livro encontros e caminhos vol. 2

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  • Ministrio do Meio AmbienteMarina Silva

    Secretaria de Articulao Institucional e Cidadania AmbientalHamilton Pereira da Silva

    Departamento de Educao AmbientalMarcos Sorrentino

    Ministrio do Meio Ambiente, Departamento de Educao AmbientalEsplanada dos Ministrios - Bloco B, sala 55370068-900 - Braslia - DF Tel: 55 61- 3317.1207Fax: 55 61- 3317.1757e-mail: [email protected]

    Centro de Informao, Documentao Ambiental e EditoraoEsplanada dos Ministrios - Bloco B - Trreo70068-900 - Brasilia - DF Tel: 55 61- 3317.1235Fax: 55 61- 3317.5222e-mail: [email protected]

  • Ministrio do Meio AmbienteSecretaria de Articulao Institucional e Cidadania Ambiental

    Departamento de Educao Ambiental

    Braslia2007

    Encontros e Caminhos:Formao de Educadoras(es) Ambientais e

    Coletivos Educadores

    Volume 2

  • Catalogao na FonteInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

    E56 ENCONTROS e caminhos: formao de educadoras(es) ambientais ecoletivos educadores.Organizao por Luiz Antonio Ferraro Jnior.Braslia: MMA, Departamento de Educao Ambiental, 2007.Volume 2.; 352p.; 15x21cm.Inclui BibliografiaISBN 85-7738-044-01. Educao. 2. Educao Ambiental. 3. Cidadania. I.

    Ferraro Jnior, Luiz Antonio. II. Ministrio do Meio Ambiente. III. Departamento de Educao Ambiental. IV.Ttulo.

    CDU (1 ed.)37:504

    Copyright 2007 - Ministrio do Meio Ambiente

    Equipe Tcnica de RevisoAna Luiza Castelo Branco FigueiredoGustavo Nogueira LemosIara CarneiroJacqueline Martins GomesJoana de Barros AmaralMaria Rita AvanziMariana DouradoMariana Stefanelli MascarenhasMaura Machado SilvaMaurcio Marcon Rebelo da SilvaPhilippe Pomier LayrarguesPriscila Maia Nomiyama (Coordenadora)Raquel Ferreira da SilvaRenata Rozendo MaranhoRenata F. Dalla BernardinaRicardo Burg MlynarzThas Ferraresi Pereira

    OrganizaoLuiz Antonio Ferraro Jnior

    Capa, Gravuras InternasArthur Armando da Costa Ferreira

    Diagramao e EditoraoRicardo Veronezi Ferro

    Normalizao bibliogrficaHelionidia C. Oliveira

    Impresso no BrasilPrinted in Brazil

  • 3Prefcio

    ainda h tempo?

    e penso que em minhas mos amanheceu...

    (um dia, eu Ituiutaba, Minas Gerais, algum cantava isto ao longe, no rdio)

    Podemos por um breve momento inicial saltar da natureza arte e, logo depois, retornar a ela. Quando Walter Benjamim escreve a res-peito do que comeava a acontecer com a criao e a fruio das artes em seu tempo, ele trouxe para as suas reflexes uma palavra importada da religio, da mstica, da magia: aura. E o seu artigo, at hoje nunca esquecido, re-consagrou esta palavra1.

    Ele recria a palavra aura ao refletir sobre o que acontece com uma obra original de arte quando ela tecnicamente reproduzida milhares ou mesmo milhes de vezes e, verbal, visual ou sonora, torna-se algo que pode ser comprado a baixo preo em qualquer banca de jornais (e isto antes do advento da internet e da MP3, ou 4).

    E o que aura? Aura o que faz voc sentir-se reverente e fazer-se rigorosamente silencioso em uma sala de concertos em que uma orquestra sinfnica apresenta, ao vivo e a cores, a Sinfonia Pastoral de Beethoven, enquanto em casa, diante da mesma orquestra que executa a mesma sinfonia em um programa de TV Cultura, voc pode v-la e escut-la almoando, conversando com um amigo ou lendo um jornal (o que eu jamais recomendo). Aura o que nos faz olharmos com um respeito entre atento, respeitoso e quase sagrado o original nico do Noite Estrelada de Vincent Van Gogh, em um museu da Europa. O mesmo quadro cuja reproduo excelente, comprada na loja do museu, pode ser pregado com fita gomada na parede do escritrio, atrs do microcomputador. Alis, se voc for mais prtico, pode mesmo colocar o noite estrelada no seu descanso de tela, e, assim, ter um Van Gogh eletrnico ao seu dispor.

    Remetocominsistnciaquemmeleiaaoartigo:Aobradeartenapocadesuareprodutibilidadetcnica.EmPortugusesteartigopodeserencontradonaco-letneaorganizadaporLuizCostaLima:Teoriadaculturademassa,publicadapelaPazeTerra,doRiodeJaneiro,em978.

  • 4

    Ali, na sala-templo sagrada onde a orquestra de seres vivos reais executa ao vivo a sua msica, a Sinfonia Pastoral chega a voc e a mim carregada de aura. Executada muitas milhares de vezes em todo o mundo ela , ali, nica, irrepetvel, absoluta. O Noite Estrelada original vale milhes de dlares. E uma lstima que a lgica do mercado cada vez mais se apodera da arte, como tambm da vida, como uma outra mercadoria. Mas por noventa centavos voc pode comprar uma bela folha de papel de presente com vrias reprodues dela em um metro quadrado.

    De maneira diferente do que pode ser multiplicado, deslocado de sua essncia original, desalojado de sua existncia primordial e nica, algo est em sua aura quando convive com sua absoluta singularidade. Quando em si-mesmo, at quando uma flor entre outras de uma rvore entre milhares, em uma floresta, se d a-si-mesmo. Voc, por exemplo, quem quer que seja, um ser-em-sua-aura, porque uma pes-soa irrepetvel, nica. O que no acontece com uma foto sua que com um toque de dedos voc pode enviar a centenas de pessoas reais-virtuais, em alguns segundos.

    Por isso mesmo, Voc, o Noite Estrelada e a Sinfonia Pastoral, assim como uma flor, um beija-flor, uma rvore em flor em uma floresta florida, so seres carregados de aura quando tomados e vividos em si-mesmos. Quando, mesmo sendo frgeis e efmeros, so, aqui e agora, um momento de eternidade.

    Pois com esta pequena palavra, aura, que comeo este pequeno prefcio a um livro que sonha dizer s pessoas que a Vida bela, e que elas precisam aprender a saber e sentir, para ensinar que vale a pena viver no apenas nela, mas por ela. Viver em seu nome, e empenhar-se em sua salvaguarda. Ela, a Vida, nunca como agora, multiplicvel, clonvel, reprodutvel, e frgil e ameaada por ns, seus filhos, seus herdeiros, seus pensadores e predadores.

    E comeo com esta pequena palavra porque acredito que tal como acontece com voc e comigo, com a arte, com o saber, assim tambm acontece com a Vida, com a Natureza ou, se quisermos, com o meio ambiente. Vivemos estranhos tempos em que todas as coisas e mesmo as pessoas humanas existem cada vez mais e mais ameaados no que possuem de mais seu, porque os seres humanos, os seres com quem compartimos a Vida na Terra e tudo que nela existe como substncia e energia da possibilidade da prpria Vida, perdem sob diferentes formas de poder e uso a sua aura. Por isso podem perder o ser da Vida ou, no planeta Terra, os cenrios naturais da condio da presena da Vida.

  • 5Em uma era em que tudo o que h e se transforma pode transmutar-se em diferentes formas de coisas e de produtos, a cada dia mais incor-poradas lgica, tica, esttica, tcnica e economia de mercado, ns e o que h ao redor (prximo ou distante) de nossas vidas, perdemos aos poucos sempre um pouco mais da nossa prpria aura.

    Perdemos um sentido ancestral do valor de sujeitos, seres, cenrios, coisas e gestos que valem ou deveriam valer por si mesmos, em-si mes-mos. Substncias originais do existir na Terra que existem no para ns, mas entre ns e apesar de ns, os humanos. Seres e cenrios que apenas pelo que so merecem estar a em sua nica, irrepetvel e in-tegrativa integridade.

    Creio que o que ameaa a Natureza, os seus ambientes e a Vida, no apenas a ganncia com que o sistema mundo de agora converte tudo e todos em mercadorias, e se apossa de tudo o que pode converter em lucro, em nome de um capital sem rosto e nome, disfarado, no entanto, aqui e ali, de progresso ou desenvolvimento. Sabemos que foi e no obra de um nico modelo poltico e nem mesmo de uma nica ideologia transformada em poder o que nos ameaava e segue colocando cada vez mais na beira do abismo tudo o que h e move a Vida aqui na Terra. Naes socialistas arrasaram a Natureza tanto quanto os capitalistas, e no ano que vem a China poder estar destruindo a Camada de Oznio mais do que o Imprio Americano. Se h um mal em tudo o que nos ameaa, ele est dentro, entre e para alm de ideologias e de polticas nacionais. Ele um resqucio humano de barbrie por meio do qual, a Oriente e a Ocidente de onde voc est, todos estamos perdendo aos poucos, mas de maneira universal e crescente, alguns sentidos essenciais, alguns senti-mentos ancestrais e alguns significados a respeito do valor original de ns mesmos, seres humanos e a respeito do valor Vida. Isto na mesma medida em que ampliamos tanto os nossos saberes de cincia.

    Assistimos como por toda a parte pessoas, animais, plantas e flo-restas tornando-se algo que vale o valor dado pelo lugar que ocupam na escala de algum sistema de medida-critrio cujos indicadores so regidos por interesses, de lucros e de concentrao de poderes. No por acaso que hoje em dia a frase: agregar valor rege um investimento de capital, um projeto de educao, uma poltica pblica, uma exposio de quadros de Van Gogh, ou mesmo um casamento. Vemos ao redor de nossas vidas do dia-a-dia algo que a mdia disfara como um bem. E , na verdade, um bem original tornado um simulacro de algo cujo sentido de origem se perde quando se atribui a uma flor e ao amor no mais o seu valor em-si (ser o qu ou quem se ) ou o seu valor de dom (valer para mim por ser quem ) mas um qualquer contravalor de compra-venda. Um

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    anti-valor fundado em uma razo de mercado situada aqum da troca, da ddiva e da solidria reciprocidade. E que nos apresentada de inmeras maneiras como aquela que realiza a racionalidade a que chegamos ns, seres da ps-modernidade.

    Quando avaliamos o que est sendo poludo, destrudo, desertifi-cado, transformado em coisa-de-compra-e-venda, destinado ao mercado, tendemos a criticar razes do domnio do poder e razes do mundo dos negcios. E j que no nos sentimos fazendo parte nem de um, nem do outro, conclumos que o mal do mundo est sempre fora de ns. Alm ou aqum de ns, e sempre num l de outros, seres e sistemas entre alheios e inimigos, de que nunca somos parte.

