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Leucemias: Qual o papel dos glóbulos vermelhos? Síndrome de Wernicke-Korsakoff Simétricos por fora, assimétricos por dentro Revista bimestral de ciência e investigação em saúde Nº4 - Ano 2007 - 4| Março/Abril

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Leucemias:Qual o papel dosglóbulos vermelhos?

Síndrome deWernicke-Korsakoff

Simétricos por fora,assimétricos por dentro

Revista bimestral de ciência e investigação em saúde

Nº4 - Ano 2007 - 4€ | Março/Abril

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Licenciaturas em:EnfermagemFisioterapiaTerapêutica da FalaFarmáciaHigiene OralPrótese DentáriaRadiologiaAnálises Clínicas e Saúde Pública

Campus Académico do ISAVEQuinta de Matos - Geraz do Minho4830-316 Póvoa de Lanhoso

Tel. 253 639 800Fax. 253 639 801Email: [email protected]

www.isave.pt

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EditorialA anunciar a Primavera, a sorrir, quente,

quase dourada pela luz suave dos dias azuis, a Ser Saúde continua a crescer, a deixar raízes, a criar percursos livres num murmúrio de palavras que alimentam dúvidas, o saber.

Neste número, defi nimos o Prémio Ser Saúde/ISAVE de ciência e investigação em saúde. Damos a conhecer o conselho científi -co. E, sem fugir ao nosso rumo, apresentamos textos que criam e cativam pela diversidade, pelos tons e sons que fl uem em saúde.

Sei que não há caminhos traçados. Existem trajectos que podem ser reformulados a cada desejo. A Ser Saúde, como o ISAVE – Instituto Superior de Saúde do Alto Ave, terá sempre essa liberdade de voo, de asas, pois acredito nas estradas que os pássaros defi nem em cada bater de sonho.

Aproveito este momento para agradecer em nome do ISAVE a todos os que tornam a Ser Saúde uma realidade límpida, de Sol. Agradecer a quem a lê, a quem sonha, na verdade, que, nas palavras, podemos criar um mundo de saúde melhor. São estes os passos que sempre nos vão levar em cada direcção.

Eugénio Pinto

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8Rui Nunes

A reorganização dos serviços de urgência e o novo

Sistema de SaúdeA marca genética desta reforma é a criação

de diferentes tipos de serviços, nomeadamen-te – e por ordem crescente de complexidade e diferenciação – serviços de urgência básica,

serviços de urgência médico-cirúrgica e serviços de urgência polivalentes.

12Fernando A. Arosa, Ricardo F. Antunes

Podem os glóbulos vermelhos desempenhar

um papel na progressão de doenças leucémicas?

Apesar do papel desempenhado pelos glóbulos vermelhos em doentes com doenças

leucémicas ou com outros tipos de tumores não ser claro, a evidência acumulada pelo

nosso grupo aponta para os glóbulos verme-lhos como uma fonte de nutrientes que

poderá contribuir de uma maneira decisiva para a progressão da doença através da susten-

tação da proliferação e a sobrevivência dos linfócitos leucémicos.

22Entrevista a Amílcar Falcão

A resolver problemas na saúde

Se há uma fonte de moléculas para o sangue posso encontrar forma de interpretar

esse aparecimento de moléculas no sangue da mesma forma que interpreto quando admi-nistro um medicamento. Foi esta junção da

componente medicamento com a formação de marcadores tumorais, que permitiu fazer a ponte entre as duas áreas e transportar conhe-

cimentos de um lado para o outro.

34Fernando Manuel Pinto de Azevedo

Nanociência e Nanotecnologia

As Nanotecnologias deverão, assim, ser desenvolvidas de uma forma segura e responsável de modo a contribuírem para uma melhoria na qualidade de vida das pessoas ao nível da saúde, do ambiente e no uso de novas tecnologias de comunicação e informação. Os princípios éticos devem ser respeitados, os potenciais riscos para a saúde ou para o ambiente têm de ser estudados para posterior regulamentação, sendo também necessário averiguar sobre os impactos sociais.

48Humberto Figueiredo, Ilda Murta

Síndrome de Wernicke-Korsakoff

O abuso de álcool é um dos mais sérios problemas de saúde pública e a síndrome de Wernicke-Korsakoff uma das mais graves consequências do alcoolismo. Esta patologia raramente é diagnosticada nas suas apresen-tações menos evidentes, razão pela qual uma abordagem diagnóstica apropriada é um passo importante para o seu tratamento. Entre as novas propostas farmacológicas, está a repo-sição dos níveis de tiamina, embora isso seja insufi ciente para prevenir o declínio físico e mental de um grande número de doentes.

PosterSónia Xará, Bárbara Parente, Ana Barroso, Sara Conde, Sofi a Neves, Paula Silva, Paula Costa, Luís Matos, Isabel Dias

Rastreio do risco nutricional em doentes com cancro do pulmão

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64Raquel Lourenço, Leonor Saúde

Simétricos por fora, assimétricos por dentro

Na tentativa de se compreender o processo que induz a quebra da simetria, vários

estudos genéticos bem como farmacológicos têm sido desenvolvidos nos últimos anos.

Contudo, e apesar de se conhecerem cada vez melhor os componentes que integram

o processo que conduz à assimetria esquer-da/direita, ainda se desconhece como este é iniciado nos embriões de vertebrados e até

que ponto é um mecanismo conservado.

78Gustavo Afonso, Lara Costa, Marta Miranda

Úlceras arteriais e diagnóstico diferencial

As úlceras arteriais representam 10 a 25% da totalidade das úlceras vasculares… São

mais frequentes nos homens com mais de 50 anos de idade. Nas mulheres surgem quase

sempre acima dos 65 anos, tendência que tem vindo a decrescer por aumento dos hábitos tabágicos entre o sexo feminino, factor de

risco com maior preponderância para o desenvolvimento desta patologia.

90Helena Salazar

Necessidades dos doentes em Cuidados Paliativos

As necessidades do doente em Cuidados Paliativos são tão específi cas quanto singular é cada pessoa. Requerem uma atenção integral para poder aceitar o adoecer progressivo para

uma fase terminal e viver a vida que ainda possa ter com a maior dignidade e qualidade

possível.

100Maria Laurência Gemito, Maria da Saudade Marques

Promover o envelhecimento com saúde – prevenir o tétano

O envelhecimento é, sem dúvida, um processo dinâmico e progressivo, em que as modifi cações que ocorrem são morfológicas, bioquímicas e psicológicas, conducentes à perda progressiva da capacidade de adaptação da pessoa ao meio ambiente, desencadeando maior vulnerabilidade, uma maior incidência de processos patológicos e uma redução da capacidade de sobreviver, podendo conduzir o indivíduo à morte.

112Ramiro Délio Borges de Meneses

Eutanásia: da Axiologia à Teologia

Apesar do avanço da ciência, se auscul-tarmos a realidade sociológica actual, nas comunidades da nossa convivência cultural, certamente vamos entender a complexidade e a profundidade do tema. Tem de se deixar assente que a realidade se apresenta com complexidade muito elevada, difi cultando a valorização da oportunidade na decisão a tomar. Afi rmações como “incurável”, “proximidade da morte”, “perspectiva de cura”, “prolongamento da vida” são relativas e de uma referência, em muitas ocasiões, pouco fi áveis. Daí a delicadeza e escrupulosidade necessárias na hora do confronto com a casuística.

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DirectorEugénio [email protected]@gmail.com

EditoresIsabela VieiraRui Castelar

Director de arte e grafi smoÂngelo [email protected]

Fotografi aCláudio Capone

PublicidadeCelmira Dias

PropriedadeEnsinave – Educação e Ensino Superior do Alto AveCampus Académico do ISAVE – Instituto Superior de Saúde do Alto AveQuinta de Matos – Geraz do Minho4830-316 Póvoa de Lanhoso

NIF – 504 983 300

ImpressãoOrgal, impressoresRua do Godim, 2724300-236 Porto

Tiragem5 mil exemplares / bimestral

ContactosSer SaúdeCampus Académico do ISAVE – Instituto Superior de Saúde do Alto AveQuinta de Matos – Geraz do Minho4830-316 Póvoa de LanhosoTelefone – 253 639 800Fax – 253 639 [email protected]@gmail.com

Nº de Registo na ERC 124994

ISSN 1646-5229Depósito Legal 246971/06----------------------------------------------------------------------------------------------------------Os artigos publicados nesta edição da Ser Saúde são da responsabilidade dos autores. Proibida a reprodução parcial ou total, sob qualquer forma, sem prévia autorização escrita.

Biocant sequencia genoma de bactéria portuguesa

O Biocant utilizou o seu novo sequencia-dor de DNA GS20 para obter a sequência do genoma da bactéria Rubrobacter radiotolerans, uma bactéria resistente às radiações, isolada em S. Pedro do Sul.

O Biocant sequenciou o genoma completo de uma bactéria em Portugal recorrendo ao GS 20, um novo sequenciador de DNA da Roche, baseado em pico reactores paralelos e pirosequenciação. Este equipamento permite a obtenção de um genoma de um microrga-nismo em cerca de 5 horas, permitindo uma redução drástica do trabalho envolvido na fase de sequenciação recorrendo à tecnologia tradicional. A sequenciação deste microrga-nismo com um genoma de cerca de 3,5 Mb foi conseguida com um coverage de 21 vezes. A anotação automática do genoma foi já realizada estando agora a decorrer a anotação manual e o polimento fi nal da sequência.O novo sequenciador GS20, já instalado no Biocant, é um equipamento bastante versátil permitindo para além da sequenciação de genomas, a abordagem metagenómica de comunidades de microorganismos, genotipa-gem de polulações, identifi cação de SNPs em tecidos tumorais e análise do transcriptoma ou da regulação genética.

Actualidade

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Tratamentos DomiciliáriosAerosolterapia * Oxigenoterapia * VentiloterapiaScrenning Domiciliário * Aspirador de Secreções

Ventilação Volumétrica * Apneia de Sono Apneia do Lactente * Pulsoximetria *

Coughassist

Gasin – Gases Industriais S A

EN 249-3-KM 1,8 –D S. Marcos2735-307 CacémTel.: 214270000 Fax.: 214264656

Rua do Progresso, 534451-801 Leça da PalmeiraTel.: 229998300 Fax.: 229998317

Março

XIII Congresso Nacional de Medicina/IV Congresso Nacional do Médico

Interno01 de Março

Centro de Congressos dos Hospitais da Universidade de Coimbra

XXVII Congresso Nacional de Cirurgia 04 de Março

Culturgest, Lisboa

V Jornadas A comunicação humana e as suas perturbações

09 de MarçoEscola Superior de Saúde do Alcoitão

14º Congresso de Pneumologia do Norte

15 de MarçoFundação Cupertino de Miranda, Porto

Congresso de Análises Clínicas e Saúde Pública – APTAC 2007

16 de MarçoCentro de Artes e Espectáculos,

Figueira da Foz

XXI Jornadas do Serviço de ORL do Hospital Geral de Santo António

23 de MarçoHotel Porto Palácio, Porto

V Jornadas Luso Espanholas de Terapia Manual

30 de MarçoBraga

Abril

Jornadas de Medicina Intensiva da Primavera 2007

Dimensão Ética dos Cuidados Intensivos06 de Abril

Seminário de Vilar, Porto

Agenda

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XI Congresso Internacional de Educação Familiar

11 de AbrilCoimbra

I Congresso de Análises Clínicas e Saúde Pública do INSA Porto

19 de AbrilAnfi teatro da Fundação Almeida

Garrett, Porto

I Congresso Ibérico de GerontologiaConhecer para Intervir

19 a 20 de AbrilISAVE – Póvoa de Lanhoso

(www.isave.pt)

XXVIII Congresso Português de Cardiologia

22 de AbrilTivoli Marinotel, Vilamoura

XV Conferência ENM (European Nursing Module)

25 a 28 de AbrilISAVE – Póvoa de Lanhoso

(www.isave.pt)

2ª Reunião Internacional da Sociedade Portuguesa de Células Estaminais

e Terapia Celular (SPCE-TC)27 a 28 de Abril

Fundação Bissaya Barreto, Coimbra

Adelino Correia

Adília Rebelo

Adrian Llerena

A. Fernandes da Fonseca

Alberto Salgado

Alexandre Antunes

Alexandre Castro Caldas

Alexandre Quintanilha

Alves de Matos

Amílcar Falcão

Ana Preto

António Miranda

António Paiva

António Rosete

Armando Almeida

Arminda Mendes Costa

Artur Manuel Ferreira

Berta Nunes

Carla Matos

Carlos Alberto Bastos Ribeiro

Carlos Albuquerque

Carlos Pedro Castro

Carlos Pereira Alves

Carlos Valério

Carmen de la Cuesta

Catarina Tavares

Célia Cruz

Célia Franco

Constança Paúl

Daniel Montanelli

Daniel Pereira da Silva

Daniel Serrão

Delminda Lopes de Magalhães

Dinora Fantasia

Duarte Pignatelli

Elsa Pinto

Eurico Monteiro

Fátima Francisco Faria

Fátima Martel

Fernando Azevedo

Fernando Schmitt

Fernando Ventura

Freire Soares

Guilherme Macedo

Gustavo Afonso

Gustavo Valdigem

Helena Alves

Helena Martins

Henrique de Almeida

Henrique Lecour

Isabela Vieira

João Costa

João Luís Silva Carvalho

João Pedro Marcelino

João Queiroz

João Ramalho Santos

Joaquim Faias

Jonatas Pego

Jorge Correia Pinto

Jorge Delgado

Conselho Científi co Ser Saúde

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Jorge Ferreira

Jorge Marques

Jorge Soares

Jorge Sousa Pinto

José Amarante

José Carlos Lemos Machado

José Eduardo Cavaco

José Luís Dória

José Manuel Araújo

José Matos Cruz

José M. Schiappa

José Rueff

Laura Simão

Liliana Osório

Lisete Madeira

Lucília Norton

Luís Basto

Luís Cunha

Luís Martins

Luiza Kent-Smith

Manuel Domingos

Manuel Mendes Silva

Manuel Teixeira Veríssimo

Manuela Vieira da Silva

Marco Oliveira

Margarida Soveral Gonçalves

Mari Mesquita

Maria Júlia Silva Lopes

Maria Manuela Rojão

Maria Margarida Dias

Mário Rui Araújo

Mário Simões

Marta Marques

Marta Pinto

Miguel Álvares Pereira

Paulo Daniel Mendes

Pedro Azevedo

Pedro Vendeira

Piedade Barros

Querubim Ferreira

Ramiro Délio Borges de Menezes

Ramiro Veríssimo

Raquel Andrade

Regina Gonçalves

Rui L. Reis

Rui de Melo Pato

Rui Nunes

Sandra Cardoso

Sandra Clara Soares

Sérgio Branco

Sérgio Gonçalves

Sérgio Nabais

Sónia Magalhães

Susana Magadan

Tiago Barros

Tiago Osório de Barros

Wilson Abreu

Veloso Gomes

Victor Machado Reis

Virgílio Alves

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Professor catedrático da faculdade de Medicina do PortoRui Nunes

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e o novo Sistema de Saúde

A reorganização dosserviços de urgência

Note-se que a saúde tem protecção consti-tucional no nosso país. Não se trata de simples retórica mas da assunção de um valor nuclear numa democracia plural. Isto é, uma socieda-de democrática é ajuizada pelo modo como trata as pessoas mais desfavorecidas, designa-damente os doentes e os defi cientes. Esta importante conquista civilizacional tem uma consequência imediata e que é o imperativo

da igualdade de tratamento dos cidadãos inde-pendentemente do local de residência. Logo se deduz que qualquer projecto de reforma dos serviços de urgência deve ter em atenção este preceito constitucional de modo a não discriminar ainda mais as zonas rurais do inte-rior do país que, por diversas ordens de razões, são já severamente penalizadas.

Foi recentemente proposta uma reforma profunda da rede de prestação de serviços de urgên-cia. Ninguém duvida que é fundamental proceder a esta requalifi cação, dado que alguns serviços estão de tal modo obsoletos que melhorar o desempenho assistencial neste domínio é uma prioridade no sector da saúde. A marca genética desta reforma é a criação de diferentes tipos de serviços, nomeadamente – e por ordem crescente de complexidade e diferenciação – serviços de urgência básica, serviços de urgência médico-cirúrgica e serviços de urgência polivalentes. Alguns aspectos, porém, merecem uma discussão mais aprofundada, dado que se é certo que a situação hoje deixa largos segmentos da população a descoberto, a proposta de reforma devia ser, como salienta aliás a Ordem dos Médicos, muito mais ambiciosa.

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Ou seja, não é sufi ciente reorganizar os serviços de urgência. É fundamental também alterar profundamente o modo como se chega a esses serviços. Mais uma vez, este problema é particularmente importante em zonas do interior onde, apesar de novas e modernas acessibilidades, as condições climatéricas ou geográfi cas fazem com que a demora média aos serviços de urgência continue inadequado. Assim, também o INEM – Instituto Nacional de Emergência Médica – deve ser dotado dos recursos humanos (médicos, enfermeiros, etc.) e dos instrumentos (viaturas especializadas, helicópteros, etc.) necessários para que o aces-so aos serviços de urgência seja optimizado. Mais ainda, a articulação com a sociedade civil – nomeadamente os bombeiros – deve ser considerada prioritária, dado que inúmeras vezes são estes profi ssionais que sem o apoio adequado por parte do Estado prestam um apoio inestimável às populações mais caren-ciadas.

Infelizmente, o exemplo recente do encerramento de maternidades sem a existência de estudos independentes que confi rmassem a sua necessidade expôs a dura realidade que é a iniquidade de tratamento das populações que residem nas zonas mais periféricas do país.

Infelizmente, o exemplo recente do encer-ramento de maternidades sem a existência de estudos independentes que confi rmassem a sua necessidade expôs a dura realidade que é a iniquidade de tratamento das populações que residem nas zonas mais periféricas do país. O caso da maternidade de Elvas é paradigmáti-co. Forçar as grávidas a efectuar o parto em Espanha – por incumprimento das obrigações constitucionais do sistema público de saúde – traduz a desumanização reinante no nosso país em homenagem a uma lógica estritamen-te economicista.

Por outro lado, se é certo que a melhoria incontestável dos eixos rodoviários veio permitir uma melhor acessibilidade de todos os cidadãos aos centros urbanos do litoral, deve ter-se em atenção que este factor por si só não é sufi ciente para garantir a qualidade assistencial nas zonas mais desprotegidas do país. Como tem sido referido por diversas autoridades na matéria a reforma em curso deve ser acompanhada também de idêntica reforma da emergência pré-hospitalar.

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Por estes e outros motivos a proposta de reforma dos serviços de urgência é de facto pouco ambiciosa. Mesmo que não fosse possí-vel elevar a fasquia de imediato, o objectivo fi nal devia ser garantir que qualquer cidadão não demorasse mais de 45 minutos a ser assis-tido por pessoal competente e numa urgência tecnicamente adequada ao seu problema de saúde.

E a incapacidade dos governantes para resolver os problemas concretos da saúde em Portugal − propondo medidas de natureza casuística − não deve impedir um cuidadoso planeamento dos serviços de prestação de cuidados de saúde. O tipo e qualidade dos serviços de urgência, assim como a sua distri-buição relativa pelo território nacional, devem ser alvo de estudos idóneos por entidades credíveis, de modo a que possamos construir um Novo Sistema de Saúde que satisfaça as necessidades básicas da população.

E a incapacidade dos governantes para resolver os problemas concretos da saúde em Portugal − propondo medidas de natureza casuística − não deve impedir um cuidadoso planeamento dos serviços de prestação de cuidados de saúde. O tipo e qualidade dos serviços de urgência, assim como a sua distribuição relativa pelo território nacional, devem ser alvo de estudos idóneos por entidades credíveis, de modo a que possamos construir um Novo Sistema de Saúde que satisfaça as necessidades básicas da população.

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Podem os glóbulos vermelhos desempenhar um papel na progressão de doenças leucémicas?

Lymphocyte Biology Group, IBMC – Instituto de Biologia Molecular e Celular([email protected]; [email protected])

Fernando A. ArosaRicardo F. Antunes

Apesar de ser hoje indiscutível que a função principal dos glóbulos vermelhos é transportar oxigénio e dióxido de carbono, estudos recentes têm associado os glóbulos vermelhos à regulação de processos fi siológicos tais como a contracção vascular, a agregação de plaquetas ou a prolifera-ção linfocitária.

Palavras-chave: Glóbulos vermelhos, linfócitos T, proliferação, sobrevivência, leucemia

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ResumoA homeostasia das células linfóides em geral,

e os linfócitos T em particular, é o resultado de um delicado equilíbrio entre a morte e a sobrevivência do linfócito, sendo que anoma-lias em algum destes processos podem levar a doenças linfoproliferativas malignas. Apesar de ser hoje indiscutível que a função principal dos glóbulos vermelhos (GV) é transportar oxigénio e dióxido de carbono, estudos recentes têm associado os GV à regulação de processos fi siológicos tais como a contracção vascular, a agregação de plaquetas ou a proli-feração linfocitária. Estudos in vitro realizados no nosso laboratório durante os últimos seis anos concluiram que os GV são células capa-zes de regular o ciclo celular e a sobrevivência de linfócitos T em divisão. Estes resultados levaram-nos a postular que em condições de malignidade, como em doentes com leucemias, os GV poderão funcionar como uma fonte quase inesgotável de factores de sobrevivência e de crescimento que poderão favorecer a progressão do tumor.

Com base nestes dados, foi proposto que o efeito que os glóbulos vermelhos exercem quer nos números quer na função de populações linfocitárias poderá infl uenciar de uma maneira determinante a progressão de doenças com um componente auto-imune ou doenças relacionadas com anomalias no controlo do ciclo celular.

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Os glóbulos vermelhos como transportadores de bioactividades

Além de transportar O2 e CO

2, os GV

têm a capacidade de regular a contractilidade vascular, através de ciclos de ligação/liber-tação do NO pela hemoglobina em função das alterações na tensão do O

2, fazendo dos

GV transportadores da bioactividade do NO (1). Com base nestes dados, foi proposto que os GV podem ter um papel importante na regulação da homeostasia vascular, como foi evidenciado pela existência de malformações cardiovasculares e morbilidade na discrasia dos GV, tais como talassemia, policitemia e anemia de células falciformes (1). Além de regular a contracção vascular os GV têm também a capacidade de regular a agregação plaquetária (2), inibir a apoptose dos neutrófi los (3), e regular a adesão de linfócitos T ao endotélio (4). Por outro lado, o efeito imunossupressor da transfusão de sangue, necessária numa variedade de situações, é conhecido desde há muitos anos. Este efeito foi descrito pela primeira vez por Gerhard Opelz na década de 1970 quando doentes que tinham recebido transfusões de sangue, antes de receber um transplante renal, tiveram níveis inferiores de rejeição do que doentes que não receberam a transfusão, e os quais foram associados a respos-

tas reduzidas dos linfócitos destes doentes em testes de proliferação in vitro (5,6). Apesar de existirem opiniões diversas, a possibilidade de que os próprios eritrócitos medeiem, parcial ou totalmente, o efeito imunomodulador dos GV permanece em aberto (7). De facto, estudos experimentais e clínicos recentes apontam para os GV transfundidos como indutores de actividade imunossupressora in vivo responsável por uma maior sobrevivência do órgão transplantado, incluindo o apare-cimento de linfócitos T CD8+ supressores e prostaglandina E2 ou PGE2 (8). A PGE2 é um mediador lipídico capaz de induzir linfó-citos T CD8+ supressores assim como facilitar o desenvolvimento de linfócitos T CD4+ com um fenótipo Th2 (9,10), duas populações associadas à imunossupressão induzida por transfusões sanguíneas. As transfusões de GV também infl uenciam os números de linfócitos B e a secreção de auto-anticorpos (11). Com base nestes dados, foi proposto que o efeito que os GV exercem quer nos números quer na função de populações linfocitárias poderá infl uenciar de uma maneira determinante a progressão de doenças com um componente auto-imune ou doenças relacionadas com anomalias no controlo do ciclo celular (12).

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Os glóbulos vermelhos como reguladores do ciclo celular de linfócitos T em divisão

Apesar da capacidade dos GV de regularem a proliferação e a função de diversas populações linfocitárias, incluindo linfócitos T, B e NK, ser conhecida há mais de 4 décadas (13-17, revisto em 18), a opinião mais generalizada é que este é um efeito fenomenológico sem qualquer signifi cado fi siológico. Porém, como resul-tado de estudos realizados pelo nosso grupo visando caracterizar a infl uência dos GV em diferentes aspectos da biologia dos linfócitos T, foi concluído que a presença de GV, quer autólogos quer heterólogos, em culturas enri-quecidas de linfócitos T de sangue periférico aumentava signifi cativamente a proliferação e a sobrevivência destes, independentemente do estímulo utilizado para activar os linfócitos T usar sinais dependentes do complexo TCR/CD3 ou não (19-22). O efeito dos GV é alta-mente reproduzível e afecta maioritariamente aos linfócitos T CD8+, algo já observado in vivo após transfusões de GV. Uma análise dos parâ-metros de morte celular e de entrada no ciclo

celular após activação revelou que o aumento da proliferação dos linfócitos T induzida pela presença dos GV está associada a uma redução na apoptose e a um aumento no número de divisões celulares, sendo o resultado fi nal um aumento da sobrevivência (19,21). Estudos adicionais concluiram que receptores que foram inicialmente considerados por alguns grupos como responsáveis pelo efeito poten-ciador da proliferação de linfócitos T pelos GV, como o LFA-3/CD58, não faziam parte dos mecanismos utilizdos pelos GV para aumentar a proliferação e a sobrevivência (12,21). Por outro lado, foi demonstrado que os GV aumentavam a expressão nos linfócitos T em divisão de ferritina rica em subunidades L e heme oxigenase 1 (HO-1) (22). A ferri-tina e a HO-1 são proteínas citoprotectoras envolvidas na regulação dos níveis de ferro intracelular, um metal com um papel essencial na progressão do ciclo celular de células em divisão (23-25). Assim, adaptamos para a cito-metria de fl uxo um método fl uorométrico descrito pelo grupo de Ioav Cabantchick para a medição de alterações no ferro intracelular

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livre, também conhecido como labile iron pool ou LIP (26). Estes estudos permitiram concluir que linfócitos T em divisão na presença de GV aumentam numa razão de duas vezes o seu nível de ferro intracelular livre quando comparados com os linfócitos T em divisão na ausência de GV (22). Desenha-se, assim, um cenário onde o aumento do LIP poderia refl ectir a mobilização de ferro intracelular que é direccionado para vias metabólicas rela-cionadas com a entrada e progressão no ciclo celular, enquanto que o aumento na expressão de ferritina e HO-1 poderá proporcionar um ambiente citoprotector que permite que os linfócitos T se dividam continuamente sem morte celular signifi cativa.

