livro eav pdf

136
Organização Escolar

Upload: tiago-carturani

Post on 15-Oct-2015

86 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • Organizao Escolar

  • Organizao Escolar

    Terezinha Maria Cardoso

    Florianpolis, 2008.

  • Copyright 2008 Universidade Federal de Santa Catarina. Biologia/EaD/UFSCNenhuma parte deste material poder ser reproduzida, transmitida e gravada sem a prvia autorizao, por escrito, da Universidade Federal de Santa Catarina.

    Catalogao na fonte elaborada na DECTI da Biblioteca da UFSC

    C268oCardoso, Terezinha Maria.Organizao escolar / Terezinha Maria Cardoso. Florianpolis : BIOLOGIA/EAD/UFSC, 2008. 136p. ISBN 978-85-61485-08-51.Educao 2.Organizao Escolar. I.Ttulo.

    CDU 371.2

    Coordenao Pedaggica LANTEC/CEDCoordenao de Ambiente Virtual Alice Cybis Pereira

    Projeto Grfico Material impresso e on-lineCoordenao Prof. Haenz Gutierrez QuintanaEquipe Henrique Eduardo Carneiro da Cunha, Juliana

    Chuan Lu, Las Barbosa, Ricardo Goulart Tredezini Straioto

    Equipe de Desenvolvimento de Materiais

    Laboratrio de Novas Tecnologias - LANTEC/CEDCoordenao Geral Andrea LapaCoordenao Pedaggica Roseli Zen Cerny

    Material Impresso e HipermdiaCoordenao Thiago Rocha OliveiraAdaptao do Projeto Grfico Laura Martins Rodrigues,

    Thiago Rocha OliveiraDiagramao Camila Pia JafeliceReviso gramatical Renato Basso

    Design InstrucionalCoordenao Isabella Benfica BarbosaDesign Instrucional Ana Paula Mller de Andrade,

    Juliana Machado

    Governo FederalPresidente da Repblica Luiz Incio Lula da SilvaMinistro de Educao Fernando HaddadSecretrio de Ensino a Distncia Carlos Eduardo

    BielschowkyCoordenador Nacional da Universidade Aberta do

    Brasil Celso Costa

    Universidade Federal de Santa CatarinaReitor Alvaro Toubes PrataVice-Reitor Carlos Alberto Justo da Silva

    Secretrio de Educao Distncia Ccero BarbosaPr-Reitora de Ensino de Graduao Yara Maria

    Rauh MullerDepartamento de Educao Distncia Araci Hack Catapan

    Pr-Reitora de Pesquisa e Extenso Dbora Peres Menezes

    Pr-Reitor de Ps-Graduao Jos Roberto OSheaPr-Reitor de Desenvolvimento Humano e Social Luiz

    Henrique Vieira da SilvaPr-Reitor de Infra-Estrutura Joo Batista FurtuosoPr-Reitor de Assuntos Estudantis Cludio Jos AmanteCentro de Cincias da Educao Carlos Alberto Marques

    Curso de Licenciatura em Cincias Biolgicas na Modalidade a DistnciaDiretora Unidade de Ensino Sonia Gonalves CarobrezCoordenador de Curso Maria Mrcia Imenes IshidaCoordenador de Tutoria Zenilda Laurita Bouzon

  • Sumrio

    Apresentao ....................................................................................... 7

    1. Cultura Escolar e Culturada Escola .............................................. 11

    Resumo ............................................................................................................................. 15

    2. Significaes Sociais da Escola .................................................... 17

    2.1 Viso Funcionalista da Escola ................................................................................ 19

    2.2 Viso Estruturalista ou Burocrtica da Escola .................................................... 20

    2.3 Viso Reprodutivista da Escola ............................................................................. 20

    2.4 A Escola como um Lugar de Resistncia ............................................................. 23

    2.5 A Escola como um Espao Sociocultural ........................................................... 24

    Resumo ............................................................................................................................. 26

    3. Dimenso da Instituio Escolar ................................................. 29

    3.1 A Escola no Brasil ...................................................................................................... 33

    3.2 LDBEN n 9.394/96 ................................................................................................... 37

    3.3 Aspectos Inovadores da Nova LDBEN ................................................................. 38

    Resumo ............................................................................................................................. 39

    4. O Lugar da Arquitetura na Cultura Escolar e na Cultura da Escola .................................................................. 43

    Resumo ............................................................................................................................. 49

    5. Dimenso do Contexto ................................................................. 51

    5.1 Entrelaamento entre Campo e Cidade .............................................................. 55

    5.2 As Diferenas tnicas e Raciais .............................................................................. 57

    5.3 As diferenas de Religio........................................................................................ 59

    Resumo .............................................................................................................................60

    6. Dimenso do Cotidiano ................................................................ 63

    6.1 Os Espaos/Tempos do Cotidiano Escolar .......................................................... 66

    6.2 Reunies de Planejamento .................................................................................... 67

  • 6.3 Reunies Pedaggicas ............................................................................................ 69

    6.4 Conselho de classe ................................................................................................... 70

    6.5 A Participao das Famlias: Reunies de Pais, Associao de Pais e

    Professores e Conselho de Escola ....................................................................... 71

    6.6 Grmio Estudantil .....................................................................................................74

    6.7 Festas, Comemoraes: Suspenso da Rotina nas Escolas ..............................74

    Resumo ............................................................................................................................. 75

    7. Os Sujeitos que Produzem o Cotidiano da Escola ..................... 77

    7.1 Os Educadores .......................................................................................................... 79

    7.2 Os Educandos ............................................................................................................ 86

    7.3 A Direo .................................................................................................................... 90

    7.4 A Equipe Pedaggica ............................................................................................... 91

    7.5 Equipe Tcnica e de Servios Gerais ..................................................................... 92

    7.6 Arranjos Familiares ................................................................................................... 93

    7.7 Os Sujeitos da Escola: um Grupo de Convivncia ............................................. 95

    Resumo .............................................................................................................................96

    8. O Currculo e a Avaliao:O Cotidiano em Ao ........................ 99

    8.1 O Currculo ............................................................................................................... 101

    8.2 A Avaliao ..............................................................................................................104

    Resumo ........................................................................................................................... 107

    9. Projeto Poltico-Pedaggico como Articulador da Organizao da Escola ......................................111

    9.1 O Projeto, o Poltico e o Pedaggico: uma Trade Indissocivel ....................115

    9.2 Enfoques indispensveis do ProjetoPoltico-Pedaggico .............................116

    9.3 A Organizao do Processo ...................................................................................118

    Resumo ........................................................................................................................... 120

    10. Gesto Democrtica da Escola ................................................123

    10.1 Gesto Democrtica da Escola e Participao ............................................... 126

    10.2 A Organizao da Escola Pedaggica e Administrativa ........................... 127

    10.3 A Organizao Didtico-Pedaggica .............................................................. 129

    Resumo ........................................................................................................................... 131

    Referncias ......................................................................................133

  • Apresentao

    Caros educadores em formao,

    A histria do magistrio no pode ser escrita separada dos processos culturais mais amplos, nem tampouco das idias e valores, ou mesmo, da herana hist-rica, cultural, social e poltica de um determinado grupo. uma histria que no pode ser dissociada dos interesses de classes, das foras econmicas e dos gover-nos que podem promover o avano ou o retardamento da consolidao dessa cultura. o que nos ensina Miguel Arroyo (2000, p. 190) para quem a histria do magistrio finca razes na trama dos processos sociais e culturais.

    Do mesmo modo, a memria sociocultural que guardamos da escola e da sua organizao traz referncias sobre a sua importncia na formao de um povo e na construo de uma nao. Referncias estas constitudas de concep-es e prticas pedaggicas, algumas das quais podemos nos orgulhar, e de ou-tras sobre as quais preferamos no lembrar, porque trazem consigo marcas de desqualificao dos sujeitos. So elas que tecem os sentidos e os significados que cada um de ns e a sociedade em geral atribumos existncia da escola.

    Esses modelos epistemolgicos tecem os sentidos e os significados que atri-bumos existncia da escola e que se fazem presentes na organizao escolar.

    Entendo que a educao, assim como a escola, so lugares sociais onde processos de morte e de expanso da vida se encontram, ainda que conflitu-osamente. Nesse sentido, no possvel falar de uma e de outra no singular, porque so prenhes da diversidade que constitui a vida em todas as suas ma-nifestaes e, portanto, so lugares de possibilidades mltiplas. A organizao que escola e educao encarnam constituda deste paradoxo.

    Neste livro, procurei trazer um olhar poltico-pedaggico que privilegia es-ses paradoxos. Por isso, parto de uma compreenso de escola que capaz de produzir cultura, tanto quanto se banhar da cultura produzida pela sociedade,

    Apresentao

  • uma escola com singularidades, com identidade. Feita de pessoas, sujeitos socioculturais e histricos, que trazem para o convvio cotidiano na escola suas experincias e vivncias, as boas e as ruins. Aquelas guiadas pela idia do sacrifcio, da rigidez, de dios, medos, pela tica individualista que v o ou-tro com competidor e inimigo. Ou aquelas nas quais as relaes so guiadas pela tica do cuidado, pelo prazer do fazer junto, pela alegria do encontro, pela liberdade da troca e da criao, pelo tempo da escuta sensvel.

    Acredito em uma organizao escolar que adota a tica do cuidado como princpio fundante para o seu projeto poltico-pedaggico. Uma organizao democrtica que traa seu currculo com base no reconhecimento do outro como legtimo nos seus diferentes ciclos de aprendizagem. Uma organizao da escola que se d atravs de prticas que afirmem as identidades de todos os sujeitos, que forje espaos/tempos para os encontros e sentimentos pro-fundos de pertencimento que podem despertar nas pessoas o SER na presen-a do outro, o reconhecer o outro como um SI mesmo, referenciados no direito vida em sua mais ampla acepo.

    essa compreenso de educao, de escola e de organizao escolar que quero compartilhar, de forma crtica e criativa, com vocs. Acredito que suas experincias e memrias escolares possam se somar s reflexes que fui ca-paz de elaborar, como educadora e como pesquisadora responsvel pela criao artesanal desse livro-texto.

    Recebam o meu abrao afetivo,

    Tmaria, como chamada pelos amigos.

    Florianpolis, primavera de 2007.

  • ca

    pt

    ulo

    1

    Ver muito complicado. Isso estranho por que os olhos, de todos os orgos dos sentidos, so de mais fcil compreenso cientfica.A sua fsica idntica fsica ptica de uma mquina fotogrfica: o objeto do lado de fora aparece refletido no lado de dentro. Mas existe algo na viso que no pertence fsica.

  • ca

    pt

    ulo

    1

    Cultura Escolar e Cultura da Escola

    Neste captulo introdutrio da disciplina, temos como ob-jetivo apresentar os conceitos de Cultura Escolar e Cultura da Escola. Veremos que a Cultura Escolar precede o estabele-cimento de ensino e a Cultura da Escola tecida cotidiana-mente, em razo das interaes sociais e afetivas que ocor-rem no seu interior.

