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Leo Posternak A Teoria do Capital Humano no Brasil: pioneirismo, resistências e sua recente influência na formulação de políticas sociais Tese de Doutorado Tese de doutorado apresentada como requisito parcial para obtenção de grau de doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Orientador: Prof. Ricardo Emmanuel Ismael de Carvalho Rio de Janeiro Setembro de 2014

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Leo Posternak

A Teoria do Capital Humano no Brasil: pioneirismo, resistências e sua recente influência na formulação de políticas sociais

Tese de Doutorado

Tese de doutorado apresentada como requisito parcial para obtenção de grau de doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Orientador: Prof. Ricardo Emmanuel Ismael de Carvalho

Rio de Janeiro Setembro de 2014

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Leo Posternak

A Teoria do Capital Humano no Brasil: pioneirismo, resistências e sua recente influência na formulação de políticas sociais

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais do Departamento de Ciências Sociais do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Prof. Ricardo Emmanuel Ismael de Carvalho Orientador

Departamento de Ciências Sociais – PUC-Rio

Prof. Fernando Antonio Faria UFF

Prof. Bruno de Moura Borges UERJ

Profa. Angela Maria de Randolpho Paiva Departamento de Ciências Sociais – PUC-Rio

Prof. Eduardo de Vasconcelos Raposo

Departamento de Ciências Sociais – PUC-Rio

Profa. Mônica Herz Coordenadora Setorial do Centro

de Ciências Sociais – PUC-Rio

Rio de Janeiro, 05 de setembro de 2014

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução

total ou parcial do trabalho sem autorização da

universidade, do autor e do orientador.

Léo Posternak

Graduado em Engenharia Civil pela UFRJ em 1970.

Graduado em Ciências Sociais pela PUC-Rio em 2004.

Mestre em Ciências Sociais pela PUC-Rio em 2008.

Ficha Catalográfica

CDD: 300

Posternak, Léo A teoria do capital humano no Brasil : pioneirismo, resistências e sua recente influência na formulação de políticas sociais / Léo Posternak ; orientador: Ricardo Emmanuel Ismael de Carvalho. – 2014. 160 f. ; 30 cm Tese (doutorado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Ciências Sociais, 2014. Inclui bibliografia 1. Ciências Sociais – Teses. 2. Teoria do capital humano. 3. Pensamento econômico brasileiro. 4. Desigualdade de renda. 5. Educação básica. 6. Programas de transferências condicionadas de renda. I. Ismael, Ricardo. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Ciências Sociais. III. Título.

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À minha família.

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Agradecimentos

Ao professor Ricardo Ismael pelo incentivo e pela orientação profissional e

amiga.

À PUC-Rio, pelo auxílio concedido, sem o qual este trabalho não poderia ter sido

realizado.

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Resumo

Posternak, Léo; Carvalho, Ricardo Emmanuel Ismael de. A Teoria do

Capital Humano no Brasil: pioneirismo, resistências e sua recente

influência na formulação de políticas sociais. Rio de Janeiro, 2014.

160p. Tese de Doutorado - Departamento de Ciências Sociais, Pontifícia

Universidade Católica do Rio de Janeiro.

A Teoria do Capital Humano defende que a educação formal é necessária

para aumentar a capacidade de produção de uma população: uma população

educada é uma população produtiva e dotada de maior nível de bem-estar social, o

que, por sua vez, proporciona a diminuição da pobreza e da desigualdade de

renda. Na década de 1970, Carlos Geraldo Langoni estudou, de forma pioneira e

com o auxílio da Teoria do Capital Humano, a variação da desigualdade de renda

no Brasil na década de 1960. Seu trabalho demonstrou que a variável “educação”

possuía a maior correlação para explicar os resultados observados de desigualdade

nos rendimentos do trabalho. Desníveis provenientes do sistema educacional

brasileiro, envolvendo crianças e adolescentes, resultavam em desníveis salariais

entre os trabalhadores no mercado de trabalho. Langoni contribuiu para a

formação de um grupo de pesquisadores brasileiros que, influenciados por aquela

perspectiva teórica, participaram a partir da década de 1990, do debate público

envolvendo a formulação de programas de transferências de renda condicionadas

à frequência escolar. Embora as teses baseadas na Teoria do Capital Humano

apresentadas por Langoni, em 1973, fossem consistentes e representassem

importante contribuição para a compreensão da desigualdade de renda, o ambiente

político e acadêmico dos anos de 1970 terminou por inibir a repercussão e o

reconhecimento de seu trabalho. Apenas a partir de 1990, tendo à frente seus

seguidores, aquelas ideias e a própria Teoria do Capital Humano passaram a

influenciar governos, políticas sociais, e, de alguma forma, as escolhas da própria

sociedade brasileira.

Palavras-chave

Teoria do Capital Humano; pensamento econômico brasileiro;

desigualdade de renda; educação básica; programas de transferências

condicionadas de renda.

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Abstract

Posternak, Léo; Carvalho, Ricardo Emmanuel Ismael de. (Advisor)

Human Capital Theory in Brazil: pioneering, resistances, and recent

influence on the formulation of social policies. Rio de Janeiro, 2014.

160p. PhD. Thesis. Departament of Social Sciences, Pontifícia

Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Human Capital Theory proposes that formal education is necessary to

increase a population’s productivity: an educated population tends also to be a

productive one and to present a higher level of social well-being that provides

reduction of poverty and income inequality. Based on Human Capital Theory,

Carlos Geraldo Langoni pioneered, in the 1970s, a study on the variation of

income inequality in Brazil during the 1960s. His work demonstrated that

“education” was the variable that best correlated with future income inequality.

The inequality gaps involving children and adolescents in the Brazilian

educational system were reproduced in wage gaps among workers in the labor

market. Langoni contributed to the formation of a group of Brazilian researchers

who were influenced by this theory. As of the 1990s, these researchers were

involved in the public debate regarding the issuance of cash transfers conditional

on school attendance programs. Although these conclusions based on Human

Capital Theory presented by Langoni in 1973 were consistent and represented an

important contribution to the understanding of income inequality, the political and

academic environment of the 1970s ended by inhibiting the impact and

recognition of the work. Starting in the 1990s, headed by his followers, those

ideas and Human Capital Theory influenced governments, social policies, and

somehow the choices of Brazilian society

Keywords

Human Capital Theory; Brazilian economic thought; income inequality;

basic education; conditional cash transfers programs.

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Sumário

Introdução 11 1. Teoria do Capital Humano: origens e evolução 15

1.1. A relevância da educação no mundo contemporâneo 15 1.2. O pensamento econômico e a educação como capital humano 22 1.3. As origens da Teoria do Capital Humano 25 1.4. Educação, capital humano e o pensamento social brasileiro 35

2. Carlos Langoni e seu pioneirismo 41

2.1. A educação básica como fator explicativo para a desigualdade de renda 41

3. A Teoria do Capital Humano nos anos 1970 no Brasil 53

3.1. O contexto histórico quando do lançamento do livro de Langoni 53 3.2. O debate sobre o livro de Langoni 59 3.3. As resistências à Teoria do Capital Humano na visão dos seus defensores 63 3.4. A visão dos desenvolvimentistas sobre o conflito distributivo no

período autoritário 73 4. A defesa de investimentos em capital humano no pensamento econômico dos anos 1990 78

4.1. O resgate das ideias de Langoni e a agenda pública 78 4.2. A contribuição dos economistas da PUC-Rio e da FGV-Rio 82 4.3. O pensamento desenvolvimentista incorpora aspectos da Teoria do Capital Humano 100 4.4. A sociedade e a valorização da educação 102

5. Programas de transferência de renda no Brasil: antecedentes e tendências recentes 108

5.1. Direitos sociais no Brasil a partir de 1930 108 5.2. O debate sobre os programas de renda mínima no Brasil 120 5.3. O pioneirismo das unidades subnacionais no combate à pobreza 130 5.4. O programa Bolsa Família e a interrupção do ciclo intergeracional de reprodução da pobreza 131

6. Conclusões 140 7. Referências bibliográficas 152

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Lista de tabelas Tabela 1: Crescimento do PIB por década de 1960 a 1990 55 Tabela 2: Taxa média anual do crescimento do PIB por década de 1960 a 1990 55 Tabela 3: Índice de Gini entre 1960 e 1990 56

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Lista de siglas

ANPEC – Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia

ARENA – Aliança Renovadora Nacional

BIRD - Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento

BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

CCE – Conselho das Comunidades Europeias

CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe

CIEP – Centro Integrado de Educação Pública

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

FGV - Fundação Getúlio Vargas

FMI - Fundo Monetário Internacional

FUNRURAL – Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural

IAP – Instituto de Aposentadorias e Pensões

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INPS – Instituto Nacional de Previdência Social

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

MDB – Movimento Democrático Brasileiro

MIT - Massachusetts Institute of Technology

NBER – National Bureau of Economic Research

PBF – Programa Bolsa Família

PIB – Produto Interno Bruto

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira

PT – Partido dos Trabalhadores

PUC – Pontifícia Universidade Católica

SUDENE - Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

USP – Universidade de São Paulo

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Introdução

O pensamento social brasileiro tem discutido a relevância da educação

como um elemento que permite impulsionar a produtividade, reduzir a

desigualdade e fortalecer os laços sociais. A educação tem sido considerada uma

condição para que a sociedade possa participar e usufruir dos benefícios da nova

sociedade do conhecimento (Schwartzman, 2004).

O Brasil industrializou-se sem ter universalizado a educação básica, o que

faz com que a educação básica de qualidade seja, ainda hoje, um de nossos

maiores desafios. Sem uma educação de qualidade para todos, não poderemos

mais nos desenvolver, nem atingir a integração social, e teremos também

dificuldade para alcançar a consolidação da democracia. Esta será imprescindível

para que possamos fazer crescer nossa economia qualitativamente e com alto

conteúdo científico e tecnológico (Buarque, 2112a).

Parte importante do pensamento econômico contemporâneo tem abordado

o tema da educação na perspectiva da Teoria do Capital Humano. Neste caso, a

ênfase recai sobre o modo pelo qual a educação incrementa a produtividade e a

eficiência dos trabalhadores, e como se reflete na redução da desigualdade de

renda no mercado de trabalho. São de especial importância, e aqui serão

analisados, os estudos feitos a partir dos anos 1950 pelos economistas Jacob

Mincer, Theodore William Schultz e Gary Becker.

A difusão da Teoria do Capital Humano no Brasil contou com o trabalho

pioneiro e inovador de Carlos Geraldo Langoni, Distribuição de renda e

desenvolvimento econômico do Brasil, publicado em 1973, que procurava

investigar a questão da distribuição de renda no Brasil utilizando conceitos

daquela abordagem teórica. Nesta obra, Langoni concluiu que a variável

“educação” era a que tinha a mais importante correlação para explicar a

desigualdade de renda no mercado de trabalho.

No contexto dos anos de 1970 o trabalho de Langoni foi severamente

criticado. Estávamos sob um regime de exceção e o livro de Langoni fora

prefaciado por Delfim Netto, que ocupava na época o cargo de Ministro da

Fazenda do Governo Médici. As conclusões a que Langoni chegara, sobre a

desigualdade de renda no mercado de trabalho, eram acusadas de beneficiar

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politicamente o regime autoritário, e de tirar o foco em relação à política salarial

restritiva e a repressão aos sindicatos de trabalhadores.

Um conjunto de pesquisadores da realidade social brasileira, influenciados

pelas ideias do Langoni e pela Teoria do Capital Humano, passou a ter

ressonância, a partir dos anos 1990, no debate público sobre a formulação de

políticas sociais condicionadas à frequência escolar. Nomes como José Márcio

Camargo, Samuel Pessôa, Francisco Ferreira, Marcelo Neri e Ricardo Paes de

Barros criaram um ambiente que permitiu que o livro escrito por Langoni - que

havia enfrentado obstáculos por ocasião de sua publicação - influenciasse as

políticas sociais de combate à pobreza e à desigualdade de renda em nosso país a

partir dos anos 1990.

O objetivo desta investigação é analisar a relevância do trabalho de Carlos

Langoni na difusão da Teoria do Capital Humano no Brasil, procurando

compreender as resistências enfrentadas na época em que suas ideias foram

apresentadas, e as contribuições de alguns de seus principais seguidores a partir

dos anos 1990, período em que os governos adotaram, de forma crescente,

programas de transferência de renda condicionados à frequência escolar.

Para a execução deste trabalho foi feito um amplo levantamento

bibliográfico objetivando mobilizar os autores que trataram do tema da educação e

da Teoria do Capital Humano no mundo contemporâneo e no pensamento social

brasileiro. Foram realizadas entrevistas com roteiro previamente definido e

levantamento bibliográfico específico, envolvendo economistas que apoiaram as

ideias de Langoni e da Teoria do Capital Humano a partir dos anos de 1990.

Finalmente, as estatísticas descritivas utilizadas neste trabalho tiveram como fonte

os sítios do Banco Central do Brasil, IPEA e IBGE.

No primeiro capítulo abordarei, primeiramente, a visão de cientistas

sociais contemporâneos relativamente à importância da educação no mundo atual

e, em seguida, tratarei dos estudos dos fundadores da Teoria do Capital Humano.

Apresentarei o posicionamento do pensamento social brasileiro face ao papel da

educação na diminuição da desigualdade e da pobreza, bem como no aumento da

competitividade e produtividade da economia.

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No capítulo 2 analisarei o clássico de Langoni, Distribuição da renda e

desenvolvimento econômico do Brasil, dando ênfase aos aspectos que pontuam a

educação como elemento principal do aumento de nossa desigualdade entre os

anos 1960 e 1970. De especial interesse será sua precoce defesa de que a

transferência de recursos para os mais pobres, condicionada à frequência escolar,

seria fundamental, uma vez que com o crescimento econômico cresce o incentivo

às famílias pobres de colocar os filhos precocemente no mercado de trabalho,

reproduzindo na geração dos filhos a baixa escolaridade dos pais.

O capítulo 3 tratará da receptividade ao livro de Langoni no Brasil dos

anos 1970, sendo contextualizado o ambiente político e acadêmico em que

vivíamos, em meio a um regime autoritário. As discussões que surgiram em

função das conclusões de Langoni serão abordadas, e veremos como os

defensores da Teoria do Capital Humano analisam as resistências àquelas ideias.

Finalmente, trataremos da narrativa de desenvolvimentistas quanto à forma em

que se deu o conflito distributivo após a implantação do regime autoritário.

No capítulo 4 analisarei os principais trabalhos de representantes do

pensamento econômico brasileiro que ajudaram a difundir as ideias de Langoni e

a Teoria do Capital Humano no Brasil a partir dos anos 1990, contribuindo

também para a implantação de programas de combate à pobreza com

condicionamento da transferência à frequência nas escolas. Aqui veremos o

resgate das ideias de Langoni através de alguns pesquisadores da PUC-Rio e

FGV-Rio. Além disso, veremos como os representantes do pensamento

desenvolvimentista incorporaram conceitos oriundos da Teoria do Capital

Humano. Finalmente, ainda que de forma muito preliminar, analisaremos a

hipótese de que a sociedade passou a valorizar a educação como um fator

fundamental para a mobilidade social.

O quinto capítulo fará inicialmente um histórico do desenvolvimento dos

direitos sociais no Brasil desde 1930. Em seguida serão abordadas as questões

referentes à presença ou ausência das condicionalidades como fator de escolha dos

beneficiários dos programas. Serão estudados os primeiros programas de

transferência de renda no Brasil e a implantação de seu formato atual, o Bolsa

Família, programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em

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situação de pobreza e de extrema pobreza e que tem como objetivos reduzir a

pobreza no Brasil, especialmente a pobreza extrema e interromper o ciclo

intergeracional de reprodução da pobreza.

No capítulo 6, finalmente, exporei minhas conclusões.

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1. Teoria do Capital Humano: origens e evolução

Neste capítulo serão abordadas a importância da educação no mundo atual

e a visão de cientistas sociais contemporâneos acerca do assunto. Em seguida

apresentar-se-ão reflexões de economistas sobre o papel da educação como fator

de aumento do capital humano e as origens de tal pensamento. Abordarei,

finalmente, como o pensamento social brasileiro se posiciona perante esses temas.

1.1. A relevância da educação no mundo contemporâneo

Atualmente a importância da educação em um mundo globalizado e em

constantes e profundas transformações tem sido abordada, através de diversos

ângulos, por importantes cientistas sociais.

Manuel Castells 1, em A sociedade em rede, propõe estimar a

especificidade de uma economia global e informacional, delinear suas principais

características e explorar a estrutura e a dinâmica de um sistema econômico

mundial que provavelmente caracterizará as próximas décadas. Segundo Castells,

seu livro

estuda o surgimento de uma nova estrutura social, manifestada sob várias formas

conforme a diversidade de culturas e instituições em todo o planeta. Essa nova

estrutura social está associada ao surgimento de um novo modo de

desenvolvimento, o informacionalismo, historicamente moldado pela

reestruturação do modo capitalista de produção, no final do século XX (Castells,

2006: 51).

Para Castells, uma nova economia, informacional, global e em rede, teria

surgido nas últimas décadas. Ela é informacional, porque a competitividade e a

produtividade dos agentes nessa economia são dependentes de sua capacidade de

gerar, processar e aplicar com eficiência a informação baseada em conhecimento.

Ela é global porque as principais atividades produtivas estão organizadas em

escala global. Ela é informacional e global porque tanto a produtividade quanto a

concorrência se dão por meio de interação em uma rede global. E é, finalmente,

1 Manuel Castells, sociólogo, (1942-) nasceu em Hellín, Espanha. De 1967 e 1979 lecionou na

Universidade de Paris. Foi professor de Sociologia e Planejamento Regional na Universidade de

Berkeley, Califórnia. Em 2001, tornou-se pesquisador da Universidade Aberta da Catalunha em

Barcelona.

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uma economia em rede “porque, nas novas condições históricas, a produtividade é

gerada, e a concorrência é feita em uma rede global de interação entre redes

empresariais” (Castells, 2006: 119).

Castells chama a atenção para o fato de que a produtividade, em longo

prazo, é o fator definidor da riqueza das nações, e a tecnologia é o principal fator

que provoca a produtividade. O sociólogo afirma que as empresas e as nações são

os agentes do crescimento econômico, mas a produtividade não é uma finalidade,

pois as empresas são motivadas pela lucratividade, e não pela produtividade. As

nações, por sua vez, têm como objetivo incrementar a competitividade de suas

economias, e não simplesmente inovar tecnologicamente. Lucratividade e

competitividade são os fatores que determinam a inovação tecnológica e o

crescimento da produtividade.

O processo de globalização realimenta o crescimento da produtividade, e

os interesses políticos específicos do Estado ficam diretamente ligados ao destino

da concorrência econômica das empresas. A política e a produtividade ficam,

assim, interligadas, tornando-se instrumentos fundamentais para a

competitividade.

Embora a economia informacional-global seja distinta da economia

industrial, aquela não se opõe à lógica desta, visto que o que mudou não foi o tipo

de atividade em que a humanidade está envolvida, mas sua capacidade

tecnológica de utilizar, como força produtiva direta, aquilo que caracteriza nossa

espécie como singularidade biológica: nossa capacidade superior de processar

símbolos.

É claro que a tecnologia não determina a sociedade. Nem a sociedade escreve o

curso da transformação tecnológica, uma vez que muitos fatores, inclusive

criatividade e iniciativa empreendedora, intervêm no processo de descoberta

científica, inovação tecnológica e aplicações sociais, de forma que o resultado

final depende de um complexo padrão interativo. Na verdade, o dilema do

determinismo tecnológico é, provavelmente, um problema infundado, dado que a

tecnologia é a sociedade, e a sociedade não pode ser entendida ou representada

sem suas ferramentas tecnológicas (Castells, 2006: 43).

Castells identifica quatro processos principais que determinam a forma e o

resultado dessa concorrência, a saber, a capacidade tecnológica, o acesso a um

mercado afluente integrado, um diferencial entre os custos de produção no local

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produzido e os do mercado de destino e a capacidade política das instituições

nacionais e supranacionais de impulsionar a estratégia de crescimento desses

países na região sob sua jurisdição.

Uma economia global é uma economia apta a funcionar como uma

unidade em tempo real e em escala mundial. As novas tecnologias permitem que o

capital seja transportado em curtíssimo prazo, o que faz com que os movimentos

de capital tornem-se globais e cada vez mais autônomos em relação ao

desempenho das economias. O fundamental para uma estratégia administrativa

bem sucedida é posicionar a empresa na rede, tendo como objetivo ganhar

vantagem competitiva. A economia global que resulta da concorrência e da

produção com base informacional caracteriza-se por sua interdependência,

assimetria, regionalização, crescente diversificação dentro de cada região,

inclusão seletiva, segmentação excludente e, em consequência de todos esses

fatores, por uma geometria variável que tende a relativizar a geografia econômica

e histórica.

A estrutura dessa economia tem como peculiaridade a combinação de uma

estrutura permanente com uma geometria variável. A arquitetura da economia

global apresenta um mundo assimétrico interdependente, organizado em torno de

três regiões econômicas principais - Europa, América do Norte e Pacífico asiático

-, e cada vez mais polarizado ao longo de um eixo de oposição entre as áreas

produtivas e ricas e as áreas pobres e atingidas pela exclusão social.

A mais nova divisão internacional do trabalho está disposta em quatro

posições diferentes na economia informacional-global, quais sejam, produtores de

alto valor com base no trabalho informacional, produtores de grande volume

baseado no trabalho de mais baixo custo, produtores de matérias-primas que se

baseiam em recursos naturais e produtores redundantes, reduzidos ao trabalho

desvalorizado. Essa nova divisão internacional do trabalho está organizada com

base em trabalho e tecnologia, mas é implementada e modificada por governos e

empreendedores.

Para Castells, com a difusão das tecnologias de informação, não teremos

como consequência provável desemprego em massa no futuro previsível. No

entanto, de certa forma, este cenário coloca o acesso à educação na sociedade

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informacional como um projeto mais individual do que resultado de uma ação

coletiva. Em função da capacidade que as redes têm de agir como forças

descentralizadoras,

a mão-de obra está desagregada em seu desempenho, fragmentada em sua

organização, dividida em sua ação coletiva. [...] Os trabalhadores perdem sua

identidade coletiva, tornam-se cada vez mais individualizados quanto as suas

capacidades, condições de trabalho, interesse e projetos (Castells, 2006: 571).

Amartya Sen 2, em Desenvolvimento como liberdade, reconhece a

consolidação dos elementos de cidadania, afirmando que “o século XX

estabeleceu o regime democrático e participativo como modelo preeminente de

organização política. Os conceitos de direitos humanos e liberdade política são

parte da retórica prevalecente” (Sen, 2000: 9). No entanto, apesar do fato de as

pessoas viverem em média mais tempo que no passado, problemas novos

convivem com antigos, e nosso mundo apresenta “privação, destituição e opressão

extraordinária” (Sen, 2000: 9).

Sen discorda das avaliações de desenvolvimento baseadas no crescimento

do produto interno bruto, no aumento das rendas, na industrialização e em outros

critérios puramente economicistas. Para ele, “o desenvolvimento pode ser visto

como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam”

(Sen, 2000: 17). E para que se possa ter o desenvolvimento por ele clamado, hão

de ser removidas “as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania,

carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência

dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados

repressivos” (Sen, 2000: 18).

Ao analisar a liberdade como um meio para desenvolver-se, afirma que o

processo de desenvolvimento depende de um ambiente de liberdade que possui

diversos componentes que se relacionam entre si, dentre os quais liberdades

políticas, oportunidades sociais, facilidades econômicas, segurança protetora e

garantias de transparência. Portanto, faz-se necessário “desenvolver e sustentar

uma pluralidade de instituições, como sistemas democráticos, mecanismos legais,

2 Amartya Sen (1933- ) nasceu em Santiniketan, Índia. Prêmio Nobel de Economia em 1998.

Lecionou na Delhi School of Economics, na London School of Economics, na Universidade de

Oxford e na Universidade de Harvard. Reitor da Universidade de Cambridge.

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estruturas de mercado, provisão de serviços de educação e saúde, facilidades para

a mídia e outros tipos de comunicação” (Sen, 2000: 71).

Para Sen, as liberdades políticas, nas quais podemos englobar os direitos

civis e políticos, alimentam o desenvolvimento. Ampliando-se a democracia,

amplia-se o desenvolvimento. As oportunidades sociais, por sua vez, consistem

nos direitos sociais, dentre os quais se destacam educação e saúde.

Oportunidades sociais são as disposições que a sociedade estabelece nas áreas de

educação, saúde etc., as quais influenciam a liberdade substantiva de o indivíduo

viver melhor. Essas facilidades são importantes não só para a condução da vida

privada [...], mas também para uma participação mais efetiva em atividades

econômicas e políticas. Por exemplo, o analfabetismo pode ser uma barreira

formidável à participação em atividades econômicas que requeiram produção

segundo especificações ou que exijam rigoroso controle de qualidade (uma

exigência sempre crescente no comércio globalizado) (Sen, 2000: 56).

As facilidades econômicas passam pela democratização do crédito, que

trará um afluxo de camadas mais pobres para o consumo. A segurança protetora

consiste em uma rede de proteção abaixo da qual ninguém seria permitido cair.

Por garantias de transparência podemos entender um aspecto cultural que

favoreceria uma atitude cooperativa, em que a confiança teria um forte valor. A

liberdade teria um papel instrumental, ao ser um meio para o desenvolvimento, e

também um papel constitutivo: deveria, pois, ser o fim primordial do

desenvolvimento. E este só seria possível através da atuação de indivíduos livres

das privações básicas que lhes dificultam encontrar, em um mercado também

livre, as oportunidades para levarem a vida que lhes convém.

Anthony Giddens 3, em As consequências da modernidade, discute a

educação formal, abordando as questões da confiança e da tradição, e propõe a

questão dos motivos pelos quais “a maioria das pessoas, a maior parte do tempo,

confia em práticas e mecanismos sociais sobre os quais seu próprio conhecimento

técnico é ligeiro ou não existente” (Giddens, 1991: 91). Para Giddens,

isto pode ser respondido de várias maneiras. Sabemos o bastante sobre a

relutância com a qual, no início de cada fase do desenvolvimento social moderno,

as populações se adaptaram a novas práticas sociais - tais como a introdução de

formas profissionalizadas de medicina - para reconhecer a importância da

socialização em relação a esta confiança. A influência do “currículo oculto” nos

processos de educação formal é aqui provavelmente decisiva. O que é transmitido

3 Anthony Giddens (1938- ), sociólogo, nasceu em Londres. Foi Diretor da London School of

Economics and Political Science entre 1997 e 2003.

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à criança no ensino da ciência não é apenas o conteúdo das descobertas técnicas

mas, mais importante para as atitudes sociais gerais, uma aura de respeito pelo

conhecimento técnico de todos os tipos. Na maioria dos sistemas educacionais

modernos, o ensino da ciência começa sempre pelos “princípios primeiros”,

conhecimento visto como mais ou menos indubitável. A ciência tem assim por

longo tempo mantido uma imagem de conhecimento fidedigno que se verte numa

atitude de respeito para com a maioria das formas de especialidade técnica (Giddens, 1991: 81).

Em Para além da esquerda e da direita: o futuro da política radical,

Giddens aborda a questão da expansão do que ele chama de reflexividade social.

Os movimentos que questionam as tradições na sociedade moderna acionam uma

influência do conhecimento sobre a realidade:

em uma sociedade destradicionalizadora, os indivíduos devem se acostumar a

filtrar todos os tipos de informação relevantes para as situações de suas vidas e

atuar rotineiramente com base nesse processo de filtragem. Tome-se, por

exemplo, a decisão de casar. Uma decisão dessas tem que ser tomada com a

consciência de que, nas últimas décadas, o casamento mudou em aspectos

básicos, os hábitos e identidades sexuais também se alteraram, e que as pessoas

exigem mais autonomia em suas vidas do que nunca. Além do mais, isso não

significa apenas conhecimento acerca de uma realidade social independente;

quando aplicado na prática, esse conhecimento influencia o que a realidade

realmente é. O crescimento da reflexividade social é um fator fundamental que

introduz um deslocamento entre o conhecimento e o controle – uma fonte

primária de incerteza artificial (Giddens, 1996: 15).

Para Giddens, nesse mundo em que as tradições são constantemente

desafiadas, o conhecimento também é desafiado e modificado:

um mundo de reflexividade intensificada é um mundo de pessoas inteligentes.

Não quero dizer com isso que as pessoas sejam mais inteligentes do que

costumavam ser. Em uma ordem pós-tradicional, os indivíduos têm, mais ou

menos, que se engajar com o mundo em termos mais amplos se quiserem

sobreviver nele. A informação produzida por especialistas (incluindo o

conhecimento científico) não pode mais ser totalmente confinada a grupos

específicos, mas passa a ser interpretada rotineiramente e a ser influenciada por

indivíduos leigos no decorrer de suas ações cotidianas (Giddens, 1996: 15).

A influência dos avanços do conhecimento trazida pela tecnologia da

informação aumenta a autonomia das decisões de investimento, o que, por sua

vez, obriga a uma constante atualização e atenção às inovações. E isso também

traria consequências sobre as decisões políticas e, podemos dizer, de políticas

sociais:

o desenvolvimento da reflexividade social é a principal influência sobre uma

diversidade de mudanças que, sob outros aspectos, parecem ter muito pouco em

comum. Por conseguinte, a emergência do “pós-fordismo” nos empreendimentos

industriais é geralmente analisada em termos de mudança tecnológica – em

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especial, a influência de tecnologia de informação. Mas o motivo básico para o

crescimento da “produção flexível” e da “tomada de decisões de baixo para cima”

é que o universo de alta reflexividade conduz à maior autonomia de ação, que o

empreendimento deve reconhecer e ao qual deve recorrer. O mesmo se aplica à

burocracia e à esfera política. Como esclareceu Max Weber, a autoridade

burocrática costumava ser uma condição para a eficiência organizacional. Em

uma sociedade ordenada de maneira mais reflexiva, atuando no contexto de

incerteza artificial, isso não mais acontece. Os velhos sistemas burocráticos

começam a desaparecer, dinossauros da era pós-tradicional. No domínio da

política, os Estados não podem mais, tão prontamente, tratar seus cidadãos como

“súditos”. As exigências de reconstrução política, de eliminação da corrupção,

além de um descontentamento muito difundido com relação aos mecanismos

políticos ortodoxos, todos estes fatores são, em algum aspecto, expressões de uma

reflexividade social aumentada (Giddens, 1996: 15-16).

Há discordâncias quanto à importância da Teoria do Capital Humano para

o desenvolvimento da sociedade. Pierre Bourdieu questiona a própria teoria,

relacionando classes sociais de origem com desempenho escolar:

a noção de capital cultural impôs-se, primeiramente, como uma hipótese

indispensável para dar conta da desigualdade de desempenho escolar de crianças

provenientes das diferentes classes sociais, relacionando o “sucesso sescolar”, ou

seja, os benefícios específicos que as crianças das diferentes classe e frações de

classe podem obter no mercado escolar, à distribuição do capital cultural entre as

classes e frações de classe. Este ponto de partida implica em uma ruptura com os

pressupostos inerentes, tanto à visão comum que considera o sucesso ou fracasso

escolar como efeito das “aptidões” naturais, quanto às teorias do “capital

humano” (Bourdieu, 2007: 73).

A passagem da sociedade pós-industrial para a sociedade do conhecimento

requer maior atenção com a educação, trazendo novos desafios para a sociedade,

empresas e governos. A educação adquiriu status de variável dependente devido à

sua relevância social, econômica e política. Conforme Richard Crawford, a

mudança nas tecnologias trouxe novas necessidades educacionais:

na sociedade industrial, a educação está disponível por períodos limitados e

específicos de tempo. A maior preocupação nesta sociedade é a alfabetização e o

provimento de treinamento técnico. Na sociedade do conhecimento, a educação é

universal e os níveis de educação crescem para as novas áreas de conhecimento

que requerem mais treinamento e educação atualizada para sua aplicação.

Profissionais universitários e especializados tornam-se o maior grupo empregado.

[...] Adicionado à educação formal, os americanos têm recebido de seus

empregadores cada vez mais treinamento no trabalho. As empresas têm um papel

fundamental no investimento em capital humano: estão atualmente despendendo

com treinamento de trabalhadores quase o mesmo valor das despesas anuais dos

EUA com educação (Crawford, 1994: 38-39).

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1.2. O pensamento econômico e a educação como capital humano

O pensamento econômico há séculos se preocupa com os efeitos da

educação sobre o crescimento da economia. Adam Smith, no século 18, enfatizava

a importância do estudo e do aprendizado para o desenvolvimento das sociedades.

Seriam de especial relevância

[…] the acquired and useful abilities of all the inhabitants and members of the

society. The acquisition of such talents, by the maintenance of the acquirer during

his education, study, or apprenticeship, always costs a real expense, which is a

capital fixed and realized, as it were, in his person. Those talents, as they make a

part of his fortune, so do they likewise that of the society to which he belongs.

The improved dexterity of a workman may be considered in the same light as a

machine or instrument of trade which facilitates and abridges labour, and which,

though it costs a certain expense, repays that expense with a profit (Smith, 2012:

livro II, capítulo I).

Até meados do século 20, muitos economistas resistiam à ideia de uma

análise econômica da educação, ao mesmo tempo em que viam problemas em

considerar o trabalho mais qualificado como uma forma de capital. Após a

Segunda Guerra Mundial, um grupo de economistas desenvolveu um programa de

pesquisas que acabaria por alterar aquelas resistências e formalizaria os estudos

sobre o capital humano. Procuraram entender como o capital humano podia

explicar as diferenças entre os crescimentos econômicos de diversos países, bem

como a influência da educação na distribuição de renda (Teixeira 4, 2007: 31).

In the aftermath of World War II this situation changed prompted by several

developments, initially unrelated, that converged to give increasing prominence

to the economic effects of education. One of those changes was the postwar

revival of growth debates that, alongside the expansion of educational systems in

most Western countries, led to an increasing emphasis on the qualification of the

labor force as a key factor in explaining differentiated growth performances. The

second aspect was the changing possibilities and interests in research of personal

income, namely the belief that it was possible to provide causal explanations for

the distribution of income, and that education was a good candidate to be

included among those potential explanatory factors. Seizing the moment, a group

of economists frequently connected with Chicago, namely T. W. Schultz, Gary

Becker, and Jacob Mincer, managed to turn this metaphor into a whole research

program that would spread around many subfields (Teixeira, 2007: 32).

4 Pedro Nuno de Freitas Lopes Teixeira é PhD em Economia pela School of Business and

Economics da University of Exeter. É professor do Departamento de Economia da Universidade

do Porto, Portugal.

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Na década de 1950, Jacob Mincer 5 estava preocupado com o que parecia

ser uma contradição: a empiria sugeria que as habilidades dos indivíduos seguiam

o comportamento estatístico de uma distribuição normal, simétrica, ao passo que a

distribuição de renda não acompanhava esse modelo de curva. O indivíduo

racional que procura maximizar seus benefícios através de suas escolhas deveria

ser considerado para tentar explicar este fato:

[…] perhaps the most unsatisfactory feature of the stochastic models, which they

share with most other models of personal income distribution, is that they shed no

light on the economics of the distribution process. Non-economic factors

undoubtedly play an important role in the distribution of incomes. Yet, unless one

denies the relevance of rational optimizing behavior to economic activity in

general, it is difficult to see how the factor of individual choice can be

disregarded in analyzing personal income distribution, which can scarcely be

independent of economic activity (Mincer, 1958: 283).

De acordo com Theodore William Schultz 6, a acumulação do capital

humano estaria na base da explicação do motivo pelo qual o crescimento

econômico estaria se dando de forma desproporcional ao crescimento físico de

capital (infraestrutura, bens de capital e estoque, entre outros).

In economic growth, based on the assumption that the fundamental motives and

preferences which determine the ratio of all capital to income remain essentially

constant, the hypothesis here advanced is that the inclusion of human capital will

show that the ratio of all capital to income is not declining. Producer goods –

structures, equipment and inventories – a particular stock of capital has been

declining relative to income. Meanwhile, however, the stock of human capital has

been rising relative to income. If the ratio of all capital to income remains

essentially constant, then the unexplained economic growth which has been so

puzzling originates mainly out of the rise in the stock of human capital. (Schultz,

2014: 1).

Para Gary Stanley Becker 7, o capital como entendido pelo senso comum

não é a única forma de capital. O senso comum associa com facilidade a ideia de

capital a dinheiro, imóveis, ações nas bolsas de valores, títulos públicos, joias, etc.

No entanto, escolaridade, treinamento em cursos, despesas para tratamento de

5 Jacob Mincer (1922-2006) nasceu em Tomaszow, Polônia, e morreu em Nova York. Sobreviveu

a campos de concentração nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Graduou-se na Emory

University em 1950 e concluiu seu PhD pela Columbia University em 1957. Foi membro do

NBER desde 1960 até a sua morte. 6 Theodore William Schultz (1902-1998) nasceu em Arlington (EUA) e faleceu em Evanston

(EUA). Doutorou-se em Economia pela Universidade de Wisconsin-Madison em 1930. Foi

professor na Universidade de Chicago entre 1946 e 1961. Recebeu o Prêmio Nobel em Economia

em 1979. 7 O economista Gary Stanley Becker (1930-2014) nasceu em Pottsville, na Pensilvânia. Graduou-

se em 1951 na Universidade de Princeton e obteve seu PhD em 1955 na Universidade de Chicago.

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saúde, bem como pontualidade e honestidade também são formas de capital. Isso

porque essas outras formas aumentam a possibilidade de maiores rendimentos, e

são chamados de capital humano porque acompanharão as pessoas pelo resto de

suas vidas, e estas pessoas não o perderão como podem vir a perder o capital de

bens anteriormente referidos.

Therefore, economists regard expenditures on education, training, medical care,

and so on as investments in human capital. They are called human capital because

people cannot be separated from their knowledge, skills, health, or values in the

way they can be separated from their financial and physical assets (Becker,

2012a: 1).

Os investimentos mais importantes no capital humano seriam educação,

treinamento e cuidados com a saúde. Segundo Becker, vários estudos têm

demonstrado que, nos Estados Unidos, possuir uma educação com o ensino médio

completo ou uma faculdade aumenta em muito os ganhos de uma pessoa, mesmo

ajustando-se os custos da educação e o fato de que essas pessoas tendem a possuir

um nível mais elevado de renda familiar. Mas isso não ocorreria somente nos

Estados Unidos, e seria mais significativo nos países menos desenvolvidos:

similar evidence covering many years is now available from more than a hundred

countries with different cultures and economic systems. The earnings of more-

educated people are almost always well above average, although the gains are

generally larger in less-developed countries (Becker, 2012a: 1).

A educação formal não deve ser vista como o único investimento no

capital humano. O treinamento em cursos e treinamentos no próprio trabalho têm

forte influência na aquisição de habilidades que fazem diferença nos rendimentos

a serem recebidos. “Even college graduates are not fully prepared for the labor

market when they leave school and must be fitted into their jobs through formal

and informal training programs” (Becker, 2012a: 3).

De acordo com o economista Mark Blaug, PhD pela Columbia University,

o conceito de capital humano contém a ideia de que os indivíduos investem neles

próprios de várias formas, seja para aproveitamento imediato, seja para vantagens

futuras, econômicas ou não. São diversas as formas que os indivíduos usam para

investir em si próprios:

Foi professor na Universidade de Columbia de 1957 a 1968, quando retornou à Universidade de

Chicago. Recebeu o Prêmio Nobel em Economia em 1992.

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they may purchase health care; they may voluntarily acquire additional education;

they may spend time searching for a job with the highest possible rate of pay,

instead of accepting the first offer that comes along; they may purchase

information about job opportunities; they may migrate to take advantage of better

employment opportunities; and they may choose jobs with low pay but high

learning potential in preference to dead-end jobs with high pay. All these

phenomena - health, education, job search, information retrieval, migration, and

in-service training may be viewed as investment rather than consumption,

whether undertaken by individuals on their own behalf or undertaken by society

on behalf of its members (Blaug, 2012: 829).

Os economistas Rudiger Dornbusch e Stanley Fischer comentam as

dificuldades encontradas pelas economias em desenvolvimento para acumular

capital humano, tendo em vista que nos países com menos capital acumulado a

sociedade e o governo têm dificuldades em, ao administrar a escassez, decidir se

as crianças devem abrir mão de uma renda do trabalho em troca de acumulação de

conhecimento:

o trabalhador médio em países industrializados é muito mais produtivo do que o

trabalhador médio em países em desenvolvimento. Em parte isto se explica

porque ele trabalha com mais capital físico. Mas também se explica pelo fato de

ele estar mais longe da educação e do treinamento. O capital humano é produzido

através da educação formal e através do tempo de experiência. O problema para

os países em desenvolvimento é que é extremamente difícil acumular fatores de

produção, capital humano ou físico, nos baixos níveis de renda característicos das

economias em desenvolvimento. O mínimo que sobra após a provisão da

subsistência não compra muita educação ou capital físico. Decidir se a criança

deve começar a trabalhar muito cedo ou ir para escola é crítico para as famílias

com níveis de renda muito baixos. Da mesma forma é difícil para o governo

decidir como usar os recursos muito limitados que ele tem sob o seu comando.

[...] O crescimento está limitado ao tempo em que os fatores de produção levam

para se acumularem muito gradualmente; a educação é o fator de crescimento

mais lento, mas também é o mais poderoso (Dornbusch & Fischer, 1992: 282-

283).

1.3. As origens da Teoria do Capital Humano

Até o período pós-segunda guerra, a utilização da ideia do capital humano

como um princípio explicativo para a desigualdade de renda era limitada e

fragmentada. A tese defendida por Jacob Mincer em seu doutoramento foi o ponto

de inflexão nesse respeito. Ele propôs que o investimento em educação e em

treinamento seria a variável de maior significação na distribuição de renda

existente. Ao fazê-lo, seu trabalho contribuiu para o moderno desenvolvimento

das pesquisas sobre o capital humano.

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Nos anos 50, as pesquisas sobre a renda pessoal haviam avançado um

longo caminho desde os primeiros debates acerca da Lei de Pareto 8. Após o

impacto inicial da análise de Pareto, muitos autores concluíram que a discussão

teria enfatizado a necessidade de se trabalhar com dados estatísticos sobre renda e

riqueza de qualidade superior aos que se possuíam na época. Essa necessidade de

se chegar a dados qualitativos e quantitativos de melhor qualidade estava presente

no campo cientifico, devido às suas tradições empíricas. A criação, no começo

dos anos 20, nos Estados Unidos, do National Bureau of Economic Research

(NBER), trouxe grandes avanços nos dados estatísticos sobre distribuição de

renda.

Durante a primeira metade do século 20, as pesquisas relacionadas à

distribuição de renda foram alvo de significativos debates sobre a sua natureza e

sobre os propósitos dos estudos. Nas primeiras décadas, esse campo esteve

dominado por debates quanto à possibilidade de redistribuição de rendas

(Teixeira, 2007). Esses debates estimularam diversas reações, tendo alguns

pesquisadores decidido que focar as pesquisas nos fatores que explicassem a real

distribuição da renda pessoal seria uma alternativa segura e frutífera, enquanto

outros, por sua vez, afirmavam que os dados que se tinha sobre rendas e riquezas

eram insuficientes, evitando conclusões definitivas sobre esses tópicos. Melhorias

na qualidade dos dados levaram ao surgimento da análise do papel da educação na

distribuição de renda.

A disponibilidade de dados sobre a distribuição de renda de modo

abrangente resultou em uma quantidade de conhecimento empírico que revelava

um quadro bem menos simplista do que aquele projetado por Pareto. Foi nesse

contexto que a ênfase na educação e no treinamento aumentou sua visibilidade.

8 Vilfredo Pareto (1848-1923), engenheiro, sociólogo e economista, nasceu em Paris e morreu em

Céligny, Suíça. Para Pareto, a distribuição da renda e da riqueza nas sociedades humanas tendia a

se ajustar à lei que ele estabeleceu, independentemente da sua organização econômica e social. Sua

curva das rendas seria semelhante para diferentes países e em diversos períodos. Seus estudos em

diversas sociedades indicavam que a distribuição de renda apresentaria uma estabilidade que

extrapolaria condições históricas e geográficas. A distribuição de renda se daria da mesma forma

em todas as sociedades. As conclusões de Pareto trouxeram perplexidade porque sugeriam que

quaisquer ações no sentido de diminuir a desigualdade de renda estariam fadadas ao fracasso.

Grande parte dos primeiros estudos que procuraram aferir a aplicabilidade da Lei de Pareto

concluía que esta se saía bem, em termos empíricos. Apesar de estudos subsequentes trazerem uma

visão mais cética da referida lei, ela foi aceita de uma forma geral até os anos 30, quando passou a

ser questionada devido a fraco fundamento teórico.

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Era nesse ambiente que Jacob Mincer estava trabalhando em sua tese de

doutoramento.

Esta tese, que foi publicada em uma versão revisada no Journal of

Political Economy em 1958 (Mincer, 1958), pode ser considerada a primeira

contribuição organizada para o surgimento da Teoria do Capital Humano. Tem

um aspecto proeminentemente empírico, avaliando diversas características como

ocupação, educação, idade e gênero. Esse trabalho marcou em Mincer a certeza da

relevância da educação e do treinamento como elementos cruciais para uma

melhor remuneração, levando-o a perseguir uma teoria que pudesse abranger essas

variáveis.

Mincer dá atenção especial à discussão de duas correntes principais nas

pesquisas anteriores sobre o tema da desigualdade na renda pessoal: a habilidade e

a sorte como as forças que fundavam essa desigualdade. Mincer conclui que as

definições de sorte e habilidade eram insuficientes e contribuíam para tornar a

discussão infrutífera: “Curiously enough, the one factor consistently selected for

such constructive purposes in the recent literature is ‘chance’, a concept as

difficult to define as ‘ability’” (Mincer, 1958: 282). Para Mincer haveria uma

limitação nas pesquisas prévias que se apoiavam em modelos baseados em sorte

ou habilidade. Esses modelos tendiam a se apoiar em um ou dois fatores apenas, o

que jamais poderia contemplar a complexidade das forças que atuavam sobre a

desigualdade de renda pessoal.

Mincer também argumenta que os economistas aprofundaram os estudos

teóricos relativos à natureza das causas da desigualdade de renda. O

desenvolvimento das pesquisas empíricas que estudavam as desigualdades de

renda dos indivíduos seria recente, e estaria focado no comportamento dos

consumidores.

Moreover, the emphasis of contemporary research has been almost completely

shifted from the study of the causes of inequality to the study of the facts and of

their consequences for various aspects of economic activity, particularly

consumer behavior (Mincer, 1958: 281).

Para Mincer, as causas da desigualdade de renda não podem ser extraídas

pura e simplesmente das distribuições estatísticas, devendo ser interpretadas a

partir da análise dos dados que formaram a distribuição estatística referente. As

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consequências da desigualdade dependem de suas causas, e, portanto, os dados a

serem considerados devem ser escolhidos com essa preocupação em mente: “Thus

factors associated with observed inequality must be taken into account before the

data can be put to any use” (Mincer, 1958: 281).

Nesse trabalho seminal, Mincer chegava a algumas conclusões. A

diferença em treinamentos no trabalho resultava em diferenças nos níveis de

salários. Seria, portanto, o investimento no capital humano o responsável por

duradouras e significativas diferenças no nível de rendimentos dos trabalhadores.

Since, under our assumptions, intra-occupational differentials are a function of

age only, the statement that life-paths of earnings are steeper for the more highly

trained groups of workers means that income differences between any two

members of such a group differing in age are greater than income differences

between their contemporaries in an occupational group requiring less training

(Mincer, 1958: 288).

O economista afirma que podemos chegar à seguinte conclusão: diferenças

no treinamento acarretam diferenças de ganhos entre ocupações distintas, como

também na duração do trabalho dentro de uma mesma ocupação. “The differences

are systematic: the higher the ‘occupational rank’, the higher the level of earnings

and the steeper the life-path of earnings” (Mincer, 1958: 288).

