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VIII CONCURSO LITERÁRIO Rede de Bibliotecas do Município de Azambuja 2014/2015

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VIII CONCURSO LITERÁRIO

Rede de Bibliotecas do Município de Azambuja

2014/2015

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O MUNDO DO SUBSOLOMariana Wallace

1º Escalão/Conto

VIII CONCURSO LITERÁRIO

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O MUNDO DO SUBSOLO

Era uma vez uma menina chamada Mariana que tinha dois belos olhos azuis e um lindo e comprido cabelo loiro. Mariana tinha uma irmã chamada Luísa, tinham apenas dois anos de diferença, a Luísa tinha um esplendoroso cabelo ruivo e uns vibrantes olhos verdes. Elas eram excelentes alunas, as melhores das suas turmas. A disciplina favorita da Mariana era Português e a da Luísa era Inglês. Eram muito simpáticas e doces, adoravam animais e cada uma tinha um, a Mariana tinha um cão de raça Yorkshire chamado Swetty e a Luísa tinha um gato persa chamado Sushi. Mariana adorava ler, escrever e ouvir música, a sua irmã Luísa também, apesar de fisicamente serem diferentes, as suas personalidades eram muito parecidas.

Certo dia, numa bela tarde de verão, estavam no jardim a lanchar, a Mariana a comer um pão com tulicreme e a beber um Sumol de ananás e, enquanto isso, a Luísa comia um pão com fiambre e bebia um Sumol de laranja. Ao mesmo tempo ouviam rádio e acariciavam os sedosos pelos dos seus animais de estimação. No rádio passou uma música da Taylor Swif, um anúncio a dizer que ela viria a Portugal ao Meo Arena e que ela iria oferecer CD autografados. Elas levantaram-se num salto e foram a correr pedir aos pais:

- Olha mãe, sabes uma coisa?

- O quê? – perguntou Lúcia, a mãe.

- Nós estávamos a ouvir a música da Taylor Swift, a nossa cantora favorita ...

- E...

- Deu um anúncio que dizia que a Taylor Swift vinha ao Meo Arena e oferecia CD autografados. E nós queremos ir, podemos ??????? Por favor, mãe , vá lá.

- Vou falar com o vosso pai e já vos chamo.

- Obrigado mãezinha, adoramos-te !!!!!!!!

A mãe foi falar com o marido e elas foram para o jardim, a Mariana pegou no Swetty e começou a fazer-lhe cócegas na barriga e a Luísa deu um biscoitinho de gato ao Sushi. O pai chamou-as, interrom-pendo o momento:

- Meninas, venham para dentro, preciso de falar convosco.

- Vamos já, pai!

Pegaram nos seus animais e foram a correr para dentro de casa.

O pai mandou-as colocarem o Swetty e o Sushi nas respetivas caminhas e sentarem-se no sofá da

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sala. A sala era grande, as paredes eram laranja e bege, tinha uma lareira, uma SmartTV LG, uma mesi-nha de centro, um chaise longue bege, dois quadros pintados pela mãe e uns cortinados com um padrão laranja e bege.

O pai disse-lhes:

- Filhas, vou deixar-vos ir ao concerto, porque são umas alunas exemplares e nunca me deixaram ficar mal. Só que nós não vamos convosco, já falamos com a mãe das vossas amigas Débora e Teresa e vocês vão com elas. Tenham cuidado, nunca se afastem e não filmem com os vossos iPhones 6, podem levar a minha máquina fotográfica.

- Muito obrigado paizinho, mas podemos ir amanhã ao Colombo comprar uma roupa nova para levar ao concerto?

- Também já combinei com a Elsa, a mãe das vossas amigas e amanhã, quando saírem da escola, vão para a casa delas e depois de almoço partem para o Centro Comercial, levam o meu cartão de crédito, mas só podem gastar cem euros cada uma.

- OK ! Obrigada, pai!

Rapidamente chegou a noite, tiveram que ir jantar, era o prato favorito da Mariana, esparguete à bolo-nhesa, a sobremesa foi a preferida da Luísa, mousse de chocolate. Acabaram de jantar e foram deitar-se, vestiram os seus pijamas roxos e deitaram-se nas suas camas com o edredão laranja.

