licao de ternura

Upload: poomya

Post on 04-Jun-2018

232 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    1/170

    1

    Sandra Canfield

    Lio De Ternura(Night Into Day)

    O amor floresce em sua plenitude das lgrimas e desejos dos enamorados...

    Ela queria a certeza impossvel de que no ia perd-lo!

    Alexandra ardia ao fogo do desejo. Abraou-se mais a Patrick, a sensualidade h muito reprimidaganhando vida ao mnimo toque daquele homem. Necessitava, desejava o prazer que ele podia lhedar. De repente, a necessidade, o desejo era to forte e consumidor que a assustou. Perdia o controlecom a mesma vulnerabilidade de quando soubera de sua doena. Uma voz interior comeou aadverti-la: no tinha o direito de buscar a satisfao com Patrick se no podia retribu-la da mesmamaneira..."No, Patrick!" afastou-o em desespero. "Voc uma covarde, Alexandra. Covarde!" Ou corajosa o

    bastante para poupar o homem que amava de uma vida cheia de problemas?

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    2/170

    2

    CAPTULO I

    Patrick OCasey saiu do chuveiro no hotel bem tempo de ouvir onoticirio esportivo da rede WWL, canal quatro.

    _A agitao geral aqui em Nova Orleans para a grande final de futebolamericano- o reporter anunciava . -E no faltam especulaes sobre o timeque conquistar o ttulo de campeo este ano, se a ofensiva dos Cowboysou a defesa acirrada dos Bengals...

    Enquanto enxugava com vigor os cabelos castanhos avermelhados, Patricktentava convencer-se de que, afinal, havia sido melhor que seu time,Memphis Maraudes, no tivesse chegado final naquela temporada. A

    expectativa pelo jogo, a partida em si e a volta realidade depois da vitriaou da derrota eram desgastantes demais. Mesmo os jogadores mais jovenssofriam com a tenso.

    - Os dois times entraro em campo sem nenhum dos titularescontundidos...

    Patrick enxugava o peito quando a meno do trio infernal chamou suaateno. Ele no resistiu curiosidade de se ver na televiso.

    - Trs rapazes que dispensam apresentao. Em campo, eles soconhecidos como os Infernais, um trio certamente tempestuoso.

    Nu e descalo, Patrick foi para quarto assistir entrevista que haviaconcedido juntamente com seus dois companheiros de equipe.

    - Como vocs vo se sentir no domingo ao assistir batalha entre Cowboyse os Bengals? Se algum por acaso no os conhece, estes so SonnyCallegari, Marlin Washington e o Malando Irlands em pessoa, PatrickO`Casey.

    Foi o loiro Sonny Callegari quem respondeu pergunta do reprter.

    -Vou me sentir realmente muito bem no domingo vendo os Cawboys e osBengals se massacrarem em vez de os massacrados sermos eu e meuscompanheiros.

    -Mas bom lembrar - Marlin Washington, de pele e cabelos negros,ressalvou - que o Memphis Maraudes fez uma campannha...posso dizer...-ele o cochichou a palavra ao ouvido de Sonny -...na televiso?

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    3/170

    3

    O loiro respondeu negativamente com a cabea.

    -Bem, chutamos um bocado de b...

    Callegari interveio a tempo com a tossida.

    -Chutamos um bocado de traseiros - Marlin corrigiu, provocando o riso daequipe de filmagem.

    Patrick O`Casey ria enquanto amarrava a toalha na cintura. Foi suaimagem na tela quem salvou a situao hilariante.

    -O que meu companheiro est querendo dizer que tivemos uma boacampanha e no h por que nos envergonharmos.

    -No h como contestar isso - o reprter concordou- Como um quarto

    zagueiro que j foi campeo, Patrick, que tipo de presso os beques dosCowboys e dos Bengals esto sofrendo hoje?

    -Muita. Assim como os demais integrantes do time. Todos esto tentandocolocar a cabea no lugar, para evitar o menor erro no domingo.

    -Os dois times esto em p de igualdade?- a pergunta se dirigia a Patrick.

    -Eu diria que sim. A equipe de Dallas conta com a experincia; enquanto ade Cincinnati, com a garra de jogadores novos. Deve ocorrer uma disputapalmo a palmo at o final.

    -Agora a pergunta que todos fazem - o reprter anunciou, finalizando aentrevista: -quem vencer no domingo?

    -Essa, caro amigo- Patrick sorriu-, uma pergunta fcil de responder.Vencer o time que marcar mais pontos.

    Vendo-se no vdeo, Patrick balanou a cabea,divertido, logo, porm, osorriso morreu em seus lbios. Quem era ele, afinal? O homem bem-humorado que h pouco vira na televiso?

    Sua imagem revelava o glamour de uma carreira de grande projeo,sobretudo no que se referia s mulheres, no entanto, no fundo nopassava de um produto da mdia. No ntimo, Patrick ainda se sentia ogaroto pobre e cheio de inseguranas do Canal Irlands, um bairrohumilde de Nova Orleans. S que os temores da infncia haviam cedidolugar s incertezas de um profissional veterano num meio de jovens.Preocupado com a idade, mantinha o fsico em forma atravs de exerccios

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    4/170

    4

    intensivos e mega doses de vitamina. Afligia-o estar com trinta e cincoanos e no ter nenhuma carreira alternativa. Dedicava a vida ao esporte.

    Preocupava-o tambm uma incmoda sensao de vazio. Temia acordarum dia e se descobrir sozinho num mundo indiferente. No era isso que

    desejava. Estava cansado das mulheres que entravam e saam de sua vida,numa sucesso indistinta de noites partilhadas. Por outro lado, ainda noencontrara uma que lhe despertasse um sentimento especial. Nenhumaat ento tinha conseguido chegar at sua alma. Pior ainda, nenhumamostrara interesse em conhec-lo a fundo, nem mesmo a ex-esposa.

    Patrick riu amargurado. Seria o telefonema de Denise , naquela manh, acausa da depresso que o perturbava o dia todo? Depois de trs anos deseparao amigvel, ela pretendia casar-se novamente. Com todahonestidade, concluiu que no tinha sido a notcia que o abalara, mas sima conscincia do vazio interior. Sentia-se muito s. Muito sentimental! E

    precisava sair urgentemente desse estado de autocomiserao.Ao consultar o relgio constatou que era mais tarde do que imaginava.Havia perdido a noo do tempo enquanto se exercitava no salo deginstica do hotel. Se no se apressasse, perderia a festa em antecipao final do campeonato.

    Se bem que no perderia grande coisa...O desnimo ameaava voltarquando o telefone tocou, interrompendo o curso de seus pensamentos.

    -Al?

    -Oi, malandro, por acaso viu aqueles bonites no noticirio das seis?- EraMarlim Washington.

    -Vi, sim. O moreno e o loiro eram bem apessoados, concordo,mas ooutro...parecia ter cado de uma rvore de cara no cho.

    -Eu o lembrarei disso na prxima vez que houver apenas esse sujeito entrevoc e o Super-Homem - ele se referia a William Perry, atacante do ChicagoBear, um verdadeiro gigante de mais de dois metros de altura.

    - Deixaria realmente um amigo ser massacrado em campo? -Patrickreprimia o riso.

    -No se preocupe, OCasey, farei um discurso comovente no seu funeral. Ambos caram na risada. -Oua, amigo,voc me daria uma carona at afesta naquele seu reluzente carro esporte? Alis, quanto esto pagandopara um quarto zagueiro? Beques dirigem reles Chevy Novas.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    5/170

    5

    -Quer dizer que vocs, beques, tentam dirigir Chevy Novas,certo? Sejacomo for, a carona est garantida. Isto , se no se sentir humilhado porandar ao lado de um verdadeiro jogador de rgbi.

    Aps nova troca de provocaes, combinaram horrio de partida. Patrick

    desligou o telefone com Marlim gritando em seu ouvido:-Festa! Festa! Festa!

    Um sorriso se esboou nos lbios do quarto zagueiro. Uma festa eraexatamente do que precisava para dissipar a melancolia.

    "Vou me atrasar para a festa", pensou Alexandra Farrel enquanto sesentava cuidadosamente diante da penteadeira, reprimindo uma careta dedor. O motivo de seu atraso era simples. Estimava-se que cerca de 120

    milhes de pessoas assistiriam final de futebol no domingo. Umaverdadeira multido invadira Nova Orleans...congestionando o trnsito nopercurso entre o consultrio do mdico e a casa dela.

    O consultrio do mdico...No fundo, era um alvio para Alexandra ter de searrumar s pressas. Assim no lhe sobrava tempo para pensar na notciaque recebera do Dr. Straton. Embora no fosse inesperada, a haviachocado do mesmo jeito.

    Para ajudar a combater o nervosismo e romper o silncio opressivo dacasa, apanhou o aparelho de controle remoto e ligou a televiso. Comeavao noticirio do canal quatro.

    -...E no faltam especulaes sobre o time que conquistar o ttulo decampeo este ano...

    Alexandra ouviu distraidamente o reprter enquanto se maquiava.

    -...Se a ofensiva alegre dos Cowboys ou a defesa acirrada dos Bengals...

    Realando os olhos verdes, cobriu os lbios com um batom rosado quecombinavam com a pele alva. Em seguida, penteou os cabelos loiros,ajeitando a franja com os dedos.

    -...Os dois times entraro em campo sem nenhum dos titularescontundidos...

    -...Trs rapazes que dispensam apresentao. Em campo, eles soconhecidos como Os Infernais, um trio certamente tempestuoso.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    6/170

    6

    O bom humor dos entrevistados chamou a ateno de Alexandra. Dos trshomens na tela , um era loiro e consideravelmente mais baixo do que oscompanheiros; o outro, um negro altssimo; o terceiro, um moreno forte eatraente. Ao v-lo sorrir, ela o classificou como terrivelmente atraente.

    -Agora a pergunta que todos fazem: quem vencer no domingo?Um sorriso maroto se desenhou nos lbios de Patrick O`Casey, eAlexandra se viu espera da resposta, embora no se interessasse porfutebol.

    -Essa, meu caro amigo - o sotaque irlands era deliberadamentecarregado-, uma pergunta fcil de responder. Vencer o time que marcarmais pontos.

    Alexandra sorriu no tanto pelo gracejo quanto pelo sorriso contagiante em

    close de Patrick O`Casey.-Muito bem, pessoal, vocs acabaram de assistir a uma entrevistaexclusiva para a WWL - o reprter finalizou.- Obrigado, rapazes, e...

    O toque do telefone assustou Alexandra, dissipando seu encantamentopelo jogador de futebol. Alis, ela deixara de lado o interesse por homensh muito tempo...exatamente dez anos.

    Apoiando as mos na penteadeira, Alexandra se ergueu com dificuldade.Uma dor aguda percorreu sua perna esquerda, obrigando-a a fechar osolhos para reprimir as lgrimas. S no conseguiu conter o suor quebrotava na testa. Apoiando-se na bengala, andou at o telefone.

    -Al?

    -Vou me atrasar- uma voz feminina informou sem rodeios. -Tive de atenderum paciente na ltima hora.

    -No se preocupe, tambm estou atrasada.

    -Ainda bem. Devo chegar a em meia hora.

    -Estarei pronta. At logo.

    Ao desligar o telefone, Alexandra imaginou o que o dr. Stratton diria sesoubesse que iria a uma festa, apesar da recomendao de repouso.

    Entretanto, no podia deixar de comparecer. Fazia parte do seu trabalho.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    7/170

    7

    Blair Baxter era alta e esbelta, com cabelos negros cortados rentes cabea. Os olhos, igualmente pretos, destacavam-se no rosto de peleescura.

    -Foi ao mdico hoje?- Blair perguntou enquanto dirigia pelo trnsito

    intenso com a impacincia que caracterizava sua personalidade. Rumavampara o sofisticado bairro dos Jardins.

