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08/04/15 13:50 A Arte dos Ruídos, Manifesto Futurista | Revista Portfolio EAV Página 1 de 7 http://revistaportfolioeav.rj.gov.br/edicoes/03/?p=1373 (http://www.revistaportfolioeav.rj.gov.br) A Arte dos Ruídos, Manifesto Futurista Uma tradução para o português do manifesto sobre a Arte dos Ruídos, escrito pelo artista plástico e compositor italiano Luigi Russolo para comemorar o centenário do texto Autoria do manifesto Luigi Russolo Tradução Daniel Belquer, José Henrique Padovani Revisão Laura Nicoletta Padovani 11 de março de 1913 Caro Balilla Pratella, grande músico futurista, Em Roma, no Teatro Costanzi lotadíssimo, enquanto eu escutava a execução orquestral de sua avassaladora Música futurista, com meus amigos futuristas Marinetti, Boccioni, Carrá, Balla, Soffic, Papini e Cavacchioli, surgiu em minha mente uma nova arte que só você pode criar: a “arte dos ruídos”, consequência lógica das suas maravilhosas inovações. normas de publicação (http://revistaportfolioeav.rj.gov.br/normas.html) parceiros (http://revistaportfolioeav.rj.gov.br/parceiros.html) edições (http://revistaportfolioeav.rj.gov.br/edicoes.html) ISSN 2318-7441 expediente (http://revistaportfolioeav.rj.gov.br/edicoes/03/?page_id=1203) editorial (http://revistaportfolioeav.rj.gov.br/edicoes/03/?page_id=1208) carta aos leitores (http://revistaportfolioeav.rj.gov.br/edicoes/03/?page_id=1245) seções

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(http://www.revistaportfolioeav.rj.gov.br)

A Arte dos Ruídos, Manifesto Futurista

Uma tradução para o português do manifesto sobre a Arte dos Ruídos,escrito pelo artista plástico e compositor italiano Luigi Russolo para comemorar o centenário do texto

Autoria do manifesto

Luigi Russolo

Tradução

Daniel Belquer, José Henrique Padovani

Revisão

Laura Nicoletta Padovani

11 de março de 1913

Caro Balilla Pratella, grande músico futurista,

Em Roma, no Teatro Costanzi lotadíssimo, enquanto eu escutava a execução orquestral de sua avassaladora Músicafuturista, com meus amigos futuristas Marinetti, Boccioni, Carrá, Balla, Soffic, Papini e Cavacchioli, surgiu em minhamente uma nova arte que só você pode criar: a “arte dos ruídos”, consequência lógica das suas maravilhosasinovações.

normas de publicação (http://revistaportfolioeav.rj.gov.br/normas.html) parceiros (http://revistaportfolioeav.rj.gov.br/parceiros.html)edições (http://revistaportfolioeav.rj.gov.br/edicoes.html) ISSN 2318-7441

expediente (http://revistaportfolioeav.rj.gov.br/edicoes/03/?page_id=1203)editorial (http://revistaportfolioeav.rj.gov.br/edicoes/03/?page_id=1208)carta aos leitores (http://revistaportfolioeav.rj.gov.br/edicoes/03/?page_id=1245) seções

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content/uploads/Luigi_Russolo_ca._1916-

e1395858779153.jpg)Luigi Russolo, 1916.

A vida antiga foi só silêncio. No século XIX com a invenção das máquinas, nasce oruído. Hoje, o ruído triunfa e reina soberano sobre a sensibilidade dos homens. Pormuitos séculos, a vida fluiu em silêncio ou, quando muito, em surdina. Os ruídos maisfortes que quebravam esse silêncio não eram nem intensos, nem prolongados, nemvariados. De fato, tirando os excepcionais movimentos telúricos, os furacões, astempestades, as avalanches e as cachoeiras, a natureza é silenciosa.