    E em boa parte no somos mesmo. Mas em parte sim. Por isso a Educao Ambiental. Porque no sabemos, ou porque sabemos, mas no podemos fazer nada, de um modo ou de outro fazemos parte ativa ou passiva do que se perde em ns (identidade ou qualidade de vida, por exemplo) e ao nosso ntimo redor (meio ambiente, por exemplo) porque tambm em ns, em nossas mentes, em nossas compreenses, em nos-sas interaes entre ns e com a Vida, estamos como esquecidos de que eles e ns desvalorizamos e destrumos aquilo que perde a sua aura.

    Tornamos insustentvel aquilo ou aqueles que deixamos passar de pessoa a personagem, de sujeito a simulacro, de bem-de-dom a bens-de-venda, de biodiverso (a floresta) a uniproduto (o canavial). Aprendemos (ou desaprendemos) a ficar alheios ao que em ns e nossa volta se perde em ns torna-se virtualmente repetvel, banal, reprodutvel, igual a outros, no-essencial. Quando voc comear a se preocupar mais com os vrus do seu micro do com as pragas do seu jardim, pense nisto.

    Vivemos um tempo em que, apesar de tantos apelos televisivos alguns de verdade, outros de espetculo, outro de simulacro em favor do Meio Ambiente, assistimos a uma complexa perda de aura e valor da Vida e da Natureza que a gera e abriga. Deixamos que se esvaia a substncia original, a essncia-em-si-mesma e a existncia-para-ns do natural da natureza. Ao comear por ns mesmos, nunca esquecer, e ao que fazemos de ns.

    Permitimos que isto acontea ao deixarmos que o Mundo Natural se uniformize como um campo dado e inesgotvel de coisas a serem conquistadas, exploradas, tornadas teis, aproveitadas e, portanto, sempre aptas a se transformarem nas mais diversas categorias de produ-tos naturais, do boi ao etanol. Mas tambm deixamos, inocentemente, isto tudo acontecer conosco, com outras pessoas e povo e com a Vida

  • 7ao nosso redor, quando desaprendemos (se que soubemos algum dia) o ir em busca da Vida e da Natureza movidos pelo desejo primordial de trocar, de partilhar ou de conviver afinal, e comeamos a buscar ali apenas a fruio de emoes fceis ou, pior ainda, de algum proveito utilitrio, entre o prazer, o ganho e o lucro.

    Sob o risco de tornar-se a cada dia mais e mais o depsito de produtos materiais de onde tudo se pode extrair, e o cenrio do simulacro, quando a Natureza se deprava em espetculo natural, o Meio Ambiente de nossas vidas e de todas as outras vidas precisa ser urgentemente re-descoberto. Precisa ser re-sensibilizado, re-significado e, em sntese, re-vivido em suas verdadeiras origens e razes. Isto sem falsos saudosismos de algum romantismo fora do seu tempo, e sem fundamentalismos sacralizantes que acabam sendo apenas uma outra mscara, um outro simulacro.

    Digo isto porque no acredito que o educador ambiental - este ser de difusa e difcil identidade e vocao - seja um especialista em ensinar a crianas e jovens sobre como lidar com o meio-ambiente ou como cuidar da natureza. Digo isto porque creio que ele somos - um educador dos sentidos, dos sentimentos, das sensibilidades e dos saberes. Um educador atento a re-acordar afetos, re-ordenar saberes e re-encantar o mundo. Um estudioso (aqum, dentro e alm dos novos paradigmas), um pesquisador e um sujeito de dilogos imprevisveis e, busca das virtudes e dos valores essenciais da aura dos seres, em um mundo a cada estao do ano mais ameaado pela voracidade do preo das coisas.

    Devemos aprender a saber que a Educao Ambiental no uma outra matria a mais nas nossas escolas. No um dado contedo ped-aggico extra destinado a aumentar a carga de contedos de nossos currculos escolares. No uma espcie de saber-de-recreio, quando as crianas de uma escola ou os jovens e os adultos de um projeto brincam de conviver com o ambiente. No uma nova ideologia ou uma nova pedagogia atrelada aos novos paradigmas, pois dentro de suas inmeras vocaes e vertentes cabem diferentes filosofias de vida, diversas ideologias (como projetos sociais de presente e futuro) e dife-rentes pedagogias. A Educao Ambiental , ao lado de tudo o que a fundamenta e acompanha, um outro ponto de partida. um outro aprender a saber olhar, sentir, viver e interagir entre ns, os seres humanos. Pois somente aprenderemos a preservar ou a tornar sustentvel e biodiverso o Meio Ambiente quando aprendermos a criarmos entre e para ns, um mundo igualitrio, diferenciado, solidrio e livre. E o estender deste outro saber a todo o campo de relaes entre Ns e a Vida.

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    Distante de ser apenas uma nova matria, devemos pens-la como uma renovada e renovadora energia capaz de fertilizar e reverde-cer a secura de nossos prprios desertos interiores. Algo que antes de nos devolver cifras atemorizantes sobre o que andamos fazendo com a casca e os ares do planeta, nos devolva a nossa aura e a de tudo o que nos acompanha aqui na Terra. Quem trabalha com a Educao Ambiental realiza uma experincia to revolucionria quanto aquelas que, em outros tempos, transformaram profundamente as idias e prticas da educao em outros tempos.

    Podemos por um momento remontar origem de ns mesmos. Podemos recuar muitos anos, muitos milnios, para lembrarmos alguns fatos conhecidos. Nossos ancestrais desceram um dia das rvores. Puseram-se de p, andaram sobre dois ps, livraram as patas dianteiras que se tornaram mos com sbios polegares opostos. Desenvolveram uma indita postura corporal que tanto lhes permitia verem as formi-gas no cho quanto as estrelas nos cus. Desenvolveram uma estranha viso binocular com olhos situados na frente do rosto. Mas, mais do que tudo, ao longo do tempo multiplicaram as circunvolues de um crebro que aos poucos associou aprendeu a ser uma fonte reflexiva de saberes e de significados. Um estranho e nico cenrio onde a Vida fez interagirem sentimentos e sentido, memrias e projetos para o futuro, temores, reflexes, imaginaes e tudo o que fizemos derivar da difcil conexo de tudo isto.

    Mas tudo isso e tudo o mais aconteceu muito devagar, durante muito tempo. Calculam os estudiosos de nossos primeiros ancestrais que teremos levado algo prximo a um milho de anos para aprender a lascar pedras. E levamos um outro tanto para passar delas a alguma forma de instrumento manual mais eficiente. S que da em diante aprendemos a agir como quem tem muita pressa. E, assim, comeamos a lidar com a Natureza e a Vida na Terra com poderes primeiro aritmtica e, depois, geometricamente melhores e maiores.

    O que a nossa espcie fez em cinco milhes de anos (se a remontar-mos aos primeiros homindeos), fez depois em cinco mil (mais ou menos dos tempos de Abrao aos de Lula, ou os dos de Homero aos de Milton Nascimento). E o que ela fez em cinco mil, fez depois em quinhentos, isto , de Leonardo Da Vinci a Fritjof Capra. E o que estivemos fazendo em quinhentos anos, fizemos depois em cinqenta. O tempo que vai mais ou menos da bomba atmica que destruiu duas cidades ao arsenal atmico apontado para todos os quadrantes da Terra e que pode destru-la vrias vezes. Essas so histrias e cifras bem conhecidas.

  • 9Eis aqui o desafio que toca aos cientistas que estudam o Universo, a Terra, a Vida e a Ns mesmos. E toca as diversas vocaes e estilos das pessoas que, entre a cincia, a tcnica, a ao social (de que a edu-cao um plano, ou uma dimenso), buscam associar a compreenso que temos agora de tudo o que existe e nos rodeia, possibilidade de criao de um entorno humano mais verde, vivo, sustentvel e solidrio. Toca, ainda e de maneira essencial, as diferentes pessoas, grupos e insti-tuies dedicadas a fazer interagirem os saberes, as aes ambientalista e o aprendizado. Ou seja, aqueles que se dedicam ao dilogo entre ns, atravs de nossos smbolos e significados realizados como educao e, em nosso caso mais prximo, como educao ambiental.

    Mas, de que desafio se trata? Penso que se trata desta reconhe-cida evidncia: nunca como agora ns, os seres humanos, alcanamos uma compreenso do Universo, do planeta Terra, da Vida na Terra e de Ns mesmos to completa, to complexa, to aberta, to polmica, to interativa e to prxima de um efetivo horizonte... transdisciplinar.

    Nunca como agora tivemos entre nossas mos e em nossas men-tes tanto poder para, de fato, reverdecermos o planeta, reavivarmos os desertos, purificarmos nossos ares e nossas guas, tornar a casa-nave em que vivemos no apenas sustentvel - o que ainda muito pouco mas plena de Vida fecunda e biodiversa. Mltipla e frtil de condies naturais de uma plena vida natural biodiversa.

    E, no entanto, nunca como agora estivemos to distantes deste projeto em nome do qual a Educao Ambiental justifica a sua existn-cia. Hannah Arendt lembra bem o que j sabemos. Durante todos os milhes de anos que nos antecederam em nossa trajetria na Terra, mal arranhamos a sua casca. Como lembrei acima, muito tempo passou at quando nossos ancestrais lascaram pedras, cavaram a terra com as mos e paus toscos em busca de razes, caaram animais e eram caados por animais, e, um dia, aprenderam a lidar com o fogo. Bem mais perto de nossa era, centenas e milhares de anos se passaram quando, mesmo j senhores de tecnologias que saltaram da lenha ao carvo, do carvo ao petrleo e dele eletricidade, mal podamos ainda fabricar alimentos, armas e casas com os recursos da Terra2. Agora no. Agora passamos da fabricao de utenslios e espaos limitados para nosso uso humano, a uma escala de ao sobre a matria e a energia do planeta capazes de alterarem o seu equilbrio em uma escala crescente e irreversvel. Os Suasidiaspodemserencontradasentreaspginas80e85deLacrisedela

    culturehuitexercicesdepensepolitique.TenhoatraduoparaoFrancs,naediode989,daGallimard.Lembroqueosugestivonomeoriginaldolivro,emingls:entrepassadoefuturo

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    ltimos relatrios divulgados pela ONU a respeito da fragilidade da biosfera so mais do que eloqentes.

