liberdade e igualdade nas dimensoes do direito e da justica

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    Alvaro Luis de A. S. Ciarlini (Organizador)

    LIBERDADE E IGUALDADE NAS DIMENSES DODIREITO E DA JUSTIA

    Volume 1

    1 edio

    AutoresFelipe Nogueira Fernandes

    Robson R. Barbosa

    Ana Cludia Loiola de Morais Mendes

    La Martins Sales Ciarlini

    Instituto Brasiliense de Direito Pblico

    Braslia

    2015

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    3

    Conselho Editorial:

    Presidente: Gilmar Ferreira Mendes (IDP)Secretrio Geral: Jairo Gilberto Schfer (IDP)Coordenador-Geral: Walter Costa Porto(Instituto Federal da Bahia)

    1. Adriana da Fontoura Alves (IDP)2. Alberto Oehling de Los Reyes (Madrid)3. Alexandre Zavaglia Pereira Coelho (PUC-SP)4. Arnoldo Wald (Universidade de Paris)5. Atal Correia (IDP)6. Carlos Blanco de Morais (Faculdade de Direitode Lisboa)7. Carlos Maurcio Lociks de Arajo (IDP)8. Everardo Maciel (IDP)

    9. Felix Fischer (UERJ)10. Fernando Rezende11. Francisco Balaguer Callejn (Universidade deGranada)12. Francisco Fernndez Segado (UniversidadComplutense de Madrid)13. Ingo Wolfgang Sarlet (PUC-RS)14. Jorge Miranda (Universidade de Lisboa)15. Jos Levi Mello do Amaral Jnior (USP)

    16. Jos Roberto Afonso (USP)17. Julia Maurmann Ximenes (UCDAVIS)18. Katrin Mltgen (Faculdade de PolticasPblicas NRW - Dep. de Colnia/Alemanha)19. Lenio Luiz Streck (UNISINOS)20. Ludger Schrapper (Universidade deAdministrao Pblica do Estado de Nordrhein-Westfalen)21. Marcelo Neves (UnB)22. Maria Alicia Lima Peralta (PUC-RJ)23. Michael Bertrams (Universidade deMunster)24. Miguel Carbonell Snchez (UniversidadNacional Autnoma de Mxico)

    25. Paulo Gustavo Gonet Branco (IDP)26. Pier Domenico Logroscino (Universidade deBari, Italia)27. Rainer Frey (Universitt St. Gallen)28. Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch (USP)29. Rodrigo de Oliveira Kaufmann (IDP)30. Rui Stoco (SP)31. Ruy Rosado de Aguiar (UFRGS)32. Sergio Bermudes (USP)33. Srgio Prado (SP)34. Teori Albino Zavascki(UFRGS)

    _______________________________________________________

    Uma publicao Editora IDPReviso e Editorao: Ana Carolina Figueir Longo

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    CIARLINI, Alvaro Luis de A. S.Liberdade e igualdade nas dimenses do direito e da justia/ Organizador

    Alvaro Luis de A. S. Ciarlini Braslia : IDP, 2015.

    Disponvel em http://www.idp.edu.br/publicacoes/portal-de-ebooks105 p.

    ISBN 978-85-65604-69-7DOI 10.11117/9788565604697

    1.Jurisdio Constitucional. 2. Hermenutica. 3. DireitosFundamentais

    CDD 341.2

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    SUMRIO

    2

    CAPTULO 1 ........................................................................................................... 8

    A EFICINCIA COMO CRITRIO DE JUSTIA: O ESTOURO DA BOLHA ...... 8

    Felipe Nogueira Fernandes .............................................................. 8

    CAPTULO 2 ........................................................................................................ 44

    JUSTIA E ALTERIDADE: REPENSANDO O PAPEL DA JURISDIO NOSDISSDIOS DE GREVE DE SERVIDORES ......................................................... 44

    Robson R. Barbosa ......................................................................... 44

    CAPTULO 3 ........................................................................................................ 63

    JUSTIA E ALTERIDADE: COMPREENSO DO OUTRO COMO

    FUNDAMENTO PARA CONCRETIZAO DO MANDAMENTO DE

    PROTEO INTEGRAL VTIMA DE VIOLNCIA. ........................................ 63

    Ana Cludia Loiola de Morais Mendes .......................................... 63

    CAPTULO 4 ........................................................................................................ 76

    JUSTIA RESTAURATIVA EM CRIMES GRAVES: UMA ANLISE SOB O

    ENFOQUE DA TEORIA DOLABELLING APPROACH..................................... 76

    La Martins Sales Ciarlini .............................................................. 76

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    APRESENTAO

    A presente obra a sntese dos esforos de pesquisa empreendidos

    pelos alunos do Programa de Mestrado Acadmico em Direito Constitucional

    da Escola de Direito de Braslia, mantido pelo Instituto Brasiliense de Direito

    Pblico - IDP, na disciplina "Teorias da Justia", ministrada no segundo

    semestre de 2015. Para tanto, o Programa de Mestrado contou com a parceria

    do Centro Universitrio de Braslia - UniCEUB.

    Os quatro captulos deste livro refletem e sintetizam os debates

    correntes neste programa de ps-graduao e na graduao do UniCEUB a

    respeito da igualdade e da liberdade, pressupostos norteadores do conceito de

    justia desde a antiguidade, a partir da tica platnica das quatro virtudes

    cardeais, que brotam comorenovos no pensamento jusfilosfico

    contemporneo, emcomplexa conexo com a Teoria Poltica e a Teoria do

    Direito, nomeadamente no atual estgio do constitucionalismo, sobretudo em

    virtude da percepo hoje generalizada que enaltece a democracia como projeto

    majoritrio que convive com atitudes polticas estritamente contramajoritrias.

    Esse ambiente tem se mostrado frtil e propcio para a anlise dos

    argumentos fundados em proposies que se nutrem, alm da liberdade, em seu

    duplo sentido, positivo e negativo, tambm da justia e suas demandas de

    isonomia e equidade.

    No primeiro captulo, o foco foi no conceito de eficincia de Richard

    Posner, tendo em perspectiva um critrio de justia interdependente com a sua

    capacidade para maximizar a riqueza social.O segundo e o terceiro captulos trazem ainda instigantes abordagens

    da metafsicada alteridade de Emmanuel Lvinas, tanto no mbito do

    fenmeno das greves, quanto nas hipteses de violncia de gnero. Alis, no

    quarto captulo, o foco na tica da alteridade levinasiana tambm aparece como

    importante marco reflexivo apto a delinear os limites e as possibilidades da

    justia restaurativa para crimes graves.

    Os textos que compem a presente coletnea revelam-se, portanto,importantes contribuies tericas que abrem novas perspectivas de debate a

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    respeito da justia e do direito como dimenses possveis dessa conexo sempre

    problemtica e complexa entre a liberdade e a igualdade. Alm da inegvel

    relevncia e de seu contedo inovador, os artigos deste volume tm o mrito defomentar reflexo e aprofundamento terico e filosfico no mbito do Direito

    Constitucional.

    Esta obra, portanto, refora o compromisso do IDP com a pesquisa

    jurdica e jusfilosfica, a partir de um debate denso e plural.

    Braslia-DF, julho de 2015.

    Professor Doutor Alvaro Luis de A. S. Ciarlini.

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    CAPTULO 1A EFICINCIA COMO CRITRIO DE JUSTIA: O

    ESTOURO DA BOLHAFelipe Nogueira Fernandes1

    Resumo: No final dos anos 1970, Richard Posner props que a maximizao de

    riqueza deveria ser o critrio fundamental de justia. Nessa perspectiva, a

    justia de uma ao dependeria de sua capacidade para maximizar a riqueza

    social. Posner tentou demonstrar que a maximizao de riqueza levaria a um

    conjunto atrativo de felicidade, direitos e distribuio de riqueza; e buscoufundament-la filosoficamente no consentimento. A teoria da maximizao de

    riqueza foi alvo de duras crticas, que revelaram os problemas insuperveis da

    pretenso de identificao absoluta entre eficincia e justia. A tentativa de

    equiparao da maximizao de riqueza com a justia pode ser vista como um

    excesso decorrente da euforia com o avano da nova anlise econmica do

    direito a partir dos anos 1960. Mas ainda que essa euforia tenha refludo, isso

    no significa que consideraes sobre a eficincia no tenham qualquer papel adesempenhar no direito. A conscincia sobre os efeitos das normas e decises

    jurdicas um elemento importante para definirmos o justo. Nesse sentido, a

    anlise econmica uma ferramenta essencial ao direito.

    Palavras-chave: Justia. Eficincia. Maximizao de riqueza. Anlise

    econmica.

    Abstract: In the late 1970s, Richard Posner proposed that wealth maximization

    should be the fundamental standard of justice. From this perspective, therighteousness of an action would depend on its ability to maximize social

    wealth. Posner tried to demonstrate that wealth maximization would lead to an

    attractive set of happiness, rights and distribution of wealth; and sought to

    substantiate it philosophically in consent. The theory of wealth maximization

    was the target of harsh criticism, revealing the insurmountable problems of the

    1Felipe Nogueira Fernandes Advogado da Unio, especialista em direito constitucional(Instituto Brasiliense de Direito Pblico) e aluno do Mestrado Acadmico em DireitoConstitucional do Instituto Brasiliense de Direito Pblico.

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    pretension of absolute identification between efficiency and fairness. The

    attempting to equate the wealth maximization to justice can be seen as an excess

    of euphoria due to the advancement of new economic analysis of law from the1960s. But although this euphoria has reflowed, it does not mean that

    considerations of efficiency does not have any role to play on the law. Awareness

    of the effects of legal norms and decisions is an important element in defining

    the fair. In this sense, the economic analysis is an essential tool to the law.

    Key Words: Justice. Efficiency. Wealth maximization. Economic analysis.

    INTRODUOEm determinadas reas, como o direito antitruste, a aplicao da

    cincia econmica ao campo jurdico ocorre h pelo menos um sculo. Contudo,

    o movimento que se denominouLaw and Economicsou Anlise Econmica do

    Direito bem mais recente. Foi iniciado na dcada de 1960 nos Estados Unidos

    com os trabalhos de Ronald Coase (1960) e Guido Calabresi (1961). A partir de

    ento, o uso de instrumentos prprios da cincia econmica estendeu-se para

    diversos outros campos do Direito. Esse movimento de colonizao do direitopela anlise econmica atingiu seu apogeu entre as dcadas de 1970 e 1980.

    Imaginou-se ento que a premissa da anlise econmica, de que o homem um

    maximizador racional de utilidade, poderia fornecer uma base uniforme para

    todas as cincias sociais (BRENNER, 1980).

