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MELPE. São Paulo, n. 8, junho de 2018. 144
Leitura de texto literário em contexto
escolar: contos de Clarice Lispector e
Guimarães Rosa
RESUMO: Este projeto de implementação de sequência didática teve como objetivo promover uma experiência de leitura literária para alunos de Ensino Médio. Buscou-se, para tanto, uma alternativa à prática escolar comum que, ao introduzir um autor, parte de seu lugar na História da Literatura, seguindo os padrões do livro didático. Assim, a metodologia empregada procurou privilegiar o texto literário propriamente dito, acompanhado de uma sensibilização para a figura do autor enquanto personalidade também construída literariamente. O trabalho enfrentou o desafio de considerar a centralidade do papel ativo do aluno na construção dos objetos ensinados, uma vez que a sua participação, tanto nas leituras coletivas, quanto nas produções textuais resultantes destas, foi condição para o êxito do projeto. O conteúdo a ser ensinado se baseou em uma seleção de contos de Clarice Lispector e Guimarães Rosa, bem como em documentos relacionados à vida ou à obra de ambos (entrevistas audiovisual e transcrita, fotos, textos críticos). O projeto foi implementado em uma escola pública de Ensino Médio e Técnico, localizada no bairro de Pinheiros, em São Paulo, especificamente para as turmas de Marketing e Edificações do 3º ano, em horário normal de aula, numa sequência de dez aulas para cada grupo.
PALAVRAS-CHAVE: Conto; Ensino Médio; Escola Técnica; Leitura; Texto Literário.
DAIANE WALKER ARAUJO Professora de Francês na Aliança Francesa de São Paulo. Mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Literatura Portuguesa da Universidade de São Paulo (2017). Estágio de pesquisa na Universidade Católica Portuguesa (Lisboa, 2016). Graduação e Licenciatura em Letras (Português e Francês) pela Universidade de São Paulo (2014). Intercâmbio acadêmico na Université Paris 8 Vincennes-Saint-Denis (Paris, 2013), na área de Letras Modernas. Temas de pesquisa: Literatura Portuguesa; Ensino de Literatura e de Francês Língua Estrangeira (FLE).
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O contexto escolar Este estágio de observação e regência, realizado no âmbito da
disciplina Metodologia do Ensino de Português II, foi desenvolvido em
uma escola pública de Ensino Médio e Técnico, pertencente à Diretoria de
Ensino Centro-Oeste de São Paulo, ao longo de três meses (setembro,
outubro e novembro de 2016), no turno da manhã, somando um total de
85h. Nesse período, foram acompanhadas as aulas de Língua
Portuguesa, Literatura e Comunicação Profissional, ministradas aos
alunos de 1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio, em modalidade regular ou
integrada ao técnico. Dentro dessa carga horária, 20h foram destinadas à
implementação do projeto de regência junto a duas turmas de 3º ano.
A referida escola, desde sua institucionalização em 1950, está voltada para o ensino profissional, além do ensino básico. Em 1992, foi desvinculada da Secretaria de Educação, passando a ser gerida pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação. Em 1993, foi incorporada ao Centro Paula Souza, autarquia do Estado de São Paulo.
Atualmente, a escola conta com 146 professores, 30 funcionários e aproximadamente 1900 alunos. Estes se dividem em quatro modalidades de ensino: Ensino Médio Regular, Ensino Médio Integrado ao Técnico (ETIM), Ensino Técnico e Ensino Técnico Semipresencial (EaD). O quadro abaixo1, que apresenta os cursos oferecidos para 2017, informa-nos sobre o número de vagas, turmas e períodos de cada modalidade:
ENSINO MÉDIO
REGULAR
ENSINO MÉDIO
INTEGRADO AO
TÉCNICO (ETIM)
ENSINO TÉCNICO
ENSINO TÉCNICO
SEMIPRESENCIAL
(EAD)
Ensino Médio
(40) Administração (40) Administração (40) Administração (40)
Design de Móveis (40)
Edificações (40) Edificações (40)
Eletrônica (40) Eletrônica (80)
Marketing (40)
Meio Ambiente (40) Meio Ambiente (40)
Recursos Humanos
(40)
Período Manhã Integral Noite Sábados pela manhã
Total de
vagas 40 200 280 40
1 Vestibulinho Etecs. Disponível em: <http://www.vestibulinhoetec.com.br/unidades-cursos/escola.asp?c=118>. Acesso em 21 jun. 2018.
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Seguindo as normas da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), o oferecimento do ensino técnico está articulado ao
médio, seja de modo integrado (ETIM), concomitante (alunos matriculados
em nível médio em outras escolas) ou subsequente (alunos já formados
no ensino médio). Note-se que mais da metade das vagas é destinada
aos cursos exclusivamente técnicos (320). O ensino médio regular, por
sua vez, está passando por um processo de enxugamento: em 2016,
foram abertas duas turmas; para o ano seguinte, apenas uma. Isso
porque a escola pretende reduzir ao mínimo o número de alunos sem
interesse em qualificação profissional no nível médio.
Embora se localize no bairro de Pinheiros, região nobre da cidade
de São Paulo, o corpo discente da escola não se restringe aos moradores
do bairro, uma vez que o processo seletivo das ETECs, o chamado
“vestibulinho”, permite a inclusão de alunos oriundos de qualquer
localidade, mediante aprovação. Segundo o PPG da escola, os alunos
“são provenientes de várias regiões de São Paulo, vindos dos bairros de
Santo Amaro, Grajaú, Parelheiros, Campo Limpo, Pinheiros, Pirituba,
Butantã, Vila Jaguara, Vila dos Remédios, Lapa, Vila Madalena, além das
cidades da grande São Paulo como Itapecerica da Serra, Embu-Guaçu,
Embu das Artes, Taboão da Serra, Cotia, Osasco e Carapicuíba”.
O alunado caracteriza-se, pois, pela heterogeneidade, tanto no que
diz respeito à cultura local (diferentes cidades e bairros), quanto aos
setores sociais de que fazem parte. Em questionário aplicado pela
estagiária a duas turmas de 3º ano do ensino médio, verificou-se que, dos
57 alunos entrevistados, 64,9% concluíram o ensino fundamental em
escolas públicas (municipais ou estaduais) e 35,1% em escolas
particulares, números que apontam para a diversidade de experiências
escolares e de classes sociais que confluem para as ETECs. Há, no
entanto, uma característica comum: são alunos “selecionados” por um
processo de ingresso ao sistema público, o que significa, a rigor, que
apresentam um bom desempenho escolar e que estão interessados em
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um ensino de qualidade. É uma constatação presente no PPG da escola:
“Assim, não temos uma comunidade escolar típica de Bairro, mas uma
comunidade formada por alunos que escolhem estudar [na escola], o que
torna essa comunidade escolar ainda mais heterogênea, com grande
diversidade cultural e currículos ocultos riquíssimos e variados”.
Pode-se dizer que os alunos “escolhem estudar” nas ETECs, e
nesta especificamente, pois vislumbram ali a possibilidade de desfrutar de
um ensino público de qualidade. De fato, os resultados da escola no
Enem 2015 revelam a sua posição bastante acima da média no que diz
respeito à eficiência do ensino público, ocupando a 2ª posição no ranking
das 20 melhores escolas públicas da capital. No ranking geral do país,
que inclui as escolas privadas, das 14998 instituições registradas, ocupa
a 497ª colocação2.
1.1. Do ensino de língua portuguesa
Durante o estágio, foram acompanhadas as aulas de dois
professores da disciplina Língua Portuguesa, Literatura e Comunicação
Profissional.
O Prof. Leon3 possui duas graduações: Tradução Português-
Francês e Licenciatura em Língua Francesa, pela PUC de São Paulo; e
Letras (Português e Linguística), pela Universidade de São Paulo.