Diferentemente das pesquisas anteriores sobre a desigualdade de renda,

Mincer afirmava que se fazia necessário explorar as implicações que sobre ela

teria a teoria da escolha racional. O processo que leva à diferenciação em

investimentos no capital humano está sujeito ao livre arbítrio, à livre escolha na

tomada de decisões. Inicialmente essa escolha se refere à duração em tempo que

essa escolha requer:

Since the time spent in training constitutes a postponement of earnings to a later

age, the assumption of rational choice means an equalization of present values of

life-earnings at the time the choice is made. As Adam Smith observed, this

equalization implies higher annual pay in occupations that require more training

(Mincer, 1958: 301).

Diferenças de rendimento entre ocupações diferentes são resultado da

diferença de investimento em treinamento. Quanto maior a duração do

treinamento, ou estudo, ou preparação, maiores os rendimentos alcançados.

Diferenças de renda dentro da mesma ocupação surgem quando o conceito de

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investimento no capital humano é ampliado para que se possa incluir o fator

experiência no trabalho.

Age measures both the process of acquiring experience and biological growth and

decline. The growth of experience and hence of productivity is reflected in

increasing earnings with age, up to a point when biological decline begins to

affect productivity adversely. The important difference among occupational

groups is that, on the whole, increases in productivity with age are more

pronounced, and declines are less pronounced, in jobs requiring greater amounts

of training (Mincer, 1958: 301).

Em Schooling, experience, and earnings, Mincer argumenta que não existe

uma relação direta ou simples entre o tempo passado na escola e os efeitos que ele

traz para o aumento da produtividade. “Schooling and education are not

synonymous: the educational content of time spent at school ranges from superb

to miserable” (Mincer, 1974: 1). O que aprendemos varia de indivíduo para

indivíduo, assim como de época a época e de acordo com os lugares onde se vive.

A aplicabilidade e o valor do que aprendemos para o mercado de trabalho também

variam de acordo com as circunstâncias citadas. E o que aprendemos na escola

não é necessariamente o fator mais importante para uma inserção no mercado de

trabalho.

Uma das principais motivações de Mincer neste trabalho foi a de enfatizar

a importância do investimento em atividades relacionadas ao treinamento no

trabalho como um fator importante na análise do capital humano. Argumenta que,

após alguns anos de atividade, a capacidade de os investimentos na escola

explicarem a desigualdade de renda declina rapidamente, enquanto que os

investimentos feitos após a saída da escola tornam-se determinantes para a

explicação dessas desigualdades.

It is not surprising, therefore, that observed correlations between educational

attainment, measured in years spent at school, and earnings of individuals,

although positive are relatively weak. Still, when earnings are averaged over

groups of individuals differing in schooling, clear and strong differentials emerge.

The initial and simplest form of the human capital model elaborated in this study

is addressed to these schooling group differentials in earnings. The scope of the

model is then enlarged to deal with earnings differentials among age groups

within the various schooling groups. This is accomplished by relating earnings to

training on the job and to other human capital investments that follow the

schooling stage of the life cycle. Finally, by admitting into the model individual

variations in investments and productivity within schooling groups and after

completion of schooling, some insights are obtained about the distribution of

earnings within age-education groups and in the aggregate (Mincer,1974: 1-2).

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Embora admita que fatores como sorte, mudanças de oportunidades no

mercado de trabalho e fatores físicos e psicológicos tenham importância, Mincer

considera que os dados disponíveis em seus trabalhos davam suporte à visão de

que a experiência no trabalho era destacadamente mais importante do que a idade

no que tange à definição de produtividade e rendimentos.

Quando o interesse no capital humano ressurgiu na década de 1950, o foco

era na contribuição da educação para o crescimento econômico, no investimento

em educação em países menos desenvolvidos e nas diferenças de renda entre as

ocupações profissionais (Chiswick, 2003). Uma questão que passou a ser

questionada era a seguinte: se a habilidade das pessoas aparecia estatisticamente

sob a forma de uma curva normal, por que a distribuição de renda também não

aparecia dessa forma, mas sim com profundas desigualdades? Em sua tese de

doutorado, Mincer foi o pioneiro dos estudos que explicitavam o efeito da

experiência e do treinamento na distribuição de renda.

His model provided an analysis of the manner in which on-the-job training

influences differences in earnings across individuals and how this determines the

inequality and skewness of earnings. It is a model based on rational economic

behavior by individuals in the labor market. As a result, this work served as the

base for several strands of research in labor economics (Chiswick, 2003: 5-6).

Em sua análise, Mincer mostrou que dentro de uma mesma ocupação, a

desigualdade de rendimentos aumenta com a idade, e aumenta mais nas profissões

que exigem maiores conhecimentos, sejam estes adquiridos na escola ou no

próprio trabalho. Ele também demonstrou que a desigualdade aumentava com a

idade, o nível de escolaridade e o tipo de ocupação.

When members of the labor force are classified by color, sex, family status, or

city size, the resulting groups exhibit pronounced differences in occupational and

age characteristics. As before, differences in the training-mix produce predictable

patterns of income inequality. Roughly speaking, the greater the average amount

of training in the group, the greater the inequality in its income distribution

(Mincer, 1958: 300).

Em On-the-job training: costs, returns, and some implications, Mincer

focou-se em estimar a importância do treinamento no trabalho e as consequências

desse treinamento na distribuição de rendimentos, concluindo que existe uma

correlação entre o treinamento no trabalho, o grau de instrução, e o retorno em

termo de salários.

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The method of estimating the volume of investment in on-the-job training, which

is described in this section, treats “learning from experience” as an investment in

the same sense as are the more obvious forms of on-the-job training, such as, say,

apprenticeship programs. Put in simple terms, an individual takes a job with an

initially lower pay than he could otherwise get because he knows that he will

benefit from the experience gained in the job taken. In this sense, the opportunity

to learn from experience involves an investment cost which is captured in the

estimation method (Mincer, 1962: 51).

De acordo com Mark Blaug em The empirical status of Human Capital

Theory: a slightly jaundiced survey, a Teoria do Capital Humano foi anunciada

em 1960 por Theodore William Schultz, mas o nascimento propriamente dito da

teoria teria ocorrido dois anos mais tarde, quando o Journal of Political Economy

publicou, em outubro de 1962, um suplemento intitulado Investment in human

beings (Schultz, 2012). Este suplemento incluía também os capítulos preliminares

do trabalho Human Capital que Gary Stanley Becker iria publicar em 1964. Nele

Schultz chamava a atenção para o fato de que o crescimento econômico observado

nas sociedades ocidentais era superior ao crescimento em terras, horas

trabalhadas, e reprodução de capital. O investimento em capital humano seria a

explicação para isto:

Much of what we call consumption constitutes investment in human capital.

Direct expenditures on education, health, and internal migration to take advantage

of better job opportunities are clear examples. Earnings foregone by mature

students attending schools and by workers acquiring on-the-job training are

equally clear examples. Yet nowhere do these enter into our national accounts.

The use of leisure time to improve skills and knowledge is widespread and it too

is unrecorded. In these and similar ways the quality of human effort can be

greatly improved and its productivity enhanced. I shall contend that such

investment in human capital accounts for most of the impressive rise in the real

earnings per worker (Schultz, 2012: 1).

Schultz afirma que o futuro da produtividade econômica dependeria do

aumento das aptidões adquiridas pela população mundial:

a essência do meu argumento é que o investimento em qualidade da população e

em conhecimento determina, em grande parte, as futuras perspectivas da

humanidade. Quando estes investimentos são levados em conta, os presságios

concernentes ao esgotamento dos recursos físicos da Terra precisam ser

rejeitados. Uma realização decididamente favorável de muitos países de baixa

renda durante as últimas décadas é seu investimento em qualidade da população.

O investimento em pesquisas, especialmente em pesquisas agrícolas, também tem

se saído bem (Schultz, 1987: 11).

Faz-se necessário ressaltar a importância que a abordagem baseada no

capital humano dá à relação entre escolaridade e maiores ganhos. Ela enfatiza que

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a quantidade de educação que se incorpora a um indivíduo é uma fonte geradora

de capital humano, e a principal, além das citadas por Blaug. Em O valor

econômico da educação, Schultz afirma que seus argumentos se fundamentam:

[...] na proposição segundo a qual as pessoas valorizam as suas capacidades, quer

como produtores, quer como consumidores, pelo auto-investimento, e de que a

instrução é o maior investimento no capital humano. Esta conceituação implica

que a maioria das habilitações econômicas, das pessoas, não vem do berço, ou da

fase em que as crianças iniciam a sua instrução. Estas habilitações adquiridas

exercem marcada influência. São de modo a alterar, radicalmente, os padrões

correntes da acumulação de poupanças e da formação de capitais que se esteja

operando. Alteram, também, as estruturas de pagamentos e salários, bem como os

totais de ganhos decorrentes do trabalho relativo ao montante do rendimento da

propriedade (Schultz, 1973: 13).

Para Schultz, a qualidade de uma população seria definida, em grande

parte, pela educação. Ele alertava, no entanto, para uma questão que estaria

presente nos debates sobre nossas políticas sociais:

ao calcular-se o custo do ensino escolar, o valor do trabalho que as crianças

pequenas fazem para os pais precisa ser incluído. Mesmo quanto às crianças bem

novas, durante seus primeiros anos de escola, a maioria dos pais sacrifica o valor

do trabalho que os filhos realizam tradicionalmente. Outro atributo distintivo do

ensino escolar é o que poderia ser chamado de efeito safra, quando se obtém mais

ensino por criança. Partindo do analfabetismo generalizado, pessoas mais velhas

seguem vida afora com pouco ou nenhum ensino escolar, enquanto as crianças,

ao chegarem à vida adulta, são as beneficiárias do ensino escolar (Schultz, 1987:

28).

Gary Stanley Becker é um pioneiro na utilização de análises econômicas

no comportamento humano em diversas áreas como discriminação, casamento,

relações familiares e educação. Sua pesquisa sobre o capital humano foi

considerada pelo comitê do Prêmio Nobel sua mais valiosa contribuição para a

economia. Human capital: a theoretical and empirical analysis, with special

reference to education, é o seu estudo clássico de como os investimentos na

educação e no treinamento dos indivíduos têm importância similar aos

investimentos em equipamentos.

Para Becker, aquilo que se tem chamado de estudos atuais sobre o capital

humano começou no entorno dos anos 1960. Cita, entre seus fundadores,

Theodore Schultz, Jacob Mincer, Milton Friedman, e outros que, de alguma

forma, estavam ligados à Universidade de Chicago. Becker vê como capital

humano elementos ligados à educação, à saúde e aos valores, que não podem ser

separados do indivíduo:

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schooling, a computer training course, expenditures on medical care, and lectures

on the virtues of punctuality and honesty are capital too in the sense that they

improve health, raise earnings, or add to a person's appreciation of literature over

much of his or her lifetime. Consequently, it is fully in keeping with the capital

concept as traditionally denned to say that expenditures on education, training,

medical care, etc., are investments in capital. However, these produce human, not

physical or financial, capital because you cannot separate a person from his or her

knowledge, skills, health, or values the way it is possible to move financial and

physical assets while the owner stays put (Becker, 1994: 15-16).

A racionalidade do investimento no capital humano é exemplificada por

Becker ao comentar as mudanças ocorridas na educação das mulheres nos Estados

Unidos. Antes dos anos 1960, as mulheres não se faziam representar

proporcionalmente em profissões ligadas às matemáticas, ciências, economia e

direito, e tendiam a serem professoras, profissionais na área de línguas

estrangeiras, literatura e economia doméstica. “Since relatively few married

women continued to work for pay, they rationally chose an education that helped

in household production and no doubt also in the marriage market” (Becker, 1994:

18-19). Isso teria mudado radicalmente desde então. O impressionante aumento da

participação de mulheres casadas no mercado de trabalho foi a mais importante

mudança na mão-de-obra americana recente.

As a result, the value to women of market skills has increased enormously, and

they are shunning traditional ‘women's fields’ to enter accounting, law, medicine,

engineering, and other subjects that pay well. Indeed, women now comprise one-

third or so of enrollments in law, business, and medical schools, and many home

economics departments have either shut down or are emphasizing the ‘new home

economics’, which is a true branch of economics” (Becker, 1994: 19).

A influência do ambiente familiar é praticamente um consenso. Sua

influência sobre o conhecimento, a habilidade, a saúde e o comportamento dos

filhos é indiscutível. Isto nos levaria a crer que deveria haver uma forte correlação

entre os rendimentos e a educação de pais e filhos. No entanto, essa relação não é

tão forte no que se refere aos rendimentos, mas mantém-se importante na relação

de anos de estudo. “For example, if fathers earn 20 percent above the mean of

their generation, sons at similar ages tend to earn about 8-10 percent above the

mean of theirs. Similar relations hold in Western European countries, Japan,

Taiwan, and many other places.” (Becker, 2012a: 5).

De acordo com Becker, foi o aumento da produtividade da força de

trabalho e dos meios de produção que se seguiu ao avanço da ciência e da

tecnologia nos séculos XIX e XX o principal fator de elevação da renda per capita

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em diversos países. Esse aumento de produtividade “greatly enhances the value of

education, technical schooling, on-the-job training, and other human capital”

(Becker, 2012a: 4). Seria vital para os interesses de países como o nosso o

investimento no capital humano, porque essas novas tecnologias teriam pouca

influência nos países que tivessem poucos trabalhadores qualificados para usá-las:

New technological advances clearly are of little value to countries that have very

few skilled workers who know how to use them. Economic growth closely

depends on the synergies between new knowledge and human capital, which is

why large increases in education and training have accompanied major advances

in technological knowledge in all countries that have achieved significant

economic growth (Becker, 2012a: 4).

Há varias formas de se investir no capital humano. Estudo, treinamento no

trabalho, cuidados com a saúde e a busca de informações sobre a economia são

exemplos de algumas delas. Elas são diferentes tanto pelo que se precisa para

nelas investir quanto pelo retorno que esse investimento proporciona. Mas todas

aumentam as habilidades físicas e mentais das pessoas e melhoram suas

perspectivas de renda. O bem-estar das pessoas varia não somente entre famílias

de um mesmo país como entre países distintos. Becker lembra que essas

diferenças eram inicialmente atribuídas à diferença no capital físico acumulado.

No entanto,

it has become increasingly evident, however, from studies of income growth that

factors other than physical resources play a larger role than formerly believed,

thus focusing attention on less tangible resources, like the knowledge possessed.

A concern with investment in human capital, therefore, ties in closely with the

new emphasis on intangible resources and may be useful in attempts to

understand the inequality in income among people (Becker, 2012b: 9).

Em uma tentativa de elaborar um quadro em que fosse possível preparar

uma análise global do que seria o investimento em capital humano, Becker, em

Investment in human capital: a theoretical analysis, publicado em 1962, enumera

uma série de fenômenos empíricos que vinham sendo alvo de estudos acerca do

capital humano e conclui que os rendimentos aumentam com a idade a uma taxa

decrescente. Essas taxas estão diretamente correlacionadas com o grau de

conhecimento; as taxas de desemprego são inversamente proporcionais ao grau de

conhecimento; as pessoas mais jovens trocam de emprego mais frequentemente

que as mais velhas e recebem mais estudos e treinamento no trabalho que estas;

pessoas mais habilidosas recebem mais educação e treinamento do que as outras.

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Segundo Becker, a maior parte dos retornos obtidos pelo investimento em capital

humano é sentida com o passar dos anos, porque no caso dos jovens há que

deduzir os custos desses investimentos.

O conceito de capital humano teria uma importância relativa maior em

países com excedente de mão-de-obra. Esse excesso de mão-de-obra poderia ser

transformado em capital humano através de investimentos em educação e saúde, e

o processo que transforma uma mão-de-obra despreparada em recurso humano

produtivo, através de investimentos em educação e saúde, é o processo de

formação do capital humano.

A educação é um fator importante para o crescimento econômico e é um

aspecto chave para o desenvolvimento de qualquer sociedade. É um bem com

valor econômico, uma vez que não se obtém com facilidade. A Teoria do Capital

Humano nos mostra que é um bem tanto de capital como de consumo, porque

proporciona satisfação ao consumidor e serve para desenvolver os recursos

humanos necessários para as transformações econômicas e sociais de uma

sociedade. Essa teoria enfatiza que o desenvolvimento de habilidades é

fundamental para o aumento da produtividade e do nível de bem-estar dessas

sociedades. Estaria também diretamente associado à possibilidade de aceleração

da mobilidade social, da diminuição da pobreza, e também como agente

propiciador da redução da desigualdade de renda no mercado de trabalho.

Há hoje uma crença generalizada de que expandir as oportunidades de

educação promove o crescimento econômico e diminui a desigualdade. Em suma,

a Teoria do Capital Humano está apoiada no pressuposto de que a educação

formal é necessária para aumentar a capacidade de produção de uma população:

uma população educada é uma população produtiva, com um nível maior de bem-

estar social propiciado pela diminuição da pobreza e das desigualdades.

1.4. Educação, capital humano e o pensamento social brasileiro

Cientistas Sociais brasileiros, preocupados com os nossos problemas com

a educação e a produção de conhecimento, têm pesquisado e comentado as nossas

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carências na área da educação, e não somente no ensino básico. Eugênio Gudin 9,

em Para um Brasil melhor, já se preocupava com a qualidade da educação como

fator de desenvolvimento e redução de desigualdade. “[...] é na Educação (antes,

na falta dela) que se encontra a explicação do paradoxo da pobreza persistente no

meio da abundância” (Gudin, 1969: 259). Chama atenção ainda para a ideia de

que “a contribuição do ‘capital humano’ (preparo científico, técnicas, invenções) é

mais importante de que a do ‘capital tangível’ (usinas, maquinarias), está

destinado a ter ‘vasta orientação sobre a orientação governamental’” (Gudin,

1969: 259). Para Gudin, a remoção da ignorância apresentava dois grandes

entraves para entrar na agenda das políticas sociais:

o primeiro é que suas realizações não têm sobre a imaginação popular o efeito e o

impacto que caracterizam as grandes obras. Escolas, ginásios, escolas técnicas,

universidades, não dão lugar a inaugurações sensacionais e retumbantes como um

palácio ou uma avenida. O segundo é que a Educação é um investimento de prazo

longo, cujos resultados só aparecem na geração seguinte, quando aqueles que o

promoveram já não podem, as mais das vezes, receber os prêmios ou os aplausos

do reconhecimento popular (Gudin, 1969: 259).

José Pastore e Nelson do Valle Silva, em Mobilidade social no Brasil,

fazem um estudo da mobilidade social dos homens, chefes de família entre 20 e

64 anos de idade, no país de 1973 e 1996, tendo como base de dados as

respectivas PNADs. Os dados permitem visualizar a evolução da estrutura social

brasileira praticamente ao longo de todo o século XX, uma vez que foi analisada,

em 1973 e 1996, a posição de pais e filhos. Vemos que, em 1996, as pessoas

estavam, em média, ocupando posições de status mais altas e melhores do que as

posições que seus pais e as pessoas em geral ocupavam em 1973. Na avaliação

feita em 1973 foi constatado que:

o grosso da mobilidade ascendente foi na base da pirâmide social, mesmo porque

uma grande parte dos pais era de origem rural, desfrutando de um status social

muito baixo, a partir do qual toda e qualquer movimentação dos filhos

representaria ascensão social (Pastore; do Valle Silva, 2000: 3).

A educação é vista como tendo forte correlação com a mobilidade social

nos estudos feitos pelos autores:

9 Eugênio Gudin (1886-1986) nasceu e morreu em no Rio de Janeiro. Formou-se em Engenharia

pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Em 1944, foi escolhido delegado brasileiro à

Conferência Monetária Internacional realizada em Bretton Woods, que decidiu pela criação do

Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Internacional para a Reconstrução e o

Desenvolvimento (BIRD). Entre 1951 e 1955, representou o governo brasileiro junto ao FMI e ao

BIRD. Ministro da Fazenda do governo Café Filho entre agosto de 1954 e abril de 1955.

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o avanço da educação está muito aquém do que é exigido pela revolução

tecnológica e pela globalização da economia. Mas, o progresso educacional foi

expressivo no período de 1970-98, constituindo-se em um elemento importante

da manutenção e até da pequena elevação da mobilidade social no Brasil. Os

dados apresentados nos próximos capítulos indicam ainda uma forte relação entre

a melhoria educacional e o aumento da mobilidade circular, que é própria de

ambientes mais competitivos. [...] Os capítulos que seguem mostrarão, para os

dados de 1996, o que já havia sido registrado para os dados de 1973: a educação e

o status ocupacional do pai continuam como fatores importantes na determinação

do status ocupacional do filho. Nos dados de 1996, porém, a educação do próprio

filho transformou-se, para uma grande parcela da população, no capital mais

fundamental para a realização de ascensão social (Pastore; do Valle Silva, 2000:

12-13).

Os autores chamam atenção para o fato de que a entrada precoce no

mercado de trabalho prejudica o aprendizado quando comparado com as nações

desenvolvidas. Para os autores, a precocidade de entrada no mercado de trabalho

terá de ser combatida com uma maior duração do período escolar.

Os estudos sobre mobilidade social realizados nas sociedades desenvolvidas

consideram o status socioeconômico de entrada no mercado de trabalho como um

dos principais determinantes da carreira ocupacional do indivíduo. Nelas, as

pessoas primeiro se formam na escola, e depois começam a trabalhar - embora

cresça o número de trabalhadores que voltam à escola para passar por reciclagens

ao longo da vida. [...] No Brasil, sempre foi grande o número de pessoas que

assumem um papel ativo na força de trabalho familiar antes dos 14 anos. Para a

maioria da população, inexiste a passagem marcante da fase de estudos para a

fase de trabalho (Pastore; do Valle Silva, 2000: 35).

Para atender à necessidade de competir no mercado de trabalho deveremos

ter uma educação de melhor qualidade, uma vez que a educação é a correlação

mais importante na mobilidade social:

a educação é o mais importante determinante das trajetórias sociais futuras dos

brasileiros, importância que vem crescendo ao longo do tempo. Não é exagero

dizer que a educação constitui o determinante central e decisivo do

posicionamento socioeconômico das pessoas na hierarquia social. Por sua vez,

um dos principais problemas estruturais da sociedade brasileira é o baixo nível

educacional da população (Pastore; do Valle Silva, 2000: 40).

Elisa Reis, em A desigualdade na visão das elites e do povo brasileiro, ao

analisar os dados obtidos em um survey nacional sobre o tema abordado em 2001

pelo Instituto Virtual, conclui que a “elite considera problemática a questão social

no país” (Reis, 2004: 47), e que a necessidade de se melhorar os níveis

educacionais aparece em primeiro lugar, com 23% dos entrevistados, entre os

principais objetivos nacionais a médio prazo, segundo as elites (Reis, 2004: 47).

“As elites apostam na educação como recurso privilegiado para se assegurar

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igualdade de oportunidades, que é claramente a maneira como elas definem

igualdade” (Reis, 2004: 48).

Em Educação: a nova geração de reformas, Simon Schwartzman 10

enfatiza o fato de que a educação tem sido considerada, por fazer parte do capital

humano, um elemento que permite impulsionar a produtividade, reduzir a

desigualdade e fortalecer os laços sociais, criando um ambiente propício ao

mercado:

a educação tem sido apresentada, na América Latina como em outras partes,

como o principal instrumento para solucionar os problemas de pobreza,

desigualdade e falta de oportunidade que afetam os segmentos mais pobres da

região. Primeiro, acredita-se que a educação, como capital humano, aumenta a

produtividade e gera riqueza. Depois, a ampliação do acesso à educação daria

mais oportunidades a todos, reduzindo a desigualdade social. Terceiro, ao

difundir os valores de convivência social e comportamento ético, a educação

fortaleceria o capital social, gerando mais confiança, honestidade e credibilidade

nas transações econômicas, fortalecendo os mercados e criando um ambiente

mais favorável para os investimentos. Mais recentemente, a necessidade de

aumentar e melhorar a educação em todos os níveis tem sido apontada como a

condição para que os países possam participar de forma adequada dos benefícios

da nova “sociedade do conhecimento”. A esta convicção dos especialistas a

respeito dos benefícios da educação para a economia e a sociedade devemos

acrescentar a crença comum entre a população sobre benefícios privados que ela

pode trazer, em termos de renda, emprego e prestígio social (Schwartzman, 2004:

481).

Preocupado com a demora na chegada dos benefícios de uma educação de

qualidade à população mais atingida pela pobreza e pela desigualdade nos

rendimentos de trabalho, comenta:

o Brasil já passou do tempo das reformas educacionais de primeira geração, em

que tudo se resumia a tratar de conseguir “mais” de tudo – escolas, prédios,

professores, equipamentos e, sobretudo, dinheiro. Estamos vivendo os problemas

de segunda geração, que requerem uma avaliação cuidadosa das prioridades dos

investimentos que já existem; e estamos iniciando a etapa mais decisiva e

fundamental, as reformas de terceira geração, que exigem um reexame profundo

dos pressupostos culturais, institucionais e pedagógicos que presidem o

funcionamento de nossas instituições de ensino. A desigualdade na educação,

como mostram os estudos socioeconômicos, é o fator mais fortemente associado

à desigualdade de renda; mas os resultados da educação, como mostram os

estudos educacionais, são quase que totalmente determinados pelas condições

sociais prévias dos estudantes e suas famílias. Este círculo vicioso não pode ser

quebrado, simplesmente, por maiores investimentos em educação, reforma nas

escolas, e nem por campanhas educacionais de um ou outro tipo, além da

melhoria na educação, são necessárias políticas que afetem diretamente os

10

Simon Schwartzman (1939- ) sociólogo, PhD em Ciência Política pela Universidade da

Califórnia, Berkeley. Atual presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade no Rio de

Janeiro.

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mecanismos de apropriação e distribuição de renda. Colocar na educação a

responsabilidade pela eliminação da pobreza e das desigualdades sociais é uma

maneira de não enfrentar, ou postergar, as políticas sociais e econômicas que

possam ter efeito direto sobre estas questões. Uma combinação adequada de

políticas sociais bem focalizadas, e políticas educacionais de qualidade, no

entanto, pode fazer toda a diferença (Schwartzman, 2004: 501-502).

Elizabeth Balbachevsky 11

comenta em Nova geração de política em

ciência, tecnologia e inovação: Seminário internacional, a importância de o

Brasil investir recursos objetivando o aumento do conhecimento:

na atualidade, caminha-se para uma percepção convergente em nível

internacional de que a competitividade de qualquer nação depende de sua

capacidade de produzir e utilizar novos conhecimentos. Por isso, a maioria dos

países investe recursos públicos e privados em programas e atividades que buscam produzir novos conhecimentos e gerar inovação (Balbachevsky, 2010: 7).

Acontece que as decisões de quanto e onde investir não estão apoiadas em

uma base suficiente de dados:

pouco se tem conhecimento de quanto é necessário investir e em quais fatores

para aumentar as chances de ocorrência de inovação, dada a falta de evidência

empírica sobre tais processos. O resultado é a baixa capacidade de identificar e

efetivamente prever como os investimentos em produção de conhecimento e de

geração de inovação podem afetar a competitividade das nações e o bem-estar de

sua população (Balbachevsky, 2010: 7).

Objetivando preencher esta lacuna, Balbachevsky informa que Centro de

Gestão e Estudos Estratégicos decidiu lançar um estudo-piloto com a intenção de:

1) entender os contextos, as estruturas e os processos da pesquisa cientifica e

tecnológica; 2) desenvolver modelos explicativos sobre a transformação de

conhecimento em resultados econômicos e sociais; 3) desenvolver, melhorar e

expandir modelos e ferramentas analíticas, incluindo base de dados, que possam

ser aplicadas em processos decisórios e de avaliação de política científica e de

inovação; 4) criar oportunidades de formação de especialistas que tenham como

foco a ciência para política científica e da inovação (Balbachevsky, 2010: 7).

Samuel de Abreu Pessôa 12

defende que o aumento de expectativa de vida

estimula o investimento em educação, o que criaria um círculo virtuoso para o

desenvolvimento:

o mundo vai melhorando aos pouquinhos. Você vai tendo progresso tecnológico,

você vai aprendendo a se alimentar um pouquinho melhor. Um pouquinho melhor

de saúde. Então a expectativa de vida vai subindo. Conforme a expectativa de 11

Elizabeth Balbachevsky é doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. 12

Samuel de Abreu Pessôa é professor da Pós-Graduação em Economia da Fundação Getulio

Vargas no Rio de Janeiro, chefe do Centro de Crescimento Econômico do Instituto Brasileiro de

Economia e editor da revista “Pesquisa e Planejamento Econômico”. É doutor em economia pela

Universidade de São Paulo, bacharel e mestre em física pela mesma universidade.

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vida sobe, a taxa de retorno de se educar aumenta. Porque você vai ter mais

tempo para usar o que você acumulou. E aí você gerou um incentivo privado pra

aumentar muito o investimento em educação (Pessôa, 2013).

Pessôa e Barbosa Filho, em Metas de educação para a próxima década,

comentam que apesar de termos 96% das crianças entre 4 e 15 anos matriculados

no ensino fundamental, a qualidade da educação no Brasil ainda é um grande

desafio e sua melhora pode demorar gerações:

o aprimoramento da qualidade educacional é um problema a ser atacado em

diferentes frentes, e sua solução leva mais de uma geração. A escolaridade da

mãe é importante no aprendizado, porém mais importante é a escolaridade média

das mães dos alunos de uma escola. Isso significa que um dos caminhos para

melhorar a qualidade da educação passa por educar toda uma geração, para colher

resultados melhores na geração seguinte, quando os filhos conviverem com mães com grau de escolaridade mais elevado (Pessôa & Barbosa Filho, 2011:201).

O debate sobre a educação no pensamento social brasileiro vem de longe e

recebeu inúmeras reflexões. Neste momento, pretendemos investigar uma das

contribuições mais relevantes produzidas no país, e que embora tenha sido

criticada ou mesmo ignorada quando foi apresentada, produz desdobramentos

expressivos até os dias atuais. Na década de 1970, o trabalho pioneiro de Carlos

Geraldo Langoni 13

lançou raízes para que, décadas mais tarde, pontos

importantes da Teoria do Capital Humano agissem na formação de um conjunto

de pesquisadores brasileiros que, por sua vez, progressivamente passassem a

influenciar a formulação de algumas das principais políticas sociais no Brasil.

13

Carlos Geraldo Langoni (1944- ) graduou-se em Economia na Universidade Federal do Rio de

Janeiro e possui PhD em Economia pela Universidade de Chicago. Foi membro do Conselho

Monetário Nacional e presidente do Banco Central do Brasil de 1983 a 1985. Diretor do Centro de

Economia Mundial da FGV-Rio.

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2. Carlos Langoni e seu pioneirismo

Neste capitulo discutiremos as ideias de Carlos Geraldo Langoni

apresentadas no livro Distribuição de renda e desenvolvimento econômico do

Brasil. Publicação considerada por muitos como um dos trabalhos pioneiros e

inovadores no debate sobre a desigualdade de renda no Brasil, a partir da

perspectiva da Teoria do Capital Humano.

2.1. A educação básica como fator explicativo para a desigualdade de renda

Destacados pensadores brasileiros estudaram a Teoria do Capital Humano

e elaboraram estudos acerca de sua relevância para a nossa sociedade. Carlos

Langoni defende que, na economia, tem especial importância a qualidade do

capital humano. A industrialização brasileira teria sido apoiada no capital físico,

razão esta que teria sido uma das principais do nosso atraso no combate à pobreza

e à desigualdade. Em seu livro Distribuição de renda e desenvolvimento

econômico do Brasil, publicado em 1973, Langoni demonstra a importância da

educação básica como elemento fundamental para a redução da pobreza no Brasil.

Langoni contribuiu para introduzir a Teoria do Capital Humano no Brasil

ao apresentar um trabalho pioneiro relacionando educação e desigualdade de

renda no contexto brasileiro. E isso em uma época em que as tensões vividas no

Brasil, em função da ditadura, obscureciam a discussão acadêmica. Como vimos

anteriormente, Eugênio Gudin já se mostrava, na década de 1960, preocupado

com a falta de uma educação de qualidade para o nosso crescimento.

Marcelo Côrtes Neri 14

lamenta que, na década de 1970, e pelas

circunstâncias históricas da época, as ideias contidas no livro de Langoni não

tenham recebido o reconhecimento merecido, apesar de considerar que “este

trabalho de Langoni é, sem dúvida, o pai da moderna literatura brasileira sobre

desigualdade de renda no país” (Neri, 2005: 11):

14

Marcelo Côrtes Neri (1964- ) é mestre e bacharel em economia pela PUC-Rio e PhD em

Economia pela Universidade de Princeton. Atualmente é ministro da Secretaria de Assuntos

Estratégicos da Presidência da República.

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toda a moderna teoria do crescimento econômico e a pesquisa empírica associada

têm nos convencido da importância da escola na vida das nações. No aspecto

distributivo tivemos há tempos a oportunidade de aprender sobre a importância da

educação na vida dos brasileiros quando do lançamento da primeira edição deste

livro seminal, em 1973. A oportunidade parecia não ter sido plenamente

aproveitada na época. A expressão “capital humano”, tal como a palavra

“focalização” hoje, era vista por muitos como palavrão (Neri, 2005: 11).

Para Ricardo Paes e Barros 15

, conforme citado por Cariello, Carlos

Langoni foi o inspirador de seus trabalhos e estudos sobre desigualdade:

a ideia dele é 99% do meu trabalho, afirmou Paes de Barros. Eu quero saber se a

educação é importante? Eu volto nos microdados. Eu tenho a pesquisa da PNAD.

Eu quero saber, digamos, qual seria a desigualdade no Brasil se não existissem

analfabetos funcionais. Volto na PNAD. Você é analfabeto funcional? Sou. Hoje

vai deixar de ser! Vou te dar cinco anos de estudo. Mas aí a sua renda vai mudar.

Para quanto? Vamos pegar pessoas que tenham tudo igual a você, idade, sexo,

cor, mas com cinco anos a mais de estudo, e vamos achar esse cara na PNAD.

Constrói uma nova PNAD, sem analfabetos funcionais, e diz qual seria o novo

Gini (Cariello, 2012: 34).

Para José Márcio Camargo 16

, Langoni é a referência quando se estuda, no

Brasil, a Teoria do Capital Humano. Camargo salienta que Langoni teria

conseguido demonstrar que importante parcela das causas da nossa desigualdade

de renda deveria ser atribuída à nossa estrutura de capital humano:

o Langoni foi o primeiro brasileiro, que eu me lembre, que utilizou essa teoria

para explicar a mudança de desigualdade no Brasil, na década de 60. Ele pegou

os dados do Delfim 17

, deu a ele acesso aos dados do FINEP, deu a ele acesso aos

dados do Imposto de Renda, e com esses dados do imposto de renda ele

conseguiu calcular a taxa de retorno-educação para diferentes níveis de renda,

etc., e conseguiu mostrar que uma grande parte da desigualdade de renda no

Brasil se devia a uma desigualdade da estrutura de capital humano. Então, sem

dúvida, o Langoni é a referência no que se refere a essa questão de capital

humano no Brasil (Camargo, 2013).

Samuel Pessôa também relata a influência que o então contexto político

teve quando do lançamento do livro de Langoni. E considera que, atualmente, a

15

Ricardo Paes de Barros (1954- ) nasceu no Rio de Janeiro. Possui graduação em Engenharia

Eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (1977), mestrado em Matemática pelo

Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (1982), doutorado em Economia pela University

of Chicago (1987), pós-doutorado pela University of Chicago (1988) e pós-doutorado pela Yale

University (1989). Atualmente é Subsecretário da Secretaria de Assuntos Estratégicos da

Presidência da República. 16

José Márcio Camargo é bacharel em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais e

PhD em Economia pelo Massachusetts Institute of Technology. Professor Titular da PUC-Rio. 17

Antônio Delfim Netto (1928-...) economista e Professor Emérito da Faculdade de Economia,

Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. Foi Secretário da Fazenda do

Estado de São Paulo, Ministro da Fazenda de 1967 a 1974, Ministro da Agricultura de 1978 a

1979, Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão de 1979 a 1985, e deputado federal de 1987

a 2007.

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grande maioria da sociedade não mais discute que o capital humano é de grande

importância tanto para a melhoria da produtividade quanto para a diminuição da

desigualdade:

na verdade, aquela discussão lá dos anos 60 foi muito misturada com uma questão

política. Assim, tinha uma ditadura e aí o livro do Langoni foi apoiado pelo

Delfim, que era ministro da Fazenda. Então você tinha todo um componente

ideológico que, bem ou mal, permeou a discussão, não há a menor dúvida. Uma

vez passada a discussão, uma vez entrado num momento menos ditatorial, com o

fim da ditadura a minha avaliação é que a Teoria do Capital Humano meio que

dominou o debate. Hoje acho que pouca gente discute a importância do capital

humano, tanto para a produtividade quanto pra desigualdade. Pouca gente, hoje,

discute o fato de que a má distribuição de capital humano é um dos fatores

importantes pra gerar desigualdade em qualquer lugar do mundo, não só no Brasil

(Pessôa, 2013).

Neste ponto começarei a discutir o livro de Langoni, intitulado Distribuição de

renda e desenvolvimento econômico do Brasil, publicado em 1973.

Langoni informa que os objetivos dos seus estudos apresentados eram

estudar as variações de renda entre 1960 e 1970 e procurar encontrar as causas

destas variações:

os objetivos básicos deste trabalho são, em primeiro lugar, estimar a magnitude e

as características das mudanças nos perfis de renda entre 1960 e 1970, não apenas

para o total do Brasil, mas também separadamente por regiões e por setores. Em

seguida, tentar explicar as causas para as mudanças observadas durante a década.

A partir desta análise estabelecer o vínculo teórico e empírico entre

desenvolvimento econômico e distribuição. E, por último, definir, em linhas

gerais, políticas econômicas voltadas à eliminação de distorções identificadas ao

longo da pesquisa (Langoni, 2005: 16).

O autor considera desconcertante a constatação de que o aumento do grau

de desigualdade foi em grande parte causado pela melhor qualificação

educacional da força de trabalho, fato que ele atribui ao ambiente de rápido

crescimento econômico e com renda per capita baixa:

uma das lições mais importantes desta pesquisa é de que existe um conjunto de

forças trabalhando no sentido de aumentar o grau de desigualdade numa

economia em que o nível de renda per capita é ainda relativamente baixo, mas as

taxas de crescimento são extremamente altas. A identificação destas forças torna,

porém, falaciosa a tentativa de atribuir a este aumento de concentração qualquer

conotação de piora ou redução de bem-estar. É desconcertante, por exemplo,

verificar que uma fração substancial do acréscimo de desigualdade observado

durante o período está associada à melhoria educacional da força de trabalho, à

transferência de mão-de-obra do setor primário para o urbano e a uma maior

participação de jovens e mulheres no mercado de trabalho. Estas, entretanto, são

mudanças qualitativas clássicas que em geral acompanham o processo de

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desenvolvimento econômico. Outros resultados deixam ainda mais evidente o

paradoxo implícito na associação distribuição de renda – bem-estar: o grau de

desigualdade é bem menor no setor primário relativamente ao urbano; entre

analfabetos relativamente aos indivíduos com ginásio ou colegial; entre

indivíduos com menos de 20 anos relativamente aos grupos de idade mais

avançada; nos setores tradicionais da indústria (por exemplo, construção civil)

relativamente aos setores modernos (por exemplo, indústria automobilística)

(Langoni, 2005: 15).

Langoni aponta ainda algumas limitações empíricas que podem ter efeito

sobre as estimativas feitas e que podem, potencialmente, influir no cálculo da

desigualdade de rendas:

em primeiro lugar, existe um grupo de fatores cuja exclusão contribui

inequivocamente para um aumento artificial do grau de desigualdade: são eles o

autoconsumo no setor agrícola, as transferências de renda na unidade familiar, o

uso de renda corrente, as diferenças regionais de custo de vida, e a inclusão de

elementos que trabalham voluntariamente em tempo parcial. Entre estes, pelo

menos a exclusão do autoconsumo, além de aumentar o grau de desigualdade, o

faz, certamente, através da subestimação das rendas dos grupos relativamente

mais pobres da população. Existe outro grupo cujo efeito líquido, apesar da maior

dificuldade de avaliação, é possivelmente inverso, isto é, o de subestimar o grau

de desigualdade. Neste caso estão incluídas a renda implícita dos proprietários de

imóveis e as rendas não contratuais. O efeito líquido de sua contabilização

(principalmente do primeiro componente) seria o de aumentar o grau de

desigualdade através da elevação dos níveis de renda dos grupos relativamente

mais ricos da população. Por último, teríamos aqueles fatores para os quais é

praticamente impossível fazer uma previsão mais ou menos segura de seu efeito

distributivo. É o caso da inclusão dos impostos diretos e indiretos, e a exclusão

dos serviços do Governo e do “lazer” das medidas convencionais de renda

(Langoni, 2005: 38).

Apesar destas limitações, Langoni explica que as variáveis por ele

consideradas e que têm impacto na distribuição de renda são estruturais, uma vez

que as informações de distribuição de renda disponíveis correspondem apenas aos

dados dos censos de 1960 e 1970, não conseguindo o autor informações referentes

ao ritmo da distribuição neste intervalo de tempo.

O importante, porém, é que o nosso interesse principal é a análise das mudanças

nos perfis de renda entre 1960 e 1970. E para isto os dados censitários são

estritamente comparáveis, até mesmo nos seus erros. Em resumo, como

procuramos chamar a atenção, existem limitações nos dados censitários, mas

dificilmente as distorções observadas são de tal magnitude que alterem as

conclusões básicas que serão extraídas neste trabalho (Langoni, 2005: 38).

Nas atividades com maior incorporação das modernas tecnologias, a mão-

de-obra é relativamente menos disponível à medida que aumenta seu grau de

qualificação. Como consequência, teremos aumentos diferenciados nos salários.

As empresas dos setores mais modernos terão diferenças de produtividade e de

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lucros em relação às tradicionais. Essas diferenças vão acarretar um aumento de

desigualdade nos rendimentos dos empregados, dependendo da tecnologia em

uso.

Isto pode ser melhor observado pela desagregação do total da indústria em cinco

subsetores. Destes cinco, três são indústrias caracteristicamente tradicionais:

alimentação, construção civil e têxtil. As outras duas são exemplos de indústria

moderna: mecânica, material elétrico e eletrônica e construção de veículos. O

adjetivo “tradicional” e “moderno” pode parecer vago. Na verdade eles

caracterizam, de um lado, diferentes estágios de industrialização e ao mesmo

tempo características bem diversas na função de produção, proporção de fatores

utilizados e natureza do progresso tecnológico. Assim as indústrias tradicionais

são, em geral, as primeiras a se instalar por exigir uma tecnologia pouco

sofisticada não só poupadoras de capital (capital saving) mas também poupadoras

de mão-de-obra qualificada (skill saving), maximizando o uso daqueles fatores

que são relativamente mais abundantes. São também indústrias com um maior

grau de competição e onde a taxa de crescimento do índice de produtividade total

é relativamente pequena. Já as indústrias modernas têm características

oligopolistas e apresentam em geral taxas elevadas de crescimento do índice de

produtividade (Langoni, 2005: 46).

No entanto, Langoni chama atenção para o fato de que o crescimento

econômico traz, apesar da desigualdade, um aumento no bem-estar, pela criação

de riquezas:

estes resultados deixam claro o pouco significado que um índice de concentração

pode ter como indicador de bem-estar. Ao passarmos da indústria de construção

civil para a indústria automobilística, a variância dos logs aumenta em 100%. No

entanto, o nível de salário médio praticamente dobra. É difícil acreditar que um

trabalhador na indústria automobilística esteja “pior” do que aqueles na

construção civil. Ao mesmo tempo eles sugerem que o aumento de desigualdade

é uma consequência inevitável do processo de desenvolvimento. Neste caso

específico o aumento de concentração reflete a sofisticação da força de trabalho

na indústria automobilística vis-à-vis construção civil. Na primeira há uma maior

diferenciação não só vertical (nível de educação) mas também horizontal (posição

na ocupação): esta diferenciação de produtividade é refletida no mercado por uma

diferenciação de salários que por sua vez toma a forma de um aumento de

desigualdade (Langoni, 2005: 46-47).

As importantes taxas de crescimento obtidas na década de 1960 teriam,

para Langoni, que trazer mudanças qualitativas em nossa economia:

apesar de não ter sido um processo contínuo, a economia brasileira cresceu

substancialmente na década de 1960. De acordo com nossas estimativas, a renda

média da população economicamente ativa aumentou cerca de 37%

cumulativamente entre 1960 e 1970, aproximando-se bastante da estimativa do

crescimento do produto real per capita (35%) com base nas Contas Nacionais.

Outros indicadores apontam na mesma direção: a taxa média (instantânea) de

crescimento do produto real foi de 5,8% ao ano, sendo bem mais elevada para a

indústria (6,7%) do que para a agricultura (4,2%). O comportamento, ao longo do

período, foi bastante irregular, com pelo menos três anos de taxas negativas ou

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nulas de crescimento da renda per capita (63/64 e 65) e valores extremamente

elevados no início e no final da década: 7,2% em 1961 e 6,4% em 1970. Como é

logico antecipar, um processo de desenvolvimento desta magnitude acarretou

mudanças qualitativas importantes na economia brasileira, através das quais é

possível ter-se uma ideia mais precisa dos seus efeitos redistributivos (Langoni,

2005: 65-66).

Procurando as causas do aumento da desigualdade ao longo da década

estudada, Langoni analisa os efeitos do salário mínimo nesse período, lembrando

as circunstâncias inflacionárias que antecederam a contenção salarial:

na verdade as primeiras análises do aumento de desigualdade, precipitadamente

tentaram atribuir a uma das facetas deste último período – a política salarial – a

responsabilidade maior por tudo aquilo que aconteceu ao longo da década. É

lógico que do ponto de vista metodológico nós necessitaríamos de séries anuais

para corretamente medir a contribuição de cada uma dessas componentes.

Entretanto é importante reconhecer que o salário mínimo já vem declinando em

termos reais desde 1961 e que a política de contenção salarial posta em execução,

principalmente em 1965 e 1966, era um apêndice da política antiinflacionária,

procurando corrigir uma situação anormalíssima de taxas de inflação de ordem de

100%. As consequências negativas de curto prazo foram compensadas pelos

benefícios da retomada do crescimento a partir de 1966. A maior evidência de

que isto é verdade é a própria comparação dos perfis de renda entre 1960 e 1970.

Lá ficou claro que todos os grupos tiveram ganhos substanciais de renda real,

mesmo aqueles cuja renda está próxima ao salário mínimo legal. Este resultado,

em face do grande declínio, observado no salário mínimo real entre 1960 e 1970,

só pode ser atribuído ao deslocamento dos indivíduos ao longo do espectro de

renda. Este deslocamento foi propiciado justamente pela fase de aceleração de

crescimento que caracterizou o período 1966/1970 (Langoni, 2005: 66).

Langoni segue sua análise explicando que, uma vez que constatou o

aumento de desigualdade na distribuição de renda, faz-se necessário pesquisar

suas causas. E, para isso, estuda os efeitos redistributivos de mudanças estruturais

que aconteceram na década. Mais importante, antecipa a relevância da variável

educação:

a análise dos efeitos redistributivos das mudanças ocorridas na composição

educacional da força de trabalho merece especial atenção, porque, como ficará

claro mais adiante, educação é a variável mais importante para explicar

simultaneamente as diferenças individuais de renda em 1960 e 1970, bem como o

aumento de concentração observado durante o período (Langoni, 2005: 79).

São analisados os efeitos distributivos das alterações que aconteceram

tanto na composição setorial, quanto na regional e de qualidade da mão-de-obra. E

Langoni enfatiza que as mudanças estruturais, apesar de trazerem um aumento de

desigualdade na distribuição de renda, não causam a piora do bem-estar, que se

beneficia de uma melhoria na educação.

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A análise anterior chama a atenção para o impacto e seus resultados, que as

mudanças na composição educacional, etária e entre sexos, bem como a alocação

setorial e regional, podem ter sobre a distribuição de renda ao longo do tempo. A

conclusão mais importante é de que as mudanças clássicas, que acompanham o

processo de desenvolvimento econômico, levam a um aumento nos índices

agregados de concentração sem que seja possível atribuir-lhes qualquer sentido

de deterioramento de bem-estar: este é o caso típico do fluxo de mão-de-obra que

deixa regiões e setores cuja renda real é relativamente mais baixa; da entrada no

mercado de trabalho de jovens e mulheres; e, principalmente, da melhoria ou

ascensão educacional da força de trabalho, existente e em formação (Langoni,

2005: 86).