Apesar do efeito que os GV exercem sobre linfócitos T em divisão estar defi nitivamente estabelecido, para perceber a sua verdadeira dimensão e importância tornou-se necessário identifi car as proteínas dos GV responsáveis, assim como caracterizar as vias de sinalização que são afectadas por essas proteínas. Estudos realizados durante o último ano no nosso labo-

ratório, e que contaram com a colaboração de Pedro Pereira (Molecular Structure, IBMC) e de Jorge Azevedo (Organelle Biogenesis and Function, IBMC), indicam que a capacidade dos GV aumentarem a proliferação e sobrevi-vência de linfócitos T em divisão é mediada por factores secretados para o meio de cultura pelos GV (Antunes et al, manuscrito em preparação). Apesar de uma análise detalhada, através do uso de técnicas de citometria de fl uxo, microscopia de fl uorescência (Paula Sampaio, IBMC) e de microscopia electró-nica, do meio onde estão presentes os GV ter revelado a presença de corpos vesiculares derivados dos GV, com tamanhos que oscilam entre 60 e 150nm, os resultados experimentais indicam que são proteínas/factores solúveis derivados dos GV, e não vesículas, os media-dores da actividade imunorreguladora dos GV in vitro.

Apesar do efeito que os glóbulos vermelhos exercem sobre linfócitos T em divisão estar defi nitivamente estabelecido, para perceber a sua verdadeira dimensão e importância tornou-se necessário identifi car as proteínas dos glóbulos vermelhos responsáveis, assim como caracterizar as vias de sinalização que são afectadas por essas proteínas.

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Figura 1. Modelo ilustrativo do efeito dos glóbulos vermelhos em linfócitos em divisãoFactores secretados espontaneamente pelos glóbulos vermelhos (GV), quando presentes na proximidade de linfócitos em

divisão têm um efeito positivo na actividade de proteínas dos linfócitos que diminuem o stress oxidativo e a apoptose,

aumentando ao mesmo tempo a entrada no ciclo celular e a sobrevivência. Em condições normais, os GV podem contri-

buir, através de mecanismos ainda não bem caracterizados, para a homeostasia dos linfócitos (células a verde) responsável

pela eliminação de células tumorais que surgem espontaneamente (célula a cinzento) através da actividade, por exemplo,

de linfócitos NK. Em casos onde a actividade dos linfócitos NK, ou outra actividade citotóxica, não consegue controlar

o aparecimento de células transformadas, os linfócitos leucémicos (células a cinzento) podem benefi ciar da presença dos

GV quer no sangue, onde os GV podem sustentar a sobrevivência, quer em microambientes específi cos como a medula

óssea, onde os GV podem sustentar a sobrevivência e a proliferação celular, em detrimento dos linfócitos T antitumorais

normais (células a verde). O resultado fi nal será o crescimento descontrolado dos linfócitos leucémicos face à incapacidade

dos linfócitos T normais de reagir. Nestas circunstâncias, uma transfusão de GV teria em efeito perverso ao favorecer ainda

mais o crescimento das células leucémicas.

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Os glóbulos vermelhos num contexto de malignidade

Com base nos dados apresentados, questiona-se se os GV poderão funcionar como uma fonte imprevista e inesgotável de nutrientes in vivo, que num contexto de malignidade poderão sustentar a proliferação e a sobrevivência de linfócitos leucémicos e outras células tumorais. Por outras palavras, torna-se necessário verifi car se o efeito que os GV exercem em linfócitos T normais em divisão, os quais dividem apenas durante um período limitado de tempo, poderá extrapo-lar-se a linfócitos leucémicos em continua divisão. Estudos preliminares realizados em colaboração com João T. Barata (Grupo de Biologia do Cancro, IMM, Lisboa) indicam que os GV aumentam a capacidade de divi-são e sobrevivênvia de uma linha celular T leucémica cuja proliferação e sobrevivência é dependente da citocina IL-7 (27). Neste contexto, é importante referir que um dos problemas no tratamento de leucemias através de terapias imunológicas que usam linfócitos T antitumorais autólogos é o baixo número de linfócitos T normais nos doentes. Além de causas bem conhecidas como uma leucope-nia induzida pela quimioterapia/radioterapia

ou uma função anómala da medula óssea, é importante ressaltar a importância adquirida por factores de crescimento e/ou sobrevivência presentes no meio interno onde os linfócitos se movimentam, muitos dos quais são desco-nhecidos ou foram descobertos recentemente, como a citocina IL-7 (27). Apesar do papel desempenhado pelos GV em doentes com doenças leucémicas ou com outros tipos de tumores não ser claro, a evidência acumu-lada pelo nosso grupo aponta para os GV como uma fonte de nutrientes que poderá contribuir de uma maneira decisiva para a progressão da doença através da sustentação da proliferação e a sobrevivência dos linfócitos leucémicos (Figura 1). O objectivo da nossa investigação, suportada em parte por uma bolsa atribuída pela Associação Portuguesa Contra a Leucemia (www.contraleucemia.org), visa identifi car as proteínas/factores responsáveis pelo aumento da sobrevivência e a proliferação de linfócitos em divisão, quer normais quer leucémicos, de modo a bloquear o fl uxo destas proteínas/factores entre os GV e as células leucémicas através da produção de anticorpos monoclonais específi cos ou pequenas moléculas inibidoras.

AgradecimentosParte do trabalho apresentado foi fi nanciado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia

(projecto POCTI/MGI/38264/2001). Neste momento o trabalho é fi nanciado pela Associação Portuguesa Contra a Leucemia (Bolsa de Investigação APCL 2006-30.1.AP/ML).

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Habituado a trabalhar com medicamentos e a concentração deles no sangue, teorizou que num tumor a fonte de

determinada concentração sanguínea de moléculas se encontrava dentro do próprio corpo. Do problema passou à

prática e apresentou um novo parâmetro de interpretação de um marcador tumoral do cancro do ovário. «Se há uma fonte de moléculas para o sangue, posso encontrar forma de interpretar esse aparecimento». Pela descoberta, e pela

carreira, foi distinguido internacionalmente. Para a sociedade, encontrou uma associação simples para resolver um problema

complexo que, em saúde, benefi cia imensas pessoas. Habituado a resolver problemas em diferentes áreas, como neonatologia,

pediatria, epilepsia, oncologia, entre muitos outros desejos quer, futuramente, dedicar-se à geriatria. «No princípio da vida

existem circunstâncias que limitam a utilização de fármacos. No fi m, existem outras particularidades, não necessariamente as

mesmas, que limitam esse uso».

A resolver problemas na saúdeAmílcar Falcão

Primeiro, pequenas palavras sobre tudo e nada. O diálogo torna-se aberto, simples, enche o es-paço da antiga biblioteca da Faculdade de Far-mácia da Universidade de Coimbra. Amílcar Falcão tem olhar simples entre sorrisos e pa-lavras. Nascido há 42 anos na Nazaré, as frases e as mãos, como as ideias, tem a liberdade do mar. Nada o trava na sua ondulação, desejos e vontade. Teria sido informático se houvesse o

curso em Coimbra. Mas como só existia em Braga, e com família em Coimbra, a opção era evidente. E que curso? «Vim para Farmácia porque gostava de química e biologia. As ciên-cias farmacêuticas surgiram com naturalidade e confi rmei as minhas expectativas de biologia e química a que se acrescentou a visão da saúde e do medicamente que me atraiu imenso».

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Provavelmente, será dos cientistas portugueses, com 42 anos, com mais artigos publicados e a receber um galardão de nível internacional como acontece com o prémio Eminent Scientist of the Year (2006) da organização não governamental International Research Promotion Council, pelo artigo publicado na revista Gynecology Oncology, no qual apresenta um novo parâmetro de interpretação do marcador tumoral do cancro do ovário CA-125. No fundo, o prémio distingue uma carreira.

É um prémio de reconhecimento pelos pares do trabalho desenvolvido. Esta organi-zação está atenta a artigos que saem em várias áreas no mundo inteiro, e seleccionam aqueles que possam ter relevância no âmbito da saúde pública e, a partir daí, avaliam os seus autores, os responsáveis, o seu percurso académico. Fui um dos que foi distinguido.

Explique-me esse novo parâmetro de interpretação do marcador tumoral do cancro do ovário CA-125.

Os marcadores tumorais, basicamente, são moléculas endógenas que criamos e lançamos

para a corrente sanguínea; são moléculas que aparecem com maior expressão no sangue, em maior quantidade, quando existe um carcino-ma.

Porquê?As células neoplásicas têm um crescimen-

to acelerado e se à célula neoplásica estiver associada uma substância endógena lançada para o sangue, o aumento e a velocidade desse aumento no corpo faz com que apareçam mais moléculas no sangue. Esse marcador tumoral não deixa de ser uma molécula perfeitamente banal que representa esse aumento, acréscimo de massa tumoral. No caso do cancro do ovário, é uma glicoproteína membranar, noutros casos, noutros cancros, são moléculas desse ou doutro teor do ponto de vista estrutural, mas que acabam de ter uma sobre expressão quando estão associadas a carcinomas porque, estando a ser produzidas em excesso pelas células, maiores quantidades acabam também por aparecer na corrente sanguínea.

Podemos afi rmar que alguém, tendo uma determinada neoplasia, lança no sangue determinadas moléculas em excesso. Tendo determinadas moléculas em excesso no sangue

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podemos afi rmar que, quase de certeza, essa pessoa tem uma neoplasia?

Não sendo tão linear o raciocínio, podemos dizer que em termos práticos é mais ou menos isso que acaba por acontecer.

E conhecem-se actualmente todas as moléculas?

Conhecem-se bastantes. Acontece que nem todas apresentam o mesmo grau de especifi ci-dade. O CA-125 tem uma boa especifi cidade para o cancro do ovário. No cancro da mama temos por exemplo o CA 15.3. Também existem marcadores para o cancro das próstata, entre outros. Depois, existem marcadores que são mais genéricos, marcadores que quando aparecem dizem que algo está mal, mas não se sabe se é no pulmão, rim ou bexiga...

Estas descobertas vão revolucionando a prática clínica diária?

Claro.

Que impacto prático esta descoberta teve?

Neste momento estamos a desenvolver um software para ser utilizado pelos médicos, justamente no cancro do ovário, em que

Se há uma fonte de moléculas para o sangue posso encontrar forma de interpretar esse aparecimento de moléculas no sangue da mesma forma que interpreto quando administro um medicamento. Foi esta junção da componente medicamento com a formação de marcadores tumorais, que permitiu fazer a ponte entre as duas áreas e transportar conhecimentos de um lado para o outro.

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associamos vários parâmetros, incluindo o parâmetro por nós desenvolvido, de forma a que o médico, baseado na evolução do marca-dor tumoral, posso fazer o acompanhamento da doença de uma forma mais efi caz através da utilização do CA-125. Este marcador tumoral não é normalmente utilizado para o diagnósti-co, sendo sim uma ferramenta importante para o acompanhamento da evolução da doença nos seus diferentes estadios.

Qual o procedimento normal no cancro do ovário?

Uma vez descoberto, existe um proce-dimento cirúrgico de citoredução, seguido de quimioterapia, passando-se depois a um controlo periódico da situação. É no acom-panhamento após este tratamento primário e no aparecimento de recidivas que o marcador ganha valor, o que do ponto de vista de quali-dade e esperança de vida é muito relevante. Neste momento, o software que está a ser desenvolvido em cooperação com o Serviço de Ginecologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) irá ser brevemente apresentado à comunidade portuguesa dos especialistas da área e, se as coisas correrem bem, terá posterior divulgação internacional.

Na verdade, os resultados das investigações, da ciência, são para ter resultados práticos, para melhorar a qualidade de vida dos doentes.

Claro. A análise dos dados, a avaliação teóri-ca, a conceptualização de um modelo para explicar a evolução do marcador, é um traba-

lho que está feito. A questão será disponibilizar aos médicos uma ferramenta que, na prática clínica, lhes permita usufruir deste trabalho realizado e não se resumir somente à publi-cação de artigos científi cos. É um trabalho de vários anos com diferentes análises e diferentes etapas no tratamento da informação.

Estes estudos são feitos de forma individual ou multidisciplinar?

Foi um trabalho multidisciplinar que contou com a Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, a minha equipa de trabalho, o Serviço de Ginecologia e o Serviço de Patologia Clínica dos HUC. Claro que existem trabalhos que deveriam ser feitos em rede, mas para isso deveria haver uma polí-tica científi ca nacional diferente da que existe. A política científi ca que temos em Portugal, se podemos chamar política ao que temos, é um pouco ad hoc e em muitas circunstâncias temos um problema de falta de massa crítica. Portugal é um país pequeno, o número de investigadores é relativamente reduzido, o número de investigadores qualifi cados é muito mais reduzido. Acontece com muita frequência que, e lamento dizê-lo, os fi nanciamento dos projectos de investigação andam muito à volta dos mesmos, porque quem avalia e quem é avaliado são um número reduzido de pessoas, são sempre as mesmas instituições. Se for feita uma análise do panorama de fi nanciamento para a investigação, verifi ca-se que os que já

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têm fi nanciamento voltam a ser fi nanciados e assim sucessivamente. E projectos muito inte-ressantes que não estão nesse ciclo são postos de lado, independentemente do seu valor.

E isso é mau…É péssimo. Como acontece com qualquer

área da nossa vida, se algo se perpetuar numa pessoa, num conjunto de pessoas, numa insti-tuição com determinado tipo de função, com os anos, essa função começa a ser feita de forma menos efi caz. Sou adepto de uma política que permitisse aparecer sangue novo no sistema e não serem sempre os mesmos a avaliarem-se quase a si próprios. Apesar do meu trajecto académico, do meu curriculum e reconheci-mento internacional do meu trabalho, tenho tido um fi nanciamento público muito aquém do que seria previsível (com vários projectos reprovados), porque não faço parte desses grupos institucionalizados que se movem junto do poder e de quem decide. Consegui sempre fi nanciamentos alternativos em quem acreditou no meu trabalho (nomeadamente junto da indústria farmacêutica), fui reconhe-cido internacionalmente, e não tenho dúvidas em afi rmar que o sistema não está a fi nanciar necessariamente os melhores trabalhos nem os melhores projectos.

Sei que as investigações quando começam têm muitas vertentes. Qual o caminho agora?

Neste momento estamos a trabalhar no aprofundamento do cancro do ovário através do desenvolvimento do software como já referi anteriormente, através de afi nações que vamos fazer, e de uma possibilidade que temos a nível europeu para fazer um estudo multicêntrico e respectivo tratamento da informação. Estamos a trabalhar, em concreto, numa aproximação semelhante para o cancro da mama, através do marcador tumoral CA 15.3. Estudaremos esse marcador e, se os resultados forem positivos, confi rmando-se que encontramos o caminho certo para a interpretação dos marcadores tumorais, então avançaremos para todos os marcadores que existem neste momento e

Há anos que andam pessoas a tentar perceber como interpretar os marcadores de forma mais efi caz. Porque é que nunca ninguém se lembrou de proceder a esta associação de ideias?

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que possam a vir a existir, uma vez que se tratará fundamentalmente do estender de um conceito.

Existindo um modelo criado será um caminho fácil de aplicação a todos os outros marcadores.

Exactamente.

Este modelo é criado de raiz, é inovador?

Totalmente.

Como é criado o modelo?Quando trabalhamos com medicamentos,

é fundamental proceder à interpretação da forma como as concentrações sanguíneas dos fármacos evoluem em função do tempo após a sua administração por uma qualquer via de administração. Temos nessa abordagem, apesar de haver vária formas de encarar o problema, algo em comum ao que acontece com o marcador tumoral: ao administrar uma forma farmacêutica (um comprimido, por exemplo) aumento a concentração do fárma-co no sangue; na presença de um tumor, não administramos o comprimido, mas existe uma

fonte dentro nós que liberta para o sangue as moléculas/marcadores. Tentei perceber de que forma seria possível interpretar o marcador à luz dos meus conhecimentos de interpre-tação de fármacos. E foi isso que aconteceu. Os avanços que fi zemos foram nesse sentido. Tanto posso trabalhar com medicamentos como posso trabalhar com este marcador. Se há uma fonte de moléculas para o sangue posso encontrar forma de interpretar esse apare-cimento de moléculas no sangue da mesma forma que interpreto quando administro um medicamento. Foi esta junção da componente medicamento com a formação de marcadores tumorais, que permitiu fazer a ponte entre as duas áreas e transportar conhecimentos de um lado para o outro. Muitos avanços da ciência são feitos quando alguém consegue adaptar coisas de áreas diferentes a um problema que não tinha ainda uma solução lógica.

Multidisciplinaridade?É uma estratégia fundamental para o desen-

volvimento da ciência. Mas se juntarmos um informático, um médico, um biólogo, um matemático, um bioquímico, e se cada um deles só souber da sua área, não estaremos a

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falar necessariamente em multidisciplinari-dade. Vai ser sempre necessário alguém que faça a ponte entre as diferentes áreas, alguém que veja a fl oresta e não apenas a árvore, alguém que tem de possuir uma formação multidisciplinar. Falando por mim, não serei um excelente informático, matemático ou estatista, mas sei o sufi ciente dessas áreas para dialogar construtivamente com quem, sendo mais competente do que eu, me pode ajudar em cada uma delas. Sei olhar para um proble-ma, sei até onde posso ir, e sei quando vou precisar de alguém que me ajude a ir mais longe. Em todos os projectos multidisciplina-res terá de haver sempre uma pessoa ou grupo que coordene a multidisciplinaridade. Ela em si é inconsequente.

Mas essa ideia da libertação molecular para o sangue é simples, não é?

É uma espécie do ovo de Colombo. Há anos que andam pessoas a tentar perceber como interpretar os marcadores de forma mais efi caz. Porque é que nunca ninguém se lembrou de proceder a esta associação de ideias? Não sei. Isto é válido para outras áreas. Na verdade, mais vezes do que aquelas que supomos, as soluções para resolver problemas complexos revestem-se de grande simplicida-de. Soluções complexas raramente resolvem

problemas complexos, pela simples razão de que se uma solução é intrinsecamente complexa levanta tantos outros problemas que passamos de um problema complexo original para dois problemas complexos (incluindo a pseudo-resolução do primeiro).

E como se lembrou?Estava a pensar no trabalho e via que nos

faltava qualquer coisa. Fiquei a pensar naquilo. E tenho sempre um caderninho à cabeceira onde anoto tópicos, coisas que vão surgindo, para não me esquecer. Lembro-me perfeita-mente, neste caso, de ter feito umas anotações ao adormecer. No dia seguinte, comentei o assunto com o doutorando que tem estado mais ligado a este projecto, o meu colega e amigo António Sales Mano, defi nimos o caminho e funcionou.

Também desenvolve investigação, para além de oncologia, em neonatologia, pediatria, epilepsia. Afi rma que procura em todas as áreas resolver problemas.

Costumo dizer que o desafi o da minha vida profi ssional, o que me move profi ssionalmente, é resolver problemas. Resolver problemas tem várias vantagens. Na área da saúde os resultados do meu trabalho podem benefi ciar a vida de muita gente. Isso dá-me uma satisfação gran-

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de, saber que um trabalho pode ser útil para a qualidade de vida de muitas pessoas. Muitas vezes, os profi ssionais de saúde não têm quem os ouça. Queixam-se disto ou daquilo e tento ouvi-los, porque os problemas que colocam são interessantíssimos, são aqueles que nunca me lembraria de colocar a mim próprio.

Porquê a resolução de problemas em áreas como a pediatria?

Como deve calcular sou selectivo nos problemas que procuro resolver. Desde logo tenho de sentir que sou capaz de os resolver. Depois, naturalmente que me dedico àqueles cuja minha percepção me diz que da sua reso-lução resulta uma mais-valia para a sociedade. É assim que encaro a minha actividade de investigação e, nesse sentido, a pediatria cons-titui para mim sempre uma primeira escolha. As crianças são a nossa maior riqueza e, nesse sentido, tudo o que possamos fazer por elas é sempre pouco.

Tem, então, problemas para resolver?Bastantes e interessantes.

Na pediatria?Também na pediatria, onde produzi já

bastante informação científi ca que, no seu conjunto, contribuirá modestamente para que alguns fármacos possam actualmente ser

administrados às crianças de uma forma mais segura e efi caz.

Quando trabalha, as pessoas colocam-lhe questões?

Exactamente. Cabe-me a mim procurar os caminhos mais apropriados, contando sempre com a ajuda preciosa de quem comigo colabora. Vamos construindo peça a peça os puzzles que são necessários concluir.

No caso de neonatologia, criou as tabelas de posologia para bebés prematuros de determinados fármacos. Trabalhou para um bem precioso?

É verdade. Veja, por exemplo, o caso da cafeína, que é um estimulante do sistema nervoso central utilizado na clínica para colmatar os episódios de apneia neonatal nos recém-nascidos prematuros. Na prática, os bebés esquecem-se de respirar pelo simples facto de o seu sistema nervoso central não estar ainda completamente amadurecido. A cafeína vai estimular o centro respiratório e, como resultado da sua administração, as crianças conseguem então respirar espontaneamente. Os prematuros são um mundo fascinante. Trabalhei com crianças de 800/900 gramas, 26/28 semanas de gestação. Depois tive a noção das limitações que existem ao trabalhar

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com essas crianças. Cada vez que se tirava sangue era por vezes necessário fazer uma transfusão. São bebés com 50 mL de sangue, quando se tira 5 mL está-se a tirar 10%, o que num adulto corresponderia a cerca de meio litro. Também a percepção de que a fi siologia do bebé tem muito pouco a ver com a do adulto. É um mundo novo do ponto de vista científi co e de conhecimentos teóricos. Depois, a satisfação enorme de ter desenvolvido uma pauta posológica que é utilizada em imensos países. Fiz isso em 1993/94.

Parte do quê para criar as tabelas posológicas?

Temos as variáveis demográfi cas (peso, altura, sexo, idade…), clínicas (patologia, insufi ciên-cias orgânicas…) e terapêuticas (o que toma, quando toma…). Com estas três vertentes conseguimos fazer uma avaliação indivíduo a indivíduo dos comportamentos dos fármacos. Depois, juntando um conjunto de indivíduos com algumas semelhanças, é possível criar o perfi l para aquele tipo de situação. Criando vários perfi s diferentes, podemos aumentar a efi cácia e a segurança do tratamento.

No caso da epilepsia?Já trabalhei com vários anti-epilépticos.

Actualmente estou muito empenhado no desenvolvimento de um novo anti-epiléptico dos Laboratórios Bial. Efectivamente, por vezes, o facto de ter resolvido problemas em determinadas áreas faz com que, com alguma naturalidade, seja solicitado para abordar ques-tões dentro do mesmo âmbito.

O desenvolvimento de um novo medicamento é um problema complexo?

E que demora muitos anos. Uma molécula para chegar ao homem tem de passar por um fi ltro imenso, resultado de um trabalho efectu-ado por equipas vastíssimas de diferentes áreas (química, biologia, bioquímica, farmacologia, toxicologia, etc.). Quando a molécula entra no homem pela primeira vez já sabemos bastante sobre ela, nomeadamente através dos resulta-dos obtidos a partir de modelos animais, mas ainda assim, a entrada no homem é sempre decisiva e bastante stressante.

Costumo dizer que o desafi o da minha vida profi ssional, o que me move profi ssionalmente, é resolver problemas… Como deve calcular sou selectivo nos problemas que procuro resolver. Desde logo tenho de sentir que sou capaz de os resolver. Depois, naturalmente que me dedico àqueles cuja minha percepção me diz que da sua resolução resulta uma mais-valia para a sociedade. É assim que encaro a minha actividade de investigação e, nesse sentido, a pediatria constitui para mim sempre uma primeira escolha. As crianças são a nossa maior riqueza e, nesse sentido, tudo o que possamos fazer por elas é sempre pouco.

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Futuramente, que caminhos de investigação? O que gostava de descobrir, tem um sonho, desses que tem durante a noite e aponta nesse seu caderninho de cabeceira?

O segredo é alma do negócio.

Mas estes segredos são bens comuns…

Bom, desde logo, teria muito gosto em continuar a colaborar com a Bial no que está ser feito, porque a introdução no mercado do primeiro medicamento genuinamente portu-guês será um marco histórico para a Bial e para todos os que, à sua medida, contribuíram para a concretização desse sonho. Esperemos que seja em 2008. Será algo que nos deve encher de orgulho. Depois, tenho um especial interes-se em duas áreas distintas. Uma tem a ver com a pesquisa de novos compostos químicos, a descoberta de novas moléculas, tenho algumas ideias que gostaria de desenvolver e ver como funcionam. Será uma área que privilegio ou vou privilegiar nos próximos anos. E, para além de trabalhos que tenho em oncologia, etc., estou a apostar na área da geriatria. É uma área necessariamente emergente.

