livro fiocruz vol 2

Upload: hessik

Post on 20-Jul-2015

628 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

|1

Conceitos e Mtodos para a Formao de Tcnicos em Laboratrios de Sade

2 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

FUNDAO OSWALDO CRUZ Presidente Paulo Ernani Gadelha Vieira ESCOLA POLITCNICA DE SADE JOAQUIM VENNCIO Diretora Isabel Brasil Pereira Vice-diretor de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnolgico Maurcio Monken Vice-diretora de Ensino e Informao Mrcia Valria Morosini Vice-diretor de Gesto e Desenvolvimento Institucional Sergio Munck INSTITUTO OSWALDO CRUZ Diretora Tnia Cremonini Arajo Jorge Vice-diretora de Pesquisa, Desenvolvimento Tecnolgico e Inovao Mariza Gonalves Morgado Vice-diretora de Ensino, Informao e Comunicao Helene dos Santos Barbosa Vice-diretora de Servios de Referncia e Colees Cientficas Elizabeth Ferreira Rangel Vice-diretor de Desenvolvimento Institucional e Gesto Christian Maurice Gabriel Niel

|3

Conceitos e Mtodos para a Formao de Tcnicos em Laboratrios de Sade

Volume 2ORGANIZADORAS

Etelcia Moraes Molinaro Luzia Ftima Gonalves Caputo Maria Regina Reis Amendoeira

4 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

Copyright 2010 dos autores Todos os direitos desta edio reservados Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio/Fundao Oswaldo Cruz

Conselho Editorial Dr. Ana Luzia Lauria Filgueiras Dr. Ftima Conceio Silva Dr. Herman Schatzmayr Dr. La Camillo-Coura Dr. Lycia de Brito Gitirana Dra. Marcia Ferro Dr. Marco Antonio Ferreira da Costa Dr. Margareth Maria de Carvalho Queiroz Dr. Maria Regina Reis Amendoeira Dr. Otlio Machado Pereira Bastos Capa Z Luiz Fonseca Projeto Grfico e Editorao Marcelo Paixo

Fotos Rodrigo Mexas Maria Eveline Castro Pereira Moyses Gomes Marcelino Desenhos Newton Marinho da Costa Jnior Reviso Luciana Duarte Joo Sette Camara Secretria Executiva da Coleo Josane Ferreira Filho

Catalogao na fonte Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio Biblioteca Emlia BustamanteM722c Molinaro, Etelcia Moraes Conceitos e mtodos para a formao de profissionais em laboratrios de sade: volume 2 / Organizao de Etelcia Moraes Molinaro, Luzia Ftima Gonalves Caputo e Maria Regina Reis Amendoeira. - Rio de Janeiro: EPSJV; IOC, 2010. 290 p. : il. , tab. ISBN: 978-85-98768-41-0 1. Tcnicas e Procedimentos de Laboratrio.2. Pessoal de Laboratrio. 3. Laboratrios. 4. Formao de Tcnicos. 5. Sade e Educao. I. Ttulo. II. Caputo, Luzia Ftima Gonalves. III. Amendoeira, Maria Regina Reis. CDD 542.1

|5

AutoresAnna Christina Rosa Guimares Tecnloga em Processos Qumicos Industriais, Tcnica em Sade Pblica do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Sade/INCQS/Fiocruz. Daniel Santos de Souza Bilogo, Especialista em Polticas Pblicas em Sade, Mestrando em Sade Pblica pela Escola Nacional de Sade Pblica/ENSP/Fiocruz, Tcnico em Sade Pblica da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio/EPSJV/Fiocruz. (Egresso do Curso Tcnico de Laboratrio de Biodiagnstico em Sade/Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio/EPSJV/Fiocruz). Emanuele Amorim Alves Farmacutica industrial, Especialista em Percia Criminal pela Universidade Castelo Branco, Mestranda em Qumica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ, Tcnica em Sade pblica da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio/EPSJV/Fiocruz. Ester Maria Mota Biloga, Doutora em Biologia Parasitria pela Fundao Oswaldo Cruz. Pesquisadora Associada do Laboratrio de Patologia do Instituto Oswaldo Cruz/IOC/Fiocruz. Helene Santos Barbosa Biloga, Especialista em Protozoologia pelo Bernhard Nocht Institut da Alemanha, Doutora em Biologia Celular e Molecular pela Fundao Oswaldo Cruz. Pesquisadora Titular do Laboratrio de Biologia Estrutural do Instituto Oswaldo Cruz/IOC/Fiocruz.

6 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

Leandro Medrado Bilogo, Especialista em Educao Profissional pela Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio/EPSJV/Fiocruz. Mestrando em Educao Profissional em Sade pela EPSJV/Fiocruz. Tcnico em Sade Pblica da EPSJV/Fiocruz (Egresso do Curso Tcnico de Laboratrio de Bodiagnstico em Sade/Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio/EPSJV/Fiocruz) Luzia Ftima Gonalves Caputo Biloga, Tecnologista em Sade Snior do Instituto Oswaldo Cruz/IOC/Fiocruz. (Egressa do Curso Tcnico de Pesquisa em Biologia Parasitria/Instituto Oswaldo Cruz/IOC/Fiocruz, 1984) Lycia de Brito Gitirana Biloga, Mestre em Histologia e Embriologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ, Doutora em Biologia pela University of Heidelberg. Professora Associada II do Instituto de Cincias Biomdicas/ICB/UFRJ. Pedro Paulo de Abreu Manso Bilogo, Mestre em Cincias pelo programa de Biologia Celular e Molecular do Instituto Oswaldo Cruz/IOC/Fiocruz. Tecnologista em Sade Pblica do IOC/Fiocruz. (Egresso do Curso Tcnico de Histologia da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio/EPSJV/ Fiocruz) Suzana Crte-Real Biloga, Doutora em Patologia pela Universidade Federal Fluminense e Especialista em Microscopia Eletrnica pelo Instituto Pasteur Lyon Frana. Pesquisadora Titular III do Laboratrio de Biologia Estrutural do Instituto Oswaldo Cruz/IOC/Fiocruz.

|7

SumrioPrefcio 9 Apresentao 13 Um sonho quase realizado 15 Captulo 1. Biologia celular e ultraestrutura 19 Captulo 2. Histologia 43 Captulo 3. Tcnicas histolgicas 89 Captulo 4. Tcnicas citolgicas 189 Captulo 5. Cultivo celular 215

8 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

|9

PREFCIOO Chico Trombone costumava me dizer: Isso eu sei fazer, dr. Luiz Fernando, aprendi com Joaquim Venncio. E era com orgulho que se referia a seu mestre. Vimos, portanto, que a formao de tcnicos j vem dos tempos de Oswaldo. claro que no era institucionalizada como hoje. Eram outros tempos. Joaquim Venncio nasceu na fazenda Bela Vista, em Minas Gerais. Era a fazenda da me de Carlos Chagas, pai. Em 1916, veio trabalhar no Instituto Oswaldo Cruz. Veio e deu certo. O dr. Lutz teria dito certa vez: No troco o Venncio por nenhum doutor de Oxford ou de Cambridge. Se no disse, pensou. Eficincia nos processos de seleo de pessoal? Competncia do servio de recursos humanos? Evidentemente que no. No havia nada disso nessa poca. As coisas eram muito mais simples, e davam certo. Veio porque era amigo do velho Carlos Chagas. Amigos de infncia. Brincaram juntos na fazenda. Quando Joaquim Venncio faleceu, em 27 de agosto de 1955, teve seu necrolgio publicado na Revista Brasileira de Biologia. Lugar de ne-

10 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

crolgio de cientista famoso. Cito textual: Joaquim Venncio conseguiu, durante cerca de 35 anos que trabalhou ativamente, aprender zoologia que conhecia de modo invejvel. Como decorrncia das contingncias da vida, no teve oportunidade de instruir-se, mas sua mentalidade era de um homem culto. Pela convivncia com o dr. Lutz, pela observao direta do que via nas excurses e no laboratrio, adquiriu conhecimento detalhado de vrios grupos zoolgicos, principalmente anfbios, moluscos fluviais e trematdeos. Chegou a conhecer muito bem os anfbios e, com grande facilidade, os classificava nas excurses pela voz. Dadas as indicaes feitas pelo dr. Lutz em seus trabalhos, h casos em que foi citado na literatura como colaborador direto. Joaquim Venncio era, sem dvida, um naturalista. Era competente, tinha o domnio do ofcio, a maestria da arte. E gostava de ensinar. Ensinou muita gente. Certa vez, o Venancinho me disse: Era a Escola do Venncio, n? Foi muito boa, n? * * * Na presidncia de Sergio Arouca, resolvemos atualizar a Escola de Venncio. E foi assim que surgiu a Escola Politcnica, com o nome do seu patrono. Cresceu e abriu vrias frentes, desde a vocao cientfica aos cursos de nvel mdio complementados pela formao de tcnicos. Foi um xito, como a antiga. Aparece sempre nos primeiros lugares nas avaliaes e j se estendeu a outras instituies. * * * E agora surgem os livros didticos. Organizado por Etelcia Moraes Molinaro, Luzia Ftima Gonalves Caputo e Maria Regina Reis Amendoeira, vem luz a coleo Conceitos e Mtodos para a Formao de Tcnicos

Prefcio | 11

em Laboratrios de Sade, reunindo professores de vrias unidades da Fiocruz. Os captulos oferecem a histria da tcnica, os seus fundamentos, a maneira moderna de realiz-la, as suas aplicaes, a organizao do laboratrio etc. til para os cursos da Fundao e para outros externos. Mostra, tambm, o quanto as unidades da Fiocruz esto integradas na realizao de suas tarefas. Ensino questo primordial. Sem ele, o pas no se desenvolve. Est de parabns a Fiocruz pela realizao de mais uma tarefa de primordial importncia. Oswaldo Cruz est orgulhoso dos seus continuadores.Pesquisador Emrito da Fundao Oswaldo CruzLuiz Fernando Ferreira

12 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

| 13

ApresentaoA coletnea de livros intitulada Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade, organizada por Etelcia Moraes Molinaro, Luzia Ftima Gonalves Caputo e Maria Regina Reis Amendoeira antes de tudo uma obra original, importante e necessria. Original porque no existe na literatura tcnica em sade, na rea biomdica brasileira e internacional, pelo menos que eu saiba, algo semelhante em abrangncia, profundidade e seleo dos temas abordados; importante pelo pblico-alvo a que se destina, muito alm da Formao de Tcnicos de Laboratrios, abrangendo certamente todos os profissionais de sade; e necessria porque servir como obra de referncia para a formao dos mencionados tcnicos e de consulta obrigatria para todos os profissionais de sade que necessitem de esclarecimento dos aspectos tcnicos ali abordados. Versada em 5 volumes e 22 captulos, organizados em sequncia lgica, desde a biossegurana e boas prticas de laboratrio, passando por todos os fundamentos das tcnicas laboratoriais, bioqumica bsica, biologia celular e molecular, histologia e ultraestrutura, at atingir o cerne da prtica laboratorial, da imunologia infectoparasitologia virologia, bacteriologia, micologia, protozoologia e helmintologia e seus vetores, com a entomologia mdica e a malacologia. Os autores que escrevem os respectivos captulos so do melhor