A Teoria do Capital Humano é invocada por Langoni para continuar sua

pesquisa sobre as causas das mudanças na distribuição de renda entre 1960 e

1970, inclusive fazendo referência à obra Human Capital, de Gary Becker

(Langoni, 2005: 87).

A relação entre nível de educação e remuneração do trabalho é justificada a priori

pela teoria do capital humano. Os investimentos em educação resultam em

acréscimos de produtividade, cuja contrapartida no mercado são ganhos de salário

real e que se constituem justamente nos benefícios (privados) destes

investimentos. A variável idade também pode ser justificada pela teoria do capital

humano na medida em que ela é uma boa proxy para experiência: estaria ela

captando desta forma o aumento de produtividade associado ao aprendizado no

próprio trabalho; refletiria também, pelo maior acesso a informações, a

exploração dos diferenciais de produtividade existentes no mercado (Langoni,

2005: 87-88).

A importância que é dada, na teoria do Capital Humano, ao treinamento no

trabalho é ressaltada por Langoni:

como nossa medida de educação é extremamente pobre – anos de estudo de

educação formal -, é bastante provável que uma parcela do acréscimo de salário,

associada com os grupos de idade, esteja na verdade refletindo a substancial

quantidade de treinamento não formal (na empresa ou em cursos de

especialização) realizado pelos indivíduos. Em outras palavras, a medida “anos

de estudo” não consegue captar as importantes diferenças de qualidade de ensino

que existem para um mesmo nível de educação formal. Por outro lado, porque

nossa medida está limitada à educação formal, isto é, na escola, deixamos de

considerar o impacto do treinamento na empresa e em cursos de especialização

como possíveis ajustamentos da qualificação do indivíduo às necessidades de

mercado. Sob tais aspectos, a nossa variável educação subestima

substancialmente a verdadeira medida em termos de conteúdo de qualificação,

que é o que realmente importa para as diferenças observadas de remuneração do

fator trabalho no mercado (Langoni, 2005: 88).

Constatando que o crescimento econômico trouxe o aumento de

desigualdade de renda pelo aumento relativo dos decis superiores, explica:

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as mudanças ocorridas nas rendas relativas atribuídas à educação são nitidamente

as mais importantes ao longo de todo o perfil da distribuição. De fato, do

aumento total das desigualdades causado pelo efeito redistributivo puro, a

contribuição de educação em nenhum decil foi inferior a 50%, chegando a

explicar até 93% do total para os 5% superiores. A importância da educação para

o aumento de desigualdade, mesmo considerando o efeito puro redistributivo, é

consistente com a hipótese de que o desenvolvimento econômico brasileiro levou

a uma expansão diferenciada da demanda de mão-de-obra que, devido à

tecnologia utilizada, beneficiou desproporcionalmente os níveis de educação mais

elevados. No extremo inferior a obsolescência de qualificações, causada pela

direção do progresso tecnológico, mais do que compensou a queda na

participação dos analfabetos, comprimindo os salários relativos (Langoni, 2005:

106).

Langoni apoia-se nos estudos de Becker nos anos 1960 para afirmar:

a partir da última década, com a formalização por Becker da teoria do capital

humano, que sugere uma relação causal inequívoca de educação, para renda via

seu impacto sobre a produtividade, começou-se a acumular evidência empírica

em diversos países, em diferentes estágios de desenvolvimento, acerca da

substancial contribuição da educação para os diferenciais observados de renda

(Langoni, 2005: 117).

Comenta a distinção entre crescimento econômico motivado pela

incorporação de fatores de produção que já eram encontrados na nossa economia e

o crescimento econômico derivado da incorporação de fatores de produção que

ainda não eram utilizados. Este segundo crescimento é derivado, principalmente,

de investimentos em pesquisa e no capital humano.

Finalmente, como o processo de desenvolvimento pode ser caracterizado pela

transformação de setores tradicionais em setores modernos, a discussão anterior

fornece uma explicação lógica para encontrarmos, na fase de transição (isto é, de

crescimento acelerado), uma correlação positiva entre taxa de crescimento e

desigualdade. Ao mesmo tempo, à medida que a taxa de crescimento assume

valor mais estável com a economia já operando num nível de renda per capita

mais elevada, as mesmas forças que atuaram, para provocar o aumento de

desigualdade, irão contribuir para sua redução. Em particular, a estrutura

qualitativa da força de trabalho deverá estar mais ajustada às características da

demanda, bem como reduzidas as possibilidades de ganhos extraordinários pela

utilização de novos fatores ou pela produção de novos produtos (Langoni, 2005:

166).

O papel da educação seria o mais importante para explicar os altos níveis

de desigualdade encontrados na década de 1960, mais que a inflação ou os

contingenciamentos salariais.

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A importância da educação ficou evidente não só para as diferenças observadas

de renda em cada ano, mas também para o aumento de desigualdade durante o

período. Os coeficientes desta variável (que representam acréscimos de renda

associado a anos adicionais de estudo) são os de maior magnitude e de maior

significância entre todas as variáveis incluídas na regressão. (Langoni, 2005:

182).

Apesar de a educação, na análise geral, aparecer como o fator

preponderante para a desigualdade de rendimentos, Langoni observa que sua

influência é maior no setor urbano e nas regiões mais desenvolvidas:

o impacto de educação é significativamente maior, quanto maior for a idade do

grupo em questão, para as mulheres relativamente aos homens, no setor urbano

relativamente ao primário, e nas regiões mais desenvolvidas em relação àquelas

menos desenvolvidas (Langoni, 2005: 183).

Já no setor primário, predominante nas áreas rurais, o acesso à propriedade

é que seria o fator de maior importância para explicar a desigualdade de

rendimentos:

no setor terciário, a educação primária adiciona à renda dos analfabetos duas

vezes e meia mais do que no setor primário. Em contraste, no setor primário, o

fato do individuo ter acesso a propriedade lhe garante, em média, duas vezes e

meia mais renda do que no terciário (Langoni, 2005: 184).

A medida que Langoni defendia para a diminuição da desigualdade de

rendimentos no setor rural era a reforma agrária. Deveria tratar-se, entretanto, de

uma reforma agrária sem qualquer espécie de confisco parcial ou total porque esta

alternativa:

é pouco compatível com uma economia de mercado onde uma das forças básicas

de estímulo à produção é justamente a possibilidade de apropriação dos

benefícios associados a qualquer investimento. Qualquer tentativa de

generalização dessas medidas levaria a um processo rápido de desinvestimento

privado no setor agrícola, cujas consequências seriam fortemente regressivas:

aumento no preço de produtos básicos de alimentação e, pelo menos na fase de

transição, até mesmo aumento no nível de desemprego (Langoni, 2005: 199-200).

Sua sugestão seria o pagamento parcial ou total em títulos da dívida

pública, “o que implica alguma redistribuição direta de renda, uma vez que os

proprietários são forçados a emprestar ao Governo” (Langoni, 2005: 200).

Langoni comenta que apesar de a aceleração do crescimento trazer um

aumento da desigualdade de rendas no trabalho, tem como consequência benigna

a redução da pobreza. E este deveria ser o dilema o qual a sociedade deveria

discutir, para a definição de suas políticas sociais:

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uma das principais lições deste trabalho é mostrar que, no caso brasileiro, há

necessidade de apurar-se qual deva ser realmente a preocupação da sociedade: se

a desigualdade da distribuição per se ou o fato de que ainda existe uma porção

considerável da população recebendo renda monetária inferior àquilo que

poderíamos chamar de mínimo do ponto de vista social. No primeiro caso, o

objetivo fundamental seria a igualdade de distribuição e, no segundo, a

eliminação da pobreza. [...] Uma de nossas teses centrais é a de que a aceleração

do crescimento fatalmente leva a um aumento no grau de concentração, em

virtude do maior potencial para exploração de ganhos extras de renda, tanto por

parte dos investimentos em capital humano, como dos investimentos em capital

físico. Entretanto, parece haver pouca dúvida de que uma das consequências

imediatas da aceleração do crescimento é a redução do nível de pobreza –

independentemente de haver qualquer mudança qualitativa no fator trabalho –

pela elevação do nível de emprego (Langoni, 2005: 187).

Para Langoni, o combate à pobreza não deveria passar prioritariamente

pelas ações de ordem fiscal:

há suficiente evidência empírica de que o potencial redistributivo, mesmo de

sistemas fiscais altamente progressivos, é relativamente pequeno. A ênfase deverá

ser, portanto, em políticas globais de desenvolvimento, tais como a política de

investimentos em recursos humanos (Langoni, 2005: 188).

Seria fundamental, para Langoni, que fossem definidas políticas com o

objetivo de procurar extinguir a pobreza e diminuir a desigualdade:

é importante, pois, traçar linhas mestras de políticas que estejam voltadas para o

objetivo de redistribuir oportunidades, eliminar a pobreza e, simultaneamente,

minimizar as possibilidades de ganhos extras de renda associados com

desequilíbrios entre oferta e demanda, decorrentes da aceleração do crescimento

(Langoni, 2005: 189).

Considera importante uma maior alocação de recursos públicos para a

universalização da educação básica, mesmo em detrimento do financiamento do

ensino superior.

No passado o comportamento do núcleo industrial em expansão foi tal que

beneficiou substancialmente o pessoal com educação superior e isto teve impacto

fortemente negativo sobre a distribuição da renda. Como há razoes suficientes

para acreditar-se que o padrão de comportamento do núcleo industrial deva ser o

mesmo na próxima década, [...] uma conclusão imediata é a de que a oferta de

pessoal com educação superior terá que se expandir a uma taxa mais elevada e/ou

a taxa de imposto sobre os grupos com este nível de qualificação terá que ser

aumentada. [...] A alternativa, expansão da oferta de educação superior é,

entretanto, conflitante com os objetivos de eficiência. Há evidência empírica de

que a rentabilidade social dos investimentos em educação no Brasil é maior

justamente nos níveis de educação mais baixos (alfabetização e primário). De

acordo com nossas estimativas, em 1969 a taxa social de retorno dos

investimentos em educação superior era de 12% em contraste com 32%

observados para o primário (Langoni, 2005: 189).

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E argumenta a favor da não expansão do ensino superior gratuito:

A expansão da educação superior gratuita é inviável financeiramente e

inconsistente com os objetivos de equidade. Em primeiro lugar, como era de

esperar-se de um bem que é oferecido a um preço nulo há um excesso crônico de

demanda, que tem que ser corrigido por um racionamento que é altamente

discriminatório contra os indivíduos de nível de renda mais baixo. Em segundo

lugar, a educação superior gratuita não elimina, mesmo para aqueles que têm

acesso, a discriminação contra os indivíduos mais pobres, devido a uma parcela

substancial dos custos que, mesmo assim, não é coberta: há ainda o custo “puro”

de oportunidades, isto é, a renda sacrificada por permanecer estudando alguns

anos adicionais, em vez de comparecer diretamente ao mercado de trabalho. Não

há razoes a priori para supor diferenças de magnitude nesta parcela de custo da

educação entre estudantes ricos e pobres, desde que não haja diferenças sensíveis

nas oportunidades de emprego para estes dois grupos a um nível alternativo de

educação (no caso colegial). Isto é, supondo, como é razoável, que nos níveis

mais elevados de educação a imperfeição causada pelo acesso diferenciado à

informação sobre o mercado de trabalho seja pequena. O problema é causado

pelo financiamento destes custos. Os estudantes ricos têm uma fonte segura de

financiamento que são as transferências dentro da unidade familiar. Para os

estudantes pobres, esta alternativa simplesmente não existe (Langoni, 2005: 190).

Para Langoni, a transferência de recursos para os mais pobres seria

fundamental, uma vez que o crescimento econômico, ao aumentar a renda per

capita, aumentaria o custo de oportunidade de se entrar precocemente no mercado

de trabalho. Langoni quer dizer que com o crescimento econômico existe um forte

incentivo para as famílias pobres colocarem os filhos no mercado de trabalho,

mesmo antes de concluírem os estudos, e assim aumentarem a renda familiar.

O economista defendia algum tipo de política pública que incentivasse a

permanência das crianças pobres na escola:

esta transferência maior de recursos para a educação básica é crucial porque o

próprio processo de desenvolvimento econômico, elevando a renda per capita,

aumenta o valor do tempo e, consequentemente, a parcela dos custos de educação

representada pelo custo puro de oportunidade. Como já chamamos a atenção por

diversas vezes, isto afeta particularmente os indivíduos das classes mais pobres,

atuando fortemente no sentido de desestimular sua permanência por anos

adicionais na escola. É portanto fundamental, em termos de igualdade de

oportunidades, caminhar para uma estrutura de ensino em que também esses

custos sejam cobertos, através de bolsas para os indivíduos mais pobres (Langoni,

2005: 192).

O trabalho de Langoni, um clássico da nossa literatura econômica, inspirou

outros pensadores brasileiros a abraçar as ideias contidas na Teoria do Capital

Humano e criou a base que fez com que um grupo de pensadores influenciados

por esta Teoria conquistasse, a partir da década de 1990, visibilidade pela

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qualidade dos seus argumentos, bem como posições de destaque nos governos,

ajudando a definir nossas políticas sociais de combate à pobreza.

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3. A Teoria do Capital Humano nos anos 1970 no Brasil

Neste capítulo analisarei inicialmente o ambiente político e econômico no

momento em que foi lançado o livro de Langoni. O forte crescimento econômico,

mas com concentração de renda, caminhava ao lado de um endurecimento político

do regime autoritário. O debate sobre o livro de Langoni mostrará a influência que

teve sobre esse debate o ambiente da época em que o livro foi lançado. Em

seguida será apresentada a visão de alguns economistas seguidores do pensamento

de Langoni e da Teoria do Capital humano, a respeito das resistências enfrentadas

quando do lançamento da publicação em foco. Finalmente, trarei argumentos de

Celso Furtado 18

que expõem em boa medida a visão dos chamados economistas

desenvolvimentistas sobre o conflito distributivo naquele período, procurando

mostrar as razões para que esta perspectiva analítica fosse abraçada pela oposição

ao regime militar.

3.1. O contexto histórico quando do lançamento do livro de Langoni

A distribuição da renda foi alvo de acirrados debates durante a década de

1970. As conclusões de Langoni sobre as causas da desigualdade na distribuição de

renda foram contestadas ou ignoradas por pesquisadores que focavam seus estudos

nos efeitos das políticas econômicas - ligadas aos salários dos governos militares -

sobre a renda. O governo Castelo Branco, o primeiro do regime autoritário,

procurou combater a inflação e atrair capital estrangeiro. “Os castelistas

acreditavam que os elementos politicamente mais vulneráveis de suas

formulações econômicas eram o encorajamento ao capital estrangeiro e a luta

contra a inflação” (Skidmore, 1988: 121).

18

Celso Monteiro Furtado (1920-2004) nasceu em Pombal, Paraíba. Bacharel em Ciências

Jurídicas e Sociais em 1944 pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutor em Economia

pela Universidade de Paris-Sorbonne em 1948 com uma tese sobre a economia brasileira no

período colonial. Em 1949, no Chile, integrou a recém-criada Comissão Econômica para a

América Latina, órgão das Nações Unidas. Criou, a pedido do presidente Juscelino Kubitschek, em

1959, a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste. Em 1962, no governo João Goulart,

foi nomeado o primeiro Ministro do Planejamento do Brasil. De 1986 a 1988 foi Ministro da

Cultura do governo José Sarney.

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A necessidade de combater a inflação levou o governo que se instaurou

após a deposição de João Goulart, em 1964, a impor medidas de contenção

salarial. Esse fato estaria na base das principais argumentações contrárias às

conclusões obtidas por Langoni em seu estudo. De acordo com Skidmore, a queda

da inflação deveu-se principalmente às políticas fiscais, monetárias e salariais. “O

valor real do salário mínimo, por exemplo, caiu 25 por cento nos três anos que se

seguiram à ascensão de Castelo ao poder em 1964” (Skidmore, 1988: 122).

A luta por uma balança comercial equilibrada tinha, dentro do governo, a

ideia de que o potencial do Brasil para exportações havia sido subestimado pelos

governos anteriores. Por esta razão, lançaram

uma campanha de exportação para explorar não somente as enormes reservas

naturais do Brasil (minério de ferro, madeira, e produtos alimentícios, por

exemplo), mas também produtos acabados, área em que o país desenvolvera

recentemente capacidade de exportação. Os ministros econômicos esperavam

ainda que a “disciplina” do mercado que agora estava sendo promovida

certamente aumentaria a eficiência industrial. Finalmente, e muito importante,

eles aguardavam a entrada de mais capital estrangeiro no setor de exportação

(Skidmore, 1988: 125).

Estas ações estavam em desacordo com os preceitos expressados por

diversos pensadores e economistas, que pregavam que o caminho que deveríamos

percorrer era o da industrialização:

a partir dos anos 50, muitos políticos e economistas brasileiros, tal como seus

colegas latino-americanos, se mostravam cada vez mais pessimistas sobre a

possibilidade de aumentos satisfatórios da receita de suas exportações. Como os

preços dessas exportações – sobretudo produtos primários – eram altamente

instáveis, em contraste com os preços das importações dos bens acabados, que

subiam constantemente, os termos de intercâmbio eram geralmente desfavoráveis

à América Latina. Segundo este raciocínio, enunciado com muita clareza pelo

economista Raúl Prebisch 19

e a Comissão Econômica para a América Latina

(CEPAL), fundada e por muito tempo presidida por ele, as economias da América

Latina não podiam esperar vantagens de sua participação na economia mundial e

deviam, portanto, adaptar-se a esse desfavorável clima internacional procurando

industrializar-se (Skidmore, 1988: 124).

Com aquelas ações do governo houve um alívio nas contas externas

brasileiras, preparando as bases para o forte crescimento econômico que teríamos

nos anos que se seguiram. “A melhoria do perfil da dívida externa brasileira foi

um dos principais êxitos do governo. Castelo Branco pode deixar para o seu

19

Raúl Prebisch (1901-1986) foi um economista argentino, um dos mais importantes intelectuais

da CEPAL.

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sucessor espaço muito maior para manobrar no setor da dívida do que recebera

por ocasião de sua posse em 1964” (Skidmore, 1988: 126).

Os governos Costa e Silva e Médici podem ser caracterizados como

desenvolvimentistas, no sentido da opção pelo crescimento econômico acelerado,

e no qual o Banco Central fica submetido às metas econômicas definidas pelo

Governo Federal (Raposo, 2011: 270-271). Ocorria assim uma mudança

significativa em relação ao governo anterior, pois o “Governo Castelo Branco,

que criou o Conselho Monetário Nacional e um Banco Central dotado de

autonomia, foi claramente estabilizador” (Raposo, 2011: 269).

O alto crescimento econômico obtido nas décadas de 1960 e 1970 ficou

conhecido como o “milagre econômico” brasileiro. A um crescimento anual

médio do PIB de 6,17% por cento na década de 1960, seguiu-se um ainda mais

impressionante crescimento anual médio do PIB de 8,63% na década seguinte,

conforme vemos nas tabelas abaixo:

Tabela 1: Crescimento do PIB por década de 1960 a 1990

Período

Crescimento do PIB na década (%)

1960 – 1970 81,98

1970 – 1980 128,76

1980 – 1990 16,91 Fonte: http://www.ipeadata.gov.br/.

Trabalhei com os dados extraídos da tabela Produto interno bruto (PIB): variação

real anual.

Tabela 2: Taxa média anual do crescimento do PIB por década de 1960 a 1990

Período Taxa média anual de crescimento do

PIB na década (%)

1960 – 1970 6,17

1970 – 1980 8,63

1980 – 1990 1,57 Fonte: http://www.ipeadata.gov.br/.

Trabalhei com os dados extraídos da tabela Produto interno bruto (PIB): variação

real anual.

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Já no governo Médici, o êxito da economia começou a dar frutos políticos

e a legitimar o regime em algumas parcelas da população:

o boom econômico também resultou em altos salários para profissionais e

administradores. O governo Médici aumentou o orçamento para a educação

superior, o que representou maior número de vagas e contratação de mais

professores. [...] Assim os ganhos econômicos contribuíram para gerar apoio do

setor intermediário ao governo. As eleições parlamentares de 1970, que a

ARENA venceu por esmagadora maioria, parecem confirmar este apoio. [...] Os

sinais eram tranquilizadores. Em 1974 as reservas estrangeiras do Brasil

excediam as da Inglaterra, enquanto a sede alemã da Volkswagen, operando com

baixos lucros internamente, congratulava-se consigo mesma pelo extraordinário

sucesso de sua subsidiaria brasileira (Skidmore, 1988: 282).

No entanto, apesar do “milagre econômico”, a distribuição de renda

aumentara sua desigualdade quando medida pelo índice de Gini, como vemos

abaixo:

Tabela 3: Índice de Gini entre 1960 e 1990

Ano

Índice de Gini

1960 0,535

1970 0,581

1979 0,589

1990 0,607 Fonte: Neri, 2014.

Isto significava que os benefícios do nosso crescimento não somente

chegavam de forma desigual à população como também aumentavam a distância

entre os mais ricos e os mais pobres. Como veremos em breve, diversos autores

afirmavam que as políticas do governo (entre elas a política salarial) teriam sido

as responsáveis pelo aumento da desigualdade na nossa distribuição de renda.

Com efeito, a Constituição de 1967, em seu artigo 157, estipulava que não seria

permitida greve nos serviços públicos ou nas atividades consideradas essenciais, o

que foi mantido no artigo 162 da Emenda Constitucional Nº 1 de 1969.

Conforme David Fleischer, em Os partidos políticos, as eleições para

governadores de 1965, em que candidatos de oposição venceram em Minas Gerais

e na Guanabara, tiveram consequências: “A linha dura não aceitou o desaforo e

ameaçou derrubar Castelo Branco. Após intensas negociações, o governo baixou o

AI-2, que tornou as futuras eleições para governador indiretas e extinguiu os

partidos políticos existentes” (Fleischer, 2004: 254). Pelas regras instituídas, era

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necessário, para se formar um novo partido, o apoio de ao menos 120 deputados

federais e 20 senadores. O partido do governo chamou-se Arena (Aliança

Renovadora Nacional) e o de oposição, MDB (Movimento Democrático

Brasileiro), sendo que este “teve dificuldade em juntar os 20 senadores e contou

com uma pressão discreta do presidente Castelo Branco para convencer dois

senadores a filiarem-se temporariamente ao MDB” (Fleischer, 2004: 254).

Em 12 de dezembro de 1968, a Câmara rejeitou o pedido de suspensão das

imunidades parlamentares dos deputados Márcio Moreira Alves e Hermano

Alves. Em 13 de dezembro de 1968 o presidente Costa e Silva “promulgou o Ato

Institucional nº 5 e o Ato Suplementar nº 38, este último pondo o Congresso em

recesso indefinidamente” (Skidmore, 1988: 166).

Com base nestes instrumentos, iniciou-se uma ferrenha censura à

imprensa. Não se podia criticar autoridades ou as forças armadas:

a censura ad hoc, que surgira mal coordenada em dezembro de 1968, foi

regularizada em março de 1969 por um decreto que tornava ilegal qualquer crítica

aos atos institucionais, às autoridades governamentais ou às forças armadas.

Como se quisessem indicar de onde achavam que se originava a oposição, os

arquitetos da censura também proibiram a publicação de notícias sobre

movimento de trabalhadores ou de estudantes. Toda a mídia foi colocada sob a

supervisão dos tribunais militares (Skidmore, 1988: 167).

Foram promulgados diversos atos que agiam no sentido de exercer um

maior controle sobre a sociedade.

O Congresso foi expurgado, primeiro de 37 deputados da Arena, depois de outros

51 parlamentares, começando com Márcio Moreira Alves e Hermano Alves.

Carlos Lacerda, um dos principais defensores da Revolução de 1964, foi

finalmente privado dos seus direitos políticos. Muitas assembleias estaduais,

inclusive as de São Paulo e Rio de Janeiro, foram fechadas. No início de 1969,

Costa e Silva assinou um decreto colocando todas as forças militares e policiais

dos estados sob o controle do ministro da Guerra, estipulando mais que as forças

estaduais deveriam ser sempre comandadas por oficiais das forças armadas em

serviço ativo (Skidmore, 1988: 166-167).

Também o Poder Judiciário foi atingido pela ação do governo. “Em janeiro

de 1969 três ministros do Supremo Tribunal Federal foram forçados a se

aposentar: Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva. O presidente

do Tribunal, ministro Gonçalves de Oliveira, renunciou em sinal de protesto”

(Skidmore, 1988: 167).

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Os anos do governo Médici, que se seguiram, foram de forte repressão,

com o governo, por fim, livrando-se dos focos das guerrilhas urbanas e rurais que

se organizaram na tentativa de enfrentar o regime autoritário. “A ameaça

guerrilheira fora enfrentada e achava-se agora liquidada tanto nas cidades quanto

no campo” (Skidmore, 1988: 246).

Em 1974, já no governo Geisel, realizaram-se eleições diretas para cargos

do Poder Legislativo em todo o país. Geisel vinha dando sinais de que pretendia

liberalizar o regime,

mas este era um jogo perigoso, porque inevitavelmente conduziria a manobras de

desestabilização da linha dura, ou do fanatismo’, no eufemismo de Castelo

Branco. Uma coisa era certa. O governo Geisel não admitiria ser pressionado para

adotar um rígido programa de reformas políticas. O Planalto imprimiria o ritmo,

não a oposição (Skidmore, 1988: 334-335).

Contrariando as expectativas governamentais, o partido de oposição

consentida, o MDB, teve um desempenho surpreendente. De acordo com

Skidmore, parece ter havido, por parte do eleitorado, a noção de que valeria a

pena jogar o jogo eleitoral.

Subitamente o eleitorado começou a imaginar que seus votos poderiam modificar

o panorama político. Talvez o MDB representasse verdadeira alternativa; talvez o

presidente estivesse preparado para cooperar com a oposição. [...] Quinze dias

antes da eleição um frêmito de entusiasmo tomou conta da oposição. Até

militantes da esquerda, que antes zombavam das eleições (e recomendavam o

voto em branco), concluíram que podiam enviar uma “mensagem” ao governo

votando no MDB (Skidmore, 1988: 337).

Como resultado, “o MDB se fortaleceu muito: elegeu 44% dos deputados

federais, 16 das 22 cadeiras para o Senado e a maioria em seis legislativos

estaduais” (Fleischer, 2004: 255).

Maria Hermínia Tavares de Almeida, em Crise econômica e interesses

organizados: o sindicalismo no Brasil dos anos 80 destaca os aspectos que

marcaram a intervenção do regime autoritário sobre os assalariados e suas

organizações, com ênfase no arrocho salarial e na proibição da livre negociação:

como se sabe, o controle dos salários, inaugurado pelo primeiro governo militar,

foi um instrumento importante de gestão econômica durante todo o período

autoritário. Entendida como imposição de regras para o estabelecimento dos

níveis de salário, a política salarial, inaugurada em 1965, aboliu a livre

negociação coletiva dos reajustamentos, substituída pela aplicação de uma

fórmula de cálculo e de índices decretados pelo governo. Sua implementação

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dependeu do cerceamento da atividade sindical (Tavares de Almeida, 1996: 35-

36).

Com efeito, os Decretos-lei nº 15 e 17, de 1966, determinavam que os

índices para o cálculo do salário médio real passavam a ser determinados pelo

Poder Executivo. Já a Lei nº 6147, de 1974, determinava que o salário médio para

o cálculo do reajuste passava a ser a média dos salários reais dos últimos doze

meses.

Para Tavares de Almeida, a política salarial daquele período contribuiu de

forma decisiva para que aumentássemos nosso nível de desigualdade dos

rendimentos de trabalho:

o feito dessa política sobre o nível de remunerações não foi uniforme ao longo do

período considerado. De início provocou queda do salário real. Nos anos 70,

verificou-se certa recuperação de seu poder de compra, especialmente depois da

mudança no cálculo do salário médio, adotada em 1974. Mesmo assim, a política

de salários, associada ao cerceamento da atividade sindical, implicou a contenção

do crescimento dos salários de base. Dessa forma, deu cabida à abertura do leque

salarial para cima, desenhando um padrão de distribuição de renda distorcido e

iníquo (Tavares de Almeida, 1996: 36).

Vivíamos, na década de 1970, sob um regime de repressão que se

intensificou após diversos movimentos de guerrilha urbana e alguns focos de

guerrilha rural. O leque dos opositores ao regime militar era amplo e ia desde os

liberais em desacordo com o regime até as mais extremadas posições da esquerda.

Ao lado de um crescimento econômico considerável, víamos aumentar os níveis

de nossa desigualdade de rendimentos do trabalho. Por outro lado, a oposição

permitida conseguia alguns avanços, como vimos nas eleições legislativas de

1974. Nesse contexto, o trabalho de Langoni foi alvo de diversas críticas, muitas

vezes motivadas pelo clima hostil que havia, por parte dos opositores ao regime

autoritário, contra qualquer um que fosse enxergado como próximo ao regime.

3.2. O debate sobre o livro de Langoni

O livro de Langoni provocou uma série de artigos colocando restrições às

suas conclusões. Neste item procurarei destacar os principais comentários

criticando seu livro, assim como sua contestação às críticas. É oportuno lembrar

como o mundo acadêmico “recepciona” certas ideias que não estão sedimentadas

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no mainstream. Mario Grynszpan mostra como a circulação das ideias pode ser

influenciada pelo contexto20

.

o reconhecimento é, ao mesmo tempo, a atribuição de uma determinada

representação ao texto e seu autor, a imposição de leituras e interpretações legítimas

por processos que escapam muitas vezes ao controle deste, levados a efeito em

contextos distintos do original. Isso se faz por um conjunto de agentes que envolve,

além ou não do próprio autor, departamentos, universidades, professores, agências de

fomento, editoras, tradutores, resenhistas, revistas, entre outros, posicionados de

forma diferencial, com estratégias diversas, para os quais o investimento nos textos e

nos autores pode ter sentidos e objetivos distintos. E na medida em que as estratégias

são conformadas em configurações históricas determinadas, com horizontes de

possibilidades e expectativas definidos, investimentos e leituras se alteram ao longo

do tempo (Grynszpan, 2014: 25-26).

Fernando Henrique Cardoso 21

considerava que o argumento de que as

diferenças de oportunidades na educação trariam desigualdade de renda era fruto

de imaginação econômica:

a imaginação econômica situacionista – que deve ser separada da habilidade

metodológica eventualmente usada por seus defensores – não encontrou melhor

argumento para justificar o referido estilo de crescimento baseado no

consumismo e na “capacidade de investimento” dos setores de altas rendas do

que distorcer as questões de base e afirmar que a desigualdade de rendas deriva

da existência de diferenciais de oportunidades na educação (Cardoso, 1975: 10).

E questionava, em clara alusão ao trabalho de Langoni, entrevendo uma

ligação com o Governo:

[...] a pouca credibilidade que tem a posição dos justificadores tecnocráticos do

status quo que persistem em tentar fazer crer à opinião pública que ‘a ciência’,

com o esoterismo de sua linguagem e de suas técnicas de base matemática,

aponta sempre em favor dos ricos e dos que tudo transformam em justificação de

Governos eventuais e da ordem dominante (Cardoso, 1975: 9-10).

Paul Singer (Singer, 1975; 91) destaca que o ambiente político após 1964

tornou-se extremamente desfavorável às lutas sindicais. Na prática, foi abolido o

direito de greve, e o controle dos sindicatos pelo Governo havia se intensificado

com a perseguição e afastamento das antigas lideranças. Além disso, a política

econômica entre 1964 e 1968

[...] levou à centralização dos reajustamentos salariais, que foram concedidos em

nível inferior ao aumento do custo de vida, levando à deterioração dos salários

reais. O salário mínimo, último bastião de defesa do trabalho de pouca

qualificação, foi sistematicamente reduzido, em seu poder aquisitivo, pelo menos

20

Para uma análise mais aprofundada desta sociologia da recepção, ver Grynszpan, Mario (2014). 21

Fernando Henrique Cardoso (1931- ) sociólogo, professor universitário e escritor, foi Presidente

do Brasil por dois mandatos, de 1995 a 2002. É considerado um dos maiores intelectuais na área

de ciência política e sociologia da América Latina.

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até 1969. O direito à estabilidade no emprego foi, na prática, eliminado, pois a

nova legislação facilitou ao patronato impor a ‘opção’ pelo regime do Fundo de

Garantia de Tempo de Serviço a todos os novos empregados (Singer, 1975: 91-

92).

Singer reconhece que os cálculos apresentados por Langoni em seu

trabalho que comprovam a procura (função da industrialização acelerada) por

administradores, técnicos e profissionais liberais, aumentando a concentração de

renda. No entanto culpa a política salarial inaugurada em 1964:

ela atinge sobretudo os salários mais baixos, cujo valor real foi reduzido entre

1965 e 1967 [...]. Ao mesmo tempo, a remuneração da ‘nova’ classe média –

técnicos, gerentes, assistentes etc. – foi fortemente impulsionada para cima,

graças à folga na folha de pagamentos ocasionada precisamente pela baixa dos

ganhos reais da grande maioria dos assalariados (Singer, 1975: 104).

Também Albert Fishlow 22 (Fishlow, 1975) considerava que o principal fator

responsável pela perda de poder de compra dos salários era a maquiagem da inflação

prevista definida pela regra de reajustes salariais. Uma vez que, em função das regras

determinadas, o governo previa uma inflação menor que a real e, tendo em vista que

estavam proibidas as negociações entre patrões e empregados, os salários foram

diminuídos em seu poder de compra.

A concentração de renda resultante da estabilização não foi inteiramente

intencional. Ela ocorreu porque a inflação real ultrapassou os aumentos

programados para os preços, e esses aumentos programados é que foram

aplicados no emprego da fórmula oficial para reajuste de salários. Assim, o

aumento da desigualdade mede o fracasso de instrumentos monetários e fiscais

convencionais aplicados durante a administração Castelo Branco. Em um sentido

mais amplo, contudo, o resultado foi indicativo, com precisão, de prioridades:

destruição do proletariado urbano como ameaça política, e restabelecimento de

uma ordem econômica voltada para a acumulação de capital privado (Fishlow,

1975: 185).

Uma crítica mais elaborada ao livro de Langoni foi feita por Pedro Malan

23 e John Wells

24 por ocasião do artigo Distribuição de renda e desenvolvimento

econômico do Brasil (Malan e Wells, 1975), que é uma resenha comentada.

22

Albert Fishlow é economista, professor emérito de Berkeley e Columbia, com doutorado em

Harvard. Entre 1975 e 1976, trabalhou junto a Henry Kissinger, durante a gestão do então

presidente Gerald Ford, como secretário-assistente de Estado para a América Latina. Desde os

anos 1960 tem sido um importante estudioso dos temas brasileiros. 23

Pedro Sampaio Malan (1943- ) nasceu no Rio de Janeiro. Formou-se engenharia elétrica pela

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro em 1965, e tem PhD em economia pela

Universidade de Berkeley. Trabalhou para o governo de Fernando Collor de Mello como

negociador responsável pela reestruturação da dívida externa brasileira nos termos do Plano Brady.

Foi um dos arquitetos do Plano Real. Foi Ministro da Fazenda durante os dois mandatos de

Fernando Henrique Cardoso, de 1995 até 2002. 24

John Wells (1947-1999) foi um economista britânico.

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62

Focam suas críticas na própria Teoria do Capital Humano, com argumentos que

colocam em dúvida, por exemplo, a influência da educação na renda, por

esquecer-se da distribuição prévia de ativos e da estrutura de poder da sociedade.

A subjacente ‘teoria do capital humano’ supõe que a renda individual é função de

certas características pessoais. Os ‘atributos’ qualificativos de cada indivíduo

(captados por variáveis como educação, sexo e idade) determinam sua

produtividade. Como a teoria supõe que cada indivíduo recebe exatamente o

valor de sua produtividade marginal, é esse conjunto de características pessoais

que determina a renda individual. Na verdade, é preciso lembrar que: a) como é

em geral impossível medir a ‘produtividade’ dos indivíduos, o que se faz é supor

que seus rendimentos, tal como observados, refletem essa produtividade, o que

torna impossível submeter a qualquer teste empírico as hipóteses básicas da

teoria; b) parece incorreto associar a renda individual a atributos pessoais,

omitindo completamente o processo social de produção de bens e serviços, a

distribuição prévia de ativos reais e financeiros e a estrutura de poder da

sociedade; c) a direção da suposta causalidade (investimento em educação –

produtividade – renda) pode estar completamente viciada na medida em que, por

exemplo, sejam a renda e a educação dos pais que determinem a educação dos

filhos – e sua renda subsequente (Malan e Wells, 1975: 258-259).

Apesar de reconhecerem os possíveis efeitos sobre a desigualdade da

rápida expansão da demanda por administradores e técnicos, não aceitam o

argumento de Langoni de que essa expansão tenha sido “simplesmente resultante

de uma expansão diferenciada da demanda associada à aceleração do crescimento

e à crescente complexidade do processo produtivo” (Malan e Wells, 1975: 260).

Consideram que seja difícil acreditar nessa hipótese. Segundo eles,

o capitalismo brasileiro permite claramente uma ampla distribuição do excedente

via criação de empregos públicos e privados a relativamente elevados níveis de

remuneração para um vasto segmento de ‘trabalhadores’ sob certo sentido

‘improdutivos’ que são, entretanto, extremamente funcionais para o sistema tal

como este opera hoje (Malan e Wells, 1975: 260-261).

Langoni rebateu imediatamente as críticas de Malan e Wells. Classificou-

as em duas partes: “a primeira, a que chamaremos de ‘crítica ingênua’, refere-se à

tentativa de invalidar a substancial evidência empírica apresentada em suporte à

nossa tese; a segunda, denominada ‘crítica radical’, evidenciaria, a nosso ver, o

rompimento dos autores com a teoria econômica” (Langoni, 2014: 167).

Defendendo suas conclusões das “críticas ingênuas”, Langoni pontua que a

essência destas críticas está no fato de que ele não teria “conseguido explicar

100% da variância das rendas individuais em 1960 e 1970” (Langoni, 2014: 167).

Insiste na validade das conclusões:

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a conclusão da simulação é extremamente importante e, evidentemente,

desagrada aos que pretendem atribuir exclusivamente a fatores ‘estruturais’ a

desigualdade observada. Somente diferenças de atributos individuais relacionados

com o comportamento do mercado de trabalho (nível de educação, idade, sexo,

região, atividade) são suficientes para gerar uma distribuição acentuadamente

desigual, o que de resto é inteiramente consistente com o fato de estas variáveis

terem sido altamente significantes na explicação das diferenças individuais de

renda. Ao contrário do que afirmam nossos críticos, este raciocínio é

absolutamente correto para uma economia como a brasileira, em que parcelas

substanciais da população auferem suas rendas exclusivamente da ‘venda’, no

mercado, dos serviços de seus trabalhos. O valor desses serviços depende

fundamentalmente das condições marginais de oferta (escassez relativa) e

demanda (produtividade). E isto é válido mesmo para os gerentes e burocratas,

principalmente nas empresas brasileiras em que esses indivíduos não têm, em

geral, o controle efetivo da propriedade (Langoni, 2014: 169).

Já na análise de o que denominou de “crítica radical”, Carlos Langoni

acusa os autores de deixarem de lado uma herança cultural que elevou a Economia

ao status de ciência:

o verdadeiro conteúdo das críticas de Malan e Wells é revelado na última parte do

trabalho. Eles simplesmente afastam a possibilidade de aceitar uma análise com

base na teoria econômica, já que consideram ser impossível submeter a qualquer

teste empírico a teoria da produtividade e, consequentemente, a teoria do capital

humano, sua extensão mais recente (Langoni, 2014: 178).

3.3. As resistências à Teoria do Capital Humano na visão dos seus defensores

A visão dos defensores da teoria do Capital Humano com relação às

resistências enfrentadas por Langoni serão aqui abordadas. Quase trinta anos

depois do trabalho de Langoni, Mundial Francisco Ferreira 25

, em Os

determinantes da desigualdade de renda no Brasil: luta de classes ou

heterogeneidade educacional?, retoma e avança na questão da educação básica e

da desigualdade. Inicialmente, argumenta que atualmente já não há mais espaço

para que se questione a hegemonia da educação como elemento fundador da

desigualdade:

O debate dos anos 1970 e 1980, sobre a importância relativa da distribuição da

educação e de seus retornos, por um lado; e de políticas salariais repressivas por

outro, como causas básicas da desigualdade brasileira, parece estar esgotado. A

evidência empírica sugere fortemente que a educação continua sendo a variável

de maior poder explicativo para a desigualdade brasileira (Ferreira, 2000: 24).

25

Francisco de Hollanda Guimarães Ferreira é economista, PhD pela London Scholl of Economics.

Foi professor de Economia na PUC-Rio de 1999 a 2002 e atualmente é Lead Economist do Banco

Mundial.

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64

Ferreira comenta a dificuldade encontrada, no meio acadêmico, de nos

livrarmos do estigma da incorreção política, que durou por muito tempo, referente

aos argumentos de Langoni quanto à causa-chave da desigualdade: a educação.

Com a experiência do fim dos anos 1980, durante os quais um governo civil e

democraticamente eleito conviveu com a maior taxa de desigualdade jamais

mensurada no Brasil, diminuiu também a convicção de que o aumento da

desigualdade medida nos anos 1960 e 1970 era resultado principalmente de uma

política sindical repressiva da ditadura militar. O governo militar, assim como

seus sucessores civis terão, certamente, uma parcela importante da

responsabilidade pela persistência – e aumento – da desigualdade brasileira. Mas

ela parece ter mais a ver com as políticas educacionais de ambos os regimes, e

com a tolerância que ambos dispensam à segmentação do mercado de trabalho

entre formal e informal, industrial e não-industrial, do que com a repressão do

proletariado (Ferreira, 2000: 14).

Ferreira chama a atenção para o fato de que a desigualdade não é apenas

uma curiosidade acadêmica, tendo em vista sua ação negativa sobre a economia:

queria apenas ressaltar que a desigualdade não é uma mera curiosidade

acadêmica, nem ainda um indicador puramente ‘social’, sem maiores

consequências para a eficiência da economia, seu crescimento, e a taxa de

redução da pobreza. É bem verdade que, para qualquer função de bem estar

côncava em renda, a desigualdade de renda é um mal em si mesmo,

independentemente de seus efeitos sobre a eficiência da economia. Mas o ponto

central do argumento é que, mesmo que se desejasse adotar no Brasil uma função

de bem-estar social linear, na qual se desse valor somente ao PIB total,

ignorando-se toda e qualquer característica de sua distribuição, ainda assim é

muito provável que nossa alta taxa de desigualdade fosse causa para preocupação,

dados os seus efeitos negativos sobre a eficiência estática e dinâmica da

economia como um todo (Ferreira, 2000: 6).

Ferreira lembra que deve ser considerada a importância que tiveram, sobre

o debate da desigualdade, as causas políticas e econômicas que se seguiram ao

golpe de 1964:

essa visão de que a piora da desigualdade durante os anos 60 tinha causas

políticas relacionadas com o golpe de estado de 1964, e que essas causas

operavam através da repressão do poder de barganha dos trabalhadores (vis-à-vis

os representantes do capital) e de mecanismos inflacionários que implicavam em

perdas salariais desproporcionais, teve forte repercussão no debate (Ferreira,

2000: 10).

Os opositores às conclusões de Langoni baseavam sua análise na luta de

classes:

enquanto Langoni vê na distribuição da educação, e na estrutura de seus retornos,

a principal causa da desigualdade no Brasil, Fishlow e – principalmente – seus

seguidores, a procuravam numa espécie de “luta de classes” cuja principal arena

era o mercado de trabalho. Neste mercado, os retornos à educação ou à

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experiência estariam sendo comprimidos por políticas que enfraqueciam o poder

de barganha dos trabalhadores, e permitia que seus ganhos reais fossem corroídos

pela inflação que, desde meados dos anos 60, não parava de crescer (Ferreira,

2000: 10).

Ferreira vê, no entanto, qualidades nas análises de Fishlow e de Langoni,

qualidades essas que o clima de polarização política não permitia enxergar.

Não obstante, algemados pela polarização ideológica que as ditaduras costumam

engendrar, muitos demoraram quase duas décadas a reconhecer os pontos comuns

às análises pioneiras de Fishlow e Langoni. Durante esse período, acumulou-se

evidência da importância da distribuição da educação, e da estrutura dos seus

retornos, como determinante principal da desigualdade da renda familiar per

capita brasileira (Ferreira, 2000: 11).

José Márcio Camargo destaca a discussão que havia quanto aos motivos

do aumento da desigualdade de rendas na década de 1960.

Eu tive contato com isso aqui no Brasil ainda, na época que eu estava fazendo

mestrado, quando a década de 1960 foi caracterizada, no Brasil, por uma forte

concentração de renda. Existiam duas teorias, na época. Uma teoria dava uma

ênfase particularmente à política de salário mínimo e à repressão sindical. A outra

teoria dava uma ênfase particularmente importante ao fato de que, com o

crescimento da economia a partir de 66, 67, um crescimento muito rápido, como

você tinha uma oferta relativamente pequena de mão de obra qualificada, a

demanda por mão de obra qualificada aumentou muito rapidamente. A oferta não

aumentou tão rápido. O salário das pessoas qualificadas aumentou muito

rapidamente, porque faltava capital humano. Então a ideia era que se você quer

resolver o problema da desigualdade, você tem que investir em capital humano.

Enquanto que, no outro caso, a ideia era que você teria que democratizar e

aumentar o salário mínimo. Não importa qual das duas teorias é verdadeira. Não é

essa a discussão (Camargo, 2013).

Camargo comenta as resistências, no mundo acadêmico, ao trabalho de

Langoni e critica o fato de os desenvolvimentistas não terem dado a devida

importância à educação:

na década de 1960, tinha muita resistência. Mas tinha a ver com isso: com a

origem, de onde é que veio. Com o negócio da ditadura, ficou uma coisa

ideológica e política que foi muito importante. O Celso Furtado deve ter dezenas

de livros publicados. Eu devo ter lido 80% deles. A palavra “educação” não

aparece nenhuma vez. Nenhuma. Mas não é só Furtado, não. Prebisch. A palavra

“educação” não aparece nos textos desses pensadores nenhuma vez. Não é que é

pouco citada. Eu não me lembro de passar por esta palavra. Você lê um livro de

história, Formação Econômica do Brasil. Esta palavra não aparece. Isso é

impressionante! (Camargo, 2013).

Samuel Pessôa também comenta a ausência de preocupação, por parte de

Celso Furtado, com a educação, ao analisar as oportunidades perdidas pelo Brasil

e reconhece Langoni como um dos pioneiros a constatar este ponto:

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66

eu costumo dizer que a gente teve dois grandes erros, cavalares, do século XIX;

que foi a questão do trabalho escravo e a questão da lei de terra, que a gente

resolveu muito mal. Acho que a chance de uma reforma agrária legal era no

século XIX. Século XX, acho que já ficou meio tarde. E a gente teve um erro

muito dramático, no século XX, cavalar, que foi aceitar enfrentar uma transição

demográfica sem universalizar a educação. Esse é que eu chamo o Erro de

Furtado. Na verdade, não é o Erro do Furtado. É o erro da sociedade brasileira.

De todos nós. Furtado só é a expressão mais clara desse erro porque ele é o nosso

economista maior. Porque, se nosso economista maior cometeu esse erro, dá pra

ver que tem alguma coisa muito profunda na sociedade, que está dificultando,

está impedindo que ela consiga enxergar a importância da educação. Porque não

foi só o erro, não foi só o Furtado que não enxergou. Ninguém enxergou. Só dois

malucos, o Gudin e o Langoni; dois direitistas malucos que enxergaram.

Ninguém mais (Pessôa, 2013).