    Primeiro pensamos que a Terra seria eterna em seus recursos e nos daria, a cada avano das nossas tecnologias, mais e melhores recursos. Deixamos o Apocalipse para os crentes cristos. Depois comeamos a acreditar que talvez eles tenham mais razes em crerem naquela terrvel e confortadora metfora, do que ns imaginamos fundados em nossas cincias. Mas, de qualquer maneira, o final dos tempos ficaria para temor e o terror de muitas geraes do futuro. Parece estranho, mas justamente agora, quando alguns praticantes de religies anunciam a possibilidade de que um dia este lugar do Universo onde vivemos brilhe de luz e de a harmonia em tal escala que Deus mesmo vir viver conosco no Paraso que teremos construdo - ns, os artesos do oitavo dia so agora os cientistas que se arvoram de crentes e gritam que o dilvio de fogo vem por a.

    Ainda h tempo? Sim e no!

    Sim, porque temos e teremos se bem quisermos, tudo o de que necessitamos em nossas mentes, nossos coraes, nossas mos e nossos artefatos, para criarmos juntos e irmanados, neste errante planeta azul, um lugar de causar inveja aos anjos dos cus.

    No, porque quanto mais recursos para tanto ns criamos e co-locamos desigual disposio de alguns, tanto mais ns e eles os usamos para seguir destruindo a frgil camada de Vida que nos acolhe e abriga. Finalmente agora ns nos tornamos os senhores do mundo! Justamente agora quando nos avisam que pode estar chegando a hora em que ns mesmos, ou os que nos seguiro aqui na Terra, podero passar de senhores a coveiros e de viles a vtimas do que ns estamos fazendo, e do que eles seguiro fazendo... se ns agora e eles, mais adiante, no aprenderem a lidar entre Ns e como a Vida e a Terra de uma outra maneira.

    Eis para o que serve a Educao Ambiental. Ao lado de outras idias e aes sociais, ela serve para tornar o ainda h tempo uma realidade vivel e realizvel, aqui e agora.

    Que nos venha falar um gegrafo, do alto de seu quase sculo de vida.

    Educao Ambiental uma coisa mais sria do que geral-mente tem sido apresentada, em nosso meio. um apelo seriedade do conhecimento. E, uma busca de propostas corretas de aplicao das cincias. Uma coisa que se

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    identifica com um processo. Um processo que envolve um vigoroso esforo de recuperao de realidades nada simples. Uma ao, entre missionria e utpica, destinada a reformular comportamentos humanos e recriar valores perdidos e ou jamais alcanados. Um esforo permanente na reflexo sobre o destino do homem de todos os homens face harmonia das condies naturais e o futuro do pla-neta vivente, por excelncia. Um processo de Educao que garante um compromisso com o futuro. Envolvendo uma nova filosofia de vida. E, um novo iderio comportamental, tanto em mbito individual, quanto na escala coletiva.

    Pode ser que algumas pessoas dedicadas ao Ambientalismo e Educao Ambiental a partir de uma opo mais apegada s cincias, tenham alguma dificuldade com as palavras missionria e utpica da citao acima. De qualquer modo, convenhamos em aceitar que uma das energias maiores da Educao Ambiental provm de sua maior fragilidade. Ela continua sendo apenas aos poucos e em equilibradas medidas, algo unificvel como teoria e pedagogizvel como prtica. Continua sendo um campo polissmico de idias, de projetos, de pro-postas e aes sociais atravs da cultura e da educao. Um campo de conhecimentos e de prticas que conecta e faz interagirem diferentes saberes provenientes das mais diversas experincias da criao humana. Continua sendo to pluridiversa quanto a natureza biodiversa que almeja ver re-florescer sua volta.

    Nada mais importante neste momento e de agora em diante, do que trazer pessoas para este amplo e aberto campo da Educao Ambiental. Nada mais urgente do que estabelecer mltiplos programas de formao destas pessoas. Pois apenas a partir de educadores conscientes e criti-camente competentes, conseguiremos coloca-la em seu devido lugar entre tantas outras prticas sociais propostas de sua realizao atravs do ensinar-e-aprender.

    E eis aqui uma das maiores virtudes deste Encontros e Caminhos. Este livro prossegue um anterior, Encontros e Caminhos, volume I, lan-ado em dezembro de 2005 e, de algum modo, vai at alm dele. Aqui uma fecunda coletnea de escritos a muitas mos e atravs de pessoas, de experincias e de vocaes acadmicas e ambientais bem diversifi-cadas. Estamos diante de um livro que ao tomar como eixo a questo TranscrevoestanotvelpassagemdeAzizNacibAb.Saber,deumparprecrio

    defolhasemxerox,comottuloReconceituandoEducaoAmbiental.Acitaoestlogonoprimeiropargrafodapgina.Ignoroseestetextofoialgumdiapublicado.

  • 12

    da identidade, da formao e da interao de/entre atores ambientais com foco sobre os educadores ambientais leva a prpria Educao Ambiental sua mxima e polivalente responsabilidade.

    No se trata de um livro de metodologias, embora elas apaream sob diversas indicaes, aqui e ali. Menos ainda, ele no um manual de receitas simplificadas, algo que em boa medida tende contribuir para corroer o alcance e reduzir a densidade de um trabalho social destinado a criar, estender e conectar redes e coletivos de uma experincia de ao solidria que tem no ensinar-aprender para transformar-se, para gerar agentes de transformao.

    Corremos o risco de imaginar que nada mais fcil e corriqueiro do que a Educao Ambiental. Afinal, basta ter sensibilidade e algum traquejo para lidar com as pessoas. Nada mais ilusrio! E podemos esperar que a sucesso dos estudos aqui apresentados derrube esta viso to superficial e pejorativa quanto a daqueles que imaginam que as questes ambientais (ou seja, as questes relativas possibilidade de a Vida seguir existindo neste nico planeta azul do Sistema Solar) podem ser resolvidas com uma boa dose de boa dose nas negociaes entre o poder de estado e o mundo dos negcios.

    O fundamento da Educao Ambiental est na certeza de que somos ns, as pessoas da vida cotidiana - as mulheres e os homens da vida de todos os dias - os atores sociais da sociedade civil, ou, se quisermos, o povo soberano enunciado por Rousseau, os responsveis substantivos por tudo o que venha a ser feito neste e em qualquer outro campo da socie-dade e de suas culturas. Podemos contar com o reforo de boas polticas pblicas. Podemos partir mesmo do apoio do poder pblico. Podemos aceitar at mesmo a contribuio de setores empresariais do mundo dos negcios. Mas, estas duas instncias adjetivas da vida social passam... e ficamos ns: as pessoas e coletivos de pessoas como voc e eu.

    E a ns que estes caminhos e encontros se dirigem, e nos deve-riam dirigir. E para nossos dilogos e passos em direo a horizontes de aprender, saber, convergir e agir, que este livro foi escrito.

    Ao contrrio de outras vocaes da educao, vagas demais, ideolgicas demais, no raro, at mesmo, fundamentalistas demais ou restritas e unidirigidas demais, a Educao Ambiental um cenrio cul-tural e pedaggico de convergncia de mltiplos outros campos de saber, de sentido e de ao. Isto em nada deve fazer com que ela, em qualquer uma de suas possveis vertentes ou tendncias, venha a ser to aberta a qualquer coisa que acabe no dizendo coisa alguma a ningum.

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    Ao contrrio. Que algumas idias ousadas escritas acima retornem aqui.

    A Educao Ambiental deveria vir a ser um caminho de encontros por meio do qual toda a educao que praticamos possa vir a ser no apenas reformulada (chega de LDBs) mas verdadeiramente transformada. Que este seja um convite e um caminho deste livro.

    Carlos Rodrigues Brando

    Outono de 2007 Lua Nova

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    Introduo ............................................................ 17

    ATORES SOCIOAMBIENTAIS ................................... 21Alosio Ruscheinsky

    ATORES SOCIAIS E MEIO AMIENTE ..................... 35Moema L. Viezzer

    CAPITAL SOCIAL ....................................................47Pedro Jacobi e Fernando Monteiro

    COMUNIDADES EDUCADORAS .............................. 59severiano joseh santos jr. e alba maria nunes

    CONFLITOS ............................................................... 71Marco A. S. Malagodi

    CONTEXTOS DE APRENDIZAGEM .........................85Martha Tristo & Roberta Cordeiro Fassarella

    CULTURA ................................................................. 95Gey Espinheira

    DILOGO DE SABERES ......................................... 105Dimas Floriani

    EDUCAO AMBIENTAL VIVENCIAL ..................... 117Rita Mendona

    EDUCAO NA GESTO AMBIENTAL PBLICA ..131Jos Silva Quintas

    EDUCACIN SOCIAL ............................................. 143Pablo Meira & Jose Antonio Caride

    EMANCIPAO ....................................................... 157Carlos Frederico b. Loureiro

    TICA AMBIENTAL .................................................. 171Marcelo Pelizzoli

    TICA E AS DIMENSES SOCIAIS DA SUSTENTABILIDADE ............................................ 183Roberto Guimares

  • 15

    INDICADORES TERRITORIAIS DE SUSTENTABILIDADE ........................................... 195Roberto Guimares

    INTERPRETAO AMBIENTAL .........................209Fernanda B. Menghini & Joo Moya Neto & Antonio F.S. Guerra

    MAPEAMENTOS E DIAGNSTICOS .................... 219Eda T. de O. Tassara & Omar Ardans

    METODOLOGIAS PARTICIPATIVAS ...................227Alberto Bracagioli

    PEDAGOGIA SOCIAL .......................................... 243Rodrigo Gravina Prates Junqueira

    PERCEPO AMBIENTAL .................................. 253Joo Luiz Hoeffel & Almerinda A. B. Fadini

    PROFISSIONAL-EDUCADOR-AMBIENTAL .......... 263Maria Henriqueta Andrade Raymundo e Vivian Gladys de Oliveira

    projetos em educao ambiental .......... 273antonio vitor rosa

    PROTEO SOCIOAMBIENTAL ..........................289Marcel Bursztyn

    REDES .................................................................299Patrcia Mousinho

    REDES SOCIAIS ....................................................313Pedro Roberto Jacobi & Fernando Monteiro

    REDES SOCIAIS E DE MOVIMENTOS ................ 323Ilse Scherer-Warren

    RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE ...........................................333Gustavo F. da Costa Lima

    SUJEITO OU COMUNIDADE AUTCTONE .......... 345Anaruez fERREIRA Morais

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    Luiz Antonio Ferraro Jnior

    Nascido em So Paulo - SP. Engenheiro Agrnomo e Mestre em Cincias Agrrias pela USP/ESALQ, doutorando do Centro de Desenvolvimento Sustentvel CDS-UnB. Professor da Universidade Estadual de Feira de Santana desde 2000, pesquisador da Equipe de Estudos e Educao Ambiental, professor do Curso de Especializao em Educao Ambiental para a Sustentabilidade, curso que coordenei entre 2001 e 2004. Assessorei Movimentos Sociais Camponeses da Bahia (CETA e Fundos de Pasto), a Comisso Pastoral da Terra e a Rede de Escolas Famlias Agrcola na Bahia. Consultor ad hoc do Programa Nacional de Formao de Educadores Ambientais da DEA/MMA. Associado do programa Leadership for Environment and Development (LEAD) desde 2000. Vale-me o ditado, sempre citado pelo Brando: uma rvore cai com grande estrondo mas ningum escuta a floresta crescer. Tenho dois filhos e gosto de jogar futebol. [email protected]

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    Introduo

    Tenho a satisfao de apresentar-lhes este segundo livro da srie Encontros e Caminhos. Como organizador tive o grande privilgio de entrar em contato com vrias pessoas que admiro e convid-las para par-ticipar deste projeto. Este volume seguiu as mesmas diretrizes do primeiro livro, textos instigantes e simples, dirigidos a educadoras e educadores ambientais para que estes se renam e os discutam. O formato dos artigos (ou verbetes?), seu pequeno tamanho frente complexidade dos conceitos tratados, teve duas razes de ser; 1) viabilizar a participao destes autores e autoras que, invariavelmente, tm a agenda fechada e 2) comprometer o formato dos textos com a prpria finalidade do livro. Neste livro, ampliando os horizontes dos caminhos e a diversidade dos encontros, as provocaes tambm se encontraro no agradvel e familiar galego dos queridos Pablo Meira e Caride quando defendem que os lmites que se establezan entre a educacin ambiental e a educacin social son borrosos e puramente con-vencionais.