O quê com idosos?Um pouco à semelhança daquilo que tenho

feito na pediatria. Na verdade, os pontos de contacto entre ambos os grupos etários são maiores do que à primeira vista seria de supor. É o princípio e o fi m, são os extremos, é como se se tocassem. Há um conjunto de circuns-tâncias, no princípio da vida, que limitam a utilização dos fármacos e, curiosamente, no fi m da vida, existe um conjunto de circuns-

tâncias, não necessariamente as mesmas, que acabam por ser limitativas da utilização de medicamentos. A minha experiência com a pediatria é relativamente fácil de transferir para geriatria. No ano 2000, a OMS estimava que nos países desenvolvidos mais de 20% da população tinha mais de 65 anos. Se fi zermos uma projecção a 20/25 anos, teremos uma percentagem de indivíduos acima de 65 anos muito elevada. E essas pessoas, geralmente, têm problemas cognitivos, têm problemas múltiplos de saúde, de doenças que hoje começam a ser emergentes, não porque haja mais ou porque exista contágio, mas porque as pessoas são mais velhas, como é o caso das doenças de Alzheimer, Parkinson, ou outras neurodegenerativas. São pessoas que usam muitos medicamentos, que têm problemas multi-orgânicos e que os tornam num grupo de indivíduos que necessitam efectivamente de ser melhor medicados. Não estão feitos estudos para as doses de medicamentos a dar a pessoas com mais de 80 anos. Há um espaço emergente na geriatria nas próximas décadas que gostaria de acompanhar.

E que frases para quem quiser investigar?

Vamos morrer a aprender e com mais dúvi-das. É de uma presunção desmedida e de uma ignorância profunda tomar como adquirido o quer que seja sobre o que quer que seja. Sabemos alguma coisa sobre algumas coisas e tentaremos, dentro do possível, melhorar as nossas capacidades, mas sempre com a humil-dade de perceber que é muito mais o que não sabemos do que aquilo que algum dia viremos a saber.

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Doutor em Química, coordenador do curso de Farmácia e docente do ISAVE, Instituto Superior de Saúde do Alto Ave

Fernando Manuel Pinto de Azevedo

Nanociência e

Pretende-se com este artigo dar uma visão geral sobre a Nanociência e a Nanotecnologia (N&N) uma vez

que são áreas emergentes e têm despertado grandes expectativas

relativas ao melhoramento da nossa vida quotidiana, essencialmente em aspectos ligados à medicina,

à farmácia, ao ambiente e à

engenharia. Uma lista completa das potenciais aplicações da

Nanotecnologia é vasta e diversa, mas dela sobressai, sem qualquer

dúvida, que um dos grandes valores da Nanotecnologia será o desenvolvimento de novos e

efectivos tratamentos médicos. Assim, a Nanotecnologia aplicada à medicina é referida já com o nome

de Nanomedicina. Neste artigo será dada uma visão geral sobre as

principais aplicações nesta área.

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Nanotecnologia

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1. IntroduçãoO ano de referência para o nascimento da

Nanociência e da Nanotecnologia é o de 1959, quando o físico Richard Feynman afi rmava “There’s plenty of room at the bottom” (“Há muito mais espaço lá em baixo”). Feynman anunciava na altura ser possível condensar, na cabeça de um alfi nete, as páginas dos 24 volumes da Enciclopédia Britânica. Referiu, também, que muitas das descobertas se fariam com a construção de materiais em escala atómica e molecular sendo, no entanto, neces-sário desenvolver tecnologia que permitisse uma manipulação dos átomos e moléculas.

Nos anos 80, o aparecimento do microscópio de efeito túnel permitiu avanços signifi cativos na manipulação atómica, a ponto de, em 1989, a IBM ter conseguido manipular 35 átomos de Xénon, dispondo-os um a um numa placa de níquel, de forma igual às letras da própria marca (Figura 1A).

Richard Smalley descobriu, em 1985, uma nova forma alotrópica de Carbono, os fulere-nos (Figura 1B), tendo ganho o Prémio Nobel da Química em 1996 por esta descoberta. O nome desta molécula foi dado em homena-gem ao arquitecto R. Buckminster Fuller pelas suas construções geodésicas. Também, por esta altura, Eric Drexler e Neal Lane potenciaram o conceito de Nanotecnologia em várias obras publicadas. Desde então, os estudos têm vindo a ser desenvolvidos de forma crescente e sistemática, pois os governos de diferentes países têm incluído as Nanociências e as Nanotecnologias (N&N) na sua agenda de prioridades de investimentos.

Figura 1A

Átomos de Xénon dispostos de maneira a formar as

letras I, B e M.

Figura 1B

Molécula esférica de fulereno C60 conhecida como

buckyball. O diâmetro desta molécula é extremamente

pequeno, da ordem de 1nm.

1 nm

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2. O que é a Nanotecnologia?A Nanotecnologia refere-se a tecnologias

em que a matéria é manipulada numa escala extremamente pequena, na ordem de 1-100 nanometros (nm); 1 nanometro = 10-9 metro, ou seja, à escala de moléculas de pequena dimensão.

O prefi xo “nano”, de origem grega, signifi ca anão e apareceu pela primeira vez na litera-tura científi ca em 1908 quando Lohmann o utilizou para classifi car organismos muito pequenos. Mais tarde, em 1974, Tanigushi utilizou o termo Nanotecnologia associado à Engenharia de Materiais.

Instrumentos como o microscópio de efeito túnel estendem a nossa “visão” até dimensões desta ordem de grandeza. Uma estrutura nanodimensionada teria que ser ampliada cerca de 10 milhões de vezes para a podermos visualizar a olha nu. Quantidades tão pequenas

poderão ser difíceis de imaginar. Muitas vezes são dados como exemplos a relação entre o tamanho de uma bola de ténis e o tamanho do nosso planeta (tamanho da bola de ténis / tamanho da planeta Terra = 10-9), ou que um nanometro é cerca de 100 000 vezes mais pequeno que a espessura de um cabe-lo. Na Figura 2 apresenta-se uma escala de dimensões médias de diferentes objectos. Se pensarmos na espessura de uma bola de sabão (cerca de 150 nm) ou no tamanho de um partícula de carbono ultrafi na emitida pelos motores Diesel (cerca de 100 nm), estamos a referenciar também estruturas de dimensões nanométricas (ver dimensões de outros objec-tos na tabela da página seguinte).

A existência de tecnologia que permite a manipulação da matéria à escala atómica coloca a Nanotecnologia como uma ciência pluridisciplinar. Quando aplicada às ciên-cias da vida recebe por vezes o nome de

Figura 2

Escala de objectos de dimensões diferentes. Da esquerda para a direita: glóbulos vermelhos, bactérias, vírus, proteína, molé-

cula de DNA, molécula de aspirina, átomo (1 μm = 1000 nm).

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Nanobiotecnologia. A pluridisciplinaridade da Nanotecnologia é suportada com o contributo das mais variadas áreas do conhecimento, desde as mais básicas (Química e Física), como as das ciências da vida (Medicina, Farmacologia, Biologia, Bioquímica) e as aplicadas à enge-nharia, existindo já em vários países redes de Nanotecnologia, designadas de Nanoredes.

Os grandes avanços da ciência e da tecno-logia nas últimas décadas podem propiciar o desenvolvimento de novos produtos e sistemas de alto impacto tecnológico. A pesquisa na área da Nanociência e Nanotecnologia desafi a as unidades de investigação a integrar esforços para optimizar os estudos, pois geral-mente os equipamentos necessários são extremamente caros e são neces-sários investigadores especializados em diversas áreas do saber. A investigação nesta área necessita de uma articulação centralizada que consiga mobilizar os investigadores das universidades e centros de investigação, os empre-sários e as entidades fi nanciadoras. Esta política já foi implementada nos Estados Unidos da América e noutros países, tanto europeus como de outros continentes. Os resultados que têm aparecido diariamente são o coro-lário desse esforço. Recentemente, os Governos de Portugal e Espa nha acordaram a criação do Labo ra tório Internacional Ibérico de Nanotecnologia, INL, de forma a fomentar a cooperação bila-teral de nível científi co e tecnológico (I&D e Inovação) entre os dois países. A rapidez com que se processa o avanço da Nanotecnologia exige decisões igualmente céleres de modo a que as indústrias possam inovar e competir no mercado mundial. O número de projectos em conjunto, bem como o registo de paten-tes, é crescente. Neste contexto, questiona-se sobre a quem se deve deixar a negociação das patentes: às universidades, às indústrias ou às entidades que fi nanciam a investigação. A esta discussão não escapam as entidades reguladoras com responsabilidades na área da

saúde. As agências reguladoras em matéria de medicamentos, nomeadamente a FDA (Food and Drug Administration), não se pronuncia-ram sobre a aprovação de fármacos baseados em Nanotecnologia, até ao momento que várias indústrias farmacêuticas desenvolveram nanopartículas com fi ns terapêuticos. Existe actualmente uma comissão que pretende elaborar as linhas básicas necessárias para uma regulamentação adequada.

A Fundação Europeia da Ciência publicou, em Fevereiro de 2005, um estudo sobre a evolução da Nanociência em termos médicos e as suas expectativas para o futuro. Neste

documento conclui-se que a Nanomedicina desempenha um papel fundamental na área do diagnóstico preciso e tratamento de muitas doenças. No documento fi xam-se cinco linhas principais de investigação para um futuro recente: nanomateriais e dispositivos biomédicos, monitorização e ferramentas de análise, novas terapias e transporte de fármacos dirigidos a alvos concretos, aplicações clínicas, toxicologia das nanoestruturas e regulamenta-ção da Nanotecnologia.

Objecto Tamanho

Espessura de um cabelo 100 000 nm

Glóbulos vermelhos 7 000 nm

Bactérias 1 000 nm

Comprimento de onda da radiação de cor vermelha 650 nm

Vírus 100 nm

Proteínas 10 nm

Espessura do DNA 2,5 nm

Molécula de Aspirina 1 nm

Diâmetro do átomo de carbono 0,15 nm

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3. Nanoestruturas e suas aplicações na saúde

Essencialmente são duas as razões que tornam as nanopartículas diferentes das outras partículas com maiores dimensões. Em primei-ro lugar, em partículas com dimensões aquém dos 50 nm as leis da física quântica passam a ter relevância em prol da abordagem da física clássica. Isto signifi ca que nas nanopartículas podem ser exploradas propriedades ópticas, magnéticas, eléctricas que não se manifestam em partículas idênticas de tamanhos maiores. Em segundo lugar à medida que se diminui o tamanho de uma partícula, a razão entre a área superfi cial e o seu volume aumenta. Ou seja, quanto mais pequeno um objecto se torna, a sua área aumenta em relação ao seu volume. O aumento da razão anteriormente referido permite uma grande reactividade das nano-partículas o que, em certos casos, é bastante positivo mas, noutros, pode ser perigoso.

A maior parte das células animais têm entre 10 000 a 20 000 nm de diâmetro. Uma estru-tura nanodimensionada com um tamanho de 100 nm pode então entrar em células e interactuar com o DNA e com as proteínas. Estas estruturas nanométricas podem também ser capazes de detectar uma doença numa pequena quantidade de células ou tecidos. Por exemplo, para diagnosticar o cancro numa fase muito precoce é necessário detectar alterações moleculares numa pequena percentagem de células, o que signifi ca o uso de ferramentas muito sensíveis, como as nanoestruturas.

As nanoestruturas mais utilizadas e estuda-das têm sido as nanoestruturas de carbono, os dendrímeros, as nanopartículas de metais e de óxidos metálicos, os nanocristais fl uorescentes e alguns lipossomas. Descrevem-se de seguida algumas das principais características das nano-estruturas mais importantes e as suas possíveis aplicações em estudo na área da saúde.

“Nanotechonology has given us the tools (…) to play with the ultimate toy box ofnature - atoms and molecules. Everything is made from it (…). The possibilities to create new things appear limitless.”

Horst Störmer, Prémio Nobel da Física, 1998.

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3.1 Nanoestruturas de CarbonoSão estruturas constituídas por átomos de

carbono e são essencialmente baseadas em moléculas esféricas de fulerenos e em molécu-las cilíndricas de fulerenos (nanotubos).

Fulerenos EsféricosSão moléculas esféricas com diâmetro de

cerca de 1 nm. De entre os fulerenos (C60, C70, C80, etc.), a molécula de C60, conhecida como buckyball (pois lembra uma bola de futebol), foi a primeira a ser descoberta, é a molécula mais conhecida, mais estável e a de maior simetria. É constituída por 60 átomos de carbono dispostos segundo 12 pentágonos e 20 hexágonos (Figura 1B). Actualmente, é também possível sintetizar fulerenos contendo átomos no seu interior, designando-se estes por fulerenos endoédricos.

Nos estudos de investigação sobre este tipo de moléculas destacam-se aqueles em que uma molécula modifi cada de C60 é usada para transportar agentes de contraste (Figura 3A) utilizados em imagiologia por RMN, e aqueles em que uma molécula modifi cada do C60 é utilizada como possível inibidor da HIV protease (Figura 3B).

Os agentes de contraste normalmente usados em RMN são estruturas moleculares com complexos metálicos, ou sais desses complexos, que contêm metais capazes de interactuar com o campo magnético. Não obstante o seu grau de estabilidade química, a sua permanência temporal no corpo pode desencadear acções de desequilíbrio bioquímico que compromete a estabilidade primária do agente, formando-se iões metálicos livres com alguma toxicidade. Contudo, se os agentes estiverem encapsulados numa molécula de fulereno, a inércia reactiva aumenta diminuindo a sua toxicidade. O grau do contraste fornecido por esta molécula foi já testado num rato e é comparável aos agentes de contraste normalmente usados em RMN. Um agente de contraste idêntico ao descrito anteriormente e constituído por nanopartículas de macromoléculas de um quelato de gadolíneo ([Gd-DTPA]- ião de

Figura 3A

Agente de contraste solúvel em água que está a ser

desenvolvido para a técnica de imagiologia de RMN.

Dois iões de gadolínio Gd (cor violeta) e um ião de

escândio Sc (cor verde) ligados a um ião central de

azoto (cor azul) encontram-se encapsulados dentro

de uma molécula modifi cada de C60. O agente de

contraste está rodeado por moléculas de água (cor

amarela e vermelha).

Figura 3B

Molécula modifi cada de C60 (bola verde) ligada à HIV

protease (fi tas a verde). Ligados ao C60 encontram-se

também outros átomos (verdes, vermelhos, brancos e

azuis). Prevê-se no futuro realizar com esta molécula

testes em pacientes.

gadolíneo (III) ligado ao ácido penta-acético dietilenotriamina), encontra-se já disponível no mercado (Magnevist).

Muitos outros estudos existem actualmente sobre moléculas esféricas de fulerenos, não se enquadrando a sua descrição neste formato de artigo.

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NanotubosSão moléculas de fulerenos, alongadas em

forma de tubos, descobertas em 1991 por Sumio Lijima da NEC. O seu comprimento é muito grande em relação à sua espessura (apenas 1 a 2 nm de diâmetro e até 1 mm de comprimento). Os nanotubos são constituídos por folhas de arranjos hexagonais de átomos de carbono que se enrolam para formar tubos longos, mas com diâmetros pequenos da ordem de 1 a 2 nm (Figura 4A). As extre-midades do tubo (não mostradas na fi gura) são compostas por átomos com um arranjo pentagonal. Os nanotubos podem também ser sintetizados de maneira a se obterem estruturas constituídas por vários nanotubos e por várias camadas (Figuras 4B e 4C) de modo a modifi -car as suas propriedades eléctricas e mecânicas. Esta surpreendente “macromolécula”, com propriedades tão diferentes, tem sido alvo de muitos estudos, concluindo-se que apresenta um enorme potencial de aplicação em diver-sas áreas (medicina, electrónica, materiais, etc.) Actualmente, prevê-se que seja, por exemplo, possível utilizar os nanotubos de carbono como sistemas de transporte de fármacos, estando a ser realizados estudos prévios no sentido de eliminar a citotoxicidade destas estruturas.

Figura 4

A - Nanotubo de carbono de camada monoatómica;

B - Rolo de nanotubos de camada atómica;

C - Nanotubo constituído por várias camadas mono-

atómicas.

A B C

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3.2 DendrímerosSão moléculas poliméricas construídas à volta

de uma pequena estrutura central (NH3) pela adição de 2 monómeros (ácido acrílico e diami-na) e que se podem tornar esféricas à medida que o seu tamanho aumenta.

Uma característica útil dos dendrímeros é a sua forma muito ramifi cada que apresenta uma grande área superfi cial, à qual se podem ligar agentes terapêuticos ou outras moléculas biolo-gicamente activas. Uma única molécula de um dendrímero poderá ser capaz de transportar uma molécula que reconhece as células cancerígenas, um agente terapêutico que mata aquelas células e uma molécula que reconhece os sinais de morte celular.

Uma das difi culdades da aplicação destas nanoestruturas era o facto do processo de síntese destas moléculas ser pouco reprodutível (em cada processo obtinham-se dendrímeros diferen-tes). No entanto, em 2005, a empresa Dendritic NanoTechnologies Inc. patenteou uma tecnolo-gia conhecida por Priostar que permite a síntese precisa de dendrímeros com as propriedades desejadas e com uma grande estabilidade. Esta tecnologia permitirá, possivelmente, que as agên-cias reguladoras de medicamentos passem a olhar de uma outra maneira para as possíveis aplicações destas nanoestruturas. Assim, os dendrímeros estão a ser estudados no sentido de possibilitar a construção de nanoaparelhos biológicos com vista ao reconhecimento de células cancerígenas, ao transporte de uma droga para um alvo preten-dido, à localização de um tumor e à terapia de destruição de células cancerígenas.

Figura 5

A - Crescimento e visualização de um dendrímero até

à 3ª Geração: 1ª G, 1ª Geração; 2ª G, 2ª Geração; 3ª G,

3ª Geração;

B - Moléculas de dendrímeros a envolver células.

A B

1ª G

2ª G

3ª G

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3.3 Nanopartículas de metais, de óxidos metálicos e de lipossomas

As nanopartículas de metais (ouro, prata, ferro, cobalto e níquel), nanopartículas de óxidos metálicos (óxido de ferro (II), dióxido de titânio, óxido de zinco) e alguns liposso-mas, têm sido amplamente estudadas para possíveis aplicações na saúde, pois a sua síntese e manipulação não é tão difícil como as das outras nanoestruturas, assim como os estudos referentes ao grau de toxicidade estarem numa fase mais avançada. Dão-se, em seguida, a título de exemplo, algumas aplicações com carácter relevante:

- Antibacteriano constituído por nanopartícu-las de prata: as propriedades antibacterianas da prata são conhecidas há centenas de anos. O tamanho pequeno das nanopartículas de prata proporciona uma grande área superfi cial rela-tivamente à sua massa. Este facto permite que as nanopartículas interactuem facilmente com outras partículas aumentando a sua efi ciência antibacteriana. Como a prata é um elemento não tóxico e não se acumula no organismo, um produto feito à base de nanopartículas de prata que elimina um largo espectro de bactérias (patente da farmacêutica Nucryst) foi já aprovado pelo FDA e por outras agências reguladoras, encontrando-se já disponível no mercado;

- Sistema de transporte de fármacos: dentro das nanopartículas metálicas, têm merecido particular destaque as nanopartículas magné-ticas, designando-se este ramo da ciência como Nanobiomagnetismo. Estas partículas,

A Fundação Europeia da Ciência publicou, em Fevereiro de 2005, um estudo sobre a evolução da Nanociência em termos médicos e as suas expectativas para o futuro. Neste documento conclui-se que a Nanomedicina desempenha um papel fundamental na área do diagnóstico preciso e tratamento de muitas doenças. No documento fi xam-se cinco linhas principais de investigação para um futuro recente: nanomateriais e dispositivos biomédicos, monitorização e ferramentas de análise, novas terapias e transporte de fármacos dirigidos a alvos concretos, aplicações clínicas, toxicologia das nanoestruturas e regulamentação da Nanotecnologia.

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após entrarem na corrente sanguínea, podem ser conduzidas para uma região específi ca do corpo por aplicação de um campo magnético externo. Uma das aplicações deste sistema é o transporte de drogas quimioterápicas dirigidas directamente para um tumor, sem que essas drogas afectem os tecidos normais, obtendo-se assim uma maximização do efeito da droga com uma minimização dos efeitos colaterais;

- Remoção de toxinas sanguíneas: as nanopar-tículas magnéticas de ferro têm também muito recentemente vindo a ser estudadas de forma a serem aplicadas na remoção de toxinas exis-tentes no sangue. Estas nanopartículas de ferro encontram-se ligadas a proteínas específi cas, capazes de se ligarem posteriormente a diver-sos agentes tóxicos. Quando são injectadas na corrente sanguínea, as toxinas ligam-se às proteínas, possibilitando assim a sua remoção. Posteriormente, as nanopartículas são retiradas da corrente sanguínea por um pequeno desvio de dois canais, idêntico aos tubos utilizados em transfusões. O sangue que sai pelo desvio é submetido a uma fi ltração por um separador magnético que retém as nanopartículas, sendo o sangue limpo devolvido ao sistema circula-tório. Esta técnica desenvolvida em 2005 pelo ANL (Argonne National Laboratory) utiliza apenas componentes já aprovados pelo FDA, o que deverá facilitar a sua aprovação para testes em humanos;

- Diagnóstico e terapêutica de metástases tumo-rais: outra das aplicações encontra-se na área da imagiologia pela técnica de RMN em que as nanopartículas magnéticas se podem ligar a anti-corpos monoclonais que, por sua vez, se ligam às células tumorais, permitindo um aumento de contraste e, assim, proporcionam um diagnósti-co mais precoce de metástases tumorais. Uma das difi culdades encontradas tem sido a ligação da nanopartícula magnética ao anticorpo sem alterar as características deste, devido ao facto

das nanopartículas magnéticas terem de estar cobertas por um material biocompatível de forma a evitar a sua rejeição pelo organismo. Com base ainda neste sistema, poderá também ser desenvolvido um método terapêutico, uma vez que a interacção destas partículas com um campo magnético externo mais intenso provo-ca a vibração das partículas magnéticas que, em seguida, dissipam o calor nas células tumorais provocando a sua lise e morte;

- Diagnóstico de lesões hepáticas: para diag-nosticar este tipo de lesões por imagiologia de RMN tem sido usado como agente de contraste uma solução injectável constituída por partí-culas de óxido de ferro (FeO). Actualmente, a substituição destas partículas por nanopartí-culas (Feridex I.V.) foi aprovada recentemente, estando a ser comercializada em vários países, entre os quais Portugal. Outros estudos estão a ser desenvolvidos no sentido de utilizar estas nanopartículas como agentes de contraste para outros órgãos;

- Produtos cosméticos e protectores solares: devido às menores restrições exigidas para a aprovação deste tipo de produtos, encontram-se disponíveis alguns produtos cosméticos e loções de protecção solar. Nos produtos cosmé-ticos existem nanopartículas de lipossomas (nanolipossomas) que possibilitam a libertação controlada das substâncias activas (L’Oréal, Estée Lauder, etc.). Nanopartículas de dióxido de titânio (TiO2) e óxido de zinco (ZnO) são usadas em loções de protecção solar, uma vez que estas partículas conseguem refl ectir a radia-ção UVA e UVB. Estes protectores solares têm as vantagens de se espalharem mais facilmente e de serem totalmente transparentes, ao contrá-rio dos convencionais que são de cor branca. Acredita-se também na menor toxidade destas partículas relativamente às moléculas orgânicas usadas nos protectores solares que absorvem as radiações UV.

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3.4 Nanocristais fl uorescentesSão estruturas cristalinas à escala nano-

métrica que absorvem a luz solar e, em seguida, emitem luz cujo comprimento de onda depende do seu tamanho. Estes nano-cristais conhecidos por pontos quânticos são verdadeiros feixes ópticos à escala molecular, comportando-se como díodos emissores de luz (Leds) moleculares, oferecendo aplicações promissoras.

Os nanocristais mais estudados são os constituídos por Cádmio e Selénio e foram desenvolvidos essencialmente pela empresa Quantum Dots Corporation que, actualmen-te, controla um grande número de patentes, algumas delas na área da saúde. Os principais avanços na utilização dos pontos quânticos tem-se centrado no campo do diagnóstico de tumores, pois estes permitem diferenciar muito bem as células tumorais das outras célu-las, e na utilização dos pontos quânticos como marcadores biomoleculares. As vantagens dos pontos quânticos centram-se essencialmente no facto de serem muito mais brilhantes e não sofrerem fotodegradação, como as molé-culas orgânicas normalmente utilizadas como biomarcadores.

As Nanotecnologias deverão, assim, ser desenvolvidas de uma forma segura e responsável de modo a contribuírem para uma melhoria na qualidade de vida das pessoas ao nível da saúde, do ambiente e no uso de novas tecnologias de comunicação e informação. Os princípios éticos devem ser respeitados, os potenciais riscos para a saúde ou para o ambiente têm de ser estudados para posterior regulamentação, sendo também necessário averiguar sobre os impactos sociais.

Figura 6

Soluções líquidas de nanocristais fl uorescentes que, devi-

do aos diferentes tamanhos, exibem cores distintas.

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4. Considerações fi naisPretendeu-se mostrar com este artigo algum

do potencial que a Nanotecnologia tem em mudar profundamente os meios de diagnóstico e terapêuticos. Foram dados alguns exemplos de produtos que já existem no mercado, construídos a partir da Nanotecnologia, assim como exemplos de estudos promissores que têm vindo a ser realizados, prevendo-se no futuro a sua aplicação.

