança que apresenta dificuldades de leitura pode ser classificada como disléxica”.

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Aprendizagem e as bases neuropsicológicasEnfocar a aprendizagem como um processo complexo, estruturado

a partir de um ato motor e perceptivo, que elaborado corticalmente dá origem à cognição, é dizer que a aprendizagem não se “configura nem define uma estrutura como tal” (PAIN, 1986, p. 15).

A aprendizagem, enquanto processo de construção, define-se como um efeito que, a partir de uma articulação de esquemas, sugere que dife-rentes dimensões coexistem para possibilitar ao ser humano configurar uma dinâmica própria de funcionamento, caracterizando assim o seu pro-cesso de aprendizagem.

Muitos autores descrevem essas dimensões a partir de diferentes axio-mas, que perpassam a base estrutural, funcional, energética e social. Reto-mando o pensamento de Sara Pain (1986), ela descreve a aprendizagem como um acontecimento histórico em que coincide um organismo, uma etapa genética da inteligência e um sujeito associado a outras estruturas teóricas. Nessa articulação de esquemas, pode-se incluir uma dimensão biológica de caráter estruturante, uma dimensão cognitiva de continuida-de biológica funcional, uma dimensão social que se insere na dimensão da cultura provendo a educação e a dimensão afetiva que, definitivamen-te, personaliza o aprender, pois visualiza aspectos estruturais da persona-lidade dos agentes desse processo.

Jorge Visca, que postulou a linha teórica da Epistemologia Convergen-te, possibilitando uma leitura do processo de aprendizagem, entende esse processo à luz de sua teoria e o realiza pela integração da Escola de Gene-bra, da Escola Psicanalista e da Psicologia Social. Apresenta a aprendiza-gem como um esquema evolutivo com base interacionista, estruturalista e construtivista. Aprendizagem, portanto é o “resultado de uma constru-ção (princípio construtivista) dada em virtude de uma interação (princípio interacionista) que coloca em jogo a pessoa total (princípio estruturalista)” (VISCA, 1988, p. 56).

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Intervenção Piscopedagógica na Escola

Tomando esses aspectos por base, é importante que a noção que se constrói sobre um processo de aprendizagem esteja respaldada pelo conhecimento das possíveis condutas aprendíveis do sujeito, dentro de um determinado contex-to sociocultural, em função das competências por ele adquiridas nos distintos níveis de aprendizagem.

Partindo de uma concepção mais funcionalista, outros autores explicam a aprendizagem como função do cérebro, mediante uma atividade mental resul-tante de um conjunto das áreas cerebrais funcionando e se modificando sis-tematicamente na inter-relação do sujeito com o meio ambiente. Para haver aprendizagem adequada, pressupõe-se bases neurológicas íntegras, isto é, no processo de maturação neuronal há um contínuo equilíbrio morfológico e fun-cional, que pode estar ameaçado por alterações prévias do código genético, ou por influências externas, como meio ambiente, família, escola e sociedade (FUNAYAMA et al., 2000, p. 13).

Para Larry Silver (1994, s.p.), é conveniente dividir o processo de aprender em quatro fases:

1. Registro da informação no cérebro (entrada).

2. Organização e entendimento dessa informação (integração).

3. Armazenamento (memória).

4. A informação percorre o cérebro e é traduzida em ação no meio (saída – ato motor).

A informação entra no cérebro por meio dos sentidos, considerando o fun-cionamento íntegro de todos os órgãos. Segundo Lent (2008, p. 134) os sistemas sensoriais, os quais continuamente alimentam o sistema nervoso central com grande variedade de informações, nos dão a perspectiva do mundo que nos cerca e de certos aspectos do meio orgânico interno.

O processamento da informação recebida não se refere à condição física dos órgãos, mas à forma como o cérebro processa o estímulo. A percepção é o termo que se usa para esse processo central de perceber o mundo. Ao ser registrada, a informação deve ser colocada em ordem correta (sequencial), entendida no contexto em que aparece (abstração) e interligada com outras informações pre-existentes (organização). Após ser registrada, integrada, a informação deve ser armazenada, de modo a possibilitar sua recuperação em momento posterior.

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A aprendizagem sob o enfoque da Neuropsicologia

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As relações que se estabelecem entre as funções cerebrais e o comportamen-to humano são objetos de estudo da Neuropsicologia, que busca compreender como se processa a atividade mental evocada pelo estímulo externo. Essa con-cepção não percebe o cérebro como um sistema fechado, com funções predefi-nidas, mas sim o configura como um sistema aberto, com plasticidade funcional, que está em constante interação com o meio, adaptando-se a diferentes necessi-dades, servindo a diversas funções estabelecidas no desenvolvimento humano.

O cérebro, portanto, não é um sistema de funções fixas e imutáveis, mas um sistema aberto de grande plasticidade, cuja estrutura e modos de funcionamen-to são moldados ao longo da história da espécie e do desenvolvimento indivi-dual. Dadas as imensas possibilidades de realização humana, essa plasticidade é essencial: o cérebro pode servir a novas funções criadas na história do homem (KOHL, 1993, p. 24).

Para a Neuropsicologia, segundo Riechi (2002, p. 5), as dimensões que inte-ragem, configurando a aprendizagem do ser humano, podem ser classificadas como: orgânica, sociocultural, afetiva e intelectual. Nessa configuração, há uma dinâmica de estruturas sensoriais, perceptivas, cognitivas e motoras que coexis-tem quantitativa e qualitativamente habilitando o sujeito para a aprendizagem.

Ainda, segundo a mesma autora, as bases neuropsicológicas da aprendiza-gem são essenciais para se entender a funcionalidade cerebral que efetiva fun-ções como: memória, percepção, discriminação, orientação, motricidade, entre outras.

Entender os processos internos (neurofisiológicos), que estão envolvidos no desenvolvimento cognitivo, psíquico e social do sujeito, e que caracterizam sua forma de aprendizagem e seus mecanismos e ações internas é determinan-te para os processos externos de intervenção pedagógica, psicológica e psico-pedagógica, que objetivam a reorganização e potencialização do processo de aprendizagem.

Portanto, é importante que se atinja essa compreensão, a partir de uma abor-dagem que relacione o funcionamento cerebral com a aprendizagem, enquanto comportamento humano. Esse funcionamento se dá pela dinâmica do proces-samento de informações, caracterizado pelas rotas funcionais, nas quais estru-turas mentais se organizam a partir de elementos necessários para que ocorra a aprendizagem (RIECHI, 2002, p. 8).

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Pode-se citar algumas habilidades mentais superiores que caracterizam as es-truturas mentais e subsidiam, neuropsicologicamente, o processo de aprendiza-gem. Segundo Antunha (apud RIECHI, 2002, p. 7), podem ser: “funções motoras, linguagem receptiva, linguagem expressiva, memória, processos intelectuais, habilidades aritméticas, organização acústico-motora, funções visuais, leitura e escrita e funções sinestésicas”.

A Neuropsicologia e o processo de aquisição da leitura e escrita

A essência do processo de alfabetização é caracterizada pela aquisição da leitura e da escrita, sabe-se, porém, que esses dois processos evoluem a partir da aquisição da linguagem, que localiza sua gênese na experiência que transforma, a partir das habilidades mentais, estímulos (informações) em ações motoras (fala, escrita...).

Segundo Johnson e Myklebust (1991, s.p.), o sujeito não adquire primeiro as palavras e depois os significados. A experiência significativa leva-o a interiorizar seu ambiente para começar a compreender as palavras que representam suas experiências. Esse processo pode ser chamado de linguagem interior, que evolui para a linguagem auditiva receptiva, o que permite a compreensão das palavras. A linguagem auditiva expressiva caracteriza-se pela imitação, é quando a crian-ça passa a usar símbolos verbais usados pelos adultos com o objetivo de nomear objetos – fala.

A compreensão da palavra impressa – leitura – caracteriza um outro nível do desenvolvimento da linguagem em que a linguagem auditiva é relacionada à lin-guagem visual, havendo correspondência entre os sinais auditivos (fonéticos) e os sinais visuais (gráficos). Assim, “a leitura é um processo cognitivo que envolve apti-dões auditivas e visuais e suas inter-relações dialéticas” (FONSECA, 1995, p. 20).

Num último estágio do desenvolvimento da linguagem, há a linguagem visual expressiva – escrita –, que não se caracteriza por uma capacidade isolada, ela requer inúmeras operações cognitivas que resultam da interação dos níveis anteriores da hierarquia da linguagem.

Para que esses processos essenciais da alfabetização se configurem adequa-damente, é necessário que habilidades mentais superiores estejam envolvidas harmonicamente, configurando uma dinâmica de funcionamento que caracteri-za a plasticidade cerebral do sujeito e o foco da atenção da Neuropsicologia.

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Segundo Fuentes (et al., 2008) à medida que as crianças aprendem os nomes e os sons das letras, elas começam a compreender que as letras representam sons na pronúncia das palavras e passam a aprender a ler por meio do processa-mento e do armazenamento de relações entre as letras e os sons.

Comparando as descrições feitas por Morais (1992, p. 29), Riech (2002, p. 38), essas habilidades podem ser classificadas, como:

Funções receptivas � – as sensações, canal de entrada dos estímulos exter-nos, atuam isoladamente, porém trabalham em conjunto transformando sensações isoladas em percepção integral. Isso significa que o homem não se limita a estabelecer traços indicadores do objeto, mas sempre o atribui a certa categoria. Há um exercício de constantes análises e sínteses, fren-te a uma tarefa que é exigida do sujeito, em que ele, do objeto, ressalta indícios essenciais e inibe os secundários, tornando sua percepção direta e dirigível. É como se cada experiência sentida por meio dos órgãos dos sentidos tivesse significados diferenciados. Nessa função, pode-se carac-terizar como habilidades específicas a serem priorizadas:

Ritmo � – percepção da ocorrência dos sons e das pausas (duração e su-cessão).

Análise e síntese visual e auditiva � – decomposição em partes constituin-tes e recomposição em um todo, tanto no plano visual quanto no pla-no auditivo.

Percepção e discriminação de semelhanças e diferenças – � tamanho, forma, cor, som, posição.

Constância de percepção de forma e tamanho – � capacidade de perceber que um objeto permanece inalterado apesar da posição que ocupa no espaço.

Percepção de figura-fundo, visual e auditivo – � capacidade de perceber estímulos significativos, selecionados a partir da necessidade de uma assimilação.

Closura visual. �

Funções expressivas � – são aquelas caracterizadas pelo ato motor, o mo-mento em que o sujeito dá uma resposta ao meio externo a partir das informações recebidas e integradas.

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Intervenção Piscopedagógica na Escola

Linguagem oral – � pronúncia, vocabulário; capacidade de falar correta-mente as palavras, conhecendo seu significado com base na própria experiência.

Sintaxe oral – � habilidade de formular frases, elaboração mental das unidades básicas do pensamento.

Coordenação visomotora – � integração entre visão e movimentos do corpo, gerais ou específicos.

Coordenação motora global – � movimentos que envolvem os grandes músculos e o equilíbrio postural.

Coordenação motora fina – � habilidade e destreza manual; constitui aspecto particular da coordenação geral.

Orientação – � diz respeito à percepção resultante das interações do su-jeito com ele mesmo e com os objetos de seu meio, com as pessoas com quem convive e com o mundo com o qual estabelece ligações.

Esquema corporal – � conhecimento consciente e intelectual do corpo e da função de seus órgãos, conhecimento resultante das experiências táteis e demais sensações que provêm do corpo. Regula a postura e o equilíbrio.

Orientação temporal – � relaciona-se às atividades auditivas, engloba conceitos fundamentais como duração e sucessão.

Orientação espacial – � relaciona-se às atividades visuais, engloba a per-cepção absoluta de um objeto no espaço (tamanho, distância...).

Lateralidade – � Uso preferencial de um lado do corpo para realização de atividades, é definida pela maturação neurológica e refere-se a olhos, ouvidos, mãos e pés.

Conhecimento de direita e esquerda – � relacionado diretamente ao conceito de esquema corporal e de lateralidade, permitindo à criança distinguir o lado direito e o lado esquerdo em si, nas outras pessoas e nos objetos.

Regulação � – funciona dando subsídio para o funcionamento das demais funções mentais superiores. Mantém as atividades cerebrais em funcio-namento adequado. É composta pelas funções de planejamento mental, retroalimentação, tenacidade, atenção concentrada e seletiva.

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Memória � – mecanismo de reconhecimento e de reutilização de informa-ções retidas e aprendidas, é de fundamental importância para o conheci-mento, sendo descrita como uma função neuropsicológica imprescindível para a aprendizagem.

Memória visual – � é a capacidade do sujeito reter com exatidão, a longo ou a curto prazo, uma série de estímulos apresentados visualmente. Está relacionada com a atenção e com a figura-fundo.

Memória auditiva – � permite a retenção e a recordação das informações captadas auditivamente.

Memória sinestésica – � capacidade de o sujeito reter os movimentos motores necessários à realização gráfica uma vez que entra em contato com o universo simbólico (leitura e escrita).

Alfabetização: o processo de leitura e escritaDiferentemente do que se pensava até há pouco tempo, o processo de aqui-

sição da leitura e da escrita não se dá somente no ambiente escolar, pelo contrá-rio, o ambiente escolar servirá como uma espécie de organizador do processo de letramento, o qual se inicia no ambiente familiar e na comunidade a qual pertence a criança. Diante dessa afirmação, sabe-se o quanto é importante a estimulação que a criança recebe no seu dia a dia para que se sinta seduzida a entrar no universo da palavra.

A alfabetização é um processo de construção de hipóteses sobre o funciona-mento do sistema alfabético de escrita. Para aprender a ler e a escrever, o aluno precisa participar de situações que colocam a necessidade de refletir, transfor-mando informações em conhecimento próprio e enfrentando desafios.

Inicialmente, a inserção da criança no universo da linguagem se faz por meio do diálogo, da conversa, seja na família ou em sua comunidade restrita, antes mesmo de frequentar os bancos escolares. Para se compreender a evolução desta ação, Coll e Teberoski (2000, p. 73) afirmam que há muito tempo as pessoas utilizam a palavra para se comunicar. Os seres humanos começaram a falar por necessidade. Precisavam se comunicar e inventaram palavras para trocar ideias e desenvolver atitudes. As primeiras palavras deviam ser simples, por exemplo, um grunhido poderia querer dizer “fogo!”, outro, “cuidado!”.

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À medida que o tempo foi passando, a linguagem foi se tornando mais evolu-ída, mais complexa. As crianças, quando pequenas, aprendem a falar para conse-guirem o que desejam e, ao mesmo tempo, entram em contato com os objetos e com as pessoas para se comunicarem. A necessidade de compreender o mundo que cerca uma criança faz com que ela busque se apropriar de um vocabulário cada vez maior para dar conta das suas perguntas. Além da aquisição de um vocabulário mais complexo, o diálogo e as conversas são atividades essenciais na vida de uma pessoa, pois permitem que esta organize seu pensamento, auxi-liando-a em seu desenvolvimento cognitivo (OLIVEIRA; WINKLER, 2003).

A linguagem na forma oral, portanto, precede a forma escrita. A partir da aqui-sição da linguagem oral é que a criança vai percorrer o longo caminho descrito por Emília Ferreiro, psicóloga e pesquisadora argentina radicada no México, cujo doutorado foi realizado na Universidade de Genebra sob a orientação de Jean Piaget e Ana Teberoski, pedagoga espanhola, para concluir que cada fonema é representado por um grafema e que um conjunto deles poderá formar uma palavra, depois um conjunto de palavras com significado formará uma frase, um texto e assim por diante. O caminho não é necessariamente nessa ordem, mas a criança, a partir do texto e do contexto, poderá concluir essa premissa da língua escrita. Para dar conta desse processo, diferentes educadores buscaram alterna-tivas variadas, as quais, hoje, são extremamente discutidas.

Uma das grandes discussões que se instalou fortemente nos meios educa-cionais acerca da alfabetização, girou em torno do uso ou não da cartilha como instrumento para a aquisição do processo de leitura e escrita. Sabe-se, entretan-to, que a cartilha rigidamente utilizada por alfabetizadores realmente restringe o universo da criança, pois nem sempre possibilita o uso de recursos criativos que mobilizam muito mais o ato de ler e escrever. Porém, há impressos atuais, os quais não seriam chamados necessariamente de cartilhas e sim de materiais dis-paradores para esse processo, que têm se mostrado muito eficazes, pois têm ga-rantido a organização da atividade docente, possibilitando ao professor que este vislumbre um caminho mais seguro diante do desafio de alfabetizar crianças.

Outra polêmica que existe no ensino da língua escrita se refere ao ensino do som das letras ou não, como se ensinar o som das letras fosse um pecado nas escolas que dizem seguir as ideias da Psicogênese da Escrita pronunciadas por Ferreiro (1992) e Coll e Teberoski (2000). Os estudos realizados por essas duas grandes estrelas da área da Alfabetização indubitavelmente são de grande valia para que se compreenda como a criança constrói diferentes hipóteses ao longo do período de alfabetização. Elas, porém, não constituíram um método, mas sim um referencial explicativo sobre o processo de letramento.

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Quanto ao processo de construção da escrita, segundo Ferreiro (1992, p. 69), pode-se afirmar que a criança passa por diferentes níveis estruturais da lingua-gem. São os seguintes:

Nível pré-silábico � – não se busca correspondência com o som; as hipó-teses das crianças são estabelecidas em torno do tipo e da quantidade de grafismo. A criança tenta nesse nível:

diferenciar entre desenho e escrita; �

utilizar no mínimo duas ou três letras para poder escrever palavras; �

reproduzir os traços da escrita, de acordo com seu contato com as for- �mas gráficas (imprensa ou cursiva), escolhendo a que lhe é mais fami-liar para usar nas suas hipóteses de escrita;

percebe que é preciso variar os caracteres para obter palavras diferentes. �

Nível silábico � – pode ser dividido entre silábico e silábico alfabético:

silábico – � a criança compreende que as diferenças na representação escrita estão relacionadas ao “som” das palavras, o que a leva a sentir a necessidade de usar uma forma de grafia para cada som. Utiliza os símbolos gráficos de forma aleatória, usando, ora apenas consoantes, ora apenas vogais, ora letras inventadas, repetindo-as de acordo com o número de sílabas das palavras;

silábico-alfabético – � convivem as formas de fazer corresponder os sons às formas silábica e alfabética e a criança pode escolher as letras ou de forma ortográfica ou fonética.