    Este livro no exaure um tema sequer, nenhum autor ou autora buscou isso, o que fizeram foi dar uma triscadinha, uma reladinha neles. E pra que isso? Pra dar gosto, pra provocar o paladar, pra dar vontade de buscar mais. Querer saber mais no para que ento estes educadores e educadoras esgotem um tema, a idia de exaurir temas oposta quilo que a prtica da educao ambiental prope. Saber tudo de um mesmo assunto raramente vai, por si, resolver uma problemtica, pode ajudar a resolver um problema relativo quela disciplina, mas de nada adianta para a situao socioam-biental vivida, um imbricamento de desafios polticos, sociais, culturais e tcnicos.

    Alguns torcem o nariz para a proposta porque no se aprofundam os conceitos que so to complexos, outros desgostam porque o livro mescla vertentes de pensamento que na academia nem se dizem bom dia. So camin-hos solitrios, cheios de desencontros. Em ode crtica, Pablo Neruda diz que mesmo aps os crticos destroarem seus escritos, usando vrias armas como dicionrios e citaes respeitveis, junto sua poesia voltaram a viver mulheres e homens, de novo fizeram fogo, construram casas, comeram po, repartiram entre si a luz e no amor uniram relmpago e anel.

    Os autores e autoras deste livro possuem uma caracterstica singu-larssima, so pessoas envolvidas com a realidade, com a problemtica socioambiental e, cada um deles, tem construdo referenciais interessantes naqueles temas especficos que mais fazem sentido para suas prticas.

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    So todos profundos conhecedores, mas nenhum deles apenas terico, seja de redes sociais, de movimentos sociais, do saber ambiental, da tica, da pedagogia social, de comunidades educadoras, indicadores ou outro dos temas tratados. Ns todos estamos na mesma busca de justia, de democracia, de qualidade de vida, de diversidade, de como diz o prefcio do Brando, de recuperar a aura, nossa prpria, dos humanos que nos cercam, da natureza, do mundo. A eles, fica nossa gratido, pela generosidade nesta partilha que possibilita unir teoria e prtica.

    Esta a mgica deste livro. Estes militantes pensadores oferecem, em poucas pginas, a sua melhor pista para a atuao na educao am-biental. Fazem esta oferta em linguagem mais acessvel que a dos textos que escrevem para as revistas acadmicas, mais ricos em exemplos e em perguntas que em afirmaes, mais abertura que concluso. como se eles se sentassem conosco e falassem de sua experincia, da pertinncia de algo que aprenderam e que pode nos ajudar. Talvez, se os convidssemos para uma oficina relacionada a este tema, sua fala de incio, para abrir a discusso, seria bem parecida com os textos que vocs lero. Bem, eles no estaro l para a seqncia do debate, mas deixam sugestes para aprofundamento e acreditam que os leitores, com seus coletivos, construiro o significado prtico deste conceito.

    Nada impede que educadores, educadoras e Coletivos Educadores desafiem o MMA a realizar oficinas avanadas, teleconferncias e outras formas de aprofundar ainda mais os conceitos.

    Ainda assim, estes conceitos s ganharo vida quando forem digeri-dos, praticados, refletidos e transformados por cada um, em sua formao como educadora/educador ambiental e pelos Coletivos Educadores. em cada realidade que se cozinha o po, se reparte a luz e o amor que une relmpago e anel, asas e razes, sonhos e ao.

    Este livro um convite e um presente, do MMA e dos autores e au-toras reunidos, a todas as pessoas que se encontram e que caminham, no simplesmente por que a vida empurra as pessoas contra as outras e porque a necessidade nos faz andar, mas porque acreditam que ainda h tempo.

    Luiz Ferraro

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    ALOSIO RUSCHEINSKY

    Alosio Ruscheinsky, nascido em Mondai, SC. professor do PPG em Cincias Sociais da Unisinos. Graduado em Filosofia e em Cincias Sociais, mestre em Cincias Sociais, pela PUC-SP, e doutor em Socio-logia pela USP, tendo sua tese o ttulo Partido poltico e movimentos so-ciais. O professor autor, entre outros livros, de Metamorfoses da cidada-nia. So Leopoldo: Unisinos, 1999; Atores sociais e lutas polticas. Porto Alegre: Edipucrs, 1999; e Associativismo na inveno da modernidade. Rio Grande: Editora da FURG, 2000. tambm organizador de Educao Ambiental: mltiplas abordagens. Porto Alegre: Artmed, 2003; Sustenta-bilidade: uma paixo em movimento. Porto Alegre: Editora Sulina, 2004. Alm disto mais de 30 artigos publicados em peridicos e 15 captulos em coletneas. Realizou pesquisas sobre educao ambiental por alguns anos como membro do Mestrado em Educao Ambiental, da FURG, Rio Grande/RS. Atualmente seu interesse de pesquisa est voltado ao tema do consumo de gua na sociedade de consumo e um diagnstico dos projetos de educao ambiental em funo da proteo aos mananciais e da confia-bilidade do consumidor urbano.

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    ATORES SOCIOAMBIENTAIS Alosio Ruscheinsky

    As questes e atores ambientais adentram na arena poltica brasi-leira e se materializam atravs de significativas articulaes, entidades e militantes ambientalistas por ocasio de encaminhar emendas populares ao texto da nova constituio entre 1986-1987. Apesar de tantos conflitos e dissensos no seio dos setores populares e intelectuais, esta articulao conseguiu superar em muitos pontos o distanciamento do ambientalismo como protagonista em relao a outros tantos atores sociais. Vale lembrar que este esforo de aglutinao, de negociao e de envolvimento se con-solida como um fator fundamental para que o captulo de meio ambiente na Constituio Brasileira seja considerado avanado em face da realidade de insero de questes ambientais na teia da sociedade brasileira. Fato not-vel a construo da educao ambiental como expresso de atores sociais no cenrio brasileiro. Encontramos neste processo a formulao e a criao de mltiplas e inmeras experincias de educao ambiental, bem como a ratificao de uma legislao que d guarida para a prxis neste campo e da resulta a razo da denominao de atores socioambientais.

    As consideraes sobre atores socioambientais remetem relao entre ecologia e poltica e a oportunidade de sustentar uma outra vontade poltica que privilegia a sustentabilidade. O discurso nas cincias sociais que trabalha com a noo de ator ou de sujeito compreende-o em seu atuar de um modo emancipatrio. A sua forma e o imaginrio dos atores sociais quanto ao meio ambiente so invocados como fenmeno da histria, cujas caractersticas so a poltica, a democracia, a prxis, cidadania e sustenta-bilidade. A abordagem a partir de atores sociais requer um aprimoramento na reflexo e diagnstico, no desvendar de desafios e perspectivas.

    Processos sociais e atores socioambientais

    Ao tratar dos atores socioambientais compreendemos a socieda-de sob uma dupla perspectiva: de uma parte, a dimenso de mudana permanente, isto , tudo est em movimento e mutao; de outra parte, a idia de ator com a sua capacidade criadora que substitui qualquer idia de consenso na sociedade para instaurar a tica dos conflitos sociais. Portan-to, uma sociedade permeada por atores no pode ser compreendida como uma ordem social, como equilbrio ou coeso. Atravs dos atores sociais se operacionaliza a capacidade da sociedade de eleger a sua organizao

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    com as respectivas relaes sociais, estabelecer as bases de negociao de conflitos, de selecionar os seus valores ambientais e de estrear os processos de mudana e ao sobre o meio ambiente.

    A noo de sujeito se identifica com a idia de conscincia reflexiva, com a noo de criador de si, com uma cultura cidad, com a inveno da sustentabilidade. Todavia, estamos num perodo onde os atores socioam-bientais declinam mais e mais da autonomia radical em relao as suas expresses polticas: desenha-se na relevncia de seu papel social tanto a autonomia associativa para iniciativas de sua aspirao, quanto insero no sistema institucional.

    Atores socioambientais so concebidos como agentes colocados dentro das contradies e dos conflitos suscitados pelos relacionamentos entre sociedade e natureza. As tenses em torno de questes ambientais jamais se encontram isoladas de outros tipos de conflitos inerentes socie-dade desigual. Entretanto, uma ao estratgica dirigida seja contra uma forma de degradao ou de exausto de recursos finitos, seja em prol de um projeto de reordenamento do consumo e contra o desperdcio, no se qualificam como uma estratgia de olhar e ambicionar o poder poltico. Acima de tudo trata-se de criar ou transformar as instncias deliberativas com o intuito de aparelhar para a defesa de causas ambientais.

    Os atores socioambientais tratam de questes que freqentemente esto excludas da agenda da vida poltica ou na prtica encaradas como da esfera privada, quando no naturalizadas ou estranhas ordem do dia do debate poltico e cultural. Eles organizam-se em funo da participao no conflito ao redor da gesto do desenvolvimento ou do decrescimento da economia que esbanja bens naturais da gesto da sustentabilidade ou dura-bilidade, da avaliao dos processos reversveis e irreversveis.

    A crtica ao sistema de produo que opera por resultados a qualquer custo, cultura de consumo que opera novas distines ou a discriminao social e cincia que projeta avanos tecnolgicos representa uma situa-o de tal forma incmoda em muitas circunstncias da vida cotidiana que se torna compreensvel os que dela se afastam. Os atores socioambientais sobrevivem melhor ou seus projetos adquirem maior grau de legitimidade social e eficcia poltica quando combinam desenvolvimento e qualidade de vida, incluso social, soluo de problemas ambientais e crtica social, quando assentam um projeto ambiental, a dimenso cultural, os respecti-vos conflitos e a adequada mediao de um agregado de atores.