  • 13Cultura Escolar e Cultura da Escola

    1. Cultura Escolar e Cultura da Escola

    Aparentemente, todas as escolas se parecem. Ao passarmos, por exemplo, diante de um prdio da rede pblica de ensino, mesmo que nada o indique, temos a certeza de que ali funciona uma esco-la. muito raro no reconhecermos um prdio escolar. Mas ser que todas as escolas so iguais?

    Pare e reflita. Procure lembrar das escolas nas quais voc j vi-venciou a experincia de estudante e/ou de professor(a). Troque in-formaes com seus colegas de trabalho ou de grupo de estudo. O que as escolas tm em comum? No que elas se diferenciam? Anote as semelhanas e diferenas e discuta com seus colegas.

    Se a concluso a qual voc chegou foi a de que todas as esco-las pelas quais voc passou se parecem, tm mais elementos que as assemelham do que as diferenciam, sua concluso est correta. A esse movimento de similitude denominamos Cultura Escolar. A Cultura Escolar est to arraigada na compreenso que todos temos de Escola e da finalidade da educao escolar, que temos imensa dificuldade em propor, aceitar e materializar aes que tra-gam mudanas significativas para esta Instituio.

    Entretanto, se a sua concluso foi a de que as escolas, apesar de se parecerem, possuem elementos que as diferenciam entre si, tambm est correta. Os estabelecimentos de ensino possuem identidade prpria, o que os torna singulares. A esse movimento de diferenciao denominamos Cultura da Escola.

    Jean-Claude Forquin, pesquisador francs, define

    cultura escolar como o conjunto dos contedos

    cognitivos e simblicos que, selecionados, organizados,

    normalizados, rotinizados, sob o efeito dos imperativos de didatizao, constituem habitualmente o objeto de

    uma transmisso deliberada no contexto das escolas

    (FORQUIN, 1993, p. 167).

  • 14 Organizao Escolar

    A Cultura da Escola compreende o cotidiano do estabelecimen-to de ensino, a multiplicidade de sentidos do qual ele produto e produtor, resultado do amlgama de trs dimenses, quais sejam: a dimenso da cultura escolar e das polticas de gesto da educa-o; a dimenso da cultura local do lugar em que est situado o es-tabelecimento de ensino; e a dimenso da subjetividade dos atores (histrica, social e culturalmente situados).

    De modo indissocivel, esto:

    A cultura escolar composta pelas diferentes significaes e finalidades que ao longo da histria foram atribudas esco-larizao e pelas polticas pblicas para a educao nacional (Lei de Diretrizes e Bases para a Educao Nacional LDBEN, Parmetros Curriculares Nacionais PCNs), estadual e muni-cipal, onde esto contemplados os documentos orientadores das aes administrativas e pedaggicas da escola, como por exemplo: os documentos do Ministrio da Educao e Cultura (MEC) para os Centros Federais de Educao Tecnolgica, as Propostas Curriculares e as Diretrizes produzidas pelas Secre-tarias de Educao dos Estados (para as escolas pblicas esta-duais) e dos Municpios (para as escolas pblicas municipais), alm das diferentes Diretrizes produzidas pelas Instituies Privadas, que administram redes de escolas.

    O contexto histrico, social, econmico e cultural onde o esta- belecimento de ensino est situado: seja no campo ou na cidade, na metrpole ou no municpio pequeno, no centro ou na perife-ria; a origem racial, tnica e religiosa das famlias da localidade.

    Os sujeitos que fazem o cotidiano da escola: educadores, alu- nos, familiares, gesto pedaggica e administrativa, funcion-rios tcnico-administrativos (secretria, reprografia, bibliote-cria etc.) e de servios gerais (merendeiras, faxineiras, vigias etc.). So eles que trazem para o interior do estabelecimento de ensino os significados (conflitos, disputas, embates, alianas) por eles tecidos a partir de suas histrias individuais e/ou cole-tivas e que do vida cultura da escola.

    Nesse sentido, a cultura da escola expressa caractersticas uni-versais, reveladas nos imperativos da cultura escolar, que fazem

  • 15Cultura Escolar e Cultura da Escola

    com que a escola seja reconhecida como tal em qualquer lugar do mundo. Expressa tambm caractersticas referentes aos valores atribudos escola pela sociedade, em cujo contexto est inserida e, do mesmo modo, quelas trazidas pela subjetividade dos atores que nela se juntam. Portanto, no est dada a priori, mas se cons-tri em virtude da trama de interaes que acontece no seu inte-rior, no entrelaamento dessas trs dimenses. A cultura da escola expressa a singularidade do estabelecimento de ensino.

    Podemos tecer uma primeira compreenso da organizao esco-lar: nela encontramos permanncias, advindas da histria da insti-tuio escolar, e transitoriedades referentes diversidade dos sujei-tos (educadores, educandos, famlias) que tecem o cotidiano escolar e o contexto em que o estabelecimento de ensino se localiza.

    Resumo

    Neste captulo, trouxemos a diferenciao entre Cultura Escolar e Cultura da Escola. A primeira diz respeito ao que se construiu em termos de concepes tericas e polticas sobre a Instituio Escolar, as quais fazem parte do imaginrio coletivo que temos com relao configurao de seu contedo curricular e arquitetnico. As esco-las se assemelham no que diz respeito cultura escolar.

    A Cultura da Escola, por sua vez, se relaciona s singularidades que expressam identidades diferenciadas a cada estabelecimento de ensino. produzida no entrelaamento de mltiplos fatores, entre eles a dimenso da cultura escolar. Tambm de fatores re-lacionados dimenso do contexto histrico, geogrfico, social e cultural da populao de seu entorno, alm daqueles relacionados s subjetividades dos atores que dela fazem parte.

    Enquanto a Cultura Escolar um a priori, isto , precede este ou aquele estabelecimento de ensino, a Cultura da Escola tecida co-tidianamente, em virtude da trama das interaes sociais e afetivas que acontecem no seu interior, no entrelaamento das trs dimen-ses citadas: das concepes tericas e polticas sobre a Instituio Escolar; do contexto geogrfico, histrico, social e cultural; e das subjetividades dos atores.

    tecido por um conjunto de manifestaes culturais que so apropriados pelos

    indivduos no processo mesmo de suas relaes sociais; essas manifestaes se configuram como valores, prticas, dados

    de realidade socialmente aceitos e incorporados como referncias para o pensar e o

    agir das pessoas

  • ca

    pt

    ulo

    2

    O conhecimento est a servio da necessidade de viver. E principalmente, a servio do instinto de conservao pessoal. E essa necessidade e esse instinto criaro, no homem, rgos de conhecimento, dando-lhe o alcance que possuem. O homem v, apalpa, saboreia e cheira aquilo que precisa ver, ouvir, apalpar, saborear e cheirar para conservar a sua vida.

  • ca

    pt

    ulo

    2

    Significaes Sociais da EscolaNeste captulo, objetivamos identificar as matrizes teri-

    cas das principais concepes construdas sobre a funo da escola e refletir sobre as permanncias dessas concepes na Organizao Escolar.

  • 19Significaes Sociais da Escola

    2. Significaes Sociais da Escola

    Este captulo tambm dedicado ao que denominamos de Cul-tura Escolar. Nele estudaremos as diferentes perspectivas que foram sendo construdas sobre as finalidades da escolarizao. Veremos distintas concepes, desde as mais tradicionais, que entendem a es-cola como uma instituio autnoma, sem qualquer determinao social, at quelas que atribuem escola uma esfera de autonomia relativa, em que as resistncias so possveis. Estas formam a com-preenso que temos sobre o porqu e o para qu da educao esco-lar, as quais, no cotidiano da sua organizao, entram em conflito e impem limites ao seu projeto poltico e pedaggico Nos autores clssicos da Sociologia, isto , nos fundadores desta rea do conhe-cimento Durkheim, Weber e Marx encontramos as matrizes te-ricas das diferentes formas de compreender e organizar a escola.

    2.1 Viso Funcionalista da Escola

    A teoria de Durkheim est na base da viso funcionalista da escola. Para essa perspectiva, a sociedade e a escola se assemelham a um organismo vivo. Tal como o corpo humano, composto de rgos que desempenham funes necessrias ao seu equilbrio, a escola tambm tem seus rgos que desempenham diferentes funes, cujo cumprimento imprescindvel para o seu funciona-mento. Os regimentos escolares so bons exemplos dessa forma de conceber a escola. Neles encontramos as funes de aluno, de professor, de diretor, de especialista (supervisor escolar, orienta-

    Para maiores informaes sobre a biografia desses importantes socilogos

    clssicos, consulte o site: www.netsaber.com.br/

    biografias

  • 20 Organizao Escolar

    dor educacional etc.), de secretrio etc. Para cada uma destas fun-es se encontra descrito os direitos e os deveres, isto , qual o papel a ser desempenhado. O correto desempenho dessas funes, ou seja, o cumprimento por cada indivduo com seus direitos e deveres fundamental para o funcionamento da escola, para que ela possa cumprir com sua funo de integrar os indivduos/estu-dantes sociedade.

    2.2 Viso Estruturalista ou Burocrtica da Escola

    Para Weber, burocracia sinnimo de organizao. A burocra-cia tem como caractersticas os seguintes aspectos: o formalismo nas comunicaes; a existncia de normas e regulamentos escritos; a impessoalidade nas relaes; o recrutamento de quadros, baseado no mrito e na competncia tcnica, e no em preferncias pessoais e polticas; a profissionalizao do funcionrio medida que a bu-rocracia exige que ele seja um especialista e assalariado; a separao entre a propriedade e a administrao, isto , os administradores da burocracia no so seus donos; o planejamento numa previso do funcionamento. Contudo, o que melhor define essa perspectiva de organizao a presena de uma estrutura hierrquica de autori-dade e de uma diviso horizontal e vertical do trabalho que atende a uma racionalidade e busca a eficincia na organizao.

    Nessa perspectiva, o regimento escolar o melhor exemplo, pois nele se encontra uma diviso metdica do trabalho, traduzida em papis bem definidos, cujo desempenho se d de acordo com uma descrio precisa de direitos e deveres, que , entretanto, es-tabelecida e modificada pelos ocupantes dos nveis mais altos do prprio grupo (diretores, especialistas e professores). No regimen-to se encontra a estrutura e o funcionamento da escola. Portanto, no que se refere compreenso da organizao da escola, as vises funcionalista e estruturalista se complementam.