    -Sim - Alexandra confirmou, segurando-se na porta quando a amigacortou um caminho para trocar de pista. - No viu o caminho? -Claroque sim. Seno teria batido nele. - Sem a menor pausa, Blair acrescentou:

    - O que ele disse?

    -Nada, mas s o olhar mataria...

    -Refiro-me ao mdico.A imagem dos raios X iluminados numa tela voltou mente de Alexandra.Para ela, no passavam de um aglomerado bizarro de sombras que nosabia interpretar, embora pudesse prever o que revelavam. A dor e aimobilidade crescente no quadril a obrigavam a se apoiar numa bengala,apontando para um nico diagnstico plausvel: a artrite havia destrudo a

    junta de sua bacia, apesar da cirurgia que lhe deixara uma cicatriz acimada coxa direita.

    A idia de uma nova operao lhe trazia lampejo de pnico. Sentia-sepresa numa armadilha sem escapatria. Procurou, contudo, afastar asensao. Tudo acabaria bem, como sempre. Alm do mais, era mulherforte. Tinha de ser.

    - Ele disse que preciso de uma nova cirurgia - finalmente respondeu, semdeixar que os sentimentos transparecessem na voz.

    Houve um momento de hesitao em que Blair sufocou mpeto de dizer oquanto lamentava a situao. Esse tipo de comentrio aborreceria a amiga.

    -Voc j esperava por isso, no?

    -Sim.

    -Precisa de uma prtese no quadril, isso?

    -Exatamente.

    -Quando ser a cirurgia?

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    8/170

    8

    -No antes de terminar o projeto do hotel-fazenda.

    Blair virou bruscamente a cabea.

    -Mas isso s em...-Poderia, por favor, olhar para frente?

    -...meados de abril - Blair concluiu, voltando a ateno para o trfegocongestionado.

    -Tem razo.

    Desta vez Blair no hesitou em expressar o que tinha em mente:

    -Est louca menina?-Por qu? - Alexandra sorria com cinismo. - Ouviu algum boato a respeito?

    -No banque a engraadinha comigo. O lado profissional da fisioterapeutaveio tona. -O assunto srio. Se voc sente dor agora, daqui a trsmeses...

    -Vou at o fim com meu trabalho. - O tom categrico no dava margem objeo.

    A reao de Blair fora idntica do dr. Stratton, embora ele soubesseapenas que sua paciente estava envolvida num projeto que no podiadelegar a outra pessoa. Alexandra no tinha entrado em detalhes. Nocontara, por exemplo, sobre o trabalho voluntrio que desenvolvia naFundao de Pesquisas sobre Doenas Reumticas, em paralelo administrao de uma agncia de viagens especializada no atendimento adeficientes fsicos. No momento, ela se empenhava em convencerempresrios de Nova Orleans a patrocinar uma semana num hotel-fazendano Texas para crianas artrticas. Depois de tanto esforo, recusava-se adesapontar fosse o empresariado j comprometido com o programa ou afundao e muito menos a garotada. Faltavam dez semanas para o eventoe havia trabalho perder de vista. Nada, nem mesmo sua dor, a impediriaagora.

    No final, o dr. Stratton se conformara em fazer o mximo ao seu alcance:havia receitado um forte analgsico e recomendado muito repouso,lembrando que a artrite reumtica progredia com o estresse e ahiperatividade.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    9/170

    9

    -Alm do mais - Alexandra completou -, preciso do dinheiro para aoperao. - Tratava-se de outro aspecto que ela no mencionara aomdico.

    -Se o problema dinheiro...- Blair comeou, mas se interrompeu em

    seguida diante do olhar fulminante da amiga. -Est bem, est bem! -Elaergueu o olhar para o cu e suplicou: - Oh, misericordioso Senhor, perdoe-me pelo terrvel pecado de oferecer ajuda a uma amiga.

    Alexandra sorriu.

    -Um dia desses, Alexandra Farrel, esse seu teimoso senso deindependncia vai met-la numa grande encrenca.

    O sorriso de Alexandra se dissipou, cedendo lugar a lembranas dolorosas.

    -Talvez. Mas nunca to grande quanto o problema que a dependncia metraria.

    Blair suspirou inconformada, porm no disse mais nada. Aquele assuntoconstitua o pomo da discrdia entre as duas. A fisioterapeuta sabia que

    jamais venceria essa batalha. Infelizmente, Alexandra sempre impunha avontade, inconsciente de que assim acabaria perdendo a guerra

    No silncio que se seguiu, Alexandra recordou como havia conhecido aamiga. Blair fora sua fisioterapeuta aps a primeira cirurgia no quadril,cinco anos atrs. Blair a instigara implacavelmente, por vezes at alm deseu limite de resistncia fsica, levando-a a odi-la. Na poca da alta dohospital, porm , o dio se transformara em gratido, e assim nascera umagrande amizade.

    -Obrigada. - Alexandra quebrou o silncio- por me oferecer o dinheiro.Mas, realmente, no precisarei de nenhum emprstimo.

    -Se precisar...

    -No precisarei.

    Era o fim do assunto.

    Era o fim do trajeto.

    Alexandra agradeceu em silncio pela chegada em segurana.

    O Bairro dos Jardins em Nova Orleans abrigava as residncias maisdistintas da cidade. A festa daquela noite se realizava numa manso

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    10/170

    10

    construda por volta de 1800. Embora a arquitetura a impressionasse,foram os degraus amplos que davam na porta a frente que mais chamarama ateno de Alexandra.

    -Diga-me que aquilo tudo no so degraus- ela balbuciou.

    -Conseguir subir?

    -No tenho escolha.

    -Tem mesmo de aparecer nessa festa?

    O anfitrio era um dos empresrios que haviam generosamente colaboradocom a semana das crianas no hotel-fazenda. Todos os envolvidos nacampanha iam estar l. Era um meio de informar o pblico sobre adoena. Ela pretendia acertar os ltimos detalhes na festa.

    -Infelizmente tenho- respondeu.

    Blair deu um suspiro de resignao.

    Com a ajuda da amiga e da bengala, Alexandra se ps , ento a subir aescadaria. Na chegada ao topo, uma dor intensa corroia-lhe o quadril. Arespirao era ofegante e a testa estava coberta de suor.

    -Voc est bem? - Blair indagou, a voz revelando tanto preocupaoquanto admirao. Ela sabia que os artrticos tinham uma fora devontade excepcional. Alexandra talvez mais do que a maioria.

    -No poderia estar melhor - ela respondeu, brincando. -Lembre-se dequando comprar minha manso mandar instalar uma escada rolante.

    Bateram porta e, enquanto esperavam algum vir atend-las, Alexandraforou um sorriso, no fundo ansiando por estar em casa com frasco delinimento, uma almofada eltrica e um comprimido para dor. Naimpossibilidade de ter tudo isso, contentava-se com uma cadeira parasentar.

    Fazer concesses, ela pensou com um pouco de tristeza e muito desabedoria, era o verdadeiro segredo para uma vida bem sucedida

    CAPTULO II

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    11/170

    11

    Patrick O`Casey nunca fazia concesses. Sempre jogava para ganhar.Levava a vida a todo a vapor. Portanto, surpreendeu-se ao perceber,enquanto girava um copo de usque com gelo e ouvia o burburinho dafesta, que sem querer comprometia o prazer daquela noite.

    Chegara suntuosa manso nos Jardins com o firme propsito de sedivertir como de costume. Entretanto, a depresso continuava a pertub-lo, impedindo-o de aproveitar a festa como pretendia. Como uma ressacade bebida de segunda categoria, o desnimo no se dissipava.

    -Puxa vida! Olhe para esta casa! - Marlim Washington comentou,percorrendo o olhar pelo ambiente sofisticado. - Faz o casaro de ScarletO`Hara, em Tara, parecer um cortio.

    -Definitivamente nada humilde - Patrick concordou, tomando um gole dousque.

    O salo em que se realizava a festa era ornamentado por antiguidades, e odourado combinando com o branco constitua o padro predominante decor. Os lustres de cristal inundavam o ambiente de luz, fazendo reluzirainda mais o assoalho. Um piano de cauda ocupava um lugar de destaque,embora naquela noite estivesse silencioso. A msica suave ficava por contade um conjunto num canto do amplo recinto. Vrios casais danavam.

    Por uma razo inexplicvel, a cano romntica e a viso dos paresdanantes emocionavam Patrick. "Cus, o que h comigo?", ele imaginoucom aflio.

    -Onde est Callegari? -perguntou, determinado a afastar sensaesindesejveis.

    -Tentando se desvencilhar da morena - Marlin respondeu, virando-se nadireo da lareira.

    Patrick reconheceu a mulher glamourosa de brao dado com Sonny. Era amesma que lhe havia pedido um autgrafo mal tinha chegado na festa e dequem custara a se livrar. O companheiro de equipe parecia sofrer o mesmoproblema.

    -Acha que j est na hora de entrarmos em cena e avis-lo que a esposaacaba de ter trigmeos? -Patrick sugeriu. Tratava-se da ttica que os trssolteires inveterados adotavam para salvar um companheiro em apuroscom fs ardorosas demais. A notcias de que "acabaram de ligar doconsultrio de seu mdico com o resultado de seus exames de sangue"tambm costumava funcionar.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    12/170

    12

    -Vamos dar a ele mais dez segundos e ento entraremos em cena- Marlimrespondeu. -Quero ver o quanto nosso amigo bom de drible.

    Em seguida a essas palavras, Callegari se desvencilhou da morena fatal e,olhando ao redor como que em busca de um porto seguro num mar

    tempestuoso, aproximou-se dos dois amigos.-Onde diabos vocs se meteram? -ele indagou, tirando o copo de usque damo de Patrick. -Quase ca numa rede e vocs aqui, vendo tudo sem fazernada para me salvar.

    Patrick e Marlim tentavam, sem muito sucesso , reprimir o riso.

    -Podem rir. -O tom de Sonny era indignado.

    -Voc estava se saindo bem -Washington argumentou.

    -Sim, de todos os oito tentculos - Callegari acrescentou com sarcasmo.At me propus a apresent-la ao irresistvel Malandro Irlands.

    -Obrigado, companheiro - Patrick retrucou. -De fato, eu e ela j travamosalguns rounds.

    O loiro balbuciou um palavro.

    -Sabia que eu era a segunda opo. -Ento, um largo sorriso iluminou seurosto enquanto olhava para Marlim, embora falasse com O`Casey. -Considerando que j sofremos uma investida, eu diria que agora a vez deWashington. O que acha, companheiro?

    Parece razovel - Patrick concordou.

    - Para o inferno, vocs! - Marlin protestou. -Sinto muito, mas acabaram deligar do consultrio de meu mdico com o resultado dos exames desangue.

    Os trs caram na risada e Callegari mudou de assunto.

    -Ouam, rapazes, Wokowski est coletando apostas para o jogo dedomingo. Querem participar?

    -Quanto ? - Washington se interessou.-Cinqenta. e melhor decidirem rpido porque...

    Patrick no prestava mais ateno na conversa, o olhar perdido pelo salo.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    13/170

    13

    - esquerda, ainda prximo da lareira, a morena voltava a atacar. Destavez, a vtima era Wokowski, o jogador polons. Ao lado dos dois,reconheceu o relaes pblicas da Federao Nacional de FutebolAmericano. Qual era mesmo o nome do sujeito? Kern? No, Kerr, AveryKerr. A ateno de O`Casey se voltando naturalmente para a moa que

    conversava com ele. Tratava-se de uma loira bastante atraente, embora loiras no fizessem seugnero. Ia desviar o olhar quando a viu sorrir. Algo no sorriso o cativou

    - O`Casey?

    Quem era ela? No parecia namorada de Kerr. Estaria acompanhada?

    Ei, OCasey!