De manhã, quando acordaram, lavaram-se e vestiram o seu uniforme escolar rosa bebé e vermelho. Naquele dia, iam para casa das suas amigas, por isso levaram dentro da mochila uma roupa para irem ao Colombo. Tomaram o pequeno-almoço e correram para a paragem, iam perdendo o autocarro se o motorista não tivesse esperado.

As disciplinas da Mariana eram Português, História e Matemática; as da Luísa eram Inglês, Físico-quí-mica e Educação Visual. Depois de uma manhã de escola, dirigiram-se para a casa das suas amigas. Lá, almoçaram um saboroso Bacalhau com Natas e como sobremesa Baba de Camelo. Mudaram de roupa e foram para o Colombo, cada uma comprou uma camisola na Bershka, umas calças na Primark e umas botas na Timberland.

Os dias seguintes foram vividos com muita espectativa e as raparigas estavam bastante ansiosas para o concerto. Finalmente, tinha chegado o tão desejado dia e elas estavam eufóricas quando entraram no Meo Arena. Conseguiram lugares à frente e saltavam de contentes quando a Taylor Swift subiu ao palco. Filmaram tudo desde a primeira música Blank Space até à última Shake it Off. Em seguida, ficaram na fila para receberem os CD e, quando os receberam, tiraram uma selfie com a Taylor Swift.

No momento em que estavam a sair do Meo Arena, a Luísa tropeçou em algo, observou de mais perto e chamou a sua irmã:

- Mariana, olha o que eu encontrei!!!!!!

A Mariana observou e reparou que era um alçapão, abriram-no e, quando olhou para cima, viu que o tempo tinha parado e, como era curiosa, decidiu descer as escadas do alçapão e puxar a sua irmã con-

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sigo.

As escadas eram coloridas, cada degrau tinha uma cor diferente, foram descendo cada vez mais até que chegaram a uma sala com várias portas. A Luísa abriu uma onde encontrou uma parede, a Mariana abriu outra e confrontou-se com um cãozinho atado a um poste. A Luísa tentou de novo e encontrou um mundo totalmente diferente, chamou a Mariana e levou-a consigo através daquela porta.

Lá o céu era roxo, as nuvens verde-alface, havia um lago com a água rosa-bebé e, enquanto obser-vavam este mundo, apareceu-lhes à frente um ursinho de peluche cor-de-rosa, com um nariz preto e uns olhinhos esbugalhados que lhes pregou um susto quando começou a falar:

- Olá visitantes, sejam bem-vindos ao mundo do subsolo!

- Como se chamam? Eu sou o Teddy, o príncipe deste mundo!!

- Olá, eu sou a Mariana e esta é a minha irmã Luísa, prazer em conhecer-te!

A Luísa estava mais preocupada em colher as belas flores que estavam perto dos seus pés. Algo que se mexeu atrás do Teddy chamou-lhe a atenção.

- Teddy, o que está atrás de ti?

- Este é o meu primo Cookie, é um bocadinho tímido, por isso é que se escondeu

- Olá Cookie, não tenhas medo, não te fazemos mal.- Disse a LuísaO Cookie mostrou-se, era muito fofinho, era azul e tinha a barriga branca, os olhos pretos e um nariz

pequenininho. O Teddy levou-os até ao castelo, serviu-lhes uma chávena de chá acompanhada de uma bolachinha de água e sal e disse:

- Devem estar a pensar o porquê de só terem visto dois habitantes, o problema é que um touro de peluche decidiu raptar todos os habitantes para deles extrair um poder que temos nos nossos olhos para poder ir ao mundo superior para conquistar todos os mundos e uni-los.

-Isso é terrível, podemos ajudar?

- Só existe uma maneira, ir ao castelo dele e adivinhar alguma pergunta sobre o mundo superior, não é fácil, têm de passar por vários locais onde têm de responder corretamente a uma pergunta. Cuidado, só têm dez segundos para pensar, mas eu posso dar-vos um mapa com video-chamada e é só chamarem que ele liga automaticamente ao meu mapa do mundo do subsolo e perguntam-me tudo o que quiserem. Estão dispostas a isso?