14 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

nvel intelectual e cientfico, com a titulao de mestres, doutores e especialistas, com grande experincia prtica nos assuntos de que tratam. Parabenizo o Instituto Oswaldo Cruz e a Escola Politcnica Joaquim Venncio, que patrocinaram esta obra de referncia e que desde seus primrdios, valorizaram a qualidade da formao dos seus tcnicos e com eles povoaram e esto povoando o Brasil de Norte a Sul e de Leste a Oeste com o que temos de melhor os fundamentos para uma boa pesquisa. Aproveito esta oportunidade para homenagear a figura de Henry Willcox, que, no incio da dcada de 1980, quando o convidei para me ajudar na coordenao dos cursos de ps-graduao em Biologia Parasitria e Medicina Tropical do Instituto Oswaldo Cruz, foi o grande incentivador para criarmos paralelamente o Curso de Tcnico em Pesquisa, do qual foi o seu primeiro coordenador. Igualmente parabenizo as organizadoras desta coletnea e a Fiocruz como um todo pelo lanamento desta obra pioneira.Jos Rodrigues Coura Pesquisador Titular Emrito Chefe do Laboratrio de Doenas Parasitrias IOC/Fiocruz

| 15

Um sonho quase realizado(Oswaldo Cruz, 1872-1917)

As alteraes pelas quais passa o mundo com a globalizao trazem como consequncia o surgimento de novos paradigmas tecnolgicos, fazendo-se necessrio que o ensino da rea da sade atenda s exigncias do mundo moderno, do trabalho e do atual perfil do tcnico da rea. Os cursos para a formao de tcnicos da Fundao Oswaldo Cruz (Fiocruz) buscam demonstrar os princpios cientficos envolvidos com as tcnicas laboratoriais, preparando os alunos para as transformaes no mundo do trabalho em sade, decorrentes do desenvolvimento tecnolgico e cientfico. Neste contexto, duas unidades tcnicas cientficas desta instituio, o Instituto Oswaldo Cruz (IOC) e a Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio (EPSJV), historicamente so as responsveis por coordenarem cursos e especializaes tcnicas que se firmaram como modelos desses princpios. Essas unidades, na rea de ensino tcnico, sempre estiveram intrinsecamente ligadas, e os professores realizam permanente parecerias entre si. Muitos de ns, egressos desses cursos, so hoje docentes e autores desta coleo. Alm da formao tcnica de profissionais em nvel regional e nacional, intensificou-se, na Fiocruz, a demanda para o estabelecimento de cooperaes tcnicas internacionais, que por sua expertise e capacidade de produzir, pas-

16 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

sou a divulgar conhecimentos, elaborando cursos, metodologias e tecnologias educacionais. A Escola Politcnica Centro Colaborador da Organizao Mundial da Sade (OMS) para a educao de tcnicos em sade desde 2004. A ideia da publicao dessa coleo surgiu da necessidade conjunta das duas Unidades da Fiocruz de produzir material didtico, que atendesse aos alunos dos cursos de nvel tcnico em Sade da Fiocruz e de outros locais.Desse modo, o nosso principal desafio oferecer contedo que abarque toda a rea tcnica de sade utilizada nos principais cursos de nvel mdio, e que, ao mesmo tempo, possa manter-se suficientemente atualizado. Dada a complexidade da estrutura instrumental e pedaggica dos cursos tcnicos, se fez necessria a publicao de uma coleo, escolhendo-se tpicos de importncia bsica. Para tanto, foram convidados pesquisadores/professores com experincia em ensino de cursos de nvel tcnico e de destacado conhecimento nos temas abordados nos 22 captulos, que constituem os 5 volumes da coleo. A coleo Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade tem como objetivo integrar conhecimentos tericos e prticos, proporcionando ao aluno informaes que possibilitem uma permanente reflexo de seu papel como agente transformador dos processos e atividades de ensino, pesquisa cientfica e desenvolvimento tecnolgico. Outro objetivo inconteste destes livros servir para professores, como norteadores da definio curricular de seus cursos. Visando garantir a autonomia dos autores, e respectivas responsabilidades, foi mantida a formatao original dos textos, inclusive as fotos, figuras, diagramas. Podem ocorrer tambm algumas repeties de contedo em alguns captulos, mas, a nosso ver, a retirada de partes de captulos j abordadas poderia descontextualizar o texto.

Um Sonho Quase Realizado | 17

O pontap inicial deste sonho s foi possvel pelo incondicional apoio dado pelo professor Andr Paulo da Silva Malho, pela dra. Isabel Brasil Pereira, pessoa-chave desencadeadora do processo, e pela dra. Tnia Cremonini de Arajo Jorge, que apoiaram e incentivaram institucionalmente este projeto. Agradecemos especialmente aos autores que abraaram este trabalho com muito entusiasmo e que possibilitaram a sua concretizao. E um carinho especial para Josane Ferreira Filho pela organizao paciente de nossas reunies e textos, com a gratido das organizadoras e autores. Agradecemos em especial aos renomados cientistas emritos da Fundao Oswaldo Cruz, doutores Luiz Fernando Ferreira patrono da EPSJV e Jos Rodrigues Coura, que nos deram a honra de apresentar esta coleo. Esperamos, assim, contribuir para a sistematizao do conhecimento dos leitores sobre os diversos tpicos abordados em cada captulo, apresentando cada assunto de forma didtica e sinttica, recomendando a consulta literatura especializada sempre que houver necessidade de aprofundamento do conhecimento em determinados temas.Etelcia Moraes Molinaro Luzia Ftima Gonalves Caputo Maria Regina Reis Amendoeira Organizadoras

18 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

| 19

Captulo 1Biologia celular e ultraestruturaHelene Santos Barbosa Suzana Crte-Real Histrico 1. H istrico

Citologia, ou biologia celular, a cincia que estuda os vrios sistemas celulares, a maneira como as clulas so reguladas e a compreenso do funcionamento de suas estruturas. A construo dos microscpios pticos foi um passo decisivo para a descoberta das clulas, e acredita-se que o primeiro tenha sido inventado em 1592, por Jeiniere da Cruz e seu pai, Zacharias Jansen, dois holandeses fabricantes de culos. Tudo indica, porm, que o primeiro a fazer observaes microscpicas de materiais biolgicos foi o holands Antonie van Leeuwenhoek (1632-1723). O microscpio simples com apenas uma lente, construdo por Leeuwenhoek, foi aprimorado por Robert Hooke em 1665, ganhando mais uma lente. A partir dos estudos de Hooke em biologia, publicados em um livro intitulado Micrographia (1665), que analisou cortes finos de cortia obtidos da casca do sobreiro, verificou que estes eram constitudos por pequenas cavidades polidricas (no latim, cella), as quais foram denominadas clulas. Estes compartimentos representavam as paredes das clulas vegetais mortas. Em

20 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

1838, o botnico alemo Matthias Schleiden descreveu que a clula era a unidade bsica de todas as plantas e, mais tarde, em 1839, o zologo alemo Theodor Schwann chegou mesma concluso para os animais. Com base nestes conhecimentos, elaborou-se a teoria celular que foi proposta por Schleiden e Schwann. Posteriormente, a associao de tcnicas de colorao e de citoqumica foi capaz de revelar as estruturas e a fisiologia das clulas. O grande avano no conhecimento da biologia celular, sem dvida, foi a inveno dos microscpios eletrnicos em 1931, por dois engenheiros alemes Ernst Ruska e Max Knoll , o que possibilitou a visualizao das organelas celulares em grande detalhe. A clula uma unidade funcional que estabelece interao entre seus componentes, sob o aspecto fisiolgico, biossinttico e reprodutivo. A dinmica celular para a manuteno da vida regida por um processo de automanuteno, que compreende a modificao de estruturas, a substituio de componentes, de tal forma articulada que garanta a sua organizao estrutural e funcional.2. Clulas procariticas e eucariticas

A divergncia entre procariontes e eucariontes deve ter ocorrido aps serem estabelecidos os mecanismos de replicao e transcrio do cido desoxirribonucleico (DNA), a traduo, o sistema de cdons e os metabolismos energticos e biossintticos. O principal critrio de distino entre estes grupos a sua organizao celular. As clulas procariticas (do latim proprimeiro e cario-ncleo) so relativamente simples e se caracterizam por no apresentarem membrana, segmentando os cidos nucleicos DNA) e ribonucleicos (ARN) do citoplasma. Alm disso, algumas destas clulas apresentam uma membrana plasmtica circundada externamente pela parede celular. As clulas eucariticas (do latim eu-verdadeiro e cario-ncleo) constituem o tipo celular da constituio dos fungos, protozorios, animais e plantas. Estruturalmente, so clulas mais complexas, ricas em membranas que formam compartimentos,

Biologia Celular e Ultraestrutura

| 21

ou seja, uma diviso de funes metablicas entre as organelas citoplasmticas e o ncleo, circundado pelo envoltrio nuclear, onde est contido todo seu material gentico. Para os eucariontes, a compartimentalizao de atividades celulares em organelas circundadas por membranas fosfolipdicas foi decisiva para a homeostase celular. Os componentes das clulas eucariticas (Figura 1) compreendem: a membrana citoplasmtica, o citoplasma, o ncleo, o retculo endoplasmtico, o complexo de Golgi, os lisossomos, as mitocrndrias, os peroxissomos, as incluses lipdicas, o glicognio, o citoesqueleto, os centrolos, o centrossomo, os cloroplastos (encontrados em vegetais) e a parede celular, sendo esta ltima encontrada em fungos e vegetais. As caractersticas morfolgicas e fisiolgicas das principais estruturas encontradas nas clulas eucariticas sero apresentadas a seguir. Figura1. Clula eucaritica mostrando membrana plasmtica, ncleo (N) e organelas.

2.1. Membrana celular

A membrana plasmtica ou celular atua na manuteno de microambientes, formando uma barreira que impede o contedo celular de escapar e se misturar com o meio circundante. Esta membrana confere individualidade a cada clula,

22 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

definindo os meios intra e extracelulares. Alm desta funo, a membrana plasmtica o primeiro contato entre esses meios, traduzindo informaes para o interior da clula e permitindo que ela responda a estmulos externos que podem influenciar nas suas funes biolgicas, participando decisivamente das interaes clula clula e clula matriz extracelular. A membrana plasmtica e a membrana das diferentes organelas celulares medem cerca de 7 a 10 m de espessura e so visveis somente ao microscpio eletrnico. Trata-se de uma estrutura trilaminar constituda de duas camadas eletrondensas (escuras) e uma camada eletronlcida (clara) central. Molecularmente so formadas por uma bicamada fluda de fosfolipdios (fosfoglicerdeos e esfingolipdios) e colesterol, onde esto inseridas molculas de protenas. A membrana plasmtica no uma estrutura esttica, os lipdios movem-se proporcionando fluidez membrana. Esquema mostrando a bicamada da membrana plasmtica: Figura 2. A membrana plasmtica formada por molculas de lipdeos (fosfoglicerdeos e esfingolipdeos), colesterol, protenas perifricas (localizadas somente em uma das camadas dos fosfolipdeos) e as transmembranares (localizadas nas duas camadas dos fosfolipdeos, ligando o meio extracelular ao citoplasma). A cadeia de pequenas molculas verdes representa os carboidratos localizados somente no lado externo da membrana plasmtica.