    O chamado insistente atraiu a ateno de Patrick. Os dois amigos oencaravam com curiosidade.

    -Vai participar ou no? -Sonny indagou.

    Patrick notou o dinheiro na mo do companheiro e se lembrou da questoda aposta.

    -Vou -respondeu distrado, voltando a olhar para a moa.

    Ela no mais sorria, falava. Patrick procurou observ-la com os olhoscrticos. No era linda como Denise, com seus traos perfeitos, mas acombinao da pele clara com os cabelos cor de mel lhe davam um aretreo.

    A moa sorriu de novo, afetando-o do mesmo jeito que da primeira vez. Elenunca havia sentido uma atrao to imediata por uma mulher, e asensao o confundia. Achava-a sexy, porm existia algo mais. Noconseguia definir o que, s sabia que ao fit-la vinha-lhe a idia depredestinao. Tinha a estranha impresso de que j a conhecia

    O sorriso se alargou em despedida a Avery Kerr. Pela primeira vez, Patrickpercebeu um toque de melancolia na fisionomia da moa. Existia umadisparidade entre o sorriso nos lbios e a expresso no olhar. Umamisteriosa disparidade. Essa constatao apenas aguou-lhe o interesse.

    Ele ouviu ao longe o conjunto comear a tocar a cano romnticaFeelings. Ainda mais remotamente, escutou chamarem seu nome.

    -OCasey? Ei OCasey?

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    14/170

    14

    Ento se virou para os companheiros que o encaravam com preocupao.

    -Ei, voc est bem? -Washington perguntou.

    -No tenho a menor idia- Patrick respondeu e, sem dar explicaes,dirigiu-se ao alvo de seu interesse.

    O encontro com Avery Kerr havia correspondido s expectativas deAlexandra. Tinha conseguido o que desejava: a confirmao da presenade alguns jogadores de futebol em sua agncia na segunda-feira demanh. S faltava convocar a imprensa.

    Uma vez cumprida a misso, Alexandra sentiu o cansao domin-la. A dorna perna persistia, e ela considerou a possibilidade de dar a noite por

    encerrada. Onde estava Blair?Olhando ao redor, localizou a amiga servindo-se do prdigo buf.Alexandra sorriu. Devia ter adivinhado que Blair estaria perto da comida.Invejava-a por viver comendo e no engordar, pois lhe bastava sentircheiro de comida para ganhar peso. Sabia que isso se relacionava comfalta de atividade fsica normal, entretanto, essa conscincia no ajudava asaciar seu estmago sempre.

    Nesse instante, Blair se virou para ela e, com um gesto, ofereceu-se atrazer algo para comer. Alexandra assentiu com a cabea. "Dane-se",pensou. Para variar, satisfaria o apetite em detrimento das calorias a mais.

    Enquanto esperava a comida, acomodou-se melhor no sof e deixou oolhar passear pelo salo. Uma parte dos convidados se dividia em grupos econversava animadamente, enquanto a outra danava de rosto colado.Ento notou um homem alto, de ombros largos e porte atltico queatravessava o ambiente. As feies lhe pareceram familiares, embora nofizesse a menor idia de onde poderia conhec-lo. Provavelmente eraapenas impresso.

    Logo percebeu, porm, que o homem vinha em sua direo. Embaraadapor encar-lo de modo to direto, baixou o olhar. S voltou a ergu-lo aonotar que algum parava sua frente. Para sua surpresa, era o morenoatraente.Quando seus olhares se cruzaram , dois pensamentos ocorreramsimultaneamente:

    ****H definitivamente algo familiar nesse olhar brincalho****

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    15/170

    15

    ****Ela mais bonita do que imaginei. capaz de levar um homem sraias da loucura****

    Foi exatamente onde Patrick imaginou estar - nas raias da loucura- ao seouvir propor:

    -Gostaria de danar ou prefere dispensar as formalidades e fugir comigo?

    Apesar do brilho maroto no olhar, ele se conscientizou de que no fundofalava srio. Naquele exato momento, cedendo a um incontrolvel gesto deloucura, fugiria com aquela mulher para onde ela quisesse ir -Uma ilhadeserta, o topo de uma montanha, o paraso ou at o inferno. De repente,uma sensao totalmente inusitada de vulnerabilidade o tomou de assalto.

    Alexandra, por sua vez, o fitava atnita. Aquelas palavras mais adesconcertavam do que surpreendiam, pois sabia que situao

    embaraosa criaria ao revelar por que no podia aceitar o convite. Elaengoliu em seco, desejando sumir como num passe de mgica.

    -Eu...eu agradeo, infelizmente no posso fazer nem uma coisa nem outra.

    -No h problema,posso ensin-la...- Patrick respondeu interpretando mala recusa... -a fazer as duas coisas.

    O embarao de Alexandra se intensificou, trazendo um rubor s suasfaces.

    -Realmente sinto muito, mas...

    -A primeira -ele a interrompeu- apenas uma questo de se mover com amsica; a segunda...-O que acha de uma praia deserta no Caribe?

    -Parece interessante, mas...

    -Ou um acampamento no topo de uma montanha?

    -Por favor, eu...

    -Voc escolhe.

    A tentao era quase irresistvel. Alexandra teve de se agarrar realidadede sua condio para reprimir o impulso de aceitar a proposta. A realidadede uma doena complexa da qual com toda probabilidade jamais selivraria. Alm disso havia o fato de que , quando aquele homemdescobrisse sua deficincia, ela seria a ltima mulher no salo com quemele flertaria.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    16/170

    16

    -Seu convite lisonjeiro -ela sorria, tentando esconder a frustrao, -mas...

    -No! -a exclamao interrompeu a conversa entre os dois. -No! -Blair

    repetiu. -No acredito, no pode ser. Ou sim? voc mesmo? Oh, noacredito!- Ela estava com olhar cravado em Patrick. -Mas verdade! Souuma grande f sua. E meu pai, ento, preferia morrer a perder um jogo doMarauders.

    -Obrigado. -Patrick riu. -E agradea seu pai por mim.

    -Oua, sei que as pessoas lhe pedem isso o tempo todo, mas poderia medar um autgrafo? Isto , para o meu pai.

    -Claro...s que no trouxe caneta.

    -Arrumarei num instante. -Blair deixou os pratos numa mesa e comeou avasculhar a bolsa.

    Alexandra apenas observava o desenrolar de cena, tentando descobrirquem era o homem. Agora sentia confirmar-se a impresso de que j otinha visto, porm, onde?

    Uma caneta e um guardanapo foram prontamente providenciados paraPatrick.

    -Aqui est- ele disse, ao devolver a caneta e o papel devidamenteautografado a Blair.

    Enquanto isso, Alexandra comeava a associar os fatos. Jogadores defutebol, Marauders, o olhar brincalho...

    -Muito obrigada. -A amiga se desmanchava em sorrisos. -A propsito souBlair Baxter.

    Patrick apertou-lhe a mo e ento olhou para Alexandra, para forar umaapresentao. Blair entendeu a deixa.

    -E esta minha amiga Alexandra Farrell. Alexandra , este Patrick...-...OCasey -ela concluiu pela outra.

    Os trs ficaram apenas a se olhar. Alexandra e Patrick, um para o outro,enquanto Blair para a amiga que, embora no se interessasse nem umpouco por futebol, sabia o nome do quarto-zagueiro do Marauders.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    17/170

    17

    -Agora que nos conhecemos... -o olhar de Patrick revelava esperana.

    -Sinto muito, mas a resposta ainda no -Alexandra interrompeu comfirmeza, embora o corao batesse forte. Apesar de habituada a situaespatticas de falta de tato e covardia. -Na verdade, j estvamos de sada.

    Blair arregalou os olhos.

    -O qu? -ela protestou, olhando para os pratos intactos de comida.

    Alexandra o ignorou e tentou se levantar. Uma dor forte percorreu suaperna, provocando um gemido involuntrio. Apoiando-se com mais foranas mos, fez nova tentativa, mas tambm em vo. O sof era baixodemais. Precisava de ajuda e olhou para Blair, que entendeu a mensagemsilenciosa e a amparou pelo brao. Ento lhe passou a bengala recostadaao lado do mvel.

    -Obrigada pelo convite...-disse ofegante, devido ao esforo, e sem encar-lo, consciente do tipo de reao que veria na fisionomia dele. Primeirohaveria surpresa, depois um lampejo de culpa. A isso se seguiria umsilncio desconcertante que nenhum dos dois saberia como romper. Comodesejava estar a mil quilmetros dali! -Boa noite, sr,. OCasey -ela sedespediu, agora mais do que nunca ansiando pelo refgio do seu lar.

    Atnito, Patrick no disse nada. Seguiu-a com o olhar, enquanto o rudoda bengala ecoava pelo assoalho e por sua mente. De repente, numimpulso, correu em seu encalo e a segurou pelo brao. Desta vez seusolhares se cruzaram.

    -Oua, eu ...eu sinto muito. No fazia idia...quero dizer, se soubesse,certamente no teria... -ele hesitou e suspirou. -Sinto muito.

    -No h necessidade de se desculpar -Alexandra argumentou, sentindoembarao pelos dois. Por algum motivo inexplicvel, queria aliviar o delemais do que o prprio. Enfim, acrescentou com voz e olhar brandos: -Boanoite outra vez. -Ento forou uma postura empertigada e se afastoumancando. Blair a seguiu em silncio.

    Patrick continuou a acompanh-la com o olhar, lutando contra a vontadede ir atrs dela de novo...e fazer o qu? Desculpar-se novamente e piorar asituao? Aquele dia infeliz teve o final apropriado, pensou com ironia.

    -Est disposta a falar? -Blair perguntou, em meio ao rudo da guaborbulhante.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    18/170

    18

    Alexandra voltou o olhar indolente para a amiga. A gua morna dahidromassagem relaxaria pouco a pouco seu corpo dolorido.

    -Falar sobre o qu?

    -Sabe muito bem sobre o que...ou talvez seja mais apropriado dizer sobrequem. -Blair tambm estava imersa na banheira. -Respeitei seu silnciodurante todo caminho de volta para casa, mas agora quero algumasrespostas.

    - Que Respostas? -apesar do tom indiferente, a pulsao de Alexandraacelerava.

    -Respostas a perguntas como "o que aconteceu esta noite?" ou "pq tivemosde ir embora com tanta pressa?"

    -Olhe s quem fala em pressa -Alexandra ironizou.-No mude de assunto. O que aconteceu l na festa?

    -Voc pediu e ganhou um autgrafo de Patrick OCasey.

    -Acho que aconteceu muito mais do que isso. E pode comear mecontando como sabia que aquele homem era Patrick OCasey.

    -Elementar, minha cara Baxter, Eu o vi na televiso hoje. Ele e oscompanheiros do trio Infernal.

    -Infernal? Ora, ora, estou impressionada com esse seu conhecimento deum assunto que pensei que no lhe interessava. Mas no tente medistrair. Vamos, conte. O que voc e Patrick OCasey estavamconversando?

    -O que dois convidados numa festa normalmente conversam.

    -Alexandra!

    As duas se encararam, uma mais teimosa que a outra. Foi Alexandraquem finalmente cedeu:-Muito bem, voc venceu. Ele me convidou para danar -ela limitou-se adizer, omitindo a outra proposta. De repente imaginou a quantas mulhereso convite tinha sido feito. E quantas haviam aceito.

    -E o que respondeu?

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    19/170

    19

    -O que acha? -o tom soou mais rspido do que ela pretendia. -Desculpe-me.

    Blair suspirou.

    -Alexandra, por que foge de todo homem que demonstra interesse porvoc?

    -J lhe disse isso mil vezes. Fujo deles antes que fujam de mim.

    -No est sendo justa com voc mesma nem com eles. Aposto que, se ...