Existem vários aspectos relacionados com a expansão desta nova tecnologia que estão a ganhar grande relevância. Destacam-se a nanosíntese, a nanotoxicologia, os aspectos éticos, os riscos ambientais associados à utiliza-ção de nanopartículas, a sua possível aplicação no bioterrorismo, e todos os problemas asso-ciados à propriedade industrial e às patentes.

Relativamente à nanosíntese, actualmente como se fala bastante de nanopartículas, muitas pessoas são levadas a pensar que a sua síntese é simples. De facto, para criar nanopartículas apenas é necessário decompor o objecto em partículas muito pequenas. O problema apare-ce após a criação das nanopartículas, pois estas têm tendência a voltar-se a unir novamente. Para resolver este problema é necessário aplicar técnicas bastante complexas sobre a superfície das nanopartículas que as impedem de se aproximarem umas das outras e de se voltarem a unir.

Um outro aspecto importante encontra--se no facto de as nanoestruturas terem de ser biocompatíveis. Muitos estudos estão a ser realizados no sentido de perceber como

as nanoestruturas se comportarão no corpo humano, se existe toxicidade, se as nanopartí-culas se podem acumular em órgãos vitais, etc., de modo a criar dispositivos que as tornem biocompatíveis. Também se receia que se as nanopartículas se acumularem em células ou em bactérias poderá ser aberta a possibilidade para a sua entrada em cadeias alimentares.

As Nanotecnologias deverão, assim, ser desenvolvidas de uma forma segura e respon-sável de modo a contribuírem para uma melhoria na qualidade de vida das pessoas ao nível da saúde, do ambiente e no uso de novas tecnologias de comunicação e informação. Os princípios éticos devem ser respeitados, os potenciais riscos para a saúde ou para o ambiente têm de ser estudados para posterior regulamentação, sendo também necessário averiguar sobre os impactos sociais.

Neste artigo não foi abordada a construção de novos materiais com aplicação na área da Medicina. É um presente e futuro promissor pois existem alguns materiais novos como nanofi bras, ossos sintéticos à base de nano-partículas, próteses, etc. Outros materiais aparecerão à medida que formos percebendo como funciona este novo mundo, pequeno e muito desconhecido, tendo de estar as agên-cias reguladoras preparadas para estas novas descobertas.

A Nanociência será um passo (fi nal?) que permitirá o controlo sobre a matéria, o controlo átomo por átomo, molécula por molécula,...

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Interno complementar de psiquiatria do Hospital Sobral Cid

Assistente hospitalar graduada do Hospital Sobral Cid

Síndrome de Wer

Humberto Figueiredo

Ilda Murta

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ResumoO abuso de álcool é um dos mais sérios

problemas de saúde pública e a síndrome de Wernicke-Korsakoff uma das mais graves consequências do alcoolismo. Esta patologia raramente é diagnosticada nas suas apresen-tações menos evidentes, razão pela qual uma abordagem diagnóstica apropriada é um passo importante para o seu tratamento. Entre as novas propostas farmacológicas, está a repo-sição dos níveis de tiamina, embora isso seja insufi ciente para prevenir o declínio físico e mental de um grande número de doentes.

Neste trabalho, os autores descrevem a história, a epidemiologia, os achados clíni-cos e neuropatológicos, bem como aspectos relevantes do tratamento e prognóstico da síndrome de Wernicke-Korsakoff.

ernicke-KorsakoffSíndrome de Wernicke-Korsakoff

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IntroduçãoA encefalopatia de Wernicke (EW) e a

psicose de Korsakoff (PK) foram identifi ca-das no fi nal do século passado. A primeira é caracterizada por nistagmo, marcha atáxica, paralisia do olhar conjugado e confusão mental. O início é geralmente abrupto. A PK é um distúrbio mental em que a memória de retenção aparece seriamente perturbada. A EW e a PK estão associadas ao défi ce de tiamina (B1), ocorrendo principalmente no alcoolismo crónico.

O complexo de sintomas abrangendo a memória e as manifestações da EW é desig-nado de síndrome de Wernicke-Korsakoff (SWK).

HistóriaEm 1881, Carl Wernicke descreveu uma

patologia de início súbito, caracterizada por paralisia dos movimentos oculares, marcha atáxica e confusão mental. Observou esses sintomas em 3 doentes, 2 alcoólicos e 1 com vómitos persistentes após ingestão de ácido sulfúrico. Apresentavam estupor progressivo, que evoluiu para a coma e morte. As altera-ções patológicas descritas foram hemorragias na substância cinzenta à volta do 3º e 4º ventrículos e do aqueduto de Sylvius, que denominou de “polioencephalitis hemorrha-gica superioris”.

Em 1887, o psiquiatra russo Korsakoff faz menção a um distúrbio da memória em alcoólicos, associada a polineuropatia, como sendo “duas faces de uma mesma doença” (2).

O postulado de que uma única causa era responsável pela EW e PK foi desenvolvido em 1897 por Murawieff (2).

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Classifi caçãoO SWK corresponde a uma denominação

clássica. Actualmente assume a denominação de Perturbação Amnéstica Persistente Induzida Pelo Álcool na DSM-IV-TR e na CID-10.

EpidemiologiaOs estudos têm revelado dados consistentes.

A prevalência da SWK, na Austrália, foi 2,1% (18) e 2,8% (15); em Nova Iorque 1,7% (8); em Oslo 0,8% (51) e no Brasil 2,2% (29). Os valores sobem para 15% em populações psiquiátricas internadas (55) e para 24% em mendigos (11).

Um estudo de 31 mortes consecutivas, relacionadas com o abuso de álcool, revelou EW em 55% dos casos. O distúrbio do estado mental foi o achado mais comum e os sinais neurológicos estavam presentes apenas em 11,8% dos casos, mostrando que a EW pode ser facilmente subestimada como causa de deterioração do estado mental (38).

O abuso de álcool é um dos mais sérios problemas de saúde pública e a síndrome de Wernicke-Korsakoff uma das mais graves consequências do alcoolismo. Esta patologia raramente é diagnosticada nas suas apresentações menos evidentes, razão pela qual uma abordagem diagnóstica apropriada é um passo importante para o seu tratamento. Entre as novas propostas farmacológicas, está a reposição dos níveis de tiamina, embora isso seja insufi ciente para prevenir o declínio físico e mental de um grande número de doentes.

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A síndrome de Wernicke-Korsakoff corresponde a

uma denominação clássica. Actualmente assume a

denominação de Perturbação Amnéstica Persistente

Induzida Pelo Álcool na DSM-IV-TR e na CID-10.

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EtiologiaA SWK pode ocorrer nos neoplasias do 3º

ventrículo e de grande proliferação, enfarte ou ressecção cirúrgica do lobo temporal, sequela de encefalite por HSV, défi ce de B1 na diálise, SIDA, hiperemese gravídica grave, alcoolismo, desnutrição prolongada e gastroplastia para a obesidade (2, 32, 58).

Aspectos clínicosA síndroma aguda de défi ce de B1 é

conhecida por EW. Trata-se de uma ence-falopatia cuja tríade clássica é composta por oftalmoplegia, ataxia e distúrbios mentais e da consciência (54).

As anomalias oculares consistem em nistag-mo (horizontal ou vertical), parésia uni ou bilateral dos músculos rectos externos (par VI) sendo comum diplopia e estrabismo convergente. Em fases avançadas pode haver miose e não reactividade pupilar. Por vezes há hemorragia retiniana, mas é raro o edema papilar (49).

A ataxia é da marcha e postural. Na fase aguda pode inviabilizar a deambulação ou postura sem suporte. Deve-se à conjugação de polineuropatia, lesão cerebral e parésia vestibu-lar. Em graus mais brandos há apenas lentidão, marcha incerta ou postura de base ampla.

Os distúrbios da consciência e do estado mental ocorrem em 10% dos casos, como um estado confusional global com apatia, distractibilidade e expressão verbal espontânea mínima.

Alguns mostram sinais de abstinência (aluci-nações, agitação, hiperactividade autonómica).

Embora na EW estupor e coma sejam raros, podem evoluir para morte se não tratados.

A PK é caracterizada por uma lacuna

permanente na memória para evocação de material verbal e não-verbal (41), objecti-vada por défi ce na aprendizagem (amnésia anterógrada) e da memória passada (amnésia retrógrada). A imediata está intacta e a de curto prazo comprometida. É este défi ce na aprendizagem que leva à incapacidade na vida social, apenas restando ao doente executar tarefas simples e repetitivas. A alteração deve-se à codifi cação defeituosa no momento da aprendizagem e não apenas a um defeito no mecanismo de recuperação (28). A memória a longo prazo pode ser mantida pela rede neural multifocal, conseguindo alguns doentes ter uma boa memória e um QI normal (4).

Têm desempenho inferior aos alcoólicos sem PK nos testes de função frontal (hipo-frontalidade), objectivada por apatia, abulia, indiferença e desatenção (25).

A confabulação é característica na PK. Na fase inicial o quadro confusional é severo e a confabulação signifi cativa. É controverso que vise diminuir o embaraço pelo défi ce de memória.

Aspectos comuns à SWK são a neuropatia periférica (polineuropatia), alterações cardio-vasculares (taquicardia, hipotensão postural e anomalias no ECG) devido a disfunção do SNA ou beribéri cardiovascular, que resolvem após administração de B1 e, em estágios cróni-cos, capacidade diminuída para discriminação entre odores.

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DiagnósticoApenas 20% dos casos de EW são diag-

nosticados durante a vida, levantando a possibilidade de o dano cerebral por défi ce de B1 existir antes de ser suspeitado, devido a formas subclínicas repetidas da EW causando danos estruturais cumulativos (16, 19, 29, 31).

A tríade clássica de Wernicke, composta de ataxia, oftalmoplegia e distúrbios mentais, é rara, está presente em apenas 15% das autópsias (19, 38, 54). O sintoma mais comum é a deso-rientação (42%), seguido pela ataxia (37%) e défi ce de memória (30%). Em 18,6% não havia qualquer sinal (19). Assim, a SWK deve ser suspeitada e tratada em qualquer pessoa desnutrida sofrendo de um estado confusional recente (10, 38). Relembrar que coma pode ser sua única apresentação, razão pela qual qualquer doente em coma de origem desco-nhecida deve receber B1 parentérico (29).

O diagnóstico é clínico mas pode ser confi rmado pelos níveis de transcetolase eritrocitária. Nesses casos a amostra de sangue deve ser colhida antes da administração da tiamina (58).

Figura 1

Figura 2

Figura 3

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NeuroimagiologiaTAC e RMN em doentes com EW mostram

lesões do tálamo, mesencéfalo, dilatação do 3º ventrículo e laterais, atrofi a dos corpos mami-lares e alargamento da fi ssura inter-hemisférica entre os lobos frontais mais que em alcoólicos sem EW ou PK (24, 31, 56).

A atrofi a cerebral é detectável numa alta proporção de alcoólicos (46, 48).

Anatomia patológicaAs lesões características da EW ocorrem nos

corpos mamilares, com aumento da coloração, vascularização, congestão e pequenas hemor-ragias (fi gura 1 e 2). Na PK, estádio crónico da doença, há já atrofi a dos corpos mamilares (fi gura 3). As lesões são simétricas.

Apesar de o achado mais comum ser a alteração dos corpos mamilares (8,16), muitas vezes as lesões não se limitam a essas estruturas atingindo a substância cinzenta adjacente ao aqueduto, 3º e 4º ventrículos (lesões peri-ductais) (fi gura 1), tálamo dorsal, hipotálamo, ponte, medula, fórnix e cerebelo (57).

Frequentemente há proliferação endotelial, desmielinização e alguma perda neuronal.

O défi ce amnésico está associado com lesões dorso mediais do tálamo.

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Neuroquímica e factores de riscoA absorção de tiamina é prejudicada pelo

défi ce nutricional, álcool, doença hepática e redução das reservas e do metabolismo da própria vitamina (1, 50).

Algumas pessoas são mais propensas a esta síndroma, devido a uma defi ciência de trans-cetolase, geneticamente determinada, enzima relacionada com o metabolismo da glicose no cérebro. O km da transcetolase para a tiamina em doentes com SWK é mais de 10 vezes superior ao de indivíduos normais (14, 57). Doentes com SWK têm transcetolase cataliti-camente defeituosa, mas imunoquimicamente normal (27).

Um terço dos alcoólicos é resistente a esta patologia (23, 31).

NeuropsicologiaHá 3 modelos propostos para a compreen-

são dos défi ces neuropsicológicos do SWK. Pela hipótese do hemisfério direito, os proces-sos psicológicos sob controlo desse hemisfério (habilidade visual e espacial, percepção e motri-cidade) teriam susceptibilidade aumentada aos efeitos neurotóxicos do álcool. Na hipótese de disfunção frontal haveria diminuição da capacidade de abstracção e resolução de tare-fas (40, 42). No entanto, a hipótese corrente advoga uma disfunção cerebral generalizada para explicar o padrão inespecífi co e variável do compromisso cognitivo (26, 42, 43).

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EtiopatogeniaA B1 é um co-factor de várias enzi-

mas (transcetolase, piruvato-desidrogenase, cetoglutarato-desidrogenase) envolvidas no metabolismo dos hidratos de carbono. Tem assim papel essencial no metabolismo celular, funcionamento da célula nervosa, condução de potenciais ao longo do axónio e na trans-missão sináptica.

O seu défi ce condiciona diminuição difusa da utilização de glicose pelo cérebro, acumu-lação de glutamato e lesão mitocondrial e celular excitotóxicas.

A defi ciência desta vitamina ocorre por ingestão inadequada ou má absorção no alco-olismo por inibição da enzima Na-K-ATPase na membrana do enterócito (2).

A mortalidade é de 10 a 20%. A morte geralmente ocorre por infecção pulmonar, septicemia, doença hepática descompensada e défi ce irreversível de tiamina.

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A hipomagnesemia pode difi cultar a respos-ta e deve ser alvo de reposição apropriada, nas fases aguda e crónica (13,52) com 1 ampola bebível por dia.

O paciente deve também aderir a uma dieta equilibrada.

A recuperação da ataxia após tratamento com B1 pode ser incompleta, sugerindo um dano irreversível (neuropatológico) além do padrão reversível (bioquímico) (5).

Há estudos que indicam melhoria clínica geral dos doentes tratados com clonidina (35, 36) e fl uvoxamina (33), sugerindo disfunção nos sistemas noradrenérgico e serotoninérgico respectivamente.

TratamentoO tratamento da SWK é uma emergência

médica e consiste na administração imediata de B1 para prevenir a progressão da doença e reverter, pelo menos em parte, as alterações cerebrais que não tenham provocado danos irreversíveis (2). Diversos autores defendem que há melhoria em todas as estruturas corticais e subcorticais após uso de B1 e absti-nência (20). Os doentes com EW devem ser internados e imediatamente iniciada a administração de tiamina, nas doses de 100 mg/dia (1 ampola), via endovenosa no 1º dia e intramuscular nos 3 dias seguintes (32, 49, 53, 58). O recurso à via parentérica é primordial, pois no alcoolismo crónico, a absorção intes-tinal é defi ciente (22). A solução de B1 deve ser recente pois é facilmente inactivada pelo calor (45). Posteriormente, apesar do risco de baixa absorção intestinal, deve proceder-se a tratamento via oral, nas doses de 100 mg 3 id, por vários meses (32).

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PrevençãoTodos os doentes em nutrição parentérica,

hemodiálise, desnutridos e alcoólicos crónicos devem receber tiamina.

A administração de glicose antes da tiami-na pode precipitar EW, pelo que deve haver o cuidado de ela ser sempre administrada previamente ou em simultâneo (100 mg por litro de soro glicosado), em doentes em que haja suspeita de défi ce dessa vitamina (58).

O tratamento da síndrome de Wernicke-Korsakoff é uma emergência médica e consiste na administração imediata de B1 para prevenir a progressão da doença e reverter, pelo menos em parte, as alterações cerebrais que não tenham provocado danos irreversíveis. Diversos autores defendem que há melhoria em todas as estruturas corticais e subcorticais após uso de B1 e abstinência.

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mente incompletas, sem retorno ao estado pré-mórbido (2). Entretanto, uma recuperação progressiva, signifi cativa da função cognitiva pode ocorrer, dependendo de factores como a idade e abstinência contínua, mas esta não pode ser predita de forma assertiva durante os estágios agudos da doença (21, 43).

Curiosamente, uma vez recuperado, o Korsakoviano raramente solicita bebida, mas poderá beber se esta lhe for oferecida (2).

A SWK complica o tratamento do alcoo-lismo, uma vez que alcoólicos com declínio cognitivo respondem mal à psicoterapia e aos esforços educacionais.

PrognósticoA mortalidade é de 10 a 20%. A morte

geralmente ocorre por infecção pulmonar, septicemia, doença hepática descompensada e défi ce irreversível de tiamina (2, 32).

A pronta instituição do tratamento pode modifi car o prognóstico.

A EW tende a remitir rapidamente com a suplementação vitamínica. A oftalmople-gia é a primeira a melhorar, geralmente em horas a dias. O nistagmo, a ataxia, a confusão mental, sonolência e apatia, em dias a semanas. Contudo, 60% apresentam nistagmo ou ataxia residuais (marcha festinante, de base alargada e com incapacidade de marcha pé-antepé) como sequelas a longo prazo (2, 32). A apatia, sonolência e confusão mental melhoram mais gradualmente.

À medida que estes sintomas cedem, pode tornar-se evidente um estado amnésico, pode progredir para PK. Uma vez estabelecida, a PK tem mau prognóstico. Destes apenas 25% recuperam completamente e 50% parcial-mente, com tiamina durante vários meses (57). Cerca de 80% fi ca com perturbação crónica da memória (lacunas, desorientação temporal e confabulação). As melhorias mnésicas podem ser progressivas e lentas (até 3 anos) mas geral-

A pronta instituição do tratamento pode modifi car o prognóstico.

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Prémio Ser Saúde/ISAVE

Contactos: ISAVE | Campus de Geraz - Quinta de Matos | Geraz do Minho4830-316 Póvoa de Lanhoso Telefone – 253.639.800 | Fax – 253.639.801Email - [email protected] | [email protected]

O ISAVE, Instituto Superior de Saúde do Alto Ave, com desejo de contribuir para o desenvolvimento da ciência e investigação em saúde, confere anualmente um prémio denominado Prémio Ser Saúde/ISAVE de ciência e investigação em saúde.

O Prémio, no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros), será atribuído ao melhor trabalho ou conjunto de trabalhos publicados durante 2006 e 2007 na Ser Saúde.

O vencedor do Prémio Ser Saúde/ISAVE será conhecido até 31 de Março de 2008.

O Prémio será entregue a 19 de Abril de 2008.

Júri do Prémio:Amílcar Falcão, Daniel Serrão, Maria Júlia Silva Lopes, Rui L. Reis, Susana Magadan

Regulamento em www.isave.pt

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Raquel Lourenço

Leonor Saúde

Licenciatura em Biologia pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia; aluna de doutoramento Universidade Nova de Lisboa / Instituto Gulbenkian de Ciência

Licenciatura em Biologia pela Universidade de Aveiro; doutoramento em Biologia do Desenvolvimento University College London; investigadora do Instituto Gulbenkian de Ciência e professora auxiliar convidada da Faculdade de Medicina de Lisboa

Simétricos por fora,Durante o desenvolvimento

embrionário dos organismos vertebrados o plano corporal vai

sendo formado segundo três eixos: o eixo antero-posterior (AP), segundo

o qual os órgãos são alinhados sequencialmente da cabeça aos

pés; o eixo dorso-ventral (DV), que distingue as costas do ventre; e o

eixo esquerdo-direito (ED), o qual defi ne o lado esquerdo e o direito.

Exteriormente não existem diferenças signifi cativas entre o lado esquerdo

e o lado direito do corpo dos vertebrados, pelo que se diz que estes organismos apresentam uma simetria

bilateral ao longo do eixo mediano (Capdevila et al, 2000). No entanto, é caso para dizer que as aparências

iludem. Na realidade, nas cavidades

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assimétricos por dentroé caso para dizer que as aparências iludem. Na realidade, nas cavidades toráxica e abdominal, os órgãos internos adquirem uma anatomia e disposição assimétricas no que diz respeito ao eixo mediano. A correcta disposição assimétrica dos órgãos é designada por situs solitus, não sendo esta uma disposição aleatória uma vez que é conservada entre indivíduos de uma mesma espécie (Fig.1A). No caso dos mamíferos, o coração, o estômago e o baço encontram-se no lado esquerdo, enquanto que o pulmão do lado direito apresenta mais lóbulos que o do lado esquerdo e o fígado um único lóbulo no lado direito (Capdevila et al, 2000; Casey and Hackett, 2000).

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Quando a disposição dos órgãos se processa de forma incorrecta

Durante a determinação do eixo esquer-do-direito podem por vezes ocorrer falhas (fi gura1). Se tal acontecer, estas irão induzir uma incorrecta coordenação do posiciona-mento dos vários órgãos (Capdevila et al, 2000; Casey and Hackett, 2000). Nos humanos, uma completa inversão da posição dos órgãos, apresentando estes uma imagem de espelho de si mesmos, ocorre com uma frequência de 1 para 2500 e designa-se por situs inversus (Fig.1D). Neste caso, como a posição relativa entre os órgãos não é alterada, as suas inter-conexões são estabelecidas de forma correcta não implicando problemas de saúde graves.

No entanto, nos casos em que há uma perda de assimetria (isomerismo), passando a haver dois lados direitos/esquerdos (Fig.1B,C), ou casos em que há inversão da posição de apenas alguns órgãos (heterotaxia) (Fig.1D), os mesmos estão associados a problemas graves de saúde (Capdevila et al, 2000; Casey and Hackett, 2000). A síndroma de Kartagener é uma associação clínica na qual ocorre uma inversão total ou parcial dos orgãos, estando associada a infecções crónicas a nível do tracto respiratório bem como infertilidade (Afzelius, 1976). Estudos efectuados em modelos animais vieram elucidar um pouco sobre a causa deste síndrome. Ratinhos mutantes inversum viscerum apresentam uma associação clínica idêntica a doentes que sofrem da síndroma

Durante o desenvolvimento embrionário dos organismos o eixo antero-posterior, segundo o qual os órgãos são alinhados

distingue as costas do ventre; e o eixo esquerdo-direito, o qual diferenças signifi cativas entre o lado esquerdo e o lado direito do

apresentam uma simetria bilateral ao

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Figura1. Esquema representativo da disposição interna dos órgãos em humanos. A) Situs

solitus, corresponde à disposição normal dos órgãos. O pulmão da direita apresenta três lóbu-

los enquanto que o da esquerda tem dois. O coração está direccionado para o lado esquerdo,

o estômago e baço encontram-se no lado esquerdo enquanto que o fígado no lado direito.

B) Isomerismo de direita, condição em que passam a existir dois lados direitos. O pulmão do

lado esquerdo passa a ter três lóbulos, o coração possui dois lados direitos, o fígado e estômago

adquirem uma posição mais central e o baço deixa de existir. C) Isomerismo de esquerda,

condição em que passam a existir dois lados esquerdos. O pulmão do lado direito passa a

ter dois lóbulos, o coração possui dois lados esquerdos, o fígado pode adquirir uma posição

mais central ou a normal, o estômago encontra-se numa posição central e, ou existem vários

baços ou um único baço apresenta vários lóbulos. D) Situs inversus, inversão completa do

posicionamento normal dos órgãos (Adaptado de Capdevila et al, 2000).

de Kartagener. Estes ratinhos apresentam problemas na organização dos órgãos e ainda ausência de mobilidade de estruturas desig-nadas por cílios (Supp et al, 1997). Os cílios são estruturas que se projectam da superfície das células (Fig.2A) e podem ser divididos em duas classes, imóveis e móveis, apresentando estes últimos na sua composição uma proteína motora designada dineína. Os ratinhos inver-sum viscerum apresentam mutações para genes que codifi cam esta proteína e por essa razão, cílios que deveriam ser móveis não apre-sentam mobilidade (Supp et al, 1997). Estes resultados vieram então sugerir uma ligação entre os cílios e o estabelecimento da assime-tria esquerda/direita. De facto, mutações desta proteína em humanos estão também associadas

a problemas de situs (Olbrich et al, 2002). Estes resultados permitiram ainda explicar o facto de na síndroma de Kartagener existir uma associação entre problemas de situs e infecções ao nível do tracto respiratório bem como problemas de infertilidade, uma vez que estes estão associados a uma perda de mobilidade dos cílios do sistema respiratório bem como dos espermatozóides, respectivamente.

De momento, uma das questões que se tenta então compreender no âmbito da biologia do desenvolvimento, é como é defi nida esta assimetria entre os lados esquerdo e direito, de modo a melhor compreendermos as suas implicações nos humanos.

vertebrados o plano corporal vai sendo formado segundo três eixos: sequencialmente da cabeça aos pés; o eixo dorso-ventral, que defi ne o lado esquerdo e o direito. Exteriormente não existem corpo dos vertebrados, pelo que se diz que estes organismos longo do eixo mediano.

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Figura3. Quebra da simetria e determinação dos lados esquerdo e direito.

Etapa1) Quebra da simetria perto ou no próprio organizador.

Etapa2) Início da expressão assimétrica de genes no organizador.

Etapa3) Transferência e manutenção da assimetria para a mesoderme da placa lateral.

Etapa4) Transferência da informação assimétrica para os primórdios dos órgãos, os quais vão adoptar a correcta confor-

mação (Adaptado de Raya et al, 2006).

Figura2. Localização e direcção do movimento dos cílios.

A) Células ciliadas presentes na região ventral do organizador de um embrião de coelho.