Biologia Celular e Ultraestrutura | 23

Os carboidratos presentes nesta estrutura, como, por exemplo, glicose, manose, fucose e galactose, esto ligados s protenas, formando as glicoprotenas; ou aos lipdios, resultando nos glicolpidios e nos glicoesfingolipdios. Estes carboidratos esto presentes apenas na face externa da membrana e fornecem identidade clula. A membrana apresenta uma propriedade imprescindvel para manuteno da viabilidade celular, que a permeabilidade seletiva, controlando a entrada e a sada de substncias da clula. A passagem de molculas polares maiores e os ons requer canais, formados por protenas transmembranares. O transporte de molculas para o interior das clulas pode ser: a) transporte passivo por difuso ou por osmose, quando no envolve o consumo de energia do sistema, sendo utilizada apenas a energia cintica das molculas. Sendo assim, a movimentao dos ons e molculas d-se a favor do gradiente de concentrao (do meio hipertnico para o meio hipotnico). A difuso pode ser auxiliada por enzimas (difuso facilitada) ou pode no ter participao de nenhuma delas (difuso simples). A difuso simples ocorre quando molculas hidrofbicas pequenas e polares, como O2, CO2, N2 e C6 H6, passam pela membrana sem serem bloqueadas; b) transporte ativo quando o transporte das molculas envolve a utilizao de energia pelo sistema, na forma de adenosina trifosfato (ATP). A movimentao das substncias se d contra o gradiente de concentrao, ou seja, do meio hipotnico para o hipertnico, como, por exemplo, a bomba de sdio e potssio, que tem funo de manter o potencial eletroqumico das clulas. Entretanto, partculas maiores no conseguem atravessar a membrana, mas podem ser incorporadas clula pela prpria estrutura da membrana celular, ocorrendo, assim, a formao de vesculas. A este processo, no qual a membrana celular envolve partculas ou fluido do exterior, d-se o nome de endocitose. Ele ocorre por dois mecanismos:

24 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

a) fagocitose quando ocorre a captao de molculas maiores, partculas ou microrganismos. Neste processo, a partcula a ser ingerida toca na membrana celular, formando projees chamadas de filopdios; b) pinocitose processo utilizado pela clula para englobar pores de fluidos extracelulares e pequenas molculas. Neste caso, a membrana sofre um processo de invaginao, ocorrendo a formao de pequenas vesculas. Estas so direcionadas para o citoplasma para que ocorra a absoro dos nutrientes. Por outro lado, para eliminar substncias residuais, a clula utiliza o processo de exocitose, no qual uma vescula, vinda do citoplasma contendo material que deve ser eliminado, se funde membrana plasmtica, lanando o seu contedo no meio extracelular.2.1.1. Especializaes da membrana plasmtica

A comunicao e a coeso entre as clulas so estabelecidas por meio das membranas, formando trs classes funcionais de junes celulares: a) juno ancorante ou aderente clula-clula ou clula-matriz, s quais a fora de estresse transmitida ao citoesqueleto. Existem vrios tipos desta juno; destacamos, dentre eles, os desmossomas, os hemidesmossomas e junes que circundam completamente as clulas, atuando como uma barreira de permeabilidade e tenso; b) juno apertada ou oclusiva (tight junctions) um tipo de juno que liga duas clulas vizinhas, selando os espaos entre elas e tornando essa regio impermevel, no permitindo, assim, a passagem de pequenas molculas ou ons; c) juno mediada por canais proteicos so as junes comunicantes (gap junctions) que permitem a passagem de molculas e de ons entre duas clulas adjacentes.

Biologia Celular e Ultraestrutura

| 25

2.2. Citoplasma

O citoplasma, ou citossol das clulas eucariotas, formado por uma soluo coloidal, viscosa e de aspecto relativamente uniforme, que contm gua (80%), ons diversos, aminocidos e protenas. No citoplasma esto localizados o ncleo e as organelas celulares, o retculo endoplasmtico, o complexo de Golgi, os lisossomos, as mitocndrias, os peroxissomos e, ainda, as incluses lipdicas, os grnulos de glicognio e os ribossomos. Estas estruturas so responsveis pelas funes celulares, como digesto, respirao, secreo, sntese e transporte de protenas. No citoplasma esto tambm os elementos do citoesqueleto, responsveis por vrias atividades dinmicas das clulas, e os centrolos, estruturas geradoras dos microtbulos.2.3. Ncleo

Estrutura extremamente importante para as clulas eucariticas, pois nele esto contidos os cidos nucleicos (cdigo gentico), protegidos pelo envoltrio nuclear. no seu interior que ocorre a duplicao do DNA e a transcrio dos ARNs. O ncleo tem sua localizao geralmente no centro da clula e a sua forma pode estar relacionada ao tipo celular. O envoltrio nuclear composto por duas membranas, uma externa e outra interna, com composies proteicas distintas, que delimitam um espao varivel que oscila entre 40 e 70 mm. A membrana interna deste envoltrio se encontra associada lmina nuclear, que, por sua vez, est ligada fortemente cromatina. A membrana externa do envoltrio circunda a membrana interna e contnua com a membrana do retculo endoplasmtico (RE). Este fato faz com que o espao existente entre as membranas do envoltrio seja tambm contnuo luz do RE. Assim como a membrana do RE, a membrana externa do envoltrio face citoplasmtica apresenta ribossomos aderidos que esto envolvidos ativamente na sntese proteica. O envoltrio nuclear interrompido regularmente, formando os poros nucleares.

26 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

Eles tm nmero e densidade bastante variveis, dependendo do tipo celular e estado metablico da clula. Pelos poros, ocorre o transporte bidirecional seletivo de protenas e ARNs entre o citossol e o ncleo. No ncleo (Figura 3) de clulas em intrfase encontra-se a cromatina compactada (heterocromatina) ou frouxa (eucromatina) composta de molculas de DNA, protenas histnicas e no histnicas. As histonas, protenas bsicas encontradas nos eucariotos, so importantes componentes da estrutura da cromatina, participando no somente como repressoras, mas tambm como ativadoras na transcrio do DNA. Por outro lado, as protenas no histnicas desempenham papel estrutural e enzimtico, participando da atividade gnica. No ncleo interfsico tambm esto os nuclolos, cuja funo sintetizar ARNs e envi-los para o citoplasma. Os nuclolos podem ter estrutura reticular ou compacta e o tamanho e a forma dependem do estado funcional da clula, variando conforme o tipo celular. Durante o ciclo celular, geralmente os nuclolos desaparecem a partir do final da prfase, reaparecendo no final da telfase. A lmina nuclear est presente no ncleo, tendo papel importante na reorganizao nuclear aps o trmino da diviso celular. Ela est ancorada s protenas integrais da membrana interna do envoltrio nuclear e ligada fortemente cromatina. constituda por protenas filamentosas intermedirias do tipos A e B que se polimerizam em uma rede bidimensional. Da estrutura do ncleo faz parte a matriz nuclear, que forma uma rede proteica fibrogranular alicerando o ncleo. Ela est associada ao DNA durante os processos de duplicao e regula a transcrio nos eucariotos, juntamente com as histonas.

Biologia Celular e Ultraestrutura | 27

Figura 3. (A) Moncitos mostrando o ncleo ocupando grande extenso do citoplasma da clula; (B) clula eucaritica, apresentando ncleo com poros (setas) e mitocndrias (M).(A) (B)

2.4. Retculo endoplasmtico

O retculo endoplasmtico (RE) encontrado na maioria das clulas, ocupando cerca de 10% do volume celular. formado por uma rede de membranas interconectadas na forma de tubos ou cisternas. Dois tipos de retculo endoplasmtico so observados: liso (ou agranular) e rugoso (ou granular), os quais apresentam caractersticas morfolgicas e funcionais distintas. O retculo endoplasmtico liso, ou agranular, caracterizado pela ausncia de ribossomos aderidos sua membrana e apresenta-se como uma rede de delgados tbulos que se anastomosam entre si. As funes desse retculo so muito variadas, dentre elas a sntese de hormnios e de lipdios, a desintoxicao celular com a converso de substncias nocivas lipossolveis ou insolveis em compostos hidrossolveis e o armazenamento de clcio. O retculo endoplasmtico rugoso (Figura 4), ou granular, caracterizado pela presena de polirribossomos (ribossomos e ARNm) aderidos ao lado externo da membrana. Esta organela apresenta formas variadas, frequentemente em forma de tbulos achatados e longos ou bem dilatados, podendo estar

28 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

localizada em vrios pontos da clula ou concentrada em determinadas reas do citoplasma. O RE rugoso, em parceria com os polirribossomos, tem um importante papel na sntese e exportao de protenas. As protenas so capturadas pelo RE, por receptores presentes na sua membrana, assim que comeam a ser sintetizadas pelo complexo de ribossomos e ARNm. As protenas sintetizadas podem ter dois destinos: como protenas transmembranares ou protenas hidrossolveis. As protenas transmembranares podem permanecer na membrana do retculo ou serem destinadas membrana plasmtica e membrana de outras organelas. Por outro lado, protenas hidrosolveis, quando sintetizadas, podem ser direcionadas para o complexo de Golgi ou encaminhadas ao lmen de alguma organela e secretadas no meio extracelular. Figura 4. Retculo endoplasmtico rugoso (RE) dilatado de fibroblasto, apresentando ribossomos aderidos membrana.

2.5. Complexo de Golgi

O complexo de Golgi, aparelho de Golgi ou simplesmente Golgi (Figura 5) foi descrito em 1898 pelo bilogo italiano Camilo Golgi e formado por vesculas e tbulos achatados empilhados e organizados, chama-

Biologia Celular e Ultraestrutura | 29

dos de cisternas (cerca de 4 a 8 cisternas). As cisternas voltadas para o retculo endoplasmtico so convexas (cisternas cis). As centrais so denominadas cisternas medianas, e as mais prximas ao stio de secreo so cncavas (cisternas trans). O complexo de Golgi apresenta como principais funes o processamento de lipdeos e protenas (denominados de glicosilao, sulfatao e fosforilao) e a separao e o endereamento de molculas sintetizadas fazendo parte da via biossinttica secretora (RE sntese; Golgi processamento e seleo; vesculas transporte). As vias secretoras compreendem o transporte de lipdeos, protenas e polissacardeos aos destinos finais e o empacotamento das macromolculas em diferentes vesculas de transporte. Essas vesculas transportadoras direcionam protenas/lipdeos/hormnios do retculo endoplasmtico para o complexo de Golgi (face cis); o transporte de protenas/lipdeos (modificados) do complexo de Golgi para o retculo endoplasmtico (face cis) e para a superfcie celular (face trans) e, ainda, o transporte das molculas que originam os lisossomos (face trans). Figura 5. Citoplasma de clula eucaritica apresentando complexo de Golgi (G) com suas cisternas empilhadas, vesculas e mitocndrias.