    2.3 Viso Reprodutivista da Escola

    Tambm chamada de crtico-reprodutivista, essa perspectiva de olhar para a educao escolar recebeu essa denominao por fazer crtica s teorias conservadoras (funcionalista e estruturalista) e

    Motta, no livro O que Burocracia, define burocracia como uma estrutura social na qual a direo das atividades coletivas fica a cargo de um aparelho impessoal hierarquicamente organizado, que deve agir segundo critrios impessoais e mtodos racionais (MOTTA, 1988, p. 7)

    No topo o diretor, na base os alunos e entre eles, os especialistas, os professores e os demais funcionrios

  • 21Significaes Sociais da Escola

    afirmar, com base na teoria marxista, que a escola tem um papel fundamental reproduo da ideologia burguesa, desmistificando a imagem da educao como um fator determinante de equaliza-o e de mobilidade social. No interior dessa perspectiva de olhar para a escola, encontramos duas vertentes: aquelas que vem na escola a funo de reproduo social e aquelas que vem na escola a funo de reproduo cultural.

    Representando a abordagem da reproduo social, os franceses Baudelot & Establet, no livro La Escuela Capitalista (1986), ar-gumentam que a escola nica, apregoada pelo Sistema de Ensino Francs, no existe. Em seu lugar apresentam a escola dividida em duas redes: a rede SS (Secundrio Superior), que possibilita aos es-tudantes o prosseguimento dos estudos em nvel superior, e a rede PP (Primrio Profissional), que profissionaliza os estudantes no lhes dando chance de prosseguimento dos estudos.

    A diviso em redes diferentes percorre o mesmo caminho da di-viso de classes antagnicas na sociedade capitalista. Desse modo, rede SS vo os filhos da burguesia e rede PP, os filhos das classes populares. Os estadunidenses Bowles & Gintis so tambm im-portantes autores dessa perspectiva. Na obra Schooling in Capita-list Amrica (1976) argumentam haver correspondncia entre as relaes sociais que administram a interao entre os indivduos no local de trabalho e as relaes sociais do sistema educativo. H, segundo estes autores, uma estreita correspondncia entre a estru-tura organizacional da escola e a estrutura de empregos: o papel reprodutor da instituio escolar se efetiva na medida em que de-senvolve nos seus alunos traos de personalidade compatveis com as caractersticas e necessidade da empresa capitalista.

    Para essa perspectiva, a sala de aula o lugar onde as prticas escolares se concretizam e a reproduo da diviso de classes se desenvolve. O professor cumpre a funo de supervisionar e mol-dar os comportamentos no cognitivos dos educandos. Faz isto medida que exerce sobre o aluno autoridade disciplinar, sob a for-ma de sanes e recompensas, valendo-se muitas vezes do recurso da avaliao e das notas.

    As teorias da reproduo cultural afirmam a funo reprodutora da educao escolar sem, no entanto, traar uma correspondn-

  • 22 Organizao Escolar

    cia entre a esfera econmica e a esfera da educao. O elemento distintivo dessa perspectiva, que tem como principal represen-tante o autor francs Pierre Bourdieu, se encontra no fato de a educao e, portanto, a escola, possuir seus prprios princpios de organizao.

    Em conjunto com Passeron, Bourdieu analisa o sistema de en-sino francs na obra A Reproduo: elementos para uma teoria do sistema de ensino (1982). Nesse livro, os autores afirmam que a manuteno e a reproduo da ordem social so garantidas pela instituio escolar por intermdio dos mecanismos de violncia simblica que exerce sobre os estudantes, medida que impe a cultura dominante, isto , as significaes e os conceitos conside-rados como legtimos pela burguesia.

    A violncia simblica exercida pela Ao Pedaggica exerci-da pela instituio escolar, a qual reproduz e impe a cultura domi-nante. A Ao Pedaggica se efetiva ao longo do tempo por meio do Trabalho Pedaggico realizado durante toda a escolarizao, e por isso mesmo capaz de produzir um habitus que se perpetua nas prticas, mesmo depois de cessada a Ao Pedaggica. Nesse sentido, o trabalho pedaggico substitui a represso e a coero exterior, dissimulando a lgica das realidades profundas do poder, tanto no que diz respeito aos grupos sociais dominantes como aos subordinados.

    Para Bourdieu, a teoria da violncia simblica no foi cons-truda para favorecer e/ou criticar nenhuma forma particular de pedagogia (tradicional, diretiva, no-diretiva etc.), uma vez que ela inerente essncia da natureza da comunicao pedaggica. O que caracteriza a abordagem de Bourdieu o fato de que, ao contrrio das teorias da reproduo social e da correspondncia econmica, seu principal objeto de anlise so as conseqncias reprodutivas dos sistemas educativos para as estratgias dos atores sociais e no para o sistema econmico enquanto tal. Bourdieu parte da premissa de que a escolarizao tem uma importncia real para a obteno de empregos, mas mais pelo habitus ou pelas qualidades de legitimidade que inculca do que pelas competncias tcnicas adquiridas.

    HabitusForma de ver, estar e agir no mundo, fortemente interiorizada nos indivduos e, portanto, difcil de ser modificada. Em outras palavras, uma estrutura estruturante do agir e do pensar dos sujeitos.

  • 23Significaes Sociais da Escola

    Analisando o raciocnio dos autores da teoria crtico-reprodu-tivista, podemos perceber que eles tm razo quando afirmam e criticam o papel que a escola exerce de reprodutora das relaes sociais dominantes na sociedade. Ora, o funcionalismo e o estru-turalismo eram, at esse momento, as formas dominantes de se ver a escola. E, de acordo com seus princpios, a escola deveria se organizar de modo a exercer o papel de integrar o estudante sociedade, de modo que ele se ajustasse forma como a sociedade estava organizada. Contudo, ser que as pessoas que habitam a escola no resistem, no se rebelam? Ser que a Ao Pedaggi-ca exercida sem resistncia por parte dos alunos e mesmo dos professores?

    2.4 A Escola como um Lugar de Resistncia

    Uma outra maneira de pensar a escola v nela um lugar de luta e de resistncia s formas dominantes de organizar a sociedade. As chamadas pedagogias crtica e da resistncia so parte de um conjunto de crticas construdas em torno, principalmente, das teorias da reproduo social. Os estadunidenses Henry Giroux e Michel Apple so os principais representantes dessa perspectiva de anlise da escola. Como tericos crticos, preocupam-se com a centralizao da poltica e do poder na anlise do funcionamento das escolas.

    A inteno desses autores a de conjugar, no domnio da edu-cao, a teoria da reproduo cultural com uma anlise da resis-tncia e dos movimentos sociais, capaz de apreender a diversidade das potenciais fontes de ao transformadora da educao escolar. Vem a Escola como uma instituio inserida na sociedade capi-talista e que, como tal, contm em seu interior as mesmas deter-minaes e contradies encontradas na sociedade e em suas ins-tituies. Assim, no interior da escola se encontram tanto formas de reproduo como tambm formas de resistncia s relaes so-ciais do modo de produo capitalista. Centram sua ateno nos processos histricos e culturais pelos quais os sujeitos do processo educacional produzem significados sobre a escola, observando ne-les elementos de luta (negao, recusa, reflexividade) e de acomo-dao frente a determinaes de classe, gnero e raa.

    O esforo de Giroux encontra-se nos livros: Teoria crtica e resistncia em educao, Vozes, 1986; Escola crtica e poltica cultural, Cortez,

    1987; e Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crtica da

    aprendizagem, Artes Mdicas, 1997. As idias de Apple encontram-se nos livros:

    Educao e poder, Artes Mdicas, 1989; e Trabalho docente e textos: economia

    poltica das relaes de classe e de gnero em educao,

    Artes Mdicas, 1995.

  • 24 Organizao Escolar

    2.5 A Escola como um Espao Sociocultural

    A escola constitui um filtro que modela as mudanas que vm do exterior, bloqueando-as ou dinamizando-as. Na organizao desenvolvem-se padres de relao, cultivam-se modos de ao e produz-se uma cultura prpria em funo da qual os indivduos definem o seu mundo, elaboram juzos e interpretam as inovaes (...) De pouco serviro os esforos isolados dos indivduos para mudar as suas prticas, se se realizarem margem da dinmica prpria da escola. (GONZLES apud NVOA, 1992, p. 41)

    Leia a citao acima e reflita sobre ela. O que ela traz de diferente das concepes de escola anteriormente apresentadas?

    Em primeiro lugar, diferentemente das concepes funcionalis-ta, estruturalista e reprodutivista, essa concepo atribui escola uma esfera de autonomia que lhe possibilita filtrar as determina-es exteriores. Em segundo lugar, atribui-lhe a condio de pro-dutora de cultura, ou seja, possibilita compreender a escola como um mundo social com ritmos e ritos, linguagens, imaginrios, modos de regulao ou de transgresso, que lhes so singulares; um sistema prprio de produo e de gesto de smbolos. E por l-timo, nos diz que qualquer mudana de prtica s ser possvel se estas estiverem em consonncia com as dinmicas construdas pe-los sujeitos (adultos, jovens, crianas, homens, mulheres, negros, brancos) no interior de cada escola. Enfim, a escola concebida como um espao sociocultural.

    Ainda que estejam integradas, fazendo parte de um contexto cultural mais amplo, as escolas produzem uma cultura interna que lhes prpria e que exprime os valores e as crenas que os membros da instituio partilham ou deixam de partilhar. Assim, conceber a escola como um espao sociocultural reconhecer os mltiplos sentidos presentes no cotidiano escolar, frutos das inte-raes que ocorrem entre os diferentes atores, cada um deles com interesses, experincias e maneiras diversas de olhar o mundo. Isso torna possvel compreender cada escola como uma instituio singular, que constri uma identidade prpria, o que possibilita seu reconhecimento como um espao cultural. Essa abordagem amplia a viso da organizao escolar, uma vez que leva em conta

  • 25Significaes Sociais da Escola

    os processos reais que ocorrem no seu interior, ao mesmo tempo em que resgata o papel ativo dos sujeitos na trama social cotidiana que a constitui.

    importante reafirmar que as escolas no esto descoladas de um contexto sociocultural maior, portanto essa identidade que cada estabelecimento de ensino constri para si, a qual denomina-mos por cultura da escola, constituda com base na combinao de mltiplas dimenses:

    dimenso da Instituio Escolara) : um conjunto de posies, normas e regras que tendem a unificar e delimitar a ao dos sujeitos. Essa dimenso compreende as polticas de gesto da educao, a histria da escola e do seu funcionamento;

    dimenso do cotidianob) : uma complexa trama de relaes so-ciais e afetivas levada a cabo pelos sujeitos que diariamente transitam e se relacionam, tecem alianas e conflitos, trans-gresses e acordos, sujeitos histricos e culturais, com capital cultural e social diversos, ocupando diferentes lugares no in-terior da escola (docentes, especialistas, diretor, alunos etc.) e que trazem essa diversidade para as relaes que estabelecem no cotidiano da escola;

    dimenso do contextoc) : a cultura local do lugar em que est situado o estabelecimento de ensino, isto , se a escola est lo-calizada no campo, na cidade, no centro, na periferia; se a pre-dominncia tnica e cultural da populao alem, italiana, aoriana, negra, cabocla, por exemplo, a teia de significados que constitui a cultura do lugar se junta s outras dimenses para constituir a identidade da escola;

    dimenso da arquiteturad) : o espao construdo no neutro, de um lado ele delimitado formalmente e expressa uma ex-pectativa de comportamento daqueles que o utilizam. De outro lado, os sujeitos no uso desses espaos do novos/outros senti-dos arquitetura, atribuindo-lhes estticas de acolhimento, de distanciamento, de vigilncia, de sociabilidade.