    Diante do aprofundamento do abismo entre riqueza e pobreza os atores socioambientais tambm ficam estarrecidos, bem como diante dos

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    efeitos ambientais de tal abismo. Isto fez com que iniciativas ambientais visem igualmente fortalecer os direitos sociais, tornando-se assim ban-deiras de atores socioambientais que outrora jamais dedicariam seu tempo em mobilizar foras para tais fins. A emergncia de atores socioambientais conduz reformulao de estratgias de desenvolvimento no campo so-cial, implica parcerias com a sociedade civil, como ONGs, associaes, sindicatos e outros setores da sociedade, bem como uma prtica com pro-jetos de cunho social e ambiental.

    Reconhecer atores socioambientais significa visualizar uma articu-lao, um movimento, um conflito, uma organizao, um projeto. Do pon-to de vista estratgico para as questes ambientais outros requisitos podem ser desvendados: a abrangncia do projeto; a multiplicidade da articulao; a participao no jogo social; os recursos em jogo como foras e capaci-dade de produzir publicidade. Na leitura da realidade a situao dos atores representa a capacidade de explicar os problemas e elaborar planos para enfrent-los.

    Diante de uma anlise situacional o que um ator considera como um problema ambiental para outros atores pode no s-lo ou at consolidar-se como uma soluo. De qualquer forma um problema ambiental constitui-se numa insatisfao, num conflito em face do resultado do jogo social e que contraria valores, projetos, desejos do ator. Ao explicitar um conflito ambiental os atores socioambientais assumem o compromisso de articular-se em prol de alternativas e de enfrent-lo (ACSELRAD, 2004).

    Os atores socioambientais comportam entre suas caractersticas a diversidade com um amplo espectro de prticas sociais e de tendncias te-ricas e ideolgicas: eqidade, tica, justia, democracia, durabilidade, con-servao, sobriedade e solidariedade. Assim, forjam um engajamento em prticas sociais, para suscitar e fundar atravs deste investimento formas de regulao de conflitos e para um outro nexo com os recursos naturais. Este empreendimento supe reflexividade e distanciamento, conscincia e ao. A conscincia socioambiental forjada na trajetria dos atores so-cioambientais requer o desenvolvimento de cultura poltica que supera a absoro de informaes disponveis. Est em jogo o alargamento do olhar em direo conscincia poltica para assegurar traduzir-se em ao dentro de uma dinmica de ver, avaliar e agir.

    Atores socioambientais e educao ambiental

    Neste atual momento histrico est emergindo um pensamento so-cioambiental que se mostra mais sensvel para a relevncia da criao e

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    transformao do modelo tico, a urgncia da alterao na perspectiva an-tropocntrica, aos projetos que levem em conta a possibilidade de exaus-to de recursos naturais, promoo da educao ambiental em mltiplos nveis e espaos, crtica ao consumo como desperdcio ou irracionali-dade em termos de futuro. Para fundar mudanas tende a dar importncia ao processo de distanciamento do real para engendrar um outro olhar, ao investimento para alcanar o discernimento sobre as informaes dispo-nveis e ainda tende a conjugar ao e conhecimento. Entre os desafios localiza-se a investigao cotidiana e o permanente recurso aos centros de pesquisa (SATO e CARVALHO, 2005).

    Atores socioambientais compreendem as inevitveis contradies em que esto enredados de maneira mltipla tanto os indivduos assim como os grupos sociais. Como conseqncias, ousam romper com a idia que identifica a informao com a conscincia, a criatividade humana com os resultados da ao, a participao histrica com a razo instrumental. O progresso no para ns a via de um futuro sempre melhor. Neste sentido e por conseqncia, estes atores estaro com capacidade alargada para uma agenda ambiental conseqente se na sua concepo de sujeitos forem capa-zes de perceber o possvel distanciamento entre a criao e a obra, entre o projeto e o resultado, entre a representao e as prticas sociais.

    Nenhuma tcnica, projeto, planejamento so totalmente seguros diante da incerteza do mundo real, diante de incertezas potencializadas pela cincia e tecnologia. Neste sentido, os atores socioambientais desen-volvem uma capacidade de acompanhar e avaliar a realidade e solues, corrigindo planos, alterando olhares, complementando projetos. Talvez, to importante como formular um projeto de educao ambiental a ca-pacidade contnua de um grupo sujeito realizar o discernimento a tempo e toda vez que as circunstncias o exigirem. A educao ambiental vem acompanhada pelo abandono do orgulho conquistador da razo que apri-siona e saqueia as riquezas naturais.

    Em se tratando da sociedade de consumo, da sociedade de risco, do processo de reflexividade os atores socioambientais criticam tanto as formas de organizao econmica com a expanso de necessidades, como tambm intensamente os valores culturais, o imaginrio capturado pela co-municao realizada pelo mercado de consumo (PORTILHO, 2005). De uma maneira simples, ante a mercantilizao de todas as dimenses da vida traam objees tanto ao uso social do crescimento econmico a qual-quer custo, aos resultados do desenvolvimento cientfico como benvolos por si mesmos, quanto tecnologia e ao progresso em si mesmo. No debate

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    de questes ambientais tambm est inclusa a luta contra as grandes cor-poraes, o controle do capital financeiro sobre a sociedade, bem como o discernimento entre a tica que tende a reconhecer a prioridade aos objetos (consumo) em detrimento do enfoque das relaes sociais.

    Esta crtica a valores manifesta a reao dos atores socioambientais a processos ambientais por vezes irreversveis de perda da biodiversidade ou de degradao ambiental. Com este duelo se esforam para manter, re-tomar ou forjar o controle sobre suas prprias condies de vida com dife-renciado relacionamento entre sociedade e natureza, bem como questionar valores, gostos, aspiraes, desejos e prticas sociais. Empenham-se em um movimento para organizar de uma maneira nova a capacidade de gera-o, de apropriao e de difuso de linguagem e de representaes usuais sobre a natureza, as relaes sociais, a qualidade de vida.

    A responsabilidade socioambiental atravs de um conjunto de inicia-tivas molda polticas pblicas e inclusive delineia novos papis aos atores socioambientais. Neste campo fundamental compreender o movimento de avanos e recuos dos diferentes atores dentro da sociedade em busca de superar, conquistar ou garantir seus interesses e/ou direitos a um ambiente saudvel e democrtico. No campo da educao ambiental surgem iniciati-vas que pretendem envolver e comprometer indivduos e grupos para for-talecer a transversalidade da temtica ambiental, no s no sistema escolar, mas em todas as atividades sociais.

    O processo de educao ambiental requer para o sucesso em suas atividades que a sociedade seja tolerante, onde foras novas podem emer-gir fundando-se sobre uma anlise crtica, uma vez que contestam o pa-radigma vigente. Encorajam-se no seu empenho para romper fronteiras e barreiras que se opem perspectiva da sociedade sustentvel.

    Os educadores ambientais padecem permanentemente de ambigi-dades pelo fato de serem atores em campos marcados por posicionamentos e pela permanente necessidade de discernir como ser atores na medida em que as tenses socio-ambientais exigem a demarcao mais ntida de um posicionamento em um dos campos do conflito. Estes educadores situam-se precisamente nas fronteiras onde fluem tempestades, onde os conflitos pressionam por mudanas ambientais profundas e nas encruzilhadas re-sultantes da expanso do consumo. Sendo assim, s podem estar insatis-feitos. Os sentimentos que os animam misturam clera e esperana, raiva e ternura, entre outras ambigidades. Outras vezes no se do conta em suas proposies a que interesses se ligam s aes ou a que foras sociais correspondem mais detidamente os seus projetos.

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    Conflitos, atores e instncias decisrias

    O estudo da participao, da articulao e das decises na sociedade dos atores sociais de todo conveniente na medida em que se multiplicam as dimenses da vida social que so tomadas como objeto de deciso. A multiplicao de fruns de deliberao, que recobrem a complexidade dos problemas ambientais, caracteriza, a partir dos instrumentos decisrios, uma sociedade de comits. Enraizar e radicalizar a educao ambiental requer atentar para a democratizao das decises, uma vez que a degra-dao e a exausto de recursos naturais tambm um atentado e degrada a democracia.

    Atores socioambientais se definem e aprendem na luta contra a lgi-ca do mercado, da tcnica, dos aparelhos burocrticos. O marco diferencia-dor a passagem de prticas de oposio para encaminhamentos e prticas sociais definidas como pr-ativas, na medida em que em escala crescente tem como objetivo central a afirmao de uma alternativa vivel, onde se somam foras dos atores e do institucional. Na sua trajetria capacitam-se cada vez mais para exercer uma influncia sobre as agncias estatais de meio ambiente, o Legislativo e o Judicirio, a comunidade cientfica e o empresariado. o significado de uma aproximao com o institucional.

    O surgimento e fortalecimento de diversas instncias, consultivas ou deliberativas, em vrias reas e nveis com a participao de setores da sociedade civil e nos quais os atores socioambientais so figura chave, em-bora freqentemente minoritrios. As instncias visando uma gesto am-biental agregam atores diversos e freqentemente em conflito: conselhos ambientais de abrangncia diversa, comits, fruns. Ora so formatos com procedimentos formais ou resumem-se em cumprir uma exigncia formal, sem poder efetivo de influenciar num processo decisrio em questes am-bientais originadas da demanda do movimento ambiental, onde a repre-sentao assume muitas vezes caractersticas contraditrias. Outras vezes espelham de fato as circunstncias e o jogo de foras em que se inserem os atores socioambientais. um campo onde se assentam assimetrias, ins-tabilidade de regularidade e xito e imperativos de legitimao (DUPAS, 2005).

    Em cada momento e em cada setor preciso demonstrar o grau de autonomia real ou de cooptao pelo poder pblico do sistema de deciso e/ou sua influncia efetiva. A multiplicao de fruns setoriais por pres-so da sociedade civil no representa de imediato uma democratizao do

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    Estado como esfera pblica em sentido amplo. As alteraes produzidas podem ater-se a espaos especficos e limitados, sem ferir no corao os interesses que conduzem deteriorao da qualidade ambiental. Tambm errneo imaginar que as escolhas efetuadas a partir da participao dos atores socioambientais em instncias decisrias so resultantes de prefe-rncias e de negociao de alternativas completamente abertas e trans-parentes. O empenho cooperativo em mobilizaes ambientalistas pode tambm ser compreendido pela subservincia ou insero dependente. Isto caracterizaria uma insuficincia de potencialidades para assegurar as con-quistas alcanadas e formalmente reguladas.