30 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

2.6. Lisossomos

Os lisossomos so estruturas geralmente esfricas, delimitados por uma membrana, que apresentam uma grande variao no seu tamanho. Eles so formados no complexo de Golgi, e em seu interior se encontram acumuladas cerca de quarenta enzimas hidrolticas com propriedade de digerir uma grande gama de substratos, incluindo nucleases, proteases, glicosidases, lipases, fosfolipases e sulfatases. Estas hidrolases tm um pH timo entre 3 e 6, e, assim, o interior dos lisossomos cido. A acidificao realizada por bombas de H+, que usam ATP. As suas enzimas so glicoprotenas provenientes do Golgi, que saem da sua face trans em vesculas especficas. A compartimentalizao destas enzimas impede a lise indiscriminada dos contedos celulares. A principal funo do lisossomo a digesto intracelular, permitindo, assim, que a clula seja capaz de degradar partculas, macromolculas, microrganismos ou outras clulas provenientes da endocitose. Alm disso, os lisossomos agem na eliminao de organelas ou partes danificadas da prpria clula, por um processo denominado autofagia. A formao dos autolisossomos se inicia quando uma poro de RE envolve uma organela que deve ser destruda, formando uma vescula em seu redor. Esta vescula posteriormente acidificada e fundese com um lisossomo primrio, que inicia a degradao. Na heterofagia, os lisossomos fundem-se com endossomos (provenientes da endocitose) ou fagossomos (provenientes da fagocitose).2.7. Mitocndrias

As mitocndrias (Figura 6) esto presentes no citoplasma das clulas eucariticas, sendo caracterizadas por uma srie de propriedades morfolgicas, bioqumicas e funcionais. Geralmente, so estruturas cilndricas, podendo ser esfricas, ovoides e alongadas, com aproximadamente 0,5 mm de dimetro e vrios micrmetros de comprimento. Possuem grande mobilidade, localizandose em stios intracelulares onde h maior necessidade de energia, pois sua funo principal a produo de ATP. Uma clula heptica normal pode

Biologia Celular e Ultraestrutura | 31

conter de 1.000 a 1.600 mitocndrias, enquanto alguns ovcitos podem conter at 300 mil. Possuem organizao estrutural e composio lipoproteica caractersticas, e contm um grande nmero de enzimas e coenzimas que participam das reaes de transformao da energia celular. Esta organela caracterizada pela presena de um envoltrio formado por duas membranas estrutural e funcionalmente distintas, as quais delimitam dois espaos. Existe um espao intermembranar separando as membranas interna e externa, e um segundo gerado pela membrana interna, delimitando a matriz mitocondrial. A membrana interna apresenta uma srie de invaginaes para o interior da mitocndria, gerando as cristas mitocondriais, onde esto presentes os componentes da cadeia respiratria responsveis pela sntese de ATP. As mitocndrias apresentam uma molcula de DNA circular, semelhante quelas encontradas nas bactrias. Alm disso, contm todo mecanismo necessrio para replicao e transcrio do DNA e traduo de protenas. Entretanto, apenas uma pequena quantidade de protenas codificada pelo DNA mitocondrial. Com base nessas evidncias, surge a teoria endossimbitica. A mitocndria considerada a usina da clula, uma vez que esta capaz de processar oxignio e glicose e convert-los em energia na forma de ATP, por meio do ciclo de Krebs e da cadeia respiratria. Figura 6. Fibroblasto: mitocndrias apresentando a matriz mitocondrial eletrodensa, cristas mitocondriais e a dupla membrana.

32 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

2.8. Peroxissomos

Os peroxissomos (Figura 7) so organelas envolvidas por apenas uma membrana e no contm DNA e nem ribossomos; todas as suas protenas devem ser importadas do citosol. Apresentam em seu interior um contedo granuloso fino e so geralmente arredondadas, medindo cerca de 0,5mm de dimetro. No seu interior, comum se observar a presena de uma poro fortemente eletrodensa, o nucleoide. Dentre as enzimas encontradas nos peroxissomos destacam-se a catalase, a urato oxidase, a Daminocido oxidase e as enzimas responsveis pela beta oxidao dos cidos graxos. Os peroxissomos assemelham-se ao retculo endoplasmtico porque se autorreplicam sem possuir genomas prprios. Nas clulas animais, os peroxissomos participam da biossntese de precursores de glicerolipdeos, do colesterol e do dolicol. O nmero relativo de peroxissomos na clula pode variar rapidamente em resposta s mudanas ambientais e s condies fisiolgicas. Os processos de sequestro e degradao dos peroxissomos so denominados macroautofagia e microautofagia.2.9. Incluses lipdicas

Incluses lipdicas (tambm chamadas de corpos lipdicos, gotas lipidcas ou adipossomas) so organelas ricas em lipdios presentes em todos os organismos, incluindo fungos, procariotos e eucariontes. Elas variam de tamanho, tm aspecto circular e esto distribudas por todo o citoplasma das clulas. Os corpos lipdicos so circundados no pela clssica bicamada de membrana, mas por uma monocamada de fosfolipdios, a qual, no mnimo em algumas clulas, deve ter uma nica composio de cidos graxos. O ncleo interno dos corpos lipdicos rico em lipdios neutros, mas estudos com leuccitos tm demonstrado que os corpos lipdicos no so simples sacos de lipdios neutros. Considera-se atualmente que sejam organelas funcionalmente ativas, altamente reguladas e dinmicas. Pelo uso de tcnicas para identificao

Biologia Celular e Ultraestrutura | 33

subcelular de fraes enriquecidas de corpos lipdicos, combinado com imunodeteco de protenas por microscopia eletrnica e de luz, tem sido demonstrado que corpos lipdicos compartimentalizam enzimas envolvidas na biossntese, transporte e catabolismo de lipdios, caveolina e de protenas envolvidas no transporte vesicular. A formao regulada de corpos lipdicos, seus contedos proteico e lipdico, e sua associao com outras organelas intracelulares, em algumas clulas especializadas, atuam na sinalizao e ativao celulares, regulao do metabolismo de lipdios, trfego de membrana e controle da sntese e secreo de mediadores inflamatrios. Figura 7. Incluses lipdicas.

2.10. Glicognio

O glicognio (Figura 8) um polissacardeo constitudo por subunidades de glicose com uma ramificao a cada oito ou dez unidades. Ocorre internamente, na forma de grandes agregados ou grnulos no citoplasma. o meio de armazenamento mais importante nas clulas animais, servindo de reservatrio de glicose. Os hepatcitos so responsveis pela manuteno da glicemia, ao

34 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

mesmo tempo em que fornecem glicognio para outras clulas do organismo. Principal fonte de energia no crebro, os glicognios produzidos pelos astrcitos so mobilizados para atividade neuronal. Figura 8. Glicognio distribudo no citoplasma de clula eucaritica.

2.11. Citoesqueleto

O citoesqueleto confere s clulas eucariticas a manuteno da diversidade de formas, a realizao de movimentos coordenados e direcionados e sua estruturao interna. Esse citoesqueleto depende de uma complexa rede de filamentos de protenas que se estende por todo o citoplasma, sendo constitudo por trs principais tipos de estruturas: os microtbulos, os filamentos intermedirios e os filamentos de actina. Os microtbulos so formados por subunidades: b-tubulina e a-tubulina, as quais se associam uma s outras, conferindo-lhe assim uma forma cilndrica, com o dimetro de 25 mm. Os microtbulos direcionam o deslocamento de vesculas, participam da diviso celular com a formao do fuso mittico para o deslocamento dos cromossomos e esto presentes na manuteno da estrutura celular e na morfologia dos clios e flagelos.

Biologia Celular e Ultraestrutura | 35

Os filamentos intermedirios recebem esta denominao por apresentarem um dimetro intermedirio entre filamentos de actina e microtbulos (10 mm de dimetro). Sua composio proteica, formando uma rede estrutural por toda a clula. Os filamentos de actina (Figura 9) esto distribudos por todo o citoplasma das clulas eucariticas e apresentam dimetro de 5 mm. Eles so formados por uma protena globular, a actina, que apresenta as isoformas: a, b e g. Estes filamentos, nas clulas epiteliais, esto concentrados nos prolongamentos citoplasmticos, participando, juntamente com os desmossomos, do contato com outras clulas e com a membrana basal, mantendo, assim, a integridade organizacional do epitlio. Nos miofibroblastos, importantes clulas do tecido muscular, os filamentos de actina esto organizados paralelamente membrana plasmtica, mantendo estas clulas tensionadas ao substrato e so, ento, denominados fibras de estresse. Figura 9. Fibra estresse (asterisco) localizada abaixo da membrana, formada por microfilamentos de actina.

36 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

2.12. Centrossomo

O centrossomo, principal centro organizador de microtbulos, est localizado prximo ao ncleo da clula em intrfase e contm um par de formaes cilndricas e curtas dispostas perpendicularmente entre si e envolvidas por material pericentriolar, denominadas centrolos. Estas estruturas so formadas por nove triplex de microtbulos, semelhantes aos corpos basais de flagelos e clios. Esto presentes na maioria das clulas animais, porm ausentes nas clulas vegetais.3. Tcnicas para visualizao das organelas celulares 3.1. Protocolos para revelao do ncleo

O ncleo pode ser visualizado tanto por microscopia de campo claro, com a utilizao do corante Giemsa, quanto por microscopia de fluorescncia, utilizando o corante fluorescente DAPI (4,6-diamidino-2-phenilindole). Por ME, ele pode ser visualizado quando se utiliza acetato de uranila, que torna a cromatina eletrodensa.3.1.1. Marcao nuclear com DAPI

1- Fixar com 4% de PFA por 20 minutos a 4C; 2- Lavar duas vezes com PBS; 3- Lavar duas vezes com soluo de BSA 1% diluda em PBS por 10 minutos cada; 4- Incubar com DAPI 1:10.000 em 0,85% NaCl por 5 minutos em temperatura ambiente; 5- Lavar trs vezes com soluo de BSA 1% diluda em PBS por 10 minutos cada; 6- Montar com DABCO;7- Selar com esmalte.

Biologia Celular e Ultraestrutura | 37

3.1.2. Colorao com Giemsa

1- Fixar com Bouin por 5 minutos em temperatura ambiente; 2- Lavar trs vezes com lcool etlico a 70%; 3- Lavar uma vez com gua destilada; 4- Corar com Giemsa (6 gotas de corante para cada 1mL de tampo

fosfato 0,2M soluo de uso filtrado), por 15 minutos em temperatura ambiente;5- Lavar duas vezes em gua destilada. Para clarificao, passar em

srie de acetona / xilol (acetona 100% duas vezes, acetona 70% / xilol 30%, acetona 50% / xilol 50%, acetona 30% / xilol 70%, xilol 100% duas vezes);6- Montar com Permount.

Preparao do tampo fosfato 0,2M:Soluo A: NaH2PO4 . 1 H2O (fosfato de sdio monobsico) ................. 27,6 g gua tridestilada.......................................................................... 1 L Soluo B: Na2HPO4 (fosfato de sdio bibsico)...................................... 39,4 g gua tridestilada.............................................................................1L Soluo estoque do tampo: Soluo A................................................................................28 mL Soluo B.................................................................................72 mL Soluo de uso: Diluir 1:10 (soluo estoque: gua tridestilada).