- Sim, estamos. Vamos salvar este mundo maravilhoso!

Então, o Teddy deu-lhes o tal mapa onde tinha asssinalado os locais onde estavam armadilhas. Assim, começaram a viagem, saíram do castelo e dirigiram-se à floresta do algodão, onde estava um buraco que andava de um lado para o outro. Curiosas, tentaram encontrar um padrão, repararam que primeiro ia para esquerda e depois para a direita e assim sucessivamente. Logo de seguida, correram da esquerda para a direita, não caindo lá dentro. Quando passaram pelos buracos, encontraram um gnomo que lhes

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perguntou:

- O que é que quanto mais seca, mais molhada fica?- Uma toalha! – respondeu a Luísa.

Como acertou, o gnomo abriu uma passagem para a cascata de chocolate, o próximo local. Depois de lá chegarem, tiveram que fazer uma jangada com uns azulejos que estavam à borda de água. Como eram recortados, tiveram de fazê-la como um puzzle. Mas como eram duas, a jangada teve que ser maior e demoraram mais algum tempo. Atravessaram e, na outra margem, encontraram um duende que lhes perguntou:

- Qual é coisa, qual é ela, mal entra em casa, põe-se logo à janela?- O botão!- respondeu a Mariana.

O duende apresentou-lhes duas portas, uma roxa e uma azul, elas escolheram a roxa e foram parar ao castelo do tourinho, ligaram ao Teddy e perguntaram-lhe como chegavam à sala onde estava o touro. Imediatamente, ele esclareceu que era só seguir o caminho de azulejos laranjas gravados no chão. Elas encontraram o tal caminho e seguiram-no. De repente, a Mariana pisou um azulejo mais saliente e abriu um buraco onde ia caindo, se a Luísa não a tivesse puxado para trás.

Finalmente, chegaram à dita sala, encontraram lá o tourinho de peluche. Era castanho e branco e do tamanho do Teddy e ele perguntou-lhes:

- Qual é a mais recente música da Taylor Swift?

As irmãs riram-se, mas responderam:

- Blank Space !!

-Como é que vocês sabiam?

- Ela é a nossa cantora favorita.

- Como adivinharam, tenho de devolver os poderes ao mundo do subsolo, mas tenho que pedir-vos um favor.

- Que favor?

- Quero ir convosco para o mundo superior, porque sou um fã incondicional da Taylor Swift e, se eu fosse para o vosso mundo, era um «passaporte» para voltarem a este quando quisessem.

- Excelente ideia, mas não podes falar connosco quando alguém estiver próximo, OK?

- Pode ser, então vamos, é só passar esta porta roxa, mas antes tenho que ir pedir desculpa ao Teddy.

- Assim aproveitamos e despedimo-nos dele.

Passaram por uma outra porta e foram parar à sala de chá do Teddy, encontraram-no a beber chá com

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o Cookie num conjunto de chá verde. O tourinho virou-se para ele e pediu-lhe muitas desculpas e disse--lhe que iria viver para o mundo superior, para a casa da Mariana e da Luísa. As raparigas despediram-se do Teddy e do Cookie e regressaram ao mundo superior, mas desta vez traziam o tourinho. Estava tudo como quando encontraram o alçapão, o tempo tinha parado.

Elas voltaram para casa e colocaram o tourinho entre os seus peluches. Ele adorou o quarto delas que era muito confortável e onde podia ouvir a Taylor Swift sempre que quisesse.

Não contaram nada a ninguém sobre o mundo do subsolo. Elas voltaram lá muitas vezes, para beber chá e para explorarem esse novo mundo.

Cuidado, não se esqueçam, não podem contar a ninguém, é um segredo só nosso!

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A BOINA DO RAPAZRatito Pekenito

1º Escalão/Poesia

VIII CONCURSO LITERÁRIO

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A BOINA DO RAPAZ

Era uma vez uma boina,que voava sem parar.

Pelo mundo fora,sem nunca o encontrar.

Certo dia, um rapaz,viu-a a voar,

no céu limpo e azul,e foi atrás dela sem hesitar.