O debate ideológico teria prejudicado uma análise racional, por parte da

academia, do trabalho de Langoni, uma vez que tudo se deu durante uma ditadura,

o que impediu que fosse dada a devida prioridade à hipótese que tinha a educação

como causa principal do aumento da desigualdade:

esse debate foi muito poluído pelo problema de a gente estar numa ditadura

militar brutal e os economistas vinculados à ditadura estavam defendendo essa

interpretação. Eu acho que o debate ideológico impediu que a sociedade olhasse

pra esse tema com mais cuidado. E com menos paixão. Então acho que o debate

ideológico, desde os anos 50, ele dificultou muito que a gente olhasse pra essa

questão educacional com a importância que ela demandava. E ajudou que nós

cometêssemos isso que eu chamo do Erro de Furtado, que, na verdade, é o erro da

sociedade brasileira. Como um todo (Pessôa, 2013).

A questão da discussão acadêmica que atravessou duas décadas após o

lançamento do livro de Langoni é comentada por Pessôa:

percebi que economista de direita é que se preocupa com educação. Isso vem

desde o (Carlos) Langoni (presidente do Banco Central entre 1983 e 1985). Era

um conservador, ligado à ditadura, que nos anos 1970 ficou batendo na tecla da

educação. Ele foi detonado pela esquerda brasileira. No livro A controvérsia

sobre a distribuição de renda no Brasil, de 1974, com prefácio do Fernando

Henrique Cardoso e capítulos de Maria da Conceição Tavares, José Serra, Pedro

Malan, Edmar Bacha, todo mundo vai meio batendo no Langoni. Entendo a

radicalização política que havia na época, mas é uma pena que ela tenha

impedido um debate mais profundo sobre educação. Os intelectuais não olharam

com a profundidade devida a mensagem do Langoni. Ela só foi recuperada nos

anos 1990 pelo Ricardo Paes de Barros (economista, secretário de Ações

Estratégicas do governo Dilma). Desde os anos 1950, temos essa coisa engraçada:

economista de direita defende a educação, economista de esquerda defende a

indústria (Pessôa, 2013).

Francisco Ferreira comenta o debate da década de 1970 entre Langoni e

Fishlow e enfatiza a importância de uma educação de qualidade na criação de

igualdade de oportunidades:

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naquela época [...] era muito caracterizado em termos desse debate entre ele e o

Albert Fishlow, que apontava causas mais políticas e de mercado de trabalho.

Durante a ditadura, com sindicatos reprimidos, você tinha uma menor capacidade

dos sindicatos de barganhar digamos, pela mais valia com o capital. Eu gostaria

de só fazer um comentário colateral sobre isso. Eu acho que no caso brasileiro, a

desigualdade de educação é tão grande... Assim, tem um elemento que as pessoas

acham: “Ah, se o cara diz que a desigualdade se deve à educação, ele tá dizendo

que aquilo é justo”. E não é verdade. Deve-se à educação, não quer dizer que é

justo, se o acesso à educação, principalmente à educação de qualidade, não é livre

e igualitária. E, nesse sentido, você volta, um pouco, à questão das oportunidades.

Quer dizer, a desigualdade de educação seria uma desigualdade de esforços num

mundo aonde o acesso à melhor educação possível fosse igualitário. Para todo

mundo. Como isso não é o caso, e também relaciono isso um pouco com aquele

outro trabalhinho que eu fiz, e obviamente vários outros, de muitas outras

pessoas, onde determinam que a grande desigualdade do Brasil, de certa forma,

era o acesso à educação. Depois que você conseguia ter uma educação de bom

nível, aí o mercado já vale, remunerava muito bem (Ferreira, 2013).

Francisco considera oportuno comentar que existem outros fatores que

têm, recentemente, contribuído para a redução da desigualdade de rendimentos.

Entre eles estariam o aumento real do salário mínimo e o aumento da taxa de

formalização da economia:

o outro comentário é que eu acho que, no caso brasileiro, principalmente nesse

período da década de 80, 90, 2000, aonde nós tínhamos, ainda, muita

desigualdade educacional, e ainda temos, mas em termos de acesso, de

quantidade, ela está diminuindo bastante, essa desigualdade. Esse era o tema

fundamental. Isso não quer dizer que em outros contextos, e outros momentos o

que, hoje em dia, se chama de “aspectos institucionais do mercado de trabalho”

não importem. Então você tem uma série de trabalhos, nos Estados Unidos, aonde

também houve essa discussão – de fato, nos Estados Unidos, curiosamente, essa

discussão veio depois. Talvez até tivesse alguma, nos anos 70, que eu não

conheço, mas nos anos 90, quando a desigualdade nos Estados Unidos aumentou

muito, você tinha um debate entre o pessoal que dizia que era só capital humano e

o pessoal que dizia que o papel do salário mínimo e da queda na taxa de

sindicalização, de cobertura dos sindicatos, eram também fatores importantes. E

no Brasil, hoje em dia, eu estou bastante interessado na interação entre o

crescimento do salário mínimo real na última década, e o aumento da taxa de

formalização da economia. Que eu também consideraria um fator institucional, e

como que eles complementam o efeito da educação, aí tanto ao aumento na

quantidade da educação e, proporcionalmente, à queda no seu retorno, que eu

acho que ainda não está perfeitamente claro como é que todos esses fatores se

combinam pra explicar a queda da desigualdade no Brasil (Ferreira, 2013).

Quanto às resistências do pensamento desenvolvimentista à Teoria do

Capital Humano, Ferreira acredita que se baseavam em dois aspectos, sendo que o

primeiro seria o foco dos desenvolvimentistas no capital físico:

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eu acho que vem de duas questões. Primeira, é que toda a economia do

desenvolvimento, como subdisciplina, teve seu início com o capital físico. A

partir dos anos 50, com o Solow 26

e os modelos de crescimento do Solow, a

teoria, inclusive a teoria neoclássica, mas depois as teorias mais

desenvolvimentistas também tinham foco muito grande em capital físico.

Industrialização, infraestrutura. Investimento entendido como investimento em

capital físico. E eu acho que havia certa inércia intelectual das pessoas ficarem

sempre apegadas àquilo que elas já tinham lido, àquilo que elas já tinham

aprendido nas suas aulas de pós-graduação, sem pensar numa coisa nova. Esse é o

primeiro elemento da origem histórica do desenvolvimento do pensamento sobre

acumulação de capital físico (Ferreira, 2013).

O segundo aspecto seria uma resistência oriunda de um componente

ideológico, tendo em vista que a teoria de Langoni estava ligada à Universidade

de Chicago, a quem a esquerda teria aversão:

por outro lado, e aí vem uma coisa que é uma das minhas cismas, como

economista, na verdade, as pessoas sempre foram muito ideológicas. Então eu

acho que eu me considero, e certamente, quando eu comecei a trabalhar nessas

coisas, me considerava uma pessoa de esquerda. Mas as pessoas de esquerda,

durante a ditadura, obviamente, tinham uma enorme aversão a uma teoria que

vinha da Universidade de Chicago, de um cara que era amigo, trabalhava com o

Milton Friedman e que era defendida, no Brasil, por uma pessoa que foi Ministro

do Governo na época da ditadura. Agora, é aquela história que o PB, o Ricardo

Paes de Barros, e eu já comentamos várias vezes: apesar desse pedigree

intelectual que não era auspicioso para a esquerda, no fundo, para a gente

entender os problemas que nós todos estávamos interessados em entender, era

meio essencial. Era uma questão de rótulo ideológico da origem. Eu acho que

havia uma resistência de esquerda, e isso é natural. A direita faz a mesma coisa.

As pessoas adotam sistemas de ideias na cabeça dela que a gente chama de

“ideologia”. A ideologia, no fundo, não é uma ciência. Ela é um sistema de

crenças. Que a gente usa para facilitar, para não ter que ficar sempre revendo os

passos, empiricamente. Mas não é assim que se faz ciência social. Ciência de

qualquer tipo, mas inclusive a social. A social, econômica é frequentemente estar

reperguntando as coisas, refazendo perguntas e olhando de uma maneira aberta.

Não necessariamente, a pessoa que teve a ideia, você gosta dela, ou não, torce

pelo mesmo time ou não, vota no mesmo partido ou não. Então não sei se isso

divergiu um pouco, se eu tergiversei um pouco aqui, mas tem a ver com a

resistência (Ferreira, 2013).

Samuel Pessôa comenta as diferentes visões ideológicas que criaram

dificuldades para uma análise racional da Teoria do Capital Humano. Para ele,

certos setores da esquerda têm dificuldades em aceitar a ideia de que o capital

humano é importante para o crescimento. Além do mais, essa Teoria colocaria a

questão do subdesenvolvimento dentro de nós, e não nas trocas assimétricas:

26

Robert Merton Solow (1924- ) nasceu em Nova York. Economista, recebeu o Prêmio Nobel em

Economia em 1987 por seus estudos relacionados ao crescimento econômico.

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esse é um tema, a teoria do capital humano, que eu acho que a esquerda tem

muita dificuldade. É surpreendente. Eu acho que é um tema de reflexão

superinteressante. O estruturalismo latino-americano é muito presente. Eles vão

ter muita dificuldade com esse tema do capital humano. Não só vão ter

dificuldade como a tendência é rejeitar. Em certas escolas, a ideia de que capital

humano é importante para o crescimento é rejeitada. E a visão deles ainda é a

visão mais antiga, que capital humano é uma questão de outros termos, é

sociabilidade, socialização, direito fundamental do homem, autonomia. Mas essa

relação mais econômica que a teoria do capital humano coloca, e que as escolas

de economia mais no mainstream econômico adotam, o pensamento mais

estruturalista rejeita acho que até hoje. A minha experiência, a minha impressão,

é que os lugares ditos mais “de esquerda”, ditos mais “estruturalistas”, mais

heterodoxos, sei lá que rótulo a gente usa (...) são lugares em que a teoria do

capital humano tem muita dificuldade de ser digerida. Exatamente por aquele

primeiro ponto que eu abordei aqui: a teoria do capital humano é uma teoria que

coloca o subdesenvolvimento dentro do país. E esses lugares estão ligados a uma

visão que o desenvolvimento é relacional (Pessôa, 2013).

Pessôa enxerga uma sinergia entre a PUC-Rio e a FGV do Rio com

relação à aceitação da Teoria do Capital Humano, e enfatiza a importância que

teve Ricardo Paes de Barros no resgate do trabalho de Langoni:

a gente pensa muito parecido. Tanto a FGV-Rio como a PUC-Rio. Acho que a

FGV de fato, a gente tem uma coincidência: uma época tinha eu, Pedro

Cavalcanti, agora o Fernando Veloso veio pro IBRE, está aqui conosco. Mas a

pessoa que redescobriu o Langoni é o PB. Redescobriu o Langoni não pelo lado

de crescimento, mas pelo lado de desigualdade e pobreza (Pessôa, 2013).

E relata um trabalho feito por Rodrigo Soares 27

que ele considera

relevante para os estudos da influência do capital humano sobre o crescimento.

Nesse trabalho fica demonstrada a causalidade entre o aumento de expectativa de

vida e o incentivo para que se invista em capital humano:

tem o Rodrigo Soares. Que agora foi pra FGV de São Paulo. A tese de doutorado

do Rodrigo é belíssima. O orientador dele foi o Becker. Ele fez uma coisa para

tentar - tem toda uma literatura que é tentar - entender o processo de Revolução

Industrial. Porque você teve, no processo de Revolução Industrial, uma trajetória

de crescimento à la Malthus, que o crescimento da economia é permanente, mas o

crescimento da população também é permanente, e o crescimento do PIB per

capita é praticamente nulo. Você transitou desse regime Malthus para um regime

que a gente chama Solow, em que o crescimento do PIB é permanente, o

crescimento da população também, mas é menos do que o PIB. E você tem

crescimento intensivo. Então você conseguiu fazer uma transição de um

equilíbrio de um crescimento extensivo pra um crescimento intensivo. Importante

lembrar que, no crescimento extensivo do regime malthusiano, você tinha muito

progresso tecnológico. Porque o recurso escasso agrícola estava sendo usado cada

vez com mais intensidade. Você estava tendo progresso tecnológico na

agricultura, tanto é que a população do mundo estava crescendo. Mas você não

tinha um momento da economia que permitisse crescimento de PIB per capita. 27

Rodrigo Reis Soares (1971- ) nasceu no Rio de Janeiro. Economista, PhD pela Universidade de

Chicago.

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70

Então como que foi essa transição é uma coisa que os economistas não têm muito

claro, mas tem umas teorias, tem lances. Não acho que tenha um modelo que seja

consensual. Então a causalidade seria assim: o mundo vai melhorando aos

pouquinhos. Você vai tendo progresso tecnológico, você vai aprendendo a se

alimentar um pouquinho melhor. Um pouquinho melhor de saúde. Então a

expectativa de vida vai subindo. Conforme a expectativa de vida sobe, a taxa de

retorno de se educar aumenta. Porque você vai ter mais tempo para usar o que

você acumulou. E aí você gerou um incentivo privado pra aumentar muito o

investimento em educação. E isso reforçou o progresso tecnológico. E um dos

canais teria sido o que simulou a Revolução Industrial na Inglaterra: o aumento

exógeno da expectativa de vida; o aumento da expectativa de vida gerou um

monte de coisas (Pessôa, 2013).

Pessôa considera ainda que continua havendo um antagonismo ideológico,

mas que lentamente poder-se-á alcançar um consenso na absorção da Teoria do

Capital Humano. Os políticos hoje estariam mais interessados em educação, pois

teriam a percepção de que é isto que o eleitor mediano deseja. E critica o retorno a

um nacional-desenvolvimentismo que considera ultrapassado:

o que a gente vê é que o Brasil é uma democracia super competitiva. Difícil,

sofisticada, de alto nível. Acho que a política tem alto nível. E ela é um mercado.

Ela responde a um eleitor mediano. Então acho que os políticos fazem,

independente do que eles gostem mais ou menos, o que o eleitor mediano quer.

Dentro de nuances, dentro dos pontos de partida de cada um dos partidos, mas eu

acho que tem uma forte convergência da política brasileira à média, e acho que a

gente tem visto isso: as diferenças entre o governo FHC e Lula são muito

menores do que o Fla x Flu que a política brasileira virou sugere, e eu acho que as

diferenças maiores que houve no governo PT, que houve de uns anos pra cá, eles

estão arrependidos. Tanto é que eu tenho uma leitura que esse ensaio nacional-

desenvolvimentista que ocorreu a partir de 2009 está sendo desembarcado. Eles

perceberam que deu errado. Acho que eles vão voltar. Acho que o segundo

mandato da Dilma vai ser uma coisa mais à la Palocci, primeiro governo do Lula,

porque esse ensaio nacional-desenvolvimentista não é uma coisa que o eleitor

quis. O eleitor não quer isso. O eleitor não quer BNDES. Não quer economia

fechada. Juro baixo na marra. O eleitor quer bolsa, economia crescendo e

desemprego baixo. Essencialmente, é isso que o eleitor quer. Então esse ensaio

nacional-desenvolvimentista foi uma coisa mais por ideologia. Da Dilma, do

Luciano Coutinho, do Guido Mantega, essas pessoas que eu acho que,

independente dos méritos, é difícil a gente avaliar, evidentemente eu tenho uma

visão contrária, mas a prática é que não funcionou. Não entregou crescimento e

entregou mais inflação. Acho que o sistema político vai funcionar no segundo

mandato da Dilma, eles vão desembarcar de vez esse ensaio nacional-

desenvolvimentista. Eu acredito muito que os políticos fazem o que o eleitor

mediano manda (Pessôa, 2013).

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Francisco Ferreira comenta como vê, atualmente, a Teoria do Capital

Humano. Destaca os trabalhos de John Roemer 28, que dão ênfase à igualdade de

oportunidades:

o que aconteceu na minha trajetória é que eu acabei, em meados da década

passada, ficando bastante interessado nessa questão de desigualdade de

oportunidade. Em parte, por causa dessa questão da reprodução da desigualdade.

Eu li os trabalhos do John Roemer. Ele é uma pessoa um pouco como você, na

fronteira entre Economia e Ciência Política. Ele é professor de Ciência Política

em Yale. E ele tem uma série de trabalhos, mas um bem conhecido é um livrinho

chamado Equality of opportunity, aonde ele formaliza a teoria de filosofia ética.

Pessoal que trabalha com teoria da justiça, sobre o que seria igualdade de

oportunidade e se essa é, realmente, ou não, a desigualdade que importa do ponto

de vista normativo. Do ponto de vista ético. Isso vai um pouco, também, em

direção àquela antiga pergunta do Amartya Sen. Se não me engano, ao redor de

1980, onde ele perguntava: Desigualdade do que? (Ferreira, 2013).

Ferreira comenta que, na desigualdade de resultados à qual as pessoas

chegam, existem dois componentes básicos: o primeiro tem a ver com a

responsabilidade individual e o outro engloba tudo que não depende do esforço do

indivíduo, que está fora do seu controle. Teria vindo daí a ideia de trabalhar para

desenvolver índices de medição de desigualdade de oportunidades:

a ideia básica é que na desigualdade de resultados que a gente observa, quer

dizer, desigualdade de renda, ou desigualdade de educação, ou desigualdade de

status, qualquer variável que você queira, riqueza, você tem, na verdade, dois

componentes básicos. Um que reflete um componente de responsabilidade do

indivíduo, que o Roemer para incorporar, chama de “esforço”, e outro que

incorpora qualquer outra coisa que não seja esse de responsabilidade individual,

de esforço que é, normativamente, associado ao indivíduo. Então todo esse resto

que vem: a desigualdade dos seus pais, da sua família, da sua origem, do lugar

onde você nasceu tudo isso leva a uma desigualdade de oportunidade. Na

verdade, duas discussões, uma a nível filosófico, e outra a nível empírico do que é

que a gente observa e o que é que a gente não observa. O que é, de fato,

circunstância, porque são as variáveis que você não controla. O que é que é

esforço, que são as variáveis que você controla. A literatura toda leva em

consideração o fato de que o próprio nível de esforço absoluto, de medir, por

exemplo, o esforço que diferentes crianças põem na sua lição de casa, isso, de

certa forma, também é endógeno e reflete circunstâncias, porque reflete os pais,

de novo, reflete a família, reflete a cultura, o ambiente que ele cresceu. Quer

dizer, tudo isso é meio que levado em conta e tem toda uma discussão sobre isso,

que eu achei bem interessante, e eu trabalhei, especificamente, numa área menos

filosófica e mais de mensuração, de como pegar essas ideias e criar índices de

medição de desigualdade de oportunidade (Ferreira, 2013).

28

John Roemer (1945- ) nasceu em Washington, D.C. É economista e cientista político, PhD em

Economia por Berkeley. Suas pesquisas estão relacionadas à economia política e à justiça

distributiva.

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E isso resultou em diversos índices deste gênero, desde o Banco Mundial

até o Brasil, com Ricardo Paes e Barros. Esses índices contribuem para esclarecer

onde estão as desigualdades de oportunidade, fenômeno que a direita também

procura combater, facilitando a tomada de decisão de políticas sociais:

o Banco Mundial, por exemplo, onde eu trabalho, adotou uma série desses índices

para vários países. Teve uma resenha da revista The Economist, no ano passado,

sobre desigualdade, aonde tinha lá um pedaço sobre esse trabalho nosso de

desigualdade de oportunidade No Brasil, também, de novo, o Ricardo Paes de

Barros criou um índice dele, diferente do nosso. Tem um livrinho nosso chamado

Measuring inequality of opportunities in Latin America and the Caribbean, que os

autores são, de novo, o Ricardo Paes de Barros, eu, o José Molinas e o Jaime

Saavedra. Nesse livrinho tem os dois índices: o que eu prefiro, e o que o PB

prefere. Mas isso acabou sendo usado. Criou esse Índice de Oportunidades

Humanas, que as pessoas usam. Então é uma área que eu acho interessante,

inclusive porque você tem uma vantagem política, que é a seguinte. Você falando

de desigualdade de resultados, tem divergências entre, digamos, para estilizar um

pouco, entre esquerda e direita. Aonde a direita, de certa forma, acha que aquilo é

sua responsabilidade, e a esquerda acha que é responsabilidade da sociedade.

Quando você isola um componente, e diz: “não, essa parte aqui, ela é claramente

desigualdade de oportunidade”, até a direita concorda que o que gera essa

desigualdade deve ser combatido. Então você tem um common ground aí para

lidar com políticos e fazedores de política (Ferreira, 2013).

Assim como Pessôa, Ferreira também sente que havia uma sinergia entre a

Fundação Getúlio Vargas do Rio e a PUC-Rio com relação à Teoria do Capital

Humano. Os principais intelectuais que falaram sobre ela estavam nessas duas

instituições, mas Ferreira ressalva algumas exceções:

eu acho que, como para qualquer outra coisa, há exceções. Pega, por exemplo, o

Naércio Menezes Filho. O Naércio Menezes Filho era da USP. Ele, hoje, está no

que se chama Insper, lá em SP. Foi Ibmec por um tempo, agora chama Insper.

Quando eu estava na PUC do Rio, o Naércio estava na USP. E ele certamente

fazia economia do trabalho de acordo com as linhas básicas que vêm na sua

origem, de novo do Mincer e do Becker. É claro que ele fazia coisas mais

modernas, mas a perspectiva original ainda era consistente com essa abordagem.

Mas, de fato, eu acho que, por muito tempo, houve, no Brasil, de certa maneira,

uma manifestação extrema daquele clubismo, ou da tendência ideológica da

economia, foi rejeitar não só a teoria do capital humano, mas quase todo o

arcabouço neoclássico do pensamento econômico, que passou a ser dominante no

resto do mundo inteiro, certamente no mundo desenvolvido, mas que no Brasil

ainda ficou minoritário. No Brasil e em outros países. Foi minoritário por muito

tempo. E a PUC e a Fundação foram os primeiros departamentos, eu acho, a

participarem dessa economia como disciplina, não como economia, mas

economia como disciplina, ciência econômica internacional. No sentido de que se

usava matemática, se usava cálculo, e você tinha arcabouços teóricos de

otimização, etc. (Ferreira, 2013).

As reações ao trabalho de Langoni foram intensas. Motivos políticos e

ideológicos estavam entre as principais causas desse antagonismo. Décadas se

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passaram desde o lançamento de seu livro. Os estudiosos aqui analisados

consideram que os dados empíricos deram razão aos argumentos de Langoni e

que, hoje, a interpretação de que o investimento no capital humano é fundamental

para que haja crescimento econômico, diminuição da pobreza, e diminuição da

desigualdade é muito bem aceita, apesar de termos ainda vozes dissonantes, nos

mundos político e acadêmico.

3.4. A visão dos desenvolvimentistas no período autoritário sobre o conflito distributivo

A visão dos desenvolvimentistas brasileiros com relação ao conflito

distributivo durante o período autoritário tem em Celso Furtado um de seus mais

qualificados representantes.

Ricardo Bielschowsky, em Pensamento econômico brasileiro: o ciclo

ideológico do desenvolvimentismo, comenta que Furtado acreditava que a saída

para o nosso subdesenvolvimento passava pela nossa industrialização e pela ação

do Estado neste sentido:

a obra intelectual e executiva de Furtado nos anos 50 e início dos 60 já continha

uma forte preocupação com os problemas sociais e inclinava-se crescentemente

para a defesa das reformas. Refletia, porém, o pensamento de um intelectual que

acreditava que o processo de industrialização constituísse a grande solução para

os problemas sociais básicos e, além disso, de um servidor público que tinha uma

carreira aberta à ascensão política no interior do Estado – entidade indispensável,

segundo o projeto de sua corrente, para que se realizasse a industrialização.

Predominou, por essa razão, em seu pensamento, como nos demais

desenvolvimentistas nacionalistas, a defesa de medidas de política econômica

relativas ao desenvolvimento industrial (Bielschowsky, 2000: 154).

E Bielschowsky enumera quais seriam as quatro questões distributivas

básicas, discutidas por Furtado em sua obra anterior a 1964:

primeiro, e desde cedo, há a proposta de redistribuição de renda através de

tributação sobre as classes ricas, de forma a ampliar a poupança nacional e os

investimentos estatais; segundo, e fortemente associadas à discussão sobre ação

fiscal, encontram-se, ainda nos anos 50, observações sobre a relação entre

concentração de renda e crescimento econômico [...]; terceiro, a partir de 1957, há

a discussão sobre o problema das desigualdades regionais, ligada à defesa de uma

solução para a questão nordestina; quarto, encontra-se todo um posicionamento

em apoio à realização de uma reforma agrária (Bielschowsky, 2000: 154).

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Em Desenvolvimento e subdesenvolvimento, Furtado explica como se teria

dado o subdesenvolvimento nos países periféricos. Esse teria sido o terceiro

movimento da expansão iniciada pela Revolução Industrial, na Europa, ocorrida

no século 18. O primeiro seria o processo de desenvolvimento industrial na

Europa Ocidental, que teria sido seguido pela expansão na direção de regiões com

terras disponíveis, mas com características semelhantes às da Europa. Finalmente:

aa tteerrcceeiirraa lliinnhhaa ddee eexxppaannssããoo ddaa eeccoonnoommiiaa iinndduussttrriiaall eeuurrooppeeiiaa ffooii eemm ddiirreeççããoo ààss

rreeggiiõõeess jjáá ooccuuppaaddaass,, aallgguummaass ddeellaass ddeennssaammeennttee ppoovvooaaddaass,, ccoomm sseeuuss ssiisstteemmaass

eeccoonnôômmiiccooss sseeccuullaarreess ddee vvaarriiaaddooss ttiippooss,, mmaass ttooddooss ddee nnaattuurreezzaa pprréé--ccaappiittaalliissttaa.. OO

ccoonnttaattoo ddaass vviiggoorroossaass eeccoonnoommiiaass ccaappiittaalliissttaass ccoomm eessssaass rreeggiiõõeess ddee aannttiiggaa

ccoolloonniizzaaççããoo nnããoo ssee ffeezz ddee mmaanneeiirraa uunniiffoorrmmee.. EEmm aallgguunnss ccaassooss,, oo iinntteerreessssee

lliimmiittoouu--ssee àà aabbeerrttuurraa ddee lliinnhhaass ddee ccoomméérrcciioo.. EEmm oouuttrrooss hhoouuvvee,, ddeessddee oo iinníícciioo,, oo

ddeesseejjoo ddee ffoommeennttaarr aa pprroodduuççããoo ddee mmaattéérriiaass--pprriimmaass ccuujjaa pprrooccuurraa ccrreesscciiaa nnooss

cceennttrrooss iinndduussttrriiaaiiss.. OO eeffeeiittoo ddoo iimmppaaccttoo ddaa eexxppaannssããoo ccaappiittaalliissttaa ssoobbrree aass

eessttrruuttuurraass aarrccaaiiccaass vvaarriioouu ddee rreeggiiããoo ppaarraa rreeggiiããoo,, aaoo ssaabboorr ddaass cciirrccuunnssttâânncciiaass

llooccaaiiss,, ddoo ttiippoo ddee ppeenneettrraaççããoo ccaappiittaalliissttaa ee ddaa iinntteennssiiddaaddee ddeessttaa.. CCoonnttuuddoo,, aa

rreessuullttaannttee ffooii qquuaassee sseemmpprree aa ccrriiaaççããoo ddee eessttrruuttuurraass hhííbbrriiddaass,, uummaa ppaarrttee ddaass qquuaaiiss

tteennddiiaa aa ccoommppoorrttaarr--ssee ccoommoo uumm ssiisstteemmaa ccaappiittaalliissttaa,, aa oouuttrraa,, aa mmaanntteerr--ssee ddeennttrroo ddaa

eessttrruuttuurraa pprreeeexxiisstteennttee.. EEssssee ttiippoo ddee eeccoonnoommiiaa dduuaalliissttaa ccoonnssttiittuuii,, eessppeecciiffiiccaammeennttee,,

oo ffeennôômmeennoo ddoo ssuubbddeesseennvvoollvviimmeennttoo ccoonntteemmppoorrâânneeoo ((FFuurrttaaddoo,, 22000099:: 116611))..

Far-se-ia necessário, no entanto, chamar a atenção para o fato de que esses

três movimentos não deveriam estar, obrigatoriamente, na história do

desenvolvimento de todos os países desenvolvidos: ““OO ssuubbddeesseennvvoollvviimmeennttoo éé,,

ppoorrttaannttoo,, uumm pprroocceessssoo hhiissttóórriiccoo aauuttôônnoommoo,, ee nnããoo uummaa eettaappaa ppeellaa qquuaall tteennhhaamm,,

nneecceessssaarriiaammeennttee,, ppaassssaaddoo aass eeccoonnoommiiaass qquuee jjáá aallccaannççaarraamm ggrraauu ssuuppeerriioorr ddee

ddeesseennvvoollvviimmeennttoo”” ((FFuurrttaaddoo,, 22000099:: 116611))..

Sua preocupação com a industrialização era intensa. Furtado procura

explicar as dificuldades que teríamos no nosso processo de industrialização. Ao

concorrermos com os produtos estrangeiros, estaríamos obrigados a utilizar os

métodos de produção do exportador estrangeiro, fazendo com que houvesse atraso

na incorporação das estruturas mais atrasadas do país:

oo ssuubbddeesseennvvoollvviimmeennttoo nnããoo ccoonnssttiittuuii uummaa eettaappaa nneecceessssáárriiaa ddoo pprroocceessssoo ddee

ffoorrmmaaççããoo ddaass eeccoonnoommiiaass ccaappiittaalliissttaass mmooddeerrnnaass.. ÉÉ,, eemm ssii,, uumm pprroocceessssoo ppaarrttiiccuullaarr,,

rreessuullttaannttee ddaa ppeenneettrraaççããoo ddee eemmpprreessaass ccaappiittaalliissttaass mmooddeerrnnaass eemm eessttrruuttuurraass

aarrccaaiiccaass.. OO ffeennôômmeennoo ddoo ssuubbddeesseennvvoollvviimmeennttoo aapprreesseennttaa--ssee ssoobb ffoorrmmaass vváárriiaass ee

eemm ddiiffeerreenntteess eessttááddiiooss.. OO ccaassoo mmaaiiss ssiimmpplleess éé oo ddaa ccooeexxiissttêênncciiaa ddee eemmpprreessaass

eessttrraannggeeiirraass,, pprroodduuttoorraass ddee uummaa mmeerrccaaddoorriiaa ddee eexxppoorrttaaççããoo,, ccoomm uummaa llaarrggaa ffaaiixxaa

ddee eeccoonnoommiiaa ddee ssuubbssiissttêênncciiaa,, ccooeexxiissttêênncciiaa eessttaa qquuee ppooddee ppeerrdduurraarr,, eemm eeqquuiillííbbrriioo

eessttááttiiccoo,, ppoorr lloonnggooss ppeerrííooddooss.. OO ccaassoo mmaaiiss ccoommpplleexxoo –– eexxeemmpplloo ddoo qquuaall nnooss

ooffeerreeccee oo eessttááddiioo aattuuaall ddaa eeccoonnoommiiaa bbrraassiilleeiirraa –– éé aaqquueellee eemm qquuee aa eeccoonnoommiiaa

aapprreesseennttaa ttrrêêss sseettoorreess:: uumm,, pprriinncciippaallmmeennttee ddee ssuubbssiissttêênncciiaa;; oouuttrroo,, vvoollttaaddoo

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ssoobbrreettuuddoo ppaarraa eexxppoorrttaaççããoo ee oo tteerrcceeiirroo,, ccoommoo uumm nnúúcclleeoo iinndduussttrriiaall lliiggaaddoo aaoo

mmeerrccaaddoo iinntteerrnnoo,, ssuuffiicciieenntteemmeennttee ddiivveerrssiiffiiccaaddoo ppaarraa pprroodduuzziirr ppaarrttee ddooss bbeennss ddee

ccaappiittaall ddee qquuee nneecceessssiittaa ppaarraa sseeuu pprróópprriioo ccrreesscciimmeennttoo.. OO nnúúcclleeoo iinndduussttrriiaall lliiggaaddoo

aaoo mmeerrccaaddoo iinntteerrnnoo ssee ddeesseennvvoollvvee aattrraavvééss ddee uumm pprroocceessssoo ddee ssuubbssttiittuuiiççããoo ddee

mmaannuuffaattuurraass aanntteess iimmppoorrttaaddaass,, vvaallee ddiizzeerr,, eemm ccoonnddiiççõõeess ddee ppeerrmmaanneennttee

ccoonnccoorrrrêênncciiaa ccoomm pprroodduuttoorreess ffoorrâânneeooss.. [[......]] OO rreessuullttaaddoo pprrááttiiccoo ddiissssoo -- mmeessmmoo

qquuee ccrreessççaa oo sseettoorr iinndduussttrriiaall lliiggaaddoo aaoo mmeerrccaaddoo iinntteerrnnoo ee aauummeennttee ssuuaa

ppaarrttiicciippaaççããoo nnoo pprroodduuttoo,, mmeessmmoo qquuee ccrreessççaa,, ttaammbbéémm,, aa rreennddaa ppeerr ccaappiittaa ddoo

ccoonnjjuunnttoo ddaa ppooppuullaaççããoo –– éé qquuee aa eessttrruuttuurraa ooccuuppaacciioonnaall ddoo ppaaííss ssee mmooddiiffiiccaa ccoomm

lleennttiiddããoo.. OO ccoonnttiinnggeennttee ddaa ppooppuullaaççããoo aaffeettaaddaa ppeelloo ddeesseennvvoollvviimmeennttoo mmaannttéémm--ssee

rreedduuzziiddoo,, ddeecclliinnaannddoo mmuuiittoo ddeevvaaggaarr aa iimmppoorrttâânncciiaa rreellaattiivvaa ddoo sseettoorr ccuujjaa pprriinncciippaall

aattiivviiddaaddee éé aa pprroodduuççããoo ppaarraa ssuubbssiissttêênncciiaa ((FFuurrttaaddoo,, 22000099:: 117711--117722))..

Em A pré-revolução brasileira, Furtado, respondendo a algumas questões

levantadas por jovens universitários, levanta o problema de que apesar do

desenvolvimento que vinha ocorrendo, estaríamos passando por um processo de

concentração de renda:

aa pprriimmeeiirraa ddeessttaass qquueessttõõeess ddiizz rreessppeeiittoo aaoo ccuussttoo ssoocciiaall ddoo ddeesseennvvoollvviimmeennttoo qquuee ssee

vveemm rreeaalliizzaannddoo nnoo BBrraassiill.. AA aannáálliissee eeccoonnôômmiiccaa lliimmiittaa--ssee aa eexxppoorr ffrriiaammeennttee aa

rreeaalliiddaaddee.. SSaabbeemmooss qquuee oo ddeesseennvvoollvviimmeennttoo ddee qquuee ttaannttoo nnooss oorrgguullhhaammooss,,

ooccoorrrriiddoo nnooss úúllttiimmooss ddeeccêênniiooss,, eemm nnaaddaa mmooddiiffiiccoouu aass ccoonnddiiççõõeess ddee vviiddaa ddee ttrrêêss

qquuaarrttooss ddaa ppooppuullaaççããoo ddoo ppaaííss.. SSuuaa ccaarraacctteerrííssttiiccaa pprriinncciippaall tteemm ssiiddoo uummaa ccrreesscceennttee

ccoonncceennttrraaççããoo ssoocciiaall ee ggeeooggrrááffiiccaa ddee rreennddaa.. AAss ggrraannddeess mmaassssaass qquuee ttrraabbaallhhaamm nnooss

ccaammppooss,, ee ccoonnssttiittuueemm aa mmaaiioorriiaa ddaa ppooppuullaaççããoo bbrraassiilleeiirraa,, pprraattiiccaammeennttee nneennhhuumm

bbeenneeffiicciioo aauuffeerriirraamm ddeessssee ddeesseennvvoollvviimmeennttoo.. MMaaiiss aaiinnddaa:: eessssaass mmaassssaass vviirraamm

rreedduuzziirr--ssee oo sseeuu ppaaddrrããoo ddee vviiddaa,, qquuaannddoo ccoonnffrroonnttaaddoo ccoomm oo ddee ggrruuppooss ssoocciiaaiiss

ooccuuppaaddooss nnoo ccoomméérrcciioo ee eemm oouuttrrooss sseerrvviiççooss.. ((FFuurrttaaddoo,, 11996622:: 1144))..

Para Furtado, em países desenvolvidos poderíamos nos preocupar com o

crescimento quantitativo. No entanto, esta não deveria ser a maior preocupação

nos países subdesenvolvidos, onde teríamos que fazer modificações nas nossas

estruturas:

ddiissttiinnttoo éé,, eennttrreettaannttoo,, oo pprroobblleemmaa ddaa ffoorrmmuullaaççããoo ddee uummaa ppoollííttiiccaa ddee

ddeesseennvvoollvviimmeennttoo ppaarraa uummaa eeccoonnoommiiaa ssuubbddeesseennvvoollvviiddaa.. EEmm ffaaccee ddee uummaa eessttrruuttuurraa

ppoouuccoo ddiiffeerreenncciiaaddaa,, ddee uumm ssiisstteemmaa ccoomm rreedduuzziiddoo ggrraauu ddee iinntteeggrraaççããoo,, aa ttééccnniiccaa ddee

ppoollííttiiccaa qquuaannttiittaattiivvaa aapprreesseennttaa lliimmiittaaddoo aallccaannccee pprrááttiiccoo.. [[......]] AA ppoollííttiiccaa ddee

ddeesseennvvoollvviimmeennttoo qquuee ssee rreeqquueerr eemm uumm ppaaííss ssuubbddeesseennvvoollvviiddoo éé,, pprriinncciippaallmmeennttee,,

ddee nnaattuurreezzaa qquuaalliittaattiivvaa:: eexxiiggee uumm ccoonnhheecciimmeennttoo ddaa ddiinnââmmiiccaa ddaass eessttrruuttuurraass qquuee

eessccaappaa àà aannáálliissee eeccoonnôômmiiccaa ccoonnvveenncciioonnaall.. AA ttééccnniiccaa ccoorrrreennttee ddee pprroojjeeççõõeess,, bbaassee

ddaa ppoollííttiiccaa ddee ddeesseennvvoollvviimmeennttoo ddee lloonnggoo pprraazzoo qquuee vveemm sseennddoo aaddoottaaddaa eemm vváárriiooss

ppaaíísseess,, iiggnnoorraa aa mmaaiioorr ppaarrttee ddooss oobbssttááccuullooss eessttrruuttuurraaiiss qquuee ssããoo eessppeeccííffiiccooss ddoo

ssuubbddeesseennvvoollvviimmeennttoo ((FFuurrttaaddoo:: 11996622:: 3388--3399))..

Em Conversas com economistas brasileiros, suas preocupações

qualitativas são repetidas, com a diferença de que, agora, Furtado vê como

vitoriosa a ideia de que os indicadores sociais são também de vital importância

para se medir o desenvolvimento:

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oo ccoonncceeiittoo ddee ddeesseennvvoollvviimmeennttoo ssuurrggiiuu ccoomm aa iiddeeiiaa ddee pprrooggrreessssoo,, oouu sseejjaa,, ddee

eennrriiqquueecciimmeennttoo ddaa nnaaççããoo,, ccoonnffoorrmmee ttííttuulloo ddoo lliivvrroo ddee AAddaamm SSmmiitthh,, ffuunnddaaddoorr ddaa

CCiiêênncciiaa EEccoonnôômmiiccaa.. OO ppeennssaammeennttoo cclláássssiiccoo,, ttaannttoo nnaa lliinnhhaa lliibbeerraall ccoommoo nnaa

mmaarrxxiissttaa,, vviiaa nnoo aauummeennttoo ddaa pprroodduuççããoo aa cchhaavvee ppaarraa mmeellhhoorraarr oo bbeemm--eessttaarr ssoocciiaall,, ee

aa tteennddêênncciiaa ffooii ddee aassssiimmiillaarr oo pprrooggrreessssoo aaoo pprroodduuttiivviissmmoo.. HHoojjee,, jjáá nniinngguuéémm

ccoonnffuunnddee aauummeennttoo ddaa pprroodduuççããoo ccoomm mmeellhhoorriiaa ddoo bbeemm--eessttaarr ssoocciiaall.. MMeeddee--ssee oo

ddeesseennvvoollvviimmeennttoo ccoomm uummaa bbaatteerriiaa ddee iinnddiiccaaddoorreess ssoocciiaaiiss qquuee vvããoo ddaa mmoorrttaalliiddaaddee

iinnffaannttiill aaoo eexxeerrccíícciioo ddaass lliibbeerrddaaddeess ccíívviiccaass ((FFuurrttaaddoo,, 11999966:: 6644))..

O economista enfatiza que as forças de mercado sozinhas, no nosso caso,

não seriam capazes de alavancar nosso desenvolvimento, fazendo-se necessária a

presença de ações políticas:

ddeessssee ppoonnttoo ddee vviissttaa,, oo BBrraassiill aapprreesseennttaa uumm qquuaaddrroo mmuuiittoo ppoouuccoo ffaavvoorráávveell,, ppooiiss éé

uumm ddooss ppaaíísseess eemm qquuee éé mmaaiioorr aa ddiissppaarriiddaaddee eennttrree oo ppootteenncciiaall ddee rreeccuurrssooss ee aa

rriiqquueezzaa jjáá aaccuummuullaaddaa,, ddee uumm llaaddoo,, ee aass ccoonnddiiççõõeess ddee vviiddaa ddaa ggrraannddee mmaaiioorriiaa ddaa

ppooppuullaaççããoo,, ddee oouuttrroo.. OO ccrreesscciimmeennttoo eeccoonnôômmiiccoo ppooddee ooccoorrrreerr eessppoonnttaanneeaammeennttee

ppeellaa iinntteerraaççããoo ddaass ffoorrççaass ddoo mmeerrccaaddoo,, mmaass oo ddeesseennvvoollvviimmeennttoo ssoocciiaall éé ffrruuttoo ddee

uummaa aaççããoo ppoollííttiiccaa ddeelliibbeerraaddaa.. SSee aass ffoorrççaass ssoocciiaaiiss ddoommiinnaanntteess ssããoo iinnccaappaazzeess ddee

pprroommoovveerr eessssaa ppoollííttiiccaa,, oo ddeesseennvvoollvviimmeennttoo ssee iinnvviiaabbiilliizzaa oouu aassssuummee ffoorrmmaass

bbaassttaarrddaass ((FFuurrttaaddoo,, 11999966:: 6644))..

Em Estatísticas do século XX, Furtado atribui à presença de sindicatos

fortes e organizados na Europa o fato de eles terem conseguido uma distribuição

de renda aceitável, dentro do sistema capitalista:

crescem a produtividade e a renda per capita, mas, se não houver distribuição

dessa renda, apenas se reproduzem os padrões de consumo dos países mais ricos.

As elites do Brasil vivem tão bem, ou melhor, do que as do chamado Primeiro

Mundo. O subdesenvolvimento cria um sistema de distribuição de renda

perverso, que sacrifica os grupos de renda baixa. Pois é inerente à economia

capitalista a tendência à concentração social da renda. O processo competitivo da

economia de mercado exige a seleção dos mais fortes, e os que vão passando na

frente concentram a renda. Essa tendência pode ser corrigida pela ação das forças

sociais organizadas, que levam o Estado capitalista a adotar uma política social.

Na Europa, onde se criaram grandes sindicatos, a sociedade civil se modificou,

evoluiu, e a própria luta social passou a ser um elemento dinâmico. Se a Europa

avançou tanto não foi só porque cresceu economicamente, mas porque

redistribuiu a renda, o que foi possível graças às pressões dos poderosos

sindicatos. O problema é que nas economias subdesenvolvidas a ação dessas

forças sociais é de muito menor eficácia. Aqui, a tendência à agravação das

desigualdades somente se reduz em fases de forte crescimento do intercâmbio

internacional. Daí o fator político ser tão relevante nos países do Terceiro Mundo

(Furtado, 2006: 16).

Para Celso Furtado, portanto, a desigualdade de renda no mercado de

trabalho brasileiro derivava principalmente de um fator estrutural: a debilidade

das organizações defensoras dos interesses dos trabalhadores. Inexistência de

sindicatos, ou sindicatos com baixo poder de barganha, torna mais difícil alcançar

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ganhos salariais nas negociações com o capital privado. Ao lado disso, as

condições adversas introduzidas pelo regime autoritário, especialmente a política

salarial restritiva, faziam com que o conflito distributivo ficasse congelado ou

mesmo pendesse para o lado do capital, consolidando um quadro de concentração

de renda no país.

A perspectiva analítica de Celso Furtado e de outros economistas

desenvolvimentistas, com relação à desigualdade de rendimentos no mercado de

trabalho, tornou-se a perspectiva analítica usada pela oposição ao regime

autoritário nos anos 1970. O crescimento da desigualdade de renda dar-se-ia por

problemas estruturais, ligados ao nosso subdesenvolvimento (fragilidades

históricas dos sindicatos), somada as condições impostas pelos governos militares

(arrocho salarial, fim do direito de greve e repressão dos sindicatos).

A disputa, se é que houve uma disputa, foi desfavorável às ideias de

Langoni. Elas tiveram que esperar uma nova geração de economistas, e o próprio

processo de redemocratização do país.

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4. Defesa de investimentos em capital humano no pensamento econômico dos anos 1990

Neste capítulo serão estudados alguns importantes pensadores brasileiros

que, preocupados com diversos aspectos de nossa pobreza e ou desigualdade,

enfatizaram a importância da educação para o nosso desenvolvimento, aspecto

abraçado pela Teoria do Capital Humano. Os trabalhos de Cristovam Buarque,

José Márcio Camargo, Samuel Pessôa, Francisco Ferreira, Ricardo Paes de Barros

e Marcelo Neri foram de fundamental importância na definição de nossas políticas

sociais de combate à pobreza e à desigualdade. No segundo semestre de 2013,

realizaram-se entrevistas com José Márcio Camargo, Samuel Pessôa e Francisco

Ferreira. Este capítulo se baseia nestas entrevistas e em levantamentos

bibliográficos.

Tratarei do resgate, por Ricardo Paes de Barros, nos anos 1990, das ideias

de Langoni, que iriam influenciar nossa atual agenda pública. Em seguida será

analisada a contribuição de destacados economistas da PUC-Rio e da FGV-Rio,

Camargo, Ferreira, Pessôa e Neri. Também o pensamento desenvolvimentista,

representado por Buarque, que incorporou aspectos da Teoria do Capital Humano,

será comentado. Finalmente, comentarei alguns indícios que evidenciam que a

sociedade brasileira passou a dar maior valor à educação, ponto defendido pela

Teoria do Capital Humano.

4.1. O resgate das ideias de Langoni e a agenda pública

Ricardo Paes de Barros, PhD em Economia pela Universidade de Chicago,

é considerado um dos expoentes da atual política de transferência de rendas no

Brasil. Paes de Barros et alli, em Determinantes do desempenho educacional no

Brasil, focalizam o baixo investimento em capital humano em nosso país, apesar

de apontarem para as estimativas que indicam os retornos proporcionados por este

tipo de investimento, bem como para a perpetuação da desigualdade no caso de

não haver uma mudança neste padrão de investimentos.

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No Brasil, a combinação de um sistema educacional público precário com graves

imperfeições no mercado de crédito tem feito com que o nível de investimentos

em capital humano esteja sistematicamente abaixo dos padrões internacionais

[...]. Este fato surpreende na medida em que todas as estimativas existentes para

as taxas de retorno desse tipo de investimento apresentam valores bastante

atraentes (Barros et alli, 2013: 1).

A preocupação com a transmissão da pobreza de geração em geração é

expressa:

mais preocupante que o subinvestimento em capital humano é o fato de este ser

tão mais acentuado quanto mais pobre é a família. Como o grau de pobreza de um

indivíduo é fortemente determinado por seu nível educacional, essa natureza

diferenciada do subinvestimento em educação leva à transmissão intergeracional

da pobreza. Os indivíduos nascidos em famílias pobres hoje tenderão a ter

escolaridade inferior e serão, com maior probabilidade, os pobres de amanhã

(Barros et alli, 2013: 1).