38 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

3.2. Protocolo de marcao do retculo endoplasmtico

O RE pode ser observado por microscopia de fluorescncia pela utilizao de marcador fluorescente especfico, o ER-Tracker. E, por microscopia eletrnica de transmisso, utilizando-se citoqumica ultraestrutural, revelando a enzima glicose-6-fosfato.3.2.1. ER-Tracker

Preparao de reagentes O ER-Tracker Green fornecido liofilizado em 100 mg. Preparar uma soluo estoque de 1mM. Para isso, deve-se diluir todo o contedo do frasco liofilizado em 128 mL de DMSO. recomendado que esta soluo seja separada em alquotas e estocada em freezer com dessecante. Preparo da soluo de marcao Diluir a soluo estoque de ER-Tracker a 1 mm para a concentrao recomendada de 500 mm em meio simples; Para clulas aderidas, remover o meio da cultura, lavar trs vezes com

meio simples e adicionar a soluo de marcao pr-aquecida. Incubar as clulas por 30 minutos a 37 C. Substituir a soluo de marcao por meio de cultura e visualizar as clulas, utilizando microscpio de fluorescncia. Se as clulas a serem marcadas precisarem ser fixadas, consultar as etapas de marcao a seguir. Fixao das clulas ER-Tracker Green Lavar as clulas em meio simples por trs vezes. Fixar com PFA 4% por 20 minutos em temperatura ambiente. Lavar trs vezes com PBS, montar entre lmina e lamnula com DABCO.

Biologia Celular e Ultraestrutura

| 39

3.3. Protocolo para marcadores seletivos de mitocndria

Mitocndrias podem ser reveladas com marcadores fluorescentes especficos, como MitoTracker e Rhodamine 123, os quais so visualizados por microscopia de fluorescncia. Graas sua morfologia tpica, so facilmente identificadas durante as anlises por microscopia eletrnica.3.3.1. Mito-Tracker Preparando a soluo estoque

Dissolver o produto liofilizado em DMSO de alta qualidade para uma concentrao final de 1 m; o peso molecular indicado no rtulo do produto. Solues em que se utilizam derivados di-hidro devem ser preparadas no dia do uso. A soluo estoque pode ser armazenada em freezer a -20 C, protegida da luz. Preparando soluo de marcao

A concentrao para uma boa marcao varia de acordo com a sua aplicao. As condies sugeridas aqui podem necessitar de modificaes baseadas nos tipos celulares utilizados ou em outros fatores, tais como permeabilidade das clulas ou dos tecidos a serem marcados. Diluir a soluo estoque de MitoTracker a 1 mm para uma soluo de uso com meio de crescimento Dulbeccos modified Eagle medium (D-MEM), sem soro, ou de acordo com o meio em que as clulas esto crescendo. Para marcao em clulas vivas, usar uma concentrao de 100 mm. Marcando clulas aderidas

Crescer as clulas em lamnulas dentro de uma placa de Petri coberta pelo meio de cultura apropriado. Quando as clulas alcanarem a confluncia desejada, remover o meio da placa, lavar trs vezes em meio simples e adicionar o meio pr-aquecido (37 C) contendo MitoTracker. Incubar as clulas por 30 minutos sob condies de crescimento apro-

40 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

priadas para cada tipo celular. Substituir o meio com marcador por meio pr-aquecido e observar as clulas em microscpio de fluorescncia, utilizando o filtro adequado. Para fixar as clulas, deve-se retirar o meio com marcador e lav-las com meio simples. Fixar com PFA 4% por 20 minutos em temperatura ambiente, lavar trs vezes com PBS e montar entre lmina e lamnula com DBCO.3.4. Protocolo de marcao de grnulos de glicognio

Para caracterizar a expresso de polissacardeos grnulos de glicognio , utilizamos mtodos citoqumicos ultraestruturais, empregando a tcnica de Thiry. O material deve ser processado de acordo com o protocolo de microscopia eletrnica de transmisso, sendo as amostras includas em resina Epon. Os cortes ultrafinos so obtidos e recolhidos em grades de ouro e submetidos ao seguinte protocolo:3.4.1. Thiry

1- As clulas so oxidadas por 20 minutos com 1% de cido peridico; 2- Lavadas rapidamente por duas vezes em gua destilada; 3- Incubadas por 30 minutos, 24, 48 ou 72 horas, em cmara mida, com 2% de tiocarbohidrazida diluda em 20% (v/v) de cido actico; 4- Lavadas sucessivamente em concentraes decrescentes de cido actico (10%, 5%, 3% e 1%) por 1 minuto cada; 5- Reveladas com 1% de proteinato de prata diludo em soluo aquosa por 30 minutos. OBS: metodologia alternativa, aps as etapas descritas anteriormente, a revelao ser realizada pelo vapor de tetrxido de smio por 1 minuto;

Biologia Celular e Ultraestrutura

| 41

6- Lavadas com gua (uma vez rapidamente), seguidas de uma lavagem por 10 minutos, trocando a gua sucessivas vezes; 7- Ao final, os cortes sero examinados diretamente ao microscpio eletrnico EM10C da Zeiss, sem prvia contrastao. Os controles da reao sero feitos por: a) Omisso de tiocarbohidrazida; b) Omisso da oxidao com cido peridico; c) Omisso dos agentes reveladores.3.5. Protocolo para marcao de compartimentos intracelulares cidos

A marcao de compartimentos intracelulares cidos lisossomos pode ser feita utilizando os marcadores laranja de acridina e Lysotraker: 1- Diluir a soluo estoque a 1 mM para uma soluo de uso a uma concentrao de 75 nM. A diluio deve ser feita em meio de cultura simples; 2- Remover o meio da placa, lav-la com meio simples trs vezes e adicionar o meio pr-aquecido (37 C) contendo o marcador; 3- Incubar as clulas com laranja de acridina ou Lysotraker diluda em meio utilizado para o cultivo celular na concentrao de 10mg/ml e 75 nM, respectivamente, por 30 minutos a 37 C, sob condies apropriadas para crescimento de cada tipo celular; 4- Aps incubao, lavar duas vezes em salina tamponada com fosfato (PBS) e observar as clulas em microscpio de fluorescncia com o filtro adequado; 5- Fixar com 2% paraformaldeido durante 20 minutos a 4 C e, em seguida, lavar trs vezes com PBS;

42 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

6- Em seguida, incubar com 4, 6-diamidino-2-phenylindole (DAPI) para visualizao do ncleo por cinco minutos temperatura ambiente; 7- Lavar com PBS; 8- Montar a lmina com antifading 1,4-diazabicyclo[2.2.2]octane (DABCO).Referncias bibliogrficasALBERTS, B. et al. Biologia molecular da clula. 4. ed. Porto Alegre: Artes Mdicas, 2004. CARVALHO, H. F.; RECCO-PIMENTEL, S. M. A Clula. So Paulo: Manole, 2001. GIEMSA, G. Eine Vereinfachung und Vervollkommung meiner Methylenblau-EosinFrbemethode zur Erzielung der Romanowsky-Nochtschen Chromatinfrbung. Centralblatt fr Bakteriologie, I, Abteilung Originale, v. 32, p. 307-313, 1904. THIRY, J. P.; RAMBOURG, A. Cytochimie des polysaccharides. J. Microscopie, v. 21, p. 279-282, 1974.

| 43

Captulo 2HistologiaDaniel Santos Souza Leandro Medrado Lycia de Brito Gitirana 1. Introduo

A histologia um ramo da cincia que estuda os tecidos de animais e vegetais e como estes tecidos se organizam e se relacionam para compor estes diferentes organismos. A separao dos tecidos em estruturas distintas algo artificial e feita com fim puramente didtico, como estratgia para a compreenso de suas caractersticas principais. S com um bom conhecimento das suas caractersticas individuais poderemos entender e avaliar a histologia nos diferentes rgos do organismo e como os diferentes tecidos se inter-relacionam de maneira dinmica. O termo histologia foi usado pela primeira vez em 1819 por Mayer, ao utilizar o termo tecido (do grego histos) cunhado pelo anatomista e fisiologista francs Xavier Bichat (1771-1802). Foi Bichat quem aprofundou a anlise anatomopatolgica, deslocando a doena dos rgos para os tecidos, utilizando como princpio bsico o isomorfismo dos tecidos (Foucault, 2008).

44 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

De acordo com suas anlises, o organismo era composto de tecidos com texturas semelhantes, que podiam ser lidas, identificando as similaridades, parentescos e inter-relaes das doenas inscritas na configurao do corpo. Ao identificar estas semelhantes texturas do organismo e suas respectivas funes que nasce a histologia como base da que conhecemos hoje. Nos humanos, os tecidos so divididos em quatro grandes grupos de acordo com as diferenas morfolgicas e suas especializaes funcionais (condutibilidade, contratilidade, absoro, excreo e reproduo, dentre outras). Esses quatro tecidos so: os tecidos epiteliais, tecidos conjuntivos, tecidos musculares e tecidos nervosos.2. Tecido epitelial Tecido

O tecido epitelial se caracteriza principalmente por ser constitudo de clulas bem justapostas, geralmente polidricas, com pouca substncia intercelular e ausncia de vascularizao. As clulas epiteliais so bastante dinmicas, possuindo uma elevada atividade mittica que promove a constante renovao epitelial. Essa taxa de renovao, entretanto, varivel de acordo com o tecido avaliado. As funes mais caractersticas dos epitlios so a de revestimento de superfcies externas e internas do organismo, e a formao das glndulas. As clulas epiteliais so provenientes das clulas que constituem os trs folhetos germinativos do embrio (ectoderma, endoderma e mesoderma). A forma de suas clulas e a justaposio celular que apresentam garantida por um conjunto de junes celulares especializadas. Essas junes celulares vo ter apresentao varivel de acordo com a especificidade funcional do tecido no qual se encontram, mas de uma forma geral apresentam as seguintes caractersticas:

Histologia | 45

Znula de ocluso: localizada na poro apical das clulas epiteliais,

formada por protenas integrais da membrana plasmtica que se ligam ao cinturo adesivo das clulas vizinhas, impedido a passagem de molculas entre elas, havendo, portanto, obliterao do espao intercelular. Znula de adeso: localizada abaixo da znula de ocluso, tem como

funo aumentar a adesividade intercelular. Desmossomos: podem ser comparados a um boto de presso, cons-

titudos por duas metades que se encaixam, estando uma metade localizada na membrana de uma das clulas e, a outra, na clula vizinha. So responsveis por conferir maior adeso celular e resistncia. Junes comunicantes: interconectam clulas epiteliais, mas esto pre-

sentes tambm em alguns tecidos musculares, permitindo a troca de molculas por meio dos poros que constituem.Membrana basal, lmina basal e camada basal

Como o tecido epitelial no possui vasos sanguneos, apesar de participar na constituio deles, ele nutrido por meio da difuso dos nutrientes que chegam por meio de vasos sanguneos presentes no tecido conjuntivo (este sim, rico em vasos sanguneos). Uma fina camada composta de colgeno do tipo IV, a protena laminina e proteoglicanos1 a responsvel por selecionar e filtrar o que se poder passar do tecido conjuntivo para as clulas epiteliais. Essa estrutura a lmina basal, que totalmente sintetizada pelas clulas epiteliais, sendo somente visvel em microscopia eletrnica. A lmina basal desempenha importante funo de nutrir as clulas epiteliais, alm de sustent-las e promover sua adeso ao tecido conjuntivo.Proteoglicanos so formados por polissacardeos que formam ligaes covalentes com protenas. So molculas grandes capazes de manter um grande espao de hidratao na matriz extracelular.1

46 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

Em algumas regies, em continuao lmina basal, h uma camada de fibras reticulares (principalmente colgeno do tipo III) conjugadas a complexos de protenas, produzidas pelo tecido conjuntivo. Esses elementos formam uma espessa camada, identificada na microscopia de luz pela reao do cido peridico + reativo de Schiff (PAS) ou impregnao pela prata. Nem todos os estudiosos da rea concordam com esta distino, mas a lmina basal somada camada de fibras reticulares que se denomina membrana basal (MB).2.1. Epitlios de revestimento

O tecido epitelial de revestimento responsvel por separar o tecido conjuntivo subjacente do meio externo ou das cavidades internas do corpo e funciona como um protetor e um controlador da passagem de substncias do meio externo para o tecido conjuntivo (TC).Classificao dos epitlios (EP)

Os epitlios de revestimento se classificam principalmente de acordo com a forma das clulas e o nmero de camadas nas quais essas clulas esto dispostas. De acordo com a forma das clulas, os epitlios podem ser classificados em: Epitlios pavimentosos (Figura 1A): clulas mais largas do que

altas, achatadas como ladrilhos e com o ncleo redondo ou alongado e central.