    -Talvez sim, talvez no. -Lembranas que jamais partilhara com ningum.Nem mesmo com a melhor amiga.

    -Mas...

    -Por favor, Blair, vamos esquecer o assunto?

    Blair hesitou, entretanto acabou cedendo, afundando mais na gua tpidae espumante

    -Como vai sua sobrinha? -Alexandra perguntou para aliviar o clima tenso?

    -Absolutamente linda. Est com trs semanas e tem o rosto maisbochechudo que j vi, sem falar nos cabelos ruivos. uma graa!

    -Voc adoraria ter um beb, no?

    -Se gostaria! O problema arrumar um homem que queira ser o pai. E euno tenho mais muito tempo para esperar. Estou com trinta e sete anos,amiga.

    Embora seu caso fosse diferente, h muito Alexandra se conformara emno ter filhos. Mesmo que estivesse casada, sua sade representaria umfator de complicao. Talvez por isso dedicava-se com tanto carinho acrianas artrticas.

    De repente, Blair soltou uma gargalhada.

    -Que dupla formamos! Eu procuro um homem enquanto voc os rejeita.

    -Eu no diria exatamente isso. -A imagem de um par de olhos azuisencantadores lhe vieram inadvertidamente lembrana. -Por que os trsso chamados de Infernais?

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    20/170

    20

    -Os reprteres esportivos que comearam com isso. Os trs se entendembem em campo e so super rpidos. Quando um lana a bola para o outro ponto na certa. -Blair se interrompeu, rindo. -Pelo seu sbito interessepor futebol, devo concluir que vai assistir final do campeonato, nodomingo.

    -Dificilmente. E se eu no sair logo desta banheira vou encolher.

    Embora o calor tivesse abrandado a dor, a perna de Alex continuavargida, dificultando a sada da banheira. A amiga a ajudou.

    -Prometa - Blair pediu - que no tentar usar a hidromassagem sozinhaenquanto estiver com problemas na perna. -Antes que Alexandraobjetasse, acrescentou: -Sei que ofendo seu senso de independncia, masme d esse prazer. Est bem?

    -Blair, posso perfeitamente...-Prometa.

    -No ...-Passarei aqui todos os dias, no final da tarde, para ajud-la, est bem?

    -Est bem -Alexandra aquiesceu, embora sem esconder que o fazia acontragosto.

    -Prometa.

    -Certo, certo, eu prometo!

    -timo. Agora me passe a toalha e me deixe ir para casa. Quinze minutosdepois, Alexandra foi se deitar. Cansada como estava esperava adormecerlogo. Contudo, por mais que tentasse, no conseguia conciliar o sono,revendo na mente os acontecimentos daquela noite.

    ********O escritrio estava um caos.

    Como uma secretria, uma amiga, um reprter, duas mes, umaassistente social e trs crianas podiam fazer tanto barulho? At entoAlexandra no havia se dado conta de quanto sua sala era pequena. Ondeficariam os jogadores de futebol quando chegassem? A propsito, estavamatrasados.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    21/170

    21

    A viagens e Excurses Farrel dividia um casaro antigo com umacompanhia de seguros e uma ceramista. A moblia era de segunda mo,sendo que as cadeiras haviam recebido um novo estofamento por conta dopai de Blair. As paredes exibiam uma combinao ecltica de quadros: umVan Gogh multicolorido com motivo de girassis em meio a uma variedade

    de posters mostrando pontos tursticos de San Francisco, o Caribe e NovaYork. parte estavam as menes honrosas que Alexandra tinha recebidopelo trabalho voluntrio desenvolvido junto Fundao de Pesquisas,expostas por insistncia da amiga.

    Sentada sua mesa, ela observou a algazarra das crianas. Havia umagarotinha de dois a trs anos de idade, um menino com aproximadamentecinco e outro de sete a oito. Este, Jason Holland, era negro e rfo, vivendoatualmente sob a tutela do Estado. Em pior estado que as outras crianas,movia-se com lentido e seu olhar triste e cansado.

    Alexandra imaginou se carregava a mesma expresso depois de lutarquase dez anos contra a prpria doena.

    Blair terminou de contar uma histria s crianas e ento se levantou docho e se juntou a Alexandra.

    -Eles esto atrasados, no?

    -Alguns minutos -Alexandra confirmou.

    -Sabe quem vem?

    -No. Avery Kerr disse apenas que mandaria alguns jogadores de futebol.

    -Jason est muito ansioso para conhecer pessoalmente um jogador dergbi. Acredita que aquela criana linda no tem lar? Blair comentouindignada. Ento mudou de assunto com a impacincia que lhe eracaracterstica. Como se sente?

    -Bem Alexandra respondeu, embora sentisse o corpo dolorido.

    -O quadril di?

    -Um pouco.

    Tem certeza?

    Alexandra apenas deu de ombro, provocando um suspiro na amiga.

    -Vc rainha da minimizao, sabia?

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    22/170

    22

    -Minha chefe lhe contou sobre s flores? -Susan interrompeu a conversa,alarmando Alexandra.

    -Susan, por que no oferece caf s pessoas?

    -Que flores? -Blair percebeu a manobra da amiga.

    -Ela no lhe contou sobre as rosas?

    -Susan , o caf...

    -Que rosas? -Blair arregalava os olhos.

    -Algum quer caf? -Alexandra falou bem alto para que todos presentesouvissem.

    A oferta foi aceita por unanimidade.

    -Susan, voc poderia...

    -Patrick OCasey mandou as flores -a secretria continuou, ignorando ospedidos da chefe. -Rosas brancas maravilhosas.

    -Susan, poderia servir caf aos nossos convidados? -O tom de Alexandra jera exasperado.

    -Pode acreditar nisso? Patrick OCasey enviou flores a Alexandra!

    Alexandra se recusava a encarar Blair, mas sentia o olhar penetrante daamiga. Embaraada, ergueu-se resmungando:

    -Eu mesma vou servir caf aos convidados antes que eu mate algum.

    Blair e Susan, porm, a seguiram at a pequena cozinha.

    -Deixe que eu levo isso. -A secretria se ofereceu para carregar a bandeja,arrependida por ter falado demais.

    Blair permaneceu na cozinha, enquanto Alexandra se ocupava em secar apia.

    -Por que no me contou?

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    23/170

    23

    "Por que por algum motivo que no compreendo eu queria apreciar operfume das flores sozinha", Alexandra desejava dizer: Em vez dissorespondeu:

    -Por que no significa nada. Ele quis apenas se desculpar por uma

    situao embaraosa que criou. E ponto final.-L vai voc minimizando...

    -E voc maximizando.

    -Alexandra, quando deixar de pensar em si mesma como uma deficiente?

    -Quando deixar de ser uma -ela no vacilou em retrucar.

    -Eles chegaram -Susan voltou para anunciar, mal contendo o entusiasmo.

    -Eles chegaram -Alexandra repetiu amiga.

    -Continuaremos esta conversa mais tarde -Blair insistiu.

    -Est certo. No ano que vem. -Apoiando-se na bengala, Alexandra foi paraa sala.

    Ela acabava de se congratular pela facilidade com que se livrara doassunto Patrick OCasey, quando se deparou com um par de familiaresolhos azuis.

    CAPTUL IV

    Por um instante, Alexandra imaginou que sonhava e a qualquer momentoalgum iria acord-la.

    Sinto muito pelo atraso -Patrick enfim falou. O tom era terno, como se osdois estivessem A ss na sala. Como se os dois se conhecessem no poralguns minutos embaraosos, mas desde sempre. Ento seus lbios securvaram num sorriso maroto. -Dormi demais.

    O sorriso irresistvel levaria qualquer mulher a perdo-lo pelo mais sriodeslize.

    -Est tudo bem -Alexandra respondeu. -agradecemos por voc gentilmentenos ceder seu tempo. voc e... -ela olhou para os dois que acompanhavam

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    24/170

    24

    Patrick. Sinto muito, mas receio que s me lembre de vocs como osInfernais.

    Os homens sorriram.

    Estes so Sonny Callegari e Marlim Washington. -Patrick fez asapresentaes. -Rapazes, esta Alexandra Farrell.

    Houve um momento de hesitao, em que o dois jogadores pareceram emdvida quanto a iniciativa e Alexandra aliviou o embarao. Transferindo abengala para a mo esquerda, estendeu a direita.

    -Muito prazer em conhec-los, Sonny...Marlim.

    -E voc Blair, certo? -Patrick perguntou.

    -Voc se lembrou! -Blair confirmou, embevecida. -Sonny...Marlim, muitoprazer.

    -Ele nunca se esquece de um rosto bonito -Washington comentou, fitandoBlair com evidente interesse.-Cuidado com esse a, Blair -Sonny brincou. -Ns s o soltamos em noitessem lua. Mesmo assim -Patrick completou -, apenas acompanhado e poralguns minutos.

    Todos riram, e OCasey voltou a ateno novamente para Alexandra.

    -Bem... -Ela observou, procurando ordenar os pensamentos.

    -Que tal conhecerem as crianas? -Ao se virar, esbarrou na secretria. Oh,esta Susan Lailbrook.

    -Susan? -Alexandra chamou, fazendo-a cair em si, atrapalhada.

    -E...eu... me desculpem. Adorei as rosas. - Apertou a mo de OCasey e, aodar-se conta do que havia dito, corou. - Quer dizer, sei que no as mandoupara mim, mas vieram aqui para o escritrio e... Eram to bonitas... Penaque Alexandra as levou para casa... Oh, meu Deus, no estou falandocoisa com coisa, no ?

    Todos exceto Alexandra, achavam graa da tagarelice de Susan.

    -Que bom que gostou delas - Patrick comentou com a secretria e,sentindo o embarao de sua chefe, sugeriu com tato: - Que talconhecermos as crianas agora?

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    25/170

    25

    Blair deteve a amiga apenas o suficiente para lhe sussurrar no ouvido:

    -Quer por favor, sorrir?

    -Sorrirei -Alexandra respondeu no mesmo tom - ...assim que esganar

    Susan.No decorrer da sesso de fotos, Alexandra se apanhou pensando que aidia desse tipo de promoo lhe parecera boa at deparar-se com os

    jogadores enviados por Avery Kerr. No que Patrick OCasey no tivesse jeito com as crianas, muito pelo contrrio. Ele e os amigos sabiam cativlas.

    O problema era Patrick OCasey ter surgido de novo em sua vida, estar emseu escritrio, agindo como se estivesse em casa. E cada vez que olhavapara ele flagrava-o observando-a.

    O problema era que ela no sabia qual o problema!

    Contudo, por mais tentasse, no conseguia tirar os olhos dele. Tratava-se,sem dvida, de um homem que jamais passaria desapercebido com aqueleporte atltico. Sem falar nos olhos azuis realados pela tonalidadecastanho avermelhada dos cabelos.

    Mais uma vez flagrou-o a encar-la. Alm disso, percebeu que o quadrilcomeava a doer de tanto ficar em p e, afastando alguns papis, sentou-se na borda da mesa. Mal conteve uma careta de dor. "Ela sofre de artrite",Patrick pensou. Era a nica resposta que fazia sentido. Explicava o andarmanco e as mos marcadas por cicatrizes cirrgicas, alm da participaoativa naquela Fundao.

    "Tambm tem pernas lindas", ele reparou percorrendo o olhar por toda suaextenso. Tratava-se de uma mulher atraente e... "Com dor". Esta serevelava no leve tremor ao redor dos lbios, s perceptvel a algumfamiliarizado com dores lancinantes. Como atleta profissional, havia maisde uma vez jogado com ferimentos que deixariam a maioria das pessoas decama. Ele acrescentou admirao lista de emoes inexplicavelmenteevocadas por Alexandra Farrell.

    -Sr. OCasey, posso tirar outra foto de vocs trs com Jason? -O reprterfotogrfico pediu. As duas crianas menores haviam se cansado e idoembora.