    Foi nesse contexto de entusiasmo com a aplicao da abordagem

    econmica ao direito que surgiu a teoria da maximizao de riqueza de Richard

    Posner, que teve a pretenso nada modesta de estabelecer a eficinciaeconmica como critrio fundamental de justia.

    Este artigo se dedica a examinar a teoria da maximizao de riqueza

    de Posner e diversas crticas dirigidas a ela buscando lanar luz sobre a relao

    entre eficincia e justia.

    O artigo est dividido em quatro partes. Na primeira, sero

    apresentados alguns conceitos bsicos para a compreenso da eficincia

    econmica. Em seguida, ser exposta a teoria da maximizao de riqueza. Na

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    terceira parte, sero apresentadas diversas crticas maximizao de riqueza

    como critrio de justia. Finalmente, sero analisados os possveis usos de

    consideraes sobre a eficincia para solucionar questes jurdicas.

    1 A EFICINCIA ECONMICA

    Antes de tratar da relao entre justia e eficincia, necessrio

    compreender o significado da eficincia econmica. Para isso, fundamental

    entender os conceitos de excedente do consumidor e de excedente do produtor.

    1.1 Excedentes do consumidor e do produtor

    Conforme suas preferncias pessoais e capacidade de pagamento, os

    potenciais consumidores valorizam diferentemente cada bem ou servio, o que

    se reflete na sua disposio para pagar por algo. A disposio para pagar

    significa o preo mximo que cada consumidor aceitaria pagar por um bem ou

    servio (MANKIW, 2013, p. 130). Trata-se de uma medida do quanto cada

    potencial consumidor valoriza o bem ou servio em questo2

    . O potencialconsumidor s ir efetivamente adquirir o bem ou servio se o preo de

    mercado for inferior sua disposio para pagar. Isso porque, nessa situao, o

    consumidor obtm um ganho ao realizar a transao. Esse o excedente do

    consumidor. Portanto, o excedente do consumidor representa a diferena entre

    a quantia que um comprador est disposto a pagar por um bem ou servio e a

    quantia que ele efetivamente paga pelo bem ou servio (MANKIW, 2013, p. 131).

    Com base no excedente do consumidor possvel medir o benefcio que os

    compradores obtm com a sua participao no mercado.

    Imaginemos que o indivduo A est disposto a pagar a quantia

    mxima de $ 15 mil por um determinado veculo. Se o preo de mercado for de

    $ 12 mil, o indivduo A ir adquirir por $ 12 mil um bem que para ele vale $ 15

    mil, o que significa que ter um ganho em satisfao equivalente a $ 3 mil,

    correspondente ao excedente do consumidor gerado pela transao.

    2 importante ressalvar que a disposio para pagar uma medida imperfeita do valor que cadaindivduo atribui a determinado bem ou servio porque depende no apenas das prefernciasindividuais, mas tambm da capacidade de pagamento de cada indivduo.

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    Imaginemos agora um leilo em que so vendidos dois carros idnticos e h trs

    pessoas interessadas em adquirir uma nica unidade. O indivduo A est

    disposto a pagar at $ 15 mil por uma unidade; o indivduo B est disposto apagar at $ 13 mil; enquanto o indivduo C est disposto a pagar at $ 12 mil.

    Nessa situao, podemos supor que os trs interessados oferecero lances at

    que o maior deles chegue a $ 12 mil, que a quantia mxima que C est disposto

    a pagar. A partir desse ponto, o indivduo C deixa de oferecer lances e a

    quantidade ofertada (2 carros) se iguala demanda, porque apenas A e B esto

    dispostos a pagar mais que $ 12 mil por uma unidade do bem oferecido. Ento,

    A e B compram um carro cada um por $ 12 mil ou algo ligeiramente acima desse

    valor. Se o preo efetivo for de $ 12 mil, isso significa que A ter um excedente

    de $ 3 mil, enquanto B ter um excedente de $ 1. Ento, o excedente do

    consumidor total nesse mercado limitado ser de $ 4 mil.

    Portanto, quanto mais baixo o preo de mercado, maior ser o

    excedente do consumidor total. Isso ocorre por duas razes. Primeiro, porque os

    consumidores que j esto no mercado (porque sua disposio para pagar j era

    maior que o preo de mercado), ao pagarem menos por um bem ou servio,

    tero um excedente maior. Em segundo lugar, o preo menor permite que mais

    compradores entrem no mercado (aqueles cuja disposio para pagar era menor

    que o preo de mercado anterior, mas superior ao novo preo de equilbrio, que

    no exemplo mais baixo). Esses novos compradores tambm tero um ganho

    que se agrega ao excedente do consumidor total.

    Algo semelhante ocorre do lado da oferta. Cada potencial vendedor

    de um bem ou servio est disposto a vender um bem ou prestar um servio por

    um determinado preo (mnimo), embora procure obter o mximo preo

    possvel. O preo mnimo de venda equivale ao custo de oportunidade3de cada

    potencial vendedor; sendo que a esse preo o produtor indiferente entre

    realizar a transao ou no (MANKIW, 2013, p. 135). O excedente do produtor

    a diferena entre o montante que um vendedor recebe e o preo mnimo pelo

    3O custo de oportunidade significa o custo de uma determinada escolha, medido pelo que sedeixa de ganhar por no se ter optado pela segunda melhor alternativa.

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    qual estaria disposto a realizar a transao, que corresponde ao seu custo de

    oportunidade (MANKIW, 2013, p. 135).

    Imaginemos uma situao em que algum quer pintar dois imveisidnticos e h trs pessoas interessadas em prestar o servio, sendo que cada

    uma s pode pintar um dos imveis. Enquanto o custo de oportunidade de A

    de $ 9 mil, o custo de B de $ 11 mil e o custo de C de $ 12 mil. O comprador

    tentar contratar o servio ao menor preo possvel e promove um leilo

    invertido entre os candidatos, que oferecem lances decrescentes. Enquanto o

    valor dos lances for superior a $ 12 mil, os trs candidatos faro ofertas cada vez

    mais baixas. Quando o menor lance for ligeiramente inferior a $ 12 mil, o pintorC desistir e a demanda ser igual oferta. Se o preo do servio for de $ 12 mil,

    o pintor A obter um ganho de $ 3 mil e o pintor B ter um ganho de $ 1 mil,

    que correspondem diferena entre o preo de mercado e o preo mnimo pelo

    qual cada um estaria disposto a fazer o servio. Nesse caso, o excedente do

    produtor total ser de $ 4 mil.

    Logicamente, da mesma forma que o preo mais baixo aumenta o

    excedente do consumidor, o preo mais alto aumenta o excedente do produtor.O preo mais alto aumenta o ganho daqueles vendedores que j estavam no

    mercado, ou seja, cujos custos de oportunidade eram inferiores ao preo de

    mercado anterior. Alm disso, o preo maior faz com que novos vendedores

    passem a ofertar bens ou servios no mercado. Esses vendedores ingressam no

    mercado se o novo preo de equilbrio for superior ao seu custo de

    oportunidade, de modo a obter um ganho que se agregar ao excedente do

    produtor total.

    Os excedentes do consumidor e do produtor podem ser ilustrados

    graficamente da seguinte forma:

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    Uma possvel med

    excedentes do consumidor e

    total (MANKIW, 2013, p. 1

    consiste na diferena entre

    disposio de pagar, ou sej

    oportunidade dos vendedores

    1.2 O excedente total co

    A eficincia econ

    soma dos excedentes do cons

    excedente total (PINDYCK;

    Gregory Mankiw:

    Se umadizemosento pcomprad2013, p.

    Os mercados livre

    muito importantes para que

    da de bem-estar econmico consiste na s

    do produtor, que pode ser chamada de e

    8). De maneira simplificada, o excede

    o valor para os compradores (medido

    a, o preo mximo de compra) e o c

    , que corresponde ao preo mnimo de ven

    o medida da eficincia econmi

    mica costuma ser associada maximiz

    umidor e do produtor, ou seja, maximi

    UBINFELD, 2006, p. 258). Nesse sentido

    alocao de recursos maximiza o excedenque tem eficincia. Se uma alocao no arte dos ganhos potenciais do comrcires e vendedores no est sendo obtida. (

    39).

    e competitivos tm duas caractersticas

    seja atingida a eficincia: (i) alocam a o

    13

    ma dos

    cedente

    te total

    ela sua

    usto de

    a.

    a

    ao da

    ao do

    , afirma

    te total,ficiente,

    o entreANKIW,

    que so

    ferta de

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    bens aos compradores que atribuem maior valor a eles, de acordo com a sua

    disposio para pagar; e (ii) alocam a demanda por bens aos vendedores que

    podem produzi-los ao menor custo (MANKIW, 2013, p. 140). Com isso, osmercados livres produzem a quantidade de bens que maximiza a soma dos

    excedentes do consumidor e do produtor (MANKIW, 2013, p. 140). Isso ocorre

    porque a maximizao do excedente total se d quando as curvas de oferta e

    demanda se cruzam, que o ponto de equilbrio de um mercado competitivo.

    Da a concluso de que os resultados de mercado fazem com que a soma dos

    excedentes do produtor e do consumidor seja a maior possvel, o que significa

    que o resultado de equilbrio constitui uma alocao eficiente de recursos.

    Porm, ainda que o nico objetivo a ser alcanado fosse a eficincia

    econmica, seria prematuro afirmar que o Estado no deve intervir nos

    mercados porque seus resultados sero necessariamente eficientes. Os

    mercados livres s produzem resultados que possam ser considerados eficientes

    se operarem em condies ideais. A concluso de que o resultado de mercado

    ser eficiente depende de duas premissas que nem sempre se verificam na

    realidade: (i) que o mercado perfeitamente competitivo; e (ii) que no h

    externalidades (efeitos negativos a terceiros). As chamadas falhas de mercado

    fazem com que os mercados no regulados sejam incapazes de produzir

    alocaes eficientes de recursos (MANKIW, 2013, p. 144). Em tais situaes

    possvel que alguma interveno estatal seja capaz de promover a eficincia

    econmica, embora isso no seja necessariamente verdadeiro.

    Mas a questo que nos interessa se o Estado devenecessariamente

    buscar a eficincia econmica, seja deixando de intervir em mercados que

    operem em condies ideais ou prximas disso ou mediante intervenes

    dirigidas maximizao da eficincia no caso de falhas de mercado. neste

    ponto que se torna relevante a relao entre eficincia e justia. Mas antes disso

    precisamos entender melhor o que significa o critrio de eficincia de Pareto.