Leciona nesta escola há 16 anos, como professor de Língua Portuguesa,
com uma carga horária de 24 horas semanais no período matutino. No
vespertino, leciona como professor de Língua Portuguesa em outra escola
estadual, há 12 anos, com carga horária de 25 horas semanais.
O Prof. Marcel é igualmente formado em Letras (Português e
Linguística), pela Universidade de São Paulo e possui pós-graduação em
Gestão Escolar, pelo SENAC. Além da função docente, atua no cargo de
2 Estadão - Infográficos: http://infograficos.estadao.com.br/educacao/enem/2015/escolas/. 3 Os nomes dos professores foram substituídos por pseudônimos.
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Coordenador de Curso, dividindo sua carga horária entre a sala de aula, a
sala dos professores e a gestão escolar.
A proposta de ensino da disciplina que corresponde ao estudo da
língua materna para as modalidades de Ensino Médio e ETIM parte dos
componentes curriculares que integram a Base Nacional Comum e está
dividida em temas, que deverão ser trabalhados durantes as três séries.
Trata-se de uma formação geral, que procura abarcar as diversas
competências relacionadas ao domínio da língua: conhecimentos teóricos
e práticos sobre o sistema linguístico, leitura, escrita, gramática e
literatura. Transcrevemos, abaixo, a definição detalhada do corpo de
saberes estabelecido no Plano de Curso:
Tema 1 - Usos da língua Língua e linguagens. Variação linguística. Elementos da comunicação. Relação entre a oralidade e a escrita. Conotação e denotação. Funções da linguagem. Figuras de linguagem. Tipologia Textual. Interlocução. Tema 2 - Diálogo entre textos: um exercício de leitura Procedimentos de leitura; Leitura de imagens (linguagem não verbal). A arte de ler o que não foi dito. Ambiguidade. Intertextualidade. Narração/Descrição. Exposição. Dissertação. Argumentação e persuasão. Interlocução. Articulação textual: coesão/ coerência. Texto persuasivo. Carta persuasiva. Tema 3 - Ensino de gramática: algumas reflexões Fonética. Ortografia. Estrutura e formação de palavras. Classe de palavras. Sintaxe. Período simples e composto. Regência verbal. Regência nominal. Pontuação. Revisão gramatical. Tema 4 - Texto como representação do imaginário e a construção do patrimônio cultural Literatura: texto e contexto. Estilo. Gêneros literários. Trovadorismo. Humanismo. Classicismo. Barroco. Arcadismo. Romantismo. Realismo/Naturalismo. Parnasianismo. Simbolismo. Pré-Modernismo. Modernismo. Fase contemporânea.
Os dois professores que foram acompanhados durante o estágio
optam pela mesma estratégia de ensino, no que diz respeito à
organização dos conteúdos curriculares ao longo das séries: ao invés de
dividir as aulas da semana pelos quatro temas de ensino, de maneira
concomitante, preferem se concentrar em um conteúdo específico durante
determinado tempo, intercalando os temas ao longo do ano.
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No período em que o estágio foi realizado, ambos os professores estavam ministrando aulas de Literatura, para todas as séries, através de sequências didáticas relacionadas ao período literário dos autores estudados.
O prof. Marcel, do qual foram observadas apenas sete aulas para o
2º e 3º anos, demonstrou ter clara preferência pelas sequências didáticas
propostas pelo livro didático da escola, Novas Palavras4, no qual os
conteúdos se dividem entre “Literatura”, “Gramática” e “Redação e
Leitura”. No entanto, o livro figurou apenas como pano de fundo da
estrutura das aulas, sendo convocado, sobretudo, no momento da
realização de exercício de fixação. As aulas seguiram o método
expositivo-dialogado, em que o professor introduz os conteúdos de
maneira aberta às discussões e leituras dos alunos.
Observou-se, porém, que suas aulas se assemelhavam a uma
estratégia bastante recorrente em cursinhos pré-vestibulares: primeiro, o
professor faz uma apresentação do autor a ser estudado, considerando o
período literário em que se insere; em seguida, a obra a ser estudada é
apresentada pelo resumo de seu enredo, detalhado por capítulos.
Assim, ao falar do livro Vidas secas, de Graciliano Ramos, o
professor listou na lousa todos os capítulos do livro e passou a contar as
ações referentes a eles, dando aos alunos uma visão geral da obra. A
leitura prévia do romance foi indicada, mas não cobrada, de modo que a
sua aula se configurou como uma substituição, indireta, da leitura da obra.
Notou-se, por outro lado, um esforço do professor em transcender
os limites do enredo, inferir o seu sentido crítico, bem como o alcance
dessa crítica nos dias atuais, conduzindo os alunos a possíveis
interpretações. Ao falar de São Bernardo, por exemplo, o professor
pergunta: “O que é importante pra gente? A situação de Paulo Onório é
algo bastante atual. Mesmo tendo ascendido socialmente, ele continua
sendo discriminado, por causa de sua origem social”. Então, o professor
4 AMARAL, Emilia; FERREIRA, Mauro; LEITE, Ricardo; ANTÔNIO, Severino. Novas
Palavras. 2ª ED. Editora FTD, 2013.
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entra em uma discussão sobre as dificuldades em ascender socialmente e
os preconceitos de classe. Os alunos participam, falando de exemplos
pessoais, mas também literários: uma aluna retoma a figura de João
Romão, do romance O cortiço, estabelecendo paralelos com Paulo
Onório. O professor aproveita o exemplo, mas esclarece a diferença entre
os personagens, tendo em vista a sua função social.
Assim, verificou-se que as aulas de literatura ministradas pelo
professor Marcel, embora façam a economia do texto literário, pouco
recuperado em sua tessitura original, é capaz de construir um espaço de
discussão e reflexão acerca dos sentidos do texto e da visão de mundo
de seu autor, buscando desenvolver o pensamento crítico dos alunos, não
em relação apenas ao momento em que o texto foi escrito, mas também
ao nosso próprio tempo. Os alunos, na maior parte, aderiram ao debate,
sem muitos problemas de indisciplina ou indiferença. As aulas foram
possíveis pois o professor dispunha de boas condições de trabalho.
O professor Leon, por sua vez, do qual foram acompanhadas
algumas dezenas de aulas para 1º, 2º e 3º anos, declarou não ser adepto
do livro didático Novas Palavras, por considerar os seus conteúdos muito
restritos ou insuficientes. Ao invés de se limitar a um único livro, o
professor prefere fazer uma seleção de vários deles, montando apostilas
que ficam disponibilizadas para os alunos na xerox da escola. O professor
também tem o hábito de mobilizar a leitura de textos acadêmicos, como
por exemplo, quando do estudo de Machado de Assis, o artigo
“Humanitismo – a teoria do mundo sem dor”5, lido e analisado com os
alunos do 2º ano.
Com o uso dessa diversidade de materiais, o professor também se vale, como principal instrumento didático, da aula expositiva-dialogada, tendo a lousa como aliada para a sistematização dos conteúdos. A sua abordagem do texto literário procurava situar os alunos em reflexões filosóficas, históricas, estilísticas, linguísticas, mobilizando uma série de conhecimentos que acompanham cada obra. 5 XAVIER, Anderson da Costa. “Humanistismo – a teoria do mundo sem dor”. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/machado_de_assis/Humanitismo%20%E2%80%93%20a%20teoria%20do%20mundo%20sem%20dor.pdf>.
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Livros utilizados pelo professor Leon
Geralmente, a sequência didática era introduzida pela apostila,
através da leitura compartilhada e comentário coletivo do texto didático.