    -Claro que sim - Patrick concordou.

    -Poderia ser a ltima? - Blair sugeriu. -Jason parece cansado.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    26/170

    26

    -E se eu segur-lo para a prxima? - Patrick props.

    -Boa idia. Depois um refrigerante cairia bem, no, Jason?

    O garotinho concordou entusiasticamente com a cabea.Com cuidado, OCasey pegou o menino no colo e parou no local indicadopelo fotgrafo. Tomado por timidez na presena do jogador que tantoadmirava, Jason escondeu o rosto no peito dele.

    -Jason a assistente social falou-, conte qual o seu time favorito.

    No houve resposta.

    -Qual seu time favorito? - Sonny insistiu, tentando enxergar o rostinho

    enfiado no pulver do companheiro de equipe.Continuaram sem resposta.

    -Eu sei - Marlim arriscou. - os cowboys.

    Jason arriscou espiar de seu esconderijo.

    -Eles ganharam o campeonato - ele comentou.

    -Ganharam sim - Marlim confirmou. - um time com muitos torcedores.

    -No sou um deles -o garotinho refutou, esquecendo-se da timidez.

    -No? Ento para quem torce? - Patrick instigou.

    -Para os Marauders.

    -Esse menino tem bom gosto - Callegari brincou.

    -Serei um Marauder quando crescer - Jason anunciou com orgulho

    Houve um momento de silncio compungido, pois cada adulto presentesabia que jogador de futebol certamente era a ltima coisa que aquelegaroto poderia se tornar quando crescesse.

    - mesmo? -Washington quebrou o silncio. -O que acha de arranjarmosuma bola da federao?

    -Uma bola de verdade? - O menino arregalava os olhos castanhos.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    27/170

    27

    -Naturalmente - o jogador confirmou. - E tem mais: posso pedir a todos osmembros do time que a autografem para voc

    -Far isso? -Jason mal cabia em si de contentamento.

    Alexandra sorria enternecida com o simples prazer da criana quandopercebeu que Patrick a fitava, como se de alguma forma soubesseexatamente o que pensava e sentia. Instantes depois, tirada a ltimafotografia, viu-o entregar o menino a Marlim e se aproximar dela. Ocorao disparou, mas para seu alvio a assistente social, sra. Glover, logose juntou a eles.

    -Ele falar sobre isso o dia todo - ela comentou.

    - um menino cativante - Patrick observou - Est sob cuidados do Estado,

    no?-Sim, seus pais morreram num acidente automobilstico h trs anos. Notem nenhum outro parente.

    -Quais so as chances de ser adotado?

    -Poucas. Em primeiro lugar, devido idade; a maioria dos casais preferembeb. Em segundo, por causa do problema de sade, que faz dele umverdadeiro deficiente em termos de adoo.

    Deficiente... A palavra cortou o corao de Alexandra com toda sua brutalrealidade. Ela sabia exatamente como era sentir-se um deficiente.Felizmente o pequeno Jason ainda no tinha conscincia disso. Tomaraque demorasse muito at atingi-la

    Mais uma vez, Alexandra reparou que Patrick a observava. De repente, elasentiu como se ele lhe desvendasse os mais ntimos pensamentos, o que alevou a uma posio defensiva. Mais do que depressa, escondeu avulnerabilidade atrs de muros altos que erguia com a crena de que nose importava com a solido e continuaria assim pelo resto da vida.

    -Susan, por que no apanha um refrigerante para Jason? -Alexandrasugeriu, deslizando da borda da mesa ao mesmo tempo em que seescondia por trs de uma mscara de indiferena. -Verifique tambm sealgum mais aceita refrigerante ou caf.

    A secretria seguiu as instrues, e em menos de meia hora todoscomearam a sair. O reprter foi o primeiro, seguido pela sra. Glover comSusan, que havia passado a manh lanando olhares de adorao para o

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    28/170

    28

    dolo, e com muita relutncia acatou a ordem de ir almoar. Mesmo assim,s depois de conseguir um autgrafo. Blair tambm se despediu, emboraparecesse intrigada com o fato de os trs jogadores no revelarem a menorpressa em partir.

    -Comporte-se - ela cochichou com malcia enquanto a amiga aacompanhava at a porta.

    Assim Alexandra ficou a ss com trs homens.

    -Eu... bem, no sei como lhes agradecer...em nome da Fundao dePesquisas... por terem contribudo com seu tempo dessa forma...

    Os jogadores concordaram em unssono que o prazer era deles.

    -Espero que a semana que planeja para os garotos seja realmente um

    sucesso -declarou Sonny.-Obrigada.

    -Onde ser? -Marlim indagou.

    -Se tudo der certo, em El Paso -Alexandra respondeu, com umindisfarvel brilho de satisfao no olhar. - H um hotel fazenda l, deonde espero uma carta de confirmao da reserva a qualquer momento.Eles atendem especialmente a criana deficientes.

    -Se precisar de mais alguma coisa de ns...- Washington ofereceu.

    -Obrigada. muita generosidade sua. -Alexandra se conscientizou queevitava olhar para Patrick. Tambm se deu conta de que ele no dizianada. Alm disso, queria encontrar um meio de lhe agradecer pelas rosas,porm, s desejava que eles fossem embora. - Mas uma vez, muitoobrigada a vocs todos.

    Os jogadores j se dirigiam para a porta quando o telefone tocou.

    -Com licena - Alexandra se desculpou, atravessando a sala com ahabitual dificuldade.

    -Tchau! - Sonny e Marlim se despediram . - Foi um prazer conhec-la - umdeles acrescentou.

    Alexandra se virou p/ acenar antes de atender o telefone. Sentia alvio porv-los partir. Na verdade, sentia alvio por Patrick partir. Aquele homemlhe tirava a respirao.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    29/170

    29

    A ligao era de uma mulher interessada numa viagem Esccia com omarido que vivia preso a uma cadeira de rodas. Enquanto dava asinformaes, Alexandra notou que Patrick confabulava com os amigos, queento seguiram sem ele. Seus olhares se cruzaram. Breve, porm

    significativamente. Em seguida, OCasey se ps a caminhar pelo escritrio.A pulsao de Alexandra se acelerou.

    -Como? -ela voltou a falar ao telefone. -Sim, a viagem area muitoconfortvel.

    "Por que ele ficou?"

    Como as mos enfiadas nos bolsos da cala, Patrick examinava asmenes honrosas penduradas na parede.

    -A Inglaterra um local adorvel para visitar - Alexandra continuou,distrada, enquanto o acompanhava com o olhar. -Esccia! Quero dizer, aEsccia um lugar adorvel para visitar.

    "O que ele est fazendo? Por que no vai embora?"

    -Eu lhe proponho o seguinte, sra. Hecker: prepararei um prospecto e oenviarei senhora, se me der seu endereo. - Enquanto apanhava umacaneta, ela fitou de relance.

    "Meu Deus! Ele est lendo todas as menes?"

    -Muito bem, entrarei em contato com a senhora. E obrigada.

    Patrick se virou, ento, e se aproximou da mesa como se tivesse todotempo do mundo.

    -Estou impressionado - comentou, indicando com a cabea a parede comas menes.

    -No fique. Adoro trabalhar para a fundao, e eles insistem em me dar...isso. -Ela apontou para os documentos emoldurados.

    -Continuo impressionado, apesar de sua modstia. - O sorriso de Patrickmorreu ao indagar sem rodeios: - H quanto tempo sofre de artrite?

    -Dez anos.

    -Nossa, voc era to jovem!

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    30/170

    30

    -No tanto quanto Jason, por exemplo. E centenas de outros como ele.

    -Quantos anos voc tinha?

    Alexandra deduziu que aquele homem era do tipo que nunca fazia rodeios .Sem dvida, algum que se aproximava de uma mulher estranha e aconvidava para fugirem juntos no se prestava a subterfgios. Ela aindadesejava que aquela noite de sexta-feira no tivesse acontecido. Muitoembora, no fundo de sua alma, a ateno dele a lisonjeasse. Se tivessecontado a Patrick OCasey que no podia danar, ele teria se contentadoem conversar apenas.

    *******36

    S depois que ele se foi, Alexandra se deu conta de no ter agradecido

    pelas flores. Havia dito que eram desnecessrias e lindas, contudo noagradecera.

    O telefone tocou na noite de tera-feira quando Alexandra jantava.

    -Al?-Alexandra?

    -Sim?

    - Patrick OCasey. Como vai?

    Estou bem, obrigada. -Ela sentiu o corao acelerar-se de repente. E voc?

    -Muito bem. Estou ligando por causa da bola que prometemos a JasonHolland. Precisamos do endereo para onde mand-la.

    Uma inesperada sensao de desapontamento tomou conta dela.

    -Na verdade, no sei. Mas posso averiguar...

    -Que tal eu mand-la a voc para que providencie a entrega ao garoto?

    -Est bem.

    -Levar algum tempo para colher a assinatura de todos os rapazes, masenviarei a bola assim que puder.

    -Jason ficar radiante. muita generosidade sua...

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    31/170

    31

    - um prazer - Patrick a interrompeu, aparentemente to embaraado como elogio quanto Alexandra em relao s menes honrosas. Houve umabreve hesitao antes de a conversa tomar outro rumo. -Teve um bom dia?

    -No foi ruim. E o seu?

    -Pura beno divina. Dormi at as onze, assisti a um filme, fiz ginstica nosalo do hotel e depois fui sauna. Agora pretendo comer lagostasuficiente para afundar um navio.

    -Vocs, jogadores de futebol, certamente levam uma vida muito dura. Nodeviam estar jogando ou coisa parecida?

    -Realmente no entende nada de futebol, hein?

    -Eu disse que no. Por qu?

    -A temporada acabou. Estamos de folga at o reincio dos treinos no vero.

    -Ah... Ento por isso entregou-se preguia o dia todo.

    -Exatamente. - Ento, sem perda de tempo, ele acrescentou: - Jantecomigo amanh noite. - Mais uma vez, recorria ao elemento surpresa. -Antes que responda, deixe-me lembr-la de que sou uma celebridade.

    Alexandra riu com uma naturalidade que sequer teve tempo de questionar.Alis, o riso parecia uma constante na companhia daquele homem.

    -E um grande amante, muito rico e dono da Ponte de Brooklyn, certo?

    -Acertou. Jantar comigo ento?

    O sorriso desapareceu dos lbios de Alexandra. Nada havia mudado.Conhecia a razo do convite. Ele j tinha deixado bem claro no diaanterior. Como naquela ocasio, ela sentiu a mesma necessidade ditadapelo orgulho de recus-lo.

    -Obrigada, mas infelizmente no posso?

    -Tem certeza?

    -Sim.

    Patrick deixou o assunto morrer com tanta facilidade que apenasconfirmou a suspeita de Alexandra. A sensao de desapontamento voltoua assedi-la.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    32/170

    32

    Nos minutos seguintes, conversaram sobre banalidades. A certa altura, eladisse:

    -Eu... bem, no lhe agradeci pelas flores. Olhou para a mesa onde os

    botes, j completamente abertos, continuavam viosos e perfumados.-No h necessidade de me agradecer.

    -Mesmo assim, obrigada.

    -Nesse caso, considere-me agradecido...Preciso desligar agora. Tem algumbatendo a minha porta.

    -Sim, claro. Ento me mande a bola.

    -Combinado. Tchau.-Tchau.

    Ela afastava o fone do ouvido quando ouviu cham-la.

    -Alexandra?

    -Sim?

    -Eu menti.

    -Mentiu?

    -Sim. No sou dono da Ponte de Brooklyn.

    A ligaa foi interrompoida antes que ela pudesse retrucar. Quem ser quehavia batido porta dele? Uma mulher? Teriam partilhado, entre outrascoisas, lagosta suficiente para afundar um navio?