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    1.3 O critrio de eficincia de Pareto

    De acordo com o critrio de eficincia de Pareto, uma situao

    eficiente quando no for possvel alter-la de modo a melhorar a situao de

    pelo menos uma pessoa sem piorar a situao de qualquer outra. Diz-se que

    uma realocao Pareto-superior quando ela permite melhorar a situao de

    uma pessoa sem piorar a de mais ningum (COLEMAN, 1980b, p. 512-513). As

    trocas livres entre pessoas racionais que busquem sua prpria satisfao s

    ocorrem quando a operao for vantajosa para ambas as partes, ou seja, quando

    gerar um excedente tanto para o vendedor como para o comprador. Presume-se

    ento que as operaes de mercado so Pareto-superiores. Portanto, em

    condies ideais, ocorrero trocas livres at que no seja mais possvel uma

    realocao Pareto-superior, o que significa um estado de coisas Pareto-eficiente4

    (VARIAN, 2006, p. 16). Trata-se do primeiro teorema da economia do bem-

    estar: em mercados competitivos, sero realizadas todas as transaes que

    sejam mutuamente vantajosas at que seja atingido o equilbrio na alocao de

    recursos, que ser economicamente eficiente. Neste ponto, as alocaes so

    consideradas eficientes porque os bens no podem ser realocados de modo aaumentar o bem-estar de uma pessoa sem que haja reduo de bem-estar de

    outra (PINDYCK; RUBINFELD, 2006, p. 506).

    Porm, no h um nico estado de coisas Pareto-eficiente. Cada

    alocao inicial de recursos conduzir a um estado Pareto-eficiente especfico e

    os diversos estados Pareto-eficientes alternativos no so comparveis pelo

    critrio de Pareto; por esse critrio seriam todos equivalentes. Portanto, a

    escolha entre diversas possibilidades de distribuies Pareto-timas s pode serfeita com base em outro critrio (COLEMAN, 1980b, p. 513). Pela mesma razo,

    uma alocao Pareto-eficiente no necessariamente melhor do que qualquer

    alocao Pareto-ineficiente (COLEMAN, 1980b, p. 543-544). Segundo o critrio

    de Pareto, uma alocao Pareto-eficiente s pode ser considerada melhor que as

    alocaes que lhe forem Pareto-inferiores, isto , alocaes que, mediante

    operaes Pareto-superiores, puderem resultar no estado Pareto-eficiente de

    4Como explica COLEMAN (1980b, p. 513), o critrio da superioridade de Pareto compara doisestados de coisas para afirmar qual deles melhor; enquanto o critrio de otimizao de Paretocompara uma distribuio com todas as outras possibilidades.

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    comparao. Portanto, o critrio de eficincia de Pareto pode nos informar as

    trocas mutuamente vantajosas, mas no indica as alocaes finais que seriam

    melhores (PINDYCK; RUBINFELD, 2006, p. 507).Com essas consideraes iniciais sobre a eficincia econmica e o

    critrio de Pareto, podemos ento compreender melhor a proposio, formulada

    por Richard Posner, de que a justia requer a maximizao da riqueza social.

    2 A MAXIMIZAO DA RIQUEZA NAPERSPECTIVA DE RICHARD POSNER

    A partir do final da dcada de 1970, Richard Posner passou a

    defender enfaticamente que a maximizao de riqueza poderia ser um

    fundamento normativo coerente e atrativo para julgamentos ticos, inclusive

    para a formulao e interpretao do direito, numa sntese entre justia e

    eficincia. Como afirma Bruno Salama (2012, p. 447-448), a teoria da justia

    eficientista de Posner pode ser resumida ideia de que a maximizao de

    riqueza da sociedade seria o critrio fundamental para avaliar se atos ou

    instituies so justos, bons ou desejveis. Portanto, a eficincia adquire emPosner o statusde critrio tico decisivo.

    Posner procurou primeiramente distinguir a maximizao de riqueza

    em relao tradio filosfica do utilitarismo, evitando assim as contundentes

    objees contra a doutrina utilitarista. Esse foi o seu principal objetivo em

    Utilitarianism, Economics, and Legal Theory, de 1979. Posner tentou

    demonstrar que a maximizao de riqueza seria eticamente distinta e mais

    atraente do que o ideal utilitarista. Mas j aqui Posner (1979) contrape suateoria da maximizao de riqueza ao que ele chamou de teorias kantianas5 e

    defendeu que o objetivo da maximizao de riqueza seria uma opo melhor.

    Para justificar sua proposio, Posner (1979) concentrou-se inicialmente em

    argumentos instrumentais. Procurou demonstrar que a adoo da maximizao

    5 Como explica Salama (2012, p. 460), Posner no usa o termo kantismo para se referirespecificamente teoria de Kant, mas a um amplo grupo de teorias ticas que subordinam o

    bem-estar a noes de autonomia e auto-respeito como critrios ticos. Nessa perspectivafilosfica, h certos atos que so absoluta e intrinsecamente errados, independentemente dobem que possam causar a um indivduo ou sociedade em geral.

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    de riqueza como objetivo social resultaria numa combinao atrativa de

    felicidade, direitos e distribuio de riqueza.

    No artigo The Ethical and Political Basis of the Efficiency Norm inCommon Law Adjudication, de 1980, Richard Posner reforou sua defesa da

    maximizao de riqueza com base na ideia de consentimento derivada da tica

    kantiana, utilizando para isso o conceito de compensao ex ante. Posner

    buscou situar a norma da maximizao da riqueza como um meio-termo entre o

    utilitarismo e a tica da autonomia pessoal ao atribuir peso tanto a preferncias

    individuais como ao consentimento e autonomia individual.

    Para descrever a teoria da maximizao de riqueza, primeiro serapresentada a concepo de riqueza em que Posner se baseou e o seu mtodo da

    maximizao de riqueza. Em seguida, ser examinada a fundamentao da

    teoria da maximizao de riqueza.

    2.1 O conceito e o mtodo da maximizao de riqueza

    Posner (1979) props substituir a utilidade (no sentido atribudo pela

    filosofia utilitarista) pela riqueza como objeto de maximizao. Nesse sentido, a

    riqueza equivaleria ao valor em dinheiro ou equivalente a dinheiro que as

    pessoas estariam dispostas a pagar para adquirir algo ou que estariam dispostas

    a receber para se desfazer de algo (POSNER, 1979, p. 119). Posteriormente,

    Posner (1987, p. 86) explicou que o valor a que ele se refere como riqueza no

    consiste no preo de mercadoe tambm no se confunde com dinheiro. Trata-

    se do valor que cada pessoa atribui a um bem ou servio, ainda que no seja

    transacionvel no mercado, de acordo com suas preferncias e necessidades; e

    que poderia ser captado de forma aproximada pela disposio de pagar ou

    inversamente pela disposio para receber centra quantia em troca de algo.

    Como informa o prprio Posner (1987, p. 87), ele usa o termo riqueza (wealth)

    como sinnimo do conceito econmico de utilidade esperada6 (expected

    6Posner (1987, p. 87) tambm explica que o conceito econmico de utilidade esperada no seconfunde com o conceito econmico de riqueza. Em termos econmicos, a utilidade se distingue

    da riqueza porque aquela seria ajustada pelas preferncias a riscos de cada pessoa. possvelperceber a diferena com um exemplo simples. Uma chance de 40% de ganhar $ 100 teria umefeito esperado sobre a riqueza de algum (em sentido econmico) equivalente a $ 40. Por outro

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    utility), que determina a disposio para pagar e diferente do conceito

    utilitarista7. Pode-se dizer ento que a maximizao de riqueza no sentido de

    Posner consiste na maximizao dos saldos positivos(surplus) do consumidor edo produtor.

    Segundo Posner (1987, p. 92), a riqueza seria maximizada com um

    sistema que permita que os preos de compra e de venda sejam comparados e

    que as ofertas sejam aceitas apenas quando os preos de compra superarem os

    preos de venda; e que imponha uma transao involuntria apenas quando os

    custos de transao inviabilizarem as transaes voluntrias. Portanto, o

    sistema de maximizao de riqueza concebido por Posner (1980b, p. 497)consistiria basicamente em instituies que facilitassem as transaes de

    mercado ou que, quando os custos de transao as tornarem inviveis, simulem

    os resultados que seriam obtidos em condies ideais de mercado, desde que os

    benefcios em termos de maximizao de riqueza sejam superiores aos custos da

    interferncia.

    2.2 Os argumentos instrumentais

    Os argumentos instrumentais de Posner em favor da maximizao de

    riqueza esto intimamente ligados relao entre maximizao de riqueza e

    utilitarismo. O utilitarismo tem por objetivo a maximizao da utilidade no

    sentido de satisfao ou felicidade. Aparentemente, trata-se de um objetivo

    louvvel. Porm, o utilitarismo apresenta srios problemas, que Posner acredita

    lado, a utilidade esperada, sendo dependente das preferncias de cada pessoa em relao ariscos, seria varivel. Por exemplo, uma pessoa com severa averso a risco poderia atribuir aessa chance o valor de apenas $ 15 (o desconto de $ 25 em relao ao valor esperado decorreriada desutilidade originada da averso ao risco). Por outro lado, uma pessoa tendente ao riscopoderia atribuir a essa mesma chance um valor de, por exemplo, $ 45. As loterias seguemexatamente essa lgica. O preo cobrado pelo bilhete de loteria maior que o valor do prmiodescontado pela probabilidade de ser sorteado. A explicao racional para o comportamento daspessoas que compram bilhetes de loteria que elas obtm mais utilidade com a compra dobilhete do que o seu valor esperado. Ao comprar um bilhete de loteria, por mais irrisrias quesejam as chances de ganhar, as pessoas adquirem o direito de sonhar com o prmio. Outraexplicao possvel que as pessoas em geral tm dificuldades para lidar racionalmente comchances muito pequenas diante do que pode ser chamado de efeito de possibilidade(KAHNEMAN, 2012, p. 306-307).

    7De acordo com Posner (1987, p. 88), a recusa dos economistas modernos em fazer comparaesinterpessoais de utilidade significa que eles usam a riqueza e no a felicidade como critrio paradefinir a alocao eficiente de recursos.

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    possam ser solucionados ou atenuados com a adoo do ideal da maximizao

    de riqueza sem que isso comprometa acentuadamente o aumento da felicidade.

    A maximizao de riqueza seria ento capaz de proporcionar felicidade sociedade, mas evitaria os problemas do utilitarismo relacionados ao seu

    critrio redistributivo e ausncia de proteo a direitos individuais.