Nível alfabético � – a criança agora entende que:

a sílaba não pode ser considerada uma unidade e que pode ser separa- �da em unidades menores;

a identificação do som não é garantia da identificação da letra, o que �pode gerar as frequentes dificuldades ortográficas;

a escrita supõe a necessidade da análise fonética das palavras. �

Smolka (1996, p. 72) diz que se pode entender o processo de aquisição da es-crita pelas crianças sob diferentes pontos de vista: o ponto de vista mais comum em que a escrita é imutável e deve se seguir o modelo “correto” do adulto; o

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ponto de vista do trabalho de Emília Ferreiro, em que a escrita é um objeto de conhecimento, levando em conta as tentativas individuais infantis; e o ponto de vista da interação, o aspecto social da escrita, em que a alfabetização é um pro-cesso discursivo. Cabe a cada psicopedagogo pensar nesses três pontos de vista e construir a própria concepção.

Ressalta ainda a autora que, para a alfabetização ter sentido e ser um processo in-terativo, a escola tem que trabalhar com o contexto da criança, com histórias e com intervenções das próprias crianças que podem aglutinar, contrair, “engolir” palavras, desde que essas palavras ou histórias façam algum sentido para elas. Os “erros” das crianças podem ser trabalhados. Ao contrário do que a maioria das escolas pensam, esses “erros” demonstram uma construção e com o tempo vão diminuindo, pois as crianças começam a se preocupar com outras coisas (como ortografia) com que não se preocupavam antes, pois estavam apenas descobrindo a escrita.

Para o trabalho interventivo no processo de alfabetização, o educador deve levar em consideração que nenhuma criança urbana chega ao universo esco-lar totalmente crua no que se refere à escrita; deve, portanto, propiciar que a criança traga à sala de aula suas construções, suas observações, suas conclusões elaboradas acerca do conhecimento da palavra escrita.

Seguem algumas sugestões para facilitar o processo de construção da leitura e da escrita em sala de aula:

Preparar as aulas cuidadosamente procurando, nas atividades escritas, �antecipar-se aos alunos, escrevendo as formas convencionais no quadro de giz.

Montar atividades em que apareçam as palavras problemas, tais como lei- �turas e reconstrução do texto dos alunos.

Sistematizar intensas exposições prévias dos alunos a situações de lingua- �gem e de vida em conversações, dramatizações, relatos, reconstruções dos próprios textos; facilitar o acesso a instrumentos como: jornais, revis-tas, livros etc.

Exercitar o domínio da norma culta da linguagem, sem desvalorizar a for- �ma de expressão do aluno, como uma nova forma da qual a criança pode dispor para certos fins, acostumando-a a comparar como falam, por exem-plo, o pedreiro, a professora etc. e a utilizar normas diversas em situações diferentes (formais ou coloquiais), ou ainda a encontrar essas variantes em falas de personagens de textos etc.

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Deixar as crianças bem à vontade para que elas não tenham medo de per- �guntar como se escreve e saibam que as grafias incorretas não derivam de suas insuficiências.

Propiciar momentos lúdicos com as palavras, mudando letras e conse- �quentemente as sílabas, as palavras para ressaltar as mudanças em seu significado.

Permitir que as crianças construam glossários, envolvendo tanto a escrita �de diferentes palavras e seus significados escritos, como a expressão dos mesmos em desenhos, pois essa articulação permite uma compreensão mais significativa acerca da palavra.

Cabe ao educador permitir-se ser criativo em todo esse processo, não exer-cendo sua ação pedagógica radicalmente em uma ou outra concepção, mas, sim, conhecendo as reais necessidades dos seus alunos e adequando suas es-tratégias de ensino às estratégias de aprendizagem deles. Seria cômodo dizer “use ou não uma cartilha”, “ensine ou não a unidade sonora das palavras”, “isto ou aquilo”. Todavia o mais coerente nesse processo repousa em uma única pre-missa: não hesitar em ousar, usar todo e qualquer recurso que permita aos seus alunos aprenderem adequadamente.

Texto complementar

As dislexias de desenvolvimento: aspectos neuropsicológicos e cognitivos

(SALLES; PARENTE; MACHADO, 2004)

IntroduçãoO estudo dos problemas de leitura é bastante antigo e existem divergên-

cias quanto às perspectivas teórico-metodológicas assumidas. Muitas teorias foram elaboradas em várias áreas do conhecimento (Neurologia, Psicologia, Educação) para descrever e explicar os déficits na aprendizagem da leitura e escrita em crianças. Neste artigo pretende-se expor uma revisão sobre as pes-quisas que utilizam a Neuropsicologia e a Psicologia Cognitiva, abordagem de

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Processamento da Informação, como aportes teóricos de base, e analisar a contribuição destes no estabelecimento de estratégias de intervenção efeti-vas nas dislexias de desenvolvimento. Pretende-se apresentar um panorama geral da área, salientando os problemas neste campo de estudos.

Antes de tratarmos especificamente da caracterização dos transtornos de leitura, exploraremos como as abordagens cognitivas consideram o processo de leitura competente (modelos cognitivos da leitura). Em seguida, trataremos dos conceitos de dificuldades específicas de aprendizagem, e em particular de dislexia, bem como dos tipos de leitores disléxicos e dos fatores etiológicos das dificuldades de aprendizagem da leitura. Finalmente, serão explanadas as implicações desses estudos para as abordagens de intervenção.

O enfoque teórico adotado na condução do tema está baseado nos es-tudos da Neuropsicologia Infantil, que enfatiza a relação entre as funções psicológicas e as estruturas cerebrais, durante sua formação e desenvolvi-mento (SOLOVIEVA; ROJAS, 2001), e na Psicologia Cognitiva, abordagem de Processamento da Informação, que estuda o modo como as pessoas perce-bem, aprendem, recordam e pensam sobre a informação (STERNBERG, 2000) – neste caso, os estímulos gráficos. Essas disciplinas focalizam a análise dos processos neurocognitivos subjacentes à habilidade de ler, tanto no leitor proficiente, no leitor iniciante, como naqueles com distúrbios de leitura.

O processo de leitura competente envolve fluência e automatismo (pre-cisão e rapidez) no reconhecimento de palavras e compreensão do material lido (MERCER; CAMPBELL; MILLER; MERCER; LANE, 2000). O reconhecimento de palavras (acesso ao léxico mental), em um sistema de escrita alfabético, pode ocorrer por meio de um processo visual direto (rota lexical) ou por meio de um processo envolvendo mediação fonológica. Recebem, conse-quentemente, o nome de modelos de leitura de dupla-rota (ELLIS; YOUNG, 1988; ELLIS, 1995; HILLIS; CARAMAZZA, 1992, por exemplo). A Rota Fono-lógica utiliza o processo de conversão grafema-fonema, permitindo uma pronúncia precisa das palavras que possuem correspondência letra-som regular. Na Rota Lexical, geralmente utilizada por leitores proficientes, as representações de palavras familiares são armazenadas em um léxico de entrada visual, que permite acesso direto ao significado. No leitor hábil, as duas rotas estão disponíveis e podem intervir paralelamente na leitura, porém a rota lexical tem papel central na obtenção da competência em lei-tura (SEYMOUR, 1987).

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Após os processos mais básicos de leitura, como identificação e extração do significado de palavras individuais, outros processos operam na frase ou sentença, e também tratam da organização global ou da estrutura temática de toda uma história (SALLES, 2001), que são os processos envolvidos na ha-bilidade de compreensão de leitura.

As dislexias de desenvolvimentoApós uma breve exposição do que se entende por leitor competente,

serão então analisados os processos subjacentes às dificuldades de apren-dizagem da leitura. Na perspectiva neuropsicológica, as dificuldades de aprendizagem (learning disabilities) são entendidas como um conjunto de desordens sistêmicas e parciais da aprendizagem escolar que surgem como consequência de uma insuficiência funcional de um ou vários sistemas cere-brais. Esses sistemas cerebrais têm a responsabilidade de assegurar o surgi-mento de uma ou várias cadeias interligadas dentro da estrutura psicológica no processo de aprendizagem (SANTANA, 2001). Quando ocorrem falhas nesse processo, a aprendizagem torna-se deficitária.

Um pressuposto básico subjacente à abordagem neuropsicológica é o da modularidade, que propõe que o sistema cognitivo possui vários módulos ou processadores cognitivos de relativa independência. O dano causado a um módulo não afeta diretamente o funcionamento dos demais. Cada módulo (como linguagem oral, leitura, percepção visual, percepção auditiva, memó-ria...) decompõe-se em subprocessos. As dissociações encontradas entre pa-cientes, ou seja, casos em que alguns processos de leitura estão preservados (ex.: leitura de palavras familiares) enquanto outros estão prejudicados (ex.: lei-tura de palavras não familiares e de palavras inventadas), enfatizam a estrutura modular dos sistemas de processamento da informação subjacentes à leitura.

Ressalta-se a diferenciação entre crianças que apresentam distúrbios de aprendizagem gerais, e, portanto, apresentam problemas com a maioria das matérias escolares, daquelas que apresentam uma dificuldade específica – em leitura, por exemplo. As crianças cujo nível geral de desenvolvimento intelectual é normal, mas que apesar disso apresentam dificuldades em tare-fas específicas (como leitura), são classificadas como tendo uma “dificuldade específica de aprendizagem” (DOCKRELL; MCSHANE, 2000) – nesse caso, difi-culdade específica de aprendizagem da leitura, também denominada disle-xia de desenvolvimento.

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Intervenção Piscopedagógica na Escola

É importante considerar a diferença entre dislexia primária ou específica, ou de desenvolvimento, na qual o fracasso na aquisição da completa com-petência na leitura/escrita é de origem constitucional, e dislexia adquirida ou sintomática, na qual as habilidades de leitura/escrita, já normalmente de-senvolvidas, são perdidas como resultado de uma lesão cerebral (SPREEN; RISSER; EDGEL, 1995; PINHEIRO, 1995).

A definição do conceito de dislexia talvez seja um dos aspectos mais controversos da área. São tantas as nomenclaturas propostas e descrições das características das crianças, que fica difícil saber quando nos referimos à mesma síndrome e quando tratamos de quadros diferentes. Segundo os critérios do DSM-IV-TR (2002), o transtorno da leitura (dislexia) consiste em rendimento em leitura substancialmente inferior ao esperado para a idade cronológica, inteligência e escolaridade do indivíduo. De acordo com Nunes, Buarque e Bryant (2001), crianças com dislexia de desenvolvimento apresen-tam dificuldades na aprendizagem da leitura e escrita consideradas muito maiores do que se esperaria a partir do seu nível intelectual.

A maioria das definições das dificuldades específicas de leitura estabele-ce critérios de comparação entre o nível de leitura e o Quociente Intelectual (QI). Porém, QI mais baixo pode ser consequência de uma menor exposição a materiais escritos (MORAIS, 1996; NUNES; COLS, 2001). Além disso, não há instrumentos padronizados para avaliação da dislexia no Brasil que descre-vam o nível de leitura esperado para a escolaridade e faixa etária. Em função disso, os processos de identificação dessas crianças diferem, tornando ex-tremamente subjetiva a rotulação das crianças como tendo dificuldades de aprendizagem da leitura (STERNBERG; GRIGORENKO, 2003).

Um outro problema nas definições tradicionais de dislexia é o fato de que se deve excluir déficit sensorial, problemas emocionais, meio social muito desfavorável e danos neurológicos evidentes como causa dos problemas de leitura. Considerando a população brasileira que frequenta escolas públicas, dificilmente conseguiríamos diagnosticar com segurança um quadro de dis-lexia se tivéssemos que excluir todos esses fatores.

Dada a fragilidade dos critérios diagnósticos tradicionais, baseados em uma metodologia de exclusão, salientamos a definição de Sternberg e Grigorenko (2003), que propõem uma caracterização do quadro. Os principais indicadores

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das dificuldades de aprendizagem da leitura, segundo eles, são dificuldades em decodificar e analisar fonemas dentro das palavras (consciência fonológi-ca), sendo estas específicas para o processamento de símbolos escritos.

Uma questão crucial no estudo das dislexias é o fato de que a definição e o diagnóstico dependem das características do sistema de escrita. Mesmo entre os sistemas de escrita alfabéticos há diferenças significativas. O inglês e o francês são sistemas ortográficos bastante irregulares, ao contrário do português e do espanhol, que têm uma ortografia regular ou quase regular (PARENTE; SILVEIRA; LECOURS, 1997). Isto conduz à impossibilidade do uso direto de padrões de pesquisas realizadas na língua inglesa para avaliação de crianças alfabetizadas no sistema de escrita do português.

A estimativa das taxas de prevalência dos distúrbios de leitura também se torna problemática, já que depende da definição usada para dislexia (BEI-TCHMAN; YOUNG, 1997) e dos instrumentos utilizados para o diagnóstico. Não foram encontrados dados nacionais a respeito da prevalência das dis-lexias. Considerando a população norte-americana, a prevalência de todas as formas de dislexia combinadas é estimada em 20% (SPREEN; COLS, 1995). Na Inglaterra as dificuldades específicas de leitura atingem de 3 a 5% das crianças em idade escolar, sem incluir aquelas cuja dificuldade de leitura é esperada em função do baixo QI (PINHEIRO, 1995). A incidência de dislexia na população geral é estimada em cerca de 10 a 15% (IANHEZ; NICO, 2002).

[...]

Considerações finaisAcreditamos ser necessária uma efetiva incorporação dos achados das

pesquisas atuais ao fazer clínico. Nunes e Cols (2001) salientam que alguns psicólogos e pedagogos de instituições públicas não incluem avaliação da leitura e escrita em crianças com queixa de dificuldades de leitura. Tanto esses profissionais como aqueles atuando em consultórios não avaliam o de-sempenho das crianças em tarefas de consciência fonológica, demonstran-do o reduzido impacto dos estudos na área sobre a prática clínica no Brasil. Ainda há certo distanciamento entre pesquisa e prática em muitas áreas da educação, especialmente na avaliação e ensino da leitura.

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Intervenção Piscopedagógica na Escola

Dica de estudoCognição, Neuropsicologia e Aprendizagem. Abordagem neuropsicológica e psico-pedagógica, de Vitor Fonseca, Editora Vozes.

Essa obra enfoca a educação cognitiva por se tornar crucial para a escola re-gular. Sua sobrevivência como sistema formativo de recursos humanos em qual-quer grau ou nível requer um currículo cognitivo enfocado no desenvolvimento de funções que estão na origem dos processos de aprendizagem simbólicos e superiores. Isso não só traz melhoria para a cognição, mas também dinamiza a motivação para aprender a aprender e, por empatia funcional, também melhora as relações interpessoais, podendo, com eficácia, conter, ou pelo menos reduzir, os deficientes encaminhamentos para situações escolares de exclusão social ou de estigmatização e discriminação negativa.

Atividade1. Realize a leitura do caso que está descrito a seguir e identifique os aspectos

que estão relacionados com as condutas neuropsicológicas que interferem no processo de aprendizagem da criança em questão.

Nome fictício: Soraia

Idade: 7 anos completos

Sexo: feminino

Escolaridade: Jardim III

A criança em questão possui um encaminhamento neurológico, que iden-tifica seus sintomas como “Epilepsia Mioclônica Estática” com dificuldades no equilíbrio estático, dinâmico e na linguagem. Faz uso de medicamento.

Soraia é uma criança com muita dificuldade em estabelecer vínculos, suas respostas são monossilábicas ou se expressa por gestos automatizados, não direciona o olhar para as pessoas, prevalecendo sempre ações egocêntricas sobre as relações cooperativas. Quando em contato com materiais dos mais diversos tipos, parece ter uma necessidade de explorá-los, porém suas ações estão sempre acompanhadas por um impulso de limpeza. Quando manipula

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A aprendizagem sob o enfoque da Neuropsicologia

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os materiais parece querer representar algo real, porém sem compreensão e sem expressão oral.

Seu registro gráfico restringe-se a garatujas ordenadas, com traçado firme, tendo preferência por cores fortes. No geral seus procedimentos mos-tram uma predominância no fazer e não no compreender, levando a crer que a função da linguagem ainda em desenvolvimento, poderia ajudá-la a ampliar seus potenciais no que se refere ao pensamento e ação. No que se refere ao aspecto motor, tem dominância lateral direita, com uma rigidez muscular geral, demonstrando dificuldades para relaxar, principalmente seu lado esquerdo. De modo geral seus movimentos são lentos e tensos, como se estivesse constantemente em estado de alerta, criando um limite corpo-ral frente ao externo (muralha tônica). Sua postura corporal é desalinhada, desequilibrada e instável. O desenho da figura humana é caracterizado por rabiscos, no entanto nomeia algumas partes de maneira correta, quando diante de uma figura de uma menina. Não reconhece direita e esquerda em si mesmo, nem no objeto ou em outra pessoa. Em relação aos conceitos es-paciais demonstra dificuldades em estabelecer correlações (dentro – fora, longe – perto), bem como não apresenta indícios de temporalidade desco-nhecendo qualquer conceito nesse aspecto. Sua percepção e coordenação viso motora é imatura.

Pouco explora o espaço em que se encontra, quando faz tem dificuldade em encontrar um lugar onde consiga relaxar, sua postura e atitudes mudam constantemente como se estivesse inquieta e instável, não apresentando ritmo corporal equilibrado. Nas atividades que envolvem uma participa-ção corporal maior, demonstra desinteresse, resistência e às vezes indícios de agressividade. Sua produção pedagógica consiste em cópias incorretas das vogais, sem seu reconhecimento, não consegue cobrir traçados, nem nomear cores corretamente, faz somente rabiscos e bolinhas. Quando fo-lheia um livro somente observa figuras isoladamente o mesmo acontecendo quando as expressa oralmente. Na escrita de seu nome, utiliza escrita com características fixas, com diferenças entre seus desenhos e a imitação da es-crita institucionalizada. Não realiza contagem correta, nem relaciona o nível gráfico a uma determinada quantidade.