Correu, correu e apanhou-a.Ela era tão bonita

que ficou todo contente,e foi mostrá-la à Anita.

A Anita não gostou,e o menino ficou triste,

mas mesmo assim,o pequeno não desiste.

O menino levou-a aos pais,e pediu para ficar com ela.

Os pais não deixaram,então escondeu-a na panela.

No dia a seguir,o menino foi brincar.

Levou a boina,e pôs- se a cantar.

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Ele deixou a boina ao lado da piscina,e foi depressa nadar.

Um cão apanhou a boina,e começou-a a rasgar.

O menino ao sair da piscina,ficou arreliado.

Porque a sua boina,Estava num triste estado!

Chegando a casa disse ao paio que tinha acontecido,o pai ficou espantado,e o menino aborrecido.

Pediu, se a boina podia coser,e os pais não deixaram.

No entanto, foram ao sótão,e outra boina encontraram.

O menino não queria,pois queria só aquela.

Pôs-se a chorare saltou pela janela!

Com a boinasempre atrás,

começou a correre catrapás!

Caiu no meio do mato,desatou a chorar.

E preocupadoviu a boina outra vez a voar.

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Viu-a num telhado,Subiu para a apanhar,

Mas desajeitado escorregoue ao chãoo foi parar!

Ele voltou para casa,arrependido do que fez.O pai ralhou com ele,

e a mãe fê-lo outra vez!

De súbito viu uma coisa no ar,apressou-se para ver.

Era a sua boinaoutra vez a aparecer!

Ficou tão feliz,e a partir daquele dia,nunca mais a largoutal era a sua alegria!

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AS FANTÁSTICAS AVENTURAS DO GLUGLU E PAUPAU??????

1º Escalão/BD

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CRIATURAS MÁGICASEscsita

2º Escalão/Conto

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CRIATURAS MÁGICAS

Uma pequena clareira abre-se dentro da Floresta Velha. Quilómetros e quilómetros de árvores que superam os 50 metros de altura formam, lá no topo, um teto vegetal de ramos, folhas e problemas. O azul perde-se na viscosidade verde e castanha da floresta. Cá embaixo, a penumbra desliza suavemente por entre seres vivos e mortos. Contorna as pedras e salta por cima de coelhos, corre pela erva baixa e esconde-se dentro dos troncos.

A vida brota de todos os poros da floresta. Aos pios baixos das corujas, fuga desenfreada dos esquilos, bater de asas dos morcegos e trincar incessante das lagartas, subrepõe-se um outro som. Lembra o fluxo constante do cair de água numa cascata até ao fim do mundo ou o primeiro som que os animais fazem quando aprendem que estão vivos. É doce para os ouvidos, como o mel é para a boca e como a rosa é para o nariz. É um som livre, branco, antigo.

Os elegantes e esguios membros inferiores estão cruzados no chão. A tez pálida nota-se em todo o corpo, subindo pelas pernas, através do tronco direito e musculado, até à face suave, aos lábios finos, maças do rosto salientes e cabelo preto com refletos azuis como o céu estrelado. O elfo mantém as mãos pousadas na sua flauta, parecida com a flauta de pã dos Homens. As pestanas longas mantém os olhos fechados enquanto a criatura sopra, como quem suspira, para dentro do instrumento. Com uma sequên-cia de notas incapaz de ser traduzida para uma pauta dá continuidade à sua devoção à mais bela e triste de todas estações: A Primavera.

Há mais de duas semanas que não sai daquela posição. Não para para dormir. Não para para comer. Não para para trepar às árvores e sentir o toque quente do Sol como fizera na estação anterior - é incrivel como, mesmo em dias de chuva, o corpo dos elfos, coberto pela pele mais relacionada com o mundo natural dos seres que andam e respiram, consegue captar a chama invisível daquele colosso ardente e transformá-la em energia pura.