    Costuma-se apontar como um dos problemas mais graves do

    utilitarismo a ausncia de preocupao com a individualidade. O objetivo da

    maximizao da utilidade, seja total ou mdia, trataria os indivduos como um

    mero instrumento para atingir a finalidade pretendida. No haveria ento

    qualquer direito individual capaz de se opor a persecuo da mxima utilidade.Por considerar que a maximizao de riqueza exigiria um certo sistema de

    direitos individuais, Posner acredita que essa fragilidade poderia ser corrigida

    caso adotada a mxima riqueza como objetivo social.

    Na perspectiva da maximizao de riqueza, os direitos devem ser

    alocados s pessoas que lhes atribuem o maior valor (POSNER, 1980a, 246-

    247). Isso pode ser dito de outra forma: os direitos devem ser conferidos a quem

    lhes d o uso mais eficiente. Em condies ideais de mercado, como explicouRonald Coase (1960), a alocao final sempre ser a mais eficiente,

    independentemente da distribuio inicial. Isso porque as partes negociariam

    at chegarem a um ponto Pareto-eficiente. Ento, se o trabalho livre for mais

    eficiente que o trabalho forado, os escravos comprariam o direito sua

    liberdade, pois com seus rendimentos futuros seriam capazes de pagar uma

    quantia maior do que o valor que o seu trabalho forado teria para seus antigos

    proprietrios8. Mas, como essas condies ideais no esto presentes na

    realidade, a alocao inicial de direitos vai influenciar o resultado final. por

    isso que Posner (1980b, p. 502) sugere que, no exemplo acima, cada um tenha

    direito ao seu prprio trabalho, pois essa seria a alocao mais eficiente e assim

    seriam evitados os custos da transao que, em condies ideais, seria

    entabulada entre o escravo o seu senhor. Com esse tipo de raciocnio, Posner

    acredita poder extrair um sistema de direitos individuais a partir do objetivo da

    8 Sem dvida, o ex-escravo estaria numa situao melhor se a liberdade lhe tivesse sidoatribuda originalmente, j que no precisaria adquiri-la. Mas essa uma questo distributiva. Oponto que, em condies ideais, o mercado conduziria a uma alocao eficiente de direitos.

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    maximizao de riqueza. Trata-se, evidentemente, de direitos instrumentais: a

    sua finalidade seria a maximizao de riqueza. Mas Posner no v problema

    nisso e considera que os direitos instrumentais ao objetivo da maximizao deriqueza seriam coerentes com as intuies ticas dominantes, pelo menos na

    sociedade norte-americana9.

    O utilitarismo tambm seria problemtico quanto ao aspecto

    redistributivo. De acordo com Posner (1979, p. 132), a distino mais relevante

    entre os critrios da maximizao da utilidade (felicidade) e da riqueza seria que

    o utilitarismo atribui valor a qualquer fonte de prazer10; enquanto em um

    sistema de maximizao de riqueza as pretenses dependeriam da capacidadede cada um em fazer algo valorizado pelas outras pessoas no mercado. Posner

    (1980a, p. 243), refora essa distino afirmando que o utilitarismo legitima

    pretenses baseadas no puro desejo, enquanto a maximizao de riqueza requer

    que o indivduo esteja disposto a pagar o preo necessrio para obter algo. E

    para isso precisa-se obter renda produzindo algo que as outras pessoas desejem.

    Como o utilitarismo atribui um valor moral mera capacidade de sentir prazer,

    justificaria a realocao de recursos s pessoas que deles conseguissem obter a

    maior satisfao. Mas um critrio distributivo como esse seria autodestrutivo, j

    que no prov qualquer incentivo produo. A maximizao de riqueza

    corrigiria essa deficincia ao dar mais peso moral produo de bens e servios

    que outras pessoas valorizem em lugar da aptido para sentir prazer (POSNER,

    1987, p. 97).

    A maximizao de riqueza tambm permitiria alguma redistribuio

    de recursos aos membros menos produtivos da sociedade (POSNER, 1980b, p.

    496). Porm, o principal fundamento dessa redistribuio seria o desejo

    altrusta dos cidados produtivos11. A teoria concebida por Posner (1980b, p.

    497) no confere qualquer pretenso moral aos cidados improdutivos sobre os

    9 Posner (1987, p. 92-93) posteriormente admitiu que, em alguns casos, a maximizao deriqueza poderia no oferecer uma orientao para a alocao inicial de recursos; mas que essescasos seriam raros, de modo que essa limitao no seria fatal.10Portanto, o utilitarismo justificaria transferir renda de uma pessoa para outra simplesmenteporque ela teria mais capacidade de sentir prazer (POSNER, 1987, p. 97).

    11Posner (1979, p. 131), tambm afirma que a maximizao de riqueza poderia recomendaralguma redistribuio de recursos com o objetivo de reduo do crime e, consequentemente, doscustos associados aos crimes.

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    recursos controlados pelos membros produtivos da sociedade12. Em razo do

    problema do carona ou free-rider13, o mercado livre no conseguiria prover

    sozinho o nvel adequado de caridade para atender plenamente s prefernciasdos cidados capazes economicamente e dispostos a adquirir os benefcios da

    ajuda aos necessitados (POSNER, 1979, p. 131; POSNER, 1987, p. 101). A

    redistribuio de riqueza imposta pelo Estado teria assim o objetivo de suprir

    uma falha de mercado para que seja atingido o ponto timo de caridade,

    conforme as preferncias altrustas presentes na sociedade ou, mais

    precisamente, dos indivduos dispostos e capazes de pagar o preo da ajuda aos

    improdutivos. Assim, mesmo a redistribuio de riqueza serviria ao objetivo da

    eficincia num sentido mais amplo.

    Posner (1979, p. 135) tambm sugere que a maximizao de riqueza

    teria um aspecto distributivo intrnseco decorrente do fato de que, ao exercerem

    atividades produtivas, as pessoas acabam gerando benefcios para a sociedade

    em geral, pois s conseguiriam se apropriar de uma parte da riqueza que

    produzem. Trata-se do fenmeno conhecido como externalidade positiva, que

    consiste em consequncias favorveis a terceiros que no participam de uma

    determinada transao ou atividade14.

    Portanto, na perspectiva de Posner, o objetivo da maximizao de

    riqueza seria capaz de assegurar uma quantidade adequada de felicidade e ao

    12 Inicialmente Posner (1979, p. 135) afirmou que a renda de cada pessoa resulta de suacontribuio para a sociedade e no de fatores arbitrrios. Nos primeiros textos em que tratouda maximizao da riqueza como critrio de justia, entre o final da dcada de 1970 e incio dadcada de 1980, Posner atribuiu uma enorme relevncia moral produtividade, que poderia serdescrita como a capacidade de um indivduo para gerar renda mediante transaes de mercado,

    que ele contraps ao que considerava ser o principal problema da filosofia utilitarista: aatribuio de valor moral simples capacidade de sentir prazer. Mas em sua revisitao aoprincpio da maximizao de riqueza, Posner (1987, p. 101) reconhece que pode ter atribudo umpeso excessivo produtividade ao admitir que talvez tanto o individualismo como amaximizao de riqueza tenham negligenciado o papel da sorte para a riqueza e a pobreza.13O problema do carona ou free-ridingocorre em situaes em o efeito benfico de uma aoseja no excludente em relao aqueles que no pagaram pelo bem ou servio. o caso, porexemplo, do servio de ronda particular de segurana numa determinada rua. Os vizinhos quedecidirem no colaborar ainda assim sero beneficiados pelo servio. Portanto, os caronas soagentes que consomem utilidades sem que tenham pago por elas O problema que nessassituaes a quantidade do bem ou servio ser inferior ao ponto timo ou de equilbrio entreoferta e demanda, uma vez que o preo ser mais alto do que seria caso todos os beneficiriospagassem pelo servio.

    14Por exemplo, muitos efeitos positivos de uma descoberta cientfica economicamente relevanteno so capturados sob a forma de aumento de renda pelo responsvel pela descoberta,vazando para os demais integrantes da sociedade.

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    mesmo tempo garantir um sistema de direitos atraente e uma redistribuio de

    riqueza compatvel com o nvel de altrusmo presente na sociedade.

    2.3 O argumento do consentimento

    Posner (1980) tentou mostrar que a maximizao de riqueza teria

    uma base tica slida apoiada no princpio do consentimento. Embora o critrio

    de eficincia de Pareto esteja associado ao utilitarismo, na medida em que seria

    um meio de contornar o problema das comparaes interpessoais de

    felicidade15, Posner (1980, p. 489) considera que seria possvel situar a tica de

    Pareto numa tradio filosfica bem diferente: a tradio kantiana, que

    enfatiza o valor da autonomia individual no sentido de que os indivduos devem

    ser tratados como fins e no como meios. Isso porque o consenso, sendo um

    elemento essencial da autonomia individual, tambm constitui a base

    operacional do critrio de eficincia de Pareto. Portanto, da perspectiva

    kantiana, seria possvel defender as transaes de mercado com base no

    princpio do consentimento, independentemente de sua relao com a

    eficincia. O consentimento seria ento uma base alternativa no-utilitaristapara o critrio de Pareto (POSNER, 1980b, p. 490-492).

    Ocorre que o eficientismo de Posner no se baseia propriamente no

    critrio de Pareto, mas no critrio de Kaldor-Hicks. De acordo com o critrio de

    Kaldor-Hicks, tambm chamado Pareto-potencial, uma realocao de recursos

    seria mais eficiente em relao a outra sempre que os benefcios que

    proporcionar aos ganhadores superarem os prejuzos causados aos perdedores,

    ainda que no haja efetiva compensao. Portanto, no exige que no haja

    15Essa suposio decorre do fato de que, conforme o critrio de superioridade de Pareto, umaalterao alocativa seria eficiente quando a situao de pelo menos uma pessoa possa sermelhorada sem que a situao de qualquer outra pessoa seja piorada. Presume-se da que astrocas livres so Pareto-superiores, pois s haveria concordncia com a operao se ambas aspartes tivessem algum ganho. Ento, ainda que no se possa saber efetivamente o montante doganho de utilidade, presume-se que uma operao Pareto-superior gera um aumento dautilidade total, uma vez que no haveria perdedores. Posner (1980, p. 489) explica com razoque isso no resolve o problema, pois tal concluso se baseia na premissa de que a operao nogera efeitos negativos sobre terceiros, o que na prtica nem sempre ocorre. Ao contrrio, no caso

    de decises sociais de efeitos mais amplos, sequer seria possvel identificar todos os afetados(POSNER, 1980, p. 489). Posner (1980, p. 490) tambm explica que, se houvesse uma mtricaconfivel de felicidade, o utilitarismo poderia ignorar completamente o critrio de Pareto.