B) Esquema representativo da direcção do movimento dos cílios segundo uma trajectória no sentido dos ponteiros do

relógio. Esse movimento produz um fl uxo que é direccionado do lado direito para o esquerdo (Adaptado de Hirokawa

et al, 2006).

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Como é quebrada a simetria no início do desenvolvimento?

Cedo durante o desenvolvimento, os embriões adoptam uma simetria bilateral devido ao aparecimento de um eixo mediano longitudinal designado por linha primitiva. Na região mais anterior da linha primitiva forma-se um organizador, estrutura que deve o seu nome ao facto de quando transplantada para um tecido hospedeiro ter a capacidade de induzir um novo eixo mediano a partir do qual se estabelece um novo plano corporal. Pouco tempo depois, a simetria é quebrada e inicia-se a determinação dos lados esquerdo e direito. Este processo pode ser dividido em quatro etapas (Fig3): (1) quebra inicial da simetria perto ou no próprio organizador; (2) estabelecimento da expressão assimétrica de vários genes a nível do organizador; (3) transferência da expressão assimétrica para a mesoderme da placa lateral, região que irá contribuir para vários órgãos internos; e (4) transferência da informação posicional aos órgãos que se vão formar (Raya and Belmonte, 2006).

Na tentativa de se compreender o processo que induz a quebra da simetria, vários estudos genéticos bem como farmacológicos têm sido desenvolvidos nos últimos anos. Contudo, e apesar de se conhecerem cada vez melhor os componentes que integram o processo que conduz à assimetria esquerda/direita, ainda se desconhece como este é iniciado nos embriões de vertebrados e até que ponto é um mecanismo conservado.

De momento, uma das questões que se tenta então compreender no âmbito da biologia do desenvolvimento, é como é defi nida esta assimetria entre os lados esquerdo e direito, de modo a melhor compreendermos as suas implicações nos humanos.

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Diferenças na quebra da simetria noutros vertebrados

A presença de cílios no organizador tem sido confi rmada em todos os vertebrados estudados até à data (Essner et al, 2002). No entanto, o fl uxo direccional por eles criado não parece ser o mecanismo iniciador da assi-metria em todos eles. De facto, em embriões de galinha, rã e peixe-zebra, o primeiro indício de assimetria consiste numa diferença de acti-vidade de uma bomba de iões H+/K+ entre os lados esquerdo e direito, a qual é estabelecida antes do aparecimento dos cílios (Kawakami et al, 2005; Levin et al, 2002). Em resposta ao estabelecimento de diferentes gradientes, verifi ca-se uma acumulação de pequenas moléculas iónicas em apenas um dos lados, em que possíveis candidatos incluem iões Ca2+. A inibição desta bomba de iões resulta numa perturbação da disposição interna dos órgãos, bem como numa randomização na expressão de genes que apenas deveriam ser expressos num dos lados do embrião. Estes resultados confi rmam assim a importância desta bomba de iões no estabelecimento da assimetria esquerda/direita.

Importância dos cílios na quebra da simetria em embriões de ratinho

Uma vez sugerida a participação dos cílios e do organizador no estabelecimento da assi-metria esquerda/direita em vertebrados, foi determinada a presença de cílios nesta estru-tura embrionária. De facto, concluiu-se que os cílios estão presentes na região ventral do organizador e ainda que estes apresentam um movimento rotativo no sentido dos ponteiros do relógio (Fig.2B) (Nonaka et al, 1998; Okada et al, 1999). Este movimento é responsável por criar um fl uxo de fl uído extra-celular direccionado apenas para o lado esquerdo. Em consequência deste fl uxo direccional, dá-se a acumulação de moléculas no lado esquerdo do embrião. Desta forma será feita a activação de uma via de sinalização que confere identi-dade ao lado esquerdo, em oposição ao lado direito.

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Na tentativa de se compreender o processo que induz a quebra da simetria, vários estudos genéticos bem como farmacológicos têm sido desenvolvidos nos últimos anos. Contudo, e apesar de se conhecerem cada vez melhor os componentes que integram o processo que conduz à assimetria esquerda/direita, ainda se desconhece como este é iniciado nos embriões de vertebrados e até que ponto é um mecanismo conservado.

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Cascata de genes responsáveis por transmitir informação posicional

Uma vez quebrada a simetria, a informação que especifi ca a lateralidade do embrião tem de ser transmitida a todas as células, de modo a que estas “saibam” em que lado do embrião se encontram. Nesta fase do desenvolvimento a proteína Notch é responsável pela activação assimétrica de genes no organizador, os quais vão transmitir a informação que especifi ca a lateralidade do embrião. Esta informação é transferida para a mesoderme da placa lateral esquerda, induzindo a expressão assimétrica do gene nodal (Fig.4) (Krebs et al, 2003; Raya et al, 2003; Raya et al, 2004). Em humanos, mutações neste gene são responsáveis por algumas das malformações que surgem na formação do eixo esquerdo/direito (Casey, 1998). A sua expressão expande-se ao longo do eixo AP, sendo responsável pela regulação do gene pitx2, que estabiliza a identidade das células do lado esquerdo (Fig.4). Ao contrário de outros genes específi cos desse lado, o pitx2 continua a ser expresso durante a formação dos primórdios dos órgãos, estando presente no lado esquerdo do primórdio do coração, do estômago e dos pulmões (Logan et al, 1998; Piedra et al, 1998). Ratinhos mutantes para este gene apresentam isomerismo de direita a nível dos pulmões (Gage et al, 1999).

Esta cascata de genes culmina então com a indução dos primórdios dos órgãos na aquisi-ção da morfologia correcta, sendo conservada em todos os vertebrados estudados até à data.

Figura 4. Cascata genética, conservada em vertebrados,

responsável pela determinação dos lados esquerdo e

direito. A quebra da simetria resulta na expressão assi-

métrica do gene nodal na mesoderme da placa lateral

esquerda. A sua expressão é regulada pelo gene lefty2, ao

nível da mesoderme da placa lateral esquerda, e pelo

gene lefty1, ao nível da linha mediana. O gene nodal é

responsável pela indução do gene pitx2, o qual por sua

vez é expresso nos primórdios dos órgãos (Adaptado de

Hamada et al, 2002).

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Restrição de genes assimétricos aos respectivos domínios de expressão

A regulação da activação de genes é um dos pontos críticos durante a defi nição da late-ralidade do embrião. Genes apenas activados num dos lados têm de ser confi nados ao seu domínio de expressão, uma vez que, sendo expressos no lado errado induzem problemas de lateralidade dos órgãos. Um dos níveis de regulação comum a todos os vertebrados destaca-se ao nível da linha mediana, onde o gene lefty1 é necessário para manter a inte-gridade das estruturas axiais (Fig.4) (Meno et al, 1998). Estas funcionam como uma barreira, impedindo a difusão contra-lateral de sinais assimétricos. Ratinhos mutantes para este gene apresentam uma randomização na expressão de genes específi cos do lado esquerdo e, consequentemente, isomerismo de esquerda ao nível toráxico. Um outro nível de regulação é executado na mesoderme da placa lateral esquerda, através do gene lefty2 (Fig.4). Este regula o domínio de expressão do nodal ao longo do eixo AP, impedindo-o de se expandir para além da mesoderme da placa lateral esquerda (Meno et al, 1998).

Partilha de vias de sinalizaçãoVárias vias de sinalização responsáveis por

transferir a informação de lateralização são também importantes noutros processos. É interessante constatar que um destes processos consiste na formação dos sómitos, uma vez que estes são estruturas bilateralmente simétricas à linha mediana. Formam-se de acordo com um processo de segmentação da mesoderme pré-somítica ao longo do eixo AP, dando origem ao esqueleto axial e músculos esqueléticos. Este processo depende da expressão cíclica de genes ao longo da mesoderme pré-somí-tica, os quais fazem parte de um relógio de segmentação que é regulado pelas vias Notch e Wnt (Fig.5) (Freitas et al, 2005).

Desta forma, além de ter um papel rele-vante na activação de genes apenas no lado esquerdo do organizador, a via de sinalização Notch intervém igualmente num processo que decorre de forma simétrica entre ambos os lados do embrião.

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Novos coordenadores do estabelecimento da assimetria e simetria

Quer a criação de uma assimetria entre os lados esquerdo e direito da mesoderme da placa lateral, como a manutenção da simetria na mesoderme pré-somítica, são processos extremamente importantes para o estabele-cimento do plano corporal. Recentemente foi descrito que o ácido retinóico (derivado da vitamina A) assegura a formação simétrica dos sómitos, impedindo que a informação de lateralidade infl uencie este processo (Vermot and Pourquié, 2005; Vermot et al, 2005). Em humanos, sabe-se que uma exposição a ácido retinóico durante o período de gestação pode induzir defeitos de lateralização (Casey and Hackett, 2000). Pouco tempo depois foi também demonstrado que um gene desig-nado terra desempenha igualmente um papel importante em ambos os processos (Saúde et al, 2005). A ausência de terra induz uma dessincro-nização nas oscilações dos genes cíclicos entre ambos os lados da mesoderme pré-somítica, daí resultando a formação extra de um sómito num dos lados. Por outro lado, induz também uma randomização da expressão de genes assi-métricos bem como da posição do coração. Desta forma, o terra é necessário para regular o estabelecimento da assimetria entre os lados esquerdo e direito e ainda para garantir que a formação dos sómitos decorra de forma simétrica.

Apesar de ainda não

conhecermos o mecanismo

responsável pela quebra da

simetria, estamos agora muito

mais perto de o descobrirmos.

O uso de diferentes modelos

biológicos irá permitir-nos

perceber se diferentes espécies

adoptaram diferentes formas

de criar a assimetria ou se, por

outro lado, o mecanismo foi

conservado e apenas apresenta

algumas diferenças entre

espécies. Muitos dos genes que

participam neste processo foram

já identifi cados e estudados,

tendo sido demonstrado o

envolvimento de alguns deles

em síndromes humanos,

relacionados com uma má

formação do eixo esquerdo/

direito. Desta forma, um melhor

entendimento de todo este

processo irá contribuir para que

um dia se venha a compreender

melhor o desenvolvimento

de más formações do plano

corporal dos humanos.

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Muito para descobrirApesar de ainda não conhecermos o mecanismo responsável pela quebra da simetria, estamos

agora muito mais perto de o descobrirmos. O uso de diferentes modelos biológicos irá permitir-nos perceber se diferentes espécies adoptaram diferentes formas de criar a assimetria ou se, por outro lado, o mecanismo foi conservado e apenas apresenta algumas diferenças entre espécies. Muitos dos genes que participam neste processo foram já identifi cados e estudados, tendo sido demonstrado o envolvimento de alguns deles em síndromas humanos, relacionados com uma má formação do eixo esquerdo/direito. Desta forma, um melhor entendimento de todo este processo irá contribuir para que um dia se venha a compreender melhor o desenvolvimento de más formações do plano corporal dos humanos.

Figura 5. Esquema de um embrião de galinha. Um par

de sómitos forma-se de forma simétrica, relativamente

às estruturas medianas, na região anterior da mesoderme

pré-somítica. Este processo depende das vias de sinaliza-

ção Notch e Wnt, as quais regulam a expressão de genes

cíclicos na região da mesoderme pré-somítica.

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Enfermeiro graduado. Centro de Saúde de Braga – Unidade de Saúde do Carandá. Responsável pela Assistência Domiciliária de Enfermagem ([email protected])

Enfermeira graduada. Centro de Saúde de Braga – Unidade de Saúde do Carandá

Enfermeira graduada. Pós-Graduação em Enfermagem de Emergência. Centro de Saúde de Braga – Unidade de Saúde do Carandá

Gustavo Afonso

Lara Costa

Marta Miranda

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IntroduçãoAs úlceras arteriais representam 10 a 25%

da totalidade das úlceras vasculares.4,5

Resultam de um défi ce no aporte sanguí-neo que aumenta a vulnerabilidade cutânea nos membros inferiores (MI) à ulceração.

Estas úlceras são sinal de patologia arterial severa e mau prognóstico da mesma segun-da a história natural da doença.

São mais frequentes nos homens com mais de 50 anos de idade. Nas mulheres surgem quase sempre acima dos 65 anos, tendência que tem vindo a decrescer por aumento dos hábitos tabágicos entre o sexo feminino, factor de risco com maior preponderância para o desenvolvimento desta patologia.

A etiopatogenia da doença é rapidamente degenerativa obrigando a custos socio-económicos elevados para o seu tratamento e, se este não for instituído em tempo útil, as consequências podem ser dramáticas conduzindo muitas vezes à fatalidade de uma amputação cirúrgica dos membros inferiores.

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EtiopatogeniaA circulação arterial dos MI é proveniente

da aorta abdominal que se bifurca nas artérias ilíacas comuns. De cada uma resulta a artéria femoral comum que se divide em femoral profunda e femoral superfi cial. Esta dá origem à artéria poplítea que se divide, mais distal-mente, em artéria tibial anterior (que origina a artéria pediosa) e no tronco tíbio-peroneal que, por último, se divide nas artérias tibial posterior e peroneal.4

A Aterosclerose é a causa mais frequente da patologia arterial, originando cerca de 90% dos casos de isquemia crónica dos MI. Esta é uma doença infl amatória e degenerativa dos grandes vasos em que ocorre deformação, perda de elasticidade das paredes arteriais e deposição de placas ateromatosas nas mesmas. Destes fenómenos fi siopatológicos resulta um estreitamento do lúmen arterial com dimi-nuição do fl uxo sanguíneo e consequente isquemia tecidular. Assim, a pele torna-se mais vulnerável a pequenos traumatismos sendo estes muitas vezes os factores desencadeantes de uma úlcera isquémica.

Os factores de risco que contribuem com maior relevância para o aparecimento da patologia arterial são o tabagismo, diabetes, hipertensão arterial (HTA) e dislipidémias.3,6

As úlceras arteriais representam 10 a 25% da totalidade das úlceras vasculares… São mais frequentes nos homens com mais de 50 anos de idade. Nas mulheres surgem quase sempre acima dos 65 anos, tendência que tem vindo a decrescer por aumento dos hábitos tabágicos entre o sexo feminino, factor de risco com maior preponderância para o desenvolvimento desta patologia.

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Sinais e sintomasAs úlceras arteriais são mais frequentes nos

homens e com idade superior a 50 anos.

O sinal mais característico é a claudica-ção intermitente, que consiste numa dor muscular localizada no MI abaixo da cavidade poplítea que surge com a marcha, aumenta com a velocidade e com a distância percorri-da. Há, portanto, uma intolerância ao exercício físico que obriga o doente a parar a marcha sendo o bastante para aliviar a dor. Isto aconte-ce porque o sistema arterial tem a capacidade de criar uma circulação colateral sendo esta a sufi ciente para irrigar os territórios afectados pela obstrução arterial.1

Quando há dor em repouso este é já um sinal indicativo de patologia arterial em fase avançada (estadio III da escala de Fontaine). 4,5

É comum esta dor acentuar-se à noite, em decúbito, e aliviar com a posição ortos-tática.

Os pulsos distais estão diminuídos ou ausentes.

A pele do MI apresenta palidez, ausência de pêlos, unhas espessas e fria ao toque.

As úlceras arteriais (estádio IV da escala de Fontaine) são muito dolorosas e surgem no terço inferior da perna, principalmente nos dedos e proeminências ósseas. São pequenas, de forma circular com bordos bem defi nidos, profundas e com tendência para a predominância do tecido necrosa-do.2,7 (Fotos 1 e 2).

Escala de Fontaine

• Estadio I: Insufi ciência arterial assintomática.

• Estadio II: Claudicação intermitente.

IIa: Claudicação intermitente com distâncias superiores a 150 m;

IIb: Claudicação intermitente com distâncias inferiores a 150 m.

• Estadio III: Dor em repouso.

• Estadio IV: Transtornos trófi cos e gangrena.

Fotos 1 e 2: Úlceras arteriais.

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Diagnóstico diferencialPara estabelecer o diagnóstico, a anamnese

deve contemplar os antecedentes familiares e pessoais estudando com particular ênfase os factores de risco. Ao efectuar o exame físico, é de importância vital a palpação dos pulsos (femorais, poplíteos, tibiais e pediosos) e o despiste de sinais e sintomas indicativos de arteriopatia. (Fotos 3 e 4).

Relativamente aos exames complementares de diagnóstico, aqueles com maior relevância neste âmbito são: a Determinação do IPTB (Índice de Pressão Tornozelo/ Braço), o Eco-Doppler e a Arteriografi a.4,8

A determinação do IPTB é feita através de um doppler portátil com o qual são avaliadas as pressões sistólicas maleolar e radial. O IPTB é um valor numérico calculado dividindo o valor da pressão sistólica maleolar pelo valor da pressão sistólica radial. Quanto menor for o

valor da pressão sistólica maleolar, menor é o IPTB e maior a probabilidade de arteriopatia do MI. (Fotos 5 e 6).

Este exame tem como vantagens ser não invasivo, fi ável e de fácil execução, podendo ser realizado em ambulatório e no domicílio.

As contra-indicações referem-se a fl ebites, suspeita de trombose venosa superfi cial ou profunda e quando a úlcera está localizada no local de colocação da sonda.

A análise do IPTB nos doentes diabéticos deve ser cuidadosa uma vez que, devido à calci-fi cação das paredes das artérias, estas tornam-se incompressíveis, o que origina valores de pressão sistólica maleolar muito elevados e, consequentemente, a valores de IPTB “falsos positivos” (exemplo, IPTB > 1,3).

Fotos 3 e 4: Palpação dos pulsos pedioso e tibial posterior. Fotos 5 e 6: Determinação do IPTB.

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O eco-doppler é um método diagnóstico não invasivo que permite, em tempo real, a visualização de imagens cada vez mais perfeitas em termos anatómicos, o estudo da morfologia dos vasos e do fl uxo sanguíneo nos mesmos.

A arteriografi a permite a visualização do sistema arterial e a localização de possíveis obstruções. Tem como inconveniente ser um exame invasivo e o potencial risco de reacções adversas ao produto de contraste (caso dos contrastes iodados). (Fotos 7 e 8).

• O doente deve estar deitado pelo menos 15 minutos antes do exame.

• Avaliar a pressão sistólica radial:• Colocar a braçadeira do esfi gmomanómetro no MS.• Colocar gel condutor na posição da artéria radial.• Colocar a sonda no mesmo local, onde se iden-tifi car o som mais audível, num ângulo de 45º, sem pressionar.• Insufl ar a braçadeira até deixar de se ouvir o som.• Desinsufl ar lentamente.• O primeiro som audível corresponde à pressão sistólica.• Efectuar o mesmo procedimento no outro MS.• Seleccionar o valor mais alto.

• Avaliar a pressão maleolar:• Colocar a braçadeira do esfi gmomanómetro no MI ligeiramente acima dos maléolos.• Colocar gel condutor na posição da artéria tibial posterior ou na artéria pediosa dorsal.• Colocar a sonda no mesmo local, onde se iden-tifi car o som mais audível, num ângulo de 45º, sem pressionar.• Insufl ar a braçadeira até deixar de se ouvir o som.• Desinsufl ar lentamente.• O primeiro som audível corresponde à pressão sistólica.

Procedimento

Fotos 7 e 8: Exames auxiliares de diagnóstico

(eco-doppler e arteriografi a).

• IPTB> 1: Normal ou ausência de patologia arterial.

• IPTB = 0,8 a 1: Patologia arterial periférica leve.

• IPTB = 0,5 a 0,8: Claudicação intermitente.

• IPTB <0,5: Patologia arterial severa. Obrigatória referenciação urgente para cirurgia vascular.

Avaliação dos Resultados

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TratamentoO tratamento é fundamentalmente cirúr-

gico. Quando diagnosticada arterio patia, o doente deve ser referenciado para a espe-cialidade de cirurgia vascular para possível revascularização por angioplastia ou by-pass.2

No que diz respeito ao tratamento local das úlceras arteriais, podem ser aplicados os princípios de tratamento de feridas em meio húmido (temática abordada no número 1 desta publicação – “Abordagem da Ferida Crónica – Tratamento Local”) com a excepção do desbridamento, que está contra-indicado. No caso de feridas com necrose, deve-se promo-ver a formação de necrose seca através da aplicação de iodopovidona com a fi nalidade da auto-amputação das zonas necrosadas.2,8

Deve efectuar-se limpeza da ferida com soro fi siológico sem provocar traumatismo e hidratar e proteger a pele peri-lesional.

No sentido de evitar o aparecimento de úlceras arteriais e reduzir as consequências e

tempo de cicatrização das existentes, devem ser adoptados alguns cuidados preventivos: 4

• Controlo dos factores de risco (tabagismo, diabetes, hipertensão arterial e dislipidémias);

• Realizar exercício físico moderado, sendo a caminhada o mais indicado;

• Cuidados higiénicos adequados;

• Inspecção diária dos pés e periodicamente por um profi ssional de saúde;

• Hidratação da pele;

• Elevar 10 a 15 cm a cabeceira da cama;

• Evitar a pressão da roupa da cama sobre os pés;

• Recorrer a um profi ssional de saúde no caso de claudicação intermitente ou dor nos MI em repouso e aquando do aparecimento de uma úlcera.

Foto 9: MI após cirurgia de revascularização.

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ConclusãoA doença aterosclerótica constitui-se como

a causa mais frequente da patologia arterial dos membros inferiores.

A claudicação intermitente é o sinal mais importante da arteriopatia dos membros inferiores e já indicativa de obstrução arterial avançada. A evolução da claudicação, geral-mente rápida, agrava-se até ao aparecimento da dor em repouso obrigando à colocação dos membros inferiores em declive para alívio da mesma. A isquemia é severa quando surgem lesões trófi cas como a ulceração e necrose muito frequente nos dedos dos pés.

O conhecimento integral da patologia e das suas diferentes manifestações clínicas é fundamental. Isto porque a morbi-mortali-dade causada pela arteriopatia exige rapidez na instituição de medidas profi lácticas e tera-pêuticas idealmente a implementar em fases moderadas da doença, altura em que a resposta ao tratamento, sendo este fundamentalmente cirúrgico, é a melhor.

Aterosclerose é a causa mais frequente da patologia arterial, originando cerca de 90% dos casos de isquemia crónica dos membros inferiores. Esta é uma doença infl amatória e degenerativa dos grandes vasos em que ocorre deformação, perda de elasticidade das paredes arteriais e deposição de placas ateromatosas nas mesmas.

Bibliografi a1.ARAÚJO, L., GUIMARÃES, A.V. (2003). “Isquemia dos

membros inferiores” in Pitta GBB, Castro AA, Burilan E, edito-

res. Angiologia e Cirurgia vascula: guia ilustrado. Maceió, Brasil.

2.BARANOSKI, S., AYELLO, E., (2004). O essencial sobre

o tratamento de feridas. Lusodidacta. Loures, Portugal. ISBN

972-8930-03-8.

3. FURTADO, Kátia, “Úlceras de perna – tratamento baseado na

evidência” in Nursing nº 176, Abril 2003, pág.35 - 42.

4. Grupo de Trabajo sobre Úlceras vasculares de la A. E. E. V.

VALENZUELA, A. R. (coord). (2004). Consenso sobre úlceras

vasculares y pie diabético de la Asociación Española de Enfermería

Vascular(A.E.E.V.). Espanha.

5. Grupo Nacional Para El Estudio Y Asesoramiento En

Úlceras Por Presión Y Heridas Crónicas. TORRA I BOU e

SOLDEVILLA (coord). (2004). Atención integral de las heridas

crónicas. Madrid, Espanha. ISBN 84 – 95552-18-3.

6. MIGUÉNS, Cristina, “Diagnóstico diferencial da úlcera de

perna” in Nursing nº 213, Setembro 2006, pág.26 - 30.

7. SOLDEVILLA, J, Javier. (1998). Guia práctica en la atención

de las úlceras de piel. 4.ª edição, Madrid, Espanha, ISBN: 84

– 7391 – 212 – 8.

8. Sub-Grupo Hospitalar dos Capuchos/Desterro – Grupo

de Trabalho de Feridas Crónicas nos Membros Inferiores,

Recomendações para o Tratamento Ambulatório de Úlceras

de perna venosas e mistas, 1ª edição, Lisboa, Portugal, 2000.

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• Idade: 51 anos.

• Sexo: Masculino.

• Patologias e factores de risco associa-dos: tabagismo intenso, dislipidemia, HTA, arteriopatia obstrutiva dos MIs.

• Localização: Terço inferior interno do M.I.E.

• IPTB = 0,69 (após cirurgia de revasculari-zação em 02/02/06).

• Tempo de evolução: 3 meses.

• Tratamento anterior: iodopovidona, sulfadiazina de prata.

• Duração deste tratamento: 25 semanas.

Tratamento:

De 15/02/2006 a 02/05/2006: aplicação de hidrogel + hidropolímero inicialmente 3x/semana passando a 2x/semana (total de 27 tratamentos).

De 02/05/2006 a 23/05/2006: sinais clínicos de infecção. Aplicação de hidroalginato com prata 3x/semana (total de 9 tratamentos).

De 23/05/2006 a 14/08/2006: aplicação de hidropolímero 2x/semana (total de 24 trata-mentos).

CA

SOS

CLÍ

NIC

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Caso 1

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Caso 2

• Idade: 84 anos.

• Sexo: Feminino.

• Patologias e factores de risco associa-dos: HTA, antecedentes de AVC.

• Localização: 3º dedo do pé esquerdo.

• IPTB = 0,9.

• Duração deste tratamento: 17 semanas.

Tratamento:

De 08/02/2005 a 08/06/2005: aplicação diária de iodopovidona.