    Trataremos dessas dimenses nos prximos captulos, no ne-cessariamente nesta ordem.

  • 26 Organizao Escolar

    Resumo

    Este captulo tambm dedicado ao que denominamos de Cul-tura Escolar. Nele estudamos as diferentes perspectivas que foram sendo construdas sobre as finalidades da escolarizao. Essas perspectivas formam a compreenso que temos sobre o porqu e o para qu da educao escolar, os quais, no cotidiano da sua organizao, entram em conflito e impem limites ao seu projeto poltico e pedaggico.

    Vimos diferentes concepes, desde as mais tradicionais, que atrelam a escola a determinaes exteriores a ela, tais como a viso funcionalista, a estruturalista e a reprodutivista. Tambm vimos concepes de escola que lhe atribuem uma esfera de autonomia que filtra as determinaes exteriores. Nessa, temos as vises que a identificam como um lugar de resistncias e como um espao so-ciocultural. De modo provisrio, podemos afirmar que as primei-ras perspectivas no vem a possibilidade do estabelecimento de ensino ter uma identidade que o singularize, ou seja, contribuem para a viso de que escola igual em todo mundo.

  • ca

    pt

    ulo

    3

    ? !?=!?=!??!? !?!?!? !??!? ??

    A resposta certa, no importa nada: o essencial que as perguntas estejam certas.

    !???? ?

  • ca

    pt

    ulo

    3

    Dimenso da Instituio EscolarNeste captulo, vamos discutir aspectos relevantes da hist-

    ria da Instituio Escolar, ressaltando as dimenses que com-pem o que aqui denominamos por Cultura Escolar.

  • 31Dimenso da Instituio Escolar

    3. Dimenso da Instituio Escolar

    Os seres humanos, ao longo de sua histria, desenvolveram e produziram grandes civilizaes. Nesse processo foram confron-tados com a necessidade de consagrar um lugar e um tempo di-fuso da aprendizagem e da cultura. Com o surgimento das cida-des e da burguesia, nos sculos XI, XII e XIII, a idia da escola se fortaleceu, voltada aos interesses e necessidades dessa nova classe em ascenso.

    Michel Lobrot, no livro Para que Serve a Escola? (1992), iden-tifica a existncia de diferentes finalidades atribudas escola, con-forme os perodos histricos, como segue:

    No perodo que inicia nos sculos VII e VIII da Era Crist e 1. termina no fim do sculo XIV (Idade Mdia), a escola tinha como finalidade exclusiva a transmisso da doutrina crist: seus dogmas, os textos sagrados, os grandes padres e telogos.

    No perodo clssico, que inicia no sculo XV com a inveno 2. da imprensa e as grandes descobertas e se encerra no sculo XVIII, com a era das revolues, a finalidade religiosa no de-saparece, contudo sobreposta pela finalidade de socializao do indivduo. Se na Idade Mdia o fundamental era a salvao do homem no alm, na Idade Moderna o importante a sal-vao do homem na terra. Os valores que a sociedade coloca em evidncia so aqueles exaltados pelo protestantismo, tais

  • 32 Organizao Escolar

    como a civilidade, a decncia, a moderao, a honestidade, o trabalho, a adaptao social, a conformidade. nesse perodo que surge a escola no sentido em que a entendemos hoje, como um lugar de educao das crianas.

    O perodo tecnicista, que teve incio no sculo XVIII, deixou 3. influncias que ainda marcam a educao contempornea. Du-rante a sua vigncia, a escola se volta para a cincia e a tcnica, abandonando os desgnios humanistas dos perodos anterio-res, marcados pela transmisso da doutrina crist e pela so-cializao moral. A idia de que a escola tem como finalidade a disseminao de saberes tcnicos e cientficos est ligada concepo da sociedade como sendo uma grande mquina. O perfeito funcionamento dessa mquina exige que cada in-divduo ocupe seu lugar e trabalhe, o que implica em aptides e capacidades adquiridas na escola , entre elas a aprendi-zagem da leitura que constitui a base da alfabetizao. Desse modo, a escola assume um papel principal na socializao dos contedos cientficos e tcnicos e na incorporao dos valores da sociedade capitalista emergente.

    Antnio Nvoa (1991, p. 115), outro estudioso da escola, indica as seguintes diferenas essenciais entre as escolas da Idade Mdia e as escolas dos tempos modernos:

    a passagem de uma comunidade de mestres e alunos a um sis- tema de autoridade dos mestres sobre os alunos;

    a introduo de um regime disciplinar, baseado numa discipli- na constante e orgnica, muito diferente da violncia de uma autoridade mal respeitada;

    o abandono de uma concepo medieval indiferente idade dos alunos, em favor de uma organizao centrada sobre clas-ses de idades bem definidas;

    a instaurao de procedimentos hierrquicos de controle do tempo e da atividade dos alunos, de utilizao do espao etc.; a implantao de currculos escolares e de um sistema de pro-gresso dos estudos, em que o exame exerce um papel central.

  • 33Dimenso da Instituio Escolar

    importante destacar que as experincias histricas de cada um desses perodos no se esgotam na mudana dos sculos. Elas tm extenso nos perodos seguintes, se misturam com eles e se aperfeioam, permanecendo ainda hoje impregnadas no nosso imaginrio sobre as finalidades da escola.

    3.1 A Escola no Brasil

    O processo de universalizar a escolarizao da populao brasilei-ra muito recente. Enquanto na Europa a disseminao da idia da necessidade da escolarizao teve incio no sculo XVIII, no Brasil s ocorreu no incio no sculo XX, ganhando projeo com o processo de urbanizao e de desenvolvimento industrial, a partir dos anos 50.

    Tentativas de se legislar sobre a educao no territrio nacional, entretanto, j vinham sendo realizadas desde o perodo do Imprio. de 1827 a primeira Lei Nacional que objetivava regular a educa-o primria nos quesitos da gratuidade, do currculo e do salrio dos professores. Essa Lei durou oito anos. Com relao educao escolar primria, passaram-se cem anos at que uma Constituio Federal voltasse a mencionar a Educao Nacional, trazendo al-guns princpios a serem observados em todo o territrio.

    Carlos Roberto Jamil Cury, no livro Medo liberdade e com-promisso democrtico: LDB e Plano Nacional da Educao, de 1997, traz alguns elementos para que reflitamos sobre esse descompromisso atvico para com o Ensino Fundamental:

    No Brasil, a Educao comea de cima para baixo, diz o autor.

    Inicialmente para as elites, com o Ensino Superior. A educa- o bsica era dada por preceptores estrangeiros, professores para as primeiras letras, msica etc.

    A educao popular no era de interesse do Estado e s aconte- cia, praticamente, nas capitais e nos centros comerciais maiores.

    No havia industrializao e o comrcio era incipiente com a extrao do pau-brasil, minrios, cana-de-acar e caf.

    O trabalho escravo era o suporte da produo nacional.

    Descompromisso atvicoRefere-se s concepes e

    prticas inerentes educao escolar no Brasil, permeada

    por subjetividades e pela idia da escola como dever e

    no como direito das pessoas e dever do Estado.

  • 34 Organizao Escolar

    Nem mesmo durante a Repblica, apesar da esperana de maior democratizao, a sociedade brasileira viu garantida em lei a gratui-dade do ensino primrio. A educao era vista como uma virtude, um ato de esforo individual e no como dever do Estado. A esco-larizao somente se efetivava medida que a populao procurava e pressionava o Estado para oferec-la. Contudo, num pas de anal-fabetos, coronelista e escravocrata, a busca pela sobrevivncia vinha em primeiro lugar. No imaginrio da populao brasileira, estava a idia de que freqentar a escola vinha em segundo lugar.

    Somente no alvorecer do sculo XX que a organizao da edu-cao nacional surgiu como necessidade para o Estado brasilei-ro. A escolarizao da populao era condio indispensvel para a expanso industrial, quer do ponto de vista da qualificao da mo-de-obra, quer da formao de condutas necessrias ao conv-vio civilizado na cidade. Ao alargamento da escolarizao fez-se necessrio estruturar um sistema de educao nacional para le-gislar e organizar a expanso das redes de ensino nos Estados e Municpios da Federao.

    Assim, nos anos 30 do sculo passado, foi criado o MINIST-RIO DE EDUCAO E DE SADE PBLICA e inaugurado o Conselho Nacional de Educao. Nessa mesma poca, surgiu o Movimento da Escola Nova, que defendia a educao fundamental massiva da populao brasileira como fator importante para a for-mao de uma identidade nacional. Com a contribuio tambm desse Movimento, na constituio de 1934, a educao includa como direito do cidado, gratuita e obrigatria, sendo garantidos os recursos pblicos exclusivos para financi-la.

    O Golpe de 1937, conhecido como Estado Novo, no entanto, im-pediu a tramitao e discusso dessa lei no Congresso Nacional. A educao voltava a ser uma funo complementar do Estado e as ins-tituies privadas tiveram prioridade nos subsdios oriundos de re-cursos pblicos. Nesse contexto foram criadas as Leis Orgnicas que passaram a regular a Educao Nacional: Ensino Secundrio, Ensino Comercial, Ensino Agrcola, Ensino Normal e Ensino Primrio.

    Com o retorno incipiente democracia, em 1946, so retoma-dos os dispositivos de obrigatoriedade e gratuidade da educao nacional contemplados na Constituio de 1937 e no conside-

  • 35Dimenso da Instituio Escolar

    rados pelo Estado Novo. Legislar sobre a educao voltava a ser competncia privativa da Unio e, em 1961, depois de 15 anos de espera, o Brasil teve sua primeira Lei de Diretrizes e Bases da Edu-cao Nacional (LDBEN): Lei n. 4.024. Essa LDBEN deu nfase Educao Fundamental e a questes do acesso escolaridade.

    Passados apenas dezoito anos de vida democrtica, o pas en-frentava uma nova ditadura, instaurada pelo Golpe Militar de 1964. Um novo modelo de desenvolvimento econmico baseado na concentrao de renda implantado. A LDBEN n 4.024/61 reformulada e em seu lugar editam-se as Leis n. 5.540/68 e n. 5.692/71. A primeira reorganiza a estrutura e o funcionamento do ensino universitrio com as seguintes inovaes:

    a) o perodo letivo passa a regime semestral;

    b) acaba-se a ctedra e criam-se os departamentos para pulveri-zar a integrao entre as reas de conhecimento;

    c) terminam as turmas regulares que iniciavam e terminavam o curso juntas;

    d) inaugura-se a matrcula para todos, com garantia de vaga na disciplina e no horrio escolhidos para aqueles com melhor n-dice de aproveitamento;

    e) a universidade passa a ser organizada com base no trip: ensino/pesquisa/extenso.