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    perdedores. Posner (1980a, p. 250-251) afirma categoricamente que a

    maximizao de riqueza rejeita a compensao (ex post) porque ela tem um

    custo, de modo que a riqueza seria maximizada caso nenhuma compensaoseja paga. Portanto, Posner no adota o critrio de eficincia de Pareto, porque

    na prtica ele seria invivel para fins de adoo de escolhas sociais de efeitos

    amplos.

    Ao admitir realocaes que gerem perdedores sem exigir qualquer

    compensao, o princpio de riqueza posneriano abre um flanco a crticas

    baseadas justamente no consentimento e na autonomia individual. A soluo

    encontrada por Posner para justificar a maximizao de riqueza com base noconsentimento consistiu na aplicao do conceito de compensao ex ante. Com

    uma comparao entre diferentes sistemas de responsabilidade civil, Posner

    (1980b, p. 493-495) procura mostrar que, se as pessoas fossem idnticas,

    optariam pela instituio do sistema mais eficiente porque assim aumentariam

    sua riqueza esperada16 como consequncia da reduo de custos totais com

    acidentes, que tambm resultaria em prmios de seguros mais baixos. Portanto,

    uma eventual perda ex post estaria justificada num consentimento ex ante.

    Posner (1980b, p. 495) reconhece que sua concluso depende da premissa irreal

    de que todos os indivduos so idnticos, mas sugere que sistemas jurdicos

    mais eficientes beneficiariam a quase todos, sobretudo se adotada a perspectiva

    ex ante. E acrescenta que, embora as instituies sociais maximizadoras de

    riqueza no sejam capazes de alcanar um consenso total, apenas um fantico

    exigiria a unanimidade absoluta para legitimar esse tipo de instituio social

    (POSNER, 1980b, p. 495; POSNER, 1987, p. 100).

    Embora procure justificar a maximizao de riqueza no

    consentimento, Posner argumenta que no seria apropriado aplicar a

    autonomia individual diretamente como norma moral. De acordo com Posner,

    isso exigiria pressupor uma determinada alocao de direitos arbitrria, pois

    muitas vezes as diversas autonomias individuais entram em choque e no h

    clareza sobre qual delas deve ser preservada. Outra objeo seria que a tica da

    16 O conceito de riqueza esperada pode ser compreendido com um exemplo simples. Se umapessoa recebe gratuitamente uma chance de 50% de ganhar $ 10, a sua riqueza esperadaaumenta em $ 5.

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    autonomia pessoal, se interpretada sem qualquer restrio para a preservao

    do bem-estar geral, poderia levar a uma grande misria (POSNER, 1980b, p.

    496). Portanto, Posner usa contra as teorias kantianas uma estratgiasemelhante a que adotou contra o utilitarismo: procura aproximar a norma da

    maximizao de riqueza aos objetivos buscados pelas teorias baseadas na

    autonomia individual, mas descrevendo o princpio da riqueza como capaz de

    superar as suas deficincias.

    2.4 Entre o utilitarismo e as teorias kantianas

    Como visto, Posner tenta de certa forma unir o consequencialismo

    utilitarista s premissas ticas do individualismo kantiano. Nesse sentido,

    Posner (1980b, p. 496) afirma que a maximizao de riqueza representaria um

    meio-termo entre o utilitarismo e a tica da autonomia pessoal ao atribuir peso

    tanto s preferncias individuais como ao consentimento17.

    Segundo Posner (1979, p. 112-116), a filosofia do utilitarismo

    padeceria de graves problemas, dos quais aponta como principais: (i) a

    impreciso de sua amplitude; (ii) a ausncia de um mtodo confivel para medir

    a utilidade, no sentido de felicidade; e (iii) a chancela de recomendaes

    monstruosas derivadas do instrumentalismo. No extremo oposto filosofia

    utilitarista estariam as teorias denominadas kantianas, cujo ponto em comum

    seria o estabelecimento de deveres morais sem qualquer conexo com

    conseqncias. Na perspectiva kantiana, a justia ou injustia estaria na

    prpria conduta, independentemente de seus efeitos. De acordo com Posner

    (1979, p. 117-118), o principal problema das teorias kantianas seria a tendnciaao fanatismo moral caso se leve a concepo anti-consequencialista ao

    extremo18. Em suma, o utilitarismo recomendaria uma redistribuio de

    17A maximizao de riqueza de um lado promoveria o utilitarismo, pois a riqueza geralmentefavorece a felicidade; e de outro promoveria o individualismo ao demandar a proteo a direitosindividuais (POSNER, 1987, p. 95-96).18 Posner (1979, p. 118) explica que muitos adeptos a teorias kantianas procuram evitar ofanatismo por meio da formulao de excees aos deveres categricos que elas impem. Posnerconsidera problemtica essa soluo, afirmando que uma vez que se assume que em certos casos

    as conseqncias podem se sobrepor aos deveres categricos, no haveria um ponto lgico ouevidente em que se deva parar. Por isso, essas tentativas acabariam misturando kantismo comutilitarismo, sem que haja uma fronteira clara entre ambos (POSNER, 1979, p. 118).

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    recursos incompatvel com a preservao da autonomia individual; enquanto

    um compromisso muito rgido com a autonomia individual reduziria a

    felicidade na sociedade a um nvel intolervel. A inteno de Posner foidemonstrar que a norma da maximizao de riqueza poderia ser uma

    alternativa melhor.

    Na viso de Posner (1987, p. 102) a maximizao de riqueza

    compartilharia com o utilitarismo a nfase no valor moral das preferncias e

    desejos individuais; e compartilharia com o individualismo a averso coero.

    Porm, no excluiria inteiramente a coero, j que a admite quando os custos

    de transao inviabilizarem as trocas voluntrias e esquemas de mimetizao domercado forem capazes de maximizar a riqueza social. Mas, com base no

    conceito de compensao ex ante, Posner (1987, p. 102) acredita que mesmo

    esses esquemas coercitivos poderiam ser deduzidos do consenso quase

    universal, exatamente por fomentarem o bem-estar geral. Da tradio

    utilitarista, Posner mantm uma concepo consequencialista de moralidade e

    justia19e a noo de que as pessoas agem como maximizadoras de seu prprio

    bem-estar; mas rechaa o critrio da felicidade e o substitui pela maximizao

    de riqueza. Da tradio kantiana, Posner rejeita a averso extrema ao

    consequencialismo, mas tenta reter parte dos conceitos de autonomia individual

    e consenso (SALAMA, 2012, p. 448-449). Com isso, Richard Posner imagina

    oferecer uma teoria moral capaz de reunir os pontos positivos do utilitarismo e

    das teorias ditas kantianas, baseadas na autonomia individual, sem absorver

    seus defeitos.

    2.5 Tribunais maximizadores

    Em The Ethical and Political Basis of the Efficiency Norm in

    Common Law Adjudication, de 1980, Posner tambm tentou justificar

    pragmaticamente a norma da eficincia com base em algo como uma teoria da

    distribuio de funes estatais. Posner havia defendido a proposio descritiva

    de que a common lawnorte-americana havia se desenvolvido de modo a prover

    19Na filosofia, o consequencialismo baseia-se na compreenso de que o valor de uma condutadepende fundamentalmente de suas consequncias (SALAMA, 2012, p. 449).

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    a sociedade com regras eficientes. Porm, no havia explicado a causa desse

    fenmeno. No mencionado artigo, Posner tentou demonstrar o motivo da

    alegada eficincia da common law, defendendo a sua proposio contra crticasbaseadas nas teorias dos grupos de interesses20. Segundo Posner (1980b, p.

    504), os mtodos e assuntos abordados pela common law no seriam

    apropriados para promover interesses redistributivos de grupos especficos.

    Com essa premissa, conclui que no haveria motivos para que a common law

    seja dominada por questes distributivas, ainda que os legisladores tivessem

    essa preocupao. Nesse caso, os interesses dos diversos grupos convergiriam

    para a eficincia, pelo menos no contexto da common law, pois no haveria

    outro meio pelo qual pudessem melhorar sua prpria situao.

    Partindo do pressuposto de que os tribunais no dispem de

    instrumentos suficientemente flexveis para promover a redistribuio de um

    modo efetivo, Posner considera que seria sensata uma diviso de tarefas em que

    os tribunais fossem incumbidos da maximizao de riqueza, enquanto os rgos

    legislativos poderiam se ocupar da redistribuio de parte da riqueza (POSNER,

    1987, p. 104-105).

    No entanto, em sua revisitao ao princpio da maximizao de

    riqueza, Posner (1987) reconhece algumas limitaes importantes do critrio

    moral que ele prope como guia para as decises judiciais. Talvez a mais

    importante delas seja que a maximizao de riqueza serviria de orientao

    apenas quando a discricionariedade judicial seja legtima e relevante (POSNER,

    1987, p. 105). Quanto a esse aspecto, Posner (1987, p. 105) afirma que,

    felizmente, em muitos casos em que a soluo recomendada pela maximizao

    de riqueza seria contrria s nossas intuies morais, no haveria espao para a

    discricionariedade judicial por fora de disposies constitucionais. Diz Posner:

    By a happy coincidence, as I have said, many of the questions onwhich the unflinching embrace of the implications of wealthmaximization might yield results contrary to widespread moralintuitions, such as lynching and torture, have been taken out ofthe area of judicial discretion by constitutional provisions. The

    20 As teorias dos grupos de interesses concluem que grupos mais compactos e coesos teriam

    mais chances de obter favores governamentais do que grupos mais difusos, de modo que asdecises pblicas tenderiam a favorecer interesses de grupos especficos que nem semprecoincidem com o interesse geral.

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    domain in which wealth maximization is allowed to operate inthe law is, not surprisingly, the domain in which the principle ofwealth maximization - once it is correctly understood, and notconfused with the ethics of Mammon or Midas - expressesfundamental values of our political culture. (POSNER, 1987, p.105)

    Essa afirmao de Posner, no final de seu artigo de 1987, parece

    refutar muito do que ele defendeu ardorosamente sobre a maximizao de

    riqueza. Ele admite implicitamente que h outros valores independentes da

    maximizao de riqueza que devem ser preservados ainda que levem a

    resultados ineficientes. Isso significa que esses outros valores, pelo menos em

    alguns casos, seriam mais importantes que o aumento da riqueza. Estava assim

    aberta a porta para uma reviso radical de sua teoria da maximizao de

    riqueza, que ocorreria algum tempo depois. Na obraProblemas de Filosofia do

    Direito, lanada originalmente em 1990, Posner abandona a defesa da

    maximizao de riqueza como fundamento tico do direito, passando a

    considerar a riqueza como um entre vrios outros valores a serem fomentados

    pelas instituies sociais (SALAMA, 2012, p. 475).