Em seguida, passava-se a exemplos de textos literários, geralmente
excertos disponibilizados no mesmo livro. Por fim, os alunos prosseguiam
com a realização de exercícios de leitura e interpretação dos textos ou do
período literário, os quais eram corrigidos na aula seguinte, coletivamente.
Era nesse momento que a memória didática era mais acionada, em
resumos e sínteses que recuperavam as aulas anteriores.
Embora tal abordagem do professor fosse, a exemplo das aulas do
professor Marcel, pautada no desenvolvimento do pensamento crítico, da
comunicação oral e da autonomia dos alunos, em geral, as aulas também
fizeram a economia do texto literário: a prioridade estava em falar sobre o
texto, mas não necessariamente com o texto. Quando das aulas sobre o
Parnasianismo, ministradas ao 2º ano, alguns alunos chegaram a
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reclamar por maior presença de poemas que ilustrassem as teorias
estéticas dos autores, pedido ao qual o professor acedeu.
Um gesto de regulação da aprendizagem muito usado por esse
professor, e que ele achava imprescindível, era o visto de atividades nos
cadernos. Para cada tarefa realizada em casa, o aluno tinha direito a um
visto; o conteúdo das respostas, entretanto, ficava a cargo do próprio
aluno, que deveria verificá-lo na correção coletiva. Essa prática, se
funcionava com um estímulo para a realização das atividades, nem
sempre se mostrou eficiente: muitos alunos copiavam do colega ou
respondiam apressadamente; o momento do visto, em geral, ocupava
uma aula inteira, em que os alunos ficavam ociosos, pois não havia a
proposta de uma atividade paralela. Por outro lado, isso garantia que
muitos alunos fizessem a atividade e estivessem preparados para discutir
as respostas no momento da correção.
2. O projeto didático: justificativa e descrição Na sequência dos estudos literários previstos no Plano de Curso do
3º ano, este projeto didático concentra-se na chamada “Terceira Geração
Modernista” do Brasil, tendo como principal objeto de ensino os contos
“Amor”, de Clarice Lispector, e “A hora e vez de Augusto Matraga”, de
Guimarães Rosa. O projeto foi implementado em duas classes de 3º ano
do ETIM, a saber, as turmas de Marketing (3B, 28 alunos) e de
Edificações (3C, 38 alunos), em horário normal de aula, numa sequência
de dez aulas para cada grupo.
O tema deste projeto deu-se em decisão conjunta com o docente
responsável pelas turmas, o professor Leon, tendo em vista o seu
planejamento de ensino e uma demanda dos próprios alunos, que
manifestaram interesse no estudo das referidas obras, uma vez que estas
compõem as listas de textos literários de importantes vestibulares, como
FUVEST e UNICAMP. De fato, no questionário proposto pela estagiária,
dos 57 alunos que responderam às questões, apenas um afirmou que não
prestaria os exames.
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No entanto, o estímulo inicial para a realização de um projeto didático em
torno da literatura deu-se no decorrer da observação das aulas dos
professores Leon e Marcel, nas quais se pôde verificar uma ampla
participação e gosto dos alunos pelos autores, textos e escolas literárias
estudadas. As aulas de literatura eram, frequentemente, um momento de
intensa discussão e interpretação, com debates que ultrapassavam as
questões puramente de “escola literária”, atualizando problemas que
persistem em não serem resolvidos ao longo de séculos. Em conversa
com o professor Leon, este afirmou que os alunos “não gostam de
gramática” e que houve muita resistência e dificuldade no período em que
esse tópico estava sendo estudado. O estudo da literatura, por outro lado,
era preferido pelos alunos pelo seu valor histórico, social e humano, ao
lado de conhecimentos como os estudados em Geografia, Filosofia e
Sociologia, também muito valorizados pelas turmas de um modo geral.
Desse modo, o projeto partiu da ideia de que havia uma
predisposição da maioria para o estudo do texto literário e de que as
condições de trabalho possibilitariam o desenvolvimento de uma
sequência didática de dez aulas em torno de dois autores apenas.
Em relação às práticas que caracterizam o trabalho dos
professores, conforme descrito anteriormente, procurou-se adotar um tipo
de abordagem do corpo de saberes literário que pudesse associar tanto a
compreensão da obra em seu período histórico, quanto as ideias, estilos e
procedimentos característicos de cada autor, e não necessariamente de
uma “escola literária”. O fato de Clarice Lispector e Guimarães Rosa
fazerem parte de um momento de produção de que se destacam mais as
figuras autorais e menos os movimentos estéticos facilitou essa
estratégia.
Desse modo, a primeira decisão que este projeto implicou foi de
que o centro das aulas seria o próprio texto. O objetivo principal da
sequência didática proposta apoiou-se, assim, na presentificação do
objeto de estudo, ou seja, na realização, em sala de aula, da leitura
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(integral ou parcial) do texto literário, e, somente por meio desta, a
proposição de análises dos procedimentos estéticos utilizados por cada
autor (o que, comumente, os professores definem como as
“características” do autor ou do período).
A sequência foi desenvolvida no período de dez aulas para cada
grupo, centradas no ensino/aprendizagem dos autores referidos. Para
cada autor, foram reservadas cinco aulas, obedecendo à seguinte ordem:
1) apresentação do autor, 2) leitura integral de um texto curto do autor (no
caso de Guimarães Rosa, esta sequência foi invertida: partiu-se da leitura
de um conto, ficando a apresentação do autor reservada para a aula
seguinte); 3-4) leitura parcial dos contos selecionados como objeto de
estudo; 5) exercícios e correção em sala de aula. Quanto ao material
utilizado, procurou-se evitar o uso extensivo do livro didático: as aulas de
introdução contaram com vídeos e apresentação de slides; para a
primeira aula de leitura (2), levou-se o texto impresso para os alunos; para
as aulas (3) e (4), os alunos providenciaram o texto, impresso ou digital.
As aulas de exercícios foram baseadas em propostas do livro didático, no
caso de Clarice Lispector, e em uma sequência de questões de vestibular,
selecionadas pela estagiária, no caso de Guimarães Rosa. O método de
ensino baseou-se na aula expositiva dialogada, com sistematização na
lousa.
Além da interação com o professor, os alunos trabalharam
individualmente, nos exercícios sobre Lispector, e em grupo, nos
exercícios sobre Rosa. O final da sequência culminou em uma produção
textual, baseada em um dos autores. Todas as aulas foram
acompanhadas pelo professor da turma, o qual também esteve inserido
nos debates.