    Com relao Lei n. 5692/71, ateno especial foi dada ao En-sino Mdio profissionalizante, compulsrio e obrigatrio, que ti-nha como objetivo formar mo-de-obra para a sociedade civil, a qual reagiu compulsoriedade e universalidade do 2o grau. Em 1982, esta legislao foi modificada pela Lei n. 7.044/82, que aca-bou com a obrigatoriedade do Ensino de 2 grau.

    O anseio pela democratizao da sociedade brasileira, tradu-zido nas aes desencadeadas pelo movimento estudantil, pelas associaes de professores, sindicatos e pelo movimento diretas j, favorece o retorno democracia. Com ela, busca-se uma nova constituio e novos ordenamentos para a educao escolar. Em 1988, uma nova Constituio confirma a educao como um di-reito social e mais, como um direito pblico subjetivo.

    ctedraPosto ocupado pelo professor

    titular da disciplina pessoa reconhecida pelos estratos dominantes da sociedade

    como de notrio saber.

  • 36 Organizao Escolar

    Como direito pblico subjetivo, qualquer cidado pode exigir do Estado o cumprimento imediato do oferecimento regular de Escola de Ensino Fundamental. Com relao ao Ensino Mdio, nvel de atuao do professor de Biologia, a Constituio afirma que ele deve ser gratuito em estabelecimentos pblicos de ensino, e progressivamente obrigatrio, com vistas universalizao do atendimento uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional elaborada: a Lei n. 9394/96.

    Como todo processo democrtico envolve mudanas, diver-gncia de idias, contradies, os projetos de LDBEN tiveram processos de tramitao longos, lentos e extremamente polmi-cos, como aconteceu com a Lei n. 4.024/61. A atual LDBEN, n. 9394/96, tambm teve um longo percurso, de oito anos, desde o seu incio at ser sancionada. Como nos ensina Carlos Roberto Jamil Cury (1997, p. 9):

    toda vez que um novo projeto de lei de Educao Nacional vier tona porque algo de muito significativo e problemtico est passando pelas foras sociais presentes em nossa sociedade. Por isso, ele, como sempre o foi, talvez no deixe de ser complexo e de difcil encaminhamento.

    Trazemos algumas questes, entre muitas outras, que so postas mesa, em tempos de democracia, quando se discute e se organiza um projeto de LDBEN. Dentre elas:

    1. A questo mais problemtica justamente o carter nacional e a complexidade advinda desse contexto. As mudanas pelas quais a sociedade brasileira passa tm implicado quase sem-pre em mudanas nas DIRETRIZES e BASES da EDUCAO NACIONAL.

    Art. 6: So direitos sociais a educao, a sade, o trabalho, o lazer, a segurana, a previdncia social, a proteo materni-dade e infncia, a assistncia aos desamparados, na forma des-ta Constituio. Art. 208: 1 O Acesso ao ensino obrigatrio e gratuito direito pblico subjetivo. 2 O no oferecimento do ensino obrigatrio pelo poder pblico, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente

    Diferente daqueles projetos feitos nos gabinetes do Executivo e impingidos sociedade pelas ditaduras, como foi o caso das Leis Orgnicas de 1937 e das LDBENs n. 5.540/64 e n. 5.692/71

    DIRETRIZES linha de orientao, norma de conduta = direo geral a seguir. BASES superfcie de apoio, fundamento = alicerce do edifcio. EN = Educao Nacional.

  • 37Dimenso da Instituio Escolar

    2. Uma LDBEN polmica tambm por ser obrigada a contem-plar na sua formulao aspectos relativos ao nosso modelo de colonizao, a experincia da escravatura e do extermnio qua-se absoluto da populao indgena. polmica, ainda, porque toca na nossa constituio como pas excludente e discrimina-trio, com relao aos negros, aos caboclos, aos indgenas, aos migrantes, ao povo do campo e s classes subalternas urbanas.

    3. As disputas entre as modalidades de ensino pblico e privado. Aqui se colocam questes relacionadas ao financiamento pbli-co da educao no pas: a luta da sociedade civil para manter as verbas pblicas para o ensino pblico como forma de garantir a qualidade das condies de trabalho e de aprendizagem nas escolas; s formas de interveno do Estado ao legislar sobre escolas privadas, entre outras.

    4. Em relao s diretrizes curriculares nacionais: orientao de uma base comum do que deve ser ensinado em todo o territ-rio nacional.

    5. As questes suscitadas com o ensino religioso. Um Estado Lei-go, moderno, deve abrir suas portas para o ensino religioso? Qual(is) ensino(s)? Problemtica que mexe com a diversidade cultural e religiosa do Brasil.

    3.2 LDBEN n 9.394/96

    Esta Lei, diferente das outras, nasce do Legislativo e no do Exe-cutivo. O Projeto inaugural foi um dos primeiros a dar entrada na Cmara e teve participao da sociedade civil com representa-tividade de diferentes organismos, entre associaes e entidades de classe. Para a formulao do texto, foram consultados especia-listas, administradores e pesquisadores. Foram vrias as questes que atravessaram sua tramitao e atrasaram sua aprovao. Entre elas a participao da sociedade civil organizada que disputou com o Congresso interesses e conflitos. Esses fatores contriburam para prolongar sua trajetria de discusso e aprovao, cuja tramitao durou cerca de oito anos.

    Uma outra questo diz respeito ao fato de o projeto no ter sido apoiado pelo executivo federal, pelos secretrios estaduais de edu-

  • 38 Organizao Escolar

    cao e pelos segmentos ligados ao setor privado. Os principais problemas levantados para essa falta de apoio se relacionavam s acusaes de corporativismo, de excesso de regulamentao, de querer invadir a autonomia dos estados e de no propiciar a incor-porao plena da jornada integral.

    Por outro lado, vrios parlamentares comprometidos com o pro-jeto no conseguiram se reeleger para dar continuidade s suas idias e alianas, o que trouxe dificuldades continuidade das discusses.

    3.3 Aspectos Inovadores da Nova LDBEN

    A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional trouxe algumas inovaes em relao s Leis que a precederam.

    O primeiro ponto inovador diz respeito mudana na estrutu-rao dos nveis de ensino, que passou de trs nveis (Ensino de 1 Grau; Ensino de 2 grau e Ensino Superior) para dois: Educa-o Bsica que compreende a Educao Infantil, o Ensino Fun-damental, o Ensino Mdio e o Ensino Superior. Com relao Educao Bsica, destacamos a incluso da Educao Infantil e a extenso progressiva da obrigatoriedade do Ensino Mdio, como uma significativa conquista para a plena escolarizao da socieda-de brasileira.

    Outro ponto se refere formao inicial e continuada dos pro-fessores, qual atribuda importncia fundamental para o pro-jeto de Educao Nacional. Roselane Campos (2002) indica que o projeto de profissionalizao dos professores, proposto pelo Esta-do, est assentado em trs estratgias: a) novas referncias para a atuao dos docentes da educao bsica, centralizadas no estabe-lecimento de ensino; b) formao nica para todos, construda a partir do referencial de competncias; c) deslocamento da forma-o de professores da universidade para outras instncias educa-cionais voltadas exclusivamente para este fim, como os Institutos Superiores de Educao.

    Essa inovao, entretanto, vem sofrendo crticas por parte dos pesquisadores da educao, que apontam como possveis conse-qncias: o aprofundamento da concepo tcnico-instrumental na formao, a diversificao e diferenciao das instituies de

    Etapa final da educao bsica, estabelece a preparao bsica para o trabalho, para a formao tica, a autonomia, a cidadania e a compreenso dos fundamentos cientfico-tecnolgicos dos processos produtivos... (art. 35). O ensino mdio propedutico a uma possvel profissionalizao no mbito da formao superior ou tcnica, com cursos ps-mdios. Esse estgio da formao, alm do carter propedutico, tem o objetivo da terminalidade, ou seja, de assegurar aos estudantes a concluso da Educao Bsica.

  • 39Dimenso da Instituio Escolar

    formao, a expanso e privatizao do ensino superior, o aligei-ramento da formao, entre outros aspectos.

    Alm dessas duas importantes inovaes propostas pela LDBEN, outras se agregam. Entre elas, citamos o acolhimento questo da diferena dos sujeitos, com dispositivos relacionados s comuni-dades indgenas, que apiam sua cultura e o bilingismo; incluso escolar, dando importncia educao de jovens e adultos, por exemplo; incluso dos indivduos com necessidades especiais na escola regular.

    Resumo

    Neste captulo, aprendemos um pouco da histria da Instituio Escolar, ou seja, vimos elementos que fazem parte do que deno-minamos Cultura Escolar. Os estudiosos da histria da educao identificam trs grandes perodos: o primeiro, em que a finalidade da escola se voltava exclusivamente transmisso do cristianismo e que perdurou pelo menos durante sete sculos; o segundo, deno-minado perodo clssico, em que a escola tinha como funo a so-cializao dos indivduos, e que perdurou do sculo XV ao sculo XVIII; e um terceiro perodo, que tem incio no sculo XVIII e que ainda hoje vigora, denominado perodo tecnicista. Nesse ltimo, d-se incio universalizao da escola e a finalidade da educao escolar se volta para a disseminao de saberes tcnicos e cientfi-cos. A escola que conhecemos hoje vem se construindo desse jeito h pelo menos 300 anos, desde o sculo XVIII.

    Comparada da Europa, a universalizao da escolarizao no Brasil tem, pelo menos, cem anos de atraso. A educao escolar da populao brasileira tornou-se necessidade somente nas dcadas iniciais do sculo XX, quando veio a representar condio indis-pensvel para a expanso industrial. Na constituio de 1934, a educao includa como direito do cidado, gratuita e obriga-tria, sendo garantidos recursos pblicos para financi-la. Nessa mesma dcada, criado o Ministrio de Educao e de Sade P-blica e inaugurado o Conselho Nacional de Educao. A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDBEN), Lei n.

  • 40 Organizao Escolar

    4.024, de 1961 e tramitou pelo Congresso Nacional por um longo perodo. Com o golpe militar perpetrado nao em 1964, uma nova LDBEN foi estruturada, a Lei n. 5.540/64, que legislava so-bre o Ensino Superior, e a Lei n. 5.692/71, sobre o Ensino de 1 e 2 Graus. Com a volta da democracia, na dcada de 1980, uma nova LDBEN foi proposta e longamente discutida no Congresso Nacional, a Lei n. 9.394/96, que hoje est em vigor.