    3 AS CRTICAS MAXIMIZAO DE RIQUEZACOMO CRITRIO DE JUSTIA

    A teoria eficientista de Richard Posner gerou uma enorme polmica e

    uma torrente de crticas. Nesta seo, sero examinadas algumas das objees

    maximizao de riqueza como critrio de justia.

    3.1 A rejeio da maximizao de riqueza como um objetivosocial atraente

    Um dos principais opositores teoria da maximizao de riqueza

    proposta por Posner foi Ronald Dworkin. Em Is wealth a value? (1980a),

    Dworkin rejeita a maximizao de riqueza como um objetivo atraente para a

    sociedade, seja concebida como um fim ou apenas um meio.

    Dworkin (1980a, p. 195) explica que seriam possveis duas

    concepes bsicas da riqueza social como valor: (i) que a riqueza seria elaprpria um fim (componente do valor); ou (ii) que a riqueza teria um valor

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    instrumental para perseguir outros objetivos. Dworkin rejeita ambas as

    possibilidades. Afirma que, para que pudssemos considerar a riqueza como um

    componente do valor, ainda que no fosse o nico, teramos que aceitar que umaumento de riqueza sozinho seria um melhoramento ao valor (DWORKIN,

    1980a, p. 196 e 201). Segundo Dworkin (1980a, p. 197), se a riqueza fosse ela

    prpria um valor, seria recomendvel que um tirano transferisse

    compulsoriamente e sem qualquer compensao um bem de uma pessoa para

    outra simplesmente porque essa outra pessoa atribui um valor maior a esse

    bem21. Na mesma linha de Posner, Dworkin explica que a ausncia de

    compensao seria exigida pela maximizao de riqueza porque assim seriam

    evitados custos de transao. Para Dworkin (1980a, p. 200), quando a riqueza

    se dissocia da utilidade, ela perde qualquer plausibilidade como componente do

    valor22. Por isso, Dworkin (1980a, p. 205) rejeita tanto a verso de que a riqueza

    seria o nico componente do valor, como tambm a verso moderada de que

    seria apenas um dos componentes do valor.

    Para Dworkin (1980a, p. 205), bvio que algumas vezes o aumento

    de riqueza causar melhoramentos de outros tipos. Portanto, Dworkin concorda

    com uma verso fraca da concepo instrumental de riqueza. Mas considera

    que isso no justificaria a orientao de que os juzes deveriam aplicar a

    maximizao de riqueza como critrio fundamental de justia. Para isso,

    entende que seria necessria uma verso instrumental forte segundo a qual a

    adoo da maximizao de riqueza como nico critrio de deciso fomentaria o

    valor que realmente importa em maior medida do que se os esforos se

    dirigissem diretamente ao objetivo desejado (DWORKIN, 1980a, p. 205-206).

    De acordo com Dworkin (1980a, p. 206), essa teoria deveria especificar em que

    21Ainda que se possa concordar com Dworkin no sentido de que a maximizao de riqueza nopoderia ser um fim em si mesmo, importante perceber que o exemplo que ele usa parafundamentar sua afirmao tem algumas falhas. A primeira delas que, apesar de terconsiderado que as trocas implicam custos de transao, Dworkin ignorou que a expropriaode bens pelo Estado tambm implicaria custos de transao, provavelmente mais altos que oscustos da troca voluntria, especialmente se for necessrio avaliar quem hipoteticamenteatribuiria um valor mais alto a um determinado bem. Alm disso, Dworkin tambm ignora osefeitos de desincentivo que decorreriam da perspectiva de expropriao de bens com base nosimples fato de que outra pessoa valorizar um bem em maior medida que seu proprietrio.22Dworkin parece ignorar os efeitos nocivos que regras arbitrrias de redistribuio de recursos

    teriam sobre a atividade produtiva. Uma regra que atribusse os recursos sociais a quemconseguisse deles extrair a maior felicidade em pouco tempo destruiria os incentivos produoe levaria a sociedade pobreza.

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    consiste esse objetivo final, que precisaria ser algo de valor independente da

    maximizao de riqueza. E no h nada desse tipo na teoria da maximizao de

    riqueza proposta por Posner.Para Dworkin (1980a, p. 212), a afirmao de que a maximizao de

    riqueza promoveria uma distribuio mais justa de recursos exigiria que os

    ideais de justia distributiva fossem especificados de modo independente da

    maximizao de riqueza, pois do contrrio essa afirmao seria tautolgica. A

    maximizao de riqueza no poderia ser considerada instrumental a uma

    concepo de justia, no entender de Dworkin, porque, diante das contingncias

    a que est submetido o mercado, a eficincia no seria capaz de fomentar umaconcepo independente de justia; e a aplicao de uma concepo de justia

    dependente das condies de mercado tornaria a tese instrumental tautolgica23

    (DWORKIN, 1980a, p. 212-215).

    3.2 As objees intermediao entre utilitarismo e kantismo

    Como visto, Posner tentou ligar a sua teoria da maximizao de

    riqueza tanto ao utilitarismo como ideia de autonomia das teorias kantianas

    atravs argumento de que seria possvel deduzir o consenso aos princpios da

    maximizao da riqueza porque isso coincidiria com o interesse antecedente da

    ampla maioria das pessoas. Enquanto o consentimento estaria relacionado

    ideia de autonomia (kantiana), o auto-interesse introduziria um elemento

    utilitarista teoria (DWORKIN, 1980b, p. 573-574). Porm, essa intermediao

    entre o utilitarismo e o kantismo pelo critrio da maximizao de riqueza

    tambm recebeu crticas contundentes de Dworkin (1980b) e Kronman (1980).

    Para Dworkin (1980b, p. 575), no seria possvel extrair um

    consentimento (contrafactual) apenas da ideia de auto-interesse. Alm disso, o

    auto-interesse a que Posner se refere s poderia ser o interesse antecedente.

    23Dworkin (1980a, p. 213-214) explica que a soluo no poderia ser uma teoria meritocrtica.Isso porque, como os talentos recompensados pelo mercado so altamente contingentes, nohaveria como garantir que a maximizao de riqueza compensar o mrito fixado de um modo

    independente. Por outro lado, a adoo de um conceito dependente segundo o qual o mritoconsistiria na capacidade de ter sucesso no mercado, faria com que a concepo instrumental deriqueza se tornasse tautolgica.

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    Porm, consideraes sobre o passado no seriam relevantes para a eficincia de

    Pareto, que seria o critrio usado por Posner24, embora pudessem ser relevantes

    para um tipo diferente de argumento de justia (DWORKIN, 1980b, p. 582).Dworkin acrescenta que o critrio de Pareto s teria algum sentido tico se fosse

    exigida a unanimidade; pois se for atenuado do modo que Posner props,

    exigindo apenas a concordncia da ampla maioria, acabaria se tornando um

    critrio utilitarista, com todos os seus defeitos congnitos (DWORKIN, 1980b,

    p. 582-583).

    Kronman (1980) tambm critica a ideia da maximizao de riqueza

    como um meio-termo atrativo entre o utilitarismo e a noo de autonomiaindividual. Para Kronman (1980) a maximizao de riqueza no conseguiria ser

    atrativa nem aos utilitaristas nem aos kantianos. O utilitarismo atribui uma

    importncia secundria s pessoas, justificando que sejam utilizadas como

    instrumentos para o aumento da felicidade total. Essa uma crtica baseada na

    noo de autonomia individual. Para Kronman (1980, p. 233), esse argumento

    favorece a aplicao do princpio de Pareto, uma vez que a exigncia de

    consentimento evitaria que uma pessoa seja usada como instrumento da

    felicidade alheia. Posner sugere que a maximizao de riqueza restringiria o

    utilitarismo ao definir a riqueza como a disposio e capacidade para pagar.

    Porm, na viso de Kronman (1980, p. 234), o limite imposto pela maximizao

    de riqueza ao utilitarismo no atenderia ao princpio da autonomia individual,

    uma vez que, em alguns casos, permitiria que a riqueza de uma pessoa fosse

    reduzida apenas com o propsito de aumentar a riqueza total.

    Consequentemente, do ponto de vista do utilitarismo, a maximizao de riqueza

    no seria um ideal atrativo, pois restringiria a maximizao da utilidade sem

    demonstrar respeito ao indivduo no sentido kantiano (KRONMAN, 1980, p.

    234).

    24Embora a ideia de maximizao de riqueza proposta por Posner coincida com o critrio deeficincia de Kaldor-Hicks e no com a concepo paretiana, Posner usa o critrio de Paretopara relacionar a maximizao de riqueza simultaneamente com o utilitarismo e com as teorias

    kantianas. Isso seria possvel, na perspectiva de Posner, porque h uma relao prxima entreambos os critrios. O critrio de Kaldor-Hicks poderia ser visto como uma atenuao do critriode Pareto, de modo a viabilizar sua aplicao prtica.

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    O consentimento exigido pelo princpio de Pareto garantiria que

    ningum seja tratado como instrumento para o bem-estar alheio, representando

    ento um ideal moral baseado no respeito autonomia individual e naconcepo de que as pessoas devem ser tratadas como fins e no como meios

    (KRONMAN, 1980, p. 235). Ocorre que a exigncia de unanimidade faz com que

    o critrio de Pareto seja muito difcil de ser cumprido na prtica.

    Kronman (1980, p. 235-236) explica que haveria duas formas de

    atenuar o princpio paretiano: (i) a substituio pelo critrio de Kaldor-Hicks,

    que equivale ideia maximizao de riqueza proposta por Posner; e (ii) a

    expanso do conceito de compensao para incluir a compensao ex ante. Essanoo ampliada de compensao no equipararia o princpio de Pareto

    maximizao de riqueza, pois o critrio de Kaldor-Hicks no exige nem mesmo

    uma compensao ex ante; e, sem qualquer tipo de compensao, o ideal

    kantiano da autonomia individual seria violado (KRONMAN, 1980, p. 237-238).