Histologia

| 47

Figura 1A. Epitlio pavimentoso. EP epitlio, MB membrana basal, TC tecido conjuntivo.

Epitlios cbicos (Figura 1B): clulas com altura e largura equivalen-

tes, com forma de cubo e ncleo redondo central. Figura 1B. Epitlio cbico. EP epitlio, MB membrana basal, TC tecido conjuntivo.

Epitlios cilndricos (Figura 1C): tambm chamados de prismticos

ou colunares, estes epitlios possuem clulas cuja altura maior do que a sua largura. Suas clulas so alongadas, com um ncleo basal tambm alongado.

48 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

Figura 1C: Epitlio cilndrico. EP epitlio, MB membrana basal, TC tecido conjuntivo.

Epitlio especial ou de transio: clulas epiteliais cuja forma varia

constantemente, impedindo sua classificao nas categorias anteriores. De acordo com o nmero de camadas, os epitlios podem ser: Simples: formado por uma s camada celular, na qual todas as clulas

esto em contato com a lmina basal, como representado nas figuras 1A, 1B e 1C. Estratificado (Figura 2): formado por mais de uma camada celular, de

forma que s as clulas da base (camada basal) tm contato com a lmina basal. Figura 2: Tecido epitelial estratificado. EP epitlio, MB membrana basal, TC tecido conjuntivo.

Histologia | 49

2.2. Epitlios glandulares

As clulas epiteliais glandulares so originadas durante o processo de proliferao das clulas do epitlio de revestimento no desenvolvimento embrionrio. Essas clulas de revestimento invadem o tecido conjuntivo subjacente e se diferenciam, especializando-se na elaborao de produtos de secreo variados (Figura 3). Figura 3: Formao das glndulas pela invaginao do tecido epitelial em direo ao tecido conjuntivo. EP epitlio, MB membrana basal, TC tecido conjuntivo.

Os epitlios glandulares podem ser classificados de acordo com diversos aspectos: Glndulas unicelulares e multicelulares

Clulas que desempenham, isoladamente, funo de secreo so chamadas de glndulas unicelulares. Dessas, o melhor exemplo a clula caliciforme, presente tanto na via digestria quanto na via respiratria, atuando na produo de muco. O termo glndula , entretanto, usado de forma mais comum para se fazer referncia s glndulas multicelulares, que so compostas pelo agrupamento de vrias clulas secretoras. As glndulas sudorparas, salivares e adrenais so alguns exemplos de glndulas multicelulares. Glndulas excrinas e endcrinas

Durante o processo de diferenciao celular e formao das glndulas, quando ocorre a invaso do tecido conjuntivo pelo epitlio de revestimento embrionrio,

50 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

algumas glndulas mantm sua ligao s clulas de revestimento. Essa ligao adquire a forma de um tubo ou ducto celular pelo qual as secrees podem ser eliminadas para a superfcie do tecido, do rgo, ou mesmo do organismo. Dessa forma, quando h um ducto secretor, a glndula considerada excrina (Figura 4). Quando, durante este processo de diferenciao celular, as clulas glandulares no mantm nenhuma ligao com o epitlio de revestimento, isolando-se no interior do tecido conjuntivo, a glndula chamada endcrina. Nesse caso, devido ausncia de um ducto secretor, estas glndulas endcrinas liberam suas secrees, os hormnios, diretamente na corrente sangunea (Figura 5). Figura 4. Gndula Excrina. EP epitlio, MB - membrana basal, TC - tecido conjuntivo, DE - ducto excretor, PS - poro secretora Figura 5. Gndula Endcrina. EP epitlio, MB - membrana basal, TC tecido conjuntivo, VS - vaso sanguneo, PS - poro secretora, HR hormnio

No corpo humano, o fgado2 e o pncreas3 realizam funes excrinas e endcrinas, e so chamados glndulas mistas.A funo excrina do fgado representada pela produo da bile, que liberada na luz do tubo digestrio (mais especificamente no duodeno). O fgado tambm classificado como endcrino por produzir protenas (como a albumina, protrombina e fibrinognio) que so liberadas diretamente na corrente sangunea.2

A secreo excrina do pncreas o suco pancretico, rico em enzimas digestivas e liberado no duodeno. A poro endcrina do pncreas produz e libera os hormnios insulina e glucagon, ambos fundamentais no metabolismo da glicose no organismo.3

Histologia | 51

Glndulas mercrinas, holcrinas e apcrinas (Figura 6)

As glndulas so classificadas tambm pelo modo como as suas clulas secretam. Nas glndulas mercrinas, as clulas glandulares eliminam somente a sua secreo, por meio de exocitose, mantendo intacto o seu citoplasma (pncreas, por exemplo). Nas glndulas holcrinas, as clulas glandulares acumulam os seus produtos de secreo no citoplasma, morrem em seguida, desfazendo-se e passando a constituir, elas prprias, a sua secreo (glndulas sebceas, por exemplo). As glndulas apcrinas representam um meio-termo entre estas e outras formas de secretar. Nelas, as clulas glandulares, ao eliminarem sua secreo, perdem certa quantidade do seu citoplasma apical (glndulas mamrias, por exemplo). Figura 6. Diferentes modos de secretar. Glndulas mercrinas, apcrinas e holcrinas. GS - grndulos de secreo, EP - epitlio, MB - membrana basal, TC - tecido conjuntivo.

Um grupo de clulas que desempenha uma atividade de apoio secreo glandular excrina so as clulas mioepiteliais. Trata-se de clulas epiteliais cujo citoplasma contm filamentos de actina e de miosina, o que lhes confere a

52 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

capacidade de se contrair. Essas clulas possuem uma forma estrelada, e se localizam entre a lmina basal e a clula secretora, ligando-se umas s outras, envolvendo assim a poro secretora da glndula. Elas atuam contraindo-se e ajudando a glndula excrina a expelir seu produto pelo ducto excretor.Tecidos 3. Tecidos conjuntivos

Os diversos tipos de tecido conjuntivo existentes no corpo tm a funo de unir outros tecidos, conferindo-lhes sustentao e dando conjunto ao corpo, da sua denominao. A denominao tecido conjuntivo, entretanto, um ttulo geral que designa um grupo de diversos tecidos com vrias funes. O tecido conjuntivo compreende um tecido tradicionalmente conhecido como tecido conjuntivo propriamente dito e um amplo grupo de tecidos chamados tecidos conjuntivos especiais, com funes altamente especializadas. Esse grupo de tecidos conjuntivos especiais compreende os tecidos adiposo, cartilaginoso, sseo, sanguneo e hematopoitico, que sero tratados mais adiante. De uma forma geral, todos os tecidos conjuntivos so originrios de clulas alongadas no mesnquima embrionrio4, e so formados essencialmente por clulas mesenquimais e uma matriz extracelular abundante. Sero variaes tanto nas caractersticas celulares quanto nas peculiaridades da matriz extracelular que determinaro, nos diferentes tecidos conjuntivos, sua especializao no desempenho de determinadas atividades e funes.3.1. Tecido conjuntivo propriamente dito

O tecido conjuntivo propriamente dito o que mantm as caractersticas mais elementares nos seus componentes. ricamente vascularizado e seClulas mesenquimais ou mesenquimatosas so originadas do mesoderma, folheto germinativo intermedirio dos tecidos embrionrios.4

Histologia | 53

encontra sempre abaixo do tecido epitelial, dando-lhe suporte e garantindo sua nutrio. Suas clulas tero funes na manuteno da homeostase5 tecidual, mas no tero caractersticas especializadas no sentido de conferir especificidade funcional ao tecido. Da mesma forma, a matriz extracelular se apresentar em sua configurao mais bsica.Clulas do tecido conjuntivo propriamente dito

Grande parte das clulas encontradas nos tecidos conjuntivos produzida nos prprios tecidos, mas algumas outras clulas, como os leuccitos, por exemplo, que transitam na corrente sangunea, podem habitar temporariamente o interior desses tecidos. De um modo geral, as clulas do tecido conjuntivo propriamente dito so: Fibroblastos/fibrcitos

So as mais importantes clulas deste tecido conjuntivo, estando responsveis pela produo e manuteno da matriz extracelular. Os fibroblastos (Figura 7) so clulas jovens, com forma estrelada devido a seus vrios prolongamentos celulares. Apresentam tambm grande basofilia6, devido ao seu ncleo grande e ao retculo endoplasmtico granular e complexos de Golgi desenvolvidos, o que indica a sua produo ativa de componentes da matriz extracelular. Funcionando de certa maneira como uma regra entre os tecidos conjuntivos, a clulas essenciais dos tecidos, jovens e encarregadas de produzir a matriz extracelular, tm em sua nomenclatura o termo blasto, que indicaHomeostase a propriedade de um sistema orgnico regular o seu ambiente interno de modo a manter uma condio estvel, mediante mltiplos mecanismos de ajuste. 6 A basofilia caracterizada pela afinidade de uma clula ou de um tecido pelos corantes bsicos por possuir carter cido. Indica a presena de organelas associadas produo ativa de substncias proteicas, como retculo endoplasmtico granular, complexo de Golgi e polirribossomos no citoplasma.5

54 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

que esta clula est em crescimento ativo e sintetizando matriz extracelular. Essas clulas, porm, no se mantm continuamente ativas, e quando entram em estado de repouso retraem-se, tornando-se menores e mais alongadas, sem os prolongamentos celulares, com organelas menos desenvolvidas. Essas clulas passam, ento, a receber o sufixo cito. Nesse caso, os fibroblastos, ao entrarem em repouso, adquirem as caractersticas descritas acima, e passam a ser chamados fibrcitos (Figura 7), embora esse termo no deva ser mais empregado, pois sugeriria um tipo celular diferenciado, o que no a realidade, mas representa apenas um momento funcional do fibroblasto. Esse processo pode ser revertido se o tecido for lesionado ou se, por outro motivo, houver a necessidade de novos fibroblastos para produzir novamente a matriz extracelular. Nestes casos, os fibrcitos so estimulados e passam, de novo, a produzir ativamente, readquirindo suas caractersticas peculiares de quando estavam ativos. Figura 7. Clulas do tecido conjuntivo: fibroblasto e fibrcito