Frequenta a escola desde o maternal com quatro anos. É tímida em seus relacionamentos, porém é aceita pelos companheiros. Quando corre é de-sajeitada, inicialmente nem corria, hoje já brinca no escorregador. É muito

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Intervenção Piscopedagógica na Escola

lenta, com pouca atenção concentrada, sendo que para ter alguma pro-dução a professora tem que estar sempre junto. No lanche, quando come, não consegue usar a coordenação fina, espedaçando sempre o que come e sujando-se, o que a deixa perturbada. Às vezes ainda faz xixi e cocô na calça. Parece ter medo em algumas situações, em especial com bexigas. Na utilização de materiais lúdicos, observa-se comportamento rudimentar de encaixe, sempre usando a força neste momento. Não consegue montar quebra-cabeça, mesmo com ajuda. Brincando com bonecas, escolhe uma sem cabeça, e tenta dar mamadeira pelo pescoço da boneca. Tenta guardar dentro de um guarda roupa de boneca, a cama, a cômoda, a cadeira sempre com muita força. Veste roupa pequena em bonecas grande e vice-versa, de forma desconexa. Tem dificuldade em olhar sua imagem no espelho. O inte-resse pelo brinquedo está desvinculado da função simbólica, e vinculado a um exercício motor.

Não demonstra compreensão da desvinculação entre a palavra falada e o objeto que representa, bem como não tem percepção da palavra falada como consequência sonora independente do significado. Faz relação do ta-manho da palavra com o tamanho do objeto e considera palavras parecidas como diferentes por não possuir relação em nível de significação.

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A aprendizagem sob o enfoque da Neuropsicologia

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Falar de Psicopedagogia é falar de aprendizagem. Esse processo estru-tura-se, segundo a concepção teórica que vimos assumindo, a partir dos vínculos relacionais que o ser humano vem estabelecendo ao longo de sua história de desenvolvimento. Segundo Visca (1987, p. 75), “[...] desde a idade mais tenra, nas trocas que faz com a mãe, a criança já está realizando aprendizagens, ao mesmo tempo que vai construindo um estilo próprio de aprender, modificando-o e ampliando-o à medida que outras intera-ções vão acontecendo”.

Falar de aprendizagem no interior da instituição educacional é falar de um contínuo movimento de interações entre os agentes educativos, que resulta em trocas, descobertas, construção e reconstrução tanto do co-nhecimento quanto das relações e ações (BARBOSA, 2001, p. 31).

Portanto, ao identificarmos os âmbitos da Psicopedagogia e enfocar-mos que no âmbito das instituições o fazer psicopedagógico tem um ca-ráter muito mais voltado à ação preventiva, estamos na verdade tentando mostrar a importância de identificarmos o foco do trabalho nas relações grupais que permeiam a aprendizagem. A ação individual transforma-se em uma ação grupal que intervém no contexto global de maneira que esses grupos encontram mecanismos de convivência nos quais a modali-dade da ação pedagógica seja potencializada.

Todos os educadores, envolvidos com a ação pedagógica, devem buscar subsídios para compreender com mais clareza o funcionamento grupal, a partir das tarefas em que os mesmos estão envolvidos e a forma que a desenvolvem. Diante disso, serão enfocados nesta aula alguns as-pectos importantes no que se refere ao funcionamento grupal.

O funcionamento grupalTrabalhar com grupos é estar preparado para o inusitado, pois mesmo

tendo seu ponto de partida, seu planejamento, seus objetivos com metas

Princípios para trabalhar com grupos na escola

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

e estratégias definidas, o educador nunca vai poder prever com exatidão aonde e como o grupo vai chegar na aprendizagem. Serrão e Baleeiro (1999, p. 23) nos relatam que

[...] a convivência com grupos adquire uma certeza de que o trabalho pauta-se mais na cons-trução de um vínculo de caráter libertador, fundamentado na confiança e no respeito, do que em discussões formais. Libertador é o vínculo, e a relação que permite a expressão das questões pessoais sob as mais variadas formas, que possibilita a descoberta de que é possível somar diferenças, que garantem a existência do individual dentro do coletivo, que viabiliza a percepção das contradições pessoais e grupais e a construção de novos caminhos.

Esse pensamento nos abre caminhos para descobrirmos a riqueza que emerge do trabalho com grupos, quando bem dinamizado em prol da aquisição de conhecimentos. É importante que o educador esteja atento, pois a mudança de foco do individual para o grupal não significa que deixamos de considerar o sujeito na sua individualidade. O grupo é definido a partir das particularidades de cada um de seus integrantes e a potencialização das funções grupais deve refletir diretamente na capacitação dos mesmos.

Cada grupo vai se constituindo no aqui e agora por meio das histórias de vida e visões de mundo de cada um de seus integrantes. Mas o grupo vai além das pessoas que o compõem. É algo mais que a soma de seus membros. À medida que o grupo amadurece, conquista o espaço para construir e reconstruir seus limites e suas próprias regras.

O educador dentro da sua função, que se volta à sistematização de conteú-dos no espaço escolar, deve assumir, diante da possibilidade da contribuição das relações grupais à aprendizagem, um papel de facilitador. O termo facilitador, neste contexto, refere-se à compreensão das motivações individuais com sinto-nia nas motivações grupais.

A relação interpessoal entre o educador e seu grupo é um fator determinante para que o educador consiga assumir o papel de facilitador do caminho que leva o grupo ao autoconhecimento e consequentemente ao crescimento de sua autonomia social e pessoal.

A seguir, iremos refletir sobre quatro princípios que Serrão e Baleeiro (1999, p. 30) consideram importantes no trabalho com grupos:

� Colocar limites – uma relação interpessoal saudável com o grupo, não significa uma atitude permissiva por parte do educador. A relação deve es-tar respaldada pela configuração bem-definida de papéis, nos quais edu-cador e educando posicionam-se em níveis diferenciados de hierarquia. A autoridade do educador é necessária para que regras sejam muito bem

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Princípios para trabalhar com grupos na escola

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enquadradas e estabelecidas, para que um clima de respeito e confiança permaneça e proporcione, assim, um canal de comunicação no qual todos expressem seus sentimentos e opiniões com liberdade.

Os limites devem ser claros e coerentes e devem ser estabelecidos junta-mente com o grupo para serem significativos. São regras básicas de con-vivência ética, que caracterizam um enquadramento para o trabalho. Al-guns exemplos:

Todos têm o direito de expressar seus sentimentos e pensamentos. �

Todas as opiniões são válidas e merecem respeito. �

As falas e os acontecimentos internos do grupo pertencem a seus par- �ticipantes e não devem ser revelados a outras pessoas.

Quando um participante do grupo estiver falando, os demais devem �ouvi-lo com atenção.

É preciso falar para e não de alguém. �

Os comentários devem ser relativos aos fatos e não às pessoas. �

A pontualidade e a frequência são condições essenciais para que o gru- �po perceba a importância e desenvolva uma autoestima grupal.

� Construir um vínculo afetivo – é de suma importância para o trabalho grupal, pois é na relação e na troca com o outro que cada elemento pode construir e reconstruir suas potencialidades. O vínculo tem papel essencial em toda e qualquer ação que objetiva mudanças e transformações, funcio-nando como o elo de uma corrente que liga os indivíduos, favorecendo a ampliação do modo de sentir e perceber a si mesmo e ao outro, os afetos incluem uma gama de emoções que vão do amor ao ódio, da inveja à soli-dariedade.

A música, a expressão corporal, o desenho, a pintura, a colagem etc. são al-gumas das possibilidades que o educador tem para facilitar a expressão dos sentimentos do grupo de maneira prazerosa e criativa. É importante que o educador observe alguns pontos fundamentais no movimento grupal.

Disponibilidade interna. �

Aceitação das diferenças individuais e do jeito de ser de cada um. �

Confiança na capacidade de transformação pessoal. �

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Escuta e acolhimento oferecidos a todos. �

Cuidado com o bem-estar do grupo. �

Busca das qualidades existentes em cada indivíduo. �

Delicadeza de tratamento sem deixar de ser firme e decidido. �

O educador deve estar atento para alguns aspectos que podem inter-ferir no estabelecimento do vínculo, como a expectativa que o grupo mantém em relação ao desconhecido, pois pode criar fantasias e proje-ções sobre a pessoa do educador. Quando não são percebidas podem dificultar a comunicação intragrupal.

� Confiar na capacidade e no processo grupal – a riqueza de experiências que traz cada integrante do grupo estabelece uma configuração tal, que permite ao facilitador, ao longo do processo, identificar as possibilidades de contribuição de cada integrante. A referência que o educador deve ter para intervir na aprendizagem do grupo, deve estar contida no seu inte-rior, pois ele deve canalizar as potencialidades e criar condições para que outras características possam surgir.

� O papel do educador – é importante reportarmo-nos à necessidade do educador, esteja ele na sala de aula ou inserido em outros espaços esco-lares, voltar-se para seu próprio aprender, considerando seus limites e suas potencialidades na relação com seu papel de educador. O educador não pode considerar-se pronto para sua função, o movimento do ensinar- -aprender deve também estar presente no trabalho grupal.

Ser coerente, verdadeiro, evitando contradições no que diz respeito a não levantar expectativas de um papel onipotente, são algumas das atitudes importantes do educador desenvolver para que possa intervir também como modelo para os integrantes do grupo. Aqui caberia bem lembrarmos dos vínculos patológicos que o educador pode desenvol-ver, segundo Fernández (1994, p. 72). Esses vínculos que encobrem a pos-sibilidade do educando ser autor de sua aprendizagem, coloca o educa-dor como dono de um saber que ofusca o saber do outro.

Reconhecer as individualidades e saber coordená-las para o desenvolvi-mento grupal é uma das características necessárias para o educador que trabalha em prol da aprendizagem permeada pelo caráter relacional. Esta-belecer um distanciamento instrumentado na relação grupal é outro fator

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Princípios para trabalhar com grupos na escola

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que deve ser considerado, pois só assim o educador poderá identificar as necessidades do grupo. Ele permanece envolvido com o grupo, porém mantém-se distante para poder atuar interventivamente no grupo.

Algumas contribuições da técnica de grupos operativos

Ter em mente as mudanças no enfoque do papel de educador pode contribuir significativamente, facilitando a atuação no âmbito grupal dentro do espaço es-colar. “A atitude operativa de um educador ou de um psicopedagogo está ligada à ação de promover o movimento interno para a adaptação ativa, naqueles que precisam se movimentar para aprender” (BARBOSA, 2001, p. 215).

A proposta de grupos operativos foi delineada por Enrique Pichon-Rivière que tem seus estudos teóricos-práticos referenciados pela Psicologia Social, que concebe o ser humano como eminentemente social e garante sua sobrevivência a partir das inter-relações com a coletividade e a apropriação de sua cultura. Diante das necessidades de mudança que o meio lhe impõe, o homem pode desenvolver atitudes hostis à transformação, que pode gerar ansiedades.

Segundo Barbosa (2001, p. 188),

[...]para diminuir as fontes de ansiedade, o homem resiste à mudança, utilizando distintas condutas frente à mesma, temendo o que Pichon-Rivière (1988) chamou de medo da perda de estruturas já estabelecidas, medo da perda da acomodação e medo do ataque, por não sentir- -se instrumentado para se defender dos perigos que a novidade sugere.

Diante desses comportamentos e diante da necessidade de efetivar tarefas que possibilitassem mudanças individuais e grupais, Pichon-Rivière (1988) sis-tematizou uma técnica de atuar com grupos, que facilita o alcance de um nível de produtividade satisfatório, a partir de um movimento interno autônomo do grupo na realização de tarefas.

A técnica dos grupos operativos tem sido muito utilizada nos mais diversos âm-bitos de atuação com grupos, pois subsidia o profissional que a usa, na compreen-são do grupo a partir da ação individual de cada um de seus membros. “As mani-festações do indivíduo no grupo são vistas como emergentes de um desejo grupal, decorrentes de fatores socioeconômicos e familiares” (BARBOSA, 2001, p. 188).

Essa técnica caracteriza-se pela proposta de desenvolvimento de uma deter-minada tarefa, frente a qual o grupo mobiliza conteúdos objetivos e subjetivos,

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

configurando assim sua atitude operativa. Para Pichon-Rivière, o grupo é defini-do pelo conjunto de pessoas, que se relacionam num contínuo de espaço e de tempo, e tem a tarefa como mobilizadora de demandas explícitas e implícitas. Para ele, estrutura, função, coesão, finalidade e número de integrantes configu-ram a situação grupal.

O grupo operativo tem objetivos, problemas, recursos e conflitos que devem ser estudados e considerados pelo próprio grupo à medida que vão aparecendo, serão examinados em relação com a tarefa e em função dos objetivos propostos (BLEGER, 1987, p. 75).

A ação psicopedagógica no espaço da escola pode beneficiar-se destes conhecimentos, já que a leitura de grupos proposta por esta técnica pode dizer respeito a um pequeno grupo, a um grande grupo, a um grupo que compõe uma instituição, uma comunidade e até mesmo uma nação. (BARBOSA, 2001, p. 190)

O educador, no espaço da sala de aula, pode valer-se desse recurso com o objetivo de desenvolver educandos capazes de alcançar a autoria de suas apren-dizagens. O grupo operativo trabalha sobre um tópico de estudo dado, porém, enquanto o desenvolve, forma-se nos diferentes aspectos do fator humano, que constitui, segundo Bleger (1987, p. 55), “o instrumento de todos os instrumentos”.

Aqui cabe, mais uma vez, salientar a importância da atitude operativa do edu-cador, sem esse movimento o que vai prevalecer é a autoridade em detrimento de um aprender de “mão dupla”, no qual aprendentes e ensinantes assumem al-ternadamente esses papéis. Tomando, ainda, o referencial teórico que nos propõe Bleger (1987, p. 57),

[...] não se pode pretender organizar o ensino em grupos operativos sem que o pessoal docente entre no mesmo processo dialético que os estudantes, sem dinamizar e relativizar os papéis e sem abrir amplamente a possibilidade de um ensino e uma aprendizagem mútua e recíproca.

Como sabemos, um dos vetores de análise que a Epistemologia Convergen-te propõe para a leitura do processo de aprendizagem é a Psicologia Social de Pichon-Rivière, pois considera que a construção da aprendizagem é permeada pelo meio social no qual o sujeito da aprendizagem está inserido. Sendo assim, ela propõe um esquema conceitual de análise voltado para a aprendizagem por meio da tarefa, denominado ECRO (Esquema Conceitual Referencial Operativo).

O ECRO representa a dinâmica de funcionamento de determinado grupo, que passa a ser uma referência para a atuação psicopedagógica na instituição. Ele permite uma compreensão horizontal da totalidade do grupo, bem como a compreensão vertical do sujeito que se encontra nele inserido.

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Princípios para trabalhar com grupos na escola

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Uma das análises que fazemos ao acompanhar as mudanças de um grupo ou instituição diz respeito ao conhecimento que precisamos ter dos esquemas conceituais que regem sua ação e ao modo como este vai se configurando no decorrer do trabalho psicopedagógico realizado (BARBOSA, 2001, p. 191).

Um instrumento que facilita o reconhecimento do ECRO de um determinado grupo é a leitura de sua dinâmica a partir do cone invertido (fig. 1). Esse instru-mento é um esquema constituído por vários vetores na base dos quais se fun-damenta a operação no interior do grupo. A partir da análise inter-relacionada desses vetores se chega a uma avaliação da tarefa que o grupo realiza.

A eleição do desenho do cone invertido se deve a que em sua parte superior es-tariam os conteúdos manifestos e em sua parte inferior, as fantasias latentes grupais. Pichon propõe que o movimento de espiral que vai fazer explícito o que é implícito, atua ante os medos básicos subjacentes, permitindo enfrentar o temor à mudança.

Se uma tarefa é proposta ao grupo, seu resultado pode ser mais ou menos eficaz, dependendo de como ele constrói sua história com o grupo e sua inte-ração, sem valorizar os indivíduos e seus ECROs. Os seis vetores de análise que compõem o cone invertido – comunicação, aprendizagem, tele, pertinência, pertença e cooperação – auxiliam o coordenador de um grupo a compreender a configuração do movimento deste para a mudança e transformação.

(PIC

HO

N, 1

988,

p. 1

32)Manifesto

AprendizagemPertença

Pertinência

Cooperação

Comunicação

Latente

Tele

Figura 1 – Cone invertido.

Barbosa (2001, p. 192) elenca alguns papéis que os indivíduos assumem dentro de um grupo, a partir de sua história pessoal (verticalidade):

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Líder de mudança � – leva o grupo para o caminho do novo.

Líder de resistência � – segura o grupo, garantindo o já estabelecido.

Porta-voz � – traduz em palavras ou ações o desejo do grupo.

Bode expiatório � – carrega a carga negativa e alivia o grupo.

Sintetizador � – ouve o grupo e expressa a síntese do pensamento daquele.

Esses papéis devem ser analisados sempre enfocando o oferecimento que o grupo faz para o indivíduo que assume o papel, que pega porque quer ou porque está preparado para pegar, e por outro lado quando aceita, assume o compro-misso de proteger o grupo e consequentemente de se proteger também.

Existem ganhos pessoais e grupais que não permitem ao observador do grupo tomar partido e nem fazer julgamento de valor. A ação grupal é, predominantemente, um jogo de inter-relações, no qual todos fazem parte e ninguém é pior ou melhor que o outro ou que o grupo. (BARBOSA, 2001, p. 194)

Os princípios que nesta aula foram delineados têm como objetivo nortear, sem o aprofundamento teórico que o tema merece, a ação educativa que se efe-tiva no espaço da instituição educacional, tanto por educadores como por pro-fissionais da Psicopedagogia que têm o grupo como âmbito de atuação. Não é uma tarefa fácil investir na ação grupal, requer do coordenador um preparo para que sua intervenção mobilize conteúdos possíveis de serem trabalhados e ao mesmo tempo atinja níveis que possibilitem um movimento para a transforma-ção de conteúdos cristalizadores e estagnados, que impedem a aprendizagem.