    Portanto, o teste de Kaldor-Hicks seria irrelevante para um kantiano. Na viso

    de Kronman (1980, p. 238), o princpio de Pareto poderia ser viabilizado pela

    expanso do conceito de compensao, mas a adoo do critrio de eficincia de

    Kaldor-Hicks no se justificaria em termos kantianos. Por isso, Kronman (1980,

    p. 239) considera que um kantiano moderado, disposto a ceder a consideraes

    utilitaristas em alguns casos, rejeitaria a maximizao de riqueza porque ela

    demandaria que abdicssemos do ideal de autonomia individual sem que haja

    garantia de um efetivo aumento da utilidade. Em concluso, Kronman afirma

    que:

    A utilitarian who acknowledges that the pursuit of utility shouldbe constrained by a respect for individual rights will not be ledto adopt the principle of wealth maximization since thatprinciple, unlike the Pareto criterion, fails to protect rights anddoes not express concern for the autonomy of persons.Likewise, a Kantian who is prepared to grant the relevance ofutilitarian considerations in certain situations will not endorsewealth maximization since increases in wealth do notnecessarily mean increases in utility. Moreover, if a Kantianaccepts the Pareto principle as an appropriate expression of hisconception of individual autonomy, but is concerned about theprinciple's practicality, he may have an incentive to relax itsdemanding requirements by expanding the notion of actualcompensation. He will not have a reason of any kind, however,to soften the Pareto principle by adopting wealth maximization

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    as his guiding norm. From either point of view - Kantian orutilitarian - the principle of wealth maximization makes nosense. Nor does it make sense as a rational compromisebetween these points of view, in the way, for example, that autilitarian theory that explicitly incorporated the idea of rightsmight. (KRONMAN, 1980, p. 239-240)

    Em suma, a maximizao de riqueza no conseguiria superar nem os

    defeitos do utilitarismo nem os problemas das teorias kantianas, no se

    constituindo, portanto, em um ideal atraente sob nenhum desses pontos de

    vista.

    3.3 Os tribunais como rgos responsveis por decisesconstitutivas de valores

    A pretenso de Posner no sentido de que os tribunais deveriam

    dedicar-se ao ideal da maximizao de riqueza, deixando eventuais

    preocupaes distributivas a outros rgos, tambm recebeu objees. Essas

    crticas tm basicamente dois fundamentos. O primeiro, de ordem normativa,

    que a funo dos tribunais deve ser outra. O segundo, de carter descritivo,

    que os tribunais no estariam aptos a tomar decises com base emconsideraes econmicas. Alm disso, h um certo ceticismo sobre a

    possibilidade de cooperao entre rgos judiciais e legislativos caso se deixasse

    aos primeiros a funo maximizadora de riqueza e aos ltimos as medidas

    distributivas.

    Segundo Tribe (1985), a abordagem econmica obscureceria a

    dimenso constitutiva das decises constitucionais. Na viso de Tribe (1985, p.

    595), as decises constitucionais no serviriam apenas para implementar umsistema de valores j dado; mas tambm para redefinir e remodelar valores e a

    prpria identidade de uma nao.De acordo com Tribe (1985, p. 614), as

    decises constitucionais definiriam escolhas sobre o tipo de sociedade que

    queremos ser; o que no poderia ser respondido por anlises de custo-benefcio

    ou qualquer outra estratgia de maximizao, porque essas estratgias seriam

    capazes apenas de medir o que j existe, mas no ajudam a decidir o que deve

    existir. Diz Tribe:

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    The genuinely constitutional question presented by the choicebetween these two very different societies cannot be made withthe help of any form of cost-benefit analysis or by any utility-maximizing strategy. For such a strategy can only measure whatalready exists; it cannot help us decide what should exist. And itis for guidance in that choice that we have accepted theConstitution as our fundamental law. (TRIBE, 1985, p. 614)

    Ento, nessa perspectiva, as decises jurdicas, especialmente as

    decises constitucionais, estariam incompletas caso se limitassem a

    consideraes de custo-benefcio, uma vez que assim abandonariam a dimenso

    constitutiva de valores que lhe prpria.

    3.4 A circularidade da alocao de direitos maximizadora deriqueza

    Parece haver um claro problema de circularidade na teoria de direitos

    proposta por Posner com base na maximizao de riqueza. Como visto, um dos

    argumentos instrumentais em favor da maximizao de riqueza seria a sua

    capacidade de fomentar um conjunto atraente de direitos individuais. Porm, os

    mesmos direitos que seriam fomentados pela maximizao de riqueza so os

    direitos deduzidos do objetivo da maximizao de riqueza (DWORKIN, 1980a,

    p. 206-207). O sistema de maximizao de riqueza precisaria pressupor uma

    determinada distribuio inicial de direitos, pois ela afeta o valor que as pessoas

    atribuem aos bens e servios (COLEMAN, 1980b, p. 524-525). Ento, no seria

    possvel definir a riqueza sem conhecer a alocao inicial de direitos; e sendo

    funo do sistema jurdico definir essa alocao, a proposio de que o sistema

    jurdico deve alocar direitos de modo a maximizar a riqueza seria uma

    pretenso impossvel (HIERRO, 1994, p. 953).

    3.5 As preferncias no-maximizadoras de riqueza

    A teoria da maximizao de riqueza proposta por Posner pretende

    servir s preferncias dos indivduos ou pelo menos dos membros produtivos da

    sociedade. Mas ela presume que o nico interesse capaz de influenciar o

    comportamento das pessoas a maximizao da riqueza. Ocorre que, na

    realidade, os interesses das pessoas no se resumem a isso.

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    Com base em algumas pesquisas comportamentais, Swygert e Yanes

    (1998, p. 309-314) sugerem a existncia do que chamam de efeito de equidade

    (fairness effect), que decorreria da influncia de percepes relacionadas equidade sobre o comportamento das pessoas em suas interaes sociais,

    incluindo relaes de troca. De acordo com Swygert e Yanes (1998, p. 309), os

    indivduos se preocupariam tanto com a eficincia como com a equidade. Essa

    preocupao com a equidade poderia ser percebida em comportamentos em que

    as pessoas fazem escolhas que consideram mais equitativas ainda que resultem

    em alguma perda ao seu ganho individual25(SWYGERT; YANES, 1998, p. 309-

    312). Portanto, uma teoria da justia que atribua alguma importncia s

    preferncias dos indivduos teria que levar em conta tanto a eficincia

    econmica como a equidade.

    Como explica Coleman (1980a, p. 231), as trocas livres no precisam

    necessariamente otimizar a riqueza e por isso no so necessariamente

    alocativamente eficientes. Em condies ideais de mercado, as trocas livres

    chegaro a um estado de coisas Pareto-timo correspondente aos critrios de

    preferncia pessoal das partes, pois elas negociaro at que no possa mais

    haver ganhos mtuos. Mas, quando outras preferncias estiverem em jogo, o

    resultado pode no ser alocativamente eficiente. O prprio Posner parece

    reconhecer isso ao conceber um esquema redistributivo baseado no nvel de

    altrusmo presente na sociedade. Contudo, o sistema de maximizao de riqueza

    levaria em conta apenas as preferncias das pessoas produtivas.

    Segundo OHanlon (2009, p. 75-77), as pessoas tm noes de

    equidade que elas associam moral; e esperam que o direito siga essas normas.

    Por isso, as noes morais no poderiam ser ignoradas pela teoria jurdica. Na

    medida em que a viso de racionalidade tradicionalmente adotada pelos

    economistas exclui as influncias da moral sobre o comportamento humano,

    no retrataria adequadamente a realidade (OHANLON, 2009, p. 76).

    25Esse efeito de equidade poderia inclusive ser explicado com base na eficincia, uma vez queteria o efeito de facilitar as trocas livres ao reduzir custos de transao. Isso demonstraria umainterdependncia entre equidade e eficincia (SWYGERT; YANES, 1998, p. 312-314).

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    3.6 A dependncia de premissas irreais

    Algumas objees apresentadas por Kornhauser (1980, p. 610-616)

    proposio descritiva de Posner de que a common lawnorte-americana seria de

    fato eficiente nos ajudam a perceber as dificuldades prticas da proposio

    normativa da maximizao de riqueza. Kornhauser (1980) explica que a

    concluso de que um esquema normativo eficiente exige a definio de

    algumas premissas. A primeira delas seria o fator tempo. Conforme o horizonte

    de planejamento, a concluso sobre a eficincia de uma deciso pode variar.

    Uma regra que poderia ser dita eficiente num determinado perodo de tempo,

    pode no ser a mais eficiente se considerarmos um prazo distinto. A introduo

    do fator tempo torna-se ainda mais problemtica quando o perodo considerado

    envolve vrias geraes. Nesse caso, a escolha de um modelo eficiente

    dependeria do peso relativo que se atribua a cada gerao afetada pela deciso

    (KORNHAUSER, 1980, p. 614-615).

    A concluso de que uma regra eficiente tambm dependeria das

    alternativas com as quais ela comparada, explcita ou implicitamente

    (KORNHAUSER, 1980, p. 616-617). Alm disso, a descrio de uma regra como

    eficiente pode variar conforme a caracterizao de mundo que se adota como

    base (KORNHAUSER, 1980, p. 619-620). Os modelos simplificados costumam

    presumir a estabilidade de preferncias, a estabilidade de tecnologia e a igual

    distribuio do conhecimento. Essas premissas so claramente irreais. E uma

    vez que consideramos esses fatores como variveis, como de fato so, a

    concluso sobre a eficincia das regras pode variar de acordo com a

    caracterizao de cada um desses fatores (KORNHAUSER, 1980, p. 619-620).

    Portanto, a concluso sobre a eficincia de um determinado esquema

    normativo depende: (i) do horizonte temporal considerado; (ii) da definio das

    regras ou instituies de comparao; e (iii) da definio das premissas sobre

    distribuio de informaes, estabilidade de preferncias e constncia

    tecnolgica (KORNHAUSER, 1980, p. 620-621). E a definio dessas premissas

    depende de alguns julgamentos de valor. Portanto, a concluso de que algo

    eficiente dependeria de premissas cuja definio se constitui numa questonormativa que no poderia ser decidida com base na maximizao de riqueza.

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    3.7 O dficit de informaes para chegar a concluses precisassobre a eficincia

    De acordo com Rizzo (1980), o uso normativo da eficincia s teriasentido se dispusermos de mecanismos adequados que nos assegurem que

    determinados esquemas normativos possam nos levar pelo menos a uma

    aproximao razovel eficincia. Mas para isso, de acordo com Rizzo (1980),

    no seria suficiente uma anlise de equilbrio parcial (limitada a um setor da

    economia). Uma mudana vista como maximizadora num determinado setor

    poderia gerar efeitos negativos sobre outros setores superiores ao efeito positivo

    no setor examinado (RIZZO, 1980, p. 651-653). Precisaramos ento avaliartodos esses possveis efeitos colaterais (spillover effects) numa anlise de

    equilbrio geral. Ocorre que as exigncias de informao para que seja possvel

    realizar essa medio seriam tamanhas que tornariam esse empreendimento

    praticamente invivel. Portanto, Rizzo (1980, p. 658) conclui que as exigncias

    de informao que precisariam ser satisfeitas para identificar normas jurdicas

    eficientes fariam da eficincia um critrio normativo impraticvel.