Apresenta-se, abaixo, a sequência didática na íntegra:
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Aula 1 – Apresentação de Clarice Lispector Objetivo: Sensibilização para o universo de questões pessoais, estéticas e sociais que compõem a vida e a obra de Clarice Lispector. Sensibilização para a complexidade de uma figura autoral, para além dos esquemas de “escola literária”. Material: 1) Entrevista com Clarice Lispector. TV Cultura, 1977. [vídeo, 23min] Conteúdos: Tema: 1) Fatos relacionados à vida e à obra de Clarice Lispector, a partir de um registro audiovisual (entrevista). Construção composicional: 1) Apresentação da vida e da obra da autora em registro áudio-visual (entrevista). Recursos textuais: 1) Recursos de sugestão utilizados pela escritora na exposição de sua vida e obra. 2) Recursos de inquirição utilizados pelo entrevistador, para estimular declarações da autora. Atividades: 1) Projeção da entrevista. 2) Discussão sobre aspectos relevantes da entrevista (declarações da escritora, perguntas do entrevistador), tendo como suporte complementar uma apresentação de slides. Produtos: 1) Anotações no caderno de aspectos relevantes da entrevista. 2) Discussão oral sobre aspectos relevantes da entrevista (impressões, comentários, dúvidas). Avaliação: Habilidade de identificar e selecionar informações a partir de um registro audiovisual. Habilidade de analisar os dados selecionados, buscando configurar uma imagem da autora. Aula 2 – Crônica “Amor”, de Clarice Lispector Objetivo: Sensibilização quanto a questões estéticas e temáticas recorrentes em Clarice Lispector. Sensibilização quanto aos temas que reaparecerão no conto “Amor” da autora. Material: 1) Excertos do texto crítico “No raiar de Clarice Lispector”, de Antonio Candido. 2) Crônica “Amor” (1971), de Clarice Lispector, in: A descoberta do mundo (1984). Conteúdos: Temas: 1) O “amor”, os “papéis sociais” e a “crise existencial” em Clarice Lispector. Construção composicional: 1) O gênero narrativo no interior do gênero crônica. 2) Descrição de personagens. 3) Função do narrador. 4) Exposição de fenômenos (existenciais) e de argumentos (libertários). Recursos textuais: 1) Recursos de prosa poética (figuras de linguagem, frases coordenadas, ritmo). 2) Recursos narrativos (repetição e reformulação de ideias, fluxo de consciência, associação livre, epifania, introspecção). 3) Parágrafo final: proposição do narrador. Atividades: 1) Rememoração da aula anterior. 2) Leitura, pela professora, de excertos do texto 1, para contextualizar a recepção crítica de Clarice Lispector, bem como o seu lugar na história literária do Brasil. 3) Leitura coletiva e análise do texto 2. 4) Didatização, na lousa, de procedimentos e temas empregados na crônica. Produtos: 1) Leitura coletiva do texto 2. 2) Discussão, estimulada pela professora, sobre recursos narrativos e textuais do texto 2. 3) Anotações no caderno. Avaliação: Habilidade de inferir informações de um texto narrativo. Habilidade de atribuir sentidos a recursos narrativos e textuais empregados pela autora.
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Aula 3 – Conto “Amor”, de Clarice Lispector Objetivo: Sensibilização para procedimentos estéticos empregados pela autora, tendo em vista a construção e disrupção da “crise existencial” da personagem. Sensibilização para os temas da “crise existencial” e da “função da mulher” em Clarice Lispector. Material: 1) Conto “Amor” (1950), de Clarice Lispector, in Laços de família (1960). Conteúdos: Tema: A “crise existencial” e a “função da mulher” em Clarice Lispector. Construção composional: 1) Descrição de tempo, espaço, personagens. 2) Função do narrador indireto livre. 3) Tensão narrativa na estrutura do texto. 4) Preparação e narração do evento incitador da crise da personagem. Recursos textuais: 1) Recursos de prosa poética (figuras de linguagem, frases coordenadas, ritmo). 2) Recursos narrativos (repetição e reformulação de ideias, fluxo de consciência, associação livre, epifania, introspecção). 3) Tensão narrativa na linguagem. Atividades: 1) Leitura coletiva e análise do texto, retomando temas presentes na entrevista e na crônica anteriormente trabalhadas. 2) Didatização, na lousa, de procedimentos e temas empregados no conto. Produtos: 1) Síntese da aula anterior, estabelecendo uma relação com o conto. 2) Leitura coletiva do texto. 3) Discussão, estimulada pela professora, sobre recursos narrativos e textuais presentes no texto. 4) Anotações no caderno. Avaliação: Habilidade de inferir informações de um texto narrativo. Habilidade de analisar e atribuir sentidos a recursos narrativos e textuais empregados pela autora. Aula 4: Conto “Amor”, de Clarice Lispector (continuação) Objetivo: Sensibilização para procedimentos estéticos empregados pela autora, tendo em vista os desdobramentos da “crise existencial” da personagem. Sensibilização para os temas da “crise existencial”, da “função da mulher” e do “amor” em Clarice Lispector. Material: 1) Conto “Amor” (1950), de Clarice Lispector, in Laços de família (1960). 2) Excertos de “A mulher e a alma diária perdida”, de Berta Waldman, in Clarice Lispector:
a paixão Segundo C. L. (1992). Conteúdos: Tema: A “crise existencial”, a “função da mulher” e o “amor" em Clarice Lispector. Construção composional: 1) Descrição de tempo e espaço. 2) Tensão narrativa na estrutura do texto. 3) A crise e seus desdobramentos na narração. 4) A circularidade da narrativa (resolução). Recursos textuais: 1) Recursos de prosa poética (figuras de linguagem, frases coordenadas, ritmo). 2) Recursos narrativos (repetição e reformulação de ideias, fluxo de consciência, associação livre, epifania, introspecção). 3) Tensão narrativa na linguagem. Atividades: 1) Leitura coletiva e análise do texto, retomando temas presentes na entrevista e na crônica anteriormente trabalhadas. 2) Didatização, na lousa, de procedimentos e temas empregados no conto. 3) Proposição de interpretação do conto. Produção inicial: Responder às perguntas do livro didático sobre o conto “Amor”.
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Sugestão de leitura: Excertos de “A mulher e a alma diária perdida”, de Berta Waldman, in Clarice Lispector:
a paixão Segundo C. L. (1992). [xerox distribuída pela estagiária] Produtos: 1) Leitura coletiva do texto. 2) Discussão, estimulada pela professora, sobre recursos narrativos e textuais presentes no texto. 3) Anotações no caderno. Avaliação: Habilidade de inferir informações de um texto narrativo. Habilidade de atribuir sentidos a recursos narrativos e textuais empregados pela autora. Habilidade de sintetizar os sentidos de um conto. Aula 5: Exercícios sobre Clarice Lispector Objetivo: Sintetização dos temas e procedimentos discutidos nas aulas anteriores. Material: 1) Exercícios do livro didático sobre o conto “Amor”. 2) Excertos de “A mulher e a alma diária perdida”, de Berta Waldman, in Clarice Lispector: a paixão
Segundo C. L. (1992). Conteúdos: Temas: A “crise existencial”, a “função da mulher” e o “amor" em Clarice Lispector. Construção composicional: 1) Descrição de tempo, espaço, personagens. 2) Narração de episódios. 3) Exposição de uma pesquisa íntima da personagem. Recursos textuais: 1) Recursos de prosa poética (figuras de linguagem). 2) Recursos narrativos (repetição e reformulação de ideias, fluxo de consciência, associação livre, epifania, introspecção). 3) Tensão narrativa na linguagem. Atividades: 1) Correção dos exercícios, procurando retomar e sintetizar os pontos centrais do conto. 2) Fechar a discussão sobre Clarice Lispector, lendo excertos da obra de Berta Waldman, que apontam para as relações entre os contos e os romances de Clarice Lispector, além de falar sobre seus principais temas. Produtos: 1) Correção coletiva dos exercícios. 2) Leitura e discussão sobre o texto de Berta Waldman. Avaliação: Habilidade de responder questões sobre um texto literário. Habilidade de sintetizar os sentidos de um conto. Habilidade de compreender um texto crítico. Aula 6 – Introdução a Guimarães Rosa: conto “Desenredo” Objetivo: Sensibilização quanto a questões estéticas e temáticas recorrentes em Guimarães Rosa. Material: 1) Conto “Desenredo”, de Guimarães Rosa, in: Tutameia (1967). Conteúdos: Temas: 1) A “poética” roseana. Construção composicional: 1) Escolhas formais; 2) Descrição de personagens. 3) Função do narrador. 4) Intertextualidade. Recursos textuais: 1) Recursos de prosa poética (figuras de linguagem, frases coordenadas, ritmo). 2) Recursos narrativos. 3) Uso de provérbios. Atividades: 1) Leitura coletiva e análise do texto. 4) Didatização, na lousa, de procedimentos e temas empregados no texto.