Texto complementar

Psicopedagogia institucional – reflexões sobre o trabalho psicopedagógico com grupos

(PEGO, 2003)

O trabalho psicopedagógico institucional possibilita o processo de for-mação e desdobramento das relações interpessoais e grupais de seus par-ticipantes. Cada participante é fruto da articulação de várias e diferentes di-mensões vividas simultaneamente. Portanto, trará consigo experiências de

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vida que, somadas às situações de cada grupo com o qual interage, repercu-tirão em seus interesses e necessidades.

Se a princípio, o trabalho com o grupo cria uma dependência em relação à figura do especialista, esta tenderá a se diluir com o transcorrer das sessões.

O psicopedagogo deverá desempenhar seu papel cuidadosamente de modo a administrar, harmoniosamente e sem manipulação, o poder que lhe é dado pela instituição, construindo assim o espaço próprio de exercício da autoridade que se estabelece com as reuniões do grupo.

O grupo, formado a partir do poder atribuído ao psicopedagogo, será o espaço de exercício deste enquanto líder instituído e especialista.

Articulam-se aí dois níveis de poder, o poder advindo da instituição e o outorgado pela condição de especialista.

No entanto, a posição de liderança que exerce não deve justificar mandos e desmandos nem uma atuação limitada a orientações ou práticas que en-volvam a aplicação de conhecimentos (aulas). Sua condição frente ao grupo deve ser transformada de modo a servir como um favorecedor da expressi-vidade natural dos participantes, criando condições para o fluir positivo das relações entre os sujeitos, e entre eles e os produtos que resultam das expe-riências vividas, oportunizando sua troca e ressignificação.

O que interessa no encontro é o que surge a partir dos intercâmbios ocor-ridos entre os participantes e o conjunto de relações estabelecidas, são as experiências e interesses dos participantes e o gradual estabelecimento da descentralização da ação.

No trabalho com grupos há uma constante produção, fruto da inter-re-lação do coletivo e do individual, pois ambos constituem-se, criando-se e recriando-se num exercício de constante reciprocidade.

Interessa-nos uma situação grupal que não seja interpretada com o peso da responsabilidade em criar, mas que seja vista pelos participantes com a leveza do que é dispensável, só tendo a utilidade de um espaço de experi-mentação que pode ser muito enriquecedor.

Propiciar no encontro dos sujeitos com distúrbios de aprendizagem o livre exercício de criar, agir e ser interagido, refletir e ser refletido, tendo a oportunidade de dar ao outro o que traz consigo e também receber deste a bagagem adquirida de outros grupos.

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Estar com o outro possibilita, a partir do contato e confronto com a dife-rença que traz cada um, a recriação de si mesmo.

O trabalho em grupo se estabelece como um espaço onde se vive a auto-ria de frente ao outro, exercendo os papéis de ensinante e aprendente num ir e vir que possibilita a cura do sujeito na medida que oportuniza que ele se recrie enquanto participante criativo de um grupo onde age e é interagido. É um espaço de experimentação que favorece, além de uma riqueza de trocas, o respeito ao ritmo de produtividade e às expressões, fruto da objetividade e subjetividade de cada um, possibilitando a reorganização do sujeito apren-dente enquanto social e enquanto indivíduo.

Cada sujeito, em particular, experimentará a identificação e as diferenças com relação ao outro, à sua maneira de expressar, criando e recuando os limites do seu eu.

A experiência grupal possibilita que o eu, enquanto sujeito individual, se dissolva no intercâmbio dinâmico e, consequentemente, se reorganize a partir das experiências subjetivas e objetivas compartilhadas. Oportuniza que se crie e produza exercitando o eu enquanto pessoal e enquanto parte de um grupo.

O sujeito individual frente à experiência com o grupo tem a possibilidade de perceber a si mesmo enquanto presença motivada para a ação e a própria transformação que repercute como resposta da sua interação com o meio.

Quanto ao papel do psicopedagogo, este tem participação ativa como elemento do grupo, acompanhando e criando com os sujeitos e assim parti-cipando e sofrendo os efeitos do processo grupal, tendo em conta não só os aspectos objetivos, mas também os subjetivos.

Deverá manter-se atento para quando é ou não necessária sua interces-são no grupo, pois é comum que os participantes tenham como mais impor-tante as experiências de troca que efetuam uns com os outros.

Também deverá atentar para com o processo de relações que ocorre entre os pacientes de modo a possibilitar a contínua expressão dos sentimentos deles e o fluir de sua criatividade.

Há momentos em que devem ser feitas orientações ou comunicados ora ao grupo ora a um sujeito especificamente. Esses momentos devem ser cla-ramente dirigidos para alcançar seu fim, quero dizer, quando se deseja dar

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Princípios para trabalhar com grupos na escola

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uma comunicação ao grupo não se deve dirigi-la a um só participante, da mesma forma, quando dirigir alguma colocação a um determinado sujeito não se deve generalizá-la como se fosse para o grupo todo.

É importante a clareza na comunicação do psicopedagogo.

O grupo terá sua realidade constituída a partir da contribuição dos sujei-tos, que trarão consigo suas experiências, interesses, necessidades, medos e ansiedades.

Haverá a articulação entre os participantes de modo a dar cada um sua contribuição no desempenho das tarefas.

Esta articulação é saudável e desejável na medida em que possibilita o sentimento do eu enquanto “produtor”, “realizador” e capaz de contribuir para com os outros no alcance de objetivos comuns.

Há sujeitos que não sabem participar de grupos sem trazer transtornos, impedindo ou perturbando a realização e desempenho dos participantes nas atividades.

O psicopedagogo atuará junto ao grupo respeitando as diferenças e não buscando reduzi-las, mas oportunizando que se crie e recrie, possibilitando que haja uma transformação positiva da agressividade manifesta. Cabendo-lhe uma ação que não perca de vista o respeito e a tolerância tanto pelos pacientes como por suas experiências expressas, objetiva ou subjetivamente.

Os sujeitos precisam sentir-se confiantes, seguros em se exprimir e com-partilhar o que no momento sentem ser importante. Daí, a necessidade de estar preparado para as diferentes expressões que pode assumir a particu-laridade de cada um, a importância da compreensão do sentido pessoal de cada ação que envolve o outro e a possibilidade que surge, a partir dessa relação, da criação e recriação dos limites do próprio eu do sujeito.

Buscando sempre garantir que aflore, não só o potencial criativo e a livre expressão de sentimentos de cada participante, mas também, o ajustamen-to criativo entre o sujeito e o mundo, respeitando os aspectos objetivos e subjetivos que constituem a essência de cada um.

A ação do psicopedagogo fica então a serviço da expressividade natu-ral e atualização das possibilidades de autotransformação pessoal de seus pacientes.

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Deve favorecer a organização dinâmica dos sujeitos de modo que possam, agir e interagir, articulando as ações de ensinante e aprendente harmonio-samente, trazendo de seus grupos de origem práticas de vida e informações que serão utilizadas sob outra ótica e, tendo a oportunidade de experimen-tar a boa ou má receptividade do grupo a elas, ressignificá-las.

Enfim, permitir a ocorrência da reelaboração criativa e ressignificação das experiências de seus pacientes de maneira que estes se coloquem, en-quanto sujeitos capazes de usufruir o exercício dinâmico e fluído da ação de ensinante-aprendente.

Dica de EstudoTécnicas de Dinâmica de Grupos: facilitando o trabalho com grupos, de Eliane Po-rangaba Costa, Editora Wak.

Livro ideal para aplicação em escolas, empresas e organizações, com dinâ-micas para diversas situações/problemas que os grupos enfrentam, todas com objetivos. Uma ferramenta importante para professores, empresários e facilita-dores de grupos.

Atividades1. Considere os aspectos que foram descritos na aula como fundamentais para

o papel do coordenador de um grupo e trace um perfil do educador que atua na instituição educacional para que possa desenvolver uma interven-ção na aprendizagem em grupos de educandos.

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Princípios para trabalhar com grupos na escola

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2. Relacione a coluna da direita com a da esquerda, de maneira que os concei-tos sobre os diferentes papéis que se estruturam em um grupo se comple-mentem.

( 1 ) Porta-voz Segura o grupo )(( 2 ) Bode expiatório Traduz o pensamento do grupo )(( 3 ) Líder de resistência Alivia a carga do grupo )(( 4 ) Sintetizador Expressa o pensamento do )(

grupo

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Brincar não é perder tempo, é ganhá-lo. É triste ter meninos sem

escola, mas mais triste é vê-los enfileirados em salas sem ar,

com exercícios estéreis, sem valor para a formação humana.

Carlos Drummond de Andrade

A ação psicopedagógica no interior da escola requer um posiciona-mento do profissional que a executa, subsidiando sua prática. Esse po-sicionamento encara a necessidade de ser estruturado como um fazer muito mais voltado ao coletivo do que ao individual.

É muito comum psicopedagogos e educadores acreditarem que as téc-nicas lúdicas favoreçam esse foco de atuação. Eles não estão enganados, pois o trabalho em grupo, além de ter sua riqueza na natureza das rela-ções grupais, caracteriza-se por ser um contexto propício para a utilização dessas atividades.

Ao organizar uma ação educativa o educador frequentemente vale-se de jogos, brincadeiras e atividades lúdicas, recheando sua prática inter-ventiva, com a qual busca facilitar a aquisição do conhecimento de manei-ra mais prazerosa. Porém, muitos não chegam a refletir no significado de uma ação interventiva, fazendo do lúdico uma escora, em que se apoiam quando enfrentam as dificuldades da rotina da sala de aula.

Portanto, o respaldo que o fazer psicopedagógico oferece ao educador e ao próprio psicopedagogo, no sentido de levá-los a refletir sobre o que realmente seria uma intervenção por meio de jogos ou atividades lúdicas, torna concreta a importância desse uso, a partir dos resultados obtidos.

A ação psicopedagógica não tem como objetivo “ensinar” o jogo, mas sim usá-lo como mediador de uma intervenção que mobilize funções necessárias para a aprendizagem e desenvolvimento. “O uso de jogos no contexto educacional só pode ser situado corretamente a partir da compreensão dos fatores que colaboram para uma aprendizagem ativa e da definição do seu lugar na sala de aula” (CAMPOS apud AMARAL, 2003, p. 229).

Contribuições da Psicopedagogia no uso do lúdico

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

O educador deve estar ciente que seu uso como estratégia de ensino, requer uma apropriação diferenciada, pois traz um caráter dialético, instável, ambiva-lente, ativo e progressivo de uma relação com o conhecimento em uma perspec-tiva de construção. Essa estratégia deve ter um caráter transformador da prática docente.

Há uma grande divergência, segundo alguns autores, na questão da concei-tuação de jogos, brincadeiras e atividades lúdicas. Segundo Kishimoto (1994, p. 1), existem termos que, por serem empregados com significados diferentes, acabam tornando-se imprecisos, como o jogo, o brinquedo e a brincadeira.

Para essa autora, denominam-se jogos, situações como disputar uma partida de xadrez, um gato que empurra uma bola de lã, um tabuleiro com peões e uma criança que brinca com boneca. A variedade de fenômenos considerados como jogos mostra a complexidade da tarefa de defini-lo.

Ainda referindo-se a Kishimoto (1994, p. 7), os termos jogo, brinquedo e brinca-deira têm sido utilizados com o mesmo significado, porém ela opta por uma defi-nição na qual brinquedo é entendido sempre como o objeto, suporte de brinca-deira, brincadeira como descrição de uma conduta estruturada com regras e jogo deve designar tanto o objeto quanto as regras do jogo, brinquedo e brincadeira.

Portanto, independente do significado que se queira dar a esses conceitos, o poder do jogo, do brincar, no desenvolvimento infantil, no que se refere à pos-sibilidade da criança ressignificar o mundo externo a partir de conteúdos sim-bólicos, criando uma maior flexibilidade e austeridade em enfrentá-lo, faz dessa atividade lúdica uma grande aliada do educador e dos profissionais que atuam junto aos educandos.

Brougére (1998, p. 65) mostra-nos que o jogo, ao longo da história, esteve sempre ligado a frivolidades e futilidades na vida das pessoas. Somente a partir do século XIX passou a ser suporte de atividades didáticas, visando também à aquisição do conhecimento. Porém, o uso do jogo não pode adquirir caráter de obrigatoriedade em detrimento de uma ação inerente à criança.

As instituições educacionais deveriam investir nos seus educadores, propor-cionando uma formação que os levasse a incorporar o lúdico na proposta pe-dagógica de cada um, facilitando para seu uso não ser considerado como uma perda de tempo, mas sim como parceiro do educador.

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Contribuições da Psicopedagogia no uso do lúdico

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Para o educador, é importante que essas atividades não sejam sentidas como obrigatoriedade, mas sim como possibilidade de sentir que o seu papel está sendo desempenhado de forma prazerosa.

É essencial que dentro da escola haja um espaço para o desenvolvimento global e harmonioso de brincadeiras, jogos e outras atividades lúdicas. O edu-cando não deve ser impedido de assumir a sua corporeidade, ficando horas imo-bilizado em sala de aula, nem mesmo o educador em assumir a sua corporeida-de profissional ficando preso a conteúdos predeterminados.

Segundo Campos (apud AMARAL, 2003, p. 230):

O uso do jogo é formativo em dupla mão de direção: junto ao aluno e ao professor. Para o professor, o jogo tem potencial de promover novas e melhores formas de ensinar em geral, para qualquer disciplina, diferentes maneiras de interagir com a turma e de se posicionar dentro da sala de aula, como coordenador das atividades e facilitador do aprender do aluno em vez de centro irradiador das decisões e do saber.

O valor educativo dos jogosPodemos considerar que atividades lúdicas ou jogos e brincadeiras são ativi-

dades de comunicação que o sujeito usa para ressignificar o real, enfrentando-o e desenvolvendo-se como sujeito capaz. O jogo pode significar para o sujeito uma “folga”, ou seja, um relativo descompromisso com a necessidade contínua de adaptação e sobrevivência.

No contexto educacional, podemos pensar nessa premissa como sendo a possibilidade que o educador tem, com os jogos, de trabalhar conteúdos neces-sários à facilitação da aquisição de conhecimentos de maneira que o educando envolva-se na sua inteireza, interagindo nessa situação funções lógicas, afetivas e sociais.

Jogar transformar situações-problema analisar ações melhorar estratégias buscar soluções maior intenção menor dependência

Esse processo, obtido com o jogo, intervém diretamente na capacidade do ser humano em desenvolver um pensamento anterior à ação, isto é, ser capaz de avaliar, de discernir e não agir com atos impulsivos, fortalecendo-se no enfren-tamento dos conflitos.

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

No contexto educacional, o educador que utiliza o jogo na sua programação pedagógica possibilita que o educando experimente sentimentos múltiplos e faça uma generalização da experiência educativa para situações da vida cotidiana. Somado a esse aspecto, o educador abre um espaço para o educando conhecer suas habilidades, superar limitações, desenvolver valores e considerar individuali-dades (DOHME, 2003).

O educador deve considerar a essência inseparável do ato de brincar com o ato de aprender. Em muitas escolas essas atividades acontecem como se fossem instâncias independentes, não encarando que as atividades lúdicas possibi-litam o desenvolvimento de conteúdos que são pré-requisitos para aquisição de muitos conhecimentos. Estão sempre envolvidos no jogar aspectos do de-senvolvimento, como: físico, intelectual, cognitivo, artístico, criativo, sensorial, social, ético, funcional e psicomotor.

Segundo Visca (1991, p. 20), os jogos podem ser classificados em jogos lógi-cos, jogos afetivos e jogos sociais. Os primeiros desenvolvem o raciocínio, os afe-tivos estimulam a emoção e os jogos sociais auxiliam na aquisição de condutas próprias do meio.

Jogos lógicosEm relação aos jogos lógicos, Visca (1991, p. 22) propõe um estudo de sua clas-

sificação, a partir da história da humanidade, em que ele relaciona os conteúdos dos jogos com situações vividas por diferentes povos que fizeram a história.

Para ele, a primeira família de jogos está relacionada ao medo do desconheci-do e considera o povo chinês originário dessa família. Por necessidade de conhe-cer esse desconhecido antes de enfrentá-lo, desenvolveram, a partir de búzios de pedra e madeira, jogos com pontos e desenhos que originaram os dados, os dominós e as cartas de baralho. Essas últimas receberam características dife-renciadas quando levadas para a Europa, são os baralhos espanhóis e italianos, caracterizando aqueles que usamos hoje.

Esses jogos permitem o exercício da correspondência termo a termo, figura-tiva e numeral, a classificação, a seriação e a compensação.

A segunda família descrita por Visca (1997) originou-se dos povos da Índia, que, com medo dos inimigos, criaram um jogo denominado Chaturana, no qual quatro exércitos lutavam, dividindo-se em exércitos de homens e mulheres. Podemos

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Contribuições da Psicopedagogia no uso do lúdico

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dizer que aí está a origem do que hoje conhecemos como xadrez e dama que, na Idade Média, receberam influências fortes da igreja, criando as peças conhecidas como o bispo, o rei e a rainha.

Esses jogos desenvolvem aspectos cognitivos e sociais, permitindo a elabora-ção de estratégias espaciais, capacidade de antecipação, motricidade, controle da impulsividade, ampliação do campo visual e percepção.

A terceira família tinha como necessidade encontrar mecanismos que auxi-liassem os homens em estratégias espaciais, prevenindo que não se perdessem. Está relacionada com os Fenícios, que tinham suas atividades voltadas para a na-vegação e normalmente percorriam os mares com três barcos. A partir de jogos como a trilha e o tateti, desenvolviam percursos que os auxiliavam na movimen-tação em espaços uni, bi e tridimensional.

Hoje, ainda temos a trilha, o jogo da velha, o ligue quatro, a batalha naval, entre outros que permitem o desenvolvimento da antecipação, da investigação do espaço, da afetividade, da visomotricidade e da interseção.