    A ao poltica diante de problemas ambientais complexos, diante da dialtica entre sociedade e natureza fundamental para compreender a participao em coletivos como uma contribuio prxis em educao ambiental (LOUREIRO, 2006). A multiplicao das instncias de deciso numa sociedade de problemas ambientais complexos tem o grande mrito de valorizar os atores sociais e a ndole dos procedimentos de planejamen-to. A democracia identificada com a noo de representatividade, toda-via requer tambm que os atores sociais sejam representveis, isto , que sejam reconhecidos, organizados e capazes de agir em meio aos conflitos inerentes aos canais de participao (comits, fruns, conselhos), deciso e representao poltica.

    A construo de modalidades participativas e o recurso s tcnicas de deliberao em stios coletivos encontram-se intimamente associadas com uma cultura poltica, com o reconhecimento da vigncia dos confli-tos acima do consenso, com o desenvolvimento da capacidade para nego-ciaes, consultas, barganhas, alianas e transaes. Usualmente o enca-minhamento de decises sobre problemas ambientais de que participam atores sociais se vale de uma srie de acordos entre disputas, de apelo ao conhecimento cientifico, de negociaes, de recursos discursivos e de jus-tificativas de interesses (CASTRO & OLIVEIRA, 2006).

    Os atores socioambientais se orientam em relao a um futuro sus-tentvel, em base a sua prpria mudana e a emergncia de um novo pa-radigma, que podem ser definidos pelas modificaes constantes do siste-ma de decises e da influncia de diversos atores sociais. A mobilizao em questo na sociedade brasileira vem suscitando avanos nas questes ambientais no sentido de institucionalizar polticas e solues para o de-senvolvimento sustentvel em diversos setores. Hoje se pode visualizar um contorno mais ntido no desenho do chamado campo ambiental, cuja

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    complexidade admitida de imediato, especialmente porque surgem expe-rincias e propostas que tentam somar emancipao e ordenamento social envolvendo questes ambientais.

    No caso dos recursos hdricos do Pas atores da sociedade civil ob-tiveram uma legislao favorvel que regula o uso mltiplo da gua, as-sim como a gesto baseia-se na participao social e descentralizada dos processos socio-ambientais. oportuna a reflexo sobre os fatores sociais, culturais e econmicos que ainda impedem de implementar mecanismos e instrumentos mais eficientes de gesto.

    Atores em rede: comunicao e articulao

    As redes virtuais de circulao de informaes constituem-se atores mais do que virtuais, uma vez que no Brasil as redes de educao ambien-tal somam mais de 30, desde o mbito nacional, regional e estadual, tais como SIBEA, REBEA, REASUL, RMEA, RPEA, entre tantas outras. A tipologia fica mais evidente com o contato com os respectivos sites ou listas de discusso do uma dimenso da amplitude e variedade da rede de educao ambiental.

    As redes de informao, comunicao e troca de experincias con-solidam-se como atores socioambientais enquanto fortes coalizes, embo-ra por vezes difusas no tecido social. As redes representam articulaes de atores ambientais em torno de diversos projetos socio-ambientais, na busca da inovao social, na troca de experincias, na viabilizao de um modelo de sustentabilidade ou na formao atravs da educao ambiental. Tendo em vista esta situao, as relaes em rede podem significar uma oportuni-dade de formao de novos contextos coletivos, de outros olhares sobre o ecossistema e a sociedade, da interconexo ou simbiose entre identidades, de articulao de um pacto de interesses, desejos e vises de mundo.

    As redes de educao ambiental, umas mais informativas outras inte-rativas e em suas diversas abrangncias, exercem um importante papel ca-talisador, articulador, mobilizador e disseminador de prticas pedaggicas centradas na proposta da sustentabilidade. As redes projetam os vnculos e a interpretao dentro de uma temtica, fortalecem a troca de experincias entre engajados em lutas ambientais, so mecanismos de busca de novos adeptos de uma causa, cunham uma linguagem prpria para expressar sua singularidade, fortalecem elos e compromissos entre entidades da socieda-de civil.

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    As redes estruturadas exercem um papel importante tanto na denn-cia de prticas predatrias, de processos irreversveis e de desperdcio de recursos, quanto o exerccio da presso diuturna sobre o campo institu-cional para cumprir o acordado e visando novos comprometimentos. Para consolidar esse fenmeno, as redes se alimentam da circulao de infor-maes geradas em processos de auto-eco-organizao, propiciando perti-nncia e discernimento do ecossistema. Cada um dos sujeitos conectados na rede interativa, como um meio eco-organizado, elege-se como produtor, receptor e difusor de informao que circula organicamente.

    Apontar para a fragilidade de atores socioambientais faz sentido quando se trata da articulao e implementao de uma Agenda 21 local, de cujo sucesso careceria tratar longamente. Da brota a necessidade de ampliar o escopo de atuao em redes, consrcios, fruns, instituies, parcerias estratgicas e outras instncias decisrias a fim de que se amplie o reconhecimento na sociedade, bem como outros atores se engajem na mesma tica.

    As redes ambientais desde as locais s globais potencializam a com-preenso interligada entre os problemas ambientais e a ao local, possi-bilitam que articulaes locais multipliquem a capacidade de influenciar e reverter decises sobre questes ambientais. Atestam que existe um poten-cial de ao e reao, bem como certificam um espao para atores socioam-bientais na esfera pblica, com a finalidade de questionar, exercer presso, propor alternativas, polarizar interesses, reduzir a degradao e os riscos, apontar processos reversveis e irreversveis. Tudo isto so condies fa-vorveis para impulsionar novos elementos para integrar uma conscincia scio-ambiental.

    Os atores socioambientais: ao, informao e articulao

    Educao Ambiental na perspectiva dos atores sociais significa for-mar protagonistas, sujeitos de ao emancipadora, capazes o suficiente para perceber seu potencial de ator a fim de participar do processo de cons-truo de uma sociedade sustentvel, tica, justa e solidria. Neste sentido, interessam os mecanismos de produo do conhecimento e de transformar a informao em instrumento de promoo da qualidade de vida, de um desenvolvimento sustentvel, e de um processo poltico transparente e par-ticipativo. Os atores sociais e a informao so uma construo social, e tudo depende dos atores que a produzem, divulgam e utilizam.

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    O Estado constitui um ator chave do processo de gerao de uma sociedade informada e participativa, sustentvel e durvel. A pergunta a se colocar simples: em que medida os procedimentos atuais ajudam a pro-mover a participao cidad para o desenvolvimento sustentvel? Haver aqui um conjunto de aportes possveis.

    As organizaes da Sociedade Civil so tanto produtoras como usu-rias de informao, de demandas e de solidez para um projeto sustentvel. s vezes so experincias pequenas, enraizadas na comunidade e a sua articulao em rede tornou-se fundamental, gerando sinergias.

    Outros atores a articular: a mdia e a universidade. A mdia como forma de articulao de sistemas locais de informao, para dinamizar iniciativas locais de gesto ambiental participativa e democratizao da sociedade. As Universidades constituem um impressionante acervo de recursos estratgicos, cabendo integr-la aos problemas locais ligados qualidade de vida e cidadania ativa, interagindo com os diversos atores sociais, a fim de que seja organizadora dos conhecimentos na regio onde est inserida.

    Proposta metodolgica da EA a partir da perspectiva de atores socio-ambientais (ver a realidade pelas lentes de um observador atento e atravs da metodologia do ver, julgar e agir):

    Enxergar a realidade como um movimento e a partir da tica de atores num determinado cenrio, espao e tempo, que expressa conflitos, alianas, conciliaes, traies e contradies.

    Inquietar-se com o posicionamento, as restries, as objees, a prtica de cooptao e os projetos de atores sociais, observando as orientaes em jogo e avaliando as potencialidades.

    Intervir na qualidade de atores socioambientais como uma proposta de EA, que se mune de todos os instrumentos para agir de maneira eficaz, que prima pela articulao em rede, que conecta o local e o global e cujos encaminhamentos lhe permitem vislumbrar uma sociedade sustentvel.

    Onde observar a orientao e a influncia dos atores sociais como foras sociais:

    Quais os atores sociais que se movem em torno de uma rea de risco, de uma rea de preservao ou para a organizao de um evento ambiental?

    A EA pode organizar coletivos de consumidores para compreender processos reversveis e irreversveis no uso dos recursos naturais

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    e transform-los em novos atores para a defesa da questo ambi-ental ou para que os bens naturais estejam ao alcance do uso de todos?

    Quais os atores socioambientais a articular para que se venha a implementar a produo, a comercializao e o consumo de produtos orgnicos ou agro-ecolgicos ? Ou quais os diferentes pontos a tocar para uma reeducao alimentar?

    Os atores sociais com interesse em torno da gua potvel numa certa regio, com seus cuidados, usos e abusos, domnio, abundn-cia. A que se refere dominncia? Ou carncia? Quais so as prin-cipais mudanas na forma de consumo de lquidos que podem ser observados e quais as principais conseqncias?

    Ou ainda, na sua regio, quais os principais conflitos socioambien-tais e quem so os principais atores na arena? E quais as solues com o envolvimento de atores em questes que competem ao nvel pessoal, municipal, estadual, etc., ou competncias de organizaes da sociedade civil ou da esfera pblica.

    Usualmente observamos os diferentes atores na histria narrada num filme... Uma anlise permite afirmar como se entrelaam num filme atores coletivos ou no. Assista a um filme e avalie quem so e que papis desempenham os personagens como atores sociais.

    Atores sociais num bairro ou num jogo de futebol... Interessante como forma de preparo para outros campos examinar as jogadas de futebol: as estratgias dos times; tipo de jogadas com maior eficcia; outros atores como financiamento, torcida, treinador, entre outros, todos compem o quadro.

    Atores sociais e a questo dos resduos (sabendo da existncia de interesses muito diferenciados): quem e quais os interesses circu-lam e se articulam. Exemplo disto desvendar quais os interesses, conflitos, negociaes em torno da coleta dos resduos slidos e lquidos na cidade ? A coleta seletiva contempla interesses e como tais apresentam uma srie de obstculos.

    Compreender a EA na dimenso dos atores socioam-bientais em circunstncias e seus conflitos no tare-fa fcil, nem a tarefa para um individuo, seno um conjunto de articulaes e mediaes. Se verdade que a potncia, a amplitude, a eficcia e o imaginrio de atores sociais grande, a pacincia da utopia infinita.

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    Referncias bibliogrficas

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    1999.