    4 AS CONSIDERAES SOBRE EFICINCIA NODIREITO

    At aqui vimos as severas crticas que a teoria da maximizao da

    riqueza desencadeou. Mas importante perceber que as crticas se dirigiram

    principalmente pretenso de equiparar a maximizao de riqueza justia,

    tornando a eficincia econmica o critrio moral fundamental a basear as

    decises jurdicas. Seria a colonizao do prprio ncleo do direito pelaanlise econmica. Essa verso radical da teoria econmica do direito no

    obteve xito. Mas isso no significa que consideraes sobre a eficincia sejam

    irrelevantes para o direito.

    Uma das principais questes com que os formuladores de normas

    jurdicas sempre se depararam saber como cada norma efetivamente afeta o

    comportamento dos indivduos. At a dcada de 1960, essa pergunta era

    respondida basicamente mediante o emprego da intuio (COOTER; ULEN,2012, p. 3). Mas a economia fornece uma teoria cientfica para predizer os

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    efeitos de diferentes estruturas de custos e benefcios sobre o comportamento

    humano. No obstante as suas limitaes, a cincia econmica tem

    demonstrado uma capacidade preditiva que no deve ser desprezada.Os objetivos das polticas pblicas dificilmente poderiam ser

    atingidos por meio de reformas jurdicas aleatrias ou cujos efeitos sejam

    presumidos apenas com base na intuio. O mesmo pode ser dito sobre as

    decises judiciais. Se isso verdadeiro, a anlise econmica pode ser til na

    medida em que fornece uma teoria cientfica para tentar predizer o efetivo

    impacto das normas jurdicas na sociedade26. Nesse sentido, a aplicao da

    teoria econmica no mbito do Direito pode revelar consequncias nointuitivas das normas jurdicas e decises judiciais. No incomum que os reais

    efeitos de certas medidas sejam opostos aos objetivos que levaram sua

    adoo27. Contudo, preciso levar em conta fatores culturais e histricos,

    motivo pelo qual essa capacidade explicativa da teoria econmica pode ser

    considerada apenas parcial (SALAMA, 2008, p. 13). Embora a cincia

    econmica tenha demonstrado grande capacidade preditiva, preciso

    compreender as suas limitaes, especialmente quando o que est em jogo so

    bens jurdicos que no tm um preo de mercado.

    possvel afirmar que, em geral, o desperdcio de recursos deve ser

    evitado. Isso significa que h alguma conexo entre eficincia e justia. Mas

    como as diversas crticas teoria da maximizao de riqueza indicam, no h

    uma identidade absoluta entre eficincia e justia. Como afirma Tribe (1985, p.

    620), a Constituio impe certos limites, baseados em valores, que devem ser

    cumpridos ainda que isso resulte em custos ou na utilizao de meios menos

    eficientes. relevante, no entanto, que a sociedade saiba dos custos, no apenas

    26Por exemplo, a proibio da cobrana de valores diferenciados pelos comerciantes de acordocom a forma de pagamento (dinheiro em espcie, carto de crdito ou carto de dbito),limitando assim o livre exerccio das atividades econmicas em favor de uma suposta proteoaos consumidores, quando avaliada sob as lentes da anlise econmica, revela-se uma medidaque, na realidade, aumenta a demanda pelo uso de cartes de crdito, o que resulta num custoadicional aos comerciantes que se reflete nos preos, favorecendo assim as empresasadministradoras de cartes de crdito.

    27 o caso clssico do controle de preos, que a teoria econmica provou ser prejudicial aosinteresses dos consumidores por reduzir a oferta e ampliar a demanda artificialmente,incentivando ainda o surgimento de um mercado paralelo.

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    econmicos, das suas escolhas. S assim poder decidir conscientemente. E

    para isso a anlise econmica uma ferramenta fundamental.

    Para Salama (2012, p. 478), ainda que a economia no fornea umguia tico adequado para o direito, ela fornece ferramentas teis para iluminar a

    relao entre meios jurdicos e fins normativos. Por esse ngulo, a anlise

    econmica pode ser muito importante para prever os efeitos de um determinado

    esquema normativo. Ainda que esses prognsticos sejam permeados por

    dificuldades, ainda assim a cincia econmica forneceria alguma orientao

    (KORNHAUSER, 1980, p. 635-637). A no ser que adotssemos uma teoria

    anti-consequencialista radical, em muitos casos essa informao poderiainfluenciar na resoluo de questes jurdicas difceis, ainda que no de modo

    decisivo. Como afirma Salama (2008, p. 36), a questo no tanto se a

    eficincia pode ser igualada justia, mas como a definio do justo pode se

    beneficiar da discusso sobre custos e benefcios.

    Mesmo reconhecendo a dificuldade de determinar em que

    circunstncias e em que medida anlises de custo-benefcio deveriam ser

    consideradas, seria sensato examinar consideraes sobre a maximizao deriqueza e a eficincia alocativa como um dos vrios fatores relevantes para as

    decises judiciais (KORNHAUSER, 1980, p. 634-635). Ainda que a soluo mais

    eficiente no deva ser necessariamente adotada, j que outros valores da

    sociedade podem ser predominantes, a definio dos reais efeitos de cada

    alternativa pode proporcionar mais racionalidade ao discurso jurdico. Ento, a

    relao entre meios jurdicos e fins normativos seria a chave para entender a

    importncia da cincia econmica para o direito (SALAMA, 2012, p. 479).

    Alm disso, a anlise econmica permitiria tambm uma melhor

    compreenso dos institutos jurdicos ao avaliar o direito de uma perspectiva

    diferente, capaz de perceber similaridades entre diferentes reas do direito que

    passariam despercebidas a um jurista (KORNHAUSER, 1980, p. 637-639).

    Por conseguinte, o uso da eficincia no campo jurdico no requer

    que a maximizao de riqueza seja vista como um critrio de justia. Em

    determinados casos, a definio dos direitos pode exigir algum tipo deargumento econmico, o que no o mesmo que dizer que o juiz deva fazer com

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    que sua deciso leve necessariamente a um estado de coisas eficiente

    (COLEMAN, 1980b, p. 550).

    Ainda que a preocupao no seja propriamente a maximizao deriqueza, consideraes sobre a eficincia podem ser fundamentais. Por exemplo,

    os defensores da igualdade distributiva no poderiam ignorar completamente a

    eficincia. Algum nvel mnimo de riqueza certamente necessrio para pr em

    prtica polticas redistributivas. Como afirma OHanlon (2009, p. 97-98),

    esquemas redistributivos como o que foi concebido por Dworkin demandam

    uma ampla ao governamental, o que teria um custo. Sistemas redistributivos

    complexos seriam ento inviveis em sociedades pobres. Pode-se concluir daque at mesmo para que haja alguma redistribuio de riqueza, no se pode

    ignorar completamente as consideraes sobre a eficincia.

    CONCLUSO

    A teoria da maximizao de riqueza proposta por Posner no final da

    dcada de 1970 representa claramente um excesso que talvez possa ser

    explicado pela euforia com a rpida expanso da nova anlise econmica do

    direito, a partir dos trabalhos de Coase (1960) e Calabresi (1961). Ironicamente,

    podemos fazer um paralelo com as bolhas de mercado. Seria ento a

    proposio posneriana de maximizao de riqueza como critrio de justia sinal

    de uma exuberncia irracional28 da anlise econmica do direito no final da

    dcada de 1970? Provavelmente. O prprio Posner refluiu de suas posies

    anteriores, adotando uma linha mais relacionada ao pragmatismo.

    Portanto, a imagem do estouro da bolha parece apropriada. Mas,

    embora a pretensiosa teoria eficientista de Posner tenha naufragado, isso no

    significa que a anlise econmica do direito tenha perdido todo o seu valor.

    Uma teoria instrumental fraca da eficincia, que a considere um elemento

    indispensvel, ainda que insuficiente, para fomentar as condies necessrias a

    28A expresso exuberncia irracional foi usada por Alan Greenspan, ex-presidente do FederalReserve norte-americano, para se referir possibilidade de excesso de valorizao das empresasdot-com (empresas de comrcio eletrnico) no final dos anos 1990.

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    uma vida plena, como a educao e a sade, algo aparentemente bastante

    sensato.

    Como no h uma identidade absoluta entre justia e eficincia,algumas vezes as exigncias da justia podem recomendar opes que no sejam

    as mais eficientes do ponto de vista econmico. Mesmo nesses casos, a anlise

    eficientista fundamental. Primeiro, porque ela pode lanar luz sobre o que

    precisaremos abrir mo para seguir nossas intuies de justia. Alm disso, ao

    revelar os provveis efeitos das medidas que considervamos justas, possvel

    que reavaliemos nosso julgamento. A justia tem um custo. Mas isso no

    significa que no valha a pena pagar o preo. Todas as escolhas humanasenvolvem algum tipo de custo, que precisamos conhecer para fazer escolhas

    conscientes. A anlise econmica do direito pode nos mostrar as etiquetas dos

    preos que precisamos conhecer. difcil afirmar em abstrato os casos ou em

    que medida as consideraes de eficincia poderiam influenciar as nossas

    percepes sobre a justia. Mas pouco provvel que decises desinformadas

    nos levem aonde queremos.

    As necessidades humanas so tendencialmente ilimitadas, mas emcontrapartida os recursos so escassos. Ento, quanto maior o potencial de

    gerao de recursos de uma sociedade, maiores sero as possibilidades para a

    ampliao de direitos, particularmente direitos sociais. Isso depende de arranjos

    sociais adequados que promovam o aumento da capacidade produtiva e da

    produtividade. Teorias da justia que se preocupem com direitos sociais e a

    distribuio de recursos, mas desprezem a eficincia, podem at ser

    inspiradoras, mas no so capazes de obter os resultados esperados. Se por um

    lado a maximizao de riqueza concebida como objetivo tico ltimo no passa

    de fetiche por papel verde, teorias de justia distributiva despreocupadas com

    a eficincia no so mais do que palavras bonitas.

    A anlise econmica como uma bssola: aponta sempre para a

    mesma direo. Em nossa caminhada rumo justia, mesmo quando no

    desejamos seguir para onde ela aponta, precisamos dela para nos orientarmos.

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    REFERNCIAS

    BRENNER, Reuven. Economics - An Imperialist Science. Journal of Legal

    Studies, Vol. 9, Issue 1 (January 1980), pp. 179-188

    CALABRESI, Guido. Some thoughts on risk distribution and the law of torts.

    Yale Law Journal. n. 4, v. 70, p. 499-553, 1961.

    ______. An Exchange: About Law and Economics: A Letter to Ronald

    Dworkin. Hofstra Law Review, Vol. 8, Issue 3 (Spring 1980), p