A quarta e última família tem relação com os povos mais contemporâneos que têm como necessidade um maior aprofundamento no conhecimento e nos aspectos psicológicos. Piaget é um bom representante de autor que se refere a esses jogos. São exemplos desses jogos o Cara a Cara, Imagem e Ação, Senha, Lince, e desenvolvem aspectos como a classificação e a afetividade.

Jogos afetivos e sociaisAlém dos conteúdos lógicos desenvolvidos pelos jogos, o educador pode

também classificá-los a partir dos conteúdos afetivos e sociais, que sempre apa-recem relacionados (DOHME, 2003). Esses conteúdos podem ser:

Autodescoberta � – o educando vai descobrir suas dificuldades ou habili-dades, bem como diferenciar as combinações de habilidades (diferenças individuais), aprendendo a usufruir suas potencialidades e a conviver e superar suas limitações.

Autonomia � – analisa situações, faz escolhas e toma decisões.

Autoestima � – nos jogos, os desafios presentes e a possibilidade da supe-ração levam o educando à sensação de plenitude e confiança em si. Desa-fios devem ser variados, para serem alcançadas diferentes habilidades.

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Convívio – � possibilidade dos educandos conhecerem um ao outro, ven-cerem a timidez, tensões e aprenderem a aceitar as diferenças.

Cooperação � – o objetivo de vencer leva os jogadores a superarem os obs-táculos a partir da habilidade de cada um (conjunto de habilidades).

Capacidade de liderar e ser liderado – � o jogo proporciona um espaço para vivenciar esses papéis, que mais tarde são generalizados e vividos na vida adulta. Auxilia no saber ser crítico, no saber analisar, no saber coorde-nar e orientar.

Funções que podem ser desenvolvidas pelos jogosTanto os jogos lógicos, afetivos e sociais têm, na sua intencionalidade, além

do caráter lúdico, a possibilidade de aproximar o mundo real do mundo ima-ginário, de capacitar o sujeito no enfrentamento de situações-problema e de desenvolver várias funções que são importantes para aquisição de conteúdos sistemáticos. Esses conteúdos são aqueles que a instituição educacional consi-dera como pré-requisitos para o sucesso do educando.

Dessa forma, elencamos a seguir algumas funções que podem ser desenvol-vidas a partir do uso do lúdico, por meio dos jogos, no espaço educativo:

observação; �

desinibição; �

segurança; �

autocontrole; �

autonomia; �

convívio; �

cooperação; �

competição; �

capacidade de �liderança;

capacidade de ser �liderado;

discriminação visual �e auditiva;

discriminação �rítmica;

fluência verbal; �

coordenação moto- �ra global e fina;

coordenação viso- �motora;

esquema corporal; �

orientação espacial; �

orientação temporal; �

discriminação direi- �ta/esquerda;

atenção concentrada; �

atenção seletiva; �

planejamento; �

antecipação estra- �tégica;

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Contribuições da Psicopedagogia no uso do lúdico

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closura visual; �

comunicação não �verbal;

associação; �

concentração; �

percepção de causa �e efeito;

poder de decisão; �

limites; �

vínculos afetivos; �

resolução de con- �flitos;

percepção; �

operações �numéricas;

criticidade; �

sequência lógica; �

classificação; �

seriação; �

conservação; �

cultura geral; �

socialização; �

construção; �

controle da �impulsividade;

ampliação do �campo visual;

interseção; �

inclusão; �

correspondência �termo a termo;

relações intra e �interpes soais;

atitude ética; �

valoração �numérica;

relação numeral; �

probabilidade; �

combinação; �

permutação; �

expressão verbal; �

raciocínio �lógico-verbal;

recepção; �

processamento �auditivo e visual;

memória visual e �auditiva;

memória �sinestésica;

ritmo; �

simbolização; �

fantasia; �

imagem mental; �

vivência de �diferentes papéis;

regras; �

valores; �

linguagem; �

criatividade; �

auto avaliação; �

percepção de �igualdades e diferenças;

curiosidade; �

imaginação; �

iniciativa; �

constância de �forma e tamanho;

figura e fundo �visual e auditivo;

reversibilidade; �

compensação; �

identidade. �

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Atitudes que o educador deve desenvolver para o trabalho com jogos

Somado a todas as reflexões que já fizemos sobre a atitude do educador e do psicopedagogo, seria importante, nesse momento que estamos focando o trabalho com a ludicidade, que o educador tenha claro o perfil que ele deve desenvolver para o uso dos jogos, ou das atividades lúdicas. Essa atitude é que realmente vai garantir o valor interventivo da ludicidade no processo de apren-dizagem, deixando de serem simples atividades que recheiam um planejamen-to pedagógico.

Seguem algumas sugestões de atitudes importantes de serem desenvolvidas pelo educador que estão respaldadas em uma abordagem psicopedagógica, que prioriza uma relação com a aprendizagem que considera o vinculo baseado na verdade, no respeito e na crença da competência humana fundamental em qualquer intervenção:

Participe do jogo caso seja requisitado. �

Fique atento ao limite de cada um, pois a motivação deve sempre prevalecer. �

A crítica deve ser usada para encorajar a continuidade mostrando o quan- �to o sujeito é capaz.

Não se escore no jogo. Faça dele parte integrante dos procedimentos co- �tidianos que, enquanto educador, você utiliza para intervir no processo de aprendizagem.

Planeje e organize-se para usar os jogos, equilibre o caráter lúdico e edu- �cativo inerentes ao jogo.

Olhe e escute. Desenvolva sua capacidade de observação, de maneira ob- �jetiva, sem antecipações e preconceitos. Seja oportuno e flexível.

Proporcione prazer. Mostre que também sente prazer com o jogo, o edu- �cando deve perceber o seu interesse.

Seja claro nas explicações sobre o jogo. Dê tempo para que as atividades �sejam assimiladas.

Proporcione oportunidades diversas, trabalhe com o desenvolvimento de �diferentes habilidades.

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Oportunize espaço de participação para todos os envolvidos no jogo. �

Reduza ou aumente as dificuldades quando necessário. �

Encoraje a espontaneidade, a iniciativa e o enfrentamento. �

Aprenda ensinando. Não esqueça que a emoção é um elemento funda- �mental para a aprendizagem. Crie vínculos sadios. Não transgrida seus li-mites, esteja disponível.

Conheça e compreenda a forma de aprender e pensar do educando, para �que o jogo escolhido tenha contextualização e significado.

As reflexões feitas durante essa aula devem auxiliar os educadores em res-significar o uso do jogo no contexto educacional, como instrumento de inter-venção pedagógica. É importante que se compreenda os fatores que colabo-ram para uma aprendizagem ativa e seu lugar na sala de aula para que os jogos sejam utilizados como uma estratégia diferenciada de outras já incorporadas, dominadas e transmitidas pelo saber pedagógico através de gerações. Segundo Campos (apud AMARAL, 2003, p. 229), essas estratégias são diferenciadas, pois trazem em seu bojo o caráter dialético, instável, ambivalente, ativo e progressivo de uma relação com o conhecimento em uma perspectiva de construção.

Portanto, vamos jogar, vamos brincar, vamos propiciar espaços de autorias de aprendizagem, tanto da parte do educador como do educando, nos quais ensi-nar e aprender passem a ser processos indissociáveis e complementares, em que o desejo e o prazer sejam molas mestras para a aquisição de conhecimento.

Texto complementar

Jogo, brinquedo e brincadeira – uma revisão conceitual

(BERTOLDO; RUSCHEL, 2004)

É por meio do brincar que a criança encontra-se com o mundo de corpo e alma. Percebe como ele é e dele recebe elementos importantes para a sua vida, desde os mais insignificantes hábitos, até fatores determinantes da cul-tura de seu tempo.

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A pergunta feita pelo professor: “– Vamos brincar?” ou ainda: “– Vamos jogar?” pode surtir o mesmo efeito em seus alunos por se tratar, afinal, de duas palavras com o mesmo significado, ou ele está propondo duas ativida-des que, por serem distintas, podem dividir o grupo entre os que responde-rão: “eu prefiro brincar” e os que dirão “eu prefiro jogar”?

Certamente encontraremos professores que utilizam as palavras jogo, brinquedo e brincadeira como sinônimos. Outros, no entanto, marcam uma diferença entre elas que remonta a sua própria história de vida.

Podemos pensar, portanto, que há pelo menos dois aspectos implica-dos nessa questão. O primeiro diz respeito às palavras, que podem assumir diferentes significados desde a nossa infância, bem como ao longo da fase adulta. Ou seja, antes mesmo da formação profissional e com ela possíveis reflexões desde o ponto de vista de Piaget, Winnicott e outros, tais conceitos já estavam marcados pelas vivências de cada um, desde o lugar de crianças que nomeavam o seu brincar. O segundo aspecto refere-se aos diferentes significados que uma mesma palavra pode assumir ao longo dos tempos. Se pegarmos um dicionário de 50 anos atrás certamente a acepção das palavras jogo, brinquedo e brincadeira estarão impregnadas de uma visão da época. Nos dias de hoje, observamos que há uma clara diferença entre jogo e brin-quedo e entre brincadeira e brinquedo.

No entanto, tanto jogo como brincadeira, podem ser sinônimos de di-vertimento. Vejamos como esses termos são definidos no dicionário La-rousse: “Jogo = ação de jogar; folguedo, brinco, divertimento”. Seguem-se alguns exemplos: “jogo de futebol; jogos olímpicos; jogo de damas; jogos de azar; jogo de palavras; jogo de empurra”. “Brinquedo = objeto destinado a divertir uma criança”. “Brincadeira = ação de brincar, divertimento; grace-jo, zombaria; festinha entre amigos ou parentes; qualquer coisa que se faz por imprudência ou leviandade e que custa mais do que se esperava: aquela brincadeira custou-me caro”. A ambiguidade entre os termos consolida-se com o uso que as pessoas fazem deles. A primeira e talvez mais forte imagem que vem à mente a quase todos, quando falamos em jogo, consiste em duas pessoas sentadas jogando (xadrez, cartas, damas etc.). Ou seja, dentro dessa ideia não há movimento. No entanto, o jogo, por si só, constitui-se em ação e, assim, é associado ao movimento.

É claro, porém que, além das diferenças, esses conceitos também possuem pontos em comum. Um deles é o de que tanto o jogo quanto a brincadeira

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são culturais. É difícil encontrarmos exemplos de um jogo ou de uma brinca-deira que sendo originário de uma cultura, tenha sido assimilado por outra. Se fosse assim, de tanto assistirmos aos filmes norte-americanos e conviver-mos com pessoas que viajam constantemente aos Estados Unidos trazendo “novidades” de lá, nós já estaríamos hoje jogando beisebol, e nossas crianças estariam brincando de “doces ou travessuras” na noite de Halloween.

Revisão conceitual

Frente a esses distintos paradigmas nos propomos a contribuir com al-gumas reflexões sobre o assunto e, paralelamente, realizar uma revisão con-ceitual quanto ao jogo, a brincadeira e o brinquedo na visão de Benjamin, Didonet, Froebel, Piaget, Vygotsky e Winnicott.

Benjamin

Benjamin fez algumas reflexões importantes sobre o lúdico, consideran-do o seu aspecto cultural. Brinquedo e brincar, para ele estão associados e documentam como o adulto coloca-se em relação ao mundo da criança. Os estudos de Benjamin mostraram como, desde as origens, o brinquedo sempre foi um objeto criado pelo adulto para a criança. Segundo Benjamin, acreditava-se erroneamente que o conteúdo imaginário do brinquedo é que determinava as brincadeiras infantis, quando na verdade quem faz isso é a criança. Por esta razão, quanto mais atraentes forem os brinquedos, mais dis-tantes estarão do seu valor como instrumentos do brincar.

[...]

Didonet

Didonet afirma que todas as culturas, desde as mais remotas eras, produ-ziram e utilizaram brinquedos. A boneca e a bola são dos mais antigos que se tem notícia e mais difundidos em todas as culturas. Em túmulos egípcios de 4 a 5 mil anos atrás foram encontradas bonecas. Nas civilizações andinas, as crianças eram enterradas com elas.

O interesse pelo estudo do brinquedo também é muito antigo. E isso talvez decorra do fato de que o brinquedo e o jogo façam parte tão intrínseca da vida infantil e juvenil. Entender seu significado é um caminho muito útil, senão mesmo necessário, para conhecer a própria criança e seu processo de desen-volvimento. O brinquedo foi objeto de consideração de filósofos, psicólogos,

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psicanalistas, teólogos, antropólogos, médicos, terapeutas, educadores e pais, portanto, nos mais diversos campos das ciências e das práticas sociais. O brin-car é algo tão espontâneo, tão natural, tão próprio da criança, que não haveria como entender sua vida sem brinquedo.

[...]

Entendendo que Froebel é uma figura significativa no contexto educativo porque traz uma importante contribuição quanto ao papel do jogo, acredi-tamos que suas ideias sejam fundamentais no sentido de confrontá-las com as demais. No entanto, em virtude da dificuldade de encontrar material a seu respeito, consideramos adequado o referencial de Kishimoto, já que a mesma faz uma relevante abordagem sobre Froebel.

Embora não tenha sido o primeiro a analisar o valor educativo do jogo, Froebel foi o primeiro a colocá-lo como parte essencial do trabalho pedagógico, ao criar o jardim de infância com uso dos jogos e brinquedos. A partir de sua filosofia educacional baseada no uso dos jogos infantis, Froebel delineia a metodologia dos dons e ocupações, dos brinquedos e jogos, propondo: 1) dons, materiais como bola, cubo, varetas, anéis etc., que permitem a realização de atividades denominadas ocupações, sob a orientação da jardineira, e 2) brinquedos e jogos, atividades simbólicas, livres, acompanhadas de músicas e movimentos corporais, destinadas a liberar a criança para a expressão das relações que estabelece sobre objetos e situações do seu cotidiano. Os brinquedos são atividades imitativas livres, e os jogos, atividades livres com o emprego dos dons [...]. Brincar é a fase mais importante da infância – do desenvolvimento humano neste período – por ser a auto-ativa representação do interno – a representação de necessidades e impulsos internos. (FROEBEL, 1912c, p. 54-55)

[...]

Piaget

Piaget estrutura o jogo em três categorias: o jogo de exercício – no qual o objetivo é exercitar a função em si –, o jogo simbólico – em que o indiví-duo coloca-se independente das características do objeto, funcionando em esquema de assimilação, – e o jogo de regra – no qual está implícita uma re-lação interindividual que exige a resignação por parte do sujeito. Piaget cita, ainda, uma quarta modalidade, que é o jogo de construção, em que a criança cria algo. Esta última situa-se a meio caminho entre o jogo e o trabalho, pelo compromisso com as características do objeto.

Tais modalidades não se sucedem simplesmente acompanhando as etapas das estruturas cognitivas, pois, tanto o bebê pode fazer um jogo de exercício, como também uma criança poderá fazer sucessivas perguntas só pelo prazer de perguntar.

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Contribuições da Psicopedagogia no uso do lúdico

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[...]

Vygotsky

Para Vygotsky, o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal (capacidade que a criança possui), pois na brincadeira a criança comporta-se num nível que ultrapassa o que está habituada a fazer, funcionando como se fosse maior do que é. O jogo traz oportunidade para o preenchimento de necessidades irrealizáveis e também a possibilidade para exercitar-se no domínio do simbolismo. Quando a criança é pequena, o jogo é o objeto que determina sua ação. Na medida em que cresce, a criança impõe ao objeto um significado. O exercício do simbolismo ocorre justamente quando o sig-nificado fica em primeiro plano.

[...]

Winnicott

Para Winnicott, a brincadeira é universal e própria da saúde: o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde. O brincar conduz aos relaciona-mentos grupais, podendo ser uma forma de comunicação na Psicoterapia. Portanto, a brincadeira traz a oportunidade para o exercício da simbolização e é também uma característica humana.

[...]

Considerando a pergunta inicial, as discussões feitas pelos pesquisadores que procuram entender o ato de brincar da criança pequena, a partir das teorias aqui presentes, vêm em auxílio dos profissionais que, atualmente, buscam revisar seus conceitos acerca do que é brincar para a criança, e como manter esse jogo no cotidiano infantil.

Baseados em tais teorias, verificamos que, ao brincar, a criança constrói conhecimento. E para isso, uma das qualidades mais importantes do jogo é a confiança que a criança tem, quanto à própria capacidade de encon-trar soluções. Confiante, pode chegar a suas próprias conclusões de forma autônoma.

Assim, afirmamos que tanto o jogo quanto a brincadeira, como o brin-quedo, podem ser englobados em um universo maior, chamado de ato de brincar. Não somos favoráveis a uma rigidez dos termos, pois se por um lado

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

a discussão sobre os mesmos pode ampliar a perspectiva lúdica de nossa prática pedagógica, por outro pode seccioná-la em “hora do jogo” ou “hora da brincadeira”.

Podemos observar que brincar não significa simplesmente recrear-se, isto porque é a forma mais completa que a criança tem de se comunicar consigo mesma e com o mundo. Nesse brincar está a verbalização, o pensamento, o movimento, gerando canais de comunicação.

[...]

Dica de estudoAtividades Lúdicas na Educação: o caminho de tijolos amarelos na aprendizagem, de Vânia D. Dohme, Editora Vozes.

Esse livro procura demonstrar que as atividades lúdicas, mais do que serem aceitas como rotina da educação de crianças do Ensino Fundamental, são uma prática privilegiada para a aplicação de uma educação que vise o desenvolvimen-to pessoal e a atuação cooperativa na sociedade. É um livro essencial para educa-dores dos primeiros anos do Ensino Fundamental que acreditam ser importante levar os alunos a se tornarem adultos capazes, construtivos e independentes.

Atividades1. Considere os aspectos apresentados durante a aula e liste cinco aspectos

que podem ser explicitados para identificar o valor educativo das atividades lúdicas.

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Contribuições da Psicopedagogia no uso do lúdico

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2. Assinale a alternativa que diz respeito aos conteúdos afetivos, sociais e fun-cionais que podem ser desenvolvidos com os jogos.

a) Autonomia, convívio, concentração e atitude ética.

b) Autoestima, audição, paladar e visão.

c) Neurônios, fala, capacidade de liderar.

d) Lateralidade, decisão e imagens.