    -Est pronto? -Marlin foi logo perguntando quando Patrick abriu a portado quarto de hotel.

    -Sim. S vou apanhar o palet.

    -Hum, mal posso esperar para comer aquelas lagostas. D agua na bocas de pensar naqueles pedaos suculentos...

    -Ei, Washington, assim voc faz lagosta parecer melhor que sexo.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    33/170

    33

    O negro alto e forte abriu um largo sorriso.

    - o mximo de prazer que provavelmente ter esta noite.

    -Calma, s porque voc feio demais para conquistar uma garota, no

    pense que somos todos iguais.Os dois continuaram a trocar insultos bem-humorados a caminho doelevador.

    -No se esquea da festa na sexta-feira - disse Marlim. - Vai levar algum?

    Patrick no hesitou em responder.

    -Sim - E a imagem de uma loira de olhos verdes lhe veio mente. - S queela no sabe ainda.

    O companheiro deu uma sonora gargalhada.

    -OCasey, algum j lhe disse que convencido demais?

    -Nunca, meu amigo - Patrick retrucou com carregado sotaque irlands,enquanto saam do elevador. - Vamos s lagostas.

    O telefone tocou na noite de quarta-feira justamente quando Alexandrasaa do banho.

    -Al?

    -Alexandra? Espero no ter telefonado muito tarde. S agora reparei que jpassa das dez e meia.

    Por mais que ela tentasse negar, o telefonema a deixou exultante.

    -No, acabo de sair do banho. - A pausa subseqente fez com ela searrependesse pela resposta.

    -No est... molhada ou coisa parecida, est?

    -No, no!

    -Posso ligar mais tarde, se...

    -No, no! Estou vestida... quero dizer, no estou molhada.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    34/170

    34

    -Em todo caso, no a deterei por muito tempo. Sei que tarde. S gostariade saber se est livre sexta noite. E no custa lembrar - ele acrescentoumais do que depressa - que sou uma celebridade...

    -...E um grande amante e muito rico - ambos concluram juntos e caram

    na risada.O riso de Alexandra, porm, logo se desvaneceu. Por que sorria quandono tinha a menor razo para isso? Por que aquele homem no a deixavaem paz? Por que insistia em invadir seu mundo tristonho e solitrio?

    -Ento, aceita?

    Ela continuou relutante, embora no soubesse por qu, pois no tinha amenor inteno de aceitar o convite.

    Patrick interpretou mal o silncio.-Eu a apanharei por volta das...

    -Espere! No, eu...

    Por mais que tentasse, ele no compreendia por que ela se recusava aaceitar um simples convite para sair.

    -Pense no assunto, est bem?

    -No creio que...

    -Por favor. Conversaremos amanh. Agora preciso me apressar. - Desta vezele mentia. Queria apenas desligar logo o telefone. - Boa noite.

    -Boa noite... -Atordoada, Alexandra afastava o aparelho do ouvido quandoo ouviu cham-la.

    -Alexandra?

    -Sim?

    -Eu menti.

    -De novo?

    Sim. No sou rico. - E desligou o aparelho. O esboo de um sorriso surgiunos lbios de Alexandra, embora no durasse mais que um instante. E porque seu corao batia com esperanas vs toda vez que falava com ele?

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    35/170

    35

    Durante a noite de quinta-feira, Alexandra tentou se convencer que noesperava telefonema algum. Finalmente foi para a cama com uma certezaque tivera o tempo todo. Havia achado que Patrick ligaria...que a instigariaa aceitar o convite...que terminaria a conversa com outra confisso...

    "Alexandra?" -ele diria antes de desligar. - "Sim?" - ela responderia comodas vezes anteriores. -"Eu menti." -"Mentiu?" -"Sim. No sou um grandeamante. Amante...

    Que tipo de amante Patrick OCasey seria?

    A curiosidade a surpreendeu. Fazia muito tempo que no pensava numhomem em termos to ntimos. Convencera-se de que no poderia ser umaboa amante de um homem e por isso deixaria o assunto de lado.

    "Um homem quer sua mulher cheirando a perfume, no a linimento. Umhomem quer ouvir seus gritos de xtase, no de dor. Meu Deus, umhomem no quer se sentir um canalha por fazer amor com a prpriaesposa!"

    Essa lembrana dolorosa surgiu de repente, como um monstro do meio daescurido,deprimindo Alexandra tanto quanto na ocasio em que, poracaso, escutara o desabafo do ex-noivo com um amigo. At aquelemomento, anos atrs, no tinha pensado seriamente em como pareceriaaos olhos de um homem. Naquele instante aturdido, uma parte de suaauto-estima, uma parte da sua feminilidade havia sido destruda. E nuncamais reposta.

    Nenhum homem queria uma mulher doente. Tratava-se de uma dasgrandes verdades da vida -pelo menos no caso de Alexandra. Ela riu comamargura, cedendo a um raro momento de auto piedade. Piedade...A idialhe veio cabea como um raio. Por isso Patrick a convidava para sair?Sentia pena dela? Uma sensao de raiva tomou-a por inteiro. E, em seuestado depressivo, precipitou-se do provvel para o certo. Patrick OCaseysentia pena dela. Por que outro motivo um homem to viril e saudvel seinteressaria por uma mulher doente?

    Lgrimas lhe encheram os olhos. Entretanto, no as deixou cair. Preferiupraguejar baixinho: amaldioou a doena que mudara sua vida;amaldioou Patrick OCasey por faz-la sorrir, por despertar seu interesse,por faz-la a desejar que tudo fosse diferente.

    A sexta-feira amanheceu cinzenta, com uma nvoa espessa e fria cobrindoa cidade.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    36/170

    36

    -Por que no vai almoar? sugeriu enquanto se preparava para datilografaro prospecto da Sra. Hecker.

    -No, v voc primeiro - disse Alexandra. - Preciso relacionar a equipemdica que levaremos conosco a El Paso.

    -Deixe isso para mais tarde. V comer.

    Alexandra ps a caneta sobre a mesa e sorriu.

    -Estive to mal-humorada assim a manh toda? No precisa responder.

    Ao se erguer, sentiu uma pontada na perna esquerda, mas sua nicaconcesso dor foi uma pequena pausa e uma tomada silenciosa deflego, - Quer que eu traga um hambrguer?

    -Sim, por favor.L fora soprava um vento frio e mido. Apesar disso, Alexandra sentia-semelhor por sair do escritrio. Precisava ver os ltimos dias em perspectiva:no significavam nada no plano geral da sua vida. De fato, as rosasresumiam com clareza seu relacionamento com Patrick OCasey - naquelamanh encontrara-as mortas, as ptalas espalhadas sobre a mesa da salade jantar. Ento jogara-as fora e continuara sua rotina.

    Parada ao lado do carro, estava to concentrada em procurar as chaves nabolsa que no deu ateno ao rudo de outro veculo entrando noestacionamento. O som de uma voz conhecida, porm, no passoudespercebido.

    -Oi.

    Alexandra se virou sobressaltada, o olhar cruzando com o de Patrick. Umasrie de perguntas lhe veio mente: "O que ele quer?" , "Por que me deixoafetar tanto por esse homem?"

    -Oi - ele repetiu, sorridente.

    -Oi.

    -Vai almoar?

    Com receio de que ele sugerisse que almoassem juntos, ela pensou emmentir, mas no conseguiu.

    -Sim, vou buscar um hambrguer. mais rpido.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    37/170

    37

    -Nesse caso, no a deterei mais que um minuto. Desculpe-me por no tertelefonado ontem: que fiquei preso a compromissos...

    -Est tudo bem. No esperava que voc ligasse.

    Os dois mentiam: Alexandra aguardava ansiosa o telefonema e Patrick notivera nenhum compromisso. Ele no tinha entrado em contato depropsito, para evitar uma recusa pelo telefone. Torcia para que suapresena dificultasse a rejeio.

    Enquanto Alexandra receava que ele percebesse sua mentira, Patrickimaginava se ela fazia idia do quanto havia lutado consigo mesmo parano lhe telefonar. O jogador tambm se perguntava porque aquelaobsesso aumentava cada vez que a via.

    -Bem - ele rompeu o silncio -, quanto a esta noite...posso apanh-la emsua casa por volta das sete?

    Algo explodiu dentro dela, algo que se desenvolvia h dias, talvez anos.Uma srie de emoes acumuladas - sua mgoa passada, o auto conceito,a humilhao de ser alvo de piedade de Patrick eclodiram num acesso defria, intensificada pela conscincia de que no fundo gostaria de sair comaquele homem.

    -Dane-se, Patrick OCasey! No quero sua piedade!

    Piedade. A palavra o atingiu como uma bofetada. Chocado, ele no dissenada. Absolutamente nada. Apenas olhava para ela confuso, atnito.

    -De que est falando? - perguntou depois de um longo silncio.

    -Voc j se desculpou por aquela noite de sexta, e no quero nem precisoda sua piedade ou de quem quer que seja. No sou caso de caridade!

    Ela desviou o olhar. Oh, Deus, por que ele no a deixava em paz? Voltou aprocurar as chaves, desta vez com desespero. Mas Patrick no desistiufacilmente. Segurou, gentil porm firmemente, o brao dela e a obrigou aencar-lo. O movimento brusco provocou a queda das chaves qualnenhum dos dois deu ateno.

    -Na verdade, voc est duplamente enganada, querida. - Seus olhos azuis,habitualmente marotos, expressavam uma clera que condizia com a famado temperamento Irlands.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    38/170

    38

    A palavra "querida" estava longe de ser uma forma carinhosa detratamento, e Alexandra no pde deixar de imaginar como soaria se fosseDoce e sensual? Capaz de fazer uma mulher se sentir desejada? Capaz defazer uma mulher se sentir mulher? Esses pensamentos, porm, seperderam sob a avalanche da ira que Patrick continuou expressar:

    -No a convidei para sair como um pedido de desculpas e muito menos porsentir pena de voc. Meu verdadeiro objetivo, Alexandra era fazer umagozao. Sabe, adoro me divertir s custas de pessoas deficientes,particularmente de cegos ou de gente em cadeiras de rodas, mas no todo dia que encontro um desses pela frente e tive de me contentar comuma moa manca de bengala.

    Segundos se passaram sem que ningum falasse. Nem se movesse. Ocorao de Alexandra batia num ritmo que parecia dizer: "Boba! Boba!Boba!" O olhar de Patrick continuava fulminante, entretanto, ela pouco a

    pouco percebeu algo mais nas profundezas azuis. Mgoa?Vulnerabilidade? No tinha certeza.

    De repente ele retomou a fala, embora com um fio de voz:

    -Como pde pensar que eu... Ora, esquea o assunto! - Virou-seabruptamente e estava a caminho de seu Porsche branco quando paroupara gritar: - Moa, voc sofre de um srio complexo! - A cena atraa aateno dos transeuntes.

    -Patrick! -Alexandra agiu num impulso, guiada pelo corao. - Patrick,espere!

    Ele no se voltou. Em vez disso, bateu a porta do carro e saiu doestacionamento cantando pneus.

    -Patrick! - ela gritou ainda uma vez, dando um passo frente na tentativapattica de deter o possante Porsche. Sem o apoio da bengala,desequilibrou-se no cho coberto de cascalho e tropeou. Uma dor intensapercorreu sua perna. Com a respirao ofegante apoiou-se no carro e sento reparou no molho de chaves a seus ps. Reprimindo as lgrimasprestes a rolar, praguejou.

    Levou algum tempo e muita pacincia para recuperar as chaves com abengala. Quando finalmente conseguiu, foi at a lanchonete mais prximae voltou ao escritrio com dois hambrgueres. Susan prudentementeevitou qualquer comentrio ao perceber que a chefe retornara duas vezesmais mal-humorada do que quando sara.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    39/170

    39

    -Quer que eu jogue isso fora? a secretria perguntou cerca de meia horadepois, referindo-se ao hambrguer praticamente intacto de Alexandra.