Nessa escassez de ruídos, os primeiros sons que o homem pode extrair de umbambu perfurado ou de uma corda esticada impressionaram como fenômenos novose maravilhosos. O som foi atribuído aos deuses pelos povos primitivos, consideradosagrado e reservado aos sacerdotes, que se serviram dele para enriquecer demistério seus rituais. Nasceu assim a concepção do som como coisa em si, diversa eindependente da vida, e disso resultou a música, mundo fantástico sobreposto aoreal, mundo inviolável e sagrado. Pode-se compreender facilmente como talconcepção da música deve necessariamente ter retardado o progresso nacomparação com as outras artes. Os próprios gregos, com sua teoria musicalmatematicamente sistematizada por Pitágoras, admitindo somente o uso de algunspoucos intervalos consonantes, limitaram enormemente o campo da música,resultando assim na impossibilidade da harmonia que até então ignorávamos.

A Idade Média modificou o sistema grego do tetracorde e, com o canto gregoriano e cantos populares, enriqueceu aarte musical, mas continuou considerando o som em sua extensão temporal, concepção restritiva que perdurou pormuitos séculos e que encontramos ainda hoje nas mais complexas polifonias dos contrapontos flamengos. Nãoexistia o acorde; o desenvolvimento das diversas vozes não era subordinado ao acorde que aquelas vozes podiamproduzir ao se sobreporem; enfim, a concepção dessas vozes era horizontal, não vertical. O desejo, a procura e ogosto pela união simultânea dos diversos sons, isto é, pelo acorde (som complexo) se manifestaram gradativamente,passando do acorde perfeito consonante, com algumas dissonâncias ocasionais, até as complicadas e persistentesdissonâncias que caracterizam a música contemporânea.

A arte musical procurou e conseguiu primeiro a pureza, a limpeza e a doçura do som para depois unir sons diversos,preocupada, porém, em acariciar o ouvido com suaves harmonias. Hoje, a arte musical tornando-se cada vez maiscomplexa, pesquisa as combinações de sons mais dissonantes, mais estranhas e mais ásperas ao ouvido.Aproximamo-nos assim cada vez mais do som-ruído.

Essa evolução da música é paralela à multiplicação das máquinas, que colaboram por toda parte com o homem. Nãosomente na atmosfera estrondosa das grandes cidades, mas também no campo, que até ontem era normalmentesilencioso; as máquinas hoje criaram tanta variedade e concorrência de ruídos, que o som puro, na sua exiguidade emonotonia, não suscita mais emoção.

Para excitar e exaltar nossa sensibilidade, a música se desenvolveu rumo à mais complexa polifonia e rumo à maiorvariedade de timbres ou coloridos instrumentais, pesquisando a mais intricada sucessão de acordes dissonantes epreparando paulatinamente a criação do “ruído musical”. Essa evolução rumo ao “som ruído” não era possível atéentão. O ouvido de um homem do século XVIII não conseguiria suportar a intensidade desarmônica de certos acordesproduzidos por nossas orquestras (triplicadas no número de executantes em relação àquelas de então). Nossoouvido, no entanto, se compraz, porque já foi educado pela vida moderna tão pródiga dos mais variados ruídos. Onosso ouvido, porém, não se contenta e exige sempre emoções acústicas mais amplas.

Por outro lado, o som musical é limitado demais no que diz respeito à variedade qualitativa dos timbres. As maiscomplexas orquestras se reduzem a quatro ou cinco classes de instrumentos, diferentes no timbre do som: arco,cordas pinçadas, sopro em metal, sopro em madeira, percussão. Por isso a música moderna debate-se nessepequeno círculo, esforçando-se em vão para criar novas variedades de timbres.

É preciso romper esse círculo estreito de sons puros e conquistar a variedade infinita dos “sons-ruídos”.

Qualquer um reconhecerá, afinal, que todo som musical traz consigo um emaranhado de sensações já conhecidas egastas que antecipam o tédio no ouvinte, apesar do esforço de todos os músicos inovadores. Nós futuristas todos

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(http://www.revistaportfolioeav.rj.gov.br/edicoes/03//wp-content/uploads/crepitatore.jpg)Crepitatore, Luigi Russolo.

(http://www.revistaportfolioeav.rj.gov.br/edicoes/03//wp-content/uploads/ThereminVox.jpg)ThereminVox, Luigi Russolo.

temos amado profundamente e apreciado a harmonia dos grandes mestres. Beethoven e Wagner chacoalharamnossos nervos e corações por muitos anos. Agora saciados, apreciamos muito mais combinar mentalmente os ruídosdos bondes, dos motores a combustão, dos carros de roncos ensandecidos, do que reouvir, por exemplo, a Heróicaou a Pastoral.