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Os projetos entendidos como meio da ação pedagógica compõem uma nova metodologia que busca atender à atual demanda da socieda-de. Busca-se nessa metodologia a interação do educando com a realidade, valorizando o agir de quem aprende como elemento central para se com-preender algo. Para aprender é necessário possibilitar que a inteligência do aprendente aja sobre o que se quer explicar. Toda aprendizagem tem seu habitat no convívio com os outros.

Na dinâmica dos projetos, as disciplinas escolares organizam-se inter-disciplinarmente atendendo às exigências da problematização em ques-tão, rompendo, assim, com o paradigma cartesiano que separa cada área do conhecimento fragmentando o objeto de conhecimento. Com isso, busca-se desenvolver competências políticas, culturais, éticas, emocionais e reflexivas com os alunos envolvidos (EYNG, 2000).

A ideia de trabalhar por projetos tem suas raízes primordiais no final do século XIX com Decroly, o qual propôs os centros de interesse para o desenvolvimento da ação pedagógica com crianças que apresentavam de-bilidade mental. Nessa mesma época, Maria Montessori e Celestin Freinet também vislumbraram atividades que se esboçavam como projetos de tra-balho. Posteriormente, observa-se Dewey na década de 1970, que ainda de maneira tecnicista, propôs a ideia de realizar projetos na ação docente.

Atualmente, pode-se observar quanto é importante a formação de educadores que valorizem o desenvolvimento próprio e coletivo com cria-tividade e criticidade; que incentivem a leitura e a produção de materiais próprios, formando cidadãos questionadores e pesquisadores, atendendo às exigências do paradigma emergente.

O profissional de educação que busca sua prática pedagógica à luz do paradigma da produção do conhecimento tem como objetivo o desen-volvimento de competências profissionais compreendendo sua função como articulador do processo de construção do conhecimento, no qual não se tem mais espaço para apenas reproduzir o saber elaborado pela humanidade. Segundo Behrens (1999, p. 91), “[...] o professor passa a ter

Contribuições da Psicopedagogia no trabalho com projetos

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

uma nova proposta metodológica em que se torna o articulador e orquestrador do projeto pedagógico [...]”. Sua ideia é complementada por Costa (2001, p. 16) quando afirma que na pedagogia de projetos vê-se “o educador como um líder, um organizador e um criador (que cria conjuntamente) de acontecimentos”. Nessa ótica o educador, junto com seus educandos, é um produtor escolar, co-munitário e social de acontecimentos estruturantes.

Oferecer um ensino compatível com as exigências da sociedade contem-porânea requer mudanças nas formas de trabalho, nas concepções de co-nhecimento e nas instituições educativas; busca-se um índice de qualidade direcionado para a produção do conhecimento, no qual aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a viver junto e aprender a ser, são requisitos básicos para formar cidadãos conscientes de seus talentos, de suas possibilidades e com valores definidos.

Quaisquer que sejam as mudanças impostas pelas circunstâncias históricas, não invalidam a riqueza da experiência construída em dado momento e em dado lugar, sobretudo pelas convicções construídas de que o trabalho coletivo, o comprometimento, o arraigamento da escola em sua realidade, a explicitação da intencionalidade política e a abertura da escola à participação são ingredien-tes necessários à construção de uma metodologia de trabalhar por projetos, ele-mentos estes que dão sustentação às práticas comprometidas com a produção do conhecimento.

A prática pedagógica não se reduz à transmissão de conteúdos estáticos e esvaziados de vitalidade, mas integra a criação como processo necessário à existência humana, o projeto jamais toma forma definitiva, acabada, pois abre espaço para a criatividade, para a dinamicidade da vida, possibilitando que seus autores construam uma nova realidade.

Realização de um projetoA ideia fundamental dos projetos, segundo Hernández e Ventura (1998, p. 89),

como forma de organizar os conhecimentos escolares, propõe que os “alunos aprendam procedimentos que lhes permitam organizar a informação, desco-brindo as relações que podem ser estabelecidas a partir de um tema ou de um problema”. A função principal do projeto é possibilitar aos alunos o desenvolvi-mento de estratégias que os auxiliem a organizar o conhecimento mediante o tratamento de uma informação.

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Contribuições da Psicopedagogia no trabalho com projetos

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É fundamental para a ação docente que se pense em criar um ambiente positivo para conseguir do aluno participação ativa, presença dinâmica, interação envolven-te, comunicação fácil, motivação à flor da pele (DEMO, 1996). Outra função da ação docente é organizar as atividades do discente. O sucesso de um projeto requer que o educando tenha ciência das etapas necessárias a sua efetivação, da importância da sua ação, sendo, então, ator e autor da construção do conhecimento.

O papel a ser cumprido pelos alunos no desenvolvimento de um projeto requer que se leve em conta, segundo Antunes (2001), a idade dos alunos, o nível de seu desenvolvimento cognitivo, o ponto de ação de suas inteligências e também as experiências, ou não, com o uso de habilidades operatórias. O aluno deve ter claras as fases em que vai executar seu projeto, compreendendo qual a sua tarefa nessa grande orquestra.

Não nos cabe em qualquer momento colocar formas prontas e acabadas para trabalhar com projetos, mas organizar etapas para facilitar o entendimento e sua realização. Behrens (1999, p. 35) organiza essas etapas, que serão aqui apresenta-das, objetivando contextualizar a ação psicopedagógica que prioriza o aprender a aprender e propõe que a intervenção na instituição educacional leve tanto edu-cadores como educandos a se fortalecerem na sua autonomia e autoria diante da aprendizagem. A primeira etapa (BEHRENS, 1999, p. 35) refere-se ao aquecimento, à problematização. É o momento da introdução do assunto, quando o educador busca aquecer os alunos para uma discussão. Faz-se presente a problematização. Evidenciam-se as necessidades, as quais impulsionam a investigação científica.

Nesse primeiro momento, também deve haver o enquadramento, ou seja, devem ficar claros os critérios que o professor utiliza para orientar as tarefas, seus prazos, normas, formas de avaliação, enfim, acordar com os alunos quais serão as etapas a cumprir, constituindo um contrato pedagógico (PERRENOUD, 2000, p. 54), o qual não é rígido. Esse contrato pedagógico pode e deve sofrer alterações à medida que emergirem necessidades naturais do processo de construção do co-nhecimento; porém deve haver o consenso do grupo como um todo para a sua alteração.

Na segunda etapa, ocorre a primeira etapa da pesquisa, a qual recomenda-se que seja realizada individualmente pelo educando, com o apoio do educador. As fontes são inúmeras nos dias de hoje; não devem restringir-se às enciclopé-dias, sem tirar o seu valor. A questão é ampliar o universo, é impelir o aluno a buscar soluções com informações realmente elaboradas, ou seja, informações que passam a ser seu conhecimento e, portanto, passam a ter significado.

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Na terceira etapa, após o tempo previsto para a atividade individual, os alunos em pequenos grupos, no espaço da aula1, devem comparar os resultados obti-dos, discutindo suas conclusões, levantando dúvidas e aprofundando itens da pesquisa, contando sempre com a presença do professor enquanto facilitador da aprendizagem.

A quarta etapa refere-se a um momento de partilha, de socialização do co-nhecimento, em que todos os alunos, juntamente com seus pequenos grupos terão a oportunidade de expor suas conclusões, orientados pelo professor. Esses resultados podem ser discutidos em forma de seminários, com técnicas criativas e com uso de tecnologias adequadas. Vale ressaltar que o conhecimento só tem validade quando é partilhado socialmente, principalmente na era da globaliza-ção, a qual se faz presente e impõe à escola a necessidade de educar seus alunos para a partilha e para o trabalho em equipe.

Em uma quinta etapa, após os esforços feitos ao longo das pesquisas e deba-tes, há a necessidade de sistematizar os conceitos, ou seja, ensejar o reequilíbrio das estruturas cognitivas. A sistematização é tarefa que deve ser realizada pelo aluno com a orientação do professor, e não feita pelo professor somente, o que tem ocorrido muito nas escolas. A criatividade tem largo espaço nesse momento, devendo-se dar lugar às diferentes formas de expressão e de registro.

A avaliação também deve ser coerente com os estudos feitos nos projetos, ela deve ser pro-cessual e contínua, levando em consideração o real desenvolvimento de cada aluno, e sempre que houver necessidade, o educador não deve hesitar em realizar intervenções mobiliza-doras, para que se sinta produtor do conhecimento e corresponsável pelo processo da sua aprendizagem e da aprendizagem de seus pares. (WINKELER, 2000, p. 25)

Cabe enfatizar que essas etapas são flexíveis e devem ser adequadas a cada tema problematizador, pois a criatividade e a peculiaridade de cada área do conhecimento sugerem diferenciações metodológicas na elaboração dos pro-jetos educativos.

Do ponto de vista do aluno, essa forma de organização e condução do pro-cesso educativo traduz-se numa oportunidade única de participação profunda e abrangente em todas as etapas da realização de uma ação: análise de uma situa-ção, decidir intervir ou não, planejar a ação, executar a ação, avaliá-la e apropriar- -se de seus resultados. Refere-se a uma tarefa que se pensa e concretiza-se em função de uma finalidade sólida, real, que se torna a fonte do sentido e o suporte da significação de seu fazer (COSTA, 2001).

1 Faz-se referência à expressão espaço de aula e não sala de aula para que a atividade se amplie conforme as necessidades educativas do grupo em questão.

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É importante deixar claro que o ensino e a aprendizagem realizam-se median-te um percurso que nunca é fixo e que conta com o auxílio de todas as formas de expressão, de registro, bem como das novas tecnologias. O projeto serve como um fio condutor para a atuação do educador em relação aos alunos. Utiliza a tec-nologia como meio, como instrumento para colaborar no desenvolvimento do processo de aprendizagem, reveste-se de um valor relativo e dependente desse processo. Ela tem sua importância como um instrumento significativo para favo-recer a aprendizagem dos alunos.

Essa proposta parte do pressuposto de que o fundamental é a atividade do aluno, seu pensamento em ação; uma ação que é refletida, interiorizada em suas estruturas mentais. Reconhece que o aluno inteligente é ativo, irrequieto, um organismo vivo em permanente troca com seu meio ambiente, que toma inicia-tivas ao interagir com o mundo e atua sobre ele.

O educador é o mediador entre o educando e o conhecimento, deve ser um profissional formador, reflexivo, consciente da importância do seu papel, com-prometido com o processo educativo, integrado ao mundo de hoje, responsável socialmente pela formação do cidadão e, principalmente, um eterno aprendiz, aquele que busca “inovar e inovar-se”. Como a função primordial do educador é possibilitar a seus alunos o acesso ao conhecimento elaborado, esse conhe-cimento deve passar por esquematizações, reestruturações, simplificações, re-construções práticas como meio de promover a sua apreensão pelos alunos. Dessa forma, o educador estará sendo de fato um mediador na interação dos alunos com os objetos de conhecimento e a orientação didática que assume.

Compete ao educador, dentro de uma metodologia de “trabalhar com proje-tos”: elaborar junto com a equipe pedagógica todos os seus planos de trabalho, escolhendo, juntamente com a coordenação, livros e materiais didáticos; desen-volver as atividades de sala de aula tendo em vista a apreensão do conhecimento pelo aluno; estar sempre aperfeiçoando-se e atualizando-se; ser um observador das atitudes de seus alunos, evitando qualquer tipo de discriminação no âmbito escolar, resguardando sempre o respeito com todos os envolvidos no processo de aprendizagem.

Aprender a aprender, como afirma Fernández (2001), não é outra coisa que entender que alguns dos processos de ensino devem ensinar e ao mesmo tempo ensinar-se. O novo foco da educação escolar não abandona os conteúdos, mas deles se utiliza para que o aluno desenvolva habilidades e alcance competên-cias exigidas do novo profissional-cidadão. Nesse foco, aprender a aprender é o

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

grande objetivo a ser alcançado. Ser capaz de estabelecer relações significativas entre conteúdos novos, por processos mentais de comparação, de correlação, de aplicação, de análise, de síntese, de julgamento é o que se espera do aluno.

Segundo Ferreiro e Teberoski (1979, p. 57), “[...] é preciso ter presente que ao aprendiz como sujeito de sua prática de aprendizagem corresponde, necessa-riamente, um professor sujeito da sua prática docente e, para construir a sua competência, o único caminho é o da reflexão sobre a sua prática.”

Atualmente, pode-se observar o quanto é importante a formação de educa-dores que valorizem o desenvolvimento próprio e coletivo com criatividade e criticidade; que incentivem a leitura e a produção de materiais próprios, crian-do cidadãos questionadores e pesquisadores. Por isso, essa metodologia de se trabalhar com projetos está sendo tão aceita em determinadas escolas, pois ela realmente consegue instigar o aluno a pensar de maneira integrada com sua realidade social.

A educação para a cidadania global propõe o desenvolvimento de uma cons-ciência ecológica, relacional, pluralista, interdisciplinar, sistêmica e espiritual, que traga maior noção de abertura, hábitos e valores, que traga uma nova visão da realidade baseada na consciência do estado de inter-relação e interdepen-dência essencial com tudo a sua volta, que transcenda fronteiras disciplinares, conceituais, físicas, sociais e culturais.

Preocupar-se com os paradigmas que a sociedade vem apresentando, com uma expectativa de visão de mundo na qual busca-se um processo de mudança conceitual, pensando diferente e visando à produção de conhecimentos, à ela-boração própria, autônoma, com iniciativa, em uma sociedade do conhecimento com visão de totalidade, de rede, de teia, de conexão e um sistema integrado, no qual se supere a fragmentação e a reprodução do conhecimento, provocando o espírito crítico, o diálogo e a ética para uma educação na qual a liberdade será meta fundamental a ser alcançada, objetivando-se assegurar o desenvolvimen-to máximo do ser em relação com o meio é o grande desafio do educador deste século que nasce. Para tanto, requer que os docentes e os discentes estejam in-teirados nesse processo, caminhando juntos para que consigam uma aprendi-zagem significativa. E o mais relevante é que o professor esteja preparado para aprender juntamente com seus alunos, priorizando uma proposta de parceria no processo de construção do conhecimento e também do homem consciente para a sua realidade de vida.

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Texto complementar

A palavra é EducaçãoPedagogia de Projetos

(MIDLEJ, 1998)

Há premente necessidade de se repensar, hoje, o espaço escolar com todos os elementos que o compõem: projeto curricular, rotinas, estrutura, planejamento de estratégias e recursos metodológicos de ensino e aprendi-zagem, atividades e avaliação, de modo que ele se volte para o cumprimento de sua verdadeira função: a formação de seres conscientes de sua trajetória no mundo, ativos, críticos, reflexivos e participativos.

Processo global e complexo, a formação dos alunos não deve ser vista apenas como uma atividade intelectual. Aprende-se de maneira real e signi-ficativa, explicitando necessidades e desejos, participando ativamente, cons-truindo conceitos, planejando, tomando decisões, vivenciando emoções e sentimentos, fazendo escolhas e responsabilizando-se por estas, tomando ati-tudes diante dos fatos, intervindo na realidade para atingir metas e propósitos. Ensina-se pelas experiências proporcionadas e amplamente vividas, pelos pro-blemas criados, pela busca de soluções, pelas ações interativas desencadeadas numa constante aliança com a incerteza e a constante busca de verdades.

Ao optar por trabalhar com uma concepção globalizante de educação, o professor deve agir sempre como um coordenador atento e desafiador de um tra-balho que não concebe a aprendizagem como algo linear e cumulativo: o pro-gresso do conhecimento se produz através de uma contínua reorganização das estruturas cognitivas; à medida que as necessidades do aluno vão sendo atendidas pelo meio que o desafia a pensar, criar e tomar decisões, novas es-truturas mentais se organizam, a partir de esquemas anteriormente constru-ídos, modificando-se as perspectivas que ele possuía antes de atuar sobre a realidade. A ação ativa permite-lhe avançar em direção a novas aquisições, capacitando-o a ir além de um simples aprendiz de conteúdos; assim, não se pode separar o processo de aprendizagem dos conteúdos disciplinares,

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

do processo de participação dos alunos e nem desvincular as disciplinas do contexto em que se vive na atualidade.

Fica muito clara a principal função da escola nesta abordagem: educar para pensar e agir e não simplesmente servir como transmissora dos conhe-cimentos produzidos pela humanidade e socialmente acumulados a alunos calados e passivos.

A Pedagogia de Projetos ressurge na atualidade, como uma das opções metodológicas que atende a essa necessidade de se repensar o espaço es-colar como espaço de construção de conhecimentos, de estabelecimento de redes conceituais, onde aprender deixa de ser um simples ato de me-morização e acúmulo de informações e ensinar não significa mais cumprir instruções, repetir receitas e repassar conteúdos prontos.

Surgida no início do século com John Dewey e outros representantes do movimento conhecido como Escola Nova, a Pedagogia de Projetos propu-nha a utilização de métodos ativos com a participação direta dos educandos, num tempo em que predominavam os métodos autoritários.

O movimento da Escola Nova ou Escola Ativa, que teve no baiano Anísio Teixeira um dos seus mais brilhantes, significativos e entusiasmados repre-sentantes, promoveu um processo de renovação no panorama educacio-nal do mundo, ao deslocar o eixo da escola e do professor para o aluno. Ele possui importantes princípios pedagógicos:

Educar para pensar, para solucionar problemas, para produzir; aprender a aprender; desartificializar as atividades escolares; aprender a fazer, fazendo (ressaltando-se o significado do papel ativo do sujeito no seu processo de aprendizagem); trabalhar com problemas que despertem curiosidades, exijam buscas de informações e estabelecendo “redes” entre as diversas disciplinas do currículo; educar para a democracia, investindo na formação de alunos cons-cientes, participativos, cidadãos atuantes.