    -Como?

    -Ainda vai comer isso?Alexandra olhou para o sanduche esquecido na mesa e sacudiu a cabea.

    -Obrigada -murmurou distrada quando a secretria recolheu aembalagem do hambrguer.

    "Devo telefonar para ele me desculpar? Sim, eu o magoei." Ela ps a mono telefone, apenas para retir-la em seguida. "No. O que vou dizer?"Suspirou. "Simplesmente pea desculpas. Sabe fazer isso, no?" Desta veztirou o fone do gancho, porm o manteve no ar. "E se ele no tiver voltado

    para o hotel ainda? E se no quiser falar comigo? E se eu for a maiorcovarde que j existiu?" Suspirando em derrota, devolveu o aparelho aolugar. Talvez fosse melhor deix-lo sair de sua vida, mesmo que de umaforma to traumtica. Talvez...

    O telefone tocou.

    Alexandra sobressaltou-se na cadeira.

    Susan observava a silenciosa indeciso da chefe com ar interrogativo. Derepente Alexandra voltou a assumir um ar profissional, grata pelainterrupo ao curso infrutfero de seus pensamentos.

    -Viagens e Excurses Farrel, s suas ordens.

    -Esteja pronta s sete! - disse uma voz masculina com firmeza, e a ligaofoi cortada em seguida.

    Alexandra ficou a olhar atnita para o aparelho por alguns instantes,ouvindo o rudo de linha e as batidas do prprio corao.

    Ele continuava zangado. E tipicamente objetivo. E ainda capaz de faz-lasorrir, ela reconheceu, no sem espanto diante do tremor incontrolvel doslbios.

    A campainha tocou s sete em ponto.

    Alexandra respirou fundo e enxugou as mos midas de nervosismo.Enquanto atravessava a sala, pensamentos perturbadores passavam por

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    40/170

    40

    sua cabea. Devia ter telefonado de volta a ele e dado uma respostanegativa definitiva. Devia dizer-lhe isso agora e mand-lo embora. Devia...

    As idias se perderam ao abrir a porta. Contra a prpria vontade, a visode Patrick OCasey parado na varanda afetou seu lado feminino em parte

    sufocado.Patrick tambm se embevecia com a viso da mulher sua frente. Pareciaangelical no conjunto de l rosa. Como da primeira vez que a vira, oimpacto foi grande. Cus, que poderes sedutores aquela fada possua?

    Tambm o surpreendia encontr-la pronta para sarem, uma surpresa quesuspeitava que fosse partilhada pela prpria Alexandra.

    Ao perceber que estavam parados, apenas a se olhar em silncio, ela sedesconcertou.

    -Eu...bem, no sabia exatamente o que vestir. Voc no disse ondeamos...

    -Voc est...bem. - Ele se absteve de um elogio mais efusivo e condizentecom o que achava, receando provocar uma reao negativa. -S precisarde um casaco. Est frio.

    -J separei um.

    Seus olhares se cruzaram por mais um longo instante antes de ela se virarpara apanhar o casaco cinzento pendurado no encosto de uma cadeira.

    Mesmo sem ser convidado, Patrick entrou na casa e apreciou a decorao.A classe imperava no ambiente sbrio, simples. Como sua ocupante...

    -Deixe-me ajud-la. - Sem esperar resposta, ele se adiantou e segurou ocasaco para que Alexandra o vestisse.

    Ela o fez mais do que depressa. De repente tudo que desejava era sedistanciar daquele homem o mais rpido possvel.

    -Pronta?-Pronta - ela confirmou, evitando encar-lo enquanto apanhava a bolsa.

    A noite estava realmente fria, com o ar mido e pesado da chuva que nohavia cado. A caminho do carro, Patrick diminuiu o passo emconsiderao Alexandra. A conscincia disso a impacientou com o andarque lhe parecia ainda mais lento que de costume.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    41/170

    41

    -A propsito - ele observou, o hlito se vaporizando com ar frio -, vamos auma festa de aniversrio. De Callegari.

    -Parece divertido. uma surpresa?

    -Pensvamos que sim. Mas ele me telefonou tarde para perguntar oquanto devia se atrasar, pois queria nos dar tempo de preparar tudo.

    Alexandra riu com espontaneidade. Era bom faz-lo depois de um dia totenso. Para Patrick, por outro lado, era agradvel v-la sorrir.

    -Tanto esforo para guardar segredo em vo - ela comentou.

    - verdade. Mas foi a ltima vez. Se bem que... acho que vamossurpreend-lo de qualquer forma.

    -Suponho que no v me contar do que se trata.-Acertou! Voc pode ser uma espi.

    -Tem razo, a prpria Mata Hari.

    Ao se aproximarem do carro e ele abrir a porta do passageiro, bastou umolhar para o assento baixo - que lhe dificultava a entrada e praticamenteimpossibilitava a sada - para apagar o sorriso de Alexandra.

    -O que foi? - Patrick indagou.

    -Nada. Peo-lhe apenas que tenha um pouco de pacincia at euconseguir entrar a. Carros esportes so bonitos, mas...

    -...Baixos demais - ele completou, s ento lembrando da dificuldade delapara se erguer da poltrona na festa. Amaldioou a memria fraca. -Sintomuito. Esqueci esse detalhe. Vamos de txi.

    -No seja tolo. S levarei um minuto. De costas para o banco, ela seabaixou devagarinho, ignorando a pontada de dor e deliberadamenteescondendo o rosto dele. Quando pensou que no agentaria mais, sentiuo estofado sob si. Afundou nele e relaxou, esperando a dor passar. -Pronto,no foi to mau assim - balbuciou, com um sorriso forado.

    Patrick, no entanto, no se deixou enganar. Sabia que ela mentia.Estranhamente, sofreu com a dor dela. Mais estranhamente ainda, decidiuaceitar a mentira pressentindo que se relacionava com orgulho. Sem umapalavra, fechou a porta e deu a volta para ocupar o volante.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    42/170

    42

    -Ficar quente num instante - ele informou, ligando o aquecedor.

    -J me sinto melhor.

    -Este tipo de tempo afeta voc? Quero dizer, o frio e a umidade?

    -Um pouco. Principalmente a umidade.

    -Sente dor?

    Alexandra ia mentir, "minimizar" como Blair costumava dizer, porm ele aimpediu:

    -Diga a verdade.

    -Um pouco - ela admitiu. - Mais no quadril.

    -No h nada que os mdicos possam fazer? Uma vez li sobre juntasartificiais.

    -O lado direito do meu quadril j tem um pino de platina. Agora estouaguardando para operar o esquerdo tambm. Alm disso, tenho implantesnos dedos e pulsos. Como v, sou um verdadeiro embuste.

    -Pois para mim - retrucou ele, desviando o olhar do trnsito para mir-la -parece bem real.

    O comentrio provocou emoes estranhas em Alexandra - Uma onda decalor lhe atravessou o corpo e as batidas do corao se aceleraram.

    -Quando? - Patrick quis saber.

    -Quando o qu?

    -Quando ser a operao?

    -Ah...em abril. Assim que passar a semana do hotel fazenda.

    Patrick ia comentar que nada era mais importante que a sade, contudose conteve a tempo. No se sentia no direito de fazer um julgamento topessoal. Preferiu mudar de assunto, embora a admirao por aquelamulher s aumentasse.

    -A cirurgia por fim dor?

    -No quadril, sim.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    43/170

    43

    -Mas no ao resto do corpo?

    De repente Alexandra no sentiu mais inclinao para mentir.

    De certo modo, constitua um alvio expor toda verdade sobre sua sade. Tratava-se tambm de uma ousadia. Por alguma razo inexplicvel, queriadesafi-lo a conhecer a verdade. Era como se pusesse a prova a reaodele.

    -No, a dor surgir e desaparecer a seu bel prazer no resto do corpo. Adoena cclica. s vezes some, outras volta com fora total. totalmenteimprevisvel. - Com um sorriso irnico, acrescentou: - Faz parte do charmeda enfermidade. Nunca se sabe que planos tero de ser cancelados.

    -Entendo...

    Ela duvidava. Simplesmente porque no havia como ele entender.Ningum, exceto um artrtico, seria capaz de compreender o que eraplanejar com antecedncia, esperar ansiosamente a concretizao dosplanos e, ento, v-los destrudos. No havia como explicar uma dor tointensa, to implacvel que chegava a aterrorizar.

    Esse pensamento conduziu naturalmente a outro, que a perturbara atarde inteira. Ser que a conscincia daquela realidade acabara por lev-laao pessimismo, a uma viso do mundo cheio de amargura? Sempre se

    julgara realista, por pura questo de sobrevivncia, porm, talvez aacusao anterior de Patrick encerrasse algum fundamento.

    -Acha realmente que sofro de um srio complexo?

    A pergunta rompeu o silncio e apanhou Patrick totalmente desprevenido.Ele notou o trao inegvel de mgoa na voz dela e desejou se esganar pelalngua solta.

    -Eu estava com raiva quando disse isso. Talvez voc no acredite -acrescentou, com um sorriso- , mas tenho um temperamento forte.-No diga! Voc, um temperamento forte?

    Trocaram sorrisos diante da ironia; ela a imaginar que havia algo deencantador no dele, e ele a desejar beij-la.

    -No respondeu a minha pergunta - Alexandra insistiu. - Voc meconsidera complexada?

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    44/170

    44

    -Digamos apenas que me parece que voc no se v como as outraspessoas a veem. Caso contrrio, jamais teria me dito o que disse l noestacionamento.

    Aproveitando uma parada no sinal vermelho, ele passou o brao pelos

    ombros dela e no resistiu tentao de lhe tocar as pontas dos cabelos.-Quero lhe garantir, Alexandra, que no a convidei para sair por piedade.

    Olhos nos olhos, no havia como duvidar da sinceridade daquelaspalavras, e ela desejou perguntar por que ento ele a convidara para sair.Mas no o fez. E ficou na dvida se por recear o que ouviria em respostaou o que no ouviria.

    O momento de intimidade passou quando o semforo mudou para o verde.

    -Voc parece conhecer bem a cidade - ela comentou, mudando de assunto.-Nasci aqui.

    - mesmo?

    -Sim, Para l do Canal Irlands.

    Alexandra conhecia o bairro a que ele se referia. Tratava-se originalmentede um reduto de imigrantes irlandeses, atualmente ocupado por minoriasde vrias raas. Havia se transformado numa rea estranha. Por um lado,tinha uma ala pobre e violenta, em que no se recomendava andar sozinho noite; por outro, passava por uma onda de renovao com a reforma dealguns dos antigos casares para onde se mudavam executivos bemsucedidos.

    -Ento realmente descendente de irlandeses?

    -Eu precisava de uma desculpa para o meu temperamento.

    -O temperamento que posso no acreditar que voc tenha de verdade?

    -Naturalmente.-Seus pais ainda moram aqui?

    -No. Eles se mudaram para a Flrida alguns anos atrs. Os dois esto nafaixa dos oitenta, mas continuam muito ativos.

    -Que maravilha!

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    45/170

    45

    - verdade. Eles agora desfrutam do prazer bem merecido. Levaram umavida dura. Papai foi dono de uma loja de roupas durante trinta e cincoanos enquanto mame trabalhou como domstica. Fomos muito pobres, sque nada impediu de sermos felizes.

    -Tem irmos?Ele soltou uma gargalhada.

    -Se tenho irmos? Quatro irms e trs irmos, para ser exato. Papaicostumava dizer que ele e mame fizeram pelo menos uma coisa bem navida. Graas aos santos, puseram no mundo os bebs mais bonitos.

    Ambos caram na risada.

    -Alguns deles mora aqui?