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Produtos: 1) Leitura coletiva do texto. 2) Discussão, estimulada pela professora, sobre recursos narrativos e textuais empregados no conto. 3) Anotações no caderno. Avaliação: Habilidade de inferir informações de um texto narrativo. Habilidade de atribuir sentidos a recursos narrativos e textuais empregados pelo autor. Aula 7 – Apresentação de Guimarães Rosa Objetivo: Sensibilização para o universo de questões pessoais, estéticas e sociais que compõem a vida e a obra de Guimarães Rosa. Sensibilização para a complexidade de uma figura autoral, para além dos esquemas de “escola literária”. Material: 1) Entrevista com Guimarães Rosa. TV alemã, 1962. [vídeo, 6min]. 2) Apresentação de slides, com fotos e trechos de entrevista escrita dada pelo autor. Conteúdos: Tema: 1) Fatos relacionados à vida e à obra de Guimarães Rosa, a partir de um registro audiovisual (entrevista). Construção composicional: 1) Apresentação da vida e da obra do autor em registro audiovisual, fotográfico e escrito. Atividades: 1) Projeção da entrevista. 2) Discussão sobre aspectos relevantes da entrevista (declarações do escritor, perguntas do entrevistador), tendo como suporte complementar uma apresentação de slides. Produtos: 1) Anotações no caderno de aspectos relevantes da entrevista. 2) Discussão oral sobre aspectos relevantes da entrevista (impressões, comentários, dúvidas). Avaliação: Habilidade de identificar e selecionar informações a partir de registros audiovisual, fotográfico e textual. Habilidade de analisar os dados selecionados, buscando configurar uma imagem do autor. Aula 8: Conto “A hora e vez de Augusto Matraga”, de Guimarães Rosa Objetivo: Sensibilização para procedimentos estéticos empregados pelo autor, tendo em vista as transformações sofridas pela personagem. Sensibilização para os temas da “criação vocabular” e “o herói sertanejo” em Guimarães Rosa. Material: 1) Conto “A hora e vez de Augusto Matraga”, de Guimarães Rosa, in: Sagarana (1946). Conteúdos: Tema: A “criação vocabular” e “o herói sertanejo” em Guimarães Rosa. Construção composional: 1) Descrição de tempo e espaço. 2) Tensão narrativa na estrutura do texto. 3) As transformações do personagem . 4) A circularidade da narrativa (resolução). Recursos textuais: 1) Recursos de prosa poética (figuras de linguagem, frases coordenadas, ritmo). 2) Recursos narrativos. Atividades: 1) Leitura coletiva e análise do texto, retomando temas presentes na entrevista e no conto anteriormente trabalhados. 2) Didatização, na lousa, de procedimentos e temas empregados no conto. Produtos: 1) Leitura coletiva do texto. 2) Discussão, estimulada pela professora, sobre recursos narrativos e textuais presentes no texto. 3) Anotações no caderno.
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Avaliação: Habilidade de inferir informações de um texto narrativo. Habilidade de atribuir sentidos a recursos narrativos e textuais empregados pelo autor. Aula 9 – Conto “A hora e vez de Augusto Matraga”, de Guimarães Rosa (continuação) Objetivo: Sensibilização para procedimentos estéticos empregados pelo autor, tendo em vista os desdobramentos do processo de transformação do heroi. Material: 1) Conto “A hora e vez de Augusto Matraga”, de Guimarães Rosa, in: Sagarana (1946). Conteúdos: Tema: 1) “O sertão é o mundo”. 2) O herói moderno. Recursos textuais: 1) Recursos de prosa poética (figuras de linguagem, frases coordenadas, ritmo). 2) Recursos narrativos. Atividades: 1) Leitura coletiva e análise do texto. 2) Didatização, na lousa, de procedimentos e temas empregados no conto. 3) Proposição de interpretação do conto. Produtos: 1) Leitura coletiva do texto. 2) Discussão, estimulada pela professora, sobre recursos narrativos e textuais presentes no texto. 3) Anotações no caderno. Avaliação: Habilidade de inferir informações de um texto narrativo. Habilidade de atribuir sentidos a recursos narrativos e textuais empregados pela autora. Habilidade de sintetizar os sentidos de um conto. Aula 10 – Questões dissertativas de vestibular sobre Guimarães Rosa Objetivo: Sintetização dos temas e procedimentos discutidos nas aulas anteriores. Trabalho em equipe. Material: Questões dissertativas propostas pelos vestibulares da FUVEST e UNICAMP sobre o conto “A hora e vez de Augusto Matraga. Conteúdos: Tema: questões relativas à leitura do conto. Construção composicional: estrutura de resposta de uma questão dissertativa de vestibular. Recursos textuais: adequação da linguagem e poder de síntese. Atividades: 1) Correção dos exercícios, procurando retomar e sintetizar os pontos centrais do conto. 2) Fechar a discussão sobre Guimarães Rosa, através da leitura feita pelos próprios alunos de suas interpretações acerca do conto. Produtos: 1) Produção e correção coletiva dos exercícios. Avaliação: Habilidade de responder questões sobre um texto literário em grupo. Habilidade de sintetizar os sentidos de um conto. Habilidade de compreender um enunciado.
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CULMINÂNCIA: produção textual sobre um dos autores, realizada em casa e entregue no prazo de uma semana Escolha UMA das propostas abaixo e redija um texto contendo entre 20 e 30 linhas: 1. Estamos no ano de 1971, e você acaba de ler a crônica “Amor”, de Clarice Lispector, publicada no dia 11 de setembro, no Jornal do Brasil. Escreva uma Carta do Leitor, destinada à escritora, desenvolvendo uma reflexão sobre a problemática narrada no texto. Você pode, criativamente, fazer referências ao conto “Amor” (1950), da mesma autora, buscando aproximações entre personagens, temáticas, procedimentos estilísticos e posicionamento crítico. Procure criar um vínculo de compreensão com a escritora. Lembre-se do que ela declarou em entrevista: “Eu me surpreendo com os estudantes, porque eles estão na minha”. 2. Reconstrua, criticamente, a trajetória do protagonista de “A hora e vez de Augusto Matraga”, de Guimarães Rosa. Considere as suas transformações de bandido a benfeitor, de coronel valentão a herói. Como o autor constrói a figura mítica Augusto Matraga? Quais aspectos do mundo sertanejo o autor mobiliza para contextualizar o percurso de redenção da personagem? E em que medida essa história fala, não de apenas de um drama local, mas de uma questão humana? Importante: não se trata, apenas, de fazer um resumo da história; procure analisar criticamente os sentidos que emergem do texto.
3. O projeto didático: implementação e resultados O presente projeto de ensino procurou conciliar uma prática
corrente observada no trabalho do professor – gestos didáticos voltados
ao desenvolvimento da expressão oral e do pensamento crítico dos
alunos, em aulas dialogadas – com uma carência também constatada
nessas aulas – a economia do texto literário em aulas de literatura. O
princípio adotado vai ao encontro da constatação de Roxane Rojo de que
“a unidade mais relevante de ensino é o texto, que não deve se dar como
pretexto para outras atividades de ensino sobre a língua ou sobre a
escrita, mas que se constitui em objeto de estudo, por si mesmo” (ROJO,
2002, p. 35).
Mas não se tratou apenas de considerar o texto em seus aspectos
puramente formais e estéticos, como obra de arte; procurou-se uma
abordagem em que a noção de gênero discursivo fosse integrada à de
gênero textual (no caso, contos), uma vez que as leituras procuraram
presentificar a própria figura do autor como enunciador de uma
mensagem, como interlocutor que deseja nos comunicar algo que
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desconhecemos. A leitura do texto literário, nesse sentido, aflorou como
uma prática social e uma atividade de linguagem, em que autores e
alunos foram colocados frente a frente, através do texto. Pois como
sintetiza Rojo,
(...) para além de se estudar o texto em suas propriedades formais e estilísticas particulares, o texto é visto como um exemplar de gênero do discurso e é por meio da exploração das propriedades temáticas, formais e estilísticas comuns e recorrentes num conjunto de textos pertencentes a um certo gênero que se pode chegar à apropriação destas formas estáveis de enunciado (ROJO, 2002, p. 36).