  • ca

    pt

    ulo

    4

    Porque muito mais espessa a vida que seDesdobra em mais vida, Como uma fruta mais espessa que sua flor, Como a rvore mais espessa que a sua semente, Como a flor mais espessa que sua rvore, etc, etc...

  • ca

    pt

    ulo

    4

    O Lugar da Arquitetura na Cultura Escolar e na Cultura da Escola

    Neste captulo discutiremos a dimenso da arquitetura esco-lar. Nosso objetivo o de refletir a arquitetura como expresso do projeto poltico-pedaggico da escola, como uma dimenso que expressa tanto a cultura escolar como a cultura da escola.

  • 45O Lugar da Arquitetura na Cultura Escolar e na Cultura da Escola

    4. O Lugar da Arquitetura na Cultura Escolar e na Cultura da Escola

    Como j estudamos no captulo 3, a escola, na forma como a conhecemos um prdio escolar, com salas destinadas aos di-ferentes fazeres nasce no sculo VII. Neste perodo, os jovens aristocratas que no tivessem herana, tinham duas escolhas de independncia: ir para o exrcito ou para a igreja. As escolas exis-tentes tinham como papel principal dar a conhecer a doutrina crist eram os monastrios.

    Esses jovens no escolhiam o destino religioso por vocao ou vontade. Havia uma sobredeterminao dos genitores e da socie-dade. Cabia ento instituio a vigilncia constante sobre esses jovens da uma arquitetura que levava em conta assegurar tanto o ato de vigiar, quanto o de controlar, at a internalizao, pelos estudantes, de que estavam em permanente estado de vigilncia o panptico.

    O Panptico de Bentham uma figura arquitetural para a vigi-lncia: na periferia uma construo em anel; no centro, uma torre vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construo perifrica dividida em celas com janelas para o inte-rior e para o exterior: as primeiras correspondem s janelas da torre e as segundas permitem que a luz atravesse a cela de lada a lado. Tudo o que acontece no interior da cela, cada movimento, visvel a um vigia postado na torre central. (FOCAULT, 1986, p.177)

  • 46 Organizao Escolar

    Esse modelo caracterstico das antigas construes escolares. Pensemos numa escola religiosa, construda no incio do sculo (no formato quadrado, com o ptio rodeado por salas): o educan-do no tem sada, por onde ele andar poder ser visto.

    No sculo XV, com a inveno da imprensa, a finalidade reli-giosa fica em segundo plano e a escola se abre para a formao da aristocracia como um todo a ela tem a finalidade de socializa-o. Entretanto, o modelo arquitetnico continua baseado na vigi-lncia sobre os jovens, o que reafirma o papel principal da escola.

    No sculo XIX, a finalidade da escola muda. As necessidades da sociedade industrial requerem uma escola que ensine a cincia e a tcnica. Lentamente, a arquitetura da escola comea a modificar-se chegando ao modelo de escola aberta que encontramos hoje. Mesmo nesse modelo arquitetnico aberto, a vigilncia e o cerce-amento da movimentao das crianas e jovens ainda pode ser en-contrado nos muros que cercam as escolas, nos vrios portes pelos quais o estudante tem de passar e no controle que exige que ele se identifique para poder ter acesso aos espaos fsicos da escola.

    A escola vive, portanto, a ambigidade de ser um lugar social moderno e, ao mesmo tempo, de valores antigos que foram con-servados. Ou seja, nada na escola neutro, nem mesmo a sua arquitetura. Quando olhamos para uma escola devemos nos per-guntar: esse prdio evidencia qual o PPP (Projeto Poltico-Peda-ggico) da Escola?

    Vimos at aqui elementos da cultura escolar impressos na sua arquitetura. So eles que nos possibilitam reconhecer uma cons-truo como um estabelecimento de ensino. Isso porque as escolas se assemelham na arquitetura.

    Os prdios escolares, independentes da idade de sua constru-o, tm semelhanas: geralmente edificaes no formato de um U ou quadradas, com um ptio interno na maioria das vezes des-coberto, uma quadra e/ou um campo em um dos lados e, mais recentemente, com ginsios cobertos com quadras polivalentes.

    Assista ao filme O Nome da Rosa, que pode ajud-los a entender esse tempo.

  • 47O Lugar da Arquitetura na Cultura Escolar e na Cultura da Escola

    Essa arquitetura denuncia uma concepo de escola como um lugar social de controle e vigilncia, de relaes hierarquizadas de mando e obedincia, de valorizao de determinados saberes em detrimento de outros.

    Por essa razo, a biblioteca, os laboratrios, as salas informa-tizadas, as salas de vdeo, por exemplo, so espaos adaptados e no fazem parte do projeto poltico-pedaggico da escola. Ou seja, no esto incorporados ao projeto arquitetnico porque no so considerados fundamentais como as salas de aula. O saber, nessa concepo, se realiza entre o professor e o aluno e se restringe ao ambiente da sala de aula. Estas tm uma arquitetura que obedece a um modelo padro: com janeles de um lado e a porta do lado oposto, prxima parede onde fica o quadro de giz e a mesa do educador, voltada para o corredor interno.

    Alm desses lugares, pode haver outros que servem como de-psito para material de limpeza, merenda ou, ainda, para guardar material didtico, principalmente o de educao fsica, podendo tambm se destinar ao uso da equipe pedaggica, quando a escola conta com esses profissionais no seu quadro funcional, algo cada vez mais raro. Nos fundos esto localizados a cozinha e os banhei-ros. No lado em que se encontra o porto de entrada esto tam-bm a secretaria, a sala dos dirigentes e dos educadores. Existem poucas variaes nesse aspecto arquitetnico das escolas, mas a base permanece a mesma e isso que nos permite reconhecer que ali existe uma escola. As escolas/empresas, tais como cursinhos pr-vestibulares e supletivos, constituem a exceo, uma vez que funcionam, nas grandes cidades, em prdios comerciais para faci-litar o acesso dos alunos/clientes.

    Contudo, um olhar mais arguto ao observar o cotidiano da es-cola pode nos indicar diferenciaes entre um estabelecimento de ensino e outro. Isso se d em vista dos diferentes significados que os sujeitos atribuem aos espaos construdos. Ou seja, os lugares so ocupados por indivduos que tm uma histria e uma cultura das quais decorrem concepes de mundo, de escola, de educador, de educando e da profisso docente, s vezes convergentes, outras divergentes. Nas escolas, os sujeitos se apropriam dos espaos e recriam novos sentidos e formas de sociabilidade.

  • 48 Organizao Escolar

    De escola para escola, conforme os sujeitos e as relaes que esta-belecem entre eles, o espao construdo ganha contornos, adereos, formas, usos e significados diferentes. Uma secretaria de escola , em princpio, igual em todas as escolas: localiza-se sempre entra-da. Pode ter como funo o controle da chegada e da sada de visi-tantes, famlias, educandos, educadores e outros funcionrios. Com esse significado, geralmente o espao da secretaria tem um layout t-pico: uma porta, logo em seguida um grande balco e, por trs dele, as mesinhas da secretria e suas auxiliares; aos fundos, uma porta que se abre para a sala da direo, que tambm pode localizar-se ao lado. Ou seja, qualquer que seja o visitante, este, antes de chegar direo da escola, passa pelo crivo dos funcionrios da secretaria.

    Tambm pode ter como funo o acolhimento, isto , receber e encaminhar as pessoas. Nesse caso, o espao da secretaria aberto, antes do balco h uma mesa e cadeiras para recepcionar os visi-tantes. A sala da direo se abre para esse espao, num estmulo ao intercmbio, conversa, escuta.

    Assim como a secretaria, a outros espaos podem ser atribudos significados diferenciados: a sala dos especialistas tanto pode estar prxima ou junto secretaria, num significado de controle ou de acolhimento, quanto pode estar prxima s salas de aula, revelan-do um convvio mais ntimo com os educadores e educandos, ou uma relao de controle, ou de acolhimento das questes e confli-tos inerentes ao processo de ensinar e aprender.

    As salas de aula podem tanto manter o layout conhecido: qua-dro para giz, mesa do professor frente de carteiras enfileiradas cuja dinmica de ocupao determinada pelo educador, o nosso velho espelho de classe, separando os grupos de educandos con-versadores , prxima porta para que o educador possa controlar a entrada e sada dos estudantes, e um armrio nos fundos. Pode, conforme a metodologia de ensino, ter uma outra organizao do espao, as carteiras em crculo, denotando a possibilidade do di-logo e do debate aberto, relativizando as hierarquias e possibili-tando vez e voz a todos os participantes do processo de ensinar e aprender. Pode, tambm, ter as carteiras agrupadas (com quatro carteiras formando um grupo) indicando a compreenso de que a produo do conhecimento social e que a discusso em grupos

  • 49O Lugar da Arquitetura na Cultura Escolar e na Cultura da Escola

    possibilita uma maior compreenso de um determinado tema perspectiva sociointeracionista. A organizao espacial da sala de aula nos diz muito sobre a compreenso que o educador tem de ensinagem e de aprendizagem.

    As mesas do refeitrio podem ter mltiplos significados, tais como: lugar onde os educandos lancham e se integram; espao para os educadores trabalharem com aulas mais criativas, com a participao dos educandos, produzindo maquetes, desenhos, ati-vidades artsticas, num dia de frio em que o sol se faz necessrio, ou em um dia de calor, quando uma brisa sempre bem-vinda; podem ser tambm lugar de recepo das famlias e de descanso das faxineiras e merendeiras. A biblioteca pode tambm ser ponto de encontro dos alunos, alm de lugar de guarda de livros e peri-dicos para leitura e pesquisa.

    Outros aspectos da arquitetura e do uso do espao fsico po-deriam ainda ser relacionados, como a exposio das produes de educandos e educadores nas paredes dos corredores e ptios das escolas, socializando a criatividade que emana do processo de ensinar e aprender; os banheiros, os jardins, entre outros, que evi-denciam as novas significaes do espao pelos atores das escolas e que marcam a distino entre os estabelecimentos de ensino.

    Resumo

    A arquitetura escolar que conhecemos no tem sofrido grandes transformaes desde que nela foi incorporada a finalidade de trans-misso dos saberes, da tcnica e da cincia, no sculo XVIII. Ou seja, h pelo menos trezentos anos que essa escola na qual estudamos e pretendemos trabalhar, no experimenta profundas modificaes.

    A arquitetura escolar expresso do projeto poltico-pedag-gico da escola e vice-versa. O modo como os espaos so utiliza-dos e organizados nos falam da compreenso de concepes de mundo, de conhecimento, de escola, de educador, de educando e da profisso docente, de ensinar e de aprender que tm os sujei-tos diretamente responsveis pela conduo da educao escolar (educadores, equipe pedaggica e administrativa).

  • ca

    pt

    ulo

    5

    Ler significa reler e compreender, interpretar. Cada um l com os olhos que tem e interpreta a partir de onde os ps pisam.