O investimento em capital humano depende das expectativas de um

retorno que compense a decisão de adiar a entrada no mercado de trabalho, e de

uma oferta de crédito que facilite esta decisão:

os investimentos em capital físico e humano - componentes fundamentais do

processo de crescimento econômico - ocorrem não só quando as taxas de retorno

esperadas para esses investimentos compensam o custo de oportunidade dos

recursos investidos, mas também quando o mercado de crédito não impede que

essas oportunidades sejam exploradas. Numa economia em que os mercados são

perfeitos, a contínua geração de oportunidades promissoras de investimento é

condição necessária e suficiente para que haja um processo de crescimento

sustentado (Barros et alli, 2013: 2-3).

A característica de descentralização na decisão da realização de

investimentos em capital humano é abordada, ao pontuar o autor que tal

investimento não depende somente das políticas de incentivo:

outra particularidade desse tipo de investimento é que não pode ser aumentado

por uma decisão unilateral do governante, ao contrário de grande parte dos

investimentos em capital físico. A decisão de investir em capital humano é

estritamente descentralizada. Assim, o investimento em capital humano só pode

ser aumentado se for reduzido o grau de imperfeição dos mercados de crédito, ou

se as taxas de retorno desse investimento forem elevadas ao ponto em que,

mesmo com as imperfeições existentes, compense aos agentes a realização do

investimento. Conclui-se, desse modo, que as variáveis correlacionadas com

custos e benefícios do investimento em capital humano ou que reflitam

imperfeições de crédito são as principais candidatas a determinantes relevantes do

investimento em capital humano (Barros et alli, 2013: 2-3).

Em A recente queda na desigualdade de renda e o acelerado progresso

educacional brasileiro da última década, Barros, Franco e Mendonça lembram o

pioneirismo de Langoni ao pensar a desigualdade como consequência da

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deficiência no sistema educacional. Teria sido a recente expansão educacional

responsável pela queda do índice de Gini entre 2001 e 2005?

Em meados da década de 1970, Langoni (2005) demonstrava que o crescimento

da desigualdade no Brasil era uma consequência direta da lenta expansão do

sistema educacional. Mais que isso, ressaltava que o combate à desigualdade

requereria, necessariamente, uma expansão acelerada do sistema educacional.

Desde então a relação entre educação e desigualdade vem recebendo grande

atenção da literatura econômica. [...] Ao longo da última década ocorreu, enfim,

uma expansão educacional acelerada. O progresso educacional nos últimos dez

anos foi mais de duas vezes o observado nos dez anos anteriores. Mais

recentemente, a desigualdade de renda também começou a declinar. Só entre

2001 e 2005 o coeficiente de Gini caiu quase 5%, atingindo, assim, seu nível mais

baixo dos últimos trinta anos (Barros et alli, 2007: 7).

Os autores destacam que a educação e outras formas de capital humano

têm influência na desigualdade dos rendimentos do trabalho de duas formas. Em

primeiro lugar, “na medida em que a remuneração de um trabalhador é crescente

com seu capital humano, quanto maior for a desigualdade em capital humano

maior será a desigualdade em remuneração” (Barros et alli, 2007: 8). Além disso,

“dado um grau de desigualdade em capital humano, quanto maior for a

sensibilidade da remuneração a essa variável, maior será a desigualdade em

remuneração do trabalho (efeito preço)” (Barros et alli, 2007: 8). Tendo em vista

a existência de um grau de desigualdade quando se afere o capital humano, haverá

uma variação da remuneração sempre que houver uma maior sensibilidade da

remuneração à variação do capital humano, precificada pelo mercado:

assim, o mercado de trabalho revela desigualdades em capital humano, cuja

magnitude depende: (a) da magnitude da desigualdade em capital humano a ser

revelada, e (b) da sensibilidade do tradutor utilizado para transformar essa

desigualdade (a do capital humano) em desigualdade de remuneração. Esse

tradutor nada mais é do que a relação entre remuneração do trabalho e capital

humano. Quanto mais sensível for a remuneração ao capital humano, maior será a

desigualdade revelada.[...] Evidentemente, o impacto e, por conseguinte, a

contribuição das mudanças na distribuição de escolaridade e de experiência

(efeitos quantidade), assim como a contribuição das mudanças na sensibilidade da

remuneração a esses dois atributos dos trabalhadores (efeitos preços), dependem

da magnitude e da natureza dessas mesmas mudanças (Barros et alli, 2007: 8).

Os autores concluem que os resultados conseguidos em suas pesquisas

permitem afirmar que a diminuição na diferença de remuneração em função do

nível educacional foi um dos principais responsáveis pela recente queda da

desigualdade no que tange aos rendimentos do trabalho. O mercado de trabalho

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teria ajustado as remunerações a essa diminuição de diferenças nos níveis

educacionais:

de fato, essa queda nos diferenciais de remuneração por nível educacional data

de, pelo menos, 1995, mas se intensificou entre 2001 e 2005. Antes de 2001, seus

efeitos não eram tão visíveis porque o crescimento da desigualdade educacional

na força de trabalho os anulava. Somente essa redução na sensibilidade da

remuneração do trabalho à educação contribuiu com quase 20% da queda na

desigualdade em remuneração do trabalho, e com 12% da queda na desigualdade

em renda per capita.

E chamam a atenção para o fato de que a desigualdade educacional da

força de trabalho tem diminuído desde o início do século atual:

a partir de 2001-2002, o grau de desigualdade educacional da força de trabalho

também declinou, o que seguramente contribuiu para a queda recente na

desigualdade em remuneração do trabalho e em renda per capita. Esse impacto foi

menor, respondendo por 17% da queda na desigualdade em remuneração do

trabalho, e por apenas 5% da queda na desigualdade em renda per capita (Barros

et alli, 2007: 33).

Em relação à idade e à experiência, concluíram que as diferenças de

remuneração derivadas destes fatores diminuíram a partir de 2001.

As mudanças associadas à idade ou à experiência no mercado de trabalho foram

responsáveis por cerca de 7% da queda na desigualdade em remuneração do

trabalho entre 2001 e 2005, e por apenas 2% da queda na desigualdade em renda

familiar per capita. A decomposição da contribuição da idade revela não ter sido

a redução na sensibilidade da remuneração do trabalho à idade (efeito preço) o

fator mais importante, e sim o impacto direto das mudanças na estrutura etária da

força de trabalho (efeito quantidade), o qual respondeu por 5% da queda na

desigualdade em remuneração do trabalho, e por pouco menos de 2% da queda na

desigualdade em renda per capita (Barros et alli, 2007: 33).

E constatam que houve uma diminuição da diferença de experiência dos

trabalhadores motivada pelos anos de trabalho e uma maior homogeneidade no

aspecto educacional. Com isso, as remunerações reagiram de forma a tornar

menos desiguais os rendimentos do trabalho:

em suma, ao longo do último quadriênio vimos que: (a) tanto a heterogeneidade

etária como a desigualdade educacional da força de trabalho declinaram, e (b)

tanto a sensibilidade da remuneração do trabalho à escolaridade quanto à idade

também declinaram, contribuindo, portanto, para a queda das desigualdades em

remuneração e em renda familiar per capita no país (Barros et alli, 2007: 34).

Ricardo Paes de Barros, ao trabalhar com aspectos como desigualdade

educacional, experiência no trabalho e idade dos trabalhadores, aborda temas

básicos da Teoria do Capital Humano. Podemos ver aqui um resgate das ideias de

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Langoni, cuja obra tem sido reconhecida, como vimos e veremos, como

fundamental para a definição das nossas políticas sociais de transferência

condicionada de renda.

4.2. A contribuição dos economistas da PUC-Rio e FGV-Rio

José Márcio Camargo formou-se em 1970 na Universidade Federal de

Minas Gerais, na Faculdade de Ciências Econômicas e veio fazer o mestrado na

Fundação Getúlio Vargas em 1971. Fez o curso de mestrado entre 1971 e 1973.

“Não fiz a tese porque imediatamente eu apliquei para fazer doutorado nos

Estados Unidos; fui aceito no MIT e fui fazer doutorado no MIT. De 1973 a 1977,

eu fiz o doutorado no MIT. Acabei o curso do MIT em 1977 e vim pra PUC”

(Camargo, 2013).

E relata seus primeiros contatos com a Teoria do Capital Humano:

na verdade, foi aqui no Brasil. No final dos anos 60, a teoria do capital humano é

uma coisa nova em Economia. Não é uma coisa que vem lá dos primórdios. Quer

dizer, a formalização da ideia de capital humano é alguma coisa da década de 50,

e teve muita resistência, mesmo entre os economistas, com a ideia de que

Educação é investimento, e não consumo. Porque, antes da teoria do capital

humano, a ideia era que a Educação era consumo. Era uma forma de as pessoas se

tornarem mais educadas, mais agradáveis, mais interessantes, de você poder

conversar melhor, ter mais cultura e tal. Era muito uma coisa que tem a ver com

consumo (Camargo, 2013).

Camargo explica como a Teoria do Capital Humano relaciona educação

com produtividade e, consequentemente, como a decisão de dedicar mais anos ao

estudo traria melhores rendimentos no futuro:

a ideia da teoria do capital humano é que, na verdade, educação, cultura, etc., mas

principalmente educação tem a ver com produtividade. O que acontece: quanto

mais educação você tem, mais produtivo você é e, consequentemente, maior é a

produção por unidade de pessoa. Então o que importa não é a quantidade de

trabalhadores que você tem no país, mas é a quantidade de capital humano que

você tem no país. Se você tem milhões de trabalhadores, um milhão de

trabalhadores com pouca educação, você pode ter muito menos fator de produção

do que se você tiver cem mil trabalhadores com muita educação, porque um

trabalhador com muita educação produz mais riqueza para a sociedade. Estou

falando de riqueza. Produz mais riqueza do que um trabalhador com pouca

educação. Então a ideia é que você deixa de trabalhar quando você é adolescente,

criança, pra acumular capital humano, de tal forma que você vai ser mais

produtivo quando você for adulto, e ganhar mais. É uma forma de investir. Você

está deixando de ganhar quando você é adolescente, criança, em vez de ir para o

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mercado de trabalho e ganhar um salário, você está acumulando capital humano

para poder ganhar mais quando você entrar no mercado de trabalho, daqui a dez

anos. Então, por exemplo, eu poderia estar trabalhando logo depois que eu me

formei; eu resolvi fazer mestrado e doutorado. Deixei de ganhar dinheiro nesse

período aqui. Por que é que eu deixei de ganhar dinheiro nesse período aqui?

Porque, quando eu acabasse o meu doutorado, eu teria uma produtividade maior.

Consequentemente, eu teria um salário maior do que eu teria só com graduação.

Essa é a ideia da teoria do capital humano (Camargo, 2013).

O economista considera Gary Becker sua principal referência teórica:

é uma revolução porque isso significa uma mudança na forma de pensar um

monte de coisas na sociedade. Família, relações pessoais. Você gera toda uma

mudança na forma de pensar o dia-a-dia, independente de você concordar ou não.

Não importa. Mas, do ponto de vista da revolução teórica, é extremamente

importante. Você começa a avaliar pequenas coisas, de uma forma

completamente diferente do que você avaliava antes. Então acho que a grande

referência é esse cara chamado Gary Becker. Esse é um cara de Chicago que está

aí até hoje (Camargo, 2013).

Camargo comenta a importância que deu, em seu trabalho acadêmico, à

forma de pensar nosso mercado de trabalho brasileiro, e critica a

institucionalidade, a presença de um Estado regulador no nosso mercado de

trabalho:

eu acho que o mercado de trabalho brasileiro tem características muito próprias: a

institucionalidade, as legislações, da forma como a justiça trabalha, a

institucionalidade é extremamente prejudicial ao trabalhador. Por razões opostas

ao que, normalmente, as pessoas acreditam. Eu acho que toda a ideia de que você

tem que proteger o trabalhador contra os empresários é um equívoco completo. E

toda a ideia da CLT se baseia nessa ideia. De proteger o trabalhador. Só dá errado

e isso faz com que os trabalhadores brasileiros sejam sempre pobres e pouco

eficientes. Sempre se valoriza muito pouco capital humano. Esse é o ponto

fundamental. Você não vai treinar e ele não vai querer ser treinado! Os dois lados

saem perdendo na brincadeira. Só que, no curto prazo, você não tem muito que

fazer. Porque você tá numa armadilha, porque, se você fizer sozinho, você perde

dinheiro, porque você tem um cara, e o cara vai pra outra empresa (Camargo,

2013).

Mesmo com educação deficiente, com baixo capital humano, nós teríamos

conseguido nos industrializar. Mas a tecnologia mudou, e nós não poderíamos

mais prosseguir da mesma forma:

você conseguiu industrializar sem nenhuma educação. Com o nível educacional

que o Brasil tem, não tem nenhum país do mundo que tenha a indústria que o

Brasil tem. [...] Mudou a tecnologia. Esse sistema não vai funcionar mais. Era

tecnologia mecânica. Agora, cara, digital, “dançou”. O meio de informação virou

outra coisa. O “cara” tem que saber pensar! Não é mais operacionalizar, só. Tem

que saber pensar (Camargo 2013).

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De acordo com José Márcio Camargo, economistas e outros cientistas

sociais têm estudado a relação direta entre os rendimentos e o nível de educação

dos indivíduos pelo menos desde o começo do século XX. Mas teria sido somente

a partir dos anos 1960 que os gastos com educação passaram a ser considerados

gastos de investimento. Haveria uma questão a ser discutida e esta seria: qual o

motivo de a renda dos indivíduos aumentar quando neles se investia em

educação? Em uma reflexão teórica, Camargo explica os princípios que norteiam

a Teoria do Capital Humano:

uma primeira possibilidade é que educação aumenta a produtividade do

trabalhador e, portanto, sua renda. Uma segunda possibilidade é que educação

está correlacionada a outras características não observadas das pessoas que

determinam suas produtividades. Neste caso, educação seria apenas um

sinalizador destas características. Porém, se educação aumenta a produtividade,

mais educação deveria gerar taxas maiores de crescimento do produto dos países,

o que significa uma taxa de retorno social também positiva do investimento em

capital humano (Camargo, 2012: 5-6).

Camargo afirma que desde o trabalho de Becker a educação tem sido

tratada como um investimento nas pessoas. Isto teria acontecido porque o tempo

que um indivíduo usa se educando poderia ter sido utilizado alternativamente

obtendo algum tipo de renda no mercado de trabalho. É um custo que o indivíduo

investe no presente, com a expectativa de um ganho maior no futuro. “Por outro

lado, a observação empírica mostra que pessoas com mais escolaridade, ou seja,

com mais anos de estudo têm, em média, rendimentos maiores do que pessoas

com menos escolaridade” (Camargo, 2012: 6). Mas por que o mercado valorizaria

com salários maiores anos adicionais de educação? Apoiando-se em Becker,

Camargo relaciona uma melhor educação com um aumento na produtividade.

Devido à concorrência entre os empregadores pelos trabalhadores mais

produtivos, os ganhos de produtividade são recompensados no mercado de

trabalho por meio de maiores salários. Neste caso, níveis educacionais mais

elevados estariam diretamente relacionados a maior produtividade do trabalhador

no processo produtivo. Ganhos de produtividade, por seu turno, significam que a

mesma quantidade de bens e serviços poderá ser produzida com menor utilização

de fatores de produção (trabalho e capital) e, dado a disponibilidade destes

fatores, ganhos de produtividade geram mais crescimento das economias. Neste

caso, acréscimos no nível educacional da população seriam fator importante para

alavancar o crescimento econômico dos países. Em outras palavras, além de ter

uma taxa de retorno privada positiva, investimentos em educação teriam taxas de

retorno social também positivas. (Camargo, 2012: 6-7).

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A questão da definição da estruturação das políticas sociais, segundo

Camargo explica em Política social no Brasil: prioridades erradas, incentivos

perversos, que foi publicado em 2004, deveria responder a uma série de questões:

a resposta a esta pergunta independe do grau de desenvolvimento da nação, da

porcentagem de pobres existentes, do nível de desigualdade na distribuição da

renda e da estrutura etária da população? Qual o papel dos gastos sociais do

Estado na redução da desigualdade e da pobreza? As respostas não são únicas e

estão na raiz do debate sobre a forma como devem ser estruturados os programas

sociais no Brasil e em outros países (Camargo, 2011: 68).

As respostas irão depender dos objetivos que se queira alcançar. Camargo

argumenta que existem respostas distintas à pergunta sobre quais os motivos que

levam o Estado a taxar as pessoas e agentes produtivos:

uma delas seria considerar o objetivo dos programas sociais a redução das

desigualdades na distribuição da renda e nos níveis de pobreza, decorrentes de

falhas no funcionamento dos mercados. Ou seja, se, devido a externalidades

positivas ou negativas, assimetria de informações, mercado de crédito imperfeito,

etc., o resultado do funcionamento do mercado gera uma distribuição da renda e

níveis de pobreza indesejáveis para a sociedade, as políticas sociais poderiam ser

utilizadas para contrabalançar estes resultados. Uma resposta alternativa seria que

os programas sociais têm por objetivo criar uma rede de proteção social para

todos os cidadãos do país, fazendo com que, diante de imprevistos como

desemprego, acidentes no trabalho, doença, etc., ou em face de situações

previsíveis, mas que os cidadãos, por alguma razão, não conseguiram antecipar

adequadamente, como a perda da capacidade de trabalho devido à idade

avançada, pouco investimento em capital humano, etc., consigam manter um

padrão de vida mínimo adequado à sua sobrevivência (Camargo, 2011: 68).

No Brasil, Camargo lembra que cerca de um terço do que o Estado

arrecada destina-se ao pagamento de pensões e aposentadorias. Assim sendo,

restaria um valor insuficiente para gastos em programas sociais de educação

fundamental. E isso inviabiliza o esforço que o Estado deveria fazer no sentido de

financiar o aumento do capital humano das famílias mais pobres.

Nestas condições, o Estado não consegue financiar o principal mecanismo de

ascensão social e econômica das famílias pobres, que é a acumulação de capital

humano através de boas escolas públicas. O resultado é que os filhos das famílias

pobres entram no mercado de trabalho em condições de competitividade muito

piores do que os filhos das famílias ricas, que estudam em escolas particulares, ou

porque completam poucos anos de estudo ou porque suas escolas são de baixa

qualidade. Como 50% das crianças brasileiras vivem em famílias pobres e,

destas, 80% não concluem o ensino fundamental, aproximadamente 40% dos

adultos brasileiros no futuro não terão completado oito anos de estudos.

Dificilmente conseguirão trabalho decente, com remuneração adequada.

(Camargo, 2011: 75-76).

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De acordo com Camargo, estavam presentes nos programas sociais no

Brasil duas tendências que faziam com que estes programas fossem de eficiência

duvidosa no objetivo de reduzir a desigualdade de renda e a pobreza. Chamou

essas tendências de “viés pró-idoso e o viés antipobres” (Camargo, 2011: 76).

Do total de recursos gastos pelo governo federal com programas sociais, 60% se

destinam ao pagamento de aposentadorias e pensões. Isto representa 12% do PIB

do país, o que é o dobro do que a média dos países que têm proporção de idosos

na população similar à do Brasil (5,85%) gasta com porcentagem de seus

respectivos PIB. Por outro lado, 65% destes recursos são apropriados pelos 40%

mais ricos da população (Camargo, 2011: 76).

Por outro lado, o gasto efetuado pelo Estado com a educação seria pouco e

não atenderia prioritariamente a educação fundamental:

concretamente, apenas 3,6% do PIB do país, em 2000, eram gastos com educação

fundamental, enquanto 29,6% da população brasileira tinha naquele ano entre 0 e

14 anos de idade. O resultado desta estrutura de gastos sociais criou um

mecanismo de reprodução da pobreza ao longo do tempo. Uma parcela

substancial das crianças brasileiras vive em famílias pobres (50%). Destas

crianças, mais de 80% não completam o ensino fundamental, ou seja, não

possuem oito anos de estudos, ou porque não têm condições de fazê-lo por

precisar entrar no mercado de trabalho muito cedo, ou porque as escolas públicas

a que têm acesso são de tão baixa qualidade que são incapazes de mantê-las.

Como consequência, 40% das crianças brasileiras, ao se tornarem adultas, terão

menos de oito anos de estudo. Dificilmente conseguirão um trabalho decente.

Serão os pobres do futuro. A proposta do programa bolsa-escola tem por objetivo

exatamente criar os incentivos corretos para quebrar este círculo de reprodução da

pobreza. Entretanto, como um terço das receitas do governo são destinadas ao

pagamento de aposentadorias e pensões, sobram poucos recursos para o

financiamento de programas como o bolsa-escola (Camargo, 2011: 76-77).

Em Desigualdade de renda no Brasil: uma analise da queda recente,

Camargo, Foguel e Ulyssea analisam a queda da desigualdade de rendimentos do

trabalho ocorrida entre 2001 e 2005. Essa redução já vinha sendo observada desde

o Plano Real, mas intensificou-se no período citado. Consideram que teria sido de

fundamental importância para essa intensificação a “acelerada expansão

educacional ocorrida na última década, bem como das concomitantes mudanças

na estrutura etária, com consequentes mudanças na experiência da força de

trabalho” (Camargo et alli: 2013: 336).

Os resultados obtidos demonstram que um dos principais fatores responsáveis por

essa queda da desigualdade de rendimentos do trabalho foi a redução nos

diferenciais de remuneração por nível educacional (efeito preço). De fato, essa

queda nos diferenciais de remuneração por nível educacional data de, pelo menos,

1995, mas se intensificou entre 2001 e 2005. Antes de 2001, seus efeitos não

eram tão visíveis porque o crescimento da desigualdade educacional na força de

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trabalho os anulava. [...] No que concerne a idade e a experiência, os resultados

obtidos revelam que tanto a heterogeneidade etária da força de trabalho como os

diferenciais em remuneração por idade ou experiência no mercado de trabalho

vêm declinando a partir de 2001. Entretanto, esse declínio tem sido muito lento e,

portanto, sua contribuição para a queda das desigualdades em remuneração e em

renda familiar per capita foi bastante limitada. Em suma, ao longo do último

quadriênio vimos que: (a) tanto a heterogeneidade etária como a desigualdade

educacional da força de trabalho declinaram, e (b) tanto a sensibilidade da

remuneração do trabalho à escolaridade quanto à idade também declinaram,

contribuindo, portanto, para a queda das desigualdades em remuneração e em

renda familiar per capita no país (Camargo et alli, 2013: 336-337).

Camargo comenta seus diálogos com Darcy Ribeiro e Ricardo Paes de

Barros que ajudaram a construir seu argumento quanto à necessidade de se pagar

para que os pobres ponham os filhos na escola:

eu acho que a minha contribuição é uma contribuição que é essa coisa do Bolsa

escola. Que é essa coisa de, para usar uma palavra que eu gosto, programas

condicionados de transferência de renda. Por que é que eu acho que é uma

contribuição? Porque eu acho que é uma coisa que está sendo muito mal aplicada.

Mas esse é outro problema. Acho que é um problema político, diferente da

questão teórica, de como que o programa foi idealizado, foi pensado no começo.

Lá em 1982, quando o Brizola se elegeu aqui no Rio, o Darcy Ribeiro pensou na

ideia dos CIEPs. Que era uma ideia de escola em tempo integral para as crianças,

em que você tinha esporte, lazer, ensinava a sentar-se à mesa, a comer, a estudar,

etc. Era uma coisa muito clara na cabeça do Darcy Ribeiro. Eu não achava tão

claro assim. Mas era muito transparente pra ele. Ele tinha um objetivo muito

claro. Mas, a partir daí, eu pensei: “Então as famílias devem adorar os CIEPs. As

famílias pobres devem adorar os CIEPs”. Aí tinha um grupo, a gente tinha um

grupo aqui na PUC que estudava essa coisa de mercado de trabalho e aí tinha um

grupo no IPEA, em que estava o Ricardo Paes de Barros, que estudava essa coisa

de capital humano. Aí “conversa vai, conversa vem”, resolvemos fazer pesquisa

juntos. Eu e o Ricardo. Aí, um dia, sentados na mesa de trabalho do Ricardo lá no

IPEA, uma tarde, nós começamos: “mas escuta, e os CIEPs? Como é que é esse

negócio dos CIEPs? Vamos ver como é que funciona?” (Camargo, 2013).

E constataram a importância que tinha para a renda familiar o trabalho dos

filhos, que em alguns casos chegava a 30% desta renda:

começamos a fazer pesquisas factuais. Sem nenhuma grande preocupação

acadêmica, e a gente começou a perceber que, na verdade, as famílias evitavam

os CIEPs. Aí eu falei: “Ô Ricardo, eu não estou entendendo. Como é que é isso?

A gente acha que capital humano é espetacular. Que educação é básico, está

certo? Que, sem isso, “neguinho” não vai pra frente. E as famílias pobres não

querem o CIEP. O CIEP é ótimo, “cara”! Tem alguma coisa errada nesse

processo?” Aí essa coisa a gente discutia muito. Essa coisa do ambiente

acadêmico é muito importante, a discussão, passava a tarde inteira discutindo.

Escrevemos vários papers juntos, uma quantidade enorme e, na época, a gente

estava preocupado com pobreza. E tentando ver por que é que o Brasil tinha tanto

pobre. Essa era a questão inicial. “Pô”, por que é que o Brasil tem tanto pobre? O

Brasil, na época, tinha 40% de pobres. A renda per capita brasileira, o Brasil era

um outlier. E aí olhando uma PNAD, eu comecei a perceber que, na verdade, as

crianças de famílias pobres contribuíam com uma percentagem muito grande da

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renda per capita familiar, trabalhando. Em situações extremas, podia contribuir

com até 30% da renda per capita familiar. E isso me impressionou muito. Eu

falei: “Escuta. Se o meu filho contribui com até 30% da minha renda, com a

renda per capita familiar da minha casa, eu vou deixá-lo na escola ou eu vou

colocá-lo no mercado de trabalho?” Essa foi a pergunta que veio à minha cabeça.

E aí eu falei: “Imagina. Se o meu filho contribui com 30% da renda per capita

familiar, eu vou colocar ele no mercado de trabalho. Não vou por ele na escola.

Isso é maluquice. Só se eu for doido eu vou colocar ele na escola”. Aí eu falei:

bom, só tem uma forma de resolver esse problema. É comprar o tempo da criança

no mercado de trabalho. É pagar para a criança ir para escola, em vez de ir para o

mercado de trabalho (Camargo, 2013).

E tem um ponto de vista surpreendente acerca do altruísmo nas famílias

ricas, ao buscar explicações para o fato de o mercado não resolver este problema.

Afinal, se o filho ficar na escola, ganhará mais no futuro. Mas quem tem o poder

de decisão são os pais, não a criança:

se você quer que as crianças pobres vão para escola, você vai ter que pagar para

elas irem para a escola. E aí eu desenvolvi todo um arcabouço em torno disso.

Mas aí tinha alguns pontos muito importantes. Era o seguinte; aí tem uma coisa

mais teórica. “Por que é que o mercado de trabalho não resolve isso?”. Afinal de

contas, o pai sabe que a criança vai ganhar mais dinheiro se ela for pra escola do

que se ela não for pra escola. É verdade que ela ganha dinheiro agora, mas no

futuro, ela vai ser pobre. Então o pai está querendo que ela seja pobre? Então, por

que é que o mercado de trabalho não resolve? Aí é que você tem uma falha de

mercado. Quem decide o quanto, quando que a criança vai estudar são os pais. O

beneficiário é a criança, mas quem decide são os pais. Então não é de quem é

beneficiário da decisão. Isso é uma falha clássica de mercado. Então, se você

deixar o pai decidir, ele só vai decidir mandar a criança para escola se ele for

muito altruísta. E aí tem uma coisa muito curiosa. E a coisa curiosa é o seguinte:

suponha que isso seja verdade. Se isso é verdade, as famílias muito altruístas

mandam seus filhos para escola. As famílias pouco altruístas não mandam seus

filhos pra escola. Mandam para o mercado de trabalho, porque eles preferem

ganhar dinheiro no presente a o filho ficar mais rico no futuro. Mas isso significa

o seguinte: que, na verdade, os ricos são os altruístas, e não os pobres. Os pobres

são os individualistas. As famílias pobres são pobres porque, no passado, elas

foram individualistas e não deram educação para os filhos. Enquanto que as

famílias ricas são ricas porque, no passado, os pais foram altruístas, e educaram

seus filhos. O que era uma coisa louca na minha cabeça. Isso é uma conclusão

espetacular! (Camargo, 2013).

Então, se deixarmos o mercado funcionar sem algum incentivo para os

pobres, a desigualdade continuará aumentando:

mas aí você tem o seguinte: uma pessoa educada, à medida que vai ficando mais

velho, o aumento de renda é muito maior do que uma pessoa não educada. Por

razões óbvias: está acumulando capital humano ao longo da vida. Se acumular

pouco capital humano, você acumula pouca renda. Se acumular muito capital

humano, você ganha muita renda. Então a renda das crianças, dos adolescentes,

elas são muito parecidas, independentemente do tipo de família que você vem,

pobre ou rica. Porque tem pouco capital humano acumulado ali. Os adolescentes

pobres são parecidos com os adolescentes ricos. Parecidos, entre aspas. Tem uma

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diferença, mas é pequena. Isso significa que a porcentagem de renda que uma

criança pobre pode contribuir para a família é muito maior do que uma criança

rica. Então o custo de oportunidade de colocar uma criança na escola é muito

menor, para uma família rica, do que para uma família pobre. Isso significa o

seguinte: se você deixar o mercado funcionar, o mercado vai gerar cada vez mais

desigualdade. Via investimento em capital humano (Camargo, 2013).

Uma das razões de o ensino não ter sido valorizado durante tanto tempo

pode estar relacionada à má qualidade do ensino público, o que desencorajaria os

pais a abrir mão de uma renda complementar proveniente do trabalho dos filhos:

mas pode ter uma razão mais complicada. E que é o seguinte: se você consegue

calcular a taxa de retorno educação por pessoa no Brasil, com os dados da PNAD.

Você pega cada pessoa e calcula a taxa de retorno educação daquela pessoa. Você

pega uma pessoa com determinadas características. E olha uma pessoa com as

mesmas características com 30 anos a mais. E vê quanto que ele ganhou a mais

de renda. E calcula a taxa de retorno desse cara. Então, o que é que acontece?

Uma vez, um aluno meu, fazendo uma tese de mestrado, eu era orientador, ele foi

apresentar a tese no computador – já tem muitos anos isso. Ele apresentou lá um

gráfico que era o seguinte: aqui a taxa de retorno, e aqui nível educacional. Aí ele

mostrou que a taxa de retorno do capital brasileiro é uma coisa desse tipo aqui.

Mas ele calculou pessoa por pessoa. Aí, cada pontinho desses é a taxa de retorno

de uma pessoa. Aí, apresentou o gráfico lá é uma coisa assim: Aí eu olhei para o

negócio e falei assim: “Que fantástico! Uma maravilha! Esse gráfico é uma

maravilha!”. Na hora. Eu olhei, “pô, espetacular, Zé! Esse negócio é espetacular!

Olha a cara desse gráfico!”. A taxa de retorno educação é pequena. Aí, depois de

dois minutos, eu falei: “Mas é óbvio que tem que ser assim. Afinal de contas, tem

muito mais capital humano, a diferença de capital humano lá na ponta é muito

maior do que a diferença de capital humano aqui”. Isso é aquela coisa que eu

falei. As crianças de família pobre têm a mesma renda que as crianças de família

rica no mercado de trabalho. Porque têm muito pouco capital humano acumulado

ali. Porém acontece o seguinte: suponha que esses “caras” aqui sejam de família

pobre. Suponha o seguinte: que, como o sistema educacional público é de pior

qualidade, essas pessoas se educam, mas, como a educação é ruim, a quantidade

de capital humano efetivamente acumulado ali é muito menor do que nas famílias

ricas, e esses caras aí ganham muito pouco. E pegue um pai, coloque um pai aqui,

olhando o que é que ele vai fazer com os seus filhos. O que ele olha, o que ele vê

é esse cara aqui, não é esse cara lá. Agora, se o que ele vê é esse cara aqui, ele

não vai dar educação para o filho dele. Esse é o ponto. Eu não estou falando que é

isso. Eu estou falando se isso é isso. Não quer dizer que seja por isso que ele dá

pouco valor à educação. Pode ser (Camargo, 2013).

Francisco Ferreira fez sua graduação na London School of Economics com

uma bolsa que conseguiu em 1987 e, depois, fez o mestrado e o doutorado. “Então

uma trajetória um pouco diferente da trajetória mais comum dos economistas

brasileiros” (Ferreira, 2013). Ferreira considera que Gary Becker e Jacob Mincer,

em seu trabalho original, “são de certa forma as referências originais da Teoria do

Capital Humano” (Ferreira, 2013). Comenta em seguida alguns dos seus trabalhos

relacionados à Teoria do Capital Humano:

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eu diria que um deles, que eu gostaria de ressaltar, foi um trabalho que eu fiz com

o Ricardo Paes de Barros, chamado The slippery slope: explaining the increase in

extreme poverty in urban Brazil, está na Revista de Econometria, 1999, em que a

gente olhava as mudanças na desigualdade brasileira. Essa questão de renda de

uma forma geral, que não era só desigualdade, era, também pobreza. Entre 1976 e

1996. E usava umas técnicas de decomposição baseadas em microssimulações,

para entender essas mudanças. Também foi publicada, além dessa revista, uma

versão dele num livro que a gente fez com o François Bourguignon e a Nora

Lustig, que chamava The Microeconomics Income Distribution Dynamics. Esse

também seria um livro que eu incluiria nessa lista. Dos trabalhos influenciados

pela Teoria do Capital Humano, no sentido de que o que a gente tenta fazer nesse

livro, numa série de estudos de caso. Tem um capítulo metodológico. Introdução,

um capítulo metodológico, e depois tem uma série de estudos de caso no Brasil,

acho que era Argentina, México, Tailândia, com uma série de países na América

Latina e na Ásia, aonde a gente tenta entender diferentes forças que afetam

mudanças na distribuição de renda e também essa questão de renda de uma forma

bem flexível, quer dizer, não só um índice que resuma desigualdade ou pobreza,

mas o que hoje em dia, na época a gente ainda não chamava, não usava esse

nome, mas, na verdade, a gente já estava fazendo o que depois passou a ser

chamado de curva de incidência do crescimento. E a gente tenta decompor a

curva de incidência de crescimento, ainda sem usar esse nome, em diferentes

efeitos. Inclusive o efeito do crescimento na quantidade da educação. De

mudanças, do retorno da educação, de mudanças na estrutura nacional. Então aí

você tem essa coisa dos dois lados da educação, quer dizer, tanto a quantidade

quanto o preço dela. Isso tudo baseado em equações mincerianas e usando

mudanças nos parâmetros. E essa foi uma linha, uma linha de pesquisa que eu

segui por algum tempo. Muito influenciado, na verdade, pelo François

Bourguignon. E esse artigo com o PB, The slippery slope, foi o primeiro nessa

direção para mim (Ferreira, 2013).

E relaciona as desigualdades de riqueza, de educação e de poder político:

de certa forma tem várias outras coisas que eu fiz que são também influenciadas

pela teoria original do Becker, Schultz e tal. Por exemplo, do lado mais teórico,

eu tenho um paperzinho bem antigo, chamado Education for the masses:

interaction between wealth, education and political inequalities 29

, que saiu no

Economics of Transition em 2001. E é um modelinho do que eu considero de

como é que é a função da reprodução da desigualdade brasileira. Então nesse

modelo, você tem três tipos de desigualdade. Você tem a desigualdade de riqueza,

a desigualdade de educação e a desigualdade de poder político. E basicamente,

você tem uma situação na qual um dos equilíbrios é um equilíbrio em que você

tem muita desigualdade de riqueza que gera uma massa que não pode pagar a

escola particular. Uma elite que paga pela escola particular. E essas pessoas

votam. Aí a gente tinha um modelo bem simples. Um pouco parecido com uma

coisa que (tinha) também na Letter Economic Review, em que, se você tem muita

desigualdade de riqueza, ela também gera desigualdade de poder político. E nesse

equilíbrio, com muita desigualdade de poder político, a elite, cujos filhos têm

acesso à escola particular não paga, ela tem um poder de decisão sobre o sistema

tributário, e ela decide, então, não financiar uma escola pública de qualidade. E

29

Conforme Ferreira explica: “Na verdade, esses argumentos são mais claramente apresentados

nesse paper que você mencionou do que no outro que eu estava mencionando, ainda que eles

sejam parecidos” (Ferreira, 2013). Isto em resposta ao meu comentário de que estes pensamentos

podem ser lidos também em Os determinantes da desigualdade de renda no Brasil: luta de classes

ou heterogeneidade educacional (Ferreira, 2000).

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isso se reproduz: não tendo uma escola pública de qualidade, as classes pobres

ainda ganham pouco, têm uma riqueza menor, não podem colocar os filhos na

escola. É um modelinho dinâmico, com uma interação entre um sistema político

bem estilizado, com pouca estrutura, mas com a essência dela capturada por essa

desigualdade de poder político relacionada à riqueza, que gerava uma reprodução

da desigualdade num equilíbrio de longo prazo, com essas características. Que

era, um pouco, a minha visão estilizada de como era, pelo menos, um dos

elementos importantes de reprodução de desigualdade no Brasil, ao longo do

tempo (Ferreira, 2013).

Para Francisco Ferreira, atualmente, há que se pensar na natureza do

sistema educacional, visto que a simples inclusão não é suficiente para evitar que

se reproduzam e se perpetuem as desigualdades. A mudança no desenho do nosso

sistema educacional terá que agir “na diferença entre o que se aprende nas

melhores escolas particulares das grandes metrópoles do Sudeste e nas escolas

públicas de suas periferias, ou da caatinga do Piauí, ou nas margens dos igarapés

amazonenses” (Ferreira, 2000: 15).

Estamos diante de um sistema que gera um círculo vicioso no qual uma

grande disparidade na qualidade educacional produz um alto nível de

desigualdade de renda. Somente com o aumento do poder político das classes

mais pobres, pela via de uma maior exigência de oferta de educação de qualidade,

poderíamos interferir no sentido da interrupção dessa armadilha em que estamos.

Far-se-iam necessárias maiores mobilização e pressão social da sociedade no

sentido de assegurar uma educação básica de qualidade. Para Ferreira devemos

admitir que nos deparamos com:

[...] a possibilidade da existência de um tipo de equilíbrio político-econômico em

que três desigualdades se reforçam mutuamente: uma grande desigualdade

educacional gera um alto nível de desigualdade de renda - como se observa no

Brasil. Esta desigualdade de renda ou riqueza, por sua vez, pode implicar numa

distribuição desigual de poder político, na medida em que a riqueza gera

influência sobre o sistema político. E a desigualdade de poder político reproduz a

desigualdade educacional, já que os detentores do poder não utilizam o sistema

público de educação, e não têm interesse na sua qualidade, dependendo apenas de

escolas particulares. Os mais pobres, por sua vez, não tem meios próprios (nem

acesso a crédito) para frequentar as boas escolas particulares, nem tampouco

poder político para afetar as decisões fiscais e orçamentárias que poderiam

melhorar a qualidade das escolas públicas (Ferreira, 2000: 25).

Ferreira considera que a Teoria do Capital Humano influenciou as decisões

do governo brasileiro de vincular transferência de renda com frequência escolar,

como nos programas Bolsa Escola e Bolsa Família.

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Eu acho que sim. Na verdade, eu acho que você já conversou com a pessoa que

melhor poderia falar sobre esse tema, que é o José Márcio. O José Márcio,

obviamente, como você sabe, naquele artigo que ele propõe pela primeira vez a

ideia de fazer isso. De vincular a transferência com a frequência à escola. Eu acho

que isso vem com essa compreensão de que o investimento na educação, hoje,

gera retornos no futuro. Tem um custo no presente, mas gera retornos no futuro,

que é a essência, na verdade, do modelo do Becker. A transferência condicional

requer, do ponto de vista teórico, uma série de outras ideias. Nas quais eu acho

que as pessoas ainda estão trabalhando. Eu acho que a visão que o José Márcio

teve, que o Cristovam Buarque depois comprou, implementou em Brasília e

gerou as primeiras experiências do Bolsa Escola em 94, 95 e depois foi dar no

Bolsa Escola nacional, e, por fim, no Bolsa Família, vem de uma compreensão de

que as crianças pobres têm um custo muito alto pra investir no capital humano,

hoje, mas que isso é fundamental para sua saída da pobreza no futuro. Então tem

diretamente a ver com a teoria (Ferreira, 2013).

Para Samuel Pessôa a negligência com a educação teria sido o maior erro

por nós cometido nos últimos séculos. Considera, no entanto, que esta questão

vem sofrendo melhoras. “O país percebeu o problema. A situação começou a

mudar quando viramos uma democracia – hoje, o Brasil é uma democracia muito

dinâmica e aberta. A população tornou a educação uma questão importante”

(Pessôa, 2013).

Samuel Pessôa comenta como chegou à Economia, vindo da Física. E

relembra que veio de uma família de esquerda, com avós comunistas, em um

ambiente contrário ao regime militar:

eu entrei em física na USP, fiz mestrado em física na USP. Aí me interessei muito

por economia. E eu comecei a me interessar por economia, eu me lembro bastante

bem: foi a crise de 1982. Dívida externa, eu tinha 19 anos. E eu nasci em 1963,

peguei todo o período do milagre na minha infância e juventude jovem,

adolescência. Com a crise de 1982, foi a primeira vez que eu senti que eu morava

em um país pobre. Eu não tinha essa consciência. Eu sabia que era um país pobre.

Meus avós eram comunistas de carteirinha, meu avô era um médico sanitarista

importante. Samuel Pessoa. Eu cresci e fui criado num ambiente de esquerda e

muito crítico à ditadura, mas eu vi o mundo como um país que crescia muito

(Pessôa, 2013).

Começou a ter consciência de que havia pobreza no país na crise de 1982,

quando no bairro onde vivia começaram a aparecer flanelinhas:

a crise de 1982, o desemprego e a perda de renda, foi a primeira vez que eu

percebi que eu vivia num país pobre. Eu me lembro que eu não conhecia, até

1982, a figura do flanelinha. Isso não existia em São Paulo. Se você fosse num

cinema, nos Jardins, ou em qualquer bairro de São Paulo, não tinha guardador de

carro. Meu pai me disse que tinha no centrão. Mas nos bairros, não tinha. Eu me

lembro bem, no começo, quando surgiu essa figura, as pessoas reagiam. Tinha

revolta. Tinha briga. E os guardadores de carro, eles conquistaram seu espaço,

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sua profissão, seu negócio na força. E aí a sociedade aceitou e hoje virou uma

norma social (Pessôa, 2013).

Interessou-se pelo problema do subdesenvolvimento e entusiasmou-se pela

economia lendo Mario Henrique Simonsen:

fiquei muito interessado e comecei a me interessar pela questão do

subdesenvolvimento. Aí veio o plano Cruzado, em 1986, eu estava no último ano

da Física, começando o mestrado em Física. Comecei a ficar muito interessado

nas questões inflacionárias. Saía muita coisa no jornal sobre teoria inercial da

inflação, e entrei numa livraria, comprei um livro de macro. Dei sorte. Quer dizer,

dei sorte, não: sei selecionar o que é bom e o que é ruim facilmente. Peguei, saí

da livraria, em 1986, com o livro Dinâmica macroeconômica, do Mario Henrique

Simonsen, que é um livro maravilhoso de macro. Eu acho que, para a época, era o

melhor livro do mundo que tinha de macro, que eu conhecesse. Equivalentes

internacionais, com prêmio Nobel, não eram tão bons quanto o livro do

Simonsen. Um livro brilhante. Eu comecei a estudar macro sozinho. Aí soube que

a economia é uma profissão muito democrática. Você tem uma prova nacional.

Qualquer pessoa com curso de graduação, qualquer que seja o curso de

graduação, é elegível à prova. Se você for bem na prova, os melhores centros do

Brasil vão correndo te pegar para você estudar lá. É uma coisa superlegal,

competitiva, aberta e aí eu me preparei, entrei bem na ANPEC, fui fazer

doutorado em Economia. Depois de terminar o mestrado em Física na USP, fui

direto para o doutorado e fiz uma tese com o professor Affonso Pastore. E

encaminhei a minha pesquisa para estudar crescimento econômico. A minha tese,

em macroeconomia, já foi mais (sobre) questões de longo prazo e, como

pesquisador em economia, passei a ser uma pessoa com interesse em crescimento

econômico (Pessôa, 2013).

O caminho que percorreu para chegar à Teoria do Capital Humano foi

estudando o crescimento. Ao pesquisar a importância do capital humano para o

crescimento econômico, constatou que as formulações de Becker e Mincer eram

adequadas:

eu cheguei pelo crescimento. A gente começou a estudar crescimento nos anos

1980 e nos anos 1990, um revival de teoria do crescimento econômico. Você

tinha aqueles fundamentalismos de capital, a economia cresce, a teoria do capital

físico, que era, um pouco, a maneira que a gente pensava. Aí teve o fenômeno dos

tigres asiáticos. Aí, da virada dos anos 1980 para os anos 1990, começou com o

artigo clássico do Robert Lucas, um Junior Monetary Economics, acho que é de

1988. Ele é de Chicago. E ele é um cara de monetária, também. Mas ele escreveu

um paper publicado no Junior Monetary Economics, acho que é 1988, chamado

Mecanics of Growth, ou alguma coisa assim. Que ele começa dizendo isso: a

renda per capita do Egito é, ou da Etiópia, é 40 vezes menor que a dos Estados

Unidos. Será que tem alguma coisa, quando você começa a pensar nesse

problema, é difícil a gente achar em economia, qualquer assunto interessante. Aí,

ele fez um modelinho simples. Começou a ter toda uma preocupação com os

modelos de desenvolvimento endógeno. O que aconteceu é que esses modelos de

crescimento endógeno, eles geraram certas previsões que foram rejeitadas já em

meados dos anos 90. E as pessoas voltaram para variações de modelos de Solow.

Só que as pessoas perseguiram variações do modelo de Solow tentando colocar

algum daqueles ingredientes que, nessa literatura de modelo endógeno, as pessoas

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começaram a achar que era um dos mais importantes. E uma delas era o capital

humano. Que já tinha sido incorporado na teoria do capital, do crescimento, lá

atrás, na literatura de decomposição do crescimento. Eu escrevi um paper, nessa

época – que eu sou assim, eu sou um economista meio paroquial. Eu não estudei

fora, então eu não escrevo paper em inglês. Então eu não consigo publicar, mas

eu me lembro que, nessa época, eu escrevi um paper tentando também dar minha

contribuição. Que o capital humano vincula o capital humano à produtividade, e a

produtividade ao salário. E, de fato, ao longo dos anos, os macroeconomistas

convergiram para aquela especificação. Então eu cheguei um pouco por esse

debate de crescimento econômico, e aí, sim, quando eu descobri esse negócio eu

fui correr atrás do Becker e do Mincer (Pessôa, 2013).

Pessôa lamenta que os economistas de esquerda não tenham enxergado a

influência que uma educação de qualidade poderia trazer no combate ao nosso

subdesenvolvimento:

estudando crescimento econômico, eu cheguei à conclusão (de) que onde a gente

é mais atrasado, o fator que mais explica o diferencial de renda entre Brasil e as

demais economias do mundo é o capital humano. A gente tem problema de

produtividade. Também tem muito para melhorar em produtividade. Mas,

relativamente, me parece que a gente está mais atrasado em capital humano do

que em produtividade. Foi assim que eu cheguei ao capital humano. O meu

interesse inicial não era capital humano. Meu interesse inicial sempre foi

subdesenvolvimento. Que começou lá em 1982, quando eu tinha 19 anos. Mas,

nesse sentido, eu sou meio parecido com o Celso Furtado, guardadas as devidas

proporções, evidentemente: que o Furtado fala isso “eu me casei com o problema

do subdesenvolvimento brasileiro, passei a vida toda estudando isso”. E, nesse

sentido, eu também meio que casei com esse problema. Eu me interessei por esse

problema lá em 1982, e, até hoje, essa é a grande questão que eu tenho na minha

vida. Tentar entender o subdesenvolvimento no Brasil. E a resposta que eu tenho

é oposta à do Furtado. E aí acho, essa questão do capital humano é

superinteressante. Que tem essa diferença: os economistas ditos de esquerda, se a

gente lembrar o Celso Furtado, nunca enxergaram nenhuma relação entre

educação, e crescimento econômico, e subdesenvolvimento (Pessôa, 2013).