FIBROBLASTO

FIBRCITO

Macrfagos

So clulas grandes e ameboides, com ncleo ovoide ou em forma de rim, que se deslocam continuamente entre as fibras procura de bactrias e restos de clulas. Sua funo principal proteger os tecidos, fagocitando agentes infecciosos que penetram no corpo, e identificando

Histologia

| 55

substncias potencialmente nocivas ao organismo, apresentando antgenos e alertando o sistema imunolgico. Os macrfagos fazem parte do sistema fagocitrio mononuclear (SFM), derivando indiretamente de clulas da medula ssea. Mastcitos

Clulas globosas, grandes, com o ncleo pequeno e central e o citoplasma repleto de grnulos basfilos. Seu ncleo, s vezes, fica encoberto pela grande quantidade de grnulos e no visto. Plasmcitos

Essas clulas esto presentes em pequena quantidade nos tecidos conjuntivos, sendo responsveis pela produo de imunoglobulinas (anticorpos) importantes nos processos imunolgicos. So derivadas da ativao, proliferao e diferenciao de linfcitos B originrios da medula ssea. Em caso de aumento da permeabilidade vascular, causada por processos inflamatrios, outros leuccitos podem ser tambm encontrados no tecido conjuntivo propriamente dito.Matriz Extracelular

A matriz extracelular um meio no qual as clulas do tecido conjuntivo esto dispostas, e lhes confere nutrio e substrato para sua organizao e atuao. formada por um conjunto de fibras imersas em uma substncia fundamental amorfa. Elementos fibrosos do tecido conjuntivo

As principais fibras que compem o tecido conjuntivo so compostas de protenas produzidas pelos fibroblastos (no caso do tecido conjuntivo

56 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

propriamente dito). Sua distribuio varia conforme o tipo de tecido conjuntivo, sempre de acordo com as caractersticas morfofuncionais destes tecidos. Os elementos fibrosos observados por meio de tcnicas histoqumicas nos preparados histolgicos so: Fibras colgenas O colgeno um tipo de protena que possui mais de 20 variaes conhecidas, apresenta um ntido padro de estrias transversais e representa a protena mais abundante do corpo, constituindo 30% de seu peso seco. As fibras colgenas so o principal componente da matriz extracelular e podem ter caractersticas peculiares que as diferenciam nos vrios tipos conhecidos. As fibras colgenas tm como componente bsico a protena colgeno, e, para os estudos histolgicos mais bsicos, os tipos mais importantes de colgeno so: Colgeno I: o tipo de colgeno mais abundante em todo o

organismo, sendo capaz de formar fibras espessas, as quais conferem resistncia aos tecidos. Colgeno II: o tipo de colgeno encontrado na matriz

extracelular das cartilagens, formando fibrilas e atuando como molas biomecnicas. Colgeno III: forma delicadas fibrilas, sendo o principal consti-

tuinte das fibras reticulares. Colgeno IV: so fibrilas extremamente delicadas presentes na

lmina basal. Fibras reticulares Apesar da designao fibras, as fibras reticulares so formadas principalmente por colgeno do tipo III e, na realidade, so fibrilas delicadas. Por essa razo, muitos autores preferem inclu-las no sistema de fibras colgenas, isto ,

Histologia

| 57

elementos fibrilares que tm o colgeno como protena bsica, independente do tipo do colgeno. As fibras reticulares so delicadas e formam uma rede de tranado firme, dando sustentao aos rgos hematopoiticos7 e s clulas musculares, estando presente na parede de rgos de forma varivel, como no intestino, no tero e nas artrias. So chamadas fibras argirfilas por sua grande afinidade aos mtodos histoqumicos que tm como base a prata, como a reticulina de Gomori. Fibras elsticas So fibras delgadas que se ramificam e formam uma malha irregular. As fibras elsticas tm uma cor amarelada a fresco, que a sua presena abundante confere a alguns tecidos. As fibras elsticas so, na verdade, formadas por fibrilas maiores da glicoprotena fibrilina, na forma de um arcabouo, que ter sua poro central preenchida pela protena elastina. Estas fibras vo conferir elasticidade aos tecidos, sendo evidenciadas por tcnicas histoqumicas especiais, particularmente nos tecidos de sustentao do pulmo, na pele e nos vasos sanguneos. Substncia fundamental

A substncia fundamental corresponde a uma matriz gelatinosa hidratada, na qual as fibras e as clulas esto imersas. composta em parte por um lquido chamado fluido tissular ou plasma intersticial, que derivado do plasma sanguneo e apresenta a mesma composio; porm, a gua presente na substncia fundamental no gua lquida, mas est sob a forma de gua dergos hematopoiticos so aqueles capazes de produzir os elementos figurados do sangue, como a medula ssea hematognica, o fgado e o bao.7

58 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

solvatao. A esse meio aquoso somam-se glicosaminoglicanos8, proteoglicanos e glicoprotenas adesivas que atuam como componentes estruturais da matriz extracelular, relacionando-se com as clulas e dando coeso a este conjunto.

Variedades do tecido conjuntivo propriamente dito

O tecido conjuntivo propriamente dito pode se apresentar como frouxo e denso. O tecido conjuntivo propriamente dito frouxo, ou simplesmente tecido conjuntivo frouxo, o tecido conjuntivo com ampla distribuio no corpo, estando presente em praticamente todos os rgos. chamado de frouxo, pois apresenta uma consistncia delicada, com clulas e fibras esparsas, casualmente organizadas e largamente espaadas, imersas em abundante substncia fundamental. O tecido conjuntivo denso, em contrapartida, se caracteriza pela abundncia de elementos fibrosos, preferencialmente fibras de colgeno, o que lhe confere grande resistncia, no deixando grandes espaos visveis de substncia fundamental. De acordo com a disposio de suas fibras, pode ser subclassificado ainda como tecido conjuntivo denso modelado ou no modelado. Tecido conjuntivo denso modelado: apresenta predomnio de fibras

colgenas orientadas em um mesmo sentido, paralelas e alinhadas aos fibroblastos e s clulas que as produzem. Essa orientao em um determinado sentido confere ao tecido maior capacidade de resistncia trao. Esse tecido denso e modelado o principal constituinte dos ligamentos, tendes e aponeuroses.

Glicosaminoglicanos so polissacardeos grandes que contribuem para a integridade tecidual e auxiliam na difuso de substncias pela matriz extracelular (Stevens e Lowe, 2001).8

Histologia | 59

Tecido conjuntivo denso no modelado: neste tecido, h grande

quantidade de fibras colgenas, que esto dispostas de maneira irregular, orientadas em vrias e distintas direes.3.2. Tecido adiposo

O tecido adiposo um tecido conjuntivo especial caracterizado pela predominncia de clulas especializadas, os adipcitos, associados a uma grande irrigao sangunea. O tecido adiposo corresponde, em pessoas de peso normal, a 2025% do peso corporal na mulher e 15-20% no homem. Esse tecido considerado a maior reserva de energia do corpo, apesar de no ser a nica. Alm da dimenso do depsito energtico que o tecido adiposo representa, por meio dos triglicerdeos, esse lipdeo ainda mais eficiente na produo de energia do que o glicognio. Um grama de triglicerdeos fornece 9,3 Kcal, enquanto um grama de glicognio fornece apenas 4,1 Kcal de energia. O tecido adiposo no tem s a funo de armazenar energia, mas ele atua tambm: na modelagem da pele, tendo uma distribuio diferenciada em homens

e mulheres, conferindo-lhes as formas que lhes so peculiares; na absoro de choques, amortecendo impactos externos sobre o

corpo; no isolamento trmico, impedindo a perda de calor do corpo; preenchendo espaos e sustentando rgos.

60 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

Os tecidos adiposos podem ser de dois tipos: Tecido adiposo unilocular

Nos seres humanos adultos, praticamente todo o tecido adiposo o unilocular (Figura 8). Os adipcitos uniloculares so clulas arredondadas e volumosas, com um ncleo achatado localizado na periferia da clula. Seu citoplasma escasso e aparece de forma delgada envolvendo a gota lipdica. Esse tipo de tecido adiposo possui uma cor que varia do branco ao amarelo a fresco, de acordo com a dieta do indivduo e a ingesto de alimentos com caroteno, um corante natural que escurece a cor da gordura. Ao nascimento, o tecido adiposo do beb forma uma camada uniformemente distribuda sob a pele, chamada panculo adiposo. Com o envelhecimento do indivduo, aspectos genticos e a liberao de hormnios sexuais e hormnios do crtex da glndula adrenal, essa gordura redistribuda por todo o corpo, remodelando o corpo do jovem. Tecido adiposo multilocular

O tecido adiposo multilocular (Figura 8) recebe esse nome porque seus adipcitos apresentam vrias pequenas gotas lipdicas distribudas em seu citoplasma, em contraposio grande e nica gota do tecido unilocular. tambm chamado de tecido adiposo pardo, devido vascularizao abundante e presena de numerosas mitocndrias (que tm cor avermelhada) em suas clulas. Esse tecido tambm chamado, em animais que hibernam, de glndula hibernante, por ser abundante e possuir clulas dispostas de forma epitelioide. A principal funo deste tecido gerar energia na forma de calor, auxiliando na termorregulao do organismo.

Histologia

| 61

Figura 8. Tipos celulares do tecido adiposo.

3.3. Tecido cartilaginoso

A cartilagem um tipo de tecido conjuntivo formado de dois tipos celulares, condrcitos e condroblastos, e de uma matriz extracelular abundante, altamente especializada e vascular. Tem as funes de conferir suporte a tecidos moles (anis da traqueia, por exemplo), revestir as superfcies articulares dos ossos, e propiciar a formao e o crescimento dos ossos longos.Formao da cartilagem

Durante sua formao embrionria, as clulas do mesnquima retraem seus prolongamentos e adquirem uma forma arredondada, multiplicando-se rapidamente e formando um aglomerado celular. Essas clulas jovens so chamadas condroblastos (Figura 9), e iniciam a sntese da matriz extracelular, distanciando-se umas das outras. Quando a matriz comea a adquirir uma consistncia mais rgida, os condroblastos ficam presos em espaos ligeiramente maiores do que eles, denominados cpsulas ou condroplastos. Os condroblastos multiplicam-se por mitose, dando origem a grupos de at 8 condrcitos chamados grupos de isgenos (Figura 9).