Não podemos olhar para aquele enorme aparato de forças que representa uma orquestra moderna sem experimentara mais profunda decepção diante de seus míseros resultados acústicos. Há algo mais ridículo que o espetáculo devinte homens que persistem em multiplicar o miado de um violino? Tudo isso naturalmente levará os musicômanos areclamarem e despertará, talvez, a atmosfera sonolenta das salas de concerto. Entremos juntos, nós futuristas, numdesses hospitais de sons anêmicos. Pois bem: o primeiro compasso levará subitamente ao ouvido o aborrecimentodo já escutado e fará pressentir o aborrecimento do compasso que se seguirá. Sorvemos assim, de compasso emcompasso, dois ou três tipos de genuíno tédio, sinceramente esperando a sensação extraordinária que nunca chega.Ocorre então uma mescla repugnante formada pela monotonia das sensações e pela cretina comoção religiosa dosouvintes budisticamente inebriados por repetirem pela milésima vez seu êxtase mais ou menos esnobe e estudado.Fora! Saiamos! Pois não poderíamos refrear por mais tempo em nós o desejo de finalmente criar uma nova realidademusical, com farta distribuição de bofetadas sonoras, saltando por cima de violinos, pianos, contrabaixos e órgãoslamentosos. Para fora!

Não se poderá objetarque o ruído sejaunicamente forte edesagradável aoouvido. Parece-meinútil enumerar todosos ruídos tênues edelicados queproporcionamsensações acústicasagradáveis.

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Para convencermo-nos, então, da variedade surpreendente dos ruídos, basta pensar no estrondo do trovão, nossibilos do vento, no estrondo de uma cachoeira, no gorgolejar de um riacho, no farfalhar das folhas, no trote de umcavalo se afastando, nos solavancos trepidantes do carro no asfalto, na respiração ampla, solene e branca de umacidade à noite, em todos os ruídos que fazem os animais selvagens e domésticos e em todos aqueles sons que aboca humana pode produzir sem falar ou cantar.

Atravessemos uma grande capital moderna, com os ouvidos mais atentos que os olhos e nos fartaremos de percebero escoamento de água, ar ou gás nos canos metálicos, o resmungo dos motores que respiram e pulsam comindiscutível animalidade, o palpitar das válvulas, o vaivém dos pistões, o estridor das serras mecânicas, o sacolejardos bondes em seus trilhos, o estralar dos chicotes, o “flapear” das cortinas e das bandeiras. Divertimo-nos emorquestrar mentalmente os sons de portas metálicas das lojas, das portas batendo, o murmurar e o pisoteio damultidão, os vários estrondos nas estações, nas metalúrgicas, nas tipografias, nas tecelagens, nas centrais elétricas eno metrô.

Não podemos nos esquecer dos ruídos novíssimos da guerra moderna. Recentemente, o poeta Marinetti, numa cartadas trincheiras búlgaras de Adrianópolis, descrevia-me com admiráveis palavras libertas a orquestra de uma grandebatalha:

“a cada 5 segundos canhões de assalto estripar o espaço com um acorde ZANG-TUMB-TUUUMB amotinamento de500 ecos para mordê-lo esmigalhá-lo espalhá-lo ao infinito. No centro daqueles ZANG-TUMB–TUUUMB estateladosamplitude 50 quilômetros quadrados investir explosões cortes murros baterias de tiro rápido Violência ferocidaderegularidade esse baixo grave a escandir os estranhos loucos agitadíssimos agudos da batalha Fúria fadiga orelhasolhos narizes abertos! atentos! força! que alegria ver ouvir farejar todos todos taratatata das metralhadoras gritar aperder fôlego sob mordidas tapas traak-traak açoitadas pic-pac – pum-tumb bizarrias saltos altura 200 metros dafuzilaria abaixo abaixo no fundo da orquestra pântanos chafurdar bois búfalos aguilhões carros pluff plaff empinar decavalos flic flac zing zing chiaaack hilários relinchos iiiiiii pisoteio tilintados 3 batalhões búlgaros em marcha croooc-craaac (lento) Sciumi Maritza ou Krakavena ZANG-TUMB-TUUUMB toctoctoctoc (rapidíssimo) croooc-craac (lento)gritos dos oficiais chocalharem como pratos latão pan daqui paak de lá BUUUM tching tchiak (presto) tchiatchiatchia-tchia-tchiaak em cima em baixo lá lá entorno no alto cuidado sobre a cabeça tchiaak beleza! Chamas chamas chamaschamas chamas chamas proscênio dos fortes lá em baixo atrás daquela fumaça Sciukri Pascià comunicatelefonicamente com 27 fortes em turco em alemão alô! Ibrahim!! Rudolf! alô! alô, atores papeis ecos “pontos”cenários de fumaça florestas aplausos cheiro de feno lama esterco não sinto mais meus pés regelados odores desalitre odores de podridão Tímpanos flautas clarins por toda parte baixo viola pássaros chilrar beatitude sombras tchip– tchip-tchip brisa verde rebanhos don-dan-don-dim-beee Orquestra os loucos espancam os professores de orquestraesses espancadíssimos soar soar Grandes estrondos não apagar precisar recortando-os ruídos menoresmiudíssimos destroços de ecos no teatro amplitude 300 quilômetros quadrados Rios Maritza Tungia deitadossMontanhas Ròdopi eretas alturas palcos galeria 2000 shrapnels gesticular explodir lenços branquíssimo cheios deouro srrrrrrrrrr-TUMB-TUMB 2000 granadas estendidas arrancar com estampidos cabeleiras pretíssimas ZANG-srrrrrr-TUMB-ZANG-TUMB-TUUMB a orquestra dos ruídos da guerra infla-se sob uma nota de silêncio sustentada noalto céu balão esférico dourado que vigia os tiros…”

Nós queremos entoar e ordenar harmônica e ritmicamente estes variadíssimos ruídos. Entoar os ruídos não querdizer tolhê-los de todos os seus movimentos e vibrações irregulares de tempo e de intensidade mas, antes, dar umagradação ou tom à mais forte e predominante dessas vibrações irregulares. De fato, o ruído diferencia-se do som sóenquanto as vibrações que lhe conferem sonoridade são confusas e irregulares, tanto no tempo quanto naintensidade. Cada ruído tem um tom, às vezes até um acorde, que predomina no conjunto de suas vibraçõesirregulares. Ora, de seu tom predominante característico deriva a possibilidade prática de entoá-lo, isto é, de dar a umdeterminado ruído não só um único tom mas uma certa variedade de tons, sem perder sua característica, quero dizer,o timbre que o distingue. Assim, alguns ruídos obtidos com um movimento rotativo podem oferecer uma escalacromática inteira, ascendente ou descendente, se aumentarmos ou diminuirmos a velocidade do movimento.

Cada manifestação de nossa vida é acompanhada pelo ruído. O ruído é, portanto, familiar ao nosso ouvido e tem opoder de evocar imediatamente a própria vida. Enquanto o som, estranho à vida, sempre musical, coisa em si,

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1 Nota dos tradutores: A palavra shrapnels, usada por Filippo Marinetti no trecho citado por Luigi Russolo no manifesto, refere-se a balas de fragmentação,

utilizadas até o final da Segunda Guerra Mundial.

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(http://www.revistaportfolioeav.rj.gov.br/edicoes/03//wp-content/uploads/russolo_orchestra.jpg)Orchestra, Luigi Russolo.

elemento ocasional desnecessário, tornou-se doravante para nosso ouvido o mesmo que é para o olho um rostofamiliar demais; o ruído, ao contrário, chegando até nós confuso e irregular, vindo da confusão e da irregularidade davida, nunca se revela inteiramente para nós e nos reserva inúmeras surpresas. Temos certeza, então, queselecionando, coordenando e dominando todos os ruídos, enriqueceremos a humanidade com uma nova delíciainsuspeitada. Embora a característica do ruído seja a de evocar-nos brutalmente a vida, a arte dos ruídos não develimitar-se a uma reprodução imitativa. Ela atingirá sua maior faculdade de emoção no prazer acústico por ele mesmo,que a inspiração do artista saberá extrair dos ruídos combinados.

A seguir estão as seis famílias de ruídos da orquestra futurista que realizaremos logo, mecanicamente.