Por outro lado, Pessôa rende homenagem a dois pensadores brasileiros que

conseguiram enxergar a relação entre educação e desenvolvimento: Gudin e

Langoni.

Os economistas ditos de direita sempre enxergaram relação entre educação e

desenvolvimento. Tenho dois exemplos: o primeiro, mais antigo, é o Eugênio

Gudin, não é um cara de crescimento. É um cara de monetária. Mas ele tem três

artigos sobre crescimento que eu acho brilhantes. Pouco lidos. E acho que tem

muito preconceito. As pessoas leram pouco e mal esses três artigos do Gudin.

Três artigos que foram publicados no mês dos fascículos, mês de setembro,

respectivamente, 52, 54 e 56 da Revista Brasileira de Economia. São três artigos

belíssimos. O que eu mais gosto é o segundo, de 54, sobre produtividade. Acho

que é um texto que sobrevive super bem hoje. Se for dar um curso de graduação

em crescimento, pode começar com o artigo do Gudin que você vai dar super

bem. E o Gudin, em diversos pontos, faz referência ao nosso atraso educacional

como um dos grandes empecilhos ao desenvolvimento. É um insight que ele tem,

é meio fantástico, porque a Teoria do Capital Humano na economia começou

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com o Mincer no final dos anos 1950. O Gudin tem esse insight mais ou menos

junto com o Mincer, não desenvolve, mas ele elabora um pouquinho esse insight

nos textos dele. Então acho que ele foi o primeiro economista brasileiro que se

preocupou com essa questão. E o segundo é o Langoni, na tese de doutorado dele,

lá em Chicago, um trabalho absolutamente brilhante. Uma coisa magistral. Acho

que é uma das melhores coisas que um economista brasileiro aplicado já fez na

história do pensamento econômico (Pessôa, 2013).

Apesar de reconhecer em Celso Furtado um dos nossos melhores

economistas, e o mais influente, Pessôa considera um enigma o fato de Furtado

não ter se ocupado da influência da educação sobre a economia. Isto teria sido, em

sua visão, um grande erro:

eu costumo dizer é o Erro de Furtado. Eu acho que é das perguntas mais

intrigantes da história do pensamento social e econômico brasileiro. Por que é que

Furtado foi incapaz de perceber a relação entre crescimento econômico e

educação? Muito interessante. Porque Furtado foi, provavelmente, um dos

economistas melhores que nós temos na nossa história. Certamente é o mais

influente, e aí está o nosso azar: o nosso economista mais influente não foi capaz

de perceber essa relação. A vida pessoal dele mostrava que tudo o que ele

conseguiu, ele conseguiu pela educação. Ele não era um homem de muitas

posses. Ele não era pobre, longe disso, mas estava longe de ser um homem rico.

Ele pensou esse problema de subdesenvolvimento, você lê a autobiografia

intelectual dele durante 4 décadas, pelo menos, se não chegou a 5 décadas. Em

nenhum momento, se você pegar os 30 livros que ele escreveu na vida dele, em

nenhum desses 30 livros, (há) qualquer menção ao papel econômico da educação

(Pessôa, 2013).

Pessôa vê, na tradição da esquerda latino-americana, a obrigatoriedade de

haver espoliação se há desenvolvimento econômico em algum outro país:

a minha interpretação, que tem esse corte entre direita e esquerda, é que

economista de direita acha que educação é importante para o crescimento, e

economista de esquerda acha que não, e isso acontece até hoje, é porque na

América Latina, em geral, e no Brasil em particular, a esquerda tem uma tradição

que eu acho que vem de certa leitura, “meio” não muito profunda, do Marx, que

vem lá do Lênin, do imperialismo, de achar que desenvolvimento econômico tem

que gerar (espoliação) em alguém ou outro. Alguma outra economia. Outra

sociedade. Quer dizer, a grande narrativa que o pensamento econômico e latino-

americano faz, de esquerda, do processo de desenvolvimento econômico, é que

em algum lugar tem alguma espoliação. Tem alguém que está sendo roubado, ou

explorado, ou alguém está tendo trocas desiguais e isso gera o que o Furtado

falava o tempo todo: “O subdesenvolvimento é um lado de uma moeda, que o

outro lado tem o desenvolvimento dos ricos”. Para Celso Furtado, é impossível

entender a trajetória dos Estados Unidos sem entender o desenvolvimento da

América Latina. As duas coisas eram um todo (Pessôa, 2013).

Por outro lado, a narrativa dos liberais acredita que o desenvolvimento está

associado às instituições e às características da sociedade, e que a educação seria a

instituição fundamental para o desenvolvimento econômico:

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e a tradição mais liberal, de direita, chamemos assim, acha que o processo de

desenvolvimento econômico é um processo que está associado, nessa visão que a

gente tem desde o Smith, aos processos econômicos internos das sociedades. Que

as relações que a sociedade estabelece com o resto do mundo não são decisivas.

Podem até ajudar, podem atrapalhar, tem que ver cada caso, com pesos históricos,

mas não vê, no processo de desenvolvimento das sociedades, um determinismo

fundamental nas relações que as sociedades estabelecem com o entorno, mas sim

com as instituições e com as características internas da sociedade. E aí a educação

é uma das instituições, uma das características internas, fundamental pra gerar

desenvolvimento econômico (Pessôa, 2013).

Nos anos 1950, fomos às ruas para defender o petróleo, mas não nos

mobilizamos para uma melhor educação. Aí, para Pessôa, estava a semente

daquilo que chama de tragédia social dos anos 1980 e 1990:

por que é que a população brasileira, quer dizer, as classes, os formadores de

opinião e as esquerdas, foram às ruas pelo “petróleo é nosso”, não foram às ruas

por educação pública e gratuita, para todo mundo, de qualidade? Um dia me deu

essa luz. Porque eu vim de uma família de esquerda; eu lembro da campanha do

petróleo é nosso. Minha avó falava, meu pai falava. A gente não produzia um

barril de petróleo. A gente passou a produzir alguma coisa 25 anos depois da

campanha. Na mesma época (em) que a gente estava indo “pras” ruas pelo

“petróleo é nosso”, 7 em cada 10 crianças de 7 a 14 anos estavam fora da escola.

A taxa de crescimento populacional era 3% ao ano. É óbvio que o desastre social

que se abateu sobre o Brasil nos anos 1980 e 1990 foi construído nos anos 1950.

Não tenho dúvida disso. Porque era uma sociedade absolutamente esquizofrênica.

É uma sociedade que construía Brasília. O Rio de Janeiro devia ser, de longe, a

melhor cidade do mundo para viver, a gente ganhava título mundial, a gente

inventava a bossa nova, a gente fazia a campanha do “petróleo é nosso” e a gente

estava construindo esse inferno que o país virou a partir dos anos 1980. Foi

construído lá nos anos 1950. Gastando 1% em educação e achando normal que 7

em cada 10 crianças de 7 a 14 anos ficassem fora da escola (Pessôa, 2013).

As elites brasileiras teriam aceitado a ideia de que a universalização do

ensino era inviável por falta de recursos. Com a democratização, universalizamos

em 10 anos. E hoje a questão não é recursos, é qualidade:

eu me lembro disso, nos anos 1970, que o Estado não tinha dinheiro para colocar

todas as crianças na escola, era algo normal nas elites brasileiras. Eu via o meu

pai falando. Meu pai, que era filho de comunista. Ele não gostava, mas aceitava.

Depois que a gente virou democrático, é inaceitável. A gente, em 10 anos,

colocou todo mundo na escola. Gasta 5% do PIB em educação. Eu acho que,

hoje, o problema da educação é a questão de qualidade. E o problema de

qualidade não é, necessariamente, orçamento. É uma agenda muito maior, que

não passa tanto por orçamento. Talvez até pudéssemos gastar mais. Acho até

legal gastar um pouco mais. Mas não é gastando mais que a gente vai resolver

(Pessôa, 2013).

E comenta um trabalho que demonstra que não há correlação entre

aumento de gastos e melhoria na qualidade da educação:

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tem um economista da PUC, o Claudio Ferraz; brilhante, um cara que tem muitos

papers internacionais, ele tem um gráfico super legal. Aqui, a gente tem o gasto,

por aluno, das diversas redes estaduais e municipais. Cada ponto é uma rede, uma

cidade. Então o número de pontos é o número de municípios que o Brasil tem.

Cada ponto é em reais. Quantos reais por ano, por aluno, aquela rede gasta. E

aqui é o resultado da garotada na prova Brasil. É uma nuvem, correlação nula. O

que é que esse gráfico mostra? Ele mostra que a correlação que há, hoje, entre o

desempenho da garotada e gasto per capita é zero. Se eu não fizer nada, e

aumentar o gasto, isso é que nem, como o PB fala, jogar dinheiro do helicóptero.

Pode cair no município que é bom. Pode cair no município que é ruim. Pode não

acontecer nada. Então eu acho que a agenda da educação é uma agenda de

entender por que é que esse negócio tem correlação zero. Se a gente não entender

isso, a gente não vai melhorar a qualidade (Pessôa, 2013).

O economista considera haver uma indicação de que houve uma maior

percepção, na sociedade, e até em setores populares, da importância da educação

pra mobilidade social:

eu acho que o Prouni foi o Ovo de Colombo do Fernando Haddad. O cara ganhou

uma prefeitura da maior metrópole do país por conta disso. Acho que o Paulo

Renato se arrepende amargamente de não ter feito o Prouni, porque ele poderia

ter feito, da mesma forma que eu acho que o FHC se arrepende amargamente de

não ter feito o Bolsa Família. Poderia ter feito. O FHC até começou, mas não deu

tempo. Essas coisas têm uma dinâmica. Mas acho que o Paulo Renato foi falta de

ideia. No governo, você tem que fazer muita coisa ao mesmo tempo. Às vezes,

você não pensa. O eleitor mediano está fazendo a revolução no país, e, em última

instância, é a democracia que está fazendo. E eu acho que está funcionando bem.

E acho que a gente, hoje, está preso na questão das corporações. Acho que vai

andar. Eu sempre falo isso: em Bangu, você tem escola privada de 300 reais a

mensalidade. E o professor dessa escola privada de 300 reais a mensalidade é pior

que o professor da rede, porque ele não passou no concurso (Pessôa, 2013).

Aponta o que seria, no seu entender, o principal óbice para que

pudéssemos ter um ensino público de qualidade: a ausência de um sistema de

gestão meritocrático e competitivo. E começa a discutir que medidas devem ser

adotadas para melhorar a qualidade da educação básica:

eu acho que a gente tinha que fazer uma revolução no direito administrativo,

caminhar para uma situação em que a escola pública vire um contrato de gestão

entre o diretor da escola e a Secretaria, ou entre o diretor da escola e a regional da

Secretaria, dependendo se a rede é regional ou municipal. Ou dependendo do

tamanho da rede. E, dentro desse contrato de gestão, o diretor ou a diretora ter

muita flexibilidade para contratar professor, para demitir professor, para gerir o

dinheiro. Eu acho que a gente tem que ter mecanismos de compensação de

dinheiro. Acho que a gente tem que avançar muito mais nas redistribuições

regionais vinculadas à educação. Eu acho que as regras do fundo de participação

Estado/município são anacrônicas, são horríveis, porque transferência per capita é

completamente injusta, mas eu acho que a gente tinha que caminhar para o

serviço básico de saúde e educação por um acordo federativo de equalizar

recursos. Acho que o Estado brasileiro deveria gastar com cada aluno a mesma

coisa, independente de onde esse aluno viesse, estudasse. E aí teria que ter

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equalização. Acho que isso é muito melhor do que a forma que a gente faz, com o

fundo de participação Estado/município hoje. E então fortes mecanismos de

redistribuição de dinheiro: toda a gestão muito descentralizada, muita

avaliação/punição, e com mecanismos mais de regulação privada. Podendo

contratar professor, podendo demitir professor (Pessôa, 2013).

O corporativismo trabalharia no sentido de não deixar fazer as mudanças

necessárias. Segundo Pessôa, esse corporativismo na área educacional torna difícil

a implantação de uma educação básica de qualidade. No entanto, o eleitor

mediano ainda não teria percebido que esse é um dos principais óbices para a

melhoria do ensino:

e eu acho que o eleitor mediano quer educação. A dificuldade que eu vejo, hoje, é

que o eleitor mediano quer educação, mas ainda não identificou o problema. Que

é: ele não identificou que, hoje, as corporações e os funcionários públicos são,

provavelmente, o maior impedimento que a gente tem pra melhorar a qualidade

do sistema educacional. Há um tempo em São Paulo, fui num seminário sobre a

experiência do Ceará. O Ceará foi o estado que mais avançou na prova Brasil, nos

últimos anos. A partir da estadualização de uma experiência muito bem sucedida,

há uns 10 anos atrás, em Sobral. É muito bonita a experiência. Agora, você vai a

Fortaleza, não mudou nada. O que Fortaleza tem, em relação ao resto? Fortaleza

tem um sindicato forte. O resto do estado não tem. Eles fizeram uma lei que está

funcionando, muito legal, que uma parte do ICMS estadual para os municípios é

vinculada em desempenho para educação. Uma medida que está funcionando

muito bem lá no Ceará: fizeram um monte de coisas e está tendo um resultado

muito bom. Sem aumentar o gasto. Só por gestão, incentivos e tal, tiveram um

desempenho muito bom. Você vê que a própria avaliação que as pessoas que

implantaram a política têm é que, em Fortaleza, é quase impossível reproduzir o

que eles fizeram no resto do estado por conta dos sindicatos (Pessôa, 2013).

E a dificuldade para se aumentar a eficiência, devido a restrições legais e à

força de alguns sindicatos, faz, muitas vezes, o gestor público desistir:

então, eu acho isso, a sociedade e o eleitor mediano não perceberam. O eleitor

mediano acha que o professor é um pobre coitado, que ele tem salário muito

baixo, que ele é explorado pelos governantes. E aí tem o que o meu amigo

Reinaldo Fernandes, um cara que estuda muito educação, um economista

brilhante [...] lá na gestão Fernando Haddad fala. Ele dialoga muito com os

pedagogos. “Ai, Samuel, pedagogo é um bicho difícil. Mas eu falo com eles”.

Você quer aumentar o salário do professor, é mais ou menos assim. Vamos supor

que tenha um cara que tem um time de futebol. O futebol está péssimo, está na 3a

divisão. Chega o empresário, e diz: Vamos botar dinheiro e fazer um time bom.

“Vamos contratar jogador”. Aí você vai contratar jogador, “ah, não, não. Você

pode contratar, mas aí tem que aumentar os que estão aqui”. Aí tudo bem, vai

aumentar os que tão aqui. “Não, não, não, não: mas tem muito jogador que jogou

aqui no passado e está aposentado. Também tem que aumentar para esses caras”.

Aí, você faz a conta do impacto fiscal de dobrar o salário do professor, aí o cara

pode fazer um metrô. Que fica pronto dali a 6 anos e resolve um problema. Não

vai botar o dinheiro na educação. Quer dizer, as restrições legais e o elevado

poder de barganha que as corporações dos professores têm de impedir medidas de

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gestão pra aumentar a eficiência, que o gestor público desiste. Então assim, o

Alckmin desistiu em São Paulo, o Paulo Renato morreu (Pessôa, 2013).

Em Políticas estruturais de combate à pobreza no Brasil, Marcelo Neri

destaca o potencial que o Brasil tem para tentar erradicar a pobreza através de

políticas redistributivas:

o Brasil é um caso importante para se estudar a pobreza, não somente porque

possui uma grande parte da população pobre da América Latina, mas também

porque apresenta um grande potencial para erradicar a pobreza. O relativamente

alto PIB per capita brasileiro, combinado com um alto grau de desigualdade da

renda, gera condições favoráveis para o desenho de políticas redistributivas. Esse

potencial é exemplificado pela alta sensibilidade dos índices de desigualdade e

pobreza a mudanças em certos instrumentos de política (por exemplo, mudanças

no salário mínimo e nas taxas de inflação). Por outro lado, talvez devido a

instabilidades anteriores, o Brasil não tenha avançado muito na implementação de

políticas estruturais de alívio de pobreza, indutoras de um reforço do portfólio de

ativos dos pobres (Neri, 2000: 503).

A influência da educação sobre a pobreza, medida pelos anos completos de

estudo de acordo com a PNAD de 1996, estudada por Neri, é explicada pelos

resultados encontrados:

a relação entre anos completos de estudo e pobreza é clara [...]. O número médio

de anos completos de estudo dos chefes pobres e não-pobres da população

corresponde a 4,7 e 6,6 anos, respectivamente. Similarmente, os cônjuges das

famílias pobres apresentam também uma média de dois anos a menos de

escolaridade do que os cônjuges na população não-pobre - 4,6 e 6,5 anos,

respectivamente. O coeficiente de variação de anos completos de estudo entre os

chefes e cônjuges pobres é maior nos segmentos pobres da sociedade - 24,6% e

25,4% - do que no total da população - 20,9% e 20,7%, respectivamente. Esse

ponto é digno de nota, já que os anos completados de estudo são provavelmente a

melhor aproximação para renda permanente encontrada nas pesquisas de

domicílio (Neri, 2000: 513).

Outros pontos importantes abordados pela Teoria do Capital Humano,

como já vimos, são a idade e a experiência. Neri comenta a influência desses

fatores para a redução da pobreza:

a aproximação comum para a experiência usada nas pesquisas de domicílio é a

idade. Os efeitos da idade na pobreza têm um papel central nesse projeto.

Tentamos basicamente captar qual é o comportamento ao longo do ciclo de vida

na pobreza. De acordo com a PNAD de 1996, a média de idade do chefe e do

cônjuge nas famílias pobres é de 44 e 40 anos, respectivamente, enquanto para a

população não-pobre é de 41 e 38 anos. Essa diferença de dois a três anos pode

indicar uma tendência decrescente da pobreza medida pela proporção de pobres

ao longo do ciclo de vida. Quer dizer, quando as famílias adquirem mais

experiências ou acumulam outro tipo de capital, a probabilidade de escapar da

pobreza aumenta (Neri, 2000: 514).

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A negligência com o ensino básico teria sido uma das causas mais

importantes do alto índice de desigualdade de rendas e de pobreza ao qual

chegamos ao fim do século XX. Uma vez que conseguimos praticamente

universalizar o acesso ao ensino básico, nossa questão passa a ser a melhoria da

qualidade de ensino.

Diversos pensadores aqui analisados enfatizaram que o principal óbice

para a melhoria do nosso ensino básico não passa pela falta de recursos

financeiros, como visto pelo senso comum. Um dos principais entraves estaria no

corporativismo, que impede que políticas de gestão utilizem a meritocracia como

instrumento básico de análise. Leis como as que obrigam a isonomia salarial e

outras que, na prática, tornam quase impossível a demissão de maus profissionais,

precisariam ser flexibilizadas para que ocorresse um salto qualitativo.

4.3. O pensamento desenvolvimentista incorpora aspectos da Teoria do Capital Humano

Cristovam Buarque 30

é Doutor em Economia pela Sorbonne. Eleito

governador do Distrito Federal em 1994, criou o programa Bolsa Escola,

referência de programa de transferência de renda condicionada à presença na

escola. De acordo com Buarque, o programa está baseado em uma constatação

evidente: a de que se faz necessário quebrar o círculo vicioso da pobreza

propagada através de gerações, indenizando as famílias pobres para que deixem as

crianças na escola, abrindo mão de enviá-las precocemente para o mercado de

trabalho.

Paga-se um salário mensal a cada família, em troca de que todos seus filhos

estejam na escola e nenhum deles falte às aulas no mês. [...] De certa maneira,

utilizam-se a pobreza e a necessidade da renda para combater a pobreza, tendo as

famílias como fiscais da frequência de seus filhos às aulas. Com isso, resolve-se

ao mesmo tempo a pobreza futura, quando estas crianças forem adultos educados,

e reduz-se a pobreza atual por meio de uma renda mínima para sua família.

(Buarque, 1999: 59).

30

Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque (1944- ) nasceu no Recife. É doutor em Economia pela

Universidade de Sorbonne. Foi governador do Distrito Federal de 1995 a 1998. É senador pelo

Distrito Federal desde 2002. Foi Ministro da Educação entre 2003 e 2004, no primeiro governo

Lula.

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Buarque ressalta sua posição quanto à importância da educação e da

igualdade de oportunidades como o elemento fundamental para a ascensão social.

A desigualdade de resultados é por ele aceita, uma vez respeitada a igualdade de

oportunidades:

a filosofia do educacionismo é dizer que a libertação está na educação e não na

economia. O socialismo não está em tomar o capital do capitalista e dar ao

trabalhador, a revolução está em pegar o filho do capitalista e pôr na mesma

escola do filho do trabalhador. É a igualdade na escola que importa. O

comunismo falava numa renda igual para todos e isso é possível na base de muito

autoritarismo e ineficiência. A proposta do educacionismo é que você tem uma

desigualdade tolerada entre dois limites: o piso, que é o piso social, aqui ninguém

passa fome, ninguém fica doente sem atendimento médico; e o teto ecológico,

ninguém consome acima disso aqui. A escada de ascensão social permite que um

chegue lá em cima e outros fiquem aqui embaixo - essa escada é a escola. Você

oferece escola para todos, uns vão subir mais que outros pelo talento, pela

vocação e pela persistência. Então, essa desigualdade tem que se tolerar. Não vejo

problema nenhum em um atleta ganhar mais dinheiro que o cara que não tem o

talento dele. Cuba acaba perdendo muitos atletas por causa disso. Mas ninguém

abaixo, ninguém acima. Isso vai exigir, primeiro, leis de proteção ambiental.

Ninguém, por mais rico que seja, pode fazer um safári de baleia ou de leão. É

possível que chegue um momento em que, por mais dinheiro que você tenha, não

poderá comprar um carro, cujo número será limitado (Buarque, 2013: 308).

Buarque, em 1990, defendia que, para a modernização do país, far-se-ia

necessário erradicar o analfabetismo: “O primeiro gesto de modernidade de um

país, no final do século XX, deve estar em abolir o analfabetismo de todos que

desejem aprender a ler” (Buarque, 1991: 56). Esse passo deveria ser seguido pela

universalização do ensino básico: “A alfabetização é um ponto de partida, mas o

ensino básico, até a conclusão do segundo grau, é uma necessidade social da

população de qualquer país, como parte do caminho para realizar sua

modernidade real” (Buarque, 1991: 57). No entanto, já antevia a necessidade de

compensar as famílias de baixa renda pela perda da renda proporcionada pela

mão-de-obra dos filhos em idade escolar:

por isso, durante um longo período, um programa educacional público deverá,

necessariamente, incluir objetivos setoriais que vão além da educação, como

alimentação escolar completa, atendimento médico na escola e até mesmo um

sistema de seguro que compense os pais desempregados pela perda da mão-de-

obra que representam seus filhos (Buarque, 1991: 57).

Em Educação é a solução possível!, Buarque aborda os males que o nosso

atraso educacional traz para as pessoas e para a sociedade e, entre outras, cita:

desemprego, violência urbana e rural, desigualdade de renda, trabalho infantil,

insuficiência econômica e queda na produtividade (Buarque, 2012: 49).

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Segundo ele, antigamente o desemprego tinha como causa a falta de

investimentos. “Mas essa não é mais a causa. Atualmente, o investimento não cria

empregos na proporção de antes, quase sempre podendo até reduzir postos; e para

aqueles criados, exige qualificação para o uso de equipamentos modernos”

(Buarque, 2012: 50).

Atualmente a desigualdade de renda se dá pela desigualdade no acesso ao

conhecimento: “Um profissional bem educado e qualificado tem hoje um padrão

de vida próximo ao do dono de sua empresa, e muito diferente daqueles dos

trabalhadores sem qualificação” (Buarque, 2012: 52). Quanto à baixa

produtividade, Buarque afirma que:

a produtividade [...] não é mais resultado de uma função em que o capital era

determinante, com a mão-de-obra possuindo baixíssima qualificação. Não pode

haver alta produtividade se os trabalhadores não possuem nem a educação

necessária para adquirir algum nível de qualificação (Buarque, 2012: 53).

E comenta a nossa industrialização, que permitiu crescimento mesmo com

educação deficiente. Mas isso não mais seria possível:

até aqui, mesmo sem uma educação de qualidade para todos, foi possível a

unificação territorial, fazer a economia crescer e iniciar uma democracia. Com o

advento da moderna sociedade do conhecimento esta situação altera-se

radicalmente. Sem uma boa educação para todos, não haverá a integração social,

nem a consolidação plena da democracia, nem a transformação da economia

fazendo-a crescer com a qualidade de alto conteúdo científico e tecnológico

(Buarque, 2012a: 11-12).

Mesmo sem se referir à Teoria do Capital Humano, Cristovam Buarque é

um ferrenho defensor da ideia de que somente através da educação poderemos

chegar a uma sociedade mais desenvolvida.

4.4. A sociedade e a valorização da educação

Ainda que de forma muito preliminar, é importante analisar a hipótese de

que a sociedade passou a valorizar a educação como um fator fundamental para a

mobilidade social. De alguma forma a decisão de governos de apoiarem políticas

sociais que fortalecem a frequência escolar e educação básica em geral, reflete

mudanças na própria sociedade.

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Camargo explica por que, no seu entender, a área governamental foi tão

insensível, durante tanto tempo, à Teoria do Capital Humano. E isto estaria

relacionado ao fato de que a sociedade, por muito tempo, não valorizou a

educação.

Uma razão pode ser isso: a sociedade valoriza pouco. Se a sociedade valoriza

pouco, quer dizer, dá pouco voto. Se der pouco voto, político não vai dar muita

importância para esse negócio aí. Então isso vai ser uma razão pela qual o sistema

político valoriza tão pouco essa questão educacional. Por enquanto, pelo menos, é

uma hipótese. Agora, se a explicação é aquela ali, aquela hipótese não pode ser

verdadeira. Se a explicação é aquela ali, aquele cara que está parado ali na ponta

pode achar que o filho dele não chega lá em cima. Mas ele certamente vai achar o

seguinte: “olha aqui. Se eu colocar o meu filho numa escola do filho do rico, o

meu filho vai ser igual ao filho do rico. Consequentemente, ele vai chegar lá em

cima. Então eu deveria demandar do Estado que desse uma escola de “qualidade

FIFA”, não é? De filho do rico”. Então por que é que ele não faz? Talvez ele não

tenha cultura, então ele não sabe que é assim que você consegue. (Camargo,

2013).

Em sua opinião, somente no final da década de 1980 a área governamental

passou a dar mais atenção à questão da educação pública, mostrando afinidade

com alguns pensamentos de Cristovam Buarque:

o meu ponto é acabar com a pobreza definitivamente no futuro. Eu costumava

dizer, na época dessa discussão, que o grande problema desse programa

condicionado é que ele era autodestrutivo. Daqui a duas, três, quatro gerações

você não ia precisar mais dele. Que todo mundo ia estar educado, e aí acabou. Já

pode parar com essa brincadeira. Curiosamente, essa ideia é uma ideia que surgiu

concomitantemente, nessas discussões que eu falei, aqui na PUC, e em Brasília.

Cristovam. Eu não sei quem é que teve a ideia primeiro. O que eu sei é que

começaram a surgir artigos na imprensa com essa ideia, mais ou menos

concomitantemente. Então como é que os dois chegaram a essa mesma

conclusão? Difícil saber, mas não importa. Eu acho o seguinte: lá no início dos

anos 1990 você tinha uma organização social muito grande. Começou a se

espalhar pela sociedade, pela elite, na verdade, porque isso é uma coisa de elite,

obviamente, a ideia de que “olha aqui, tem que educar”. Não dá para continuar

neste processo. Eu acho que o que importa é o seguinte: uma pessoa pouco

educada na zona rural é funcional. É “pau pra toda obra”. Faz qualquer coisa. Ele

tira o toco da árvore que ficou lá, ele limpa o chão, ele vira jagunço, mata o

inimigo do político. Esse cara é funcional. Ele tem uma funcionalidade muito

grande. Lá no setor rural. Na hora que a sociedade se urbanizou, ele perdeu

completamente a funcionalidade. Ele virou um marginal. E aí sem

funcionalidade, acho que se começou a notar que aquilo não era sustentável no

longo prazo. Então, na minha impressão, surgiu um pouco dessa não-

funcionalidade do não educado. Passou a ser uma coisa complicada lidar com o

não educado. No Rio de Janeiro, o não educado é um problema. Não é uma

solução. Lá na fazenda, era uma solução. Não era um problema. Ele só incomoda.

Ele passa a ser traficante, faz qualquer coisa pra ganhar dinheiro. É o flanelinha, é

o não sei o quê. Ele vira um problema (Camargo, 2013).

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Camargo considera que existe uma sinalização no sentido de que a

sociedade está priorizando mais a educação, adiando a entrada no mercado de

trabalho para apostar num aumento da renda do mercado de trabalho. E levanta a

hipótese de que a sociedade estaria exigindo mais meritocracia:

acho que existe um pouco essa ideia de que a educação realmente aumenta a

renda das pessoas no mercado de trabalho. Acho que existe essa questão da

meritocracia. Eu até acho o seguinte: eu vou te falar uma coisa que eu não deveria

falar, mas eu acho que essas manifestações aí, de junho, são uma demanda por

meritocracia. O que esse povo na rua estava demandando é mais meritocracia.

Quando o cara fala assim: “saúde padrão FIFA”, ele está falando: “Precisamos ter

pessoas de qualidade oferecendo saúde pública”. É uma demanda por

meritocracia. Que é bem conservador, esse movimento. Eu posso não ter razão.

Mas, se é verdade, a minha percepção das declarações, das conversas, dos

cartazes, da forma como as manifestações aconteceram, a minha interpretação das

manifestações é que existe uma demanda por mais meritocracia. Eu acho que a

sociedade está percebendo que é muito importante você ter mais produtividade. E

produtividade é mais meritocracia (Camargo, 2013).

A crítica à qualidade do ensino está aliada à percepção que ele tem de que

o ensino não foi valorizado no nosso país por muito tempo. Furtado não falou de

educação, Brizola criou os CIEPs, mas não ultrapassou eleitoralmente obstáculos

fora do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul. E conclui com a afirmação de que

a educação é mais valorizada no setor urbano que no rural:

eu converso muito com o Samuel Pessôa. De vez em quando, mesa de bar,

basicamente. Na minha avaliação, é o seguinte: eu entendo que o Prebisch não

fale de educação. Por que é que eu entendo que o Prebisch não fale de educação?

Eu entendo que o Prebisch não fale de educação porque o Prebisch é argentino.

No início do século XX, a educação na Argentina já era universalizada. Você já

não tinha mais analfabeto. Início do século XX. O Brasil só conseguiu

universalizar o acesso ao ensino fundamental na década de 1990. Paulo Renato.

Impressionante. Cem anos depois! Paulo Renato, no final dos anos 90, quando ele

era Ministro da Educação, fez um esforço enorme para universalizar o ensino

fundamental. Então entendo que o Prebisch não fale, entendo entre aspas, não fale

de educação, porque ele está diante de um problema resolvido lá no país dele.

Agora, eu não entendo que o Celso Furtado não fale de educação. A minha

interpretação, que pode estar totalmente errada, é o seguinte: eu acho que o

Brasil, a sociedade brasileira valoriza muito pouco a educação. Você, quando

você faz pesquisa de opinião, pergunta: “O que é que é mais valorizado?”, não sei

o quê, “blábláblá”, educação sempre aparece em 1o e 2

o lugar. Mas, quando eu

digo que valoriza pouco a educação, eu digo que valoriza nas atitudes. Qual o

político nacional importante que, efetivamente, valorizou a educação na história

brasileira? Só o Brizola. Que não conseguiu se eleger em nada, nada a nível

nacional, “hem”! É um político regional, Rio de Janeiro/Rio Grande do Sul.

Nunca conseguiu entrar em São Paulo. Nunca conseguiu entrar no Nordeste.

Então isso é um sintoma de que tem pouca valorização da educação. Existem

outros. Eu e o PB, de vez em quando, costumávamos brincar, o seguinte: sabe

qual a diferença entre os asiáticos e os brasileiros, no que se refere à educação? A

diferença é a seguinte: no Brasil, quando tem um temporal e os caminhos ficam

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cheios de lama, o pai não leva a criança para escola. “Pô, lama”, vai demorar pra

chegar, é difícil pra caramba, um saco, e tal, não dá para ir para a escola. Na Ásia,

se tem um terremoto, no dia seguinte o pai “tá” sentadinho no degrau da escola,

esperando a professora para dar aula. Essa é diferença. Deve ter mil razões pelas

quais isso é verdade. O Brasil era um país muito rural até pouco tempo atrás. No

setor rural, se valoriza muito menos educação do que no setor urbano (Camargo,

2013).

Pessôa comenta que a democratização foi fundamental para que se

trouxesse a educação para um ponto de destaque nas nossas decisões políticas:

eu acho que a democratização da nossa sociedade colocou a educação no centro

do debate. A gente gasta 5% do PIB com educação básica. Nos anos 30, a gente

gastava 1,5% com a básica, pública. Se eu pegar os anos 50: com um aluno na

universidade, o governo gastava o equivalente ao que ele gastava com 76 alunos

do básico. Esse número, hoje, está 1 pra 5. Então tudo melhorou muito (Pessôa,

2013).

E comenta sua discordância em relação à desbalanceada alocação de

recursos para o ensino superior:

eu fui assessor do senador Tasso Jereissati durante sete anos. Eu tenho uma

amizade longa com o atual prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, porque nós

fomos colegas de colégio. E depois, também, fomos colegas de mestrado na USP,

então nos reencontramos diversas vezes na vida, e eu sou um entusiasta da

prefeitura dele, e acho que, inclusive, a agenda dele para transporte, para

mobilidade está corretíssima. E acompanhei o trabalho que ele fez no MEC,

tenho lá algumas discordâncias, um peso excessivo para educação superior, e

mesmo o técnico, acho muito legal o técnico, mas eu acho que o técnico (no)

modelo escolas federais não é bom. Eu acho que é melhor um modelo mais

Fundação Paula Souza, como é em São Paulo, que você faz um curso técnico

mais ligado com a produção. Mais ligado com a indústria. A escola técnica

federal, eu acho que é um “elefante branco”, uma coisa meio deslocada,

desconectada do mundo do trabalho. Quase um curso acadêmico. E acho que nas

escolas técnicas (do) tipo Fundação Paula Souza, você tem uma escola mais

ligada com a indústria. O cara que é professor lá, muitas vezes, é um técnico da

indústria. Tenho lá minhas discordâncias com o Fernando, mas eu acho que a

preocupação maior é da sociedade (Pessôa, 2013).

A educação teria passado a ter um apelo politico, e os políticos não

ficariam alheios, por diversos motivos, a essas reivindicações:

a gente vive o império do eleitor mediano, e cada vez mais. Eu sou convencido

pelo argumento do André Singer (de) que, a partir de 2006, a gente teve um novo

passo nesse processo. Antes de 2006, a gente tinha um eleitor mediano, mas este

ainda era muito influenciado pelos formadores de opinião. A gente tem um

processo de evolução da economia brasileira, da sociedade brasileira, inclusive

associada ao fato do capital humano médio ter aumentado, de as pessoas terem

mais autonomia. Terem um nível de escolaridade maior. Terem uma renda maior.

As pessoas começaram a ter uma maneira diferente de formar o seu juízo, o seu

pensamento (Pessôa, 2013).

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Amaury de Souza e Bolívar Lamounier, em A classe média brasileira:

ambições, valores e projetos de sociedade, comentam a chegada de milhões de

brasileiros a um padrão mais elevado de consumo nos últimos anos. Segundo os

autores, a partir da década de 1990, a escolarização básica tornou-se praticamente

universal, e vem aumentando nos níveis médios e superiores. No entanto, ainda

temos graves problemas que “dizem respeito à qualidade da educação e à

equidade na distribuição de oportunidades educacionais, com destaque para as

deficiências dos níveis fundamental e médio” (Souza & Lamounier, 2010: 53). E

mais: os brasileiros com 25 anos ou mais em 2007 tinham em média 6,8 anos de

estudos, contra 12 anos nos países industrializados.

A educação é vista como um símbolo de identidade da classe média e

como um dos principais fatores de ascensão social. Esta percepção faz com que

melhorar a educação dos filhos seja uma aspiração dos brasileiros, e com isto

temos uma menor disparidade educacional, fruto de maior demanda por educação:

tradicionalmente, no Brasil, a educação tem sido chave na criação de chances de

acesso à classe média. Até as primeiras décadas do século XX, o ensino de

segundo grau já era suficiente para engendrar tais oportunidades. Mas a educação

vem sendo erodida como marca de classe. A vantagem relativa de que gozava a

classe média alta vem perdendo espaço em virtude da crescente demanda por

educação, estimulada por retornos mais altos de renda. Se, no passado, um

diploma de nível médio era garantia de um bom emprego, hoje exige-se o curso

superior. Com efeito, a ascensão da nova classe média está associada à queda da

disparidade educacional e de renda, o que, paradoxalmente, tornou a educação

um indicador menos preciso de posição social (Souza & Lamounier, 2010: 53).

Com os dados utilizados em suas pesquisas, afirmam que a educação tem

fator preponderante para uma vida confortável:

a educação é vista como um dos principais fatores de ascensão social. Com efeito,

sua demanda reflete os enormes diferenciais de renda que existem entre os

indivíduos mais e menos escolarizados. A quase totalidade dos entrevistados

(97%) considera que uma boa educação é fator “essencial” ou “muito importante”

para vencer na vida (Souza & Lamounier, 2010: 54).

Na realidade, com os dados extraídos do gráfico 3.2, Aspirações

educacionais (Souza & Lamounier, 2010: 58), podemos compreender a

importância que uma educação com muitos anos de estudo tem para as famílias. O

percentual de pais que desejam que os filhos tenham um nível de educação de

ensino superior ou de pós-graduação era de 96% para os pais com nível superior

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de escolaridade; 88% para os pais com nível médio; 83% para os pais com nível

fundamental; e 70% para os pais semi-escolarizados.

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5. Programas de transferência de renda no Brasil: antecedentes e tendências recentes

Neste capítulo farei inicialmente um histórico dos direitos sociais no Brasil

desde 1930. Em seguida, serão abordados os debates sobre a presença ou ausência

de condicionalidades como fator de decisão da escolha dos beneficiários dos

programas. Serão estudados os primeiros programas de transferência de renda e a

implantação do formato atual, o Bolsa Família, programa de transferência direta

de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza, e

que tem como objetivos reduzir a pobreza no Brasil, especialmente a pobreza

extrema, e interromper o ciclo intergeracional de reprodução da pobreza.

5.1. Direitos sociais no Brasil a partir de 1930

Com relação aos direitos sociais, a queda da Primeira República traria um

avanço em relação à sua proclamação em 1889. O governo revolucionário criou o

Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Seguiu-se uma legislação

trabalhista e previdenciária em 1934, completada posteriormente pela

Consolidação das Leis do Trabalho. O artigo 120 da Constituição de 1934

reconhecia os sindicatos e associações profissionais, assegurando ainda que os

sindicatos teriam pluralidade sindical e completa autonomia. Já o artigo 121

previa que “a lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do

trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador

e os interesses econômicos do país” (Poletti, 2012: 134). Neste mesmo artigo

tratava-se de isonomia salarial, salário mínimo, jornada de oito horas, proibição de

trabalho a menores de 14 anos, férias remuneradas e instituição de sistema

previdenciário, entre outros direitos.

Segundo Wanderley Guilherme dos Santos, em Cidadania e justiça: a

politica social na ordem brasileira, havia, até 1932, uma situação na qual

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[...] enquanto o Estado preocupava-se, essencialmente, em reordenar as relações

no processo de acumulação, a questão social, strictu sensu, se vinha resolvendo,

privadamente, mediante os acordos de seguro com que se comprometiam,

privadamente, empregadores e empregados. A responsabilidade estava clara e

nitidamente dividida: ao Estado incubia zelar por maior ou melhor justiça no

processo de acumulação, enquanto que às associações privadas competia

assegurar os mecanismos compensatórios das desigualdades criadas por esse

mesmo processo (Santos, 1979: 31).

Em Cidadania no Brasil: o longo caminho, José Murilo de Carvalho,

apoia-se nos estudos de Thomas Humphrey Marshall 31

(Marshall, 1967) sobre a

conquista dos direitos na Inglaterra. Ao trazer esse referencial para o Brasil,

Carvalho chama a atenção para o fato de que a cidadania é um fenômeno

histórico. Apesar de que o ponto de chegada possa ser, na tradição ocidental,

semelhante, os caminhos percorridos podem ser diferentes e não seguem

obrigatoriamente um mesmo traçado. “Pode haver também desvios e retrocessos,

não previstos por Marshall” (Carvalho, 2002: 11). Uma das importantes

diferenças entre a nossa cidadania e a dos ingleses está no fato de que lá, os

direitos políticos, civis e sociais foram sendo conquistados pela sociedade,

enquanto que no Brasil, como “em alguns países, o Estado teve mais importância

e o processo de difusão dos direitos se deu principalmente a partir da ação estatal”

(Carvalho, 2002: 12).

O governo Vargas pregava o desenvolvimento econômico, o industrial, a

construção de estradas de ferro e o fortalecimento das Forças Armadas. Uma

economia até então dirigida para a exportação passou a criar, fortalecer e

nacionalizar os mercados de trabalho e de consumo. Apesar do avanço, havia

injustiças: o sistema excluía os autônomos, os empregados domésticos e os

trabalhadores rurais.

Ao lado do grande avanço que a legislação significava, havia também aspectos

negativos. O sistema excluía categorias importantes de trabalhadores. No meio

urbano, ficavam de fora todos os autônomos e todos os trabalhadores (na grande

maioria, trabalhadoras) domésticos. Estes não eram sindicalizados nem se

beneficiavam da política de previdência. Ficavam ainda de fora todos os

trabalhadores rurais, que na época ainda eram maioria. Tratava-se, portanto, de

uma concepção da política social como privilégio e não como direito. Se ela fosse

concebida como direito, deveria beneficiar a todos e da mesma maneira. Do

31

Thomas Humprey Marshall (1893-1981) nasceu em Londres e morreu em Cambridge.

Sociólogo, foi Chefe do Departamento de Ciências Sociais da London School of Economics de

1939 a 1944, e Chefe do Departamento de Ciências Sociais da UNESCO de 1956 a 1960. Os

estudos de Marshall sobre os direitos civis, sociais e políticos na Inglaterra estão em: Marshall,

Thomas Humphrey. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.

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modo como foram introduzidos, os benefícios atingiam aqueles a quem o governo

decidia favorecer, de modo particular aqueles que se enquadravam na estrutura

sindical corporativa montada pelo Estado. Por esta razão, a política social foi bem

caracterizada por Wanderley G. dos Santos como “cidadania regulada”, isto é, uma cidadania limitada por restrições políticas (Carvalho, 2002, 108-109).

Santos sugere que o conceito de cidadania é fundamental para

compreender as políticas econômicas e sociais dos anos que se seguiram à

revolução de 1930. No entanto, seria uma cidadania regulada

[...] cujas raízes encontram-se, não em um código de valores políticos, mas em

um sistema de estratificação ocupacional, e que, ademais, tal sistema de

estratificação é definido por norma legal. Em outras palavras, são cidadãos todos

aqueles membros da comunidade que se encontram localizados em qualquer uma

das ocupações reconhecidas e definidas em lei. A extensão da cidadania se faz,

pois, via regulamentação de novas profissões e/ou ocupações, em primeiro lugar,

e mediante ampliação do escopo dos direitos associados a estas profissões, antes

que por expansão dos valores inerentes ao conceito de membro da comunidade

(Santos, 1979: 75).

A instituição da carteira de trabalho em 1932, que seria “a evidência

jurídica fundamental para o gozo de todos os direitos trabalhistas” (Santos, 1979:

76), é, junto com a regulamentação das profissões e com a existência de sindicatos

que necessitavam ser reconhecidos pelo Estado, o tripé desta cidadania regulada

pelo Estado. Os direitos estão vinculados às profissões, e estas precisam ser

reconhecidas através de regulamentações.

A ênfase nos direitos sociais encontrava terreno fértil na cultura política da

população, principalmente na dos pobres dos centros urbanos.

Ao período laissez-fairiano repressivo da República Velha sucedeu a época da

simultânea ênfase na diferenciação da estrutura produtiva, na acumulação

industrial, e na regulamentação social [...]. O sistema foi rapidamente montado

nos primeiros quatro anos da década de 30 e solidamente institucionalizado. É ele

que condiciona a estrutura do conflito social desde o fim do Estado Novo até o

movimento de 1964 (Santos, 1979: 78).

Estava sendo formado um tipo de relação do Estado com a sociedade

brasileira que se fortaleceria com o passar das décadas, o corporativismo. Em A

gramática política do Brasil: clientelismo e insulamento burocrático, Edson

Nunes defende que clientelismo, corporativismo, insulamento burocrático e

universalismo de procedimentos são os quatro principais aspectos que

caracterizam a relação entre Estado e sociedade no Brasil. Nunes argumenta que o

corporativismo e o clientelismo têm sobrevivido à nossa industrialização e

buscam o controle dos recursos disponíveis. “Tal como o clientelismo

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contemporâneo, o corporativismo é uma arma de engenharia política dirigida para

o controle político, a intermediação de interesses e o controle do fluxo de recursos

materiais disponíveis” (Nunes, 1997: 37).

Como destaca o autor, as trocas no capitalismo moderno são caracterizadas

pelo impersonalismo, que seria um fator básico para o livre mercado e para a

noção de cidadania, diferentemente do clientelismo, em que as trocas de bens

ocorrem em um mercado marcado pelas relações pessoais, e em que existe uma

expectativa de retornos futuros. “A relação conhecida como ‘compadrio’, por

exemplo, inclui o direito do cliente à proteção futura por parte do seu patron”

(Nunes, 1997: 27). O corporativismo é entendido como um sistema de

intermediação de interesses “baseado em número limitado de categorias

compulsórias, não-competitivas, hierárquicas e funcionalmente separadas, que são

reconhecidas, permitidas e subsidiadas pelo Estado” (Nunes, 1997: 37).

Leôncio Martins Rodrigues, em Partidos e sindicatos: escritos de

sociologia política, destaca que o modelo sindical implantado por Vargas teria

vida longa em nossa sociedade, apesar das críticas a ele realizadas: “Criticado na

época pelos socialistas, anarquistas, comunistas e liberais e visto com suspeição

pelas classes empresariais, [...] acabou por revelar-se uma das instituições mais

estáveis da sociedade brasileira” (Rodrigues, 1990: 47).

Rodrigues considera que o corporativismo no Brasil apoiou-se em três

elementos, que o caracterizam. Em primeiro lugar, estaria “o papel desempenhado

pelo Estado no estabelecimento das estruturas sindicais e na organização

compulsória das ‘classes produtoras’” (Rodrigues, 1990: 59). O Estado não

transformou essas entidades associativas em órgãos da administração pública, mas

dotou-as de representatividade e regulou o seu funcionamento. Os sindicatos

tinham o direito de representar as categorias organizadas dentro das normas

definidas pelo Estado.

O segundo elemento por ele considerado seria “o monopólio da

representação que se expressa na existência do sindicato único ou, mais

exatamente, na unicidade sindical” (Rodrigues, 1990: 59). Na prática, o que

ocorreu foi que a representação por associação gerou um monopólio

representativo, tendo em vista a subordinação dos sindicatos e das associações ao

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Estado. Finalmente, Rodrigues menciona “[...] a concepção doutrinária que

presidiu a criação da estrutura corporativa, fundada na eliminação do conflito e na

colaboração entre as classes e delas com o Estado” (Rodrigues, 1990: 60).