A Pedagogia de Projetos traduz uma concepção de ensino e aprendizagem Construtivista/Interacionista de Educação e tem demonstrado ser um empre-endimento de grande valia para o desenvolvimento da ação pedagógica, na medida em que dá oportunidade aos alunos de analisar as situações, os proble-mas e os acontecimentos dentro de um contexto e utilizar-se de suas experiên-cias socioculturais e dos conhecimentos presentes nas diversas áreas disciplina-res, contextualizando-os e viabilizando ações próximas à realidade destes.

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Os Projetos Didáticos abrem, ao lado de outras metodologias, perspecti-vas de uma nova prática para os educadores que devem ampliar suas formas de ver o ato educativo e, em consequência, suas ações, em direção a postu-ras que enfatizem a participação do aluno na construção de conhecimentos através de problematização de situações, vivências integrativas em busca de soluções, de tomada de decisões individuais e coletivas, de organização de registros e sínteses, conscientizando-se de que a meta maior da aprendiza-gem escolar é a sua utilização em situações de vida prática.

A proposta e o desenvolvimento de situações pedagógicas baseadas na Pe-dagogia de Projetos fazem emergir questões que precisam ser esclarecidas:

Como surgem os projetos na sala de aula? �

O professor deve levar propostas prontas para a classe? �

Como problematizar a prática para garantir o envolvimento dos alunos? �

Os alunos podem propor os eixos temáticos? �

Como organizar o tempo e os espaços escolares? �

Como selecionar, contemplar, complexificar, interrelacionar, sistemati- �zar e aprofundar os conteúdos disciplinares num projeto?

Como garantir a aprendizagem dos conteúdos? �

Como avaliar? �

As questões levantadas acima são guiadas por determinados princípios, e encaminhamentos didáticos, aparecendo como constituintes de um mesmo processo, podendo ser pontuadas e sintetizadas como um todo:

a) os Projetos Didáticos surgem da necessidade de se realizar, no âmbito escolar, estudos globalizadores interligados à realidade do aluno, não devendo constituir-se no entanto, no único recurso metodológico a ser utilizado pelo professor, ao longo do processo;

b) ao planejar ações de aprendizagem, deve-se ter clareza que os conteú-dos a serem trabalhados e aprendidos não se resumem aos conceitos ou aos fatos; também os procedimentos e as atitudes, relacionados aos eixos temáticos, necessitam estar previstos e contemplados nas diversas situa-ções;

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

c) o professor deve organizar seus planos de trabalho e determinar, a priori, as suas intenções educativas (objetivos), o eixo temático do pro-jeto e as orientações didáticas; em seguida apresentá-los aos alunos, abrindo “janelas de escuta” e permitindo que estes sejam enriqueci-dos no processo. Os alunos poderão propor outros temas e, sob a sua orientação, modificar e complementar a primeira versão do projeto;

d) como “nada surge do nada” deve-se programar e utilizar alguns elemen-tos detonadores do trabalho, a exemplo de filmes, gravuras, músicas, reportagens, livros de literatura etc. interligados com a temática que se deseja contemplar; a partir daí deverão surgir, dos alunos (num traba-lho mediado), questões problematizadoras, as quais permitirão acessar os conteúdos programáticos relacionados às diversas disciplinas do currículo e necessários para a resolução das questões surgidas;

e) faz-se levantamentos e registros (que ficarão expostos, em murais) dos conhecimentos prévios do grupo acerca do eixo temático: “O que já sa-bemos sobre...”

f ) organiza-se e registra-se as questões que revelem curiosidades e inte-resses em relação ao eixo temático, tendo a clareza de que os conteú-dos das diferentes disciplinas e as múltiplas relações entre eles surgi-rão daí: “O que queremos saber sobre...”

g) planeja-se estratégias e atividades para se processar a busca de res-postas (utilização de diferentes fontes de aquisição de informações, vivências em situações reais etc.): “O que faremos para saber sobre...”

h) prevê-se recursos necessários à obtenção das respostas às questões levantadas : “Do que iremos precisar para saber sobre...”

i) prevê-se o tempo de duração do projeto como um todo e as diversas etapas, (cronogramas), registrando-se responsabilidades individuais e/ou coletivas, prazos de cumprimento das tarefas parciais e totais, realizando-se constantes “controles” do processo: “Quando faremos?” “Quem fará?” “Que questões já foram respondidas?” “O que ainda temos para realizar?”

j) incentiva-se o trabalho coletivo e as trocas entre colegas, socializando-se os produtos que se vai obtendo, favorecendo-se o estabelecimento de relações entre o que se conhecia antes (conhecimentos prévios) e o que

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se apresenta como novos conteúdos aprendidos: “O que estamos apren-dendo?”

k) estabelece-se critérios indicadores e instrumentos adequados de ava-liação processual das diversas situações de ensino e aprendizagem e planeja-se a finalização do projeto através de diferentes dinâmicas e relatórios-síntese individuais, além de um produto coletivo publicável, contendo elementos reveladores de aprendizagem: “O que aprende-mos com o projeto?”

l) elabora-se um relatório final do projeto, ilustrado e enriquecido com produções dos alunos. Tal documento circulará e posteriormente per-manecerá na escola como memória do trabalho realizado (o trabalho deverá ser registrado passo a passo a fim de que se produza a organi-zação de um memória das etapas percorridas e facilite a elaboração do relatório final).

Ao se pensar no desenvolvimento de um Projeto Didático deve-se pensar em como organizá-lo adequadamente. De um modo geral, o planejamento deve conter:

Apresentação �

Definição do(s) eixo(s) temático(s) � – em torno de que problematizar? o que se necessita saber?

Definição dos eixos de problematização � – o que se necessita saber acer-ca do eixo(s) temático(s)?

Justificativa � – por que realizar o Projeto?

Objetivos didáticos e conteúdos � – para quê? o quê? que áreas discipli-nares contemplar?

Estratégias e encaminhamentos � – como os alunos farão? o que os alu-nos farão?

Recursos � – de que irá necessitar-se?

Cronograma � – quando? quem fará?

Orientações didáticas � – como encaminhar situações de ensino e apren-dizagem em estreitas relações com o cotidiano dos aprendizes? que

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

ações prioritárias planejar e executar? como favorecer a utilização de diferentes fontes de informação? que cuidados e providências tomar? que recursos providenciar?

Processo avaliativo � – como avaliar processualmente? como encami-nhar a finalização das diversas etapas do Projeto? através da ação do professor, o que os alunos aprenderam? como intervir para facilitar no-vas aprendizagens? como apresentar os resultados de ensino e apren-dizagem? como encaminhar a finalização do produto publicável?

Finalmente, uma ação didática construtivista que tenha como recurso metodológico a Pedagogia de Projetos para se efetivar verdadeiramente exige do profissional atitudes de abertura e participação em situações de intercâmbio de experiências, de dedicação à leitura de obras e periódicos, de uma deliberação consciente de repensar sua própria trajetória como educa-dor e de intenções claras de caminhar rumo a uma atuação mais complexa, democrática e prazerosa.

Dica de estudoAcesse o site: <www.crmariocovas.sp.gov.br/pep_l.php?t=001>.

Essa seção contém textos, artigos, experiências e publicações que conceituam e subsidiam o trabalho pedagógico por projetos. Apresenta também sugestões sobre formas de criar, planejar e implementar projetos.

Atividade1. A partir de trechos retirados de dois livros de Laura M. Barbosa, reflita sobre

a importância do uso de projetos no planejamento didático de uma institui-ção educacional para o alcance de seus objetivos.

Para Barbosa (1998, p. 18):

[...] esta integração dos termos trabalho e projeto completam uma expressão que quer significar, para a Psicopedagogia, a montagem de um planejamento, pelo aprendiz, com o objetivo de realizar uma ação que o aproxime das situações de aprendizagem, que permita com que viva um processo e possa avaliá-lo, tanto em relação ao que foi planejado, quanto no que diz respeito à eficiência do mesmo, no auxilio da superação de suas dificuldades.

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Contribuições da Psicopedagogia no trabalho com projetos

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Para Barbosa (2001, p. 68):

Desenvolver uma ação pedagógica que inclua o Projeto de trabalho na Instituição, voltado para o ensino-aprendizagem, significa ir em busca de um processo através do qual o professor e o alunos se envolvam com suas tarefas, de tal forma que as mesmas sejam contextualizadas historicamente e façam sentido para suas vidas, integrando o prazer ao compromisso.

Para tal, são necessárias mudanças em relação à forma de encaminhar os estudos e as aulas que, muitas vezes, acontecem somente em situações especiais, quando por ocasião de uma feira de ciências ou de literatura, ou em uma determinada disciplina escolar. Essa mudança implica no repensar sobre a interdisciplinaridade dentro da escola na afirmação teórica e prática entre seus profissionais e numa modificação de mentalidade do aluno.

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As situações que os educadores vêm enfrentando nas salas de aula, diante do processo de aprendizagem de seus alunos, estão, cada vez mais, levando esses educadores a procurarem subsídios que os auxiliem a resol-ver os problemas de aprendizagem, como se sozinhos não pudessem dar conta de uma situação tão complexa.

É importante que os educadores tenham claro o seu papel dentro da sala de aula, pois encontram hoje em dia expectativas diferenciadas quanto a eles. A herança conteudista da construção histórica da posição da escola frente à aquisição do conhecimento, leva o professor a assumir um compromisso de ir além da transmissão de conhecimentos.

Uma atitude investigativa é fundamental para que o educador esteja atento às necessidades dos educandos, issto não quer dizer que o edu-cador deva ser o responsável em diagnosticar o educando com dificul-dades de aprendizagem e realizar intervenções capazes de sanar essas dificuldades. O educador pode e deve subsidiar-se para intervir enquanto educador, pensar que a transmissão do conhecimento deve ter uma nova configuração, na qual o campo relacional que se estabelece entre educa-dor e educando seja fonte de subsídios para a configuração do seu perfil profissional.

Segundo Barbosa (2001, p. 366), é preciso mexer na aprendizagem, compartilhar e construir conhecimento, sentir a inquietação frente ao novo. O aluno precisa ser protagonista da transformação social, aprender a utilizar os instrumentos do seu tempo e, principalmente, aprender a con-viver superando essa onda de desvalores, de violência, de corrupção e de preocupação desmedida com o ter.

A Psicopedagogia tem procurado auxiliar a ação pedagógica da sala de aula, propondo ao educador o resgate do humano, além da preocupação com o saber. Levar o educador a pensar e compreender o seu aprender, com certeza, facilita e desvenda o fazer psicopedagógico ao educador. Ainda segundo Barbosa (2001, p. 366),

Caixa de trabalho: uma contribuição da Psicopedagogia

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

[...] além do conteúdo, é preciso viabilizar a capacidade de fazer relações, de implantar a pes-quisa, de trabalhar com projetos, de participar de ações solidárias, não como meros repetido-res ou descobridores do que já existe, mas como inventores do nosso tempo [...] A ressignifica-ção do não saber, condição necessária para haver aprendizagem, pode deflagrar uma reflexão sobre as formas de ensino-aprendizagem, sobre o conhecimento e sua função no mundo de hoje. Faz-se necessário confrontar elementos, tais como a dúvida e a certeza, a disciplina e a indisciplina e a interdisciplinaridade, a linearidade e a transversalidade, a ciência e a consciên-cia, o pensar e o agir, o sentir e o compartilhar, entre outros.

Para a efetivação dessa proposta psicopedagógica, na tentativa de auxiliar o educador no seu fazer psicopedagógico, é primordial que ele tenha refletido sobre a importância da atitude operativa que o educador deve assumir quando pensa em transformar sua ação pedagógica, tornando-a uma intervenção sig-nificativa. Aquelas sugestões de intervenções operativas devem fazer parte do cotidiano do educador, dentro do espaço escolar.

Vamos nos referir à Epistemologia Convergente, porque é de lá que retiramos a visão sobre a aprendizagem, que supera os enfoques inatistas e ambientalistas, caracterizando uma perspectiva interacionista para a aprendizagem, que deve respaldar o posicionamento desse educador que busca um fazer pedagógico diferenciado.

A proposta que vamos apresentar nesta aula está inserida nos pressupostos de Jorge Visca (1988) quando ele nos fala da intervenção psicopedagógica clíni-ca a qual chama de processo corretor. Para ele,

[...] processo é um transcurso do que vai sucedendo e é uma característica de toda coisa de estar cada instante de uma forma distinta da anterior [...] Por outro lado temos o termo corretor que é formado por “co” e “reger”, sendo o primeiro elemento – co – uma forma prefixa latina da preposição com, e o segundo – reger –, a ação do correto funcionamento de um aparelho ou organismo. (VISCA, 1988, p. 87)

Portanto, tomando como base os seus pressupostos no uso da caixa de tra-balho na intervenção psicopedagógica, proponho que esse recurso seja contex-tualizado para que possa ser utilizado também em sala de aula como uma ferra-menta que venha a auxiliar o educador a desenvolver novas práticas educativas. Para isso, é necessário que se ressignifique o uso da caixa de trabalho para o espaço da sala de aula.

É importante retomar inicialmente a origem da caixa de trabalho, pois ela foi utilizada inicialmente pela Psicanálise, quando analistas infantis utilizavam a caixa individual que continha materiais lúdicos e estruturados para que a criança pudesse representar seu mundo interno, suas fantasias inconscientes diante de um mundo real que se apresentava a ela. Na ludoterapia, que significa o trabalho psicanalítico desenvolvido com crianças, a caixa passa a ser um depositário de

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Caixa de trabalho: uma contribuição da Psicopedagogia

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conteúdos significados pela criança durante o processo terapêutico. Os materiais que ela contém foram de certa forma modificados e ressignificados, tornando-se materiais que receberam projeções e adquiriram uma simbolização particular para cada criança, fazendo da caixa um espaço particular e próprio de cada sujeito.

A partir desse significado, para a Psicanálise, a caixa de trabalho idealizada por Visca para a intervenção psicopedagógica passa a ser considerada como um continente depositário de conteúdos de saber e não saber. Guarda materiais que possibilitam a vivência do aprender e está longe de ser um simples receptáculo de materiais e produções (BARBOSA, 2003, p. 1).

Isso mostra a importância significativa que tem esse recurso no processo de intervenção clínica psicopedagógica, pois ela contém elementos que propiciam a superação dos obstáculos que se apresentam e impedem o sujeito de desen-volver sadiamente seu aprender. O trabalho com a caixa só alcança seu objetivo se junto forem utilizados recursos verbais e/ou corporais para que o sujeito per-ceba a pertinência de sua ação.

Esses recursos são: informação, mostra, modelo de alternativas múltiplas, mudança de situação, acréscimo de modelos, explicação intrapsíquica, assinala-mento, desempenho de papéis, interpretação, vivência do conflito, problemati-zação e destaque do comportamento (BARBOSA, 2001, p. 20; VISCA, 1988, s.p.).

No atendimento clínico, já no enquadramento do trabalho psicopedagógico, um contrato é estabelecido, e dele faz parte os referenciais de uso da caixa de trabalho. O enquadramento é uma técnica que procura tornar constantes va-riáveis que podem interferir na observação do movimento de aprendizagem. Portanto, a montagem da caixa deve ser feita a partir de alguns referenciais que ficam estabelecidos com o processo do diagnóstico psicopedagógico e contra-tados no início do processo de intervenção. Qualquer modificação nesse proces-so deve fazer parte de um novo enquadramento.

Segundo Barbosa (2003, p. 4), os aspectos que devem ser considerados para a organização da caixa de trabalho, a partir do diagnóstico, são:

idade cronológica e idade de desenvolvimento; �

interesses; �

características socioculturais; �

sexo; �

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

facilidades e dificuldades; �

funcionamento para aprender e diferenças funcionais; �

nível de apropriação da linguagem escrita; �

vínculos afetivos estabelecidos com as situações de aprendizagem. �

Como operacionalizar a caixa de trabalho para o espaço da sala de aula

Inicialmente, o educador disposto a usar esse recurso deve ter internalizado um posicionamento diferenciado diante do aprender. Um educador capaz de rever o seu processo de aprendizado de maneira que tenha a habilidade de lidar com o inesperado, da dúvida e da busca coletiva de respostas e soluções, não desconsidera o conhecimento historicamente construído (BARBOSA, 2001).

É de suma importância que o educador conheça o perfil do grupo de alunos que pertence à sua sala de aula, para que ele proponha o trabalho com a caixa de trabalho considerando as necessidades do grupo e suas características cog-nitivas, afetivas, funcionais e socioculturais. Outro fator a ser considerado tem relação com os objetivos do educador em desenvolver esse procedimento. Ele pode trabalhar para reforçar determinado conteúdo, como as frações, ou utilizá-lo para que os alunos possam construir um conhecimento relativo a determina-do conteúdo por exemplo, os oceanos.

Para que o educador possa realizar um enquadramento adequado do traba-lho com a caixa, é preciso que para ele o significado dela esteja claro. Ele pode trabalhar com o grupo todo de sua classe ou com pequenos grupos. Em ambas as situações é importante que o material escolhido para que a caixa seja monta-da tenha relação com o perfil do grupo e com os objetivos do trabalho. A escolha do material deve ser criteriosa, porém não ser completa. Costumamos dizer que a caixa de trabalho deve deixar espaço para o desejo e não esgotar todas as ne-cessidades das crianças (BARBOSA, 2003, p. 5).

Os materiais podem ser básicos, como: papel, lápis, apontador, borracha, régua, cola, tesoura, caneta, revistas, cadernos etc. Também poderá conter mate-riais como argila, tinta, massa de modelar, ou materiais semi-estruturados, como peças de encaixar, miniaturas, blocos e materiais estruturados: jogos com regras, jogos com modelos etc.

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Caixa de trabalho: uma contribuição da Psicopedagogia

233

O grupo irá sempre personalizar a caixa que, no primeiro momento em que vai ser trabalhada, deve estar vazia e ser uma caixa neutra para que o grupo comece a personalizá-la, de forma que a deixe particularizada, sinalizando que aquela caixa lhe pertence. Podem pintar, colar, escrever, fazer qualquer coisa que a diferencie de qualquer outra. A partir dos materiais separados pelo educador, o grupo vai escolher aqueles que achar necessários e significativos para o traba-lho, sendo importante que o educador questione o porquê da escolha do mate-rial e o porquê de não incluir os demais.