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Para submeter os trabalhos/artigos para publicação,envie-os para:

Ser SaúdeQuinta de Matos – Geraz do Minho4830-316 Póvoa de Lanhoso

[email protected]@gmail.com

Revista bimestral deciência e investigaçãoem saúde

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Psicóloga na Unidade Oncologia, Hospital Reynaldo dos Santos, Vila Franca de Xira, Mestre em Cuidados Paliativos

Helena Salazar

Necessidades dos doentes em Cuidados

Paliativos

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“When you have a potentially terminal disease, it concentrates the mind wonderfully. It gives a new intensity to life. You discover how many things taken for granted, the love of your spouse, the Beethoven symphony, the dew of the rose, the laughter on the face of your grandchild”.

(Perante uma potencial doença terminal, a nossa mente age de uma forma maravilhosa. A vida ganha uma nova intensidade. Descobrimos o valor das coisas importantes, o amor da nossa esposa, uma sinfo-nia de Beethoven, o desabrochar de uma rosa, o sorriso no rosto do nosso neto).

Arcebispo Desmond Tutu (Prémio Nobel da Paz 1984)

As necessidades do doente em Cuidados Paliativos são tão específi cas quanto singular é cada pessoa. Requerem uma atenção integral para poder aceitar o adoecer progressivo para uma fase terminal e viver a vida que ainda possa ter com a maior dignidade e qualidade possível.

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Em linguagem corrente o conceito de necessidades reporta-nos para algo de que precisamos e que nos é imprescindível, um desejo, uma aspiração. Quando se fala em necessidades, associamos a este conceito a noção de valor, pois cada pessoa atribui um signifi cado diferente, “seu”, ao que é desejá-vel.

A necessidade de um indivíduo, de um grupo ou de um sistema é a existência de uma condição não satisfeita, necessária para lhe permitir viver e funcionar nas condi-ções normais, realizar-se ou atingir os seus objectivos. A satisfação de certas necessidades humanas é indispensável à sobrevivência, ao crescimento, desenvolvimento e bem-estar do ser humano.

É a partir do conhecimento das neces-

sidades que se defi ne a intervenção para a sua satisfação, que decorre de uma resposta favorável que a pessoa obtém. Kurt Lewin, nas suas investigações sobre o comportamento humano, relativamente à motivação diz que “Toda a necessidade cria um estado de tensão no indivíduo, uma predisposição à acção sem nenhuma direcção específi ca. Se surge uma barreira, ocorre uma frustração pelo não alcance do objectivo provocando aumento de tensão e levando a um comportamento mais desorganizado.”

Mas, as necessidades não se apresentam de forma standard face à mesma situação poden-do ser consideradas de situacionais. Cada indivíduo poderá perceber uma necessidade, ou senti-la, de forma diferente, em função do juízo humano, dos valores e das interacções que se estabelecem num dado contexto.

O cancro pode ser olhado como uma doença incurável e progressiva estando-lhe associados períodos de estabilidade alternados com outros de descompensação, conduzindo para uma deterioração irreversível, incapacidade funcional e dependên-cia geralmente total, originando necessidades específi cas.

O doente com cancro em fase avançada de doença é um indivíduo com múltiplas necessidades, a nível biológico, psicológico, espiritual e familiar. As necessidades do doente em Cuidados Paliativos são tão específi cas quanto singular é cada pessoa. Requerem uma atenção integral para poder aceitar o adoecer progressivo para uma fase terminal e viver a vida que ainda possa ter com a maior dignidade e qualidade possível. Tal só é possível com a prática efectiva dos Cuidados Paliativos, o que implica treino, um trabalho em equipa e uma atenção continuada e individualizada, onde a comunicação é uma estratégia única.

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93Maslow considera uma necessidade básica

quando a sua ausência produz doença, a sua presença evita a doença, a sua restauração cura a doença, sob certas condições é preferida pela pessoa carente em detrimento de outras satisfações. O autor identifi ca as necessidades básicas como:

- fi siológicas;

- protecção, segurança;

- sentido de pertença, amizade, amor;

- respeito, estima, aprovação, dignidade, respeito por si próprio;

- liberdade para o desenvolvimento máximo dos próprios talentos e capaci-dades, autenticidade.

A pessoa é assim um todo complexo que apresenta necessidades fundamentais, são elas: respirar, beber e comer, eliminar, movimen-tar-se e manter a postura corporal, dormir e repousar, vestir-se e despir-se, manter a tempe-ratura do corpo nos limites normais, estar limpo, cuidado, evitar os perigos, comunicar com os seus semelhantes, praticar a sua religião ou agir segundo as suas crenças, ocupar-se de forma a sentir-se útil, divertir-se e aprender.

Estudos mostraram que uma comunicação efi caz, o envolvimento do doente na tomada de decisão e uma resposta às emoções permitem reduzir a morbilidade psicológica nos doentes com cancro. Estes benefícios dependem da capacidade da equipa de profi ssionais de saúde para detectarem o desejo de informação e a necessidade de suporte emocional por parte do doente.

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O estudo destas necessidades fundamentais revela que, aquelas que à primeira vista pare-cem derivar da biologia humana (idade, sexo, herança genética) e da fi siologia (função dos órgãos) comportam também importantes dimensões psico-socioculturais.

Tendo em conta que o cancro pode ser uma doença incurável e progressiva estão-lhe associados períodos de estabilidade alternados com outros de descompensação, conduzindo para uma deterioração irreversível, incapacida-de funcional e dependência geralmente total, originando necessidades específi cas.

O doente, principalmente o doente oncoló-gico em cuidados paliativos, tem necessidades especiais e particulares. Em qualquer dos casos, têm necessidades sociais, espirituais e religio-sas.

David Kessler, em 2001, defi niu 16 princí-pios, a que chamou de As necessidades do Moribundo:

1- A necessidade de ser tratado como um ser humano;

2 - A necessidade de manter o sentido da esperança, mesmo havendo a mudança do seu foco;

3 - A necessidade de ser cuidado por cuida-dores que mantenham esperança;

4 - A necessidade de expressar sentimentos e emoções sobre a morte;

5 - A necessidade de participar na tomada de decisões que digam respeito aos seus cuida-dos;

6 - A necessidade de serem cuidados por pessoas com compaixão, sensibilidade e conhecimentos;

7 - A necessidade de esperar ter continuida-de de cuidados, mesmo que estes mudem de

curativos para cuidados de conforto;

8 - A necessidade de ter todas as perguntas respondidas de forma honesta e completa;

9 - A necessidade de procurar espiritualida-de;

10 - A necessidade de ter controlada a dor;

11 - A necessidade de expressar sentimentos e emoções sobre a dor;

12 - A necessidade das crianças participarem na morte;

13 - A necessidade de compreender o processo de morrer;

14 - A necessidade de morrer em paz e dignidade;

15 - A necessidade de morrer acompanha-do;

16 - A necessidade de esperar que o corpo seja respeitado pós-morte.

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Assim, o doente com cancro em fase avan-çada de doença é um indivíduo com múltiplas necessidades, a nível biológico, psicológico, espiritual e familiar. As necessidades do doente em Cuidados Paliativos são tão específi cas quanto singular é cada pessoa. Requerem uma atenção integral para poder aceitar o adoecer progressivo para uma fase terminal e viver a vida que ainda possa ter com a maior dignida-de e qualidade possível. Tal só é possível com a prática efectiva dos Cuidados Paliativos, o que implica treino, um trabalho em equipa e uma atenção continuada e individualizada, onde a comunicação é uma estratégia única.

Um outro autor, Suarez, refere que o doen-te terminal apresenta necessidades fi siológicas, psicológicas, socioculturais e espirituais.

Relativamente às necessidades fi siológicas, o doente precisa de uma atenção médica e de enfermagem minuciosa em relação a todos os aspectos biológicos.

É muito importante tranquilizar, assegu-rando que se fará todo o possível para aliviar os sintomas que o possam perturbar. Com

frequência, é necessário proceder passo a passo, em vez de procurar o alívio imediato e total de todos os sintomas. Um bom controlo a nível físico produz um aumento de bem-estar dos doentes.

Já Cicely Saunders, em 1965, escreveu de forma particular sobre a importância do alívio da dor nos doentes em fase terminal.

A dor é um aspecto importante, mas o medo da dor e o sofrimento parecem ter um impacto tão importante como a dor em si.

Relativamente às necessidades psicológicas, sabemos que a doença provoca um caos no mundo interior de quem está doente, que se encontra de repente frente a algo que não pode dominar. Se é particularmente grave, o doente começa a interiorizar e a fazer perguntas sobre o sentido da vida, a dor e a morte e sobre quem são os que o podem ajudar a procurar respostas as essas perguntas. As necessidades psicológicas do doente com cancro avançado são numerosas: sentimento de segurança, desejo de sentir que necessitam dele e que não é um peso, expressões de afecto,

Os doentes em cuidados paliativos sentem relutância em falarem com profi ssionais de saúde que mostrem falta de interesse, que não estejam receptivos ou mostrem grande ansiedade face ao questionado. Paradoxalmente, os doentes fi cam preocupados com os profi ssionais de saúde e tendem a evitar discutir o que sabem que os perturba.

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contacto humano, explicações dos sintomas e a natureza da doença, oportunidade de falar sobre o processo de morte, socialização, a participação na tomada de decisões, espe-cialmente quando vai tendo um aumento da dependência física, oportunidade de dar e receber, comunicação sincera com a família e com outros que tenham a cargo o seu cuidar e confi ança de que está recebendo a melhor prestação de cuidados possível.

Estudos mostraram que uma comunicação efi caz, o envolvimento do doente na tomada de decisão e uma resposta às emoções permitem reduzir a morbilidade psicológica nos doentes com cancro. Estes benefícios dependem da capacidade da equipa de profi ssionais de saúde para detectarem o desejo de informação e a necessidade de suporte emocional por parte do doente.

Muitos não tornam conhecidas as suas preocupações senão fi zermos as perguntas especifi cas para as mesmas e, a menos que estas sejam reconhecidas e atendidas, será em geral impossível dar um adequado tratamento à dor e outros sintomas.

Miller, Pittman e Strong, em 2003, referiram num estudo que as necessidades psicológicas referidas pelos doentes são: sentirem-se nervo-sos, estarem preocupados, medo, necessidade de alguém com quem falar, tristeza e perda de controlo. Uma percentagem de 59% dizem que os profi ssionais de saúde deviam perguntar se necessitam de ajuda nas questões espirituais,

61% que deviam perguntar se necessitam de ajuda para iniciarem diálogo com a família sobre tópicos difíceis e a maioria quer que os profi ssionais de saúde tenham um papel activo no lidar com as necessidades psicossociais.

Estamos tão acostumados a interessar-mo-nos quase exclusivamente pelos seus problemas físicos por falta de tempo, intimi-dade ou receio, que muito raramente ocorre perguntar: “Tem-se sentido triste, preocupado, ansioso?”, “Como estão os seus familiares?”, “Como ocupa o seu dia?”, etc. Desta forma, não é surpreendente que padeçam de graves problemas de ansiedade e depressão que não são olhados convenientemente.

Os doentes em cuidados paliativos sentem relutância em falarem com profi ssionais de saúde que mostrem falta de interesse, que não estejam receptivos ou mostrem grande ansie-dade face ao questionado. Paradoxalmente, os doentes fi cam preocupados com os profi ssio-nais de saúde e tendem a evitar discutir o que sabem que os perturba.

Elisabeth Kübler-Ross, psiquiatra que desen-volveu o seu trabalho em Chicago, estabeleceu uma relação terapêutica com mais de 400 pessoas doentes em fase terminal e estabeleceu que cada indivíduo reage de forma diferente quando confrontado com uma doença fatal. Defi niu assim as ainda hoje consideradas fases de reacção psicológica: negação, zanga, nego-ciação, depressão e aceitação.

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Os seus estudos mostraram que surpreen-dentemente uma percentagem elevada de doentes sabem que estão a morrer, mas conti-nuamos a ter muitos profi ssionais de saúde que expressam ansiedade e falta de formação para abordarem aspectos inerentes ao processo de morrer.

Kübler-Ross, em 1970, descreveu esta depressão como uma ferramenta essencial para lidar com a eminente perda de objectos queridos e um degrau para facilitar a última fase de aceitação. A depressão deve ser vista como apropriada e compreendida. A pres-crição de anti-depressivos será justifi cada se a depressão assumir proporções extremas.

É importante que se “saiba estar” antes de se “saber actuar” com o doente, para conhecer melhor as suas esperanças, difi culdades e histó-ria. Isto permitirá ajudar melhor.

O doente requer que alguém o escute, o apoie, lhe permita expressar o seu afecto, necessita de sentir-se amado e aceite, compre-endido, acolhido e acompanhado nos seus últimos momentos. Agradecerá indicações claras, compreensíveis e credíveis do que o espera nos últimos dias, assim como sobre a forma como se controlará e prevenirá as suas perturbações. Tudo isto contribui para que o doente mantenha um elevado nível de auto-confi ança e permite que participe no processo de tomada de decisão.

As visitas periódicas e a atitude positiva face ao doente são factores essenciais para uma atenção psicológica efi caz, como também o são uma boa comunicação entre o pessoal da equipa de saúde, o doente e a sua família.

Oliveira diz que “As necessidades psico-lógicas são intrínsecas de cada indivíduo..., o doente precisa de sentir segurança e ter confi ança na equipa de saúde”.

Quando encontram receptividade na equipa que os atende, a maioria dos doentes em cuidados paliativos procura fazer poucas perguntas directamente sobre o que lhes acontece. Alguns não falam e dão a enten-der às pessoas que os rodeiam que não estão conscientes do que se passa. Muitas das suas perguntas não procuram uma resposta em termos técnicos mas sim em termos humanos e empáticos. Quando a resposta mais franca é, por vezes, “desculpe, mas não sei”, os doentes sentem-se honrados pela sinceridade expressa.

Em relação às necessidades espirituais, a falta de um objectivo para viver provoca falta de esperança e depressão. O doente mantém espe-rança quando tem uma meta. Frequentemente, essa meta vai mudando conforme a morte se aproxima. Se o objectivo fi nal for possível de alcançar através de objectivos intermédios, tanto o doente como a equipa de profi ssio-nais mantêm a esperança. Em alguns casos os profi ssionais ajudam o doente a deixar uma melhor recordação e a prepararem a família face ao futuro. Uma boa maneira de ajudar

Muitas das suas perguntas não procuram uma resposta em termos técnicos mas sim em termos humanos e empáticos. Quando a resposta mais franca é, por vezes, “desculpe, mas não sei”, os doentes sentem-se honrados pela sinceridade expressa.

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Bibl

é mostrar interesse genuíno pela vida passada, os momentos mais importantes e realçar todo o bem que fez e os objectivos realizados. O doente necessita de saber e sentir que os seus esforços deram fruto.

O sofrimento tem origem nas ameaças à integridade da pessoa. A pessoa que se adapta melhor é aquela que permanece realista e com esperança na situação. Alguns doentes devido às suas crenças religiosas encontram força graças à sua fé em que existe um mundo espiritual para além do mundo físico. O real passa a estar no invisível aos olhos. A fé é algo de difícil explicação, simplesmente existe. Não podemos explicar Deus, Ele simplesmente é. O doente não está em situação de poder prescindir da fé e crenças associadas, onde se acredita em forças superiores que transcen-dem a pessoa.

Twycross (2003) acrescenta que a espiritua-lidade não se limita a uma dimensão isolada da condição humana no mundo, mas sim à vida na sua globalidade. Refere ainda que a espiri-tualidade está ligada ao signifi cado e fi nalidade da vida; à interligação e harmonia com as outras pessoas, com a Terra e com o Universo; a uma correcta relação com Deus/ Realidade Última. Aqueles que se aproximam do fi m da vida sentem habitualmente um aumento ou uma renovação das suas necessidades de afi rmação e aceitação, perda e reconciliação e descoberta de signifi cado e direcção.

Assim, a equipa multidisciplinar de cuidados paliativos, deve fazer uma avaliação holistica e individualizada do Doente e da sua família, para reco-nhecer difi culdades/necessidades deste contexto único. Esta avaliação deve ser contínua durante a doença, pois as necessidades sentidas num momento não serão porventura as mesmas do dia seguinte.

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Professora Adjunta na Escola Superior de Enfermagem de S. João de Deus, Évora

Enfermeira Graduada no Centro de Saúde de Viana do Alentejo

Maria Laurência Gemito

Maria da Saudade Marques

Promover ocom saúdeenvelhecimento

- prevenir o tétano

«O capitão de um grande navio esmagou o dedo indicador da mão direita com a âncora. Sete dias depois apareceu uma secreção fétida, depois problemas com a língua, queixava-se de que não podia falar adequadamente. Foi diag-nosticado tétano. As suas mandíbulas fi caram presas, os dentes travados e depois os sinto-mas estenderam-se ao pescoço. No terceiro dia apareceram opistótonos acompanhados de sudorese. Seis dias após o diagnóstico ele morreu».

Hipócrates (460-375 a.C)

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102Contextualização da problemática

Portugal, tal como acontece com outros países industrializados, principalmente da Europa, assiste a um processo de envelheci-mento demográfi co. O Alentejo, o Algarve e o Centro são as três regiões mais envelhecidas do país, sendo o Alentejo a mais envelhecida. De acordo com um estudo levado a cabo pelo Instituto Nacional de Estatística, o Alentejo foi considerada a região com maior índice de envelhecimento e de dependência de idosos (INE 1999).

J. M. Nazareth refere que «sobretudo a partir da segunda metade do séc. XX, um novo fenómeno emergiu nas sociedades desenvolvi-das – o envelhecimento demográfi co. Não se trata de uma nova praga ou doença (não existe nenhuma doença chamada envelhecimento)» (Nazareth 1993:5). É um dos fenómenos sociais, do fi nal do séc. XX e limiar do séc. XXI, que atingiu maior evidência e continua-rá imparável nas próximas dezenas de anos.

Segundo o INE (2002), entre 1960 e 2001 a esperança média de vida, em Portugal, cresceu cerca de 11 anos para os homens e cerca de 13 anos para as mulheres. Esta diferença favorável às mulheres, em resultado da sobremortalida-de masculina, leva a que as mulheres possam viver em média 79,4 anos e os homens 72,4

anos. A heterogeneidade regional é evidente pelo índice de envelhecimento que assume. A repartição dos idosos não é uniforme. Assim, o Alentejo é a região que apresenta o índice de envelhecimento mais elevado – 176 idosos por cada 100 jovens. Também ao Alentejo cabe a maior proporção de indivíduos com idade igual ou superior a 75 anos, assistindo-se ao envelhecimento da própria população idosa (Carrilho 2002).

Uma vez que os idosos vivem cada vez mais tempo, impõe-se a necessidade de construir uma sociedade inclusa, permitindo a sua inte-gração nessa mesma sociedade e na família, dando qualidade à sua vida cada vez mais longa.

Segundo Azeredo (2002) a saúde é um conceito que varia de pessoa para pessoa, tendo em conta a sua situação sócio-econó-mica, idade, sexo, estado civil e cultura. Ainda segundo a mesma autora, nos idosos, a saúde mais não é do que um longo processo, em que o principal agente é a própria pessoa.

O envelhecimento é, sem dúvida, um processo dinâmico e progressivo, em que as modifi cações que ocorrem são morfológicas, bioquímicas e psicológicas, conducentes à perda progressiva da capacidade de adaptação

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103da pessoa ao meio ambiente, desencadeando maior vulnerabilidade, uma maior incidência de processos patológicos e uma redução da capacidade de sobreviver, podendo conduzir o indivíduo à morte (Filho 2000).

A este respeito, Anabela Mota Pinto refere, tendo por base vários estudos que, a partir dos 40 anos, começam a desencadear-se uma série de alterações fi siológicas, características do processo de envelhecimento. Então, é errado considerar-se que se fi ca idoso abruptamente aos 65 anos, tanto mais que esse processo é gradual (Pinto 2001).

A opção por estilos de vida saudáveis, ao longo de toda a vida, é sem dúvida uma mais-valia, para que envelhecimento e doença não sejam sinónimos, apesar de o envelheci-mento trazer algumas alterações fi siológicas que muitas vezes são entendidas como sinais de doença. Só desta forma se reafi rmam os chavões «dar mais anos à vida», «dar mais saúde à vida» e «dar mais vida aos anos».

Maria Arminda Costa reforça a ideia de que nos seres humanos as diferenças de envelheci-mento são determinadas geneticamente mas substancialmente infl uenciadas pelos estilos de vida e ambiente, entre outros (Costa 2002).

O envelhecimento é, sem dúvida, um processo dinâmico e progressivo, em que as modifi cações que ocorrem são morfológicas, bioquímicas e psicológicas, conducentes à perda progressiva da capacidade de adaptação da pessoa ao meio ambiente, desencadeando maior vulnerabilidade, uma maior incidência de processos patológicos e uma redução da capacidade de sobreviver, podendo conduzir o indivíduo à morte.

Clostridium tetani

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104 Cada um é responsável pela sua própria saúde. Saúde e velhice vão construindo o caminho lado a lado, ao longo dos anos, infl uenciando-se reciprocamente, alicerçadas em medidas de promoção da saúde e preven-ção da doença.

Uma das medidas de prevenção da doença passa pela imunização.

A introdução dos programas de vacinação contribuiu mundialmente para reduzir a mortalidade e morbilidade de algumas doenças infecciosas evitáveis pela vacinação, abrangen-do neste momento, em Portugal, 11 doenças.

Segundo a Direcção-Geral da Saúde (2004:21), «mais de 7 milhões de crianças e adultos foram vacinados em Portugal desde o início do Programa Nacional de Vacinação, em 1965, e as doenças abrangidas pelo Programa estão eliminadas ou controladas, prova da sua efecti-vidade e sucesso».

No grupo dos idosos, uma das doenças passíveis de prevenção é o tétano. É uma doença infecciosa grave, mas não contagiosa, logo a protecção contra o tétano é individual. O ideal é ter 100% da população vacinada, pois basta existir um indivíduo não vacinado para existir doença, atendendo a que a forma de transmissão do Clostridium tetani não permite imunidade de grupo.

O tétano é causado pela bactéria Clostridium tetani, camufl ada sob a forma de esporos, cujo habitat normal é o solo. Os bacilos de Clostridium tetani podem ser encontrados no solo, especialmente utilizado para a agricultu-ra, nos excrementos de alguns animais, como por exemplo: cavalos, carneiros, cães, gatos, galinhas; objectos enferrujados, entre outros. Para que penetre no organismo é necessário que haja uma porta de entrada, seja ela um ferimento leve ou grave.

A incidência desta doença é mais elevada em meios rurais, pois há maior viabilidade de contacto com o agente.

Actualmente, com a implementação dos programas de vacinação, o tétano é raro nos países desenvolvidos, pois a efi cácia desta vaci-na é próxima dos 100%. Apesar disso, segundo a Direcção-Geral da Saúde (2004), nos últimos 5 anos, em Portugal, foram declarados 90 casos de tétano, todos referentes a indivíduos com idade superior a 45 anos.

A melhor forma de fazer a sua prevenção, sem qualquer dúvida, é através da administra-ção do toxóide tetânico, muito efi caz, desde que administrado de acordo com o recomen-dado no Programa Nacional de Vacinação em vigor. Para que o mesmo seja cumprido, nos idosos, prevê-se que sejam vacinados a cada 10 anos (reforço), pois a imunidade conferi-

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105da pela vacina vai diminuindo ao longo do tempo. Malogradamente, ainda muitas pessoas só cumprem o esquema de vacinação na infância.

A partir dos 40 anos, o número de indivíduos protegidos decresce, sendo este valor agravado a partir dos 65 anos. Depois dos 40 anos, a proporção de indivíduos com anticorpos protectores contra a toxina do tétano é sensi-velmente mais elevada nos homens, justifi cada pela maior oportunidade de vacinação que se verifi ca no sexo masculino. Entre outros, são mencionados o cumprimento do serviço militar, a renovação da carta de condução aos 65 anos e a maior propensão dos homens aos traumatismos, com consequente recurso aos serviços de urgência, onde lhes pode ser administrada a vacina. Como consequência, o maior número de casos notifi cados de tétano, corresponde a mulheres (DGS 2004).

Se tivermos em consideração que, segundo o INE (2002), uma fatia importante da popu-lação idosa em Portugal ainda permanece activa, mais concretamente 19%, sendo que, em 2001, a maioria exercia a sua actividade na área da agricultura, produção animal, caça e silvicultura, parece indiscutível que a vaci-nação anti-tetânica nos idosos seja relevante. Este aspecto é agravado se considerarmos que os idosos, pelas limitações inerentes ao avançar dos anos, constituem-se como um grupo mais

sujeito a quedas e acidentes domésticos.

O processo fi siológico do envelhecimento não tem que ser patológico e associado a inca-pacidades; apesar de tudo, os idosos, sobretudo os mais idosos, desenvolvem disfunções ou incapacidades. Refere J. Gomes Ermida que cerca de 40% da população idosa apresenta limitações da actividade e da mobilidade, 15% necessita de ajuda na realização das activida-des do quotidiano (cuidados essenciais ao bem-estar do indivíduo determinantes da autonomia do idoso). Acrescenta ainda que estes números aumentam consideravelmente nos indivíduos com mais de 85 anos, em que a maioria apresenta incapacidades e limitações muito signifi cativas (Ermida 2000).

Atendendo a esta problemática, feito um diagnóstico da situação, é impreterível equa-cionar e defi nir objectivos, nomeadamente:

• Incentivar os idosos para a promoção da saúde e prevenção da doença;

• Sensibilizar os idosos para a importância da vacinação antitetânica;

• Obter uma cobertura vacinal de 100% nos idosos da freguesia.

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Diagnóstico da situaçãoO trabalho foi realizado no Centro de Saúde

de Viana do Alentejo, situado na região Alentejo (NUTS II), Alentejo Central (NUTS III), mais concretamente na sede (freguesia de Viana do Alentejo). Relativamente ao concelho, este possui as características próprias das áreas rurais do continente português. Caracteriza-se por um fraco nível de instrução e pelo predomí-nio do sector primário que, actualmente, está a decrescer, em oposição ao que ocorre com o sector secundário.