Partindo desse princípio, o projeto procurou seguir um modelo de
aula expositiva dialogada, ou seja, aquele em que o professor se
posiciona como mediador das análises do objeto de ensino, fornecendo
pontos de partida e sínteses para as discussões.
Uma das propostas do projeto era de promover a sensibilização
dos alunos para o tema através da presentificação da figura do autor, não
enquanto mera entidade da história literária, mas como ser humano,
pensante, complexo. Para tanto, propôs-se a exibição de entrevistas em
documentos audiovisuais, em que os escritores discorrem sobre assuntos
referentes à sua vida e obra. No caso de Lispector, a entrevista causou
certa celeuma em alguns alunos, que consideraram a postura da autora,
em um primeiro momento, muito “chata”, “antipática”, “difícil”. No decorrer
das conversas sobre a entrevista, entretanto, procurou-se chamar a
atenção para a maneira como a escritora compreendia o mundo, os
outros e a si mesma, de modo que a sua visão das coisas, muito diferente
do senso comum, está intimamente ligada à sua maneira de estruturar as
suas obras, no que diz respeito a enredo, personagens, estruturas e
recursos narrativos. O momento da entrevista foi importante para que os
alunos percebessem que há um escritor real por trás da obra, e que
interessa a nós pensarmos de que maneira essa obra é capaz de nos
comunicar sobre a postura crítica que esse autor assumiu frente ao seu
tempo. Quando da entrevista com Guimarães Rosa, os alunos logo
perceberam a diferença de personalidade em relação a Lispector: Rosa
era “sorridente”, “simpático”, “leve”.
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Essas nuances verificadas nas conversas com os autores foram
importantes para que os alunos fossem sensibilizados para a recepção
dos seus textos, notadamente no que diz respeito aos temas tratados e às
peculiaridades de sua linguagem. No momento da leitura dos textos
propriamente ditos, foi possível recuperar diversos indícios presentes
nesses documentos audiovisuais, que já apontavam para aspectos
frequentes nos autores: o drama da existência, o mistério do mundo, o
pasmo diante do cotidiano, a crítica a segmentos da sociedade foram
assuntos recorrentes tanto na entrevista, quanto nos dois contos de
Clarice Lispector lidos com os alunos; no caso de Guimarães Rosa, a sua
relação com o sertão e o homem sertanejo, a sua paixão pelas línguas e
a sua visão “solar” face à aventura humana também apareceram em
ambos os registros mobilizados para a sequência didática. Assim, a
sensibilização por meio desses registros mostrou-se bastante profícua
para a sequência do projeto.
No que diz respeito ao estudo de Rosa, essa não foi, entretanto, a
primeira aula relacionada ao autor, mas a segunda. Isso porque se optou
por experimentar uma inversão no planejamento de aulas referente a
cada autor: se com Lispector iniciou-se pela entrevista, com Rosa por que
não arriscar uma entrada direta pelo texto?
O risco era grande, uma vez que a linguagem do autor nem sempre
facilita o trabalho do professor. No entanto, como os alunos vinham de
uma sequência de cinco aulas em torno da leitura e análise de textos de
Lispector, a maior parte já se mostrava familiarizada com o método da
estagiária e pôde acompanhar a discussão sem grandes dificuldades.
O método, por sua vez, consistiu em uma espécie de adaptação da
estrutura das aulas do curso de Letras para o contexto escolar, isto é,
priorizou-se a análise e interpretação de segmentos linguísticos e
estilísticos, recursos de prosa poética, efeitos de sentido e sugestão,
intertextualidade, enfim, uma série de elementos mobilizados pelo autor
para a construção do texto narrativo, porém com estratégias didáticas
Leitura de texto literário em contexto escolar: contos de Clarice Lispector e Guimarães Rosa
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adaptadas ao nível das turmas (3º ano de EM). Primeiramente, quando
uma expressão ou palavra considerada “difícil” no texto surgia, os alunos
eram mobilizados a tentar dar um sentido a ela, no contexto da obra. Se
isso não ocorria imediatamente, buscava-se fornecer algumas pistas para
que a compreensão fosse aguçada, o que em muitos casos era uma
solução. Outra estratégia mobilizada foi relacionar passagens dos textos
com filmes, músicas, séries, outros textos conhecidos dos autores, de
modo que os alunos pudessem visualizar com mais clareza os espaços e
as personagens envolvidas nos enredos. No caso do conto “A hora e vez
de Augusto Matraga”, por exemplo, falou-se muito em Vidas secas, de
Graciliano Ramos, na música “Faroeste Caboclo”, do Legião Urbana, no
filme Django livre, de Quentin Tarantino. Esse exercício de compreensão,
fundamental para despertar e sustentar o interesse dos alunos pelos
autores, foi desenvolvido à luz de reflexões como as propostas por Luiz
Antônio Marcuschi:
Compreender bem um texto não é uma atividade natural nem uma herança genética; nem uma ação individual isolada do meio e da sociedade em que se vive. Compreender exige habilidade, interação e trabalho. [...] Compreender não é uma ação apenas linguística ou cognitiva. É muito mais uma forma de inserção no mundo e um modo de agir sobre o mundo na relação com o outro dentro de uma cultura e uma sociedade (MARCUSCHI, 2008, p. 229-230).
Assim, para que a leitura atingisse, de fato, a compreensão, foi
preciso estimular “habilidade, interação e trabalho”, numa atividade
coletiva, em que todos pudessem contribuir com hipóteses de
interpretação, ou simplesmente com dúvidas que gerassem o debate. Os
alunos foram constantemente convocados à leitura do texto por meio de
perguntas como: o que poderá significar tal metáfora no contexto do
conto? Por que o autor modificou o sentido de um provérbio popular?
Como se configura este narrador? Qual é o tom deste excerto? Caso a
turma não apresentasse uma resposta ou um comentário aos apelos, ou
se suas análises fossem insatisfatórias, procurava-se oferecer uma leitura
possível e justificada, de uma perspectiva mais expositiva, para que o
diálogo não enfraquecesse. Essa tomada de posição da professora foi
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importante para provocar reações nos alunos, seja de compreensão
apenas, como de dúvida ou de questionamento. Não raro, quando da
explicação de algum momento de um conto, os alunos interrogaram a
leitura feita: mas será mesmo um narrador onisciente? Por quê? Será que
o autor quis dizer isso mesmo? Isso reflete um posicionamento ideológico
do autor? Ele está querendo nos doutrinar? etc. Para manter vivo o
diálogo, foi preciso fornecer elementos para o debate, quando estes não
surgiram. E então a aula deixava de ser expositiva e retornava à
interação. A experiência neste estágio mostrou que essa dinâmica
contribui favoravelmente para o ensino de literatura e a formação de
leitores na escola.
Outra estratégia de compreensão mobilizada foi a de atualizar a
referenciação das obras literárias em estudo, trazendo as discussões ali
presentes para o contexto atual e a experiência pessoal dos alunos, como
propõe M. M. Cavalcante:
Nem o significado das expressões referenciais, nem os próprios referentes pelos quais compreendemos o mundo têm total estabilidade num texto. Eles se encontram em constante transformação, porque dependem do modo como os percebemos, do modo como nossa cultura nos influencia a vê-los e a denominá-los, do modo como julgamos que nossos interlocutores os encaram e até do modo como os textos, falados e escritos, guiam nosso olhar para eles (CAVALCANTE, 2007, p. 65).