O modelo corporativo implantado no governo Vargas através da CLT

atravessou décadas e mudanças constitucionais. O sindicalismo corporativo daí

decorrente conviveu com a Constituição de 1946 e a pluralidade partidária, “com

o ‘bipartidarismo’ dos regimes militares posteriores a 1964 e com o

pluripartidarismo dos nossos dias. Mudam as constituições da República e os

partidos, mas a CLT permanece” (Rodrigues, 1990: 49). Essa dependência é

bastante confortável, até os dias de hoje, para os estamentos protegidos pela nossa

legislação sindical. Seus grandes beneficiários são os servidores públicos e

empregados de estatais, e Rodrigues considera que essa dependência perdurará,

uma vez que

as facções mais radicais do movimento sindical, que anteriormente se mostravam

bastante críticas à estrutura sindical corporativa, perderam muito do fervor crítico

ao conquistarem direções e posições no sindicalismo oficial. Nesse sentido, a

Constituição de 1988, ao limitar drasticamente o poder de intervenção do

Ministério do Trabalho nos assuntos internos dos sindicatos, eliminou um dos

aspectos que os dirigentes sindicais consideravam mais negativos no modelo

corporativista. Consequentemente, arrefeceu os ímpetos mudancistas e aumentou

a importância dos sindicatos oficiais como um instrumento de pressão dos

trabalhadores, de ascensão social dos diretores de sindicatos e de emprego para os

burocratas das federações e confederações. Paradoxalmente, a Constituição

reforçou as estruturas corporativas ao lhes conceder autonomia ante o Estado

(Rodrigues, 1990: 71).

A Constituição de 1946 (Baleeiro e Lima Sobrinho, 2012) assegurava, em

seu artigo 159, que “é livre a associação profissional ou sindical, sendo reguladas

por lei a forma de sua constituição, a sua representação legal nas convenções

coletivas de trabalho e o exercício de funções delegadas pelo poder público”

(Baleeiro e Lima Sobrinho, 2012: 87). Em seu artigo 156, acenava com o

aproveitamento de terras públicas para facilitar a fixação do homem no campo. E

nos artigos 157 e 158, mantinha e aumentava a proteção aos trabalhadores do

meio urbano, explicitando o direito de greve.

José Murilo de Carvalho chama atenção para o fato de que, nos governos

do regime autoritário que vieram após 1964, houve aumento dos direitos sociais,

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em um avanço, nesse aspecto, em relação aos governos de Getulio Vargas e de

João Goulart:

ao mesmo tempo em que cerceavam os direitos políticos e civis, os governos

militares investiam na expansão dos direitos sociais. O que Vargas e Goulart não

tinham conseguido fazer, em relação à unificação e universalização da previdência, os militares e tecnocratas fizeram após 1964 (Carvalho, 2002: 170).

Houve também um abalo na estrutura corporativista da previdência social,

pela criação do INPS, que unificou o sistema para os trabalhadores do setor

privado:

em 1966 foi afinal criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que

acabava com os IAPs e unificava o sistema, com exceção do funcionalismo

público, civil e militar, que ainda conservava seus próprios institutos. As

contribuições foram definidas em 8% do salário de todos os trabalhadores

registrados, descontados mensalmente da folha de pagamento; os benefícios,

como aposentadoria, pensão e assistência médica, foram também uniformizados.

Acabaram os poderosos IAPs, e os sindicatos perderam a influência sobre a

previdência, que passou a ser controlada totalmente pela burocracia estatal

(Carvalho, 2002: 171).

E, enfim, os direitos sociais foram expandidos para o campo, pela criação

do Funrural. Houve, no entanto, o cuidado de não onerar os proprietários rurais,

dentro da tradição brasileira:

o objetivo da universalização da previdência também foi atingido. Em 1971, em

pleno governo Médici, ponto alto da repressão, foi criado o Fundo de Assistência

Rural (Funrural), que efetivamente incluía os trabalhadores rurais na previdência.

O Funrural tinha financiamento e administração separados do INPS. É

sintomático que nem os governos militares tenham ousado cobrar contribuição

dos proprietários rurais. Mas não cobraram também dos trabalhadores. Os

recursos do Funrural vinham de um imposto sobre produtos rurais, pago pelos

consumidores, e de um imposto sobre as folhas de pagamento de empresas

urbanas, cujos custos eram também, naturalmente, repassados pelos empresários

para os consumidores. De qualquer maneira, os eternos párias do sistema, os

trabalhadores rurais, tinham, afinal, direito a aposentadoria e pensão, além de

assistência médica. Por mais modestas que fossem as aposentadorias, eram

frequentemente equivalentes, se não superiores, aos baixos salários pagos nas áreas rurais (Carvalho, 2002: 171).

E mesmo na área urbana, mais trabalhadores foram incorporados à

previdência social:

as duas únicas categorias ainda excluídas da previdência - empregadas

domésticas e trabalhadores autônomos - foram incorporadas em 1972 e 1973,

respectivamente, tudo ainda no governo do general Médici. Agora ficavam de

fora apenas os que não tinham relação formal de emprego. A avaliação dos

governos militares, sob o ponto de vista da cidadania, tem, assim, que levar em

conta a manutenção do direito do voto combinada com o esvaziamento de seu

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sentido e a expansão dos direitos sociais em momento de restrição de direitos civis e políticos (Carvalho, 2002: 172).

Temos um quadro em que, sem que se abandone o caráter corporativista

das nossas políticas sociais, começa-se a dar alguns passos no sentido da

universalização. Para Santos, o Funrural é emblemático, pois foi criado para os

trabalhadores rurais décadas depois que os trabalhadores das áreas urbanas foram

contemplados com políticas sociais. Além disso, tinha uma característica

inovadora porque “não estando vinculado o esquema de benefícios a contribuições

pretéritas [...], impôs-se a busca de outros critérios para a definição de direitos que

seria equitativamente justo distribuir a todos os membros da coletividade agrária”

(Santos, 1979: 76). Emblemático porque explicita os direitos sociais básicos,

vinculado ao trabalhador quase unanimemente informal das áreas rurais. É aqui

que o conceito de proteção social, “por razões de cidadania, sendo esta definida

em decorrência de cada cidadão à sociedade como um todo, via trabalho, é mais

integrado e complexo. [...] Trata-se de promover direitos que são direitos do

trabalho, simplesmente” (Santos, 1979: 116-118).

Escrevendo em 1979, Santos enfatiza que:

os períodos em que se podem observar progressos na legislação social coincidem

com a existência de governos autoritários. [...] No primeiro momento,

caracterizou-se a relação entre o poder e o público pela extensão regulada da

cidadania. Caracteriza-se o segundo pelo recesso da cidadania política, isto é,

pelo não-reconhecimento do direito ou da capacidade da sociedade governar-se a

si própria (Santos, 1979: 123).

Em suma, Santos argumenta que em função do ingrediente ideológico dos

governos revolucionários, segundo o qual estava implícita a ideia de que primeiro

seria necessário “fazer o bolo crescer para depois distribuí-lo”, não seria racional

esperar grandes avanços nas políticas sociais. “[...] pode-se concluir que

permanece a noção de cidadania destituída de qualquer conotação pública e

universal. Grande parte da população é pré-cívica e nela não se encontra ínsita

nenhuma pauta fundamental de direitos” (Santos, 1979: 104).

A Constituição de 1988 tem importantes aspectos universalistas, mas

manteve muitas características do modelo corporativista. Escrita poucos anos

antes da queda do muro de Berlim, e com os anseios democráticos reprimidos no

Brasil por décadas de regimes autoritários, visava a um modelo de sistema de

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bem-estar social típico do descrito por Gøsta Esping-Andersen 32

como o social-

democrata presente nos países escandinavos.

Os direitos sociais, agora, passaram a ter um capítulo próprio na

Constituição “Capítulo II – Dos Direitos Sociais” (Tácito, 2012: 62). Os artigos 6

e 7 deste capítulo enumeram uma série de direitos tanto para os trabalhadores da

área urbana como para os rurais e afirmam a “igualdade de direitos entre o

trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso”

(Tácito, 2012: 63). Já o modelo corporativista foi agraciado com os artigos 8, 9,

10 e 11, com diversas determinações dentre as quais destaco: “É vedada a criação

de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de

categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial” (Tácito, 2012: 64)

e “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da

categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas” (Tácito, 2012: 64).

Esperava-se que a redemocratização trouxesse as soluções para os nossos

problemas, e a Constituição de 1988 determinava, no papel, avanços na política de

proteção social. Como destaca Mariana Bittar:

a Constituição consagrou novos direitos sociais e princípios de organização da

política social que, ao menos no nível formal, consolidaram a tendência

universalizante da proteção social. A ampliação e extensão dos direitos sociais a

parcelas da população até então excluídas, o afrouxamento do vínculo

contributivo como princípio estruturante do sistema, a adoção do conceito de

seguridade social como forma mais abrangente de proteção e a redefinição dos

patamares mínimos dos valores dos benefícios sociais foram algumas das

características reforçadas pela carta constitucional (Bittar, 2002: 34).

Acontece que as condições da economia brasileira na década de 1980 e

início dos anos 1990 não permitiriam que fosse sequer planejada tal inflexão nas

nossas políticas sociais. A presença de um contingente de pobres e miseráveis que

sofriam com os males da inflação, com o desemprego conjuntural após anos de

baixos investimentos motivados pela expectativa negativa dos agentes

econômicos na sociedade brasileira, e com o desemprego estrutural causado pelos

avanços tecnológicos, eliminando definitivamente significativa parcela de postos

de trabalho, indicava que o caminho universalista não teria naquele momento sua

oportunidade. José Murilo de Carvalho comenta que, apesar da qualidade da nossa

32

Para mais informações sobre os modelos de sistema de bem-estar no capitalismo por ele

descritos, ver Esping-Andersen, Gøsta. The three worlds of welfare capitalism. Princeton:

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116

Constituição, ainda existiam problemas sérios como desigualdade e desemprego, e

previa dificuldades a partir das transformações que ocorriam na economia

internacional:

a constituinte de 1988 redigiu e aprovou a constituição mais liberal e democrática

que o país já teve, merecendo por isso o nome de Constituição Cidadã. Em 1989,

houve a primeira eleição direta para presidente da República desde 1960. Duas

outras eleições presidenciais se seguiram em clima de normalidade, precedidas de

um inédito processo de impedimento do primeiro presidente eleito. Os direitos

políticos adquiriram amplitude nunca antes atingida. No entanto, a estabilidade

democrática não pode ainda ser considerada fora de perigo. A democracia política

não resolveu os problemas econômicos mais sérios, como a desigualdade e o

desemprego. Continuam os problemas da área social, sobretudo na educação, nos

serviços de saúde e saneamento, e houve agravamento da situação dos direitos

civis no que se refere à segurança individual. Finalmente, as rápidas

transformações da economia internacional contribuíram para pôr em xeque a

própria noção tradicional de direitos que nos guiou desde a independência (Carvalho, 2002: 199).

A estabilização da moeda via Plano Real trouxe a questão da pobreza para

os temas prioritários da nossa agenda de políticas sociais. Conforme a economista

Sonia Rocha, formada pela PUC-RJ com doutorado pela Universidade de Paris I,

embora desde o início da década de 1990 a persistência da pobreza tenha sido

uma das preocupações centrais no país, a temática ganha clara primazia depois da

estabilização. Resolvido o problema básico da inflação, parece haver consenso

nacional de que o objetivo prioritário da sociedade brasileira é reduzir a

desigualdade entre pessoas, da qual a persistência da pobreza absoluta é um

corolário (Rocha, 2003: 7).

Os anos 1990 foram ricos em relação ao debate sobre as formas para

combater a pobreza e a desigualdade no Brasil. A questão do combate à inflação

obrigava que fosse dada prioridade à politica econômica, condicionando as

demais políticas. A discussão sobre a eficiência de qualquer política social surgia

em um ambiente de escassez e restrição orçamentária, e com a influência das

políticas liberais apontando para uma redefinição das funções do Estado, abrindo

espaço para a iniciativa privada. Fernando Henrique Cardoso lembra que o

Estado, em função do modelo de desenvolvimento dos governos que antecederam

o seu, “desviou-se de suas funções básicas para ampliar sua presença no setor

produtivo, o que acarretou, além da gradual deterioração dos serviços públicos

[...], o agravamento da crise fiscal e, por consequência, da inflação” (Cardoso,

1996: 9).

Princeton University Press, 1990.

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117

Em se tratando de como se deveria conduzir a implantação das políticas

públicas, outra questão era o papel das instituições. Conforme Celina Souza havia

discordâncias teóricas quanto ao seu papel. A Teoria da Escolha Pública é, por

princípio, cética em relação “à capacidade do governo de formular políticas

públicas devido a situações como auto-interesse, informação incompleta,

racionalidade limitada e captura das agências governamentais por interesses

particularistas” (Souza, 2007: 82).

A Teoria Neo-Institucionalista, mesmo sem negar a existência do auto-

interesse ou do cálculo racional dos atores envolvidos, argumenta que “interesses

(ou preferências) são mobilizados não só pelo auto-interesse, mas também por

processos institucionais de socialização, por novas ideias e por processos gerados

pela história de cada país” (Souza, 2007: 82). Dessa forma, “a teoria neo-

institucionalista nos ajuda a entender que não só os indivíduos ou grupos que têm

força relevante influenciam as políticas públicas, mas também as regras formais e

informais que regem as instituições” (Souza, 2007: 82). Celina destaca ainda a

relevância dessa teoria para a formulação da agenda das políticas públicas:

a contribuição do neo-institucionalismo é importante porque a luta pelo poder e

por recursos entre grupos sociais é o cerne da formulação de políticas públicas.

Essa luta é mediada por instituições políticas e econômicas que levam as políticas

públicas para certa direção e privilegiam alguns grupos em detrimento de outros,

embora as instituições sozinhas não desempenhem todos os papéis (Souza, 2007:

83).

Em 1993, em O welfare state no Brasil: características e perspectivas,

Sônia Draibe atentava para a emergência de mecanismos que diminuiriam os

efeitos negativos das ações sociais do Estado, centralizadas e burocratizadas.

Esses mecanismos estavam relacionados à ajuda às famílias de baixa renda,

aumentando a eficiência e diminuindo ao máximo os desperdícios causados pelas

intermediações.

Essas formas que foram, no passado monopólio da concepção liberal, têm sido

incorporadas, defendidas e disseminadas nas mais diversas situações político–

ideológicas, inclusive socialistas e social-democratas. E têm sido justificadas

tanto pela vontade de desburocratizar e desestatizar a política, quanto pelo fato de

ampliar o grau de individualização e liberdade do usuário quanto, finalmente, por

razões econômicas: a monetização de tais relações ampliaria o grau de demanda

solvável das famílias, introduzindo mais energia às famílias e a economia

(Draibe, 1993: 35).

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Ricardo Paes de Barros e Miguel Nathan Foguel, relatando em 2000 o

debate existente com respeito à erradicação da pobreza, ressaltavam a necessidade

da focalização em seu artigo Focalização dos gastos públicos sociais e

erradicação da pobreza no Brasil.

[...] a combinação da má focalização dos gastos públicos sociais com o fato de

esses gastos representarem cerca de três a quatro vezes do que se necessita para

erradicar a pobreza no país permite concluir que é possível eliminar a pobreza

sem a necessidade de qualquer aumento no volume total de gastos na área social.

Embora se reconheça que o (re)desenho de programas públicos adequadamente

focalizados é uma tarefa complexa, essa conclusão nos parece auspiciosa na

medida em que aponta para uma solução da pobreza que depende mais do

aperfeiçoamento das políticas públicas do que da elevação dos gastos (Barros &

Foguel, 2000: 739).

A nossa economia atingiu um grau de crescimento que nos permite afirmar

que a ausência de recursos não é o nosso maior problema, pois não somos um país

pobre, embora tenhamos muitos pobres. Para vencermos a pobreza, faz-se

necessário que os recursos cheguem efetivamente aos necessitados. A focalização

das políticas sociais é uma opção que quase não gera oposições significativas no

Brasil, atualmente. É, possivelmente, a melhor ferramenta com que contamos para

acelerar nosso desenvolvimento e melhorar o bem-estar das pessoas. Entretanto,

para que possamos ter um desenvolvimento sustentado, há que se quebrar o ciclo

de reprodução da pobreza: aos filhos dos pobres devem-se oferecer as

oportunidades e a educação necessárias para sua inserção no mercado de trabalho.

Entretanto, a opção pela focalização ainda não estava clara, no Brasil, na

virada do milênio. Ricardo Paes de Barros e Mirela de Carvalho analisam, em

Desafios para a política social brasileira, a política social brasileira, entendendo

que, nos últimos anos do século XX, ela passou por transformações que a fazem

moderna e descentralizada. No entanto, alguns problemas permanecem e, entre

eles, o mais grave seria o fato de que a focalização ainda estar-se-ia dando de

forma precária e com pouca efetividade. “A pequena atenção dispensada à

focalização nos mais carentes [...], entre outros aspectos, são identificados como

potenciais causas da baixa efetividade” (Barros & Carvalho, 2004: 434).

Com dados de 2004, os autores afirmam que uma das marcas da sociedade

brasileira é haver uma grande proporção da população vivendo na pobreza (34%)

e na extrema pobreza (15%), apesar de a nossa renda per capita ter capacidade de

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suprir nossas necessidades nutricionais e nossas necessidades básicas. Com a

transferência de 18% dos gastos federais com programas compensatórios, dentre

os quais a Previdência Rural e o Programa Bolsa Família, seria possível erradicar

a extrema pobreza. A redução da desigualdade seria fundamental para a

diminuição da extrema pobreza “porque quanto mais se utilizarem as reduções no

grau de desigualdade, menor será o requerimento mínimo de crescimento para se

atingir uma meta determinada de redução na extrema pobreza” (Barros &

Carvalho, 2004: 437).

Os autores criticam a política social brasileira pelo fato de que ela tem

falhado de forma sistemática no objetivo de atingir os mais pobres. “Em geral,

grande parte dos programas sociais deixam de beneficiar os segmentos mais

pobres da população em favor dos segmentos não-pobres” (Barros & Carvalho,

2004: 439). Apesar de a quantidade de recursos disponíveis ser suficiente para

eliminar a pobreza, não o é em quantidade suficiente para atender à parcela não-

pobre. Em outras palavras, as políticas sociais têm que ser focadas, e não podem

ser universalizadas, ao menos na atual conjuntura:

qualquer mudança na política social brasileira será incapaz de elevar sua

efetividade no combate à pobreza enquanto não se adotar uma clara opção pelos

mais pobres. Somente com a garantia de prioridade para este grupo é que a

política social brasileira será capaz de ter o impacto sobre a extrema pobreza que

todos nós esperamos (Barros & Carvalho, 2004: 435).

A prioridade absoluta aos mais pobres precisaria dar atenção a três níveis

de focalização: o primeiro teria que levar em consideração que as transferências

de recursos da União para os estados e municípios devem ser proporcionais aos

graus de carência; em adição, seria necessário rever as regras que definem a

população-alvo dos programas federais, pois em vários casos “a própria regra

discrimina a população mais pobre, impedindo que a mesma tenha acesso

prioritário” (Barros & Carvalho, 2004: 452); finalmente, faz-se necessário

aprimorar o cadastramento das famílias pobres, porque “as camadas mais carentes

da população tendem a estar fora dos cadastros administrativos existentes”

(Barros & Carvalho, 2004: 452). Fica clara a mudança que tem ocorrido nas

últimas décadas na agenda dos direitos sociais no Brasil. Passamos das garantias

aos trabalhadores urbanos com carteira assinada para garantias a um contingente

até então excluído, o daqueles que fazem parte dos cadastros de pobreza.

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5.2. O debate sobre os programas de renda mínima no Brasil

Na década de 1990, começou a prosperar no Brasil a ideia de que um

programa de transferência de algum tipo de renda seria uma política pública

eficiente no combate à pobreza. Um fator importante para que os programas de

renda mínima passassem, nas últimas décadas do século XX, a ser vistos como

alternativas para as políticas de proteção sociais universalistas foi o

enfraquecimento do Estado de bem-estar social nos países desenvolvidos.

Carlos Alberto Ramos, Doutor em Economia pela Universidade de Paris

XIII, destaca que nos anos 1980, na Europa e também nos Estados Unidos,

ampliou-se o debate sobre a viabilidade da manutenção dos sistemas de proteção

social em vigor. Estes passaram a ser criticados por sua ineficiência e por sua

duvidosa viabilidade econômica. A crise econômica dos anos 1970 estava

colocando obstáculos ao Estado de bem-estar social, que se apoiava em contínuo

crescimento econômico e em baixas taxas de desemprego.

Observamos, assim, [...] que o antigo sistema de proteção social não é mais

funcional ao novo contexto econômico e social. Na perspectiva dos trabalhadores,

o crescente desemprego e sua permanência no tempo levam a uma paulatina

perda dos direitos sociais, visto que os benefícios estavam atrelados à integração

no mercado de trabalho. Do ângulo dos gestores de política, o equilíbrio

financeiro do antigo Welfare State é cada vez mais problemático, já que

aumentam as demandas (por elevação do desemprego, crescimento da expectativa

de vida, etc.) e se reduzem as fontes de arrecadação (por redução do mercado de

trabalho tradicional, assalariados a tempo integral e dedicação exclusiva) (Ramos,

1998: 27).

Em Família e política de renda mínima, a historiadora Ana Maria

Medeiros da Fonseca defende que, no Brasil, a proposta de um programa de renda

mínima condicionado à obrigatoriedade de ingresso e permanência dos filhos na

rede pública de ensino foi vitoriosa no debate que se seguiu às propostas

universalistas e ao projeto de lei do senador Eduardo Matarazzo Suplicy da

década de 1990. “Assim, aqueles que eram projetos ou programas, principalmente

municipais, e, em geral, em execução em municípios com maiores recursos,

transformaram-se em modelos para o ‘programa federal’ de garantia de renda

mínima” (Fonseca, 2001: 27).

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De acordo com Fonseca, as discussões sobre programas de renda mínima

como ferramentas para eliminar a pobreza começaram, no Brasil, na década de

1970. O engenheiro e economista Antonio Maria da Silveira publicou o artigo

Redistribuição de renda (Silveira, 1975), em que defendia a ideia de que não

poderíamos esperar os frutos do crescimento econômico para extinguirmos nossa

pobreza. Seria necessário que fosse implementado um programa governamental

que, com a menor interferência possível na economia de mercado, não sofresse da

falta de eficácia dos métodos até então utilizados. O imposto de renda negativo

permitiria que os indivíduos fizessem suas escolhas livremente e não sofreria dos

custos burocráticos característicos dos programas governamentais da época. 33

A redistribuição em termos monetários costuma impressionar negativamente a

muitos. Lembremos que é a mais eficiente, a menos custosa. Lembremos também

que é a mais eficaz e que é a forma que levará maior satisfação aos beneficiados.

Realmente, os beneficiados poderão adquirir o que melhor lhes aprouver e isto é

certamente salutar, menos em casos patológicos que devem ser tratados à parte.

Os gastos da classe pobre podem não parecer racionais a observadores de outras

classes, mas acreditamos que isto é devido ao verdadeiro desafio que é a

existência na pobreza, ao horizonte necessariamente curto do pobre, pois seu

problema é conseguir o mínimo de cada dia. Os gastos de consumo serão

necessária e automaticamente modificados se a garantia de sobrevivência lhes for

proporcionada (Silveira, 1975: 14).

Em Da assistência social aos programas de renda mínima garantida,

Sônia Miriam Draibe afirma que “tanto a ancoragem teórica quanto a lógica

subjacente à proposição de uma renda mínima garantida têm origem liberal”

(Draibe, 1992: 265). Para os liberais, a renda mínima estaria de acordo com sua

concepção das funções do Estado, e serviria para “complementar aquilo que os

indivíduos não puderem solucionar via mercado ou através de recursos familiares

e da comunidade” (Draibe, 1992: 265).

Silveira, à frente do seu tempo, já enxergava o avanço tecnológico como

um aliado contra a burocracia no objetivo de minimizar os custos de implantação

do programa que estava propondo.

33

Estas ideias estavam provavelmente apoiadas nas teses do economista norte-americano Milton

Friedman, da Universidade de Chicago, que, em seu livro Capitalismo e liberdade, defendia que a

pobreza deveria ser combatida através da ajuda direta aos indivíduos. Friedman menciona as

vantagens de um programa de renda mínima: está diretamente dirigido para o problema da

pobreza; a ajuda é dada da forma mais útil, o dinheiro; é de ordem geral; e deixa transparente o seu

custo para a sociedade. As famílias teriam a liberdade de alocar o dinheiro recebido em função de

suas decisões e do que for oferecido pelo mercado. Esta ajuda dada diretamente em dinheiro

evitaria a burocracia, seus gastos e sua tendência ao uso político, e seria focada nos pobres e

jamais nas categorias, como classe, etnias etc (Friedman, 1977).

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122

As dificuldades de implementação da proposta não podem ser desprezadas. A

Receita Federal teria que estender o sistema de informações e análise a toda

população adulta ou, mais provavelmente, a todas as unidades familiares.

Entretanto, observemos que estes custos tendem a decrescer substancialmente,

dado o progresso tecnológico recente. [...] Observemos que os custos são

certamente bem menores do que os envolvidos nos sistemas alternativos

existentes ou propostos (Silveira, 1975: 14).

O argumento de que em uma democracia só pode haver continuidade caso

a desigualdade seja limitada e a miséria não castigue grande parte dos indivíduos

foi desenvolvido por Edmar Lisboa Bacha e Roberto Mangabeira Unger em

Participação, salário e voto: um projeto de democracia para o Brasil. Visando a

diminuir a nossa forte concentração de renda, previa que o financiamento deste

programa viria de uma revisão no sistema de imposto de renda, da criação de um

imposto sobre a riqueza líquida e da implementação do imposto sobre doações e

heranças.

Em 1991, o senador Eduardo Matarazzo Suplicy apresentou o projeto de

lei 80/91 que objetivava fornecer uma complementação de renda aos maiores de

25 anos com rendimentos mensais abaixo de um determinado patamar. O valor

dessa complementação seria de 30% da diferença entre sua renda e o patamar

considerado. Aqui a prioridade seria dada aos maiores de 60 anos. Suplicy

propunha, paralelamente à implantação desse programa, a supressão de grande

parte dos programas assistenciais, visto que ineficientes e perdulários. Chamava a

atenção para o fato de que a forma de garantir uma renda mínima aos adultos que

não conseguiam rendimentos para suas necessidades básicas era defendida pelos

mais diversos pensadores:

simples na sua concepção, este instrumento tem sido defendido por alguns dos

mais conceituados economistas de diferentes tendências, como John Kenneth

Galbraith, James Tobin, Robert Solow e Milton Friedman. Reconheço a

persistência do brasileiro Antonio Maria da Silveira, que o defende há vinte anos.

Edmar Lisboa Bacha e Roberto Mangabeira Unger já defenderam a sua

introdução, e Paul Singer também o tem defendido, na forma de um mínimo

familiar (Suplicy, 1992: 51).

Suplicy, ao encerrar a justificativa em defesa de seu projeto de lei,

pontuava as diversas tentativas que o país tinha feito para diminuir a miséria e

clamava que essa era uma rara oportunidade para se alcançar este objetivo:

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para uma sociedade que hoje se caracteriza por ser uma das que apresentam

disparidades sócio-econômicas das mais intensas e graves do mundo, que tem

repetidamente fracassado em suas tentativas de diminuir a pobreza e as

desigualdades, a determinação expressa de erradicar a miséria, e suas

consequências, deve constituir-se em vontade maior. Faz-se então necessária a

criação de um instrumento de política econômica que cumpra tal objetivo da

melhor e mais eficiente maneira (Suplicy, 1992: 53).

O artigo Pobreza e garantia de renda mínima, do economista José Márcio

Camargo, trouxe um novo enfoque à discussão. Sua preocupação estava em

estudar a elaboração de políticas sociais que, ao mesmo tempo em que reduzissem

a pobreza no curto prazo, diminuíssem a reprodução da pobreza também no longo

prazo. Camargo argumentava que “após mais de quatro décadas de crescimento

acelerado, a economia brasileira atingiu um nível de renda per capita bastante

acima daquele característico dos países considerados pobres” (Camargo, 1991).

No entanto, iniciávamos os anos 90 com o desafio de tirarmos da miséria quase

metade de nossa população. Haveria, segundo Camargo, cinco causas para essa

situação:

primeiro, a própria pobreza gera mecanismos que a reproduzem; segundo, as

enormes deficiências do sistema público de educação básica; terceiro, a

excessivamente concentrada distribuição da propriedade da terra; quarto, a

estrutura de incentivos fiscais e monetários que favorece os postos de trabalho

ocupados por trabalhadores mais qualificados, em detrimento dos postos de

trabalho ocupados por trabalhadores menos qualificados e, finalmente, a

legislação trabalhista, que incentiva a superexploração e relações de trabalho de

curto prazo para os trabalhadores não qualificados e desincentiva o investimento

em treinamento pelas empresas (Camargo, 1991).

Para o autor, uma característica marcante do nosso mercado de trabalho

seria o fato de que a pobreza do presente se refletiria em uma reprodução da

mesma no futuro. Ele enfatiza a presença de maus empregos em que, após 35 anos

de trabalho, o trabalhador receberia um salário semelhante a outro que viesse a se

integrar no mercado naquele momento. A perversa consequência desse fenômeno

seria que “uma criança que entra cedo no mercado de trabalho contribui com uma

parcela substancial da renda familiar. Ou seja, nas famílias pobres, o valor da

força de trabalho das crianças é maior que nas famílias ricas” (Camargo, 1991).

Ao entrarem cedo no mercado de trabalho, as crianças pobres sairiam cedo da

escola, obrigando-se a aceitar empregos em trabalhos que não exigem maiores

qualificações, reproduzindo assim a pobreza da geração anterior.

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Camargo defendia o seu apoio ao Programa de Renda Mínima do senador

Suplicy, que teria a vantagem de não “criar uma burocracia paralela para distribuir

bens e serviços que, no Brasil, nunca chegam realmente aos pobres” (Camargo,

1991). Apresenta, no entanto, duas sugestões. Na primeira, e pelas razões

explicitadas, Camargo não recomenda que o programa dê prioridade aos idosos.

Na segunda, preocupado com a dificuldade de se fiscalizar um programa deste

alcance, sugere a exigência de que os beneficiados tivessem todos os filhos

matriculados em escolas públicas. Essa exigência traria uma restrição ao projeto

do senador Suplicy, uma vez que só as famílias com filhos em idade escolar

teriam acesso ao benefício.

Fonseca ressalta que esse formato acabaria sendo a referência para os

primeiros programas de renda mínima no Brasil, porque a ideia de que eles

fossem condicionados “à obrigatoriedade de ingresso e permanência dos filhos,

em idade escolar, na rede pública de ensino representou uma mudança radical em

relação ao projeto original e ao debate da década de 1970” (Fonseca, 2001: 105).

É provável que as inseguranças econômicas e políticas do período que vai de 1991

a 1995 possam ter motivado o fato de que “entre o projeto de 1991 e as primeiras

experiências, em 1995, houve um vazio de iniciativas” (Fonseca, 2001: 109).

Ressalta, porém, que a formatação dos projetos legislativos que foram

apresentados a partir de 1995 trouxe o impacto dos programas que estavam em

execução em Campinas, Ribeirão Preto e Distrito Federal. O projeto do senador

Suplicy recebeu emendas em 1996 na Câmara de Deputados, sendo que algumas

delas “condicionam o recebimento da renda mínima à vinculação das crianças e

adolescentes à rede escolar, mas garantem o acesso aos cidadãos pobres e sem

filhos ou dependentes” (Fonseca, 2001: 109).

No final de 1997 foi sancionada a Lei n° 9.533, que dava autorização ao

poder Executivo para apoiar financeiramente programas de garantia de renda

mínima uma vez que estivessem associados a ações sociais e educativas. Esse

apoio seria dado aos municípios que não tivessem recursos para cobrir suas ações

integralmente. Tratava-se de um programa apoiado na ação dos municípios:

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é importante ressaltar que o modelo adotado, fortemente inspirado nas

experiências das instâncias subnacionais ou nas estratégias de combate à pobreza

no plano local, depende da adesão dos municípios que se enquadrem nos critérios

de seleção – os demais não contam com apoio financeiro – e requer, de todos os

municípios que atendem aos requisitos, a mesma contrapartida (Fonseca, 2001:

118).

As discussões em todo o mundo, nas últimas décadas, em relação a

programas de garantia de algum tipo de renda mínima, refletem algumas das

novas questões que vêm sendo criadas em função das modificações nas atividades

produtivas. Com efeito, os postos de trabalho, tendo em vista o surgimento e a

disseminação de novas tecnologias, não acompanharam o vertiginoso crescimento

dos níveis de produtividade que foram alcançados. Consequentemente, o acesso à

renda através do trabalho remunerado sofreu um declínio acentuado. Esse

desemprego continuado provoca, ao mesmo tempo, outro efeito perverso: o da

crise dos sistemas de seguridade social, uma vez que a quantidade de

contribuintes cai dramaticamente, e aumenta a base dos que deles dependem.

Assim, seja em decorrência do excedente de trabalho, da geração de postos de

trabalho precários, de trabalho com baixo grau de formalização contratual, e do

distanciamento das redes de proteção, ou da combinação destes elementos que

caracterizam as vulnerabilidades sociais, coloca-se a exigência de mecanismos

novos de proteção social. É nesse quadro da chamada crise da sociedade salarial

que o debate internacional sobre programa de renda mínima ganha vigor

(Fonseca, 2001: 122).

Samuel Pessôa ressalta a importância da condicionalidade, exigindo a

contrapartida dos beneficiários dos programas de transferência de renda:

eu acho que tem uma coisinha aqui muito importante, que é o seguinte: essa ideia

aqui do programa condicionado, a origem do programa condicionado de

transferência de renda, o objetivo não era diminuir a desigualdade no curto prazo.

A transferência de renda era muito pouco importante. O importante era educar as

crianças, pra que você tivesse pouca desigualdade, e pouca pobreza na geração

futura. É verdade que era bom você diminuir a desigualdade na geração presente.

Mas não importava: eu me lembro de ter participado de discussões em que algumas

pessoas na mesa diziam: a pessoa vai ganhar dinheiro e não vai querer trabalhar.

Vai gastar em cachaça e tal. Eu falava: Isso não me importa. O cara pode gastar

tudo em cachaça. Para mim, não faz a menor diferença. Isso não é nada importante.

O importante é que ele coloque os filhos na escola, e que o Estado dê escola

pública e de qualidade para essas crianças. Se eu conseguir isso, o programa é

100% bem sucedido. As pessoas tinham que dar uma contrapartida para a

sociedade, porque a ideia era o seguinte: que a sociedade não é responsável pela

desigualdade e pela pobreza. Responsável pela desigualdade e pela pobreza é todo

mundo. Inclusive o pobre. Consequentemente, se ele está ganhando algum

dinheiro, é importante que ele dê uma contrapartida pra sociedade, seja lá de que

forma for. Que ele faça trabalho social, que ele coloque o filho na escola. Não

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importa. Mas ele deveria dar uma contrapartida, porque senão, não fazia muito

sentido (Pessôa, 2013).

Para Pessôa, ainda existe uma clivagem, mas caminharíamos lentamente

para um consenso quanto à importância relativa maior da educação:

eu acho que a clivagem persiste. Eu acho que nos estudantes do mainstream esse

é um ponto pacífico. Acho que todo mundo concorda que isso, hoje, é um ponto

central. Mas eu acho que as pessoas que abraçam uma visão mais estruturalista

são críticas. Mas eu acho que, até nessas pessoas, nessa visão, há uma percepção

que, de fato, a educação tem uma importância maior do que se acreditava há 20,

30 anos atrás. Eu acho que lentamente está virando um consenso (Pessôa, 2013).

O filósofo e cientista social belga Philippe Van Parijs 34

é um importante

defensor dos programas de renda mínima. Considera que não é necessário ter

trabalhado, ter efetuado contribuições, estar passando por necessidades ou estar

em busca de emprego para ter direito a esta renda mínima. Seria uma renda básica

incondicional para todos os cidadãos. Van Parijs está apoiado nas ideias que

Thomas Paine 35

apresentou em Agrarian justice. Segundo Draibe, Paine é

frequentemente “lembrado como o primeiro defensor da ideia de um direito à

renda absolutamente incondicional” (Draibe, 1992: 265).

Paine defende a realização, a todas as pessoas, de um pagamento mínimo,

tendo em vista que: “every individual in the world is born therein with legitimate

claims on a certain kind of property, or its equivalent” (Paine, 2011: iii). Para

isso, propõe ao Diretório da Revolução Francesa a criação de um Fundo Nacional,

que objetivaria compensar a propriedade não recebida, bem como prover uma

renda adicional aos maiores de cinquenta anos:

to create a National Fund, out of which there shall be paid to every person, when

arrived at the age of twenty one years, the sum of fifteen pounds sterling, as a

compensation in part, for the loss of his or her natural inheritance, by the

introduction of the system of landed property: And also, the sum of ten pounds

per annum, during life, to every person now living, of the age of fifty years, and

to all others as they shall arrive at that age (Paine, 2011: 10).

Não deveria haver nenhuma condicionalidade para esses pagamentos, e os

que preferissem não recebê-los devolveriam o valor ao Fundo Nacional:

34

Philippe Van Parijs (1951- ) nasceu em Bruxelas. Possui doutorados em Ciências Sociais pela

Universidade Católica de Louvain e Filosofia pela Universidade de Oxford. 35

Thomas Paine nasceu em Thetford, na Inglaterra, em 1737 e morreu em Nova York, nos Estados

Unidos da América, em 1809. Teve participação nas revoluções americana e francesa, tendo sido

eleito para a Convenção em 1792. Escreveu Agrarian justice em 1795.

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it is proposed that the payments, as already stated, be made to every person, rich

or poor. It is best to make it so, to prevent invidious distinctions. It is also right it

should be so, because it is in lieu of the natural inheritance, which, as a right,

belongs to every man, over and above the property he may have created, or

inherited from those who did. Such persons as do not choose to receive it can

throw it into the common fund (Paine, 2011: 11).

Van Parijs considera que nas sociedades desenvolvidas o emprego é um

recurso escasso. Atualmente, os postos de trabalho estariam mal distribuídos e far-

se-ia necessário um tipo de pagamento para reparar esse problema:

le point de départ, ici, réside dans l’observation que dans nos sociétés fortement

organisées et technologisées une bonne partie de ce qui nous est donné l’est sous

la forme d’emplois. Dans nos sociétés, en effet, les emplois constituent des

ressources rares. [...] Cette rareté se manifeste de la maniére la plus évidente dans

le fait que, pour des raisons complexes et fondamentales, il existe dans nos

économies un important chômage involontaire. Mais elle se manifeste aussi dans

le fait que les emplois existants sont trés inégalement attrayants – que ce soit en

raison du revenu trés inegal qui leur est attaché, des possibilités de promotion qui

leur sont liées ou de leurs caractéristiques intrinsèques - de telle sorte que certains

préféreraient à leur propre emploi celui occupé par d’auters, qu’ils en soient

exclus du fait qu’ils ne disposent pas des talents ad hoc ou pour toute autre raison.

Cette rareté des emplois – globalement ou pour les catégories d’emplois les plus

attrayantes – peut aussi s’exprimer en disant qu’il existe de rentes d’emploi - et

de rentes autrement massives que celles qui apparaissent sous la forme d’héritage

– qui sont aujourd’hui appropriées, du reste de manière très inégale, par ceux-là

seuls qui ont un emploi (Van Parijs, 1996: 39).

Assim como Paine, Van Parijs crê ser legítimo o recebimento de uma

prestação universal, baseada na existência de um patrimônio comum. Seu

raciocínio afasta a necessidade de se observar a crise que, a partir dos anos 1970 e,

com mais intensidade a partir da década de 1990, vem minando os Estados de

bem-estar social das nações mais desenvolvidas. A implantação de uma renda

mínima pessoal não dependeria de crises para justificar sua implantação.

Van Parijs esteve presente na formação da agenda do combate à pobreza

no Brasil. Conforme o depoimento de Suplicy:

em 1996, levei o Professor Philippe Van Parijs, filósofo e economista que tão

bem tem defendido a Renda Básica de Cidadania, para uma audiência com o

Presidente Fernando Henrique Cardoso e o Ministro da Educação, Paulo Renato

Souza; presente, o Dep. Nelson Marchezan, um daqueles proponentes. Van Parijs

salientou que o objetivo melhor seria a renda básica incondicional, mas que se

iniciar a garantia da renda mínima associando-se às oportunidades de educação

era um bom passo, pois estaria relacionando-a ao investimento em capital

humano. Foi então que o Presidente Fernando Henrique Cardoso deu o sinal

verde para que fosse aprovada a Lei 9.533, de 1997, que autorizava o governo

federal a conceder apoio financeiro, de 50% dos gastos, aos municípios que

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instituíssem programa de renda mínima associado a ações socioeducativas (Silva

e Silva, 2012: 237).

Fonseca ressalta as diferenças entre os novos pobres europeus e os pobres

brasileiros. Na Europa, a imagem dos pobres, em função da expulsão da mão de

obra mais qualificada do mercado de trabalho, não é a de idosos, incapazes, ou de

baixa escolaridade e qualificação. Esse estoque de adultos qualificados e

residentes em áreas economicamente pujantes aumenta a quantidade de pobres.

Ao lado deles estão os jovens, parcial ou definitivamente excluídos do mercado de

trabalho. Quanto ao Brasil,

observa-se que aqui não se alude à desestruturação do mercado de trabalho, com

altas taxas de desemprego, à geração de postos de trabalho precários, às

ocupações subcontratadas, à exclusão do mercado de trabalho de um importante

contingente da população ativa. Certamente, entre nós, não se trata apenas destes

novos pobres – nossa pobreza não é nova e jamais foi residual (Fonseca, 2001:

139).

A partir dos anos 1980 vários países da Europa estudaram a utilização de

programas de renda mínima no combate à pobreza. Em 24 de junho de 1992, uma

Recomendação das Comunidades Europeias (92/441/CEE) menciona os critérios

comuns que se relacionam com os recursos e sistemas de proteção social. É

recomendado aos Estados-membros que

reconheçam, no âmbito de um dispositivo global e coerente de luta contra a

exclusão social, o direito fundamental dos indivíduos a recursos e prestações

suficientes para viver em conformidade com a dignidade humana e,

consequentemente, adaptem o respectivo sistema de protecção social, sempre que

necessário, segundo os princípios e as orientações a seguir expostos (CCE, 2011).

A implementação desse direito deveria seguir algumas orientações

práticas: fixar, em função do nível de vida e do nível de preços no Estado-membro

considerado, e para diferentes tipos e dimensões de agregados familiares, o

montante dos recursos considerados suficientes para uma cobertura das

necessidades essenciais no respeito à dignidade humana; adaptar ou completar os

montantes de forma a satisfazer necessidades específicas; definir modalidades de

revisão periódica desses montantes, de acordo com indicadores claramente

definidos, para que continue a ser assegurada a cobertura das necessidades (CCE,

2011).

Fonseca observa que a grande maioria dos países da Europa conta com

programas de garantia de renda mínima. Essas experiências são variadas e se

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diferenciam principalmente pelas condições de acesso, tais como a nacionalidade,

a idade, a residência etc. Também não são uniformes a fórmula de cálculo do

benefício e as contrapartidas exigidas. Os programas são complementares, pois

não são substitutivos de outros direitos sociais.

O valor da renda mínima é definido a partir da renda do demandante, se for uma

pessoa só; ou de sua renda e dos demais membros de sua família. Assim, a

complementação permite que o indivíduo ou o grupo familiar atinjam o patamar

mínimo de renda. Essa é a forma de garantir a cada individuo, ou a cada grupo

familiar, um rendimento adequado ao atendimento de suas necessidades

(Fonseca, 2001: 151).

Essa política de distribuição de recursos monetários aparece, em todos os

países, associada a outros benefícios e serviços. Entre eles estão a assistência

médica, subsídios para a habitação e políticas de formação e qualificação

profissional. Esses programas são universais, pois se destinam a todos que se

encontram abaixo de certo patamar de renda, ou que estiverem passando por

dificuldades decorrentes de insuficiência de renda.

A renda é um direito, e o cidadão ou cidadã podem requerer o acesso à renda; ao

direito à renda estão associadas outras prestações e serviços, indicando a

compreensão de que a pobreza tem outras formas de expressão, além da renda; a

renda é um direito constitucional no sentido que depende de certos pré-requisitos

ou da aceitação de certas condições (disponibilidade para o trabalho, contrato de

inserção). Lembrando das posições em debate, e tendo em conta os programas em

curso, verifica-se uma grande diversidade tanto no debate como nas experiências

em desenvolvimento (Fonseca, 2001: 152).

Essa constatação, no entender de Fonseca, não obscurece a distância entre

essas posições e as experiências então em andamento no Brasil. A principal

diferença estaria na focalização nas famílias pobres, residentes há alguns anos em

alguns dos mais de cinco mil municípios brasileiros, com crianças e adolescentes,

contrariamente à universalização da experiência internacional.

Nossos programas, mesmo que no presente minorem as condições de privação de

algumas famílias, são para o futuro – para que a pobreza de hoje não estimule a

de amanhã, e deixam à margem milhões de brasileiros. Nossos programas

pretendem combater a pobreza, evitando o trabalho infantil e aumentando o grau

de escolaridade das crianças e adolescentes das famílias pobres residentes em

alguns municípios. A ideia que os sustenta é que a elevação do nível de

escolaridade das crianças e dos adolescentes das famílias beneficiadas lhes dará

melhores condições de geração de renda, rompendo, dessa maneira, com a

reprodução intergeracional da pobreza (Fonseca, 2001: 152-153).

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5.3. O pioneirismo das unidades subnacionais no combate à pobreza

Em Campinas, foi criado através da Lei n° 11.471, de 03/03/1995, o

Programa de Garantia de Renda Familiar. Esse programa, dirigido às famílias em

situação de extrema pobreza e que tenham em sua composição crianças e

adolescentes, considerava elegíveis as famílias que tivessem filhos entre zero e 14

anos, ou maiores desde que portadores de deficiências físicas ou mentais que os

incapacitem para o trabalho; residissem em Campinas há pelo menos dois anos da

data da publicação da lei; tivessem renda mensal inferior a R$ 35,00 por pessoa da

família; concordassem em atender às obrigações estabelecidas em um Termo de

Responsabilidade e Compromisso.

O Termo de Responsabilidade e Compromisso, assinado pelos responsáveis pelas

famílias que atendam aos critérios estabelecidos, tem por finalidade, no desenho

do Programa, comprometê-los na garantia da frequência das crianças e

adolescentes nas escolas, no atendimento regular à saúde dessas crianças e

adolescentes e na sua não permanência nas ruas. Pelo Termo, o responsável

familiar também se compromete a participar de uma reunião mensal (Fonseca,

2001: 157).

O Programa do Distrito Federal, Bolsa Família para a Educação, foi

instituído pelo Decreto n° 16.270, de 11 de janeiro de 1995, e regulamentado pela

Portaria n° 16, de 9 de fevereiro de 1995. Pelas regras do programa, seriam

elegíveis as famílias que tivessem crianças entre 7 e 14 anos de idade; cuja renda

familiar per capita fosse inferior a meio salário mínimo; que residissem há pelo

menos cinco anos no Distrito Federal; que tivessem as crianças em idade escolar

matriculadas na rede pública de ensino.

“O programa Bolsa Família para a Educação (Bolsa Escola) determina que as

mulheres sejam responsáveis pela família e apenas em situações especiais essa

atribuição pode recair sobre os homens. O suposto é que a mulher zelará melhor

pelos interesses da família. As mulheres, sobretudo as mães, agiriam de forma

menos egoísta, individualista e assim os recursos estariam em ‘boas mãos’ e os

compromissos previstos nos termos de responsabilidade seriam cumpridos. É

certo que se esta pode ser uma boa percepção no plano da cultura, embora pareça

fundada na natureza ou na biologia, ela passa ao largo de questões cruciais como

as hierarquias, as distribuições de poder no interior das famílias” (Fonseca, 2001:

165).

Um terceiro programa implementado em 1995 foi o programa de garantia

de renda Familiar Mínima do município de Ribeirão Preto, instituído pela Lei n°

7.188, de 28 de setembro de 1995 e pelo Decreto n° 283, de 19 de dezembro de

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1995. Esse programa tinha como objetivos manter as crianças e adolescentes nas

escolas e creches; combater o trabalho infantil e a desnutrição; reduzir a

mortalidade infantil e garantir oportunidades iguais para crianças e adolescentes

portadores de deficiências. As condições de elegibilidade das famílias eram que:

tivessem filhos ou dependentes entre 0 e 14 anos; residissem em Ribeirão Preto há

pelo menos cinco anos; tivessem renda mensal inferior a R$ 240,00; estivessem

dispostas a atender às obrigações estabelecidas em Termo de Responsabilidade e

Compromisso.