A população residente do concelho é, segundo os censos de 2001, de 5615 habi-tantes distribuídos pelas três freguesias que o constituem.

Relativamente à freguesia de Viana do Alentejo, o Índice de Envelhecimento é de 133.2 e o Índice de Dependência Total 62.0, infl uenciado essencialmente pela população idosa. Com base nos resultados dos Censos 2001 pode-se constatar que o Índice de Envelhecimento na freguesia é superior ao de Portugal (102.2) e inferior ao do Alentejo (162.7). Conforme se pode observar no quadro seguinte, o número de idosos na freguesia, tem vindo a aumentar.

G. de idadesPopulação 1991 População 2001

Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres

0-14 anos 498 260 238 464 227 237

15-24 anos 372 174 198 389 196 193

25-64 anos 1342 661 681 1357 654 703

65 e + anos 486 211 275 618 272 346

Total 2698 1306 1392 2828 1349 1479

Distribuição da população da freguesia por grupos de idades 1991 – 2001

Fonte: INE – Recenseamento da população. Censos 1991–2001

No grupo etário dos 65 e mais anos é evidente o maior número de elementos do sexo feminino, essencialmente devido ao fenómeno da sobremortalidade masculina nas diferentes idades. O fenómeno da feminização da velhice, resultante da maior longevidade feminina, ganha a sua expressão máxima entre os idosos mais velhos.

Estão inscritos no fi cheiro do Centro de Saúde, 5580 utentes. Destes, 3217 estão inscri-tos na sede.

Dos 3217 utentes inscritos na sede, 1543 são do sexo masculino e 1674 são do sexo femini-no. Da totalidade de inscritos, com 65 ou mais anos, existem 726 utentes, o que corresponde a cerca de 23% do total de inscritos, sendo 324 do sexo masculino e 402 do sexo feminino. Podemos ainda constatar que, relativamente à distribuição dos idosos, por sexo, predomina o sexo feminino. Estes dados podem ser obser-vados através do seguinte gráfi co: (página seguinte)

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726

324402

3217

1543 1674

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

3500

Total Homens Mulheres

Total de utentes inscritos Total de idosos inscritos

Utentes inscritos na sede do Centro de Saúde

Fonte: Ficheiro do Centro de Saúde

No grupo dos idosos, uma das doenças passíveis de prevenção é o tétano. É uma doença infecciosa grave, mas não contagiosa, logo a protecção contra o tétano é individual. O ideal é ter 100% da população vacinada, pois basta existir um indivíduo não vacinado para existir doença, atendendo a que a forma de transmissão do Clostridium tetani não permite imunidade de grupo.

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Dos 503 idosos que não cumprem o Programa Nacional de Vacinação, foram ques-tionados 100 (20%), acerca dos motivos pelos quais não estão vacinados, tendo-se denotado a pouca valorização atribuída por estes idosos relativamente à importância da vacinação em adulto. A maioria não tinha conhecimento da doença, da forma como se pode contrair e da sua gravidade. Além disso, para muitos idosos a sua história vacinal não é clara.

Podemos então concluir que a maior parte dos idosos não está protegido contra o tétano, apesar de ser um grupo com importância considerável em relação ao total da população e viver num meio rural, onde os trabalhos agrícolas, até mesmo para os idosos, ainda se afi rmam predominantes. Por outro lado, esta faixa etária está mais susceptível a quedas e acidentes.

Após consulta do fi cheiro de vacinação podemos constatar que dos 726 idosos inscri-tos na sede do centro de saúde, 503 (63.5%), não têm a vacina anti-tetânica actualizada (217 homens e 286 mulheres), pelo que só 223 (36.5%) dos idosos inscritos, (101 homens e 122 mulheres), cumprem o Programa Nacional de Vacinação.

Estes dados podem ser observados através do gráfi co seguinte.

503

217

286

223

101122

0

100

200

300

400

500

600

Total Homens Mulheres

Vacina actualizada Vacina não actualizada

Situação vacinal dos idosos inscritos

É impreterível reforçar a ideia de que não se devem desperdiçar oportunidades de vacinação, para que os adultos com o esquema vacinal contra o tétano incompleto o possam completar.

Fonte: Ficheiro do Centro de Saúde

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109Considerações fi nais

O fenómeno do envelhecimento demo-gráfi co coloca grandes desafi os e obriga a refl ectir sobre inúmeras questões, como sejam a qualidade de vida dos idosos e a saúde, entre outros.

Atendendo ao facto de termos uma popu-lação cada vez mais envelhecida mas, apesar de tudo activa, a vacinação antitetânica parece ser primordial, tanto mais que é uma doença mortal. A vacinação é, sem qualquer dúvida, o melhor meio de prevenção, muito descurado por esta faixa etária.

É fundamental a realização de campanhas de sensibilização, em que os profi ssionais de saúde encaminhem o idoso para completar o esquema vacinal contra o tétano.

Para o controle do tétano é recomenda-do: vacinação da população, profi laxia das consequências de feridas potencialmente tetanogénicas, vigilância epidemiológica da doença e monitorização da imunidade (DGS 2004).

É impreterível reforçar a ideia de que não se devem desperdiçar oportunidades de vaci-nação, para que os adultos com o esquema vacinal contra o tétano incompleto o possam

completar. Cabe neste âmbito, salientar a importância das medidas a adoptar na profi -laxia do tétano, na presença de feridas, a qual depende da situação vacinal do ferido e das características da ferida (DGS 2006).

Atendendo a que os centros de saúde são a base institucional dos cuidados de saúde primários e que estes são o pilar do sistema nacional de saúde (Ministério da Saúde 2006), constituem-se como uma estrutura impor-tante na promoção da saúde e prevenção da doença. Enquanto profi ssionais de saúde, em cuidados de saúde primários, cabe a respon-sabilidade acrescida de zelar pela saúde dos utentes/família/comunidade.

Deste modo, consideramos que a acção das estruturas locais de saúde, com intervenção junto dos idosos, é fundamental. Compete-lhes divulgar o programa, motivar os idosos e familiares, e aproveitar todas as oportunidades de vacinar pessoas susceptíveis, neste caso os idosos. Ao nível dos cuidados de saúde primá-rios deverá apostar-se num investimento mais incisivo no rastreio de factores de fragilidade nos idosos.

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Introdução (História, Direito e Terminologia)

1 – Pode-se afi rmar, sem grandes riscos, que a eutanásia é uma prática tão antiga quanto o Homo socius. Desde tempos imemoriais, ela tem vindo a ser utilizada em comunidades tão distintas, quanto a dos esquimós do Alasca ou dos índios brasileiros.

Diversos povos, como os Celtas, por exemplo, tinham por hábito que os fi lhos matassem os pais quando estes estivessem velhos e doentes. Na Índia, os doentes incuráveis eram levados até à beira do Ganges, onde lhes obstruíam as narinas e a boca com barro. Uma vez feito isto, eram atirados ao rio para morrerem.

A discussão, acerca dos valores sociais, culturais e religiosos, envolvidos na questão da eutanásia, vem desde a Grécia antiga. Em Atenas, o Senado tinha o poder absoluto para decidir sobre a eliminação dos velhos e dos incuráveis, dando-lhes o conium maculatum, em cerimónias especiais. Sócrates, Platão e Epicuro defendiam a ideia de que o sofrimento, resultante de uma doença dolorosa, justifi cava o suicídio ou a morte por outrem. Em Marselha, neste período, havia um depósito público de cicuta

da Axiologia à Teologia

Ramiro Délio Borges de Meneses

Professor Adjunto do Instituto Politécnico de Saúde do Norte/Gandra e FamalicãoInvestigador do Instituto de Bioética – Universidade Católica do Porto ([email protected])

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à disposição de todos. Aristóteles, Pitágoras e Hipócrates, pelo contrário, condenavam o suicídio. No juramento de Hipócrates, cons-ta: «Eu não darei qualquer droga fatal a uma pessoa, se me for solicitado, nem sugerirei o uso de qualquer uma deste tipo». Desta forma, a escola de Cós já se posicionava contra o que hoje se designa por eutanásia e por suicídio tecnicamente assistido.

Estas discussões e práticas não fi caram restritas, apenas, à Grécia. Cleópatra VII (69 aC – 30aC) criou, no Egipto, uma Academia para estudar formas de morte, menos dolorosas. Assim, entendia M. I. Cícero a boa morte: felici vel honesta morte mori.

O polegar, para baixo, dos césares, era uma indulgente autorização à morte, permitindo aos gladiadores feridos, evitarem a agonia ou o ultraje.

A discussão, sobre o tema, prosseguiu ao longo da história com a participação de M. Lutero, Thomas Morus (Utopia), David Hume (On suicide), Karl Marx (Medical Euthanasia) e Schopenhauer. Porém, o seu apogeu foi, em 1895, na então Prússia, quan-do, fi nalmente, durante a discussão do plano nacional de saúde, foi proposto que o Estado deveria prover os meios, para a realização da eutanásia, em pessoas que se tomaram incapa-zes de a solicitar.

2 – No século XX, esta discussão teve um dos momentos mais acalorados entre as décadas de 20 e 40. Foi enorme o número de relatos de situações caracterizadas como “eutanásia”, pela imprensa leiga, neste período. Na Europa, especialmente, muito se falou de “eutaná-sia”, associando-a à “eugenia”. Esta proposta buscava justifi car a eliminação de defi cientes, doentes terminais e portadores de patologias crónicas. Nestes casos, a eutanásia era, na reali-dade, um instrumento de higienização social, com a fi nalidade de buscar a “perfeição” ou o “aprimoramento” de uma raça, nada tendo a ver com compaixão, piedade ou direito para terminar com a própria vida.

Em 1931, foi proposto, em Inglaterra, a legalização da Eutanásia voluntária, tendo sido discutida até 1936, quando a Câmara dos Lordes a rejeitou. Esta proposta serviu, posteriormente, de base para o modelo holandês. O Uruguai, em 1934, incluiu a possibilidade da Eutanásia, no seu Código Penal, através da possibilidade de “homicídio piedoso”. Esta legislação foi pioneira e encontra-se em vigor até aos nossos dias.

Em Outubro de 1939, foi iniciado o progra-ma nazi, sob o código “Aktion T4”. O objectivo inicial era eliminar as pessoas que tinham uma vida que não merecia ser vivida. Este programa materializou a proposta teórica da higienização social.

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Em 1968, a Associação Mundial de Médicos adoptou uma resolução contrária à Eutanásia, tendo em 1987, na Declaração de Madrid, considerado a Eutanásia como procedimento eticamente inadequado.

Em 1973, na Holanda, uma médica de famí-lia, a Dra. Postman, foi julgada por Eutanásia, praticada na sua mãe, por dose letal de sulfato de morfi na. A mãe havia reiterado o pedido para morrer. Foi processada e condenada, por homicídio, com pena suspensa.

Em 1981, o tribunal de Roterdão reviu e estabeleceu os critérios para auxílio à morte. Em 1990, a Real Sociedade Médica dos Países Baixos e o Ministério da Justiça estabeleceram uma rotina de notifi cação para os casos de Eutanásia, sem torná-la legal, apenas isentando o profi ssional de procedimentos criminais, até à recente aprovação parlamentar.

Em 1991, houve uma tentativa frustrada para introduzir a Eutanásia no Código Civil da Califórnia.

Os territórios do norte da Austrália, em 1966, aprovaram uma lei que possibilita formalmente a Eutanásia. Meses depois esta lei foi revoga-da, impossibilitando a realização da Eutanásia, neste país. Igualmente, neste ano, no Brasil foi reprovado um projecto de lei, que possibilitava a realização de procedimentos eutanásicos.

Em Maio de 1997, o Tribunal Constitucional da Colômbia estabeleceu que “ninguém pode ser responsabilizado criminalmente por tirar a vida a uma paciente terminal que tenha dado o livre consentimento”. Esta posição determi-nou um grande debate nacional entre as duas correntes (favoráveis e contrárias).

Em Outubro de 1997, o estado do Oregon, nos Estados Unidos, legalizou o “suicídio assistido” que foi erroneamente interpreta-do como tendo sido autorizada a prática da Eutanásia.

Não obstante esta prática ser milenar e haver uma grande quantidade de obras escritas sobre este tema, seja em seu favor, seja em oposição a ela, nunca se encontrou uma fórmula inter-pretativa conciliatória, junto da comunidade jurídica, fi losófi ca ou clínica.

Relegados, durante algum tempo, para um plano secundário, os debates sobre a Eutanásia parecem ter retomado a sua importância, especialmente após as decisões da aprovação holandesa, por legislação, e após decisões do Supremo Tribunal norte-americano, proibin-do-a.

Pode-se afi rmar, sem grandes riscos, que a eutanásia é uma prática tão antiga quanto o Homo socius. Desde tempos imemoriais, ela tem vindo a ser utilizada em comunidades tão distintas, quanto a dos esquimós do Alasca ou dos índios

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3 – O termo Eutanásia vem do grego e traduzindo-se como “boa morte” ou “morte apropriada”. O termo foi introduzido por Francis Bacon (1623), na sua obra Historia Vitae et Mortis, como sendo o tratamento adequado a doenças incuráveis.

De maneira geral, entende-se por Eutanásia, sempre que uma pessoa (médico) causa, voluntária e deliberadamente, a morte de outra pessoa (doente) que está fraca, debilitada ou em sofrimento. Neste último caso, a “euta-násia” seria utilizada para evitar a “distanásia”, isto é, a agonia prolongada, surgindo a morte com sofrimento físico ou psicológico do indivíduo. Tem sido utilizado o termo “ortota-násia” para indicar este tipo de Eutanásia. Esta palavra deve ser utilizada, no seu real sentido, para referir meios adequados, tratando-se de uma pessoa que está a morrer.

O termo “eutanásia” é muito extenso, embora demasiado gasto e pode ter diferentes interpretações. Um exemplo de utilização diferente da que hoje se aufere é a proposta dos teólogos Larrag e Claret que, no século XIX, utilizavam o termo para caracterizar a morte em graça. Contudo, existem elementos básicos na caracterização da Eutanásia, que se iniciam pela terminologia, ou seja:

Quanto ao “tipo de acção”- Eutanásia activa (occisíva): o acto deli-

berado para provocar a morte, sem sofrimento do paciente, com fi ns “misericordiosos”;

- Eutanásia passiva (lenitiva): a morte do paciente ocorre, dentro de uma situação de terminalidade, porque não se inicia uma acção médica ou pela interrupção de uma medida extraordinária, com o objectivo de minorar o sofrimento. Trata-se da cessação de activida-des terapêuticas que prolonguem a vida, em enfermidade terminal ou irreversível;

Eutanásia de duplo efeito (indirecta): quando a morte é acelerada como consequência indi-recta das acções médicas, que são executadas, visando o alívio do sofrimento do paciente terminal;

- Eutanásia directa: considera-se como sinónimo de “eutanásia activa”.

Quanto ao “consentimento livre” do doente

- Eutanásia voluntária: quando a morte é provocada atendendo à vontade deliberada e livre (por petição expressa do doente) do paciente;

- Eutanásia involuntária: quando a morte é provocada contra a vontade do doente;

- Eutanásia não voluntária: quando a morte é determinada sem que o doente tenha manifestado posição em relação a ela.

Os que defendem tal prática prendem-se ao argumento de que, em medicina, existem quadros clínicos irreversíveis, nos quais o doen-te, muitas vezes passando por terríveis dores e sofrimentos, almeja a “antecipação da morte” como forma de se livrar do padecimento de que se tornou no viver. A antecipação da morte, segundo esta corrente, não só atenderia aos interesses do paciente para morrer com dignidade, como também daria expressão ao princípio da autodeterminação para (autono-mia) decidir sobre a mesma.

Os que se opõem à prática da Eutanásia sustentam que é “dever do Estado” preservar, a todo o custo, a “vida humana” que é um bem supremo. O poder público estaria obrigado a fomentar o bem-estar dos cidadãos e evitar que estes sejam mortos ou colocados em situ-ação de risco. Eventuais direitos dos pacientes estão, muitas vezes, subordinados aos interesses

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do Estado, que obriga à adopção de todas as medidas visando o prolongamento da vida do doente, até mesmo contra a sua vontade. O médico, por seu turno, por questões éticas, deve, cumprindo o juramento hipocrático, assistir o doente, fornecendo-lhe todos os meios necessários à sua sobrevivência. A tradi-ção hipocrática acalentou que os médicos e outros profi ssionais de saúde, se dediquem a proteger e a preservar a vida. Se a Eutanásia se aceitar, como acto médico, os médicos (e outros profi ssionais) terão, também, a tarefa de causar a morte. A participação, na Eutanásia, não somente alterará o objectivo da atenção à saúde, como poderá infl uenciar, negativa-mente, a “confi ança” com o profi ssional por parte dos doentes. A Associação Mundial de Medicina, desde 1987, considera a Eutanásia, como sendo eticamente incorrecta.

Ainda, nesta linha de pensamento, argu-menta-se que, uma vez reconhecido o direito à Eutanásia, este poderia alargar-se por searas imprevisíveis, dando ensejo a graves abusos.

A proibição da Eutanásia serviria, sobretudo, como escudo protector contra o problema do suicídio, comum entre jovens e velhos, em favor dos que sofrem de dores não tratadas ou doenças mentais. Contudo, essa proibição garantiria a integridade da profi ssão médica e da ética clínica, fomentando a confi ança na relação médico/pacientes. E mais, protegeria os pobres, os velhos, os defi cientes, os doentes terminais e outras pessoas vulneráveis, contra a indiferença, o preconceito e contra as pressões psicológicas e pecuniárias, para que ponham fi m às suas vidas, porque a grande preocupação da sociologia e da fi losofi a de vida reside no axioma neoescolástico: primum vivere, deincep is philosophari.

Talvez fosse necessário apresentar os neolo-gismos, de origem grega, como substitutivos

da clássica classifi cação para a “eutanásia”, como se seguem:

- Distanásia: prolongamento artifi cial da vida biológica de um doente (com doença irreversível ou terminal), mediante diagnósticos e/ou terapêuticas. Assim, os meios tecnológicos poderão ser proporcionados, desproporcionados e, fi nalmente, como “obstinação terapêutica”;

- Adistanásia: cessação do prolongamento artifi cial da vida, deixando que o processo pato-lógico termine com a vida do doente (eutanásia passiva voluntária);

- Ortotanásia: boa morte no “sentido de morte” no momento biológico adequado. Refere o sentido etimológico da Eutanásia;

- Cacotanásia: aceleração deliberada da morte de um doente, sem a decisão voluntária deste (eutanásia activa involuntária).

Apesar das defi ciências e problemas sobre a Eutanásia, quanto à terminologia e implicações éticas, deverá manter-se esta designação em vez de “tanatopraxis”, que é também, de origem grega e tem outras conotações, não aquelas que foram introduzidas por Francis Bacon. Até porque, segundo a defi nição operativa, a Eutanásia deverá ser uma intervenção activa e voluntária, como analisaremos ao tratar dos aspectos axiológicos, não necessitando dos “adjectivos” das clássicas expressões.

Assim, operativamente, a se et ab alio, trata-se de morte “intencional” de um doente, a seu pedido, por acção ou por omissão. Esta concei-tualização dispensa distinções entre Eutanásia activa ou passiva e voluntária ou involuntária. Há quem defenda que se deverá utilizar somen-te o designativo de “eutanásia”, sem qualquer qualifi cativo.

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Este fenómeno marca encontro, axiologica-mente, com a “sobrevivência”, fi cando entre um “desejo de morte” anunciado pela degra-dação da “qualidade de vida”, proveniente de uma doença terminal ou irreversível, ora pela asserção da dignidade da vida ora pela dignidade na morte. À crença na sobrevivên-cia, segundo M. Scheler, tem lugar, quando a morte, anormalmente recalcada ou “inverti-da”, reaparece.

Segundo a fenomenologia axiológica de M. Scheler, a “direcção essencial de qualquer vida”, por oposição à eutanásia (occisiva), segue o sentido da máxima liberdade (autonomia) até à máxima dependência, identifi cando-se esta última com a “morte”. Esta surge como boni oppositio que será a salus, apresentando-se esta como desenvolvimento da corporeidade.

A eutanásia, pelo prisma axiológico, vai da máxima ligação (verbindung), imposta pelas condições de vida, à entrega vital, pelo conteúdo dos valores e das pessoas.

Para a fenomenologia dos valores, a euta-násia necessita de uma “revisão axiológica”, como se expressa por três verbos latinos:

Videre: O doente apercebe-se, na tempo-ralidade, que desapareceu a “dignidade da vida”, perante a “observação” clínica, segun-do a semiologia e a semiótica das patologias crónicas. O “ver” é a primeira dimensão axio-lógica;

Judicare: Há, segundo o princípio (kantia-no) da autonomia (age como se a máxima da tua acção se devesse tomar pela tua vontade, como lei universal da natureza racional), um

1 – Eutanásia: sentido axiologico

No século XX, esta discussão teve um dos momentos mais acalorados entre as décadas de 20 e 40. Foi enorme o número de relatos de situações caracterizadas como “eutanásia”, pela imprensa leiga, neste período. Na Europa, especialmente, muito se falou de “eutanásia”, associando-a à “eugenia”.

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pronunciamento categórico, por imperativo da vontade, de terminar com a vida biológica e, segundo T. Lívio, a intenção de intentar uma decisão;

Agere: Refere-se hic et nunc ao realizar uma acção, que por uma terapia (serviço) farmacológica, mais frequentemente, ou, por via cirúrgica, para determinar a “morte”, por acção ou por omissão.

Estes momentos axiológicos da Eutanásia implicam uma “hierarquização de valores”, que será arquitectada pelo doente e que variam de patologia em patologia. Perante a Eutanásia, nem todos os doentes possuem a mesma pauta comportamental axiológica (quer interna, quer externa), desde a religiosidade e crença até ao utilitarismo ou positivismo no viver e no morrer.

A Eutanásia implica, segundo M. Scheler, a experiência dos “valores morais”. É importan-te salientar que a estrutura desta experiência está fundamentada em actos intencionais que, segundo a perspectiva scheleriana, revelam ser constitutivos da ética na sua essência mais profunda (Wesen). A experiência axiológica é semelhante à experiência de todos os outros valores na percepção do mesmo valor (Wert fühlen). Assim, só na percepção dos valores, quaisquer que sejam, se compreenderá o “valor moral” da Eutanásia, se anuncia a sua essência. Segundo a axiologia fenomenológi-ca, os “valores” que são inerentes à Eutanásia são materiais ou objectivamente intrínsecos. O bem ou o mal da Eutanásia são os valo-res do sujeito (sub-jectum) da pessoa que tem experiência deles. Mas, não são produzidos pelo “sujeito”. Os valores morais, na Eutanásia,

revelam-se na autêntica percepção do valor do ser humano como sujeito, uf dem Rücken. Signifi ca que os valores morais não são só experimentados como objecto da voluntas.

Na evocação fenomenológica de M. Scheler, para se experimentarem os “valores” requerem algo de secundário e implicam necessariamente uma volição condicionada, dirigida a valores materiais, materiale werte, que estão implícitos na Eutanásia. Esta experiên-cia mostra-se condicionada pela “hierarquia” de todos os “valores materiais”, ou seja, na percepção do valere (ser digno), inerente ao doente.

Para M. Scheler, o άγαπή (amor) é o garante, perante uma decisão eutanásica, do crescimento dos valores e da sua riqueza, onde se situa a vida. A hierarquização dos valores, na superioridade (dignidade da vida) ou na inferioridade (desejo de morrer), encontra-se “vinculada” ao ápice do amor ou do ódio, como realidades centrais interiores a toda a pessoa.

O “amor” à vida e o “ódio” ao morrer, onde se balanceia a “eutanásia”, segundo M. Scheler, são a fonte fundamental do conhecimento dos valores, da sua experiência cognitiva e, antes de mais, o princípio específi co do proceder “emocional” do sujeito no mundo dos valo-res, como uma clara direcção do proceder: quae sursum sunt quaerite et sapite. Graças ao amor à vida ou ao “ínfi mo”, dado na morte (por acção ou por omissão), apresentada perceptiva e dualmente (entre o doente e o médico), há Eutanásia. Perante a Eutanásia, o grande princípio scheleriano, diferente do a priori formal e categórico da metafísica

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dos costumes (sitten) de Kant, princípio da autonomia, surge na experiência concreta a priori dos valores, uma experiência de essên-cia “emocional”, fundamentada no amor e no ódio. Toda a percepção da essência da morali-dade, Wesenshau, resulta, na prática eutanásica, fundamentalmente determinada por alguns elementos deste apriorismo. M. Scheler estabelece, com evidência, que o bonum se apresenta na mundivivência do sujeito e nas margens da “intencionalidade concreta” (auf dem Rücken) dirigida a um valor: dignidade da pessoa, conservando-se como qualidade de vida e/ou sanidade de vida. Logo, a eutaná-sia situa-se como apetência para a morte no domínio da intencionalidade real, pelo desejo material do doente, na acção ou na omissão.

A Eutanásia é um acto intencional, por um médico, dirigido a um “contra-valor” material e particular (para pôr termo à vida de um doente). Segundo a axiologia fenomenológica de M. Scheler, o confl ito, na encruzilhada da eutanásia, segundo o ponto de vista de um a priori emocional, não anula, em nenhum caso, o facto de que a obrigação concreta determi-ne, de forma decisiva, o “drama da vontade”, onde se formaliza toda a experiência dos valores morais, onde aparece ou manifesta a verdadeira realidade do bem e do mal sobre a morte.