  • ca

    pt

    ulo

    5

    Dimenso do ContextoNeste captulo, estudaremos a dimenso dos contextos his-

    trico, geogrfico, social e cultural para a reflexo da organi-zao escolar. Veremos fatores que se agregam organizao escolar a localizao geogrfica, os elementos de raa, de composio econmica e de etnia, bem como a opo religio-sa dos sujeitos que tambm produzem conceitos e precon-ceitos, significados e sentidos na trama da cultura da escola.

  • 53Dimenso do Contexto

    5. Dimenso do Contexto

    O contexto histrico, geogrfico, social e cultural no qual o esta-belecimento de ensino est inserido uma das dimenses da teia de significados que tecem a cultura da escola, isto , cada estabele-cimento de ensino tem uma identidade prpria.

    As pessoas compreendidas como sujeitos scio-histrico-cultu-rais, ao evidenciarem diferentes modos de compreender, ser e es-tar no mundo esto expressando a cultura de um povo e de um es-pao e tempo social e geogrfico. As diferenas sociais expressam a injusta distribuio de renda que grassa a sociedade brasileira e mundial. O mundo se divide em mundos: primeiro, segundo e ter-ceiro mundo. Dependendo do mundo no qual estamos inseridos o acesso a bens materiais e culturais tem contornos diferenciados.

    O Brasil um pas de terceiro mundo e seu povo sofre as con-seqncias dessa posio, acrescentando a isso a mais que injusta distribuio da riqueza que cria bolses de misria no campo e na cidade, produzindo um elevado percentual de marginalizao de crianas e jovens que convivem com a criminalidade e os nveis mais degradados de existncia.

    As diferenas sociais, assim, se fazem presentes, independente do contexto geogrfico. O campo e a cidade de norte a sul e leste a oeste do Brasil possuem diferentes nveis sociais. As diferenas sociais limitam o acesso aos bens culturais legitimados (teatros, museus, cinema, jornais, entre outros) pela ideologia hegemni-

    GrassaSe espalha, atravessa.

  • 54 Organizao Escolar

    ca e atribuem no legitimidade aos artefatos, sentidos e significa-dos produzidos pelos estratos menos favorecidos. Ao limitarem o acesso aos bens culturais legitimados, contribuem para o empo-brecimento do desenvolvimento de uma percepo crtica da so-ciedade e, de certo modo, ao empobrecimento da prpria cultura que , muitas vezes, suplantada pela cultura de massa veiculada pelos meios de comunicao social, principalmente pelo rdio e televiso. Essas desigualdades socioculturais esto evidenciadas, produzidas e reproduzidas no e pelo cotidiano da escola e da sala de aula. A produo e reproduo das desigualdades pela escola tm como um dos principais produtos o fracasso escolar.

    Desse modo tambm a escola fracassa porque no cumpre, na formao do cidado, seu papel de integrao social. Como inte-grar educandos ausentes? A evaso escolar vem sendo desde algu-mas dcadas fonte de preocupao de educadores, pesquisadores e fazedores de polticas pblicas para a educao.

    A evaso escolar se d pela conjuno de mltiplos fatores, intra e extra-escolares. Dentre os fatores internos escola destacamos a precria formao dos educadores; a perpetuao de prticas peda-ggicas tradicionais e autoritrias; da dificuldade que o estabeleci-mento de ensino tem de criar uma identidade positiva, em vista do significativo nmero de professores ACTs (Admitidos em Carter Temporrio), cuja insegurana contratual no permite que os edu-cadores criem sentido de permanncia e invistam tempo, conheci-mento e emoes na escola; a falta de profissionais que promovam a articulao do trabalho pedaggico, com planejamentos de cur-to, mdio e longo prazos. Muitos outros fatores, alguns decorren-tes destes elencados, contribuem para que a escola no possibilite a criao de sentido para os educandos, que se evadem.

    Dentre os fatores externos a escola, elencamos a desigualdade social que faz com que os trabalhadores migrem. O movimento migratrio pode se dar do campo para a cidade, de uma cidade a outra e no interior de uma mesma cidade, de um bairro a outro, em busca de trabalhos que no exijam qualificao escolar, sendo estes, na maioria das vezes, sazonais. Nesse caso o fracasso escolar se d tambm pelas freqentes interrupes e pela naturalizao dessas interrupes pela escola. O jovem sai da escola, por um

  • 55Dimenso do Contexto

    tempo, enquanto durar o trabalho em uma regio ou bairro dis-tante do estabelecimento que estuda.

    Um outro fator diz respeito no percepo do contexto geo-grfico e cultural onde o estabelecimento de ensino est localiza-do. A escola no campo tem problemas que se diferem daqueles da escola na cidade.

    5.1 Entrelaamento entre Campo e Cidade

    No campo uma problemtica que devemos estar atentos diz respeito ao fechamento de escolas em comunidades com baixo ndice de crianas em idade escolar, pela poltica de nucleao. Clia Vendramini (2004) aponta que a poltica de nucleao est atrelada ao discurso da racionalizao da rede escolar que defende que as escolas maiores oferecem melhores condies de ensino, em termos de estrutura fsica, equipamentos e recursos humanos, sendo, portanto, considerada como uma soluo mais econmica para os municpios.

    No Ensino Mdio, aquele em que o professor licenciado em Bio-logia tem atuao garantida pelo currculo, a nucleao j prtica desde o seu nascedouro. Os estudantes se deslocam desde a sua co-munidade at os centros para poderem dar continuidade aos estu-dos. As escolas de Ensino Mdio existem em menor nmero e esto localizadas nos centros dos municpios. Quando muito, h duas es-colas de Ensino Mdio funcionando nos pequenos municpios lo-calizados no campo. Mesmo nas cidades de maior porte no h ga-rantia de continuidade dos estudos no Ensino Mdio para os jovens na sua comunidade de origem. Esse nvel de ensino na rede pblica estadual de ensino, na maioria das vezes, funciona no perodo no-turno, em escolas que foram construdas para atender o ensino fun-damental, sem estrutura fsica e pedaggica adequadas para promo-ver um ensino com qualidade. Isso se concretiza na inexistncia, por exemplo, de biblioteca funcionando, de laboratrios, sem contar a falta de professores qualificados para atuar nas reas das cincias da fsica, da qumica e da matemtica, principalmente. Os poucos pro-fessores que se formam nessas reas terminam por empregar-se nas cidades de grande porte e em colgios da rede privada de ensino.

  • 56 Organizao Escolar

    Os colgios da rede estadual de ensino recebem alunos cansa-dos do trabalho, quer seja em empresas nos centros urbanos, quer seja na propriedade rural no campo, na agricultura e/ou na pecu-ria, cansados das distncias que tiveram de percorrer para chegar ao colgio. E recebem esses alunos com professores tambm na maioria cansados, vindos de at dois turnos de trabalho. Como podemos ver, os problemas do Nvel Mdio, em que os Professores de Biologia vo atuar preferencialmente, no so poucos, contudo, poder contar com um maior nmero de professores de Biologia e das outras reas tambm to carentes um importante passo para ressignificar esse nvel de ensino com mais qualidade na prtica pedaggica para as populaes de baixa renda.

    O transporte um fator preponderante para o sucesso da esco-larizao de jovens de baixa renda, tanto no campo como na cida-de. O difcil acesso de um transporte regular e com qualidade para as populaes de baixa renda um fator importante na produo do fracasso escolar. Os estudantes muitas vezes so excludos, quer pela impossibilidade de pag-lo uma vez que esse nvel de ensi-no no de responsabilidade do municpio , quer pela falta de manuteno de estradas municipais e estaduais, cujos buracos nos perodos de seca e de lama nos perodos chuvosos impossibilita o trnsito de automveis em comunidades no campo e nas favelas e periferias nas cidades. A falta de transporte prejudica tambm a organizao de espaos de encontros com as famlias, no Ensino Fundamental, ou com os jovens e/ou os pais ou os responsveis, o que impossibilita o dilogo com a famlia, fator muitas vezes pre-ponderante no sucesso dos educandos.

    Os programas e currculos especiais voltados para a popula-o rural desde a dcada de 1920 pautam-se na lgica da educao como mola propulsora do desenvolvimento social. Seu objetivo conter a migrao e fixar o homem no campo, como na proposta do ruralismo pedaggico, que trata de programas adequados cultura rural, capazes de prender o homem a ter-ra, ou nos programas: Servio Social Rural (SSR) e Campanha Nacional de Educao Rural (CNER), que surgem na dcada de 1950 com o mesmo objetivo de conter a migrao rural-urbana. (VENDRAMINI, 2004, p. 155).

    Aos Estados da Federao, segundo a constituio, cabe a oferta do Ensino Mdio; fica sob a responsabilidade dos Municpios a oferta do Ensino Fundamental e da Educao Infantil; a Unio responsabiliza-se pela oferta do Ensino Superior, alm de bancar no Ensino Mdio os Centro Federal de Educao Tecnolgica (CEFET) e os Colgios de Aplicao que atendem ao Ensino Fundamental e Mdio; alm dos Colgios de Aplicao, a Unio financia, nas Universidades Federais, alguns ncleos de Educao Infantil. Ter a responsabilidade sobre um nvel de ensino no impossibilita a atuao dos Estados e Municpios nos outros nveis de ensino.

  • 57Dimenso do Contexto

    Est em curso um movimento por uma educao bsica do campo, empreendido por diversas organizaes e movimentos sociais, no sentido de pensar a aprendizagem para alm da es-cola e de travar uma luta que , ao mesmo tempo, poltica e pe-daggica, de valorizao de uma populao que vive e trabalha no campo e de sua capacidade de mobilizao e organizao social. (Idem, p. 157).

    Por meio de trabalho de pesquisa, obtivemos por parte de pro-fessores de escolas da Rede Municipal de Ensino de Florianpolis, a declarao de que observam diferenas de habitus, ou seja, modo de ser e agir no mundo, conforme a localizao geogrfica do mu-nicpio: se no litoral e ou no continente. Os professores reclamam, por exemplo, da contradio entre a forma livre das crianas e jo-vens de comunidades litorneas e o disciplinamento do corpo e do esprito feito pela escola em busca do controle social necessrio formao para integrao social, caracterstica imprescindvel ao cidado que a escola quer e tem por obrigao formar.

    5.2 As Diferenas tnicas e Raciais

    Os habitus que os sujeitos, educandos e educadores encarnam e carregam para o cotidiano dos estabelecimentos de ensino tam-bm trazem marcas das diferenas culturais originrias de diferen-tes etnias e raas. Conforme a origem tnica e racial, produzida uma cultura que aproxima ou distancia a criana ou o jovem e suas famlias da cultura hegemnica legitimada, socializada e produzi-da na escola.