O educador pode incluir no seu planejamento dias e horários predetermi-nados para trabalhar com a caixa, sendo que o grupo deve escolher um local para ela ficar guardada, sem que ninguém, a não ser o próprio grupo, mexa nela. Todas as produções do grupo devem ser guardadas na caixa, de maneira que ela se torne continente para os conteúdos grupais e individuais.

A caixa de trabalho auxiliará o educador a intervir em situações que possi-bilitam a vivência do aprender, pois a sua atitude operativa frente aos compor-tamentos e atitudes observados, deve levar o grupo a construir seu processo de aquisição de conhecimento, tornando-se mais autônomo e autor de suas aprendizagens.

Outro fator importante que se consegue desenvolver com a caixa de traba-lho na sala de aula é a vivência de conteúdos intra e intergrupais, pois as tarefas devem possibilitar o enfrentamento das pressões grupais bem como dos movi-mentos corporativos de um grupo. E isso também é aprendizagem.

A consigna dada pelo educador deve favorecer a atitude do grupo em usar o material do interior da caixa de forma que o grupo escolha com o quê e de que forma deseja trabalhar, o movimento do grupo a partir dessa primeira consigna deve ser observado pelo educador. Essa observação será a guia para suas in-tervenções psicopedagógicas, caracterizada pela operatividade. Os recursos de intervenção devem possibilitar o avanço do grupo, ou o melhor de cada sujeito do grupo, em relação ao seu processo de aprendizagem.

Maria Lúcia Weiss (1997, p. 77), referindo-se ao uso do lúdico no processo de diagnóstico psicopedagógico, nos fornece alguns pontos importantes de serem observados no brincar da criança, que podem ajudar o educador na observação de sua classe com o uso da caixa de trabalho. Alguns estão relatados a seguir, contextualizados para o nosso objetivo ao trabalhar com grupos:

escolha do material; �

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234

Intervenção Psicopedagógica na Escola

escolha de materiais que automatizem as ações, repetição de atitudes do �cotidiano escolar;

selecionar material figurativo; �

buscar material mais plástico, de fácil criação; �

escolha de material de sucata para transformá-lo. �

E quanto ao modo de operar:

usam o material mais ao alcance da mão, não há exploração; �

exploram todo o material e depois fixam em um; �

escolhem materiais planejando uma brincadeira; �

fazem estimativas, cálculos, medidas; �

estruturam brincadeiras com começo, meio e fim; �

há coerência interna, há antecipação e planejamento nas atividades; �

dão ou não um uso ao que fazem; �

permitem flexibilidade; �

concluem as atividades; �

começam a atividade e interrompem; �

permanecem concentrados, dão continuidade às atividades; �

desmancham, separam e dividem; �

em situações dramatizadas, assumem papéis, normas e regras com facili- �dade;

como resolvem as situações-problema; �

como usam o corpo. �

Segundo Oliveira (2008, p. 191):

A caixa de trabalho, como uma proposta de modalidade de intervenção na aprendizagem, quando utilizada em sala de aula, facilita a emergência de potenciais individuais e grupais, que consequentemente serão canalizadas também para tarefas voltadas a aprendizagem sistemática. O potencial de realização dos educandos, passa a ter um alcance na subjetividade, isto é, a aprendizagem é internalizada na estrutura psíquica, e dessa forma transferida para a estrutura acadêmica.

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Caixa de trabalho: uma contribuição da Psicopedagogia

235

Nunca é demais nos referirmos novamente à importância do estabelecimen-to de um campo relacional entre educador e educando, aqui entre educador e grupo, que permita a formação de uma unidade funcional que tenha como objetivo a realização de operações que estabilizem condutas e promovam desenvolvimento.

Texto complementar

“A caixa que conta um conto” – o prazer de aprender

(PILONI, 2004)

A Caixa que Conta um Conto é um instrumento lúdico utilizado para traba-lhar simbolicamente conceitos psicopedagógicos como autonomia, aprendi-zagem, adolescência etc., ou seja, todos os conceitos trabalhados e vivenciados dentro da disciplina e estará sendo utilizada como recurso complementar.

Objetiva desvendar de forma lúdica os conflitos grupais e individuais, ge-rando a resignificação dos significados existentes. Tem como função promo-ver a comunicação adulto-criança e criança-criança, através de fantasias e simbolismo.

Foi desenvolvida pelo grupo de educadores da Creche Carochinha da USP – SP, com a intenção de promover e viabilizar informações sobre a realidade, e readaptado por mim, para complementar o processo de construção do co-nhecimento de alunos da graduação de alguns cursos como História, Geo-grafia, Biologia, Matemática, Pedagogia entre outros. Os temas das “Caixas” estavam sempre voltados para o curso em questão e a disciplina – Psicologia da Educação para cursos Modulares de Formação de Professores.

Em essência a Caixa que Conta um Conto é uma atividade de dramatização que objetiva expressar simbolicamente o tema abordado, buscando estimular contatos criativos com obras literárias, músicas, contos folclóricos ou infantis, além das próprias produções dos acadêmicos.

Desenvolve principalmente nos acadêmicos a busca pela pesquisa, incenti-vando o senso de valor da sua comunidade local, estimulando significativamente

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236

Intervenção Psicopedagógica na Escola

sua autoestima e contribuindo para a melhoria das relações humanas sadias que são essenciais para que ocorra um grau de aprendizagem satisfatório.

Desenvolve também a criatividade relacionada à autonomia, esta que é tão importante para a construção da identidade através da educação. Pois ser autônomo é ser governado por si mesmo, é ser responsável por seus atos, sair da posição de reprodução e passar a pensar, se diferenciar, ser um indivíduo singular, uno, com sua subjetividade.

O homem começa a ser pessoa quando é capaz de relacionar-se com os outros, rompendo o mundo da identidade infantil em que se movem nos pri-meiros anos de sua vida. Quando se torna capaz de dar e receber, em seu rela-cionamento com os pais, irmãos e outras pessoas, a sua responsabilidade vai se definindo. Um dos sinais da maturidade humana é a capacidade de estabele-cer numerosas pontes de relacionamento interpessoal com as outras pessoas. Assim se pode então definir a pessoa como sendo um ser em “relação com”.

O jogo e a dramatização entram nesse contexto como uma maneira na-tural, que se inicia nas primeiras atividades infantis. A produção da cultura lúdica é ativada por operações concretas que são as próprias atividades lúdi-cas: movimento interno (conhecimento de si mesmo) e o movimento externo (conhecimento do outro e do mundo).

As experiências lúdicas são adquiridas através da participação em jogos com os companheiros, pela observação de outras crianças, pela manipulação cada vez maior de objetos de jogo. A experiência do brincar não é transmiti-da, mas coconstruída por um sujeito social. E não se restringe ao espaço das brincadeiras infantis, envolve um contexto muito abrangente com todos que se dispõem a aprender através do jogo.

Inúmeras pesquisas da atualidade explicitam a importância das atividades lúdicas para o desenvolvimento da aprendizagem. Benjamin Franklin tem um pensamento encantador sobre o processo de aprendizagem, que engloba a intenção final deste projeto:

“Conte-me e eu esquecerei; Ensina-me e eu me lembrarei; Envolva-me e eu aprenderei”.

Podemos citar como objetivos deste projeto: melhoria da qualidade de assimi-lação do conteúdo que foi ministrado na disciplina; oportunizar um maior conhe-cimento de si mesmo e facilitar melhor relacionamento e integração interpessoal;

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Caixa de trabalho: uma contribuição da Psicopedagogia

237

criar um clima de confiança e de comunicação interpessoal; tomar consciência do significado de cada pessoa dentro do grupo; aprender a desenvolver ati-vidades extraclasse de forma simples, fácil e prazerosa; desenvolver a drama-tização como um instrumento que relacione a realidade do contexto socio-cultural da comunidade local, do curso acadêmico e dos discentes.

Como recursos materiais precisaremos de uma caixa qualquer, desde uma caixa de fósforos a uma caixa de geladeira. Todos os possíveis objetos que possam fazer parte do cenário para a dramatização.

A metodologia é muito simples, o primeiro passo nesse projeto é definir um tema a ser desenvolvido pelos grupos. Após esse consenso divide-se a sala de aula em pequenos grupos. Cada grupo fica responsável pela escolha, preparação e apresentação da sua dramatização.

A utilização da Caixa (objeto) é apenas um instrumento de incentivo a cria-tividade e a imaginação, como poderia ser qualquer outro objeto que promo-vesse o conto de um enredo a ser encenado pelos grupos.

A Caixa pode ser utilizada como parte do cenário (pode ser uma casa, ou sapato, uma televisão etc.), como todo o cenário, como um personagem, ou seja, de qualquer maneira dentro da dramatização.

A criatividade é totalmente livre. Mas necessariamente precisa de uma caixa. O enredo a ser utilizado pode ser uma paródia de uma música, um conto fictício ou real, uma comparação de uma história infantil, uma relação com um acontecimento folclórico, ou seja, qualquer enredo que tenha como “moral da história” o tema proposto anteriormente.

Espero poder dividir com todos os leitores a divertida tarefa de auxiliar nossos alunos na sua busca pelo conhecimento.

Dica de estudoAcesse o site: <www.psicopedagogiabrasil.com.br>.

Essa indicação se refere a um site que traz muitas informações sobre a Psi-copedagogia como um todo e especificamente para esse capítulo oferece um texto sobre a Caixa de Trabalho.

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Intervenção Psicopedagógica na Escola

Atividades1. Caso você escolhesse trabalhar com a proposta da Caixa de Trabalho em sala

de aula, que aspectos, em relação à atitude do educador discorridos nesta aula, você considera importantes de serem considerados para que a propos-ta alcance seus objetivos?

2. Quais são as funções que a caixa de trabalho pode desenvolver sendo traba-lhada em sala de aula?

a) Autonomia, dependência e cooperação.

b) Corporeidade, atividades e sabedoria.

c) Planejamento, autoridade e coerência.

d) Autonomia, planejamento e vivência grupal.

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Caixa de trabalho: uma contribuição da Psicopedagogia

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Um pouco mais sobre Psicopedagogia1. O campo da Psicopedagogia se caracteriza pela interdisciplinaridade,

pois ela se propõe a estudar a aprendizagem por meio da compreen-são das relações entre as diferentes dimensões que coexistem nesse processo.

2. B

3. 3, 1, 2, 2

A visão sistêmica e a Psicopedagogia1. A abordagem sistêmica vem para favorecer o pensamento do psicope-

dagogo em relação à aprendizagem, pois amplia sua visão levando-o a enxergar o sujeito que aprende a partir de uma rede de relações que parte dos contextos que ele está inserido, o familiar e o escolar. Essa visão proporciona maior flexibilidade para compreender e agir diante do fenômeno aprendizagem, deslocando a ação reducionista e meca-nicista para uma ação mais baseada na totalidade do fenômeno.

2. A

3. Quando se pensa em causa e efeito, na visão linear o pensamento fica estagnado, pois sempre uma única causa é relacionada a um único efeito. Já na causalidade circular nada pode ser entendido sem estar relacionado com a circularidade das reações entre os elementos de um sistema.

Gabarito

Page 243: Livro- Intervenção Psicopedagógica Na Escola

242

Intervenção Psicopedagógica na Escola

Psicopedagogia atuando no âmbito da instituição1. No interior da instituição os grupos interagem entre si, ao mesmo tempo

que são configurados por normas próprias, porém sobre a rigidez da ação institucional.

2. B

3. 3, 1, 2, 4

A escola enquanto instituição1. A instituição educacional apresenta-se como um contexto em que se proces-

sam aspectos metodológicos, relacionais e socioculturais. Seu funcionamen-to se dá a partir da articulação de dimensões de ordem financeira, normati-va, física e humana.

2. 3, 1, 2, 1

A intervenção psicopedagógica na instituição educacional1.

a) A atitude da professora está reforçando o comportamento inadequado em sala de aula. Nesse caso ela poderia promover uma busca de outras alternativas para que o aluno permaneça em sala.

b) Buscar da aluna qual a sistemática que ela teria para realizar a tarefa. Par-tir de uma ideia da aluna para poder ir orientando, não responder de imediato todas as perguntas.

c) A mãe precisa refletir o que leva seu filho a ir escovar os dentes? O pedido constante da mãe ou a saúde bucal necessária inerente ao ser humano.

2. B

3. C

Page 244: Livro- Intervenção Psicopedagógica Na Escola

Gabarito

243

O diagnóstico psicopedagógico: matriz diagnóstica1. Visca aborda a importância de se descrever, a partir da análise de um sin-

toma, quais as causas que coexistem com esse sintoma, isto é, que estão mantendo a ocorrência do sintoma. Laura Barbosa, a partir do Modelo No-sográfico proposto por Visca, identifica na instituição quatro dimensões que nos auxiliam a investigar essas causas: conhecimento, relacional, funcional e estrutural. A inter-relação entre essas diferentes dimensões nos dão a noção do funcionamento institucional em relação a aprendizagem.

2. B

3. 3, 1, 2, 4

Diagnóstico psicopedagógico: instrumentos e técnicas1. Entrevista para exposição de motivos, enquadramento do processo, obser-

vação e análise do sintoma, organização de um sistema de hipótese, esco-lha de instrumentos de investigação, levantamento de um segundo sistema de hipóteses, pesquisa histórica, terceiro sistema de hipóteses, informe e devolutiva.

2. O diagnóstico é um processo que nos orienta em relação às atividades de intervenção mais adequadas para aquela instituição.

Mudanças na ação educativa: do ensinar para o aprender1. Um dos principais aspectos que se considera no processo de aprendizagem é

a dimensão afetiva. O educador, ao se relacionar com o educando, deve ter cla-ro o quanto a qualidade da relação que ali vai se estabelecer pode influenciar positiva ou negativamente na aprendizagem do educando. Portanto, como o educador olha e compreende seu aluno, quais as expectativas que ele tem em relação ao seu aprendizado, o que ele pensa sobre suas potencialidades e suas fraquezas, tudo isso é importante de ser considerado pelo educador.

2. D

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244

Intervenção Psicopedagógica na Escola

3. 3, 1, 2, 4

Contribuições da Psicopedagogia na relação família e escola1. Partindo da abordagem sistêmica, os sistemas abertos se caracterizam por

possuírem fronteira que assumem um caráter relacional com outros siste-mas. Esse caráter relacional de uma flexibilidade na retroalimentação, quan-do pensado sobre a relação família e escola, deve estar pautado no diálogo em prol da aprendizagem.

2. Transparência em sua proposta pedagógica, prioridade nas atividades que podem ter os pais em contato direto com a escola, ter objetivos em que os alunos percebam a importância da família na aprendizagem.

Um olhar psicopedagógico sobre as dificuldades de aprendizagem1. É muito comum que o ser humano naturalize e normalize os fenômenos que

o cercam, pensando que eles ocorrem a partir da natureza das coisas e não da história particular de cada um deles.

2. Continuando dentro da concepção da Epistemologia Convergente, e enten-dendo agora o processo de aprendizagem “[...] como resultado de uma cons-trução (princípio construtivista) dada em virtude de uma interação (princípio interacionista) que coloca em jogo a pessoa total (princípio estruturalista) [...]” (VISCA, 1987, p. 56), os conceitos acerca do problema de aprendizagem recaem sobre a concepção de sintoma. Como sintomas, entendemos sendo um indicador manifesto de uma situação maior e mais global, a qual terá que desvendar, descobrindo os fenômenos que os mantêm, bem como suas causas primeiras. Essa visão vem reafirmar a necessidade de não tender a vi-sualizar a causa do problema de aprendizagem por meio de um vetor linear e cristalizado.

3. É necessário tentarmos entender os problemas de aprendizagem, buscando um outro eixo, que respalde uma visão mais ampla, que possibilite a constru-ção de um conhecimento interdisciplinar acerca do processo de aprendiza-gem, em primeiro lugar. Esse é o diferencial que propõe a Psicopedagogia.

Page 246: Livro- Intervenção Psicopedagógica Na Escola

Gabarito

245

A aprendizagem sob o enfoque da Neuropsicologia1. Funções receptivas: percepção auditiva e visual imaturas, ritmo lento, função

discriminatória indissociada no que diz respeito a sons, formas, tamanhos e figura e fundo. Funções expressivas: linguagem oral imatura, descoordena-ção motora ampla e fina e viso motora, dificuldades em estabelecer concei-tos espaciais e temporais. Dificuldades no equilíbrio, na expressão do esque-ma corporal, gestos tônicos automatizados. Funções reguladoras: imaturas. Memória: dificuldades em compreender e expressar mais do que armazenar, memória sinestésica menos desenvolvida.

Princípios para trabalhar com grupos na escola1. A relação interpessoal entre educador e seu grupo é fator preponderante

para que o educador consiga assumir o papel de facilitador do caminho que leva o grupo ao autoconhecimento e consequentemente ao crescimento de sua autonomia social e pessoal.

2. 3, 1, 2, 4

Contribuições da Psicopedagogia no uso do lúdico1. Atividades de comunicação.

Possibilita o trabalho de conteúdos sistemáticos de maneira prazerosa.

Desenvolve o pensamento associativo e de planejamento.

Possibilidade de ativar diferentes habilidades e competências.

Possibilidade de experimentação de sentimentos múltiplos.

2. A

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246

Intervenção Psicopedagógica na Escola

Contribuições da Psicopedagogia no trabalho com projetos1. Os projetos são meios de uma ação pedagógica que objetiva o desenvolvi-

mento da autonomia para o aprender. A instituição educacional busca nessa metodologia a interação do educando com a realidade, valorizando o agir de quem aprende como elemento central para se compreender algo.

Caixa de trabalho: uma contribuição da Psicopedagogia1.

Ter claro sua função em sala de aula. �

Ter uma atitude investigativa. �

Estar atento às necessidades dos educandos. �

Desenvolver atitude operativa. �

2. D

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Intervenção PSICOPEDAGÓGICA

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Intervenção PSICOPEDAGÓGICA na Escola

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Mari Angela Calderari Oliveira