O combate à pobreza na década de 1990 teve, portanto, início em

municípios. Tal fato está aliado à ideia de eficiência, mais do que à de

disponibilidade de recursos. De acordo com Sonia Rocha,

o gasto social no Brasil – que inclui a totalidade dos gastos da previdência, da

saúde, da educação – equivale a cerca de 20% do PIB. É evidente que a

persistência da pobreza não está vinculada à insuficiência do gasto público, e que,

por consequência, não se trata apenas da mobilização de recursos adicionais, mas

de mudança na natureza do gasto social e da melhoria da sua eficiência, em geral

(Rocha, 2003: 192).

Para Rocha a focalização deve levar em conta que, por existirem

desigualdades de distribuição de renda, a operação deveria ter prioridades

claramente definidas:

adotar o combate à pobreza como bandeira política consequente requer a

reestruturação do gasto social, em geral, e o redesenho dos mecanismos voltados

especificamente ao atendimento dos pobres. Implica ainda que os mecanismos de

financiamento do gasto público levem em conta, explicitamente, as desigualdades

da distribuição de renda no país. Especificamente, na operacionalização de

políticas antipobreza, é indispensável concentrar o uso de recursos, antigos ou

novos, em políticas de objetivos claros e focalizados em populações bem

definidas. É essencial priorizar o atendimento aos mais pobres, mas garantindo a

eficiência operacional, tanto de medidas assistenciais, que apenas amenizam os

sintomas presentes na pobreza, como daquelas que têm o potencial de romper de

forma definitiva o círculo vicioso da pobreza (Rocha, 2003: 193).

5.4. O programa Bolsa Família e a interrupção do ciclo intergeracional de reprodução da pobreza

Fica clara a mudança que tem ocorrido nas últimas duas décadas na agenda

dos direitos sociais no Brasil. Passamos das garantias aos trabalhadores urbanos

com carteira assinada para garantias a um contingente até então excluído, o

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daqueles que fazem parte dos cadastros de pobreza. O Bolsa Família é a

consolidação de diversos programas de transferência de renda focalizada que

foram iniciados, na esfera federal, no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Trata-se de um programa de transferência direta de renda que beneficia famílias

em situação de pobreza e de extrema pobreza e que atende mais de 14 milhões de

famílias (Ismael, 2014).

A condição de aliar a transferência de renda à ideia de melhorar a

educação dos dependentes dessa ajuda estava clara nos programas pioneiros.

Percebe-se que não prosperou, no fortalecimento da agenda das políticas sociais

no combate à pobreza no Brasil, o viés da transferência incondicional de renda.

Com o Programa Bolsa Família, implantado no governo Lula, a exigência de

presença nas escolas públicas consagrou a linhagem de pensamento que defendia

a necessidade de se melhorar a educação das famílias pobres para se tentar

quebrar o ciclo da pobreza.

O Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à educação - Bolsa

Escola Federal (Brasil, 2001) foi criado no segundo governo Fernando Henrique

Cardoso através da Lei nº 10.219, de 11 de abril de 2001. Inspirado em

experiências similares que tiveram início em Campinas, Distrito Federal e

Ribeirão Preto, tinha como objetivos declarados assegurar a educação para

crianças de baixa renda e realizar transferências diretas condicionadas de renda.

Foram criados apenas dois parâmetros, faixa etária e renda, visando a

disponibilizar o benefício para todos que se enquadrassem na linha de

atendimento.

Sendo assim, todas as crianças entre 6 e 15 anos que frequentassem o

ensino fundamental e cujas famílias tivessem renda per capita de até R$90,00

poderiam receber o benefício do Bolsa Escola Federal. Foi dada também

importância aos municípios. Os municípios que quisessem adotar o Programa

Nacional de Bolsa Escola assinariam um termo de adesão e cadastrariam todas as

famílias que tivessem direito ao benefício. É importante salientar que o programa

não exigia contrapartida financeira dos municípios.

O Programa Bolsa Família (Brasil, 2004) foi criado no primeiro governo

Lula através da Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004. O Programa tinha por

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finalidade a unificação dos procedimentos de gestão e execução das ações de

transferência de renda do Governo Federal, tais como o Programa Nacional de

Renda Mínima vinculado à Educação - Bolsa Escola; o Programa Nacional de

Acesso à Alimentação; o Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à Saúde

- Bolsa Alimentação; o Programa Auxílio-Gás; e o Cadastramento Único do

Governo Federal, todos esses instituídos nos governos Fernando Henrique

Cardoso.

O programa apresentava como condicionalidades na área da educação a

obrigatoriedade de matricular as crianças e adolescentes de 6 a 15 anos em

estabelecimento regular de ensino e garantir a frequência escolar de no mínimo

85% da carga horária mensal do ano letivo. As condicionalidades na área da saúde

para gestantes e nutrizes eram inscrever-se no pré-natal, comparecer às consultas

na unidade de saúde mais próxima da residência e participar das atividades

educativas ofertadas pelas equipes de saúde sobre aleitamento materno e

promoção da alimentação saudável. Os responsáveis pelas crianças menores de 7

anos deveriam levar a criança às unidades de saúde ou aos locais de vacinação e

manter atualizado o calendário de imunização.

Conforme Ricardo Ismael, essas condicionalidades visavam a atender dois

objetivos principais: “reduzir a pobreza no Brasil, especialmente a pobreza

extrema, através de transferências monetárias, e interromper o ciclo

intergeracional de reprodução da pobreza, através das condicionalidades de saúde

e, muito especialmente, de educação” (Ismael, 2014).

Celia Lessa Kerstenetzky, em Redistribuição e desenvolvimento? A

economia política do Programa Bolsa Família, considera que houve efetiva

contribuição do Programa para a redução da pobreza:

as transferências representaram [...] um importante mecanismo de alívio à

pobreza para famílias muito pobres e podem ter tido efeitos significativos sobre a

subnutrição infantil. De fato, estima-se que 87% das transferências foram

utilizadas pelas famílias para comprar alimentos (Kerstenetzky, 2009: 58).

Também em relação à desigualdade de renda, Kerstenetzky vê influência

positiva do nosso programa de transferência direta de renda:

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depois de oscilar por décadas em torno de um coeficiente de Gini de 0,60, a

desigualdade na distribuição pessoal da renda no Brasil vem cedendo de modo

inequívoco ao longo dos últimos seis anos (2001-2006), alcançando em 2006 um

Gini de 0,56, o que representa uma variação negativa de 6%. [...] O efeito

significativo sobre a desigualdade total pode então ser atribuído ao fato de que

um número substancial de pessoas na cauda inferior da distribuição está

complementando sua diminuta renda com esses benefícios monetários

(Kerstenetzky, 2009: 56-57).

Também Marcelo Neri, em O Rio e o novo federalismo social, comenta a

importância do programa para a redução da pobreza e da desigualdade de renda:

durante seus nove anos de existência, o programa BF passou por expansões e foi

alvo de uma séria de estudos empíricos, que demonstraram seu elevado grau de

focalização e um forte impacto na pobreza e na desigualdade de renda propiciado

pela estrutura e capacidade do programa de chegar aos mais pobres (Neri, 2012:

477-479).

No entanto, Neri vê deficiências flagrantes na qualidade do nosso ensino

na faixa etária-objeto do programa. Creio que esse é um óbice quando pensamos

no objetivo de quebrar o ciclo intergeracional de reprodução da pobreza:

dados o desempenho brasileiro e as estatísticas de frequência escolar e tempo de

permanência na escola para essa faixa etária, percebe-se que o grande problema

da educação fundamental brasileira é a qualidade, e por trás dela, a gestão

escolar, a proficiência dos alunos e a jornada escolar insuficiente (Neri, 2012;

482).

Para Lena Lavinas, a importância maior do Bolsa Família é na redução da

indigência:

o Bolsa Família tem impacto relativamente modesto em retirar da pobreza seus

beneficiários. Mas sua incidência na redução da indigência é significativa e

valiosa. É um Programa que pode ser aprimorado, antes de mais nada tornando-o

um direito de todos que preenchem os requisitos de elegibilidade (Lavinas, 2010).

Quando nos referimos ao custo para a sociedade do Programa Bolsa

Família, constatamos que seu peso relativamente ao PIB é baixo. “O Programa

Bolsa Família custou em 2013 aproximadamente 0,5% do PIB (R$

23.997.460.000,000), e contemplava em dezembro de 2013 um total de

14.086.199 famílias” (Ismael, 2014). Esse valor equivale a uma transferência

direta mensal média de aproximadamente R$ 142,00. Sem dúvida, temos muito

espaço para avançarmos nos valores do Programa. A questão é como melhorar a

inércia na melhora do ensino para quebrarmos o ciclo intergeracional de pobreza.

“A constatação de que a pobreza extrema pode tornar-se residual no país, até o

final dessa década, deve ser comemorada. Mas isso não significa que a sexta

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economia do mundo já mobilizou os meios necessários para a erradicação da

pobreza no Brasil” (Ismael, 2014).

Papel importante devem ter as instancias subnacionais. Marcelo Neri

lembra que durante o governo Dilma “até maio de 2012, nove parcerias distintas

haviam sido firmadas entre estados e o governo federal em torno de programas

complementares de combate à pobreza" (Neri, 2012: 469). No entanto, “no

Programa Bolsa Família predomina a parceria entre o governo federal e as

prefeituras, de modo que são estas unidades subnacionais que recebem a maior

parte de recursos da União relativas ao PBF” (Ismael, 2014). A descentralização é

fundamental para garantir eficiência ao Programa, mas a parceria com os estados

deveria ser priorizada, uma vez que também cabe a estes a responsabilidade pelo

ensino fundamental.

De acordo com Samuel Pessôa, o programa Bolsa Família não é uma

garantia de autonomia futura, mas um passo nesse sentido. No entanto, considera

que a saída para as famílias na pobreza é a educação de qualidade:

eu acho que ele é um elemento importante, imprescindível. Acho que é um

programa, uma política pública maravilhosa. Eu não gosto dessa história (de)

“precisa ter uma porta de saída”. O Bolsa Família é para aliviar as pessoas de

uma situação de pobreza muito extrema. As pessoas aliviaram, elas já vão ser

melhores. Elas já vão ser melhores mães, melhores pais, só por terem aquilo ali.

A porta de saída do Bolsa Família, no meu entender, é a educação básica de

qualidade. Não mudou nada. É a educação. Eu acho que a única saída para

autonomia, para desenvolvimento econômico, para igualdade, é educação

(Pessôa, 2013).

Pessôa vê inúmeros aspectos positivos no Programa, como a focalização, o

baixo custo e o pequeno índice de fraudes:

eu acho é que o Bolsa Família é um instrumento importante pra que as famílias

que estejam na linha de pobreza tenham um fôlego para se organizarem melhor. E

tocarem melhor a sua vida. Nesse sentido, eu acho que é um programa muito bem

sucedido. É um programa barato, que vai nas pessoas certas. Acho que a fraude é

pequena, e, até hoje, eu não vi nenhum efeito ruim do Bolsa Família (Pessôa,

2013).

Quanto às críticas das quais Pessôa tomou conhecimento, relativas a uma

possível redução na oferta de trabalho, considera que não há nenhum aspecto

negativo, nem mesmo pelo fato de algumas mães optarem por cuidar de seus

filhos ao invés de ingressar no mercado de trabalho:

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há pessoas que dizem que há algum sinal de reduzir oferta de trabalho. O que eu

vi, o Bolsa Família reduz oferta de trabalho feminino. Como os salários de

pessoas com essa qualificação, de pessoas foco do programa, é muito baixo, o

custo de oportunidade de você parar de trabalhar e ficar em casa é baixo. Agora,

se você é mãe, parou de trabalhar e ficou em casa cuidando dos filhos, talvez seja

isso que eu queira que aconteça. O salário que você comanda, no mercado, é tão

baixo, que a melhor coisa que você pode fazer é ficar próxima dos seus filhos. E

isso vai ser para o país, a longo prazo, melhor, porque crianças que cresceram

com a mãe em casa recebendo o Bolsa Família e o pai trabalhando, do que o pai e

a mãe fora e a criança mais solta. Então, nem nesse aspecto eu consigo ver um

efeito ruim do Bolsa Família (Pessôa, 2013).

Apesar disto, considera que o programa pode ser melhorado, mas sem a

preocupação com uma “porta de saída”. Insiste que a solução é uma boa escola:

eu acho que a gente pode é pensar maneiras de melhorar esses programas. Eu

acho de tudo o que eu conheço que eu vi até hoje, o programa Bolsa Família só

tem efeitos positivos. Isso não quer dizer que ele não possa ser melhorado. Eu

não acho que a gente tem que pensar uma porta de saída pra ele. Isso eu acho

errado. Acho que é um programa de compensação. Tem gente que vai ficar a vida

toda. E tudo bem. Eu acho que a porta de saída do programa Bolsa Família é uma

escola boa para os filhos daquelas famílias. Para quebrar o círculo vicioso da

pobreza (Pessôa, 2013).

Pessôa comenta ainda sua experiência quando trabalhou com o governo do

Ceará, e a resistência que encontrou ao tentar implantar um sistema que premiasse

o mérito na educação:

agora, para que isso seja mais eficiente, a gente pode pensar coisas. Quando eu

estava lá com o Tasso, o Tasso tinha muita preocupação. E tem muita evidência

anedótica de que o Bolsa Família reduz oferta de trabalho no sertão. “Mas

Samuel, não tem alguma coisa que a gente possa fazer, pra melhorar? Um 2.0?”.

Acho que tem. Bolei um programa que seria um 2.0, que seria assim: já tem o

Bolsa Família. Os grupos que ganham Bolsa Família 1 vão ser elegíveis a um

Bolsa Família 2.0. A gente vai dobrar o benefício para as crianças progredirem

mais rápido na prova Brasil. Então a ideia era: você tem o básico, continua do

mesmo jeito, igual, não muda nada. E a gente vai criar outro por mérito. Ele

gostou, fizemos projeto de lei. Quando mandamos projeto de lei, as pedagogas

“caíram de pau”: “É competição! A gente quer formar cidadãos autônomos!

Vocês vão trazer a competição pra dentro da escola, que coisa feia! O aluno agora

vai estudar só porque vai ganhar dinheiro, não! Ele tem que estar imbuído”.

Aquela visão romântica que pedagogo tem. Depois, eu vi uns trabalhos, você

tentou isso de dar dinheiro nos Estados Unidos. Não funcionou muito porque,

nessas famílias, o desconhecimento é tão grande que você oferece dinheiro para o

cara que for bem na prova, não funciona, porque o cara não sabe o que ele tem

que fazer para ir bem na prova. Uma loucura (Pessôa, 2013).

Pessôa vê na nossa dificuldade de assumirmos nossos erros um grande

entrave para o nosso desenvolvimento:

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aí surgiu uma alternativa que é o seguinte: não era dar dinheiro para o cara que ia

bem na prova. Você dava dinheiro para o cara que lia livro. Quer ler o livro?

Você lê, depois você tem que preencher um questionário. Pagava para os caras

lerem livro. E aí esse programa deu um impacto legal. Porque ler livro é uma

coisa que o cara “saca”. “É, tem que ler”. O cara lia, respondia lá uma prova.

Você percebia, fazia umas questões que o cara tinha que ler. E a gente sabe que

ler é superlegal. Quem lê muito vai bem na escola. Em qualquer matéria, em

qualquer coisa. É muito difícil alguém ser um bom leitor e não ser um bom aluno.

É raríssimo. É uma coisa que é correlacionada com o aprendizado, e que o cara

sabe fazer. Ele sabe o caminho que ele tem que fazer para conseguir. Então, eu

acho que coisas assim a gente tem que pensar. Eu sou um economista liberal, da

tradição smithiana. Eu acho que o subdesenvolvimento está dentro da casa das

pessoas. Ele não está nos Estados Unidos, que explora a gente, ele não está no

capitalismo, o subdesenvolvimento está dentro de casa. E se a gente não criar um

mecanismo de mudar a casa, é muito difícil quebrar o círculo vicioso da pobreza

(Pessôa, 2013).

De acordo com Camargo, só no final de 2003 e, mais especificamente, em

2004 é que o governo Lula faria a unificação daqueles programas. Uma das

marcas do governo é a universalização do programa. Camargo relata como vê a

forma com que se deu essa unificação e, ao mesmo tempo, faz uma análise crítica

do atual estado do programa:

na verdade essa unificação tem uma história. Essa história é muito engraçada.

Realmente, eu e André Urani e tinha mais um. Ricardo Enriques que foi quem

chamou essas pessoas, dizendo: “Escuta, vamos ver como é que a gente faz com

esses programas todos que tão aqui?”. E eu e o Chico tínhamos escrito um artigo,

e nesse artigo, a gente propunha a universalização do programa. A gente tinha

proposto um Benefício Social Único. “Vamos fazer aquilo que a gente propôs lá

no artigo, “cara”. Ótimo. Lá atrás, a gente conseguiu operacionalizar o Bolsa

Escola, e agora a gente vai operacionalizar o Benefício Social Único, onde todo

mundo ganha”. A posteriori, foi um erro. Para mim, foi um erro. Por que é que foi

um erro? Porque você tirou completamente a importância da educação. Quase

toda a importância, hoje, está na transferência de renda. O programa é bom

porque reduz a desigualdade. O programa é bom porque diminui pobreza. O

programa não é bom porque educa mais as crianças. O programa é bom porque

diminui a desigualdade e diminui a pobreza. Que era exatamente o que eu queria

evitar com a ideia do programa condicionado. Colocar a criança na escola. Então

virou um programa assistencialista, como outro qualquer. O cara ganha remédio.

Ganhar remédio é igual a colocar o filho na escola. Mas a ideia do programa é

que não é igual! A ideia do programa, do Bolsa Escola, é que colocar o filho na

escola é que fundamental. A notícia que eu tenho é que as escolas são péssimas.

O passo seguinte era: melhorar as escolas públicas. Que não foi dado. Por que

não foi dado? Não foi dado porque se passou a gastar dinheiro com outras coisas.

Você tem 35 tipos diferentes de bolsa. É remédio, é idoso, é penitenciário, é

prostituta, não sei, virou um programa assistencialista como outro qualquer! A

ideia aqui era evitar o assistencialismo. Essa é que era a novidade do programa

condicionado. Era evitar o assistencialismo dos programas de transferência de

renda. E acabou caindo no assistencialismo. Tanto que a ideia inicial era a

seguinte: toda família que colocasse todos os seus filhos em escolas públicas

tinha o direito ao programa. Todos os filhos em escola pública. Sem corte de

renda. Todas as famílias que colocassem todos os seus filhos. Não são um, dois,

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três. Tem dez filhos, tem que colocar os dez em escolas públicas. Mesmo os

ricos. Esse é o ponto. Tem que colocar todas. O objetivo não é combater pobreza.

O objetivo é colocar as crianças na escola e forçar o governo a melhorar a escola

pública. Então o objetivo era esse, mas foi desvirtuado. Porque na hora que você

juntou tudo, você perdeu o foco na educação. Agora é tudo junto. É tudo a mesma

coisa. Transferência de renda passou a ser o objetivo do programa (Camargo,

2013).

Em entrevista recente, Cristovam Buarque fez algumas críticas em relação

à forma como o programa foi implementado, criticando a escolha do nome e a

forma como tem sido gerenciado:

o nome em primeiro lugar. A Bolsa Escola era diferente da Bolsa Família.

Quando a mãe recebia a Bolsa Escola, pensava: “eu recebo este dinheiro para que

meu filho vá à escola, e pela escola a gente vai sair da pobreza”. Quando ela

recebe a Bolsa Família, pensa: “eu recebo este dinheiro porque a minha família é

pobre, e se eu sair da pobreza eu perco”. Foi um erro grave do Lula, do ponto de

vista conceitual, embora um acerto do ponto de vista eleitoral. Portanto, primeiro,

o nome. Segundo, a gestão. A gestão, no meu governo e no do Fernando

Henrique, quando ele expandiu o programa, era ligada ao Ministério da

Educação. Isso dava uma dimensão educacional forte ao programa. Terceiro, foi

misturar a Bolsa Escola, que era um programa vinculado à educação, com vale-

alimentação, vale-gás. Ao misturar, não tem diferença entre a bolsa ir para uma

família com criança ou sem criança. Perdeu-se, portanto, a conotação

educacional. Primeiro formulei o Bolsa Escola quando era reitor. Depois, como

governador, a ideia ao implementá-lo é de que duraria 11 anos, que era o tempo

que a criança iria da primeira série até a última do segundo grau. Aí não mais

precisaria da bolsa. É preciso lembrar também que eram dois programas que eu

deveria ter chamado por um nome só — foi um erro do marketing. Bolsa Escola

não era só uma ajudazinha, não, era um salário mínimo por mês, contra a

presença da criança na escola. Mas tinha outro, que era um depósito, uma vez por

ano, se o aluno passasse de ano, e que ele só receberia se terminasse o segundo

grau. Esses dois juntos é que eu acho que segurariam o menino até o final do

ensino médio. Investimos muito em educação, em salário e formação de

professor, em construção de escolas, ensino à distância para os professores,

embora naquela época não ainda para crianças. A meu ver, tudo isso ia fazer um

Bolsa Escola libertador. Nós, hoje, temos um Bolsa Família assistencial. Essa é a

grande diferença: de libertador, de emancipador, para assistencial. Criou-se essa

situação do Bolsa Família, que é necessária, da maneira como é não é mais

possível extingui-la. Eu tenho dito que se acabássemos o Bolsa Família, hoje,

seria um crime contra a humanidade. Se daqui a 20 anos ainda tiver Bolsa Família

é porque cometemos um crime contra o Brasil, não conseguindo libertar o país

dessa necessidade (Buarque, 2013: 307).

Os programas de transferência de renda condicionados à presença dos

filhos nas escolas, seja sob a perspectiva do PSDB, com o Bolsa Escola Federal,

seja na perspectiva do PT, com o Bolsa Família, contemplam os argumentos

fundamentais da Teoria do Capital Humano. O Programa Bolsa Família, ao

condicionar o recebimento dos benefícios às famílias que cumprirem exigências

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que dizem respeito à educação e à saúde, procura reduzir a pobreza extrema,

assim como interromper o vicioso ciclo intergeracional de pobreza.

Observamos que somente a universalização da frequência escolar não tem

produzido resultados que nos permitam vislumbrar a quebra do ciclo mencionado.

Há que se investir na melhoria da qualidade do nosso ensino básico, e esse

investimento provavelmente está mais ligado à melhoria da gestão do que à

necessidade de mais recursos financeiros.

O Programa Bolsa Família é o estágio atual de políticas sociais de

transferência direta focalizadas nos pobres. Essas políticas começaram na década

de 1990 em algumas unidades subnacionais e se expandiram para o Governo

Federal. É possível que uma descentralização que levasse a uma maior atuação

dos governos estaduais e municipais, responsáveis pela educação fundamental,

nos auxiliasse a alcançar o objetivo da quebra do ciclo intergeracional de pobreza.

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6. Conclusões

Após a Segunda Guerra Mundial, um grupo de economistas norte-

americanos desenvolveu um programa de pesquisas que acabaria por formalizar

os estudos sobre o capital humano. Procuraram entender como o capital humano

podia explicar as diferenças entre os crescimentos econômicos de diversos países,

bem como a influência da educação na distribuição de renda. Era uma situação

nova, uma vez que até meados do século passado muitos economistas resistiam à

ideia de uma análise econômica da educação, ao mesmo tempo em que viam

problemas em considerar o trabalho mais qualificado como uma forma de capital.

Quando o interesse nos efeitos do capital humano voltou na década de

1950, o foco era na contribuição da educação para o crescimento econômico, bem

como no investimento em educação em países menos desenvolvidos e nas

desigualdades de rendimentos entre os trabalhadores. Uma questão que passou a

ser questionada era: se a habilidade das pessoas aparecia estatisticamente sob a

forma de uma curva normal, por que a distribuição de renda também não aparecia

dessa forma, mas sim com profundas desigualdades? Em sua tese de doutorado,

Mincer foi o pioneiro dos estudos que explicitavam o efeito da experiência e do

treinamento na distribuição de renda.

Em sua análise, Mincer mostrou que dentro de uma mesma ocupação, a

desigualdade de rendimentos aumenta com a idade, o nível de escolaridade e o

tipo de ocupação, e aumenta mais nas profissões que exigem maiores

conhecimentos, sejam esses adquiridos na escola ou no próprio trabalho.

Schultz chamava a atenção para o fato de que o crescimento econômico

observado nas sociedades ocidentais era superior ao crescimento em terras, horas

trabalhadas e reprodução de capital. O investimento em capital humano seria a

explicação para isso. Becker foi um pioneiro na utilização de análises econômicas

no comportamento humano em diversas áreas como discriminação, casamento,

relações familiares e educação. Human capital: a theoretical and empirical

analysis, with special reference to education é o seu estudo clássico de como os

investimentos na educação e no treinamento dos indivíduos têm importância

similar aos investimentos em equipamentos.

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Para Becker, aquilo que se tem chamado de estudos atuais sobre o capital

humano começou no entorno dos anos 1960. Cita, entre seus fundadores,

Theodore Schultz, Jacob Mincer, Milton Friedman e outros que, de alguma forma,

estavam ligados à Universidade de Chicago. Becker vê como capital humano

elementos ligados à educação, à saúde e aos valores, que não podem ser separados

do indivíduo. A racionalidade do investimento no capital humano é exemplificada

por Becker ao comentar as mudanças ocorridas na educação das mulheres nos

Estados Unidos. Antes dos anos 1960, as mulheres não se faziam representar

proporcionalmente em profissões ligadas às matemáticas, ciências, economia e

direito, e tendiam a serem professoras, profissionais na área de línguas

estrangeiras, literatura e economia doméstica.

De acordo com Becker, foi o aumento da produtividade da força de

trabalho e dos meios de produção que se seguiu ao avanço da ciência e da

tecnologia nos séculos XIX e XX o principal fator de elevação da renda per capita

em diversos países. Esse aumento de produtividade demonstrava o valor da

educação, do treinamento no trabalho e de outros elementos do capital humano.

Seria vital, para os interesses de países como o nosso, o investimento no capital

humano, porque essas novas tecnologias teriam pouca influência nos países que

tivessem poucos trabalhadores qualificados para usá-las.

Em uma tentativa de formatar um quadro em que fosse possível preparar

uma análise global do que seria o investimento em capital humano, Becker

enumera uma série de fenômenos empíricos que vinham sendo verificados nos

estudos acerca do capital humano: os rendimentos aumentam com a idade a uma

taxa decrescente; essas taxas estão diretamente correlacionadas com o grau de

conhecimento; as taxas de desemprego são inversamente proporcionais ao grau de

conhecimento; as pessoas mais jovens trocam de emprego mais frequentemente

que as mais velhas e recebem mais estudos e treinamento no trabalho que estas;

pessoas mais habilidosas recebem mais educação e treinamento do que as outras.

Segundo Becker, a maior parte dos retornos obtidos pelo investimento em capital

humano é sentida com o passar dos anos das pessoas, porque no caso dos jovens

há que deduzir os custos destes investimentos.

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O conceito de capital humano teria uma importância relativa maior em

países com excedente de mão-de-obra. Esse excesso de mão-de-obra poderia ser

transformado em capital humano através de investimentos em educação e saúde, e

o processo que transforma uma mão-de-obra despreparada em recursos humanos

produtivos, através de investimentos em educação e saúde, é o processo de

formação de capital humano.

A educação é um fator fundamental para o crescimento econômico e para

o desenvolvimento de qualquer sociedade. É um bem com valor econômico, uma

vez que não se obtém com facilidade. A Teoria do Capital Humano nos mostra

que é um bem tanto de capital como de consumo, porque proporciona satisfação

ao consumidor e serve para desenvolver os recursos humanos necessários para as

transformações econômicas e sociais de uma sociedade. Essa teoria enfatiza que o

desenvolvimento de habilidades é fundamental para o aumento da produtividade e

do nível de bem-estar destas sociedades.

Tal desenvolvimento estaria também diretamente associado à possibilidade

de acelerar a mobilidade social, à diminuição da pobreza, e também teria

importante papel como agente propiciador da redução da desigualdade de renda

no mercado de trabalho. Em suma, a Teoria do Capital Humano está apoiada no

pressuposto de que a educação formal é necessária para aumentar a capacidade de

produção de uma população: uma população educada é uma população produtiva,

com um nível maior de bem-estar social propiciado pela diminuição da pobreza e

das desigualdades.

Na década de 1970, Carlos Langoni estudou, com auxílio da Teoria do

Capital Humano, a variação da desigualdade nos rendimentos de trabalho ocorrida

no Brasil na década de 1960. Seu trabalho pioneiro demonstrou que a variável que

possuía maior correlação para os resultados obtidos de desigualdade nos

rendimentos de trabalho era a educação. Os desníveis na educação básica

brasileira seriam o fator mais importante para explicar os altos níveis de

desigualdade encontrados no mercado de trabalho na década de 1960, mais que a

inflação ou contingenciamentos salariais.

Nas atividades com maior incorporação das modernas tecnologias, a mão-

de-obra é relativamente menos disponível à medida que aumenta seu grau de

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qualificação. Como consequência, teremos aumentos diferenciados nos salários.

As empresas dos setores mais modernos terão diferenças de produtividade e de

lucros em relação às tradicionais. Essas diferenças vão acarretar um aumento de

desigualdade nos rendimentos dos empregados, dependendo da tecnologia em

uso. Langoni comenta que apesar de a aceleração do crescimento trazer um

aumento da desigualdade de rendas no trabalho, tem como consequência benigna

a redução da pobreza.

Apesar de a educação, na análise geral, aparecer como o fator

preponderante para a desigualdade de rendimentos, Langoni observa que sua

influência é maior no setor urbano e nas regiões mais desenvolvidas. Já no setor

primário, predominante nas áreas rurais, o acesso à propriedade é que seria o fator

de maior importância para explicar a desigualdade de rendimentos. A providência

que Langoni defendia para a diminuição da desigualdade de rendimentos no setor

rural era a reforma agrária. Deveria ser uma reforma agrária sem qualquer espécie

de confisco parcial ou total de terras porque essas alternativas seriam

incompatíveis com uma economia de mercado. Sua sugestão seria o pagamento

parcial ou total em títulos da dívida pública.

Em função dos resultados encontrados, Langoni defendia uma maior

alocação de recursos públicos para a educação básica, mesmo em detrimento do

financiamento do ensino superior. Essa transferência de recursos seria

fundamental, tendo em vista que o crescimento econômico geraria um aumento da

renda per capita, e, consequentemente, aumentaria o custo de oportunidade de se

entrar precocemente no mercado de trabalho. Para enfrentar esse dilema nas

famílias pobres, Langoni sugeria ser necessário algum tipo de política social que

incentivasse a permanência das crianças pobres na escola.

O trabalho de Langoni, um clássico da nossa literatura econômica, inspirou

outros pensadores brasileiros que abraçaram as ideias contidas na Teoria do

Capital Humano. Criou a base que fez com que um grupo de pensadores

influenciados por esta teoria conquistasse, a partir da década de 1990, visibilidade

pela qualidade dos seus argumentos, bem como posições de destaque nos

governos, ajudando a definir nossas políticas sociais de combate à pobreza.

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Seus estudos e conclusões foram fortemente rejeitados durante a década de

1970. As conclusões de Langoni sobre as causas da desigualdade na distribuição de

renda foram contestadas por pesquisadores que focavam seus estudos nos efeitos das

políticas econômicas dos governos militares sobre a renda. Cardoso, Singer, Fishlow

e Malan, entre outros, contestaram suas ideias e atribuíram às políticas salariais do

regime autoritário repressivo em vigor o crescimento da nossa desigualdade de

rendas.

Vivíamos, na década de 1970, sob um regime de repressão que se

intensificou após diversos movimentos de guerrilha urbana e alguns focos de

guerrilha rural. O leque dos opositores ao regime militar era amplo e ia desde os

liberais em desacordo com o regime até as mais extremadas posições da esquerda.

Ao lado de um crescimento econômico considerável, víamos aumentar os níveis

de nossa desigualdade de rendimentos do trabalho. Por outro lado, a oposição

permitida conseguia alguns avanços, como vimos nas eleições legislativas de

1974. Nesse contexto, o trabalho de Langoni foi alvo de diversas críticas, muitas

vezes motivadas pelo clima hostil que havia por parte dos opositores em relação

ao regime autoritário e contra qualquer um que fosse enxergado como próximo do

regime. Estávamos sob um regime de exceção, e o livro de Langoni fora

prefaciado por Delfim Netto. As conclusões a que Langoni chegara eram acusadas

de beneficiar politicamente o regime.

Fishlow considerava que o principal fator responsável pela perda de poder de

compra dos salários era a maquiagem da inflação prevista, definida pela regra de

reajustes salariais. Uma vez que, em função das regras determinadas, o governo

previa uma inflação menor que a real e, tendo em vista que estavam proibidas as

negociações entre patrões e empregados, os salários foram diminuídos em seu poder

de compra. Singer destacava que o ambiente político após 1964 tornara-se

extremamente desfavorável às lutas sindicais. Na prática foi abolido o direito de

greve, e o controle dos sindicatos pelo Governo havia se intensificado com a

perseguição e afastamento das antigas lideranças.

Enquanto Langoni via o crescimento da desigualdade de rendimentos

como consequência da desigualdade de distribuição da educação, os opositores às

conclusões de Langoni baseavam sua análise na luta de classes, argumentando que

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os trabalhadores estariam sendo prejudicados por políticas regulatórias por parte

do Estado que enfraqueciam o poder de barganha dos trabalhadores.

Para Langoni as diferenças na qualidade da educação no processo de

formação dos trabalhadores brasileiros acabavam influenciando seus rendimentos

no mercado de trabalho por meio de grandes diferenças salariais, tendo como

consequência o aumento da desigualdade de rendimentos no Brasil. As suas

sugestões de políticas sociais para a diminuição de nossa desigualdade de

rendimentos de trabalho, quais sejam, os incentivos a uma educação básica

universalizada e de qualidade e a reforma agrária, estavam afinadas com a

tradição liberal que defende a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho

e o fortalecimento da economia de mercado.

Outra perspectiva para entender as razões da desigualdade de renda no

Brasil procura ressaltar as fragilidades históricas das organizações sindicais no

capitalismo brasileiro como um elemento fundamental para explicar nossa

desigualdade de rendimentos no trabalho. Como vimos, de acordo com Celso

Furtado, diferentemente dos países da Europa Ocidental, as organizações sindicais

no Brasil não alcançaram um poder de barganha que permitisse uma maior

participação no crescimento econômico do país.

Camargo, Pessôa e Ferreira atribuem a componentes ideológicos boa parte

da resistência aos argumentos da Teoria do Capital Humano. Uma teoria, liberal

em suas origens, que clamava pela igualdade de oportunidades ao invés da

igualdade nos resultados, não baseava suas análises na luta de classes, e fora

gerada na Universidade de Chicago, contrariava o pensamento acadêmico

dominante nos anos 1970. Os desenvolvimentistas continuavam sua pregação pela

industrialização, e como vimos, em nenhum momento dirigiram seus esforços e

sua influência na definição de nossas políticas sociais no sentido de que

melhorássemos nossa educação básica.

Muitos anos depois, nossas politicas sociais caminharam, na década de

1990, para um sistema de transferência de rendas que buscava diminuir nossa

pobreza e a grande desigualdade nos rendimentos do trabalho. O controle da

inflação através do sucesso do Plano Real criou as condições para que se

pudessem planejar políticas sociais que atendessem àquele objetivo. A questão na

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década de 1990 era quanto à exigência ou não de condicionalidades para que se

dessem os benefícios da transferência de renda. Nesse momento foi vitoriosa a

ideia de que deveria haver uma contrapartida, e essa seria na forma de obrigar que

os beneficiários mantivessem seus filhos nas escolas.

Para Camargo, a preocupação estava em estudar a elaboração de políticas

sociais que, ao mesmo tempo em que reduzissem a pobreza no curto prazo,

diminuíssem a reprodução da pobreza no longo prazo, quebrando o ciclo

intergeracional de pobreza. Camargo argumentava que após mais de quatro

décadas de crescimento acelerado, a economia brasileira atingira um nível de

renda per capita bastante acima daquele característico dos países considerados

pobres. No entanto, iniciávamos os anos 1990 com o desafio de tirarmos da

miséria quase metade de nossa população. Um fato marcante seria que

determinadas características do nosso mercado de trabalho condicionariam nosso

futuro a uma reprodução da pobreza do presente.

Ele enfatiza a presença de maus empregos em que, após 35 anos de

trabalho, o trabalhador receberia um salário semelhante a outro que viesse a se

integrar no mercado naquele momento. A perversa consequência deste fenômeno

seria que uma criança que entrasse cedo no mercado de trabalho contribuía com

uma parcela substancial da renda familiar. Portanto, nas famílias pobres, o valor

da força de trabalho das crianças seria maior que nas famílias ricas. Ao entrar

cedo no mercado de trabalho, as crianças pobres sairiam cedo da escola,

obrigando-se a aceitar empregos em trabalhos que não exigem maiores

qualificações, reproduzindo a pobreza da geração anterior.

Camargo atribui a queda da desigualdade de rendimentos do trabalho

ocorrida entre 2001 e 2005 à acelerada expansão educacional ocorrida na última

década, bem como às concomitantes mudanças ocorridas na estrutura etária, com

consequências na experiência da força de trabalho. Ricardo Paes de Barros, ao

trabalhar com aspectos como desigualdade educacional, experiência no trabalho e

idade dos trabalhadores, aborda temas básicos da Teoria do Capital Humano.

Podemos ver aqui um resgate das ideias de Langoni, cuja obra tem sido

reconhecida, como vimos, como fundamental para a definição das nossas políticas

sociais de transferência condicionada de renda.

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Os resultados conseguidos em suas pesquisas permitem afirmar que a

diminuição na diferença de remuneração em função do nível educacional foi um

dos principais responsáveis pela recente queda da desigualdade no que tange aos

rendimentos do trabalho. O mercado de trabalho teria ajustado as remunerações a

essa diminuição de diferenças nos níveis educacionais. E chama a atenção para o

fato de que a desigualdade educacional da força de trabalho tem diminuído desde

o início do século atual.

Para Ferreira, atualmente, há que se pensar na natureza do sistema

educacional. A simples inclusão não é suficiente para evitar que se reproduzam e

se perpetuem as desigualdades. A mudança no desenho do nosso sistema

educacional terá que agir na diferença entre o que se aprende nas melhores escolas

particulares das grandes metrópoles do Sudeste e nas mais fracas escolas públicas.

Estaríamos diante de um sistema que gera um círculo vicioso no qual uma grande

disparidade na qualidade educacional produz um alto nível de desigualdade de

renda.

Somente com o aumento do poder político das classes mais pobres, pela

via de uma maior exigência de oferta de educação de qualidade, poderíamos

interferir no sentido da interrupção dessa armadilha em que estamos. Far-se-ia

necessária uma maior mobilização e pressão social da sociedade no sentido de

assegurar uma educação básica de qualidade. Ferreira considera que a Teoria do

Capital Humano influenciou as decisões do governo brasileiro de vincular

transferência de renda com frequência escolar, como no Bolsa Escola, e,

posteriormente, no Programa Bolsa Família.

Pessôa lamenta que os economistas desenvolvimentistas não tenham

enxergado a influência que uma educação de qualidade poderia trazer no combate

ao nosso subdesenvolvimento. Apesar de reconhecer em Celso Furtado um dos

nossos melhores economistas, e o mais influente, Pessôa considera um enigma o

fato de Furtado não ter se ocupado da influência da educação sobre a economia.

Vê na tradição da esquerda latino-americana a narrativa de uma obrigatoriedade

de haver espoliação em um país se há desenvolvimento econômico em algum

outro país. Por outro lado, a narrativa dos liberais acredita que o desenvolvimento

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está associado às instituições e às características da sociedade. E a educação seria

a instituição fundamental para o desenvolvimento econômico.

Pessôa recorda que nos anos 1950 fomos às ruas para defender o petróleo,

mas não nos mobilizamos para uma melhor educação. Aí, para Pessôa, estava a

semente daquilo que chama de tragédia social dos anos 1980 e 1990. As elites

brasileiras teriam aceitado passivamente a ideia de que a universalização do

ensino era inviável por falta de recursos. Com a democratização, universalizamos

em 10 anos. E hoje a questão não é de recursos, é qualidade. Aponta o que seria,

no seu entender, o principal óbice para que possamos ter um ensino público de

qualidade: a ausência de um sistema de gestão meritocrático e competitivo.

O corporativismo trabalharia no sentido de não deixar que se façam as

mudanças necessárias. No entanto, o eleitor mediano ainda não teria percebido

que esse é um dos principais óbices para a melhoria do ensino. A negligência com

o ensino básico teria sido uma das causas mais importantes do alto índice de

desigualdade de rendas e pobreza aos quais chegamos ao fim do século XX. Uma

vez que conseguimos praticamente universalizar o acesso ao ensino básico, nossa

questão passa a ser a melhoria da qualidade de ensino.

Diversos pensadores aqui analisados enfatizaram que a principal

dificuldade para a melhoria do nosso ensino básico não passa pela falta de

recursos financeiros, como visto pelo senso comum. Um dos principais entraves

estaria no corporativismo, que impede políticas de gestão que utilizem a

meritocracia como instrumento básico de análise. Leis como as que exigem a

isonomia salarial e outras que, na prática, tornam quase impossível a demissão de

maus profissionais, precisariam ser flexibilizadas para que ocorresse um salto

qualitativo.

Cristovam Buarque é um ferrenho defensor da ideia de que somente

através da educação poderemos chegar a uma sociedade mais desenvolvida. De

acordo com Buarque, o programa de transferência de rendas condicionado à

educação está baseado em uma constatação evidente: a de que se faz necessário

quebrar o círculo vicioso da pobreza propagada através de gerações, indenizando

as famílias pobres para que deixem as crianças na escola, abrindo mão de enviá-

las precocemente para o mercado de trabalho. Atualmente a desigualdade de renda

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se dá pela desigualdade no acesso ao conhecimento, porque um profissional bem

educado e qualificado tem hoje um padrão de vida próximo ao do dono de sua

empresa.

Camargo considera que existe uma sinalização no sentido de que a

sociedade está priorizando mais a educação, adiando a entrada no mercado de

trabalho para apostar num aumento da renda do mercado de trabalho. Para Samuel

Pessôa, a negligência com a educação teria sido o maior erro por nós cometido

nos últimos séculos. Considera, no entanto, que essa questão vem conseguindo

melhoras. O país teria percebido o problema, e a situação começou a mudar

quando viramos uma democracia. A população tornou a educação uma questão

importante.

Poderíamos dizer que a sociedade parece estar demandando mais

educação. No entanto, esse aspecto necessitaria ser aprofundado em investigação

posterior. Os governos mudaram e passaram a dar mais prioridade à educação

básica porque a sociedade mudou e demanda isso, ou foi o contrário?

Amaury de Souza e Bolívar Lamounier comentam a chegada de milhões

de brasileiros a um padrão mais elevado de consumo nos últimos anos. A

educação é vista como um símbolo de identidade da classe média e como um dos

principais fatores de ascensão social. Esta percepção faz com que melhorar a

educação dos filhos seja uma aspiração dos brasileiros. Em suas pesquisas

verificaram que o percentual de pais que desejam que os filhos tenham um nível

de educação de ensino superior ou de pós-graduação era de 96% para os pais com

nível superior de escolaridade; 88% para os pais com nível médio; 83% para os

pais com nível fundamental; e 70% para os pais semi-escolarizados.

Os anos 1990 foram ricos com relação ao debate sobre as formas para

combater a pobreza e desigualdade no Brasil. A questão do combate à inflação

obrigava que fosse dada prioridade à politica econômica, condicionando as

demais políticas. A discussão sobre a eficiência de qualquer política social surgia

em um ambiente de escassez e restrição orçamentária, e com a influência das

políticas liberais apontando para uma redefinição das funções do Estado, abrindo

espaço para a iniciativa privada.

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Um fator importante para que os programas de renda mínima passassem,

nas últimas décadas do século XX, a serem vistos como alternativas para as

políticas de proteção social universalistas foi o enfraquecimento do Estado de

bem-estar social nos países desenvolvidos. Na década de 1990, começou a

prosperar no Brasil a ideia de que um programa de transferência de algum tipo de

renda seria uma política pública eficiente no combate à pobreza. Carlos Alberto

Ramos destaca que nos anos 1980, na Europa e também nos Estados Unidos,

ampliou-se o debate sobre a viabilidade da manutenção dos sistemas de proteção

social em vigor. Esses passaram a ser criticados por sua ineficiência e por sua

duvidosa viabilidade econômica. A crise econômica dos anos 1970 estava

colocando obstáculos ao Estado de bem-estar social, que se apoiava em contínuo

crescimento econômico e em baixas taxas de desemprego.

Os programas pioneiros de transferência de renda condicionada no Brasil

ocorreram, no Brasil na década de1990, em unidades subnacionais. Podemos

destacar os de Campinas e do Distrito Federal. O Programa Bolsa Escola Federal

foi criado no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso. Inspirado em

experiências similares que tiveram início em Campinas, Distrito Federal e

Ribeirão Preto, tinha como objetivos declarados assegurar a educação para

crianças de baixa renda e realizar transferências diretas condicionadas de renda.

Foram criados parâmetros de faixa etária e renda, e a obrigatoriedade de as

crianças entre 6 e 15 anos frequentarem as escolas para receber o benefício do

Bolsa Escola Federal.

O Programa Bolsa Família, implantado no primeiro governo Lula, é o

estágio atual de políticas sociais de transferência direta focalizadas nos pobres. O

Programa Bolsa Família, ao condicionar o recebimento dos benefícios às famílias

que cumprirem exigências que dizem respeito à educação e à saúde, procura

reduzir a pobreza extrema, assim como interromper o vicioso ciclo intergeracional

de pobreza.

Os programas de transferência de renda condicionados à presença dos

filhos nas escolas, tanto sob a perspectiva do PSDB com o Bolsa Escola Federal,

quanto na perspectiva do PT com o Bolsa Família, contemplam os argumentos

fundamentais da Teoria do Capital Humano. O programa Bolsa Família foi a

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consolidação de diversos programas de transferência de renda, iniciados na esfera

federal, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Focalizado nos pobres,

exigem a contrapartida de que seus filhos sejam mantidos na escola, adiando sua

entrada no mercado de trabalho. Essas ideias, presentes na Teoria do Capital

Humano, foram difundidas no Brasil por Carlos Langoni, e tornaram-se políticas

sociais após décadas de debate com diversos opositores. Os seguidores de

Langoni aqui estudados foram, em grande parte, responsáveis por essa vitória.

É importante ressaltar que o Programa Bolsa Família e suas

condicionalidades foram legitimados pelo eleitorado brasileiro nas eleições

presidenciais de 2006 e 2010. As principais forças políticas do cenário nacional

reconhecem o apoio popular ao programa. No entanto, somente a universalização

da frequência escolar não tem produzido resultados promissores para se conseguir

a quebra do ciclo mencionado. Temos que investir na melhoria da qualidade do

nosso ensino básico, e esse investimento provavelmente está mais ligado à

melhoria da gestão do que à necessidade de mais recursos financeiros.

Embora as teses baseadas na Teoria do Capital Humano apresentadas por

Langoni em 1973 estivessem corretas, o ambiente político e acadêmico dos anos

1970 e as próprias circunstâncias da pesquisa e do lançamento do livro

terminaram por inibir a repercussão do mesmo. Apenas a partir de 1990, tendo à

frente seus seguidores, aquelas ideias e a própria Teoria do Capital Humano

passaram a influenciar governos, políticas sociais, e de alguma forma as escolhas

da sociedade brasileira.

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7. Referências bibliográficas

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voto: um projeto de democracia para o Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

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BALBACHEVSKY, Elizabeth. Processos decisórios em política científica,

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