    Colada raa, est o processo de etiquetagem que produz uma discriminao racial aos negros e aos ndios, que lhes atribui iden-tidades submissas e/ou violentas. Com exceo da imagem de bom de samba e bom de futebol, cujas habilidades se vinculam a figura do bom malandro que gastava seu tempo em rodas de samba ou em campos de futebol de vrzea atribuda aos negros, e a imagem do bom selvagem ingnuo e crdulo atribuda aos ndios. Essa discriminao racial produtora de deslegitimao social e cultural aos integrantes dessas duas raas que os joga a redutos dentro dos bolses de pobreza no campo e na cidade, alija-os da fruio e da produo de bens culturais legitimados. Discri-

  • 58 Organizao Escolar

    minao esta reproduzida no cotidiano das escolas e das salas de aulas, no trato social que se dispensa aos educandos e educadores negros e ndios, que lhes nega legitimidade como sujeitos de direi-tos sociais e afetivos, empurrando-os para o fracasso.

    Os embates que essas diferenas trazem para o interior da es-cola reproduzem conflitos j existentes na sociedade e produzem conflitos especficos de atribuio de identidades que produzem o afastamento da criana e do jovem da escola. Faz parte de nosso senso comum a noo de que os sujeitos de origem tnica alem so rgidos no relacionamento, a qual compensada, por vezes, pela importncia que os alemes atribuem escola, bem como faz parte de um conhecimento difundido a crena de que os sujeitos de origem italiana tm facilidade para se relacionarem e uma que-da para a indisciplina, por falarem muito, exporem com facilidade seus sentimentos e gostarem de festa. Do mesmo modo, este senso comum produz um profundo desprezo por tudo aquilo que deno-mina popular, considerado culturalmente pobre.

    Nessa mesma pesquisa anteriormente comentada que foi rea-lizada em escolas da rede de ensino de Florianpolis, Santa Ca-tarina, uma dentre as questes que se mostraram relevantes para a anlise da cultura das escolas se relaciona aos embates entre os professores e a cultura da populao ilha, de origem aoriana: o denominado manezinho da ilha.

    Os professores atribuam dificuldades de desenvolver o trabalho pedaggico em escolas inseridas em contextos com populaes de origem aoriana. Os estudantes eram identificados como mais in-disciplinados, em vista da forma gritada de expressar a sua opinio como verdadeira e da liberdade que usufruem na vida litornea que se negam a deixar de fora quando adentram os muros escola-res. A dificuldade tambm se dava com relao s famlias as quais os professores afirmavam que no conferiam importncia ao estu-do e a escolarizao dos filhos, declarados mal-educados.

    Essas atribuies de identidades, externas aos sujeitos, eivadas de preconceitos tnicos e raciais so um dos fatores intra-escolares que produzem o fracasso e a excluso de crianas e jovens das es-colas de Educao Bsica e de Ensino Superior.

    Manezinho da ilhaManezinho da Ilha ou simplesmente man, a forma utilizada, correntemente, para designar o nativo de Florianpolis, conhecida tambm como Ilha da Santa Catarina, de origem aoriana de falar tpico e original. (CARDOSO, 2001, p. 84)

  • 59Dimenso do Contexto

    5.3 As diferenas de Religio

    No s as diferenas tnicas e raciais so partes da dimenso contextual da cultura da escola. Tambm no cotidiano escolar se fazem presentes as tramas, os conflitos e as alianas, trazidos pe-las diferentes culturas produzidas pelas diferentes igrejas, mesmo quando de origem crist. Um exemplo so as religies pentecos-tais, como a Assemblia de Deus, que impe s mulheres o uso de cabelos e saias longas, motivo, muitas vezes, de constrangimento s crianas e jovens nas aulas de educao fsica, bem como um distanciamento entre elas e as crianas e os jovens que freqen-tam outras igrejas que no impem restrio aos programas tele-visivos no veiculados pelo canal da igreja. Na relao com os es-tudantes, os embates podem ocorrer entre professor e estudantes com preceitos religiosos divergentes.

    Os dados coletados em uma pesquisa realizada em uma escola no campo mostram que as lutas simblicas entre as igrejas cat-lica, luterana e adventista, traziam elementos de disputas entre os professores e problemas para a organizao da escola. Os adventis-tas, por guardarem o sbado como dia santificado, no aceitavam trabalhar em atividades como as festas realizadas pela escola neste dia, o que era fonte de conflitos entre os professores das igrejas ca-tlica e luterana que se sentiam injustiados por serem mais male-veis com relao guarda santificada do domingo. Por outro lado, adventistas e luteranos uniam foras na argumentao com relao aquisio de livros como os best sellers infanto-juvenis da coleo Harry Potter, por trazerem idias anticrists e bruxarias.

    Assim como as tramas tecidas pelas diferenas tnicas e raciais, os modos de compreender e agir no mundo originrios da op-o religiosa se faz presente tambm na produo dos preconcei-tos que levam ao fracasso e excluso escolar. A compreenso e a prtica de uma escola leiga, porque pblica e de todos, traduzidas em ao no projeto pedaggico desencadeado nos espaos/tem-pos da escola, nas classes e nas diferentes reunies, contribuem para a formao de uma conscincia do outro como legtimo outro na relao (MATURANA, 1998), traduzida em aes afirmativas inclusivas das diferentes culturas originrias dos contextos scio-histrico-cultural e religioso de educadores e educandos.

  • 60 Organizao Escolar

    Resumo

    Neste captulo, estudamos a dimenso dos contextos histrico, geogrfico, social e cultural para a reflexo da organizao escolar. Essa uma importante dimenso da cultura da escola. Educandos e educadores, familiares e populao do entorno do estabeleci-mento de ensino tambm trazem suas perspectivas de vida cons-trudas com base nos contextos dos quais provm.

    Nesse sentido, vimos os fatores que se agregam organizao escolar, dependendo da localizao geogrfica. No campo, a escola precisa pensar, entre outras coisas, no transporte dos educadores, dos educandos e de seus familiares para que o processo de ensino e aprendizagem se d com qualidade e seja refletido por todos os envolvidos. Na cidade, faz-se necessrio refletir sobre onde a es-cola se localiza, se no centro ou nas periferias. Outros contextos se agregam geografia: o contexto social que cria os bolses de pobreza quer no campo ou na cidade, e que trazem para o inte-rior do estabelecimento de ensino as mazelas das marginalidades, das violncias, alm de todos os preconceitos que giram em torno dessas populaes. Imbricados nesses contextos, os elementos de raa, de composio econmica e de etnia, bem como os da opo religiosa dos sujeitos, tambm produzem conceitos e preconceitos, significados e sentidos na trama da cultura da escola.

  • ca

    pt

    ulo

    6

    no plano do sensvel que residem nossas mais radicais diferenas.

    . .

  • ca

    pt

    ulo

    6

    Dimenso do CotidianoNeste captulo, vamos refletir sobre o conceito de espao e

    tempo para compreendermos o cotidiano da escola. O con-ceito de espao se refere construo fsica da escola, s suas relaes sociais; no conceito de tempo discutimos as dimen-ses da cronologia e das vivncias.

  • 65Dimenso do Cotidiano

    6. Dimenso do Cotidiano

    A organizao da escola se efetiva, cotidianamente, em espaos e tempos. Os espaos se referem tanto ao lugar fsico sala de aula, cozinha, sala dos professores , quanto ao conjunto de relaes en-tre os diferentes atores que transitam e se relacionam no dia-a-dia da escola, e que ocupam lugares e fazeres hierarquicamente dife-renciados. Espao, nesse sentido, o lugar de onde se fala ou se cala, lugar carregado de subjetividade, de relaes vitais e sociais concretas, palco dos rituais que compem a cultura da escola.

    O cotidiano da escola feito de tempos na dimenso de kronos e de kairs. Kronos o tempo do relgio, fixado em horas e minutos e que na escola aparece na forma de uma cronologia que estrutura e organiza o trabalho pedaggico em um programa de ensino e em um calendrio. Divide o dia em tempos de trabalho e de descanso. Kairs o tempo das relaes, o tempo das vivncias que transcen-dem kronos e do significado aos acontecimentos, atravessando a temporalidade cotidiana. Um movimento aleatrio, inesperado e expressivo da existncia, no apreensvel pelo planejamento racio-nal, porque imprevisvel. Nessa perspectiva o tempo uma dimen-so prtico-reflexiva de como lidamos com a nossa vida e com a vida do outro nas relaes intersubjetivas.

    O cotidiano da escola obedece, a um s tempo, cronologia e aos momentos expressivos da conscincia: a primeira estrutura e organiza cronologicamente (ano, semestre, bimestre, dia, hora/aula) o fazer pedaggico em um programa de ensino (unidades,

  • 66 Organizao Escolar

    aulas, atividades), conforme um calendrio de reunies e eventos (reunies pedaggicas, conselho de classe, festas e feiras). O se-gundo traduz-se em tempo de vivncias, que transcende a esfera cronolgica e d significado aos acontecimentos, ou seja, atraves-sa a temporalidade cotidiana. Kronos contempla, na inteireza do dia, os tempos para o trabalho e para o repouso (hora do recreio, janelas, horrio de almoo). Kairs, imensurvel, perpassa pelo tempo, desencadeando alteraes na rgida cronologia dos fatos. uma dimenso fundamental medida que contempla a singu-laridade dos ritmos de aprendizagem, que respeita o processo de apropriao de saberes de crianas e jovens; que cria o espao para que os contedos ensinados tenham sentidos e significados para os educandos.

    Espao e tempo se entrelaam em seus significados objetivos (de lugar e cronologia) e subjetivos (de vivncia e construo de significados), formando a expresso espao/tempo. A noo espa-o/tempo, ao ser incorporada vida do cotidiano escolar, expressa as tessituras que conferem legibilidade e visibilidade s relaes sociais que compem a organizao escolar.

    6.1 Os Espaos/Tempos do Cotidiano Escolar

    A sala de aula e a durao da aula so espaos /tempos destina-dos interao entre educador e educando, no exerccio especfico do ensinar e do aprender. Ali eles sero transmitidos, socializados, (re)produzidos. Em funo do que acontece ou se projeta aconte-cer na classe, outros espaos/tempos so estruturados: as diver-sas reunies e encontros entre educadores, especialistas, direo, famlias e alunos. Nesses, h estruturao e intencionalidade cla-ramente evidenciadas na organizao curricular, na configurao dos atores que podem e devem participar e na conduo propria-mente dita do encontro.

    Alm desses, h, no cotidiano das escolas, espaos/tempos no estruturados. Momentos e lugares de encontro sem direo e in-tencionalidade nas interaes que ali se do, como, por exemplo, a sala dos professores, lugar reservado ao grupo para relaxar as tenses, no horrio do recreio, e/ou se ocupar na organizao das aulas e correo de exerccio, nas janelas entre aulas. O horrio

    no espao/tempo onde as concepes e prticas da educao escolar so efetivadas no sentido estrito do termo, ou seja, no exerccio de ensi