Desse modo, procurou-se esclarecer aos alunos que os textos não
apresentam sentidos fechados, mas que transcendem as intenções do
autor e as limitações da linguagem, uma vez que é o nosso olhar sobre
eles que libera e transforma o alcance de suas significações. No decorrer
das leituras, os alunos pareceram compreender essa nova forma de ler
proposta pelo projeto, e a maior parte deles aderiu ao “jogo”.
As turmas revelaram um importante fôlego de leitura, notadamente
a turma de Edificações. A leitura coletiva pôde ser realizada praticamente
sem interrupções que não estivessem relacionadas às discussões.
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Nas atividades propostas como síntese das leituras das obras
também se procurou uma variação nas estratégias. No caso de Lispector,
optou-se por uma sequência de exercícios do livro didático, bastante bem
feita para os objetivos interpretativos da proposta didática: foram seis
questões dissertativas breves, que procuravam recuperar momentos-
chave do conto “Amor”, relacionando-os a possíveis interpretações de
leitura. Os alunos fizeram a atividade em casa e receberam o “visto” do
professor, o que fez com que, no momento da correção, muitos deles
pudessem participar do fechamento da sequência relacionada à autora.
Já no caso de Guimarães Rosa, foi realizada uma atividade em
grupos de cinco ou seis pessoas. Cada grupo ficou responsável por uma
questão dissertativa de vestibular, ou da FUVEST ou da UNICAMP,
relacionada ao conto “A hora e vez de Augusto Matraga”. Tinham, então,
15 minutos para formular uma resposta coletiva à questão (dividida em “a”
e “b”, ou “a”, “b” e “c”), que deveria ser exposta ao restante da turma após
o tempo estabelecido. Esse momento foi muito significativo para inferir em
que medida as discussões foram absorvidas pelos alunos, revelando que
o aproveitamento foi altamente produtivo, conforme o bom desempenho
dos alunos nas respostas. Cada uma destas foi comentada pela
estagiária, sempre retomando as discussões das aulas e orientando os
alunos para uma melhor maneira, quando necessário, de expor a análise
em uma resposta dissertativa.
A sequência foi finalizada com um momento de culminância, no
qual os alunos receberam duas propostas de produção textual, das quais
deveriam escolher uma para ser entregue no período de uma semana,
atividade a qual também contou com o visto do professor. As propostas
buscaram ser democráticas, de modo a oferecer ao aluno a opção de
escolher o autor com o qual sentira mais afinidade. Dos 66 alunos
matriculados nas duas turmas, 41 realizaram a produção textual, sendo
29 dos textos sobre a proposta relacionada a Lispector e 12 sobre Rosa.
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Embora os textos não contassem pontos para a nota dos alunos,
foram avaliados seguindo os conceitos instituídos pela escola (MB, B, R,
I), a fim de que os alunos recebessem uma devolutiva mais concreta do
alcance dos seus textos. Também foram feitos comentários sobre bons ou
maus momentos, e correções pontuais referentes a gramática ou a
questões de coesão e coerência. Os resultados foram, em geral, bastante
positivos, pois mostraram que os alunos, de fato, compreenderam a
proposta didática do projeto e assimilaram muitas das discussões que
foram proporcionadas em sala de aula. A maior parte dos textos foi
avaliada com a nota B.
4. Considerações finais Os desafios deste projeto foram os mais variados possíveis. Talvez
um dos mais complexos, para o qual foi necessária uma solução rápida,
tendo em vista o caráter excepcional desta sequência didática – o estágio
–, diga respeito à aquisição do material para a aula. Sem o livro didático,
que é um facilitador, como fazer com que os alunos trouxessem o
material? Embora a escola disponha de uma “xerox”, na qual o professor
pode disponibilizar textos para fotocópia, muitos alunos não têm
condições de fazê-lo (ou não se esforçam para isso). A solução
encontrada foi de providenciar uma cópia do texto curto, para que todos
pudessem lê-lo. No caso do texto longo, a maior parte da turma estava
sem o texto, o que provocou maior dispersão e exigiu maior concentração
na leitura da estagiária. Quando da segunda parte da leitura do conto de
Guimarães Rosa, “A hora e vez de Augusto Matraga”, o final da história foi
fotocopiado e distribuído aos alunos, para que todos pudessem ter, pelo
menos, algum contato com a materialidade do texto. Reconhece-se, no
entanto, que essa prática é inviável para o professor.
A partir desse problema, surgiu um outro desafio: como basear
uma aula na leitura de um texto, se os alunos não têm o material? Além
das soluções já mencionadas, as aulas exigiram uma teatralização muito
maior do que teria sido, caso todos estivessem acompanhando a leitura
Leitura de texto literário em contexto escolar: contos de Clarice Lispector e Guimarães Rosa
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com o texto, e não apenas oralmente. Desse modo, para manter a
atenção dos alunos e fazer com que eles não se dispersassem da leitura,
precisou-se despender certa energia na mimetização das tonalidades do
texto, sobretudo no que diz respeito à oralidade inerente à prosa roseana.
A estratégia funcionou, mas é algo desgastante para um professor que
precisará ministrar cinco aulas numa manhã.
Por fim, o próprio fato de partir diretamente para a leitura de um
conto, sem desenvolver explicações de escola literária com base no livro
didático, tal como os alunos estão habituados, foi um desafio não só para
a estagiária, mas para toda a turma. A proposta da sequência foi de
oferecer uma nova maneira de ler um texto, baseada em análises
detalhadas de estruturas e procedimentos, a fim de atingir uma
interpretação. Se esse método despertou a curiosidade de grande parte
dos alunos, uma vez que expandiu o universo de leitura em que estavam
situados, uma parcela menor deles foi se dispersando ao longo do
projeto, talvez por considerar o desafio muito grande ou distante de seus
interesses, o que resultou em um maior índice de ausência no decorrer
nas aulas, sobretudo na turma de Marketing. A turma de Edificações, no
entanto, mostrou-se bastante envolvida, com ampla adesão e participação
nas discussões, o que comprovou, finalmente, que há espaço para o texto
literário em sala de aula: basta que o professor saia dos arredores da
Literatura e dê mais espaço para ela própria possa formar os seus
leitores.
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REFERÊNCIAS CAVALCANTE, M. M. “Leitura e escrita: produção de sentidos”. Um mundo de letras: práticas de leitura e escrita – Salto para o futuro – Boletim 3. TV Escola/SEED-MEC, 2007, p. 63-79. MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. ROJO, Roxane Helena Rodrigues. “A concepção do leitor e produtor de textos nos PCNs: ‘Ler é melhor que estudar’”. In: FREITAS, Maria Teresa de Assunção; COSTA, Sérgio Roberto (orgs.). Leitura e escrita na formação de professores. 1ª ed. Juiz de Fora: EDUFJF/CONPED/MUSA, 2002, p. 31-50.
Sites consultados
Estadão – Infográficos. Disponível em: <http://infograficos.estadao.com.br/educacao/ enem/2015/escolas/>. Acesso em: 13 de dezembro de 2016.
Centro Paula Souza. Disponível em: <http://www.cps.sp.gov.br/quem-somos/perfil-historico/>. Acesso em: 10 de dezembro de 2016.
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em: 07 de dezembro de 2016.
Regimento Comum das Escolas Técnicas Estaduais do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza. Disponível em: <http://www.cps.sp.gov.br/etec/regimento-comum/regimento-comum-2013.pdf>. Acesso em: 10 de dezembro de 2016.
Vestibulinho Etecs. Disponível em: <http://www.vestibulinhoetec.com.br/home/>. Acesso em: 10 de dezembro de 2016.