Axiologicamente pensando, a quem pertence a “vida”? Segundo a fi losofi a da religião, pertence a Deus, aparecendo como um direito irrenunciável. Porém, o princípio da “eutanásia” signifi ca fazer depender a vida

de um indivíduo pela vontade de outro. Esta está orientada para um “desejo axiológico”, per se ac per accidens (superação do sofrimen-to, Eutanásia lenitiva), que na sua actuação comporta uma decisão (positiva e concreta), tomada por “outro”. Aceitar este princípio, perante a eutanásia, signifi ca introduzir a ideia de que a existência na vida possa depender de uma série de condições pertinentes. Ninguém poderá privar legitimamente um homem da vida, sendo, assim, o valere da vida inalienável.

Necessariamente o direito à vida é “irrecusá-vel”, porque nenhum doente ou médico pode dispor dela. É e tem valere, porque também é indisponível (living-will).

Segundo a axiologia da Eutanásia, o valor vida poderá sintetizar-se nos seguintes “adjec-tivos” do a priori desiderativo da vontade (concreta e particular).

Inalienável ⇒ não se pode fazer depender de outra vontade;

Irrenunciável ⇒ não se pode pospor a valores que lhe são subordinativos.

A questão ética da Eutanásia, antes de ser uma questão teleológica, é, sobremaneira, um problema axiológico, que implica uma “hierar-quização de valores”. Segundo a axiológica, a “ortotanásia” é a realização do duplo valor do respeito pela vida humana e pelo direito de morrer dignamente.

De maneira geral, entende-se por Eutanásia, sempre que uma pessoa (médico) causa, voluntária e deliberadamente, a morte de outra pessoa (doente) que está fraca, debilitada ou em sofrimento. Neste último caso, a “eutanásia” seria utilizada para evitar a “distanásia”, isto é, a agonia prolongada, surgindo a morte com sofrimento físico ou psicológico do indivíduo.

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2.1 – Teologia BíblicaSegundo a revelação veterotestamentária,

narram-se acontecimentos tanatopráxicos, que se enquadrariam, mais ou menos, no âmbito da Eutanásia, como a entendemos hoje. Abimelech, rei de Sicehem, é justifi cado quando foi morto por um soldado, porque a sua cabeça tinha sido partida por uma pedra, arremessada por uma mulher de Tebas (Juízes 9, 54).

Saúl, primeiro rei de Israel, foi morto pelo seu escudeiro, para não ser assassinado pelos fi listeus, não circuncidados (1 Sam. 31, 3-5).

Zimri, rei da Samária, durante sete dias, morreu no palácio real que incendiou, tal como faziam os reis derrotados, mostrando que o julgamento de Yaweh seria negativo, relativamente ao reino do Norte de Israel (Reis 16, 18).

Sansão, herói da tribo de Dan, fez com que o templo do Deus, Dagon, caísse sobre ele próprio, matando-o com a intenção de afi rmar a primazia do Deus de Israel em Jz. 16, 30.

Também, nas escrituras deuterocanónicas e nacionalistas dos relatos dos Macabeus, Eleazar (1 Mac 6, 43-46) e Razis (2 Mac 14, 37-46) imolaram-se pela libertação de Israel, num acto de “devoção”, havendo o abandono dos heróis nas mãos de Deus, que ofereciam vida para salvação dos irmãos. Assim, se referem estes feitos, em sentido axiológico, e com intenção soteriológica.

Segundo a revelação neotestamentária, em Cristo Jesus se “encarnam” as suas palavras:

“maiorem dilectionem nemo habet, ut aninam suam quis ponat pro amicis suis” (Jo 15, 13), como a fi gura do “servo sofredor”, cantada no segundo cântico de Isaías, por que Ele lhe entregou a sua vida à morte e foi contado entre os pecadores (Is 53, 12). Cristo, por desígnio de Deus-Pai, escolheu o caminho da morte, porque, segun-do refere S. Paulo: “... sicut et Christus dilexit nos et tradidit seipsum pro nobis oblationem et hostiam Deo in odorem suavitatis.” (Ef 5, 2; Rom 5, 6-8). Assim, há um suioccidere, que se apresenta como abandono ou como entrega da própria vida nas mãos de Deus-Pai onde o Senhor da Vida está, para que a transforme em sacrifício de redenção ou semente soteriológica (Luc 23, 46). O único caso de suicídio, segundo “Kérigma” da salvação, encontra-se em Judas Escariotes (Mt 27, 5), levando ao comentário de D. Bonhoeffer, segundo o qual o “direito ao suicídio” desaparece só na presença de Deus. Segundo as duas revelações, o sacrifi cium (sacrum + facere) não é uma destruição, mas antes “oblação”. Ao contrário dos gregos antigos e da cultura romana, que entendiam a Biós como um ritmo temporal, o Deus de Israel “oferece” ao seu povo o “dom da vida”, como o encargo de a realizar e aperfeiçoar historicamente. (1 Jo. 3:16).

Há até quem afi rme que o gesto dos guar-das ao darem a Jesus uma esponja embebida em vinagre, longe de ter constituído um acto de troça e crueldade, teria sido uma “maneira piedosa” de amenizar o seu sofrimento. Pois, o que lhe ofereceram, segundo algumas leituras bíblicas, fora simplesmente o vinho da morte, num acto de extrema compaixão, segundo a jurisprudência romana.

2 – Eutanásia: interpelação teológica

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2.2 – Teologia FundamentalApesar da Eutanásia ser prática corrente no

tempo de Cristo, sendo vítima dela Octávio e Tibério, seus coevos, e ser defendida pelos siste-mas fi losófi cos vigentes, como epicurismo e estoicismo, Jesus nunca falou sobre este assunto. Nem mesmo o Apóstolo Paulo, nas suas epístolas, se refere a tal termo e não faz qualquer comen-tário paranético. Mas, então porque, nos seus sermões e parábolas, nunca falou Jesus Cristo sobre a Eutanásia?

A grande novidade da pregação de Cristo tem o seu centro no “Sermão da Montanha” (macarismos), pela narrativa sinóptica. (Mt 5, 1-12). Mas, Jesus foi claro, quando disse que vinha para aperfeiçoar o Decalogus (lei de Moisés). O Sermão da Montanha abre com o anúncio de um dom e de uma promessa, de tal forma a Lei (Torah), pela expressão sintética no Decálogo, se inicia pela afi rmação da liberdade oferecida e prometida pelo Senhor, ao seu povo, na Aliança do Sinai. (Mt 5;17-48). “Nolite putare quoniam veni solvere Legem aut Prophetae, non veni solvere, sed adimplere” (Mt 5; 17).

Como o Decálogo tem a seguinte palavra “Não matarás”, Jesus supõe necessariamente o pleno cumprimento da “Toráh”, em ordem à perfeição dos discípulos. Toda a temática sobre a “eutanásia” e suicídio está, secundum morali-tatis naturam, dependente da lei natural ou do Decálogo, que recebe o seu “acabamento” em Cristo. Assim, Jesus não necessitava de falar de uma prática comum na sua era e praticada pelos seus coevos, até mesmo pelos seduceus, que não acreditavam na Ressurreição da Carne. A conti-

nuidade da lei do Monte Sinai e a da nova lei, Sermão do Monte, é-nos oferecida no encontro do jovem rico com Cristo.

Relativamente à teologia fundamental (que relaciona os dois “Kerigmas”), sobre a questão da Eutanásia, o primeiro escrito vem-nos da Patrologia Latina, pela pena de Lactâncio que referiu serem os doentes terminais inúteis para os homens. Mas, são úteis para Deus, que lhes conserva a vida, dá-lhes o espírito e concede-lhes a luz.

A mundivivência religiosa, desde a teologia da Igreja primitiva, considerou a vida, como “gabe und aufgabe”, recebidas de Deus e da qual o homem não pode dispor, tal como se ensinava, classicamente. Sem falar, ainda em Eutanásia, a teologia medieval (S. Tomás de Aquino e S. Boaventura) deu o seu contributo, salientan-do que a vida é o fundamento dos valores e a afi rmação da inviolabilidade da vida humana se baseia num tríplice argumento:

1 – Apropriação de um direito que corres-ponde a Deus;

2 – Falta de amor a si mesmo (diligis semetip-sum);

3 – Declinar das responsabilidades sociais (bonum commune).

O contributo, para a discussão sobre a Eutanásia, na perspectiva da teologia fundamental, a partir dos séculos XVI/XVII, centrou-se na distinção entre meios ordinários e os extraordinários.

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Sumariamente, poderemos apresentar argu-mentos de natureza teológica sobre a questão da Eutanásia:

1 – Colocar o gesto da Eutanásia será tomar o “lugar” de Deus-Pai (criador e senhor da vida e da morte). Os bioeticistas americanos referem-se regularmente à metáfora, “to play God”. Parece querer dizer-se que os seres humanos outorga-ram autorização para agir sobre o que não lhes pertence, sendo reservado ao domínio de Deus. A expressão parece reportar-se à visão do lugar e do papel do ser humano no mundo, bem como ao próprio sentido de Deus. Daqui se passa, argumentativamente, para uma teologia da cria-ção e da técnica. Respeitar a ordem natural dos acontecimentos, seria respeitar a ordem divina.

Um Deus, segundo o Apocalipse, não sente prazer em “brincar” com a vida e com a morte. Segundo o teólogo D. C. Maguire, os desenvolvimentos das ciências biomédicas poderão conduzir, hoje, ao “dever” escolher a morte, desde os diagnósticos até às terapêuticas. Mas escolher esta, não será ir contra Deus, mas respeitar o “movimento da vida” (uma forma axiológica). Assim, o teólogo C. Curran refere, ao comentar o “to play God”, que o processo que leva à morte já começou, a intervenção activa do ser humano não pode ser considerada como gesto “arrogante” de um qualquer, que usurparia o papel de Deus, mas como uma “acção dual” (entre doente e médico), que prossegue “um movimento iniciado na pessoa”. Logo, a rejeição argumentativa da Eutanásia, no seu contributo teológico, não se colocará a partir do “to play God”.

2 – Um segundo argumento teológico, rela-tivamente à Eutanásia, considera-a dentro da “sacralidade da vida”, em oposição à “profanida-de da vida”, que seria segundo a hierarquização axiológica um “contra-valor”. Esta “sacralidade” tem as suas origens no hinduísmo e no judeo-cristianismo. Mas, o melhor fundamento será a experiência “mesma” do existir, tal como descre-vemos ao longo da fenomenologia dos valores de M. Scheler, o princípio do carácter sagrado (sacrum vitae) é particularmente interpretado numa perspectiva vitalista (vitalismo clínico). Mas tal interpretação rígida do domínio sagrado da vida não corresponde à verdadeira tradição cristã. Segundo o cristianismo e para a Teologia Fundamental, non sacra est vita secundum intocabile objectum.

Ela é, entretanto, Kâdóch (sanctus) relativamente a Deus. Ela é obra Sua, segundo a Protologia, tal como se expressa na narrativa da tradição javeis-ta, a mais antiga em antropologia teológica. O “Deus vivo” é o “Deus de todos os viventes”. Segundo o Pentateuco a vida é tão fundamental quanto a “perfeição de Deus”, enquanto Ele-mesmo. Deus é vivente e vivifi cante, segundo a simbólica do “livro da vida” (Apocalipse). A “santidade da vida” (sacrum vitam facere) signifi ca que Deus fundamenta Ele próprio esta vida, na sua “concretude”. Esta visão induz-nos num profundo respeito axiológico pela vida. O respeito pela vida, onde Deus canta a bondade, é inseparável da res-pondere (responsabilidade) da humanidade para desenvolver a vida.

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3 – Um terceiro, e último argumento, salienta a vida como “gabe von Got”. Aqui a discussão aufere que a “prática eutanásia” é inaceitável, porque a vida é “dom de Deus”, e neste sentido ela não nos pertence. A vida como “dom Deus” é uma crença fundamental e fundamentante de diversas tradições cristãs. Contudo, para a discussão bioético/teológica, sobre a Eutanásia, será necessário clarifi car a semântica e a terminologia deste termo: donum. Com efeito, a “vida” como “dom de Deus” não se poderá separar da “responsabi-lidade”, como “e-ventum” de Deus ou como tornar-se “refém do outro” (E. Lévinas). Aqui surgem dois conceitos fundamentais, para uma nova leitura teológica sobre a “eutanásia”, expressos na revelação veterotestamentária, que se caracterizam pela valorização da vida como “aliança” e como “relação”.

Conclusivamente, os argumentos teológi-cos, como contributo para o debate sobre as actuais e constantes desafi os sobre a Eutanásia, convidam-nos na ordem do a priori emocio-nal concreto de M. Scheler, ao “respeito pela vida”, que revela em cada singularidade huma-na, como “existencial axiológico”. Entretanto, como refl exão epistemológica, estes argumen-tos secundum rationem não parecem “decisivos” para se oporem a toda e qualquer forma de “Eutanásia”, porque esta necessita na ordem bioética, de uma “revisão de vida”, através das “fontes ou factores da moralidade”: intenção (objectum) fi m (operis, operantis et operationis) e as circunstâncias.

A medicina actual, na medida em que avança na possibilidade de salvar mais vidas, cria, inevitavelmente, complexos “dilemas éticos”, que permitem maiores difi culdades para um conceito mais ajustado do fi m da existência humana. Além disso, o aumento da efi cácia e da segurança das novas modalidades terapêuticas motiva, também, interrogações quanto aos aspectos económicos, éticos e legais, resultantes do emprego exagerado de tais medidas e de possíveis indicações terapêuticas na sua aplicação. O cenário de morte e a situação do doente terminal são as condições que determinam maiores confl itos, neste contexto, tendo em conta os princípios, às vezes antagónicos, da preservação da vida e do alívio do sofrimento.

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2.3 – Teologia MoralA discussão da Eutanásia, no domínio da

teologia moral católica, começou no ponti-fi cado de Pio XII, num ambiente “crispado” pela legalização de muitas questões de foro bioético pelo III Reich. As questões sobre Eutanásia (12/09/1947; 24/02/1957 e 22/02/1941) levantadas pelo papa E. Pacelli, são analisadas com base no direito e na lei natural (ius gentium et naturalis lex). Trata-se, pois, de uma refl exão jurídica e de fi losofi a moral, sobre esta e outras questões. Não existe uma argumentação axiológica, nem se referem muitos aspectos de hermenêutica e de teologia bíblica, nos discursos dispersos do Papa, dado que ao tempo, também, a bioética, devido aos desafi os da medicina, era incipiente.

Porém, o pontifi cado de João Paulo II foi muito fecundo, desde os documentos da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, Iura et bona, sobre a eutanásia, (05/05/1980), até à encíclica, Evangelium Vitae, sobre o “valor inviolável da vida humana”, (25/03/1995), passando por outras discursos à Academia pro Vita, Roma, são marcados nitidamente por uma leitura ontológica deste fenómeno.

2.3.1. – O Papa Woytila recolhe muitos elementos da neoescolástica, a partir, sobretudo, do pensamento de S. Tomás de Aquino, quer na ordem fi losófi ca quer na linha teológica;

2.3.2. – Uma vez que o Papa foi, durante a sua docência na Universidade de Lublin (Polónia), um representante do “persona-lismo ontológico”, que fez escola, sendo marcadamente infl uenciado pelo pensamento axiológico das correntes fenomenológicas germânicas (M. Scheler, M. Hartmann, etc);

2.3.3. – Um último elemento infere-se ao refl ectir sobre a Eutanásia, ao seguir a ética escatológica e protológica. Assim, são as pala-vras de João Paulo II: A vida humana é sagrada, porque, desde o seu início comporta a acção criadora de Deus e permanece sempre numa especial relação com o Criador, seu único fi m. Só Deus é o Senhor da vida, desde o seu início até ao seu termo (Eutanásia). Ninguém, em qualquer circunstância, pode atribuir-se o direito de matar, de modo directo, um ser humano. Com estas palavras, a instrução, Donum Vitae, expõe o conteúdo central da revelação de Deus sobre o carácter sagrado e inviolável da vida humana (n.º53).

2.3.4. – O papa João Paulo II, de forma indivisa nos nºs 53, 54 e 59 da Evangelium Vitae, proclama que Deus se constitui como Senhor “absoluto” de vida do homem, criado à sua imagem e semelhança (Gen 1: 26-28). Mas, para a ética “dos fi ns dos tempos” de Jesus Cristo, a vida é um valor fundamental, mas não se refere como ab-solvere (separado de). O único, absoluto, para Jesus, é a causa do Reino de Deus. Os gestos escatológicos, de Cristo, pelas parábolas e sinais, referem-se numa ética e paranese soteriológicas.

Fundamental, nas suas asserções, teológicas e fi losófi cas, é a declaração Iura et Bona que, nos nºs 15-16, refere a “eutanásia” como violação da lei divina, como ofensa à dignidade da pessoa, como um crime contra a vida, como atentado contra a humanidade e termina dizendo que não existe razão alguma que possa justifi car a “eutanásia”.

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Conclusão (desafi os e perspectivas)O acto de provocar a morte, antes do que

seria de esperar, por motivos de compaixão e diante de um sofrimento penoso e insuportá-vel, sempre foi motivo de refl exão por parte da sociedade. Agora essa discussão tornou-se ainda mais premente, quando se discutem os direitos individuais, como resultado de uma ampla mobilização do pensamento nos sectores organizados da sociedade e quando a cidadania exige mais direitos por infl uência das “éticas narrativas”, sob a égide da Escola de Frankfurt. Além disso, surgem cada vez mais tratamentos e meios de diagnóstico, capazes de prolongar a vida dos pacientes descerebrados, o que pode levar a um demorado e penoso processo de morrer.

A medicina actual, na medida em que avan-ça na possibilidade de salvar mais vidas, cria, inevitavelmente, complexos “dilemas éticos”, que permitem maiores difi culdades para um conceito mais ajustado do fi m da existência humana. Além disso, o aumento da efi cácia e da segurança das novas modalidades terapêu-ticas motiva, também, interrogações quanto aos aspectos económicos, éticos e legais, resul-

tantes do emprego exagerado de tais medidas e de possíveis indicações terapêuticas na sua aplicação. O cenário de morte e a situação do doente terminal são as condições que determinam maiores confl itos, neste contexto, tendo em conta os princípios, às vezes anta-gónicos, da preservação da vida e do alívio do sofrimento.

Deste modo, disfarçada, enfraquecida e desu-manizada, pelos rigores da moderna tecnologia médica, a morte foi mudando o seu rosto ao longo do tempo. Cada dia que passa maior é a crença de que é possível uma “morte digna” e as famílias já admitem o direito de decidir sobre o destino dos seus doentes sem salvação possível e torturados pelo sofrimento físico, para os quais os meios terapêuticas disponíveis não conseguem atenuar. O médico vai sendo infl uenciado a seguir os passos dos moribun-dos e a agir com mais sensibilidade, orientado por uma nova ética alicerçada em princípios sentimentais e preocupada em entender as difi culdades do fi nal da vida humana. É possí-vel que a medicina venha a rever os seus ideais e as suas possibilidades, adquirindo a humil-dade de não tentar vencer o invencível, como

ReferênciasCicéron, M. T. – Correspondance, texte étabi et traduit, tome

IV, Les Belles Lettres, Paris, Libre, 1965, IV, XVI, 7, 3.

Urraca Martínez, S. (ed.) – Eutanasia Hoy: un debate abierto,

Editorial Noesis, Madrid, 1996, 316-318.

Iidem, Ibidem, 319.

Bormann, F. J. – “Töten oder Sterbenlassen” in Theologie

und Philosophie, 76 (Frankfurt, 2001) 63-99.

Rachles, J. – “Active and Passive Euthanasia” in New England

Journal of Medicine, 292 (New York, 1975) 78-80.

Scheler, M. – Morte e Sobrevivência, tradução do alemão,

Edições 70, Lisboa, 1993, 19-51.

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riale Wertethik, Fromman-Verlag, Halle, 1921, 19.

Iidem, Ibidem, 20-21.

Woytila, K. – El hombre e su destino, ensayos de antropo-

logía, traducción de Pilar Ferrer, Ediciones Palabra, Madrid,

1998, 156-160.

Leone, S. – Bioetica, Féde e Cultura –, Armando Editore,

Roma, 1995, 136.

Hume, D. – “On suicide” in Hume’s Ethical Writings,

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sério argumento aretológico, respondendo pela qualidade de vida, como arte e ciência.

Apesar do avanço da ciência, se auscultarmos a realidade sociológica actual, nas comunida-des da nossa convivência cultural, certamente vamos entender a complexidade e a profun-didade do tema. Tem de se deixar assente que a realidade se apresenta com complexidade muito elevada, difi cultando a valorização da oportunidade na decisão a tomar. Afi rmações como “incurável”, “proximidade da morte”, “perspectiva de cura”, “prolongamento da vida” são relativas e de uma referência, em muitas ocasiões, pouco fi áveis. Daí a delica-deza e escrupulosidade necessárias na hora do confronto com a casuística.

Por detrás do comportamento eutanásico esconde-se, porventura, uma ética utilitarista e/ou pragmática, que identifi ca o bonum como o utilis, reduzindo o homem a um “jogo de interesses”. A pessoa, segundo a fi losofi a utili-tarista, é digna de respeito na medida em que é “peça útil” à sociedade e ao Estado, actuando segundo critérios e valores que a mesma esta-

belece, correndo-se o risco de arbitrariedade por parte dos “poderosos”.

A prática da Eutanásia poderá baixar o nível moral da sociedade e da “convivência social”, seguindo-se que numa sociedade em que se legalize a eutanásia ninguém se encon-tra “seguro”. A condenação da Eutanásia (morte a pedido ou por decisão unilateral do médico) radica na ratio insita in natura quid ea facienda sunt proibetque contraria,uma “lei” não escrita, mas inscrita no coração (natu-ralis lex). A eutanásia argumentativamente continuará a ser um problema axiológico e ético, mantendo-se como desafi o e como “tarefa aberta”, em virtude do princípio da autonomia. Infelizmente, este princípio nem é analisado pelo Magistério Pontifício nem fundamentado na refl exão teológica in genere. De facto, ora o pensamento kantiano, ora a fi losofi a anglo saxónica articula este princípio na eutanásia, porque a “autonomia” do doente será o “auto de fi nire”, que o médico deverá respeitar, independentemente da sua fi losofi a e/ou religiosidade.

Maguire, D. C. – Death by Choice, Image Books, New

York,1984, 224.

Curran, C. – Politics, Medicine and Christian Ethics, Fortress

Press, New York, 1973, 161-162.

Dumas, A..- “Fondements bibliques d’une bioéthique” in

Supplément de la Revue d’éthique et de théologie morale,

142, (Paris, 1982), 357.

Lévinas, E. – Totalidade e Infi nito, tradução de J. Pinto

Ribeiro Edições 70, Lisboa, 1980, 173-176.

A. A. V. V. – Le Don de la Vida, documentos del Magisterio de

la Iglesia sobre Bioética, B. A. C., Madrid, 1996, 737-738.

Nota – As referências bíblicas, sejam veterotestamentárias,

sejam neotestamentárias, surgem a partir dos seguintes

textos:

Weber, R., et alii – Biblia Sacra iuxta vulgatam versionem,

Deutsche Biblegesellschaft, Stuttgart, 1994.

Nestle, F.; Aland, B. et alii – Novum Testamentum graece et

latine, Deutche Bibelgesellschaft, Stuttgart, 1984.

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Daniel Serrão

O médico e os limites da vida humana

O que desejei principalmente transmitir-vos é que, quando um médico tem nas suas

mãos um ente vivo da espécie humana, que vai morrer, seja ele um grande idoso,

um incurável ou um embrião, o médico é muito mais do que um técnico competente e dedicado. Ele tem de ser, ele é, um humanista

sensível e bom e um homem virtuoso que compreende e respeita a luminosidade

fulgurante de um espírito que se extingue, mas que irá perdurar na memória de quantos o amaram. E que se deixa seduzir pela força e beleza de toda a biologia do desenvolvimento

que faz de uma frágil e humilde célula. O embrião, uma Pessoa Humana.

Rute Ferreira, Marta Moreira

Náuseas e vómitos na gravidez

A maioria das situações de náuseas e vómi-tos na gravidez são benignas e autolimitadas,

podendo ser orientadas nos Cuidados de Saúde Primários. Podem, no entanto, ter um impacto signifi cativo nas grávidas e

suas famílias. Médico de Família deve, por isso, estar preparado para diagnosticar e agir

adequadamente.

Marta Martins, António Moreira, António Silva, Felipe Aidar, Jaime Tolentino Miranda Neto, Mônica Vieira

Aulas de natação e o desenvolvimento de bebés

De facto, quer as diversas teorias da apren-dizagem elaboradas durante a última metade do séc. XX, e hoje perfeitamente admitidas, quer as actuais tendências das neurociências são unânimes em considerar que, espe-cialmente nos primeiros anos de vida, os estímulos de natureza sensório-motora são a base do desenvolvimento intelectual.

Gustavo Afonso, Lara Costa, Marta Miranda

Pé Diabético: prevenção e tratamento

O Pé Diabético constitui uma das compli-cações mais graves e dispendiosas da Diabetes Mellitus, sendo o principal motivo de internamento hospitalar e o responsável por grande número das amputações efectuadas por causas não traumáticas. Estima-se que em Portugal possam ocorrer, anualmente, cerca de 1200 amputações não traumáticas dos membros inferiores.

Mafalda Duarte, Constança Paúl

Avaliação do ambiente institucional – estudo ecológico comportamental dos idosos

Tendo em conta as alterações demográfi cas provocadas pelo envelhecimento em toda a Europa, a que Portugal não fi ca alheio, e as transformações que ocorrem nas sociedades actuais, proporcionam-se as condições para que considere o processo de envelhecimento e a velhice como uma situação problemática a necessitar de apoio.

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