62 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

Figura 9. Tecido cartilaginoso

Pericndrio

Como o tecido cartilaginoso no possui vasos sanguneos prprios, suas clulas so nutridas por meio da difuso de substncias a partir de vasos do tecido conjuntivo adjacente. Desta forma, quase todas as cartilagens so envolvidas por uma camada de tecido conjuntivo chamada pericndrio (Figura 9). O pericndrio responsvel pela nutrio, oxigenao e eliminao de resduos metablicos da cartilagem, mas sua importncia vai alm disso. Suas clulas so semelhantes aos fibroblastos, mas as localizadas mais prximas da cartilagem podem se multiplicar, dando origem a novos condroblastos. Nas cartilagens presentes em articulaes sinoviais, a nutrio deste tecido feita por difuso pelo lquido sinovial.Tipos de cartilagem Cartilagem hialina

a cartilagem mais comum no corpo humano. Possui uma cor brancoazulada e translcida a fresco e a responsvel pela formao do esqueleto

Histologia | 63

temporrio no desenvolvimento fetal, at que esse esqueleto seja substitudo por tecido sseo. encontrada principalmente sustentando as fossas nasais, a traqueia e os brnquios, na extremidade ventral das costelas e recobre as superfcies articulares dos ossos longos. Localiza-se ainda entre a epfise e a difise9 dos ossos longos, na forma de um disco cartilaginoso chamado disco epifisrio (Figura 10). esse disco epifisrio o responsvel pelo crescimento dos ossos longos em comprimento. Cartilagem elstica

Essa cartilagem encontrada no pavilho auditivo e na epiglote. Possui uma matriz extracelular semelhante da cartilagem hialina, mas possui ainda uma rede de fibras elsticas que confere a esse tipo de cartilagem, quando examinada a fresco, uma cor amarelada. Cartilagem fibrosa

Tambm chamada de fibrocartilagem, a cartilagem mais resistente das trs, apresentando caractersticas intermedirias entre o tecido conjuntivo denso e a cartilagem hialina. Durante sua diferenciao, as fibras de colgeno orientam as clulas, de forma que esta cartilagem vai apresentar os condrcitos dispostos em fileiras, de acordo com a disposio das fibras de colgeno. Na cartilagem fibrosa no existe pericndrio morfologicamente distinto, sendo esse tecido nutrido pelos vasos do tecido conjuntivo denso ao qual est intimamente ligado. Por ser to resistente, encontrada em locais sujeitos a grande presso, como nos discos intervertebrais e na snfise pubiana.As extremidades dos ossos longos so chamadas de epfises e o alongamento que as une chamado de difise. Essas denominaes sero mais bem exploradas no tpico sobre tecido sseo.9

64 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

O crescimento das cartilagens acontece de duas formas: Crescimento intersticial: s acontece nos primeiros momentos

da vida da cartilagem, referindo-se diviso mittica dos condroblastos, dando origem aos grupos isognicos e expanso da cartilagem da resultante. Crescimento aposicional: esse tipo de crescimento se d a partir

das clulas condrognicas do pericndrio, que se diferenciam em condroblastos, se multiplicam e produzem uma nova matriz cartilaginosa, promovendo o crescimento da cartilagem.3.4. Tecido sseo

Os ossos so os principais componentes do esqueleto, tendo diversas funes: proteo para rgos como corao, pulmes e o sistema nervoso

central; sustentao e conformao do corpo; local de armazenamento de ons de clcio e fsforo10 e a restituio

desses elementos corrente sangunea de acordo com as necessidades do organismo, ou seja, participam da regulao da calcemia, cuja estabilidade indispensvel ao bom equilbrio de vrias funes orgnicas (ao de enzimas, permeabilidade de membranas, coagulao do sangue, transmisso do impulso nervoso, contrao muscular etc.); constituem um sistema de alavancas que, juntamente com os msculos,

permite a locomoo de partes do corpo e a ampliao da fora muscular; alojam e protegem a medula ssea.Durante a gravidez, a calcificao fetal se faz em grande parte pela reabsoro desses elementos armazenados no organismo materno, por isso, recomendvel a ingesto, pela me, de alimentos ricos em clcio durante a gestao.10

Histologia | 65

De uma forma geral, nos indivduos adultos, os ossos so constitudos de uma parte externa de osso compacto, sem cavidades aparentes, e de uma parte interna, trabecular, com mltiplas cavidades intercomunicantes, constituindo o osso esponjoso. As cavidades intertrabeculares do osso esponjoso e o canal medular da difise dos ossos longos correspondem a um espao designado medula ssea, a qual possui duas variedades de tecido relacionadas com a produo dos elementos figurados do sangue: medula ssea vermelha ou hematognica (encontrada nos ossos longos, nos ossos chatos, no esterno e nas costelas), na qual desenvolvem-se os elementos figurados do sangue, e medula ssea amarela, preenchida por tecido adiposo e encontrada na cavidade medular dos ossos longos. Tanto o osso compacto quanto o osso esponjoso possuem os mesmos componentes histolgicos, mudando apenas a sua disposio estrutural, que lhes confere to distinta aparncia. Figura 10. Esquema de um osso longo, evidenciando suas pores: epfise, metfise e difise.

66 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

Matriz ssea

A matriz extracelular do tecido sseo pode ser dividida em dois tipos de constituintes: uma matriz orgnica e uma matriz inorgnica. Matriz orgnica: formada principalmente por colgeno I, cujas fibras

esto imersas em um meio gelatinoso de mucopolissacardeos, gua e eletrlitos, alm de glicoprotenas especficas com grande afinidade pelo clcio (osteocalcina, por exemplo). Matriz inorgnica: representa cerca de 50% da matriz ssea, e

composta de ons, principalmente de clcio e fosfato, alm de bicarbonato, magnsio, potssio, sdio e citrato em pequenas quantidades. Assim que produzida, a matriz ssea ainda no est classificada e possui uma consistncia delicada, sendo chamada osteoide. ons de clcio e fosfatos provenientes da circulao sangunea se ligam, formando cristais de hidroxiapatita (Ca10(PO4)6(OH)2). Esses cristais de hidroxiapatita, por sua vez, ligam-se s fibras de colgeno I do osteoide, promovendo o endurecimento caracterstico do osso.Clulas do tecido sseo Osteoblastos

So as clulas do tecido sseo encarregadas de produzir a osteoide, a parte orgnica da matriz ssea. So clulas grandes e cuboides com vrias expanses citoplasmticas que se ligam s expanses citoplasmticas dos osteoblastos vizinhos. Mantm essas caractersticas descritas at o enrijecimento da matriz ssea decorrente da ligao da hidroxiapatita osteoide. Ostecitos

Quando ocorre o enrijecimento da matriz ssea, os osteoblastos ficam aprisionados em espaos chamados lacunas (ou osteoplastos), que circunscre-

Histologia

| 67

vem a estrutura principal das clulas. A partir desse momento, suas caractersticas se modificam e eles passam a ser chamados ostecitos. A interrupo da produo de matriz faz com que toda a clula se retraia, tornando-se achatada e com pouca basofilia. Os prolongamentos celulares percorrem canais, os canalculos sseos que vo se ligar s lacunas e canalculos vizinhos, constituindo uma rede que vai permitir a intercomunicao entre os prolongamentos dos ostecitos, permitindo a sua nutrio a partir de vasos sanguneos que atravessam a estrutura ssea. Embora no produzam mais matriz, a presena dos ostecitos essencial para a homeostase do tecido e a manuteno da matriz ssea. A morte de uma dessas clulas seguida pela reabsoro da matriz que a envolve. Osteoclastos

Localizadas na superfcie do tecido sseo que vai ser reabsorvido, essas clulas so caracterizadas por sua grande dimenso, sua multiplicidade de ncleos, sua mobilidade e por possuir vrias projees celulares na face voltada para o tecido sseo. A superfcie dos osteoclastos, que est em contato com a regio onde ocorrer a reabsoro da matriz ssea, rica em microprojees celulares irregulares, chamadas tambm borda em escova. O citoplasma, principalmente nessas reas, contm abundantes vesculas e vacolos, cujo material vai realizar a hidrlise enzimtica da osteoide, liberando o clcio para ser reutilizado pelo organismo. Todo tipo de osso vai possuir dois elementos essenciais que revestem suas superfcies internas e externas. Essas estruturas so, respectivamente, o endsteo e o peristeo, e so responsveis, principalmente, pela nutrio, crescimento e recuperao de danos nos ossos.

68 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

Endsteo: representado por uma camada de clulas osteognicas

achatadas que revestem a cavidade do osso esponjoso, o canal medular e os canais de Havers e de Volkmann. Peristeo: a camada de tecido conjuntivo denso, muito fibroso na

sua poro mais externa, estando ancorado ao osso por suas fibras colgenas, que a ele se ligam fortemente (fibras de Sharpey). Sua poro mais interna, mais prxima do osso, mais celular, com clulas osteoprogenitoras, sendo bastante vascularizada. Essas clulas osteognicas (ou osteoprogenitoras) apresentam caractersticas semelhantes aos fibroblastos. Porm, quando ativadas, dividem-se por mitose e diferenciam-se em osteoblastos, atuando na reparao de fraturas e possibilitando o crescimento dos ossos.Tipos de tecido sseo

Histologicamente, o tecido sseo pode estar estruturado de duas formas distintas: o tecido sseo primrio e o tecido sseo secundrio. As clulas e componentes da matriz so os mesmos nos dois tipos e essa distino se refere disposio das fibras colgenas na matriz ssea. Tecido sseo primrio

O tecido sseo primrio (ou imaturo) se estrutura durante a vida embrionria ao ocorrer a primeira ossificao, ou durante a reparao de uma fratura. Nesse tipo de osso, as fibras colagenosas esto dispostas aleatoriamente, sem orientao definida, havendo uma menor quantidade de minerais, o que confere a esse tecido sseo resistncia menor que o tecido sseo secundrio.

Histologia | 69

Tecido sseo secundrio

O tecido sseo secundrio (ou lamelar) surge em substituio ao tecido sseo primrio. No tecido sseo secundrio, as fibras colagenosas se organizam de modo a formar lamelas concntricas ao redor de canais onde transitam vasos sanguneos. Esse conjunto chamado sistema de Havers, e confere ao osso secundrio maior resistncia do que o osso primrio. O canal no centro das lamelas sseas que contm um vaso sanguneo chamado canal de Havers. Acompanhando a arquitetura ramificada dos vasos sanguneos, h canais transversais chamados canais de Volkmann. Os canais de Volkmann ligam os canais de Havers entre si e os canais de Havers com a cavidade medular e com a superfcie externa do osso (Figura 11). Figura 11. Sistema de Havers ou steon: LC lacunas, CN - canalculos, CH canal de Havers, SH sistema de Havers.

Tipos de ossificao

No embrio, a formao do osso ocorre por meio de dois mecanismos: a ossificao intramembranosa e a ossificao endocondral. Histologicamente, no h diferenas entre os tecidos sseos formados por esses dois tipos de ossificao, e ambos produziro tecido sseo primrio, o qual ser reabsorvido e substitudo por tecido sseo secundrio.

70 | Conceitos e Mtodos para a Formao de Profissionais em Laboratrios de Sade

Ossificao intramembranosa ou endoconjuntiva

A designao intramembranosa conferida a esse processo por ele ocorrer em uma rea de densificao de elementos fibrosos do tecido conjuntivo embrionrio, erroneamente denominado membrana conjuntiva. Atualmente, h autores que utilizam a designao endoconjutiva para ressaltar que esse processo de ossificao ocorre no tecido conjuntivo. As clulas mesenquimais, de determinada rea do mesnquima programado a se diferenciar em tecido sseo, comeam a se diferenciar em osteoblastos, que por sua vez iniciam a produo de osteoide. O local onde se inicia a ossificao chamado centro de ossificao primria. Nesse novo tecido, os osteoblastos estabelecem contato e, com a deposio de clcio no osteoide, se transformam em ostecitos. Assim estruturam-se os canalculos sseos, as lacunas e todas as outras estruturas caractersticas do tecido sseo. As regies do mesnquima que no se diferenciam em clulas sseas originam o peristeo na superfcie externa e o endsteo n