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Anexos
Atividade com questões de vestibular
Questão 1
(UNICAMP) “(...) E, páginas adiante, o padre se portou ainda mais
excelentemente, porque era mesmo uma brava criatura. Tanto assim,
que, na despedida, insistiu:
- Reze e trabalhe, fazendo de conta que esta vida é um dia de capina com
sol quente, que às vezes custa muito a passar, mas sempre passa. E
você ainda pode ter muito pedaço bom de alegria... Cada um tem a sua
hora e a sua vez: você há de ter a sua.”
(João Guimarães Rosa, A hora e a vez de Augusto Matraga, em Sagarana. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001, p. 380).
“(...) Então, Augusto Matraga fechou um pouco os olhos, com sorriso
intenso nos lábios lambuzados de sangue, e de seu rosto subia um sério
contentamento.
Daí, mais, olhou, procurando João Lomba, e disse, agora sussurrando,
sumido:
- Põe a bênção na minha filha..., seja lá onde for que ela esteja... E,
Dionóra... Fala com a Dionóra que está tudo em ordem!
Depois morreu.”
(Idem, p. 413).
a) O segundo excerto, de certo modo, confirma os ditos do padre
apresentados no primeiro. Contudo, “a hora e a vez” do protagonista não
são asseguradas, segundo a narrativa, pela reza e pelo trabalho. O que
lhe garantiu ter “a sua hora e a sua vez”?
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b) “A hora e a vez” de Nhô Augusto relacionam-se aos encontros que ele
tem com outro personagem, Joãozinho Bem-Bem, em dois momentos da
narrativa. Em cada um desses momentos, Nhô Augusto precisa realizar
uma escolha. Indique quais são essas escolhas que importam para o
processo de transformação do personagem protagonista.
Questão 2
(UNICAMP) Leia a seguinte passagem de "A hora e vez de Augusto
Matraga":
"O casal de pretos, que moravam junto com ele, era quem mandava e
desmandava na casa, não trabalhando um nada e vivendo no estadão.
Mas, ele, tinham-no visto mourejar até dentro da noite de Deus, quando
havia luar claro.
Nos domingos, tinha o seu gosto de tomar descanso: batendo mato, o dia
inteiro, sem sossego, sem espingarda nenhuma e nem nenhuma arma
para caçar; e, de tardinha, fazendo parte com as velhas corocas que
rezavam o terço ou os meses dos santos. Mas fugia às léguas de viola ou
sanfona, ou de qualquer outra qualidade de música que escuma tristezas
no coração."
a) Identifique o casal que vive junto com o protagonista da narrativa.
b) Explique o comportamento do protagonista no trecho acima,
confrontando-o com sua trajetória de vida.
c) O que há de contraditório no descanso dominical a que o narrador se
refere?
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Questão 3
(FUVEST) No conto “A hora e vez de Augusto Matraga”, de Guimarães
Rosa, o protagonista é um homem rude e cruel, que sofre violenta surra
de capangas inimigos e é abandonado como morto, num brejo. Recolhido
por um casal de matutos, Matraga passa por um lento e doloroso
processo de recuperação, em meio ao qual recebe a visita de um padre,
com quem estabelece o seguinte diálogo:
- Mas, será que Deus vai ter pena de mim, com tanta ruindade que fiz,
e tendo nas costas tanto pecado mortal?
- Tem, meu filho. Deus mede a espora pela rédea, e não tira o estribo
do pé de arrependido nenhum... (...) Sua vida foi entortada no verde,
mas não fique triste, de modo nenhum, porque a tristeza é aboio de
chamar demônio, e o Reino do Céu, que é o que vale, ninguém tira de
sua algibeira, desde que você esteja com a graça de Deus, que ele
não regateia a nenhum coração contrito.
a) A linguagem figurada amplamente empregada pelo padre é adequada
ao seu interlocutor? Justifique sua resposta.
b) Transcreva uma frase do texto que tenha sentido equivalente ao da
frase não regateia a nenhum coração contrito.
Questão 4
(FUVEST) Considere os seguintes versos, que fazem parte de um poema
em que Carlos Drummond de Andrade fala de Guimarães Rosa e de sua
obra:
(...) ou ele mesmo [Guimarães Rosa] era a parte de gente servindo de ponte entre o sub e o sobre que se arcabuzeiam de antes do princípio, que se entrelaçam para melhor guerra, para maior festa?
(arcabuzeiam = lutam com arcabuzes, espingardas)
DAIANE WALKER ARAUJO
MELPE. São Paulo, n. 8, junho de 2018. 172
a) A luta entre Augusto Matraga e Joãozinho Bem-Bem (do conto “A hora
e vez de Augusto Matraga”) apresenta, conjugados, os aspectos de
guerra e de festa referidos nos versos de Drummond. Você concorda com
esta afirmação? Justifique sucintamente.
(UNICAMP) Os versos seguintes fazem parte do poema “Um chamado
João” de Carlos Drummond de Andrade em homenagem póstuma a João
Guimarães Rosa. Trabalhe a questão a partir da leitura do poema.
Um chamado João
João era fabulista? fabuloso? fábula? Sertão místico disparando no exílio da linguagem comum? (...) Mágico sem apetrechos, civilmente mágico, apelador de precípites prodígios acudindo a chamado geral? (…) Ficamos sem saber o que era João e se João existiu de se pegar.
(Carlos Drummond de Andrade, em Correio da Manhã, 22/11/1967, publicado em Rosa, J. G. Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001).
b) Na primeira estrofe do poema, ‘fábula’ é derivada em ‘fabulista’ e
‘fabuloso’. Mostre de que modo a formação morfológica e a função
sintática das três palavras contribuem para a formação da imagem de
Guimarães Rosa.
Leitura de texto literário em contexto escolar: contos de Clarice Lispector e Guimarães Rosa
MELPE. São Paulo, n. 8, junho de 2018. 173
Produção textual
[Escola] Língua Portuguesa, Literatura e Comunicação Profissional Prof. Leon, Profª Daiane Nome: ___________________________ Nº: _______ Turma: _______
Escolha UMA das propostas abaixo e redija um texto contendo entre 20 e
30 linhas:
1. Estamos no ano de 1971, e você acaba de ler a crônica “Amor”, de
Clarice Lispector, publicada no dia 11 de setembro, no Jornal do Brasil.
Escreva uma Carta do Leitor, destinada à escritora, desenvolvendo uma
reflexão sobre a problemática narrada no texto. Você pode, criativamente,
fazer referências ao conto “Amor” (1950), da mesma autora, buscando
aproximações entre personagens, temáticas, procedimentos estilísticos e
posicionamento crítico. Procure criar um vínculo de compreensão com a
escritora. Lembre-se do que ela declarou em entrevista: “Eu me
surpreendo com os estudantes, porque eles estão na minha”.
2. Reconstrua, criticamente, a trajetória do protagonista de “A hora e vez
de Augusto Matraga”, de Guimarães Rosa. Considere as suas
transformações de bandido a benfeitor, de coronel valentão a herói. Como
o autor constrói a figura mítica Augusto Matraga? Quais aspectos do
mundo sertanejo o autor mobiliza para contextualizar o percurso de
redenção da personagem? E em que medida essa história fala, não de
apenas de um drama local, mas de uma questão humana? Importante:
não se trata, apenas, de fazer um resumo da história; procure analisar
criticamente os sentidos que emergem do texto.
DAIANE WALKER ARAUJO
MELPE. São Paulo, n. 8, junho de 2018. 174
Exemplo de produção textual de aluno (1)
Leitura de texto literário em contexto escolar: contos de Clarice Lispector e Guimarães Rosa
MELPE. São Paulo, n. 8, junho de 2018. 175
Exemplo de produção textual de aluno (2)