    -No. Esto espalhados por vrias cidades. Porm, sempre procuramosnos reunir no vero. Em geral no feriado de quatro de julho. Nem sempre possvel, mas tentamos. Meus velhos nos emburam de um forte senso defamlia, sem falar da absoluta questo que faziam de nos educar. Noqueriam que os filhos tivessem de dar tanto duro quanto eles ou fossemto pobres. "No nos contentaremos com segundos lugares", papai sempredizia. "No nos satisfaremos com menos." Assim, de oito filhos saram trsmdicos, um advogado, um professor de lingstica, um contador pblico,uma nutricionista e...

    -...Uma celebridade e grande amante - ela completou.

    Patrick sorriu com malcia da brincadeira, mas logo assumiu um arpensativo.

    -A verdade que meus irmos se esforaram muito para chegar ondeesto.

    -Fala como se voc no.

    -Sou o nico que no tem diploma universitrio. Abandonei os estudospara me tornar jogador profissional. Quase matei meus pais de desgosto.Ele dizia que eu me contentava com pouco. No que se opusesse aofutebol; pelo contrrio, era um torcedor fantico. Mas achava que eu deviaobter diploma. Vivia falando "Um dia o futebol acabar, e ento Paddy, oque far?" Talvez o velho estivesse certo. Talvez agora eu esteja beira donada.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    46/170

    46

    -Acho difcil acreditar nisso. Alm do mais, no vejo por que algum julgaria que voc no se esforou para chegar onde est.

    -Na realidade no tive de dar duro nenhum. Jogar futebol algo naturalpara mim. Nunca precisei me esforar para isso. De fato, pensando bem,

    obtive tudo em minha vida com facilidade. Talvez com facilidade demais.Para Alexandra, parecia que ele falava como se devesse desculpas aomundo por ser bom no que fazia, por ter talento. Tambm sentia um poucode remorso da parte dele por desapontar o pai, embora no concordassecom esse ponto de vista.

    -Talvez voc no se veja como as outras pessoas o vem - ela repetiu o queouvira antes.

    -Parece que ca em minha prpria armadilha.

    Alexandra apenas sorriu em triunfo. Prosseguiram um pouco em silncio,a ateno do motorista exigida para o trfego intenso da noite de sexta.

    -E voc? - ele retomou a conversa. - Tem irmos?

    -Nenhum. Sou uma mimada filha nica

    -E seus pais?

    -Esto mortos. Meu pai morreu quando eu tinha cinco anos e minha mequando eu tinha vinte e um.

    Aps ouvir sobre a unida famlia OCasey, ocorreu a ela que nenhum dosseus relacionamentos mais significativos havia terminado bem. A morte dopai lhe ensinara muito cedo na vida que o amor no a ligava para sempre pessoa amada. Uma lio reforada pela perda da me. Ento sofrera atraio do noivo. Talvez, de forma irnica, tivesse tido a sorte em serforada a viver sozinha. Pelo menos no podia perder o que no possua.

    -J foi casada?

    -No. Onde a festa?

    Patrick fitou-a de relance, em dvida: ela estava ansiosa para mudar deassunto ou apenas curiosa sobre a festa?

    -Aqui no Sheraton - ele informou, indicando o hotel logo adiante.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    47/170

    47

    Ao estacionarem, Alexandra constatou que o frio e a umidade, somadosaos esforos dispendidos para entrar no carro, haviam deixado seu quadrilainda mais rgido. A dor aguda voltou s dela girar as pernas para fora docarro. Apoiando-se na porta, impulsionou o corpo para cima. Em vo. Osmsculos se recusavam a cooperar de uma posio to baixa. Tentou

    outra vez, ganhando apenas uma dor mais forte como recompensa. O suorlhe brotava na testa.

    Alm da dor fsica, havia outra - no menos mortificante - relacionada comorgulho ferido, com vergonha de expor sua debilidade quele homem.Respirando fundo, porm, superou o embarao e o encarou.

    Patrick entendeu o pedido silencioso de ajuda. Mas tambm sabia o que ogesto custava aos sentimentos de Alexandra. Segurando-a pelo brao,colocou-a de p num instante.

    A dor percorreu a perna de Alexandra, aumentando vrias vezes com apresso exercida sobre o quadril para que ela pudesse ficar de p. A testaestava molhada, o corao acelerado e a respirao difcil.

    -Obrigada - sussurrou como se expressasse um segredo de namorados.

    -No seja por isso - ele respondeu, ainda a segur-la pelo brao.

    Permaneceram alguns instantes assim, prximos mas distantes, ambosesperando que a dor cessasse.

    -No precisamos ir festa - sugeriu Patrick.

    Alexandra o encarou com um sorriso, que embora dbil expressavasinceridade.

    -E perder a oportunidade de ser vista com Patrick OCasey? Estbrincando!

    Ele sorriu tambm, imaginando que jamais conhecera uma mulher comoaquela. To linda. To desejada. A obsesso aumentava.

    CAPTULO VIAlexandra no era o tipo de mulher que Patrick OCasey em geral levava afestas. Disso ela teve certeza no momento em que entrou na sute lotadado hotel. Era evidente a expresso de surpresa nos rostos dos convidados.

    Logo, porm, foi cercada por sorrisos e cumprimentos calorosos.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    48/170

    48

    -Oi! - cumprimentou uma moa, aproximando-se.

    -J estava na hora de chegarem - um rapaz comentou em seguida.

    -Ora, ora, se no o Malandro Irlands! - Marlim mal disfarou o espantode ver Alexandra. De repente compreendia a persistncia do colega naagncia aps a sesso de fotografias. Ele se virou para ela. -No me digaque uma moa to bonita no conseguiu programa melhor para uma noitede sexta do que sair com esse sujeito.

    -No comece, Washington - Patrick advertiu.

    -Na verdade - Alexandra retrucou sorridente-, ele no me deixou escolha.Simplesmente telefonou e disse "esteja pronta". - Ela se surpreendeu como prprio tom jocoso e o olhar maroto que lanou a Patrick. Como

    recompensa, ganhou um sorriso estonteante.-Ainda tentando se poupar da humilhao de ser rejeitado, hein, OCasey?- provocou Marlim.

    -O que posso dizer? Ele encolheu os ombros. - Como v, meu mtodofunciona.

    -E ento, o que acha? - O companheiro de equipe mudou de assunto,indicando o quarto. - Est bem, no?

    A sute ampla estava decorada com faixas pretas como a simbolizar luto,alm de bales e flores da mesma cor espalhados por todos os lados. Paracompletar um quadro grande trazia a inscrio: "Sinceras condolncias".

    -Fizemos um bom trabalho - confirmou Patrick. - Isso deve deprimi-lo.

    -...parece suficientemente lgubre. Venha - Marlin chamou Alexandra -Vou apresent-la ao pessoal. Obviamente esse mal-educado com quemvoc est no o far.

    -Gostaria de se sentar? - Patrick perguntou a Alexandra , falando em tomconfidencial, Lembrava-se muito bem da dor que ela sentira h apenasalguns minutos, e que provavelmente ainda sentia.A preocupao estampada em seus olhos azuis era to genuna que acomoveu. Bem no fundo do corao, uma porta se abria para aquelehomem.

    -Eu me sentarei logo - ela cochichou em resposta, amedrontada com ossbitos sentimentos que a invadiam.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    49/170

    49

    -No deixe que ele a canse - alertou Patrick. - Enquanto isso, vou at meuquarto apanhar o presente de Callegari. Voltarei logo.

    Alexandra assentiu com um gesto de cabea e seguiu Marlim para as

    apresentaes. O grupo se compunha de cerca de vinte pessoas, todas elasde uma forma ou de outra ligadas ao meio esportivo. A maioria eram jogadores, acompanhados pelas esposas ou namoradas, entre as quais sedestacava uma morena - lder da torcida dos Cowboys de Dallas - cujabeleza seria capaz de encantar qualquer homem. Seria do tipo com quemPatrick normalmente era visto? Com toda a certeza! Nada mais natural doque uma moa bonita e saudvel namorar um homem bonito e saudvel.Essa constatao apenas reforou o que Alexandra j suspeitava. Ela ePatrick OCasey pouco ou nada tinham em comum.

    Entretanto, embora se recusasse a reconhecer isso, ansiava por sua

    companhia. Quando ele voltou, seus olhares se cruzaram de imediato. Trocaram sorrisos, ela sentindo-se aliviada, flutuando de felicidade.Patrick parou apenas para depositar o presente num monte de outrosantes de se juntar a Alexandra.

    -Vejo que arrumou um lugar para se sentar.

    -Se reparar bem, vai perceber tambm que o lugar mais alto do recinto.

    -Sinto muito quanto ao carro.

    -No foi culpa sua.

    -Foi, sim.

    -No foi e assunto encerrado, OCasey.

    -Como queira, srta. Farrel. O que gostaria de tomar?

    -Uma... Perrier.

    -No prefere um vinho?

    -No posso misturar bebida alcolica com minha medicao.

    -Que seja Perrier ento. - Patrick foi at o bar e voltou com dois copos debebida.

    -Isso no era necessrio - ela protestou.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    50/170

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    51/170

    51

    -Vamos, rapazes! - Sony berrou do outro lado da porta. - Abram aqui ecomecemos logo essa festa!

    -Eu no disse? - comentou algum.

    -Peguem a cadeira! Peguem a cadeira! Todos se enfileiraram diante da porta enquanto um dos rapazes trazia acadeira de rodas previamente escondida no banheiro.

    -J no era sem tempo... Callegari desabou quando a porta se abriu. Oque isso, pessoal? - ele se referia a cadeira. Algum o obrigou a sentar-senela e outro colocou um xale rendado sobre seus ombros.

    A festa comeava, com risos, bebidas, comida e diverso. Alexandra noficou imune ao esprito comemorativo. Ainda que a dor no quadril

    persistisse, divertia-se de verdade, sempre procurando se concentrar emalgo positivo, tal como a piada que o aniversariante contava. Ela riu comotodos.

    -Est contente por ter vindo? - Patrick sussurrou-lhe ao ouvido. Ele nosara de seu lado desde que voltara com o presente de Callegari.

    -Sim, seus amigos so muitos simpticos. - Notando que ele segurava umalata de cerveja, Alexandra no conteve uma provocao: - O que aconteceuOCasey? Acabou o estoque de Perrier?

    Sem nada dizer, ele sorriu da brincadeira e apertou-lhe a nuca. Aavalanche de sensaes que o contato causou felizmente foi reprimida peloanncio de que era hora de Sonny abrir os presentes. Ao consultar orelgio e constatar que faltavam vinte minutos para s nove, Patrickinsistiu nisso.

    -Gostaria de ter trazido um presente tambm - Alexandra comentou.

    -No se preocupe. Coloquei seu nome junto com o meu no carto...ontem.

    Surpresa diante daquela declarao, ela tentou ficar sria, reclamar,porm no resistiu. Acabou rindo.- sempre to convencido, OCasey?-Vc est aqui, no ?

    Ela foi obrigada a se render s evidncias. Alis, no podia negar que sedivertia ou que jamais tivesse conhecido algum como Patick OCasey.

  • 8/14/2019 Licao de Ternura

    52/170

    52

    Uma gargalhada geral atraiu sua ateno outra vez para a festa. Muitosdos presentes eram jocosos - vitaminas, polidor de dentadura e tubos delinimento - embora Alexandra no considerasse trinta e dois, por exemplo,no se julgava velha. Tambm no faltaram as lembranas picantes,vexando-a.

    -Sinto muito - Patrick se desculpou em meio s gargalhadas.

    -No me diga que nosso presente est entre esses.

    -No est. Ns lhe demos um suter perfeitamente normal.

    O suter foi o ltimo presente aberto, provocando surpresa entre osconvidados.

    -Obrigado a vocs - o aniversariante agradeceu a Alexandra e Patrick.

    Ela sorriu