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    MOEMA L. VIEZZER

    Moema L. Viezzer, brasileira, mestre em cincias sociais, educa-dora especializada em Educao Popular, com nfase nas reas de Gnero e Meio Ambiente. Conhecida internacionalmente por seu envolvimento nos movimentos de mulheres e ambientalista, autora, co-autora, organi-zadora de diversas publicaes entre os quais se destacam: Se me deixam falar... traduzido a 16 idiomas e includo na coletnea Mein Lese Buch do Prmio Nobel de Literatura Heinrich Boll, O Problema no est na Mulher, o Manual Latino-americano de Educao Ambiental, ABC da Equidade de Gnero na responsabilidade Socioambiental, entre ou-tros, alm de numerosos materiais didticos: cartilhas ,cadernos, videos, programas de rdio, kits de apoio ao educativa. Moema ajudou a criar e fomentar numerosas redes, fruns e conselhos voltados causa da educa-o popular, meio ambiente e gnero nos nveis local, regional, nacional e internacional. No contexto da Rio 92, facilitou o processo coletivo de cons-truo do Tratado de Educao Ambiental para Sociedades Sustentveis e Responsabilidade Global e participou ativamente da construo da Carta da Terra. Atualmente reside em Toledo/ Paran com sua famlia e dirige a MV-Consultoria de Educao Scioambiental, prestando servios como Consultora Internacional particularmente para os programas pr-Equidade de Gnero e Educao Ambiental da Itaipu Binacinal. Integra a Rede Mun-dial de Mulheres pela Paz ao Redor do Mundo, a Rede Global de Mulheres pelo Meio Ambiente e o Comit de Gnero do Conselho Internacional de Educao de Adultos/ICAE.

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    ATORES SOCIAIS E MEIO AMBIENTEMoema L. Viezzer

    DEPENDE DE NS....Quem j foi ou ainda crian-a, Quem acredita ou tem esperana, quem faz tudo pro mundo melhor. DEPENDE DE NS... Se este mundo ainda tem jeito, apesar do que o homem tem feito... Se a vida sobreviver.

    DEPENDE DE NS... (Ivan Lins).

    Em todos os lugares do planeta, as aes humanas que se sobrepuse-ram ao planejamento da natureza com forte impacto ambiental esto sendo repensadas, trazendo a necessidade urgente da formao da conscincia ambiental e cidad e a educao de pessoas/instituies a partir de prin-cpios e valores que orientam as aes na perspectiva da tica do cuidado para a sustentabilidade. Esta constatao nos remete a uma questo funda-mental: de quem depende um novo presente e um novo futuro no planeta Terra e a quem deve dirigir-se a educao ambiental?

    No contexto da Rio 92, o Tratado de Educao Ambiental para So-ciedades Sustentveis e Responsabilidade Global aprovado no Frum Glo-bal transcendeu, de longe, o pblico cativo de jovens e crianas, com uma afirmao clara: Este Tratado dirigido para:

    Organizaes dos movimentos sociais, ecologistas, mulheres, jovens, grupos tnicos, artistas, agricultores, sindicalistas, asso-ciaes de bairros e outros;

    ONGs comprometidas com os movimentos sociais de carter popular;

    Profissionais da educao voltados questo ambiental tanto nas redes formais de ensino como em outros espaos educacionais;

    Responsveis pelos meios de comunicao capazes de aceitar o desafio de um trabalho transparente e democrtico, iniciando uma nova poltica de comunicao de massas;

    Cientistas e instituies cientficas com postura tica e sensvel ao trabalho conjunto com as organizaes dos movimentos sociais;

    Grupos religiosos interessados em atuar junto s organizaes dos movimentos sociais;

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    Governos locais e nacionais capazes de atuar em sintonia/parceria com as propostas deste Tratado;

    Empresrios comprometidos em atuar dentro de uma lgica de recuperao e conservao do meio ambiente e de melhoria da qualidade vida;

    Comunidades Alternativas que experimentem novos estilos de vida condizentes com os princpios e propostas deste Tratado.

    Evidentemente, esta lista no exaustiva. Sua incluso no Tratado teve o propsito de mostrar o perfil de quem j tem sinergia de interesses para atuar nos compromissos que os Princpios e Valores do Tratado e suas diretrizes trazem implcitos e nos remetem reflexo que pretendemos abordar neste texto em dois momentos:

    Atores Sociais: que interferem na qualidade do meio ambiente e de vida e o necessrio equilbrio entre os poderes representados pelos mesmos.

    O pessoal coletivo: a mudana de paradigmas pessoais como condio sine qua non para a mudana do paradigma social.

    l. Atores Sociais que interferem na Qualidade do Ambiente e de Vida.

    Ningum educa ningum. Nin-gum se educa a si mesmo.

    Os seres humanos se educam me-diatizados pelo mundo.

    Paulo Freire.

    No faz muito tempo, as questes ambientais eram vistas como assunto de conservacionistas, cientistas, polticos e de alguns poucos em-presrios. A presena das comunidades, das organizaes e instituies da sociedade civil foi adquirindo importncia crescente no ltimo quarto do sculo 20. Foi nesta poca que a participao cidad emergiu na regio latino-americana como mola-mestra na soluo dos problemas ambientais e na proposta de novas formas de conviver em sociedade e com a natureza (...). No caso da gesto ambiental, a participao cidad tornou-se o alfa e mega, a seiva das profundas transformaes que se esto gestando para assegurar a convivncia democrtica, sustentvel e harmnica dos seres humanos entre si e com o ambiente, segundo o Manual Latino-Americano de Educao Ambiental (1995).

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    Avanando no tempo, organizaes governamentais e para-governa-mentais, instituies da comunidade cientfica, organizaes da sociedade civil e empresas foram percebendo a indispensvel articulao para chegar a resultados positivos de aes a serem empreendidas por uns e outros, uma vez que todos ns temos parte nesta tarefa planetria. Sinergia de Interesses foi um conceito forte que entrou em pauta.

    A realizao da 2. Conferncia das Naes Unidas sobe Meio Am-biente e Desenvolvimento/Rio 92, com o respectivo Frum Global da So-ciedade Civil, foi um marco neste sentido. Pois demonstrou claramente como o futuro perfil da humanidade algo demasiado importante para ser desenhado apenas pelos governos nacionais ou pelos mecanismos oficiais de concentrao mundial hoje existente Manual Latino-Americano de Educao Ambiental (1995) .

    Mas o dilogo necessrio para estabelecer as bases mnimas de atu-ao conjunta em relao ao meio ambiente e o desenvolvimento para a sustentabilidade no assunto que brota naturalmente; ele se d em pro-cessos de aprendizagem continuada e permanente. Neste sentido, educa-doras e educadores ambientais que adequaram as idias de Paulo Freire aprendizagem socioambiental foram tambm adaptando os conceitos e propostas de educao ambiental para os Atores Sociais que interferem no meio ambiente, alm de insistir na necessria reviso pessoal de paradigma para cada ser humano em sua qualidade de cidado-cidad do planeta.

    Quem so os Atores Sociais?

    Neste texto, a expresso utilizada para designar as instituies cria-das pela sociedade ao longo de sculos e cujo poder interfere na qualidade de vida de todos os seres que constituem a teia da vida. Na realidade, os Atores Sociais representam blocos de poder que, colocados em sinergia de interesses pela qualidade do meio ambiente e de vida, podem aprender e ensinar uns aos outros, mediatizados pelo mundo, como diz Paulo Freire, entendendo-se por mundo o universo complexo de todos os seres que constituem a comunidade de vida em Gaia, o Planeta Terra, como sugerem a Carta da Terra e o Tratado de Educao Ambiental.

    Nenhuma pessoa e nenhuma instituio, ao ocupar algum destes espaos de poder, pode dar conta da complexidade das questes que se colocam do ponto de vista econmico, social, ambiental, cultural, poltico, institucional. Assim, fundamental trabalhar com todos os Atores Sociais na perspectiva da tica do cuidado, desenvolvendo a ao educativa per-manente, continuada e inclusiva nos diversos espaos e nveis de atuao

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    dos mesmos, trabalhando para sua articulao permanente com os mtodos e tcnicas de negociaes que se fazem necessrios particularmente em casos de conflitos socioambientais.

    Para facilitar o exerccio pedaggico de visualizao dos Atores Sociais que interferem na qualidade do ambiente e de vida na regio e aos quais se destina a Educao Ambiental, dividimos os mesmos nos seguin-tes blocos de poder:

    O poder pblico - que se exerce nas esferas dos poderes legislativo, executivo e judicirio nos diferentes nveis em que os mesmos se situam: municipal, estadual, nacional e internacional.

    O poder econmico - que se exerce a partir de empresas e ins-tituies ligadas indstria, agroindstria, aos bancos e ao comrcio.

    O poder do saber e da informao - que se concentra nos centros de pesquisa, nas universidades, na rede formal de ensino e nos meios de comunicao.

    O poder da organizao da sociedade civil - que se expressa par-ticularmente nas organizaes do chamado Terceiro Setor: ONGs e Movimentos Sociais com suas diferentes representaes: sindi-catos, cooperativas, associaes, comunidades de igrejas, redes, outros.

    Cada um dos Atores Sociais tem funes especficas que exercem a partir de seu tipo de interferncia no meio ambiente e na qualidade de vida: pesquisas, aes tcnicas de preservao ou de recuperao de passivos ambientais, investimentos, fiscalizao, organizao, educao, comuni-cao, etc.

    Evidentemente, esta categorizao no estanque. Muitas vezes, as variveis se misturam. Um centro de pesquisa pode ser pblico ou privado, assim como as universidades e as escolas e as empresas. O assim chamado Terceiro Setor no uma grande congregao; nele se encontram grupos diferentes, diferenciados e, por vezes, at antagnicos.

    As consideraes anteriores evidenciam como a Educao Am-biental inclui novos tpicos de aprendizagem quando se dirige aos Atores Sociais com os quais educadoras e educadores esto em permanente in-terdependncia. Entre outros citamos: a) identificao dos Atores Sociais, seus pontos de convergncia e divergncia e suas atribuies e funes;

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    b) mtodos e tcnicas de gerenciamento para casos de conflito socioam-biental; c) mtodos e tcnicas para atuar a partir da legislao em vigor e com capacidade de discernimento, considerando a especificidade das ques-tes trabalhadas. Estas e outras questes remetem a tipos especficos de ca-pacitao indispensvel para se desenvolver uma pedagogia da interface com foco na melhoria da qualidade do ambiente e de vida.

    2. O Paradigma Pessoal nas Redes de Conexes

    Quando eu me transformo,O mundo se transforma ao meu redor

    Brahma Kumaris.

    Movimentos e instituies que trabalham sobre os valores humanos nas organizaes enfatizam com propriedade uma questo: os grupos de poder representados pelas instituies s logram modificar seu paradigma de atuao organizacional se pessoas que neles atuam modificam seu pr-prio paradigma pessoal.