Nesse elenco listamos apenas os mais característicos entre os ruídos fundamentais; os outros não passam deassociações e combinações destes.

Os movimentos rítmicos de um ruído são infinitos. Existe sempre, assim como para o tom, um ritmo predominante,mas no entorno deste outros numerosos ritmos secundários são igualmente sensíveis.

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Conclusões:

1. Os musicistas futuristas devem ampliar e enriquecer cada vez mais o campo dos sons de acordo com umanecessidade de nossa sensibilidade. Notamos, com efeito, no compositor genial de hoje, uma tendência em direçãoàs dissonâncias mais complexas. Eles, ao se afastarem cada vez mais do som puro, quase chegam ao som-ruído.Essa necessidade e essa tendência não podem ser satisfeitas a não ser com a inclusão e a substituição dos sonspelos ruídos.

2. Os musicistas futuristas devem substituir a limitada variedade dos timbres dos instrumentos que a orquestra possuihoje pela infinita variedade dos timbres dos ruídos, reproduzidos por mecanismos apropriados.

3. É necessário que a sensibilidade do músico, liberando-se do ritmo fácil e tradicional, encontre nos ruídos a maneirade expandir-se e renovar-se, uma vez que todo ruído oferece a união dos ritmos mais diversos, além daquelespredominantes.

4. Uma vez que todo ruído possui em suas vibrações irregulares um tom geral predominante, chega-se facilmente, nafabricação dos instrumentos que o imitam, a uma variedade bastante ampla de tons, semitons e quartos-de – tom.Essa variedade de tons não tolherá a nenhum som singular as características de seu timbre e, sim, ampliará suatextura ou extensão.

5. As dificuldades práticas para a construção destes instrumentos não são graves. Uma vez encontrado o princípiomecânico que gera o ruído, poder-se-á alterar seu tom, regulando-o de acordo com as leis gerais da acústica.Proceder – se-á, por exemplo, com o aumento ou diminuição da velocidade, se o instrumento tiver um movimentorotativo, e com uma variedade de grandeza ou de tensão das partes sonoras, se o instrumento não possuirmovimento rotativo.

6. Não será por meio de uma sucessão de ruídos imitativos da vida, mas, sim, por uma fantástica associação dessesvários timbres e desses vários ritmos, que a nova orquestra obterá as mais complexas e novas emoções sonoras. Porisso, cada instrumento deverá oferecer a possibilidade de mudar o tom e ter uma maior ou menor extensão.

7. A variedade dos ruídos é infinita. Se hoje, quando temos, talvez mil máquinas diferentes, podemos distinguir milruídos diversos, amanhã, com a multiplicação de novas máquinas, poderemos distinguir dez, vinte ou trinta mil ruídosdiversos, não para imitá-los simplesmente, mas para combiná-los conforme nossa fantasia.

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Russolophone, Luigi Russolo.

8. Convidamos, assim, os jovens músicos geniais e audaciosos para que observem com atenção todos os ruídos paracompreender os vários ritmos que os compõem, seus tons principais e aqueles secundários. Ao comparar os váriostimbres dos ruídos aos timbres dos sons, esses jovens se convencerão do quanto os primeiros são mais numerososque os segundos. Isso lhes dará não só a compreensão, mas também o gosto e a paixão pelos ruídos. Nossasensibilidade multiplicada depois de ter sido conquistada por olhares futuristas terá finalmente ouvidos futuristas.Assim, os motores e as máquinas de nossas cidades industriais poderão um dia ser sabiamente entoados, demaneira a compor de cada oficina uma inebriante orquestra de ruídos.

Caro Pratella, submeto a teugênio futurista estas minhasconstatações, convidando-teà discussão. Não sou deprofissão musicista: nãotenho então predileçõesacústicas nem obras adefender. Sou um pintorfuturista que projeta para forade si, numa arte muitoamada e estudada, a suavontade de tudo renovar.Portanto, por mais temeráriodo que poderia sê-lo ummusicista profissional,despreocupado com minhaaparente incompetência, econvencido de que a audáciatenha todos os direitos etodas as possibilidades, pudeintuir a grande renovação damúsica através da “arte dosruídos”.

Luigi Russolo

PUBLICADO EM SOM E FÚRIA