    Movimentos sociais planetrios marcaram o final do sculo XX, particularmente o ambientalista e o feminista, deram visibilidade a uma premissa bsica: as mudanas externas s podem ser possveis a partir das mudanas internas (the personal is political), uma vez que a sociedade constituda por homens e mulheres que criam e recriam a vida a partir de seus princpios e valores. Neste contexto surgiram diversas correntes re-lacionadas entre si: espiritualidade verde, ecologia interior, ecologia profunda e outras com denominaes diversas, todas elas apontando na mesma direo. A reflexo de Felix Guatarri sobre As Trs Ecologias ou a de Leonardo Boff sobre As Quatro Ecologias so exemplos da ne-cessria incluso da transformao pessoal como condio das mudanas globais que o planeta est exigindo.

    A vida necessita do movimento de dentro pra fora - do indivi-dual para o coletivo - at para entender e trazer o movimento de fora pra dentro - do coletivo para o individual, uma vez que o movimento de transformao pessoal nunca isolado. Cada ser humano o centro de uma rede de conexes atravs das quais tem uma gama de oportunidades para exercer a cidadania local e planetria. Ao nascer, j entramos numa rede de relaes familiares. Crescemos aumentando nossos elos de relaes com outras redes de conexes na escola, nos locais de trabalho, nas igrejas, nas associaes, em clubes, partidos polticos, etc. E em cada nova roda de relaes que entramos nos tornamos novamente o centro de uma rede de conexes que podemos usar para a qualidade do ambiente e de vida.

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    Alm de multiplicar o movimento de dentro pra fora, estas redes de conexes, podem contribuir para trazer ao cotidiano de nosso compro-misso com a qualidade do ambiente e de vida, muitas outras pessoas e ins-tituies com as quais estamos em contato, algumas delas desde nossa en-trada para atuar no palco da vida em Gaia. O poema que segue, de autoria de Robert Mller, um dos idealizadores das Naes Unidas e fundadores da Universidade da Paz bem significativo em relao a este tema:

    Participe de Redes de Conexes

    Use cada palavra que escrever, cada conversa que mantiver, Cada encontro de que participar Para expressar suas crenas bsicas e seus sonhos,

    Para afirmar aos outros a viso de mundo que voc almeja.

    Conecte-se atravs do pensamento. Conecte-se atravs da ao.Conecte-se atravs do amor. Conecte-se atravs do esprito.Voc o centro de uma rede de conexes. Voc o centro do mundo.

    Voc uma fonte livre e imensamente poderosa de vida e de bondade. Afirme-a. Expanda-a. Irradie-a. Pense nela noite e dia...

    E um milagre acontecer: a grandeza da sua prpria vida.Num mundo de grandes poderes, grandes mdias e grandes monoplios,

    Com mais de (cinco) seis bilhes de pessoas,

    Participar de redes de conexes a nossa liberdade,

    A nova democracia, uma nova forma de felicidade.

    3. Atores Sociais e Redes de Conexes como Temas de Formao

    Quando um Coletivo Educador compem seu Cardpio de Apren-dizagem torna-se imprescindvel incluir estes dois temas que perpassam todos os demais relativos realidade ecolgica de sua regio. A ttulo de exemplo, lembramos um Programa de Formao de Educadores e Educa-doras Ambientais/ProFEA, concebido a partir de dois universos eco-sist-micos: Bacia do Paran III e entorno do Parque Nacional do Iguau.

    Em ambos os casos, abordar o tema dos Atores Sociais que interfe-rem na qualidade do ambiente e de vida significou apreender a importncia de verificar, em qualquer iniciativa-programa-projeto-poltica pblica quem quem neste pedao do planeta em que vivemos, marcado pela

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    interveno das sociedades que nele vivem e/ou com ele convivem por razes bio-regionais e histricas especiais.

    A Bacia do Paran III, por exemplo: desde as nascentes dos rios que se agrupam para form-la, s pode ser pensada levando em considerao, ambas as margens do Rio Paran uma no Brasil, outra no Paraguai - e sua conexo com os demais rios que a ele se interligam ao longo do percurso. O Planejamento territorial e ambiental leva e traz implcita a necessidade de uma viso sistmica desta Bacia que remete, inclusive, aos necess-rios Dilogos da Bacia do Prata reunindo comunidades de cinco pases: Brasil, Paraguai, Bolvia, Argentina e Uruguai, onde a Bacia do Paran III encontra as demais que compem a Bacia.

    Por sua vez, o Parque Nacional do Iguau, o outro eixo bio-regional do ProFEA na regio, alm de constituir-se num ecossistema que extrapola as fronteiras criadas entre Brasil e Argentina, tem uma varivel importante em relao ao tema que nos interessa: por suas caractersticas particulares, foi declarado Patrimnio Natural da Humanidade pela UNESCO, que lhe d um status particular a ser constantemente lembrado nas polticas, es-tratgias, iniciativas e programas que ali se estabelecem, lembrando sem-pre que o que ocorre no Parque reflete-se nas populaes que vivem em seu entorno e vice-versa.

    Assim, no contexto dos processos educativos sobre a realidade eco-lgica da regio e a legislao em vigor que nela interfere, o tema dos Atores Sociais que interferem na qualidade do ambiente e de vida no Par-que Nacional do Iguau e seu entorno e na Bacia de Paran III permeiam necessariamente todas as reflexes que marcam as paradas mensais do Coletivo Educador na trilha traada para o Programa de Formao de Educadores e Educadoras na regio. Cada vez que nosso olhar se debrua sobre algum aspecto da realidade ecolgica da regio, naturalmente ele se volta para visualizar: de quem depende a denncia dos problemas encon-trados? De quem depende a soluo das questes diagnosticadas? De quem depende o anncio e a divulgao de solues encontradas que merecem ser partilhadas e multiplicadas nos nveis local, estadual, nacional e, inclu-sive, internacional?

    Esta forma de trabalhar convoca a todos e todas para a aprendiza-gem do dilogo na perspectiva do encontro de saberes acadmicos ou no e para a necessria criao de sinergia de interesses, sem a qual os Atores Sociais no podem lograr uma efetiva conectividade com a realidade eco-lgica da regio.

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    Concluso

    Todo e qualquer envolvimento de educadores e educadoras ambien-tais traz tona o tema das Redes de Conexes e dos Atores Sociais que interferem na qualidade do ambiente e de vida, independentemente do eixo escolhido para a aprendizagem e ao. Pode ser alguma questo especfica como: a poluio sonora ou dos mares, o cncer de pele provocado pela camada de oznio ou o envenenamento do leite materno ocasionado pela ingesto de agrotxicos. Pode ser um universo especfico como uma bacia hidrogrfica, uma unidade de conservao ou um oleoduto que atravessa diversos municpios.

    Em todos os casos, a educao ambiental para a sustentabilidade s adquire seu pleno significado quando atinge os diferentes Atores Sociais que interferem na qualidade do ambiente e de vida: pensadores, pesquisa-dores, estrategistas, planejadores, fiscalizadores, legisladores, empresrios, lideranas, formadores de opinio, educadores e educadoras ambientais. Todos so convidados a constituir-se em comunidades de aprendizagem e de dilogo para encontro de saberes e fazeres na perspectiva da formao para a cultura da tica do cuidado.

    Depende de ns, diz o msico-poeta. Mas no somente de ns, educadoras e educadores ambientais depende se este mundo ainda tem jeito e, apesar do que o homem tem feito, se a vida sobreviver. Depende de todos ns, indivduos e Atores Sociais que interferimos na Comunidade de Vida, interiorizar que somos todos aprendizes como lembra o Tratado de Educao Ambiental e criar sinergia de interesses para aprender a sa-ber cuidar de ns mesmos e de todos os seres com os quais partilhamos nossa passagem por Gaia, nossa Me Terra.

    Sugesto de Oficinas

    Um problema a ser resolvido, uma ao pr-positiva a ser divulgada, um projeto a ser implementado podem ser temas de oficinas sobre Atores Sociais e Redes de Conexes como sugerem os exemplos abaixo:

    l. Atores Sociais: O grupo pode aprender a trabalhar na construo do Mapa dos Atores Sociais que interferem na qualidade do ambiente e de vida denominando quem quem em sua interferncia em relao ao assunto trabalhado: rgos pblicos, organizaes da sociedade civil, rede de ensino e comunidade cientfica, empresas, meios de comunicao. A seguir, com o Mapa dos Atores Sociais, pode-se construir o Mapa da Mina, identificando papis, atribuies e funes de todos os envol-

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    vidos no processo, definindo tambm as interfaces a serem estabelecidas entre os mesmos. Como parte deste processo, importante identificar as questes especficas que estes mapas colocam para a Educao Ambiental como Formao dos Atores Sociais para a Gesto Ambiental e a tica do Cuidado.

    2. Redes de Conexes. O poema Participe de Redes de Conexes pode dar margem a diferentes oficinas. Uma delas consiste em pedir a cada participante que anote os nomes das diversas redes de conexes s quais est ligado/a: famlia, escola, trabalho, sindicato, igreja, clube de servio, associao comunitria, outros. Em cada uma destas redes so anota-dos os nomes de pessoas especiais, os elos a partir dos quais pode atuar como ser humano-cidad/o e promover um efeito multiplicador de rede-dizao. Algumas questes complementares podem ento ser colocadas quando se concluem as primeiras anotaes: o que eu posso fazer sobre este assunto com minhas diversas redes de conexes, transcendendo minha atuao profissional? Com quem eu conto, em minha rede pessoal de rela-es, para dar a conhecer os Princpios e Valores para um Futuro Sustent-vel expressos: na Carta da Terra, no Tratado de Educao Ambiental para Sociedades Sustentveis e Responsabilidade Global, as Metas do Milnio, a Agenda 21, como parte da divulgao dos valores da tica do cuidado? Como posso utilizar estas redes de conexes para fortalecer meu projeto pedaggico de educador/a ambiental?

    Atores Sociais e Redes de Conexes so tambm temas que do margem a aprofundamento de questes chave tais como: responsabilidade socioambiental, ecologia profunda, entre outros.

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    PEDRO JACOBI

    Pedro Jacobi Professor Titular da Faculdade de Educao e do Pro-grama de Ps- Graduao em Cincia Ambiental da Universidade de So Paulo (PROCAM-USP). Coordenador do Doutorado do PROCAM-USP. Coordenador conjunto do projeto Bacias Irms que articula a formao e capacitao de atores locais para atuar nos comits de bacias hidrogrficas em parceria USP/InstitutoEcoar/Universidade de York(Canad). Coorde-nador da equipe de pesquisa PROCAM no Projeto Negowat que aborda a negociao da gesto da terra e da gua em bacias peri-urbanas da Amrica Latina combinando modelagem multi-agente e jogo de papis. Coordena-dor de Projeto Alfa sobre Governana da Agua (2005-2008) integrado por universidades e centros de pesquisa do Brasil, Chile, Bolvia, Colombia, Frana, Inglaterra e Holanda. autor de Gesto compartilhada dos resdu-os slidos no Brasil inovao com incluso social (org.)