Os elfos também sofrem, também acreditam em dinvindades, também sentem. Este, Tibicen, sente dores em todo o corpo. Mas a sua mente está distante, está lá em cima e cá em baixo, está junto da di-vindidade dos elfos – a verdadeira Mãe Natureza. Não é aquela ideia idiota dos Homens. Ela existe. Fala através do vento, chora através da chuva, brilha através do Sol, castiga através de tudo, ama através deles. Controla as estações, e expressa-se através delas. Nem todas as gotas da chuva são as suas lágrimas – mas os elfos sabem sempre quando são.

As plantas, eternamente adormecidas mas sempre conscientes, regalam-se com o som da flauta. Os animais, uns mais rápidos que outros, foram-se embora. Aquela é uma conversa pessoal entre Tibicen e a Mãe. O elfo recorda com amor e saudade maiores que o seu corpo a sua esposa e filha – ambas morreram quando esta dava à luz. Parece estranho que seres tão magnifícos e fortes (muito mais fortes que os Homens) padeçam de tão insignificante mal, de tão mísero problema. Mas aquele momento, o do nascimento, é o mais vulnerável, belo e especial na vida de uma elfo. Todos os habitantes da Flores-ta juntam-se e esperam, de olhos pousados na mulher-elfo. São poucas as férteis e mesmo essas têm dificuldade em engravidar. Os elfos são um povo velho, com uma esperança de vida que ronda os 1000 anos – o mais comum é nascer uma criança de 100 em 100 anos.

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A elfo dá, literalmente, à luz. As árvores abrem espaço, encolhem as folhas e se for preciso os troncos.

O céu – sempre azul nessas alturas – parece explodir lá em cima e um enorme raio de Sol preenche a mulher, deixando-a invisível para todos. Daquela vez, algo correra mal. O luz demorou a extinguir-se e quando o fez nem sinal dela ou da bebé. Tibicen sofrera muito. Fechara-se nas Montanhas do Norte e não saíra de lá até ao nascimento seguinte. Quando sentiu o chamamento, correu para lá. O processo foi igual, até a demora, mas não a conclusão. A luz escorrera da mulher-elfo e nos seus braços dormia calmamente uma criança (era um rapaz. Quando engravidavam, as elfos sabiam logo o sexo do bebé. A Mão dizia-lhes, mas ninguém, exceto elas, sabia como). A elfo olhou para Tibicen e entregou-lhe dois colares, iguais exceto no tamanho. Ele reconheceu-os, eram da sua mulher e o que havia feito para a sua pequenina. Pô-los ao pescoço e calou-se, de vez.

Agora, já não fazia qualquer som. Somente no início da Primavera, altura em que deveria ter sido pai, pegava na sua adorada flauta e ia para o local do desaparecimento. Tocava as suas mágoas. Tocava a sua alegria de ser vivo. Tocava por começos e fins e linhas que dividiam estes dois. Tocava para tentar esquecer. Tocava para relembrar.

Todos sentiam a sua profunda infelicidade e raro era o ser que conseguia tolerar o som. Tibicen tocava até que a Mãe lhe desse um sinal para parar. Duas semanas depois, ainda não dera, mas ele não se importava. Não lhe faltavam coisas para dizer, para chorar, para tocar.

O dia estava a chegar ao fim, igual a todos os anteriores. A lua começava já a brilhar no céu azul e tons de rosa, vermelho e laranja tingiam a paz azul no local onde o Sol se punha. As nuvens ocasionais começaram a correr, procurando as estrelas com a ajuda do vento mais forte que se começava a levan-tar. Debaixo do cerco de árvores, isto quase não era notado. A escuridão calma e absoluta começava a adensar-se tenuemente e a cobrir a Floresta e as Montanhas.

De repente, Tibicen ouviu um som. Alguém ou algo andava pela erva e pisara um ramo seco que se encontrava escondido sob o manto verde. Não foi apenas isto que o desconcentrou. Não estava habitua-do a ter ouvintes, para além das plantas, porque apenas aqueles que já haviam sofrido uma dor como a sua poderiam suportar a sua música. Alguns anos antes, um Urubu fêmea pousara numa das árvoes pró-ximas e ouvira-o durante cerca de meio dia antes de levantar as asas ao vento e voar para longe. Já dois ou três Dik-Dik’s passaram por Tibicen enquanto este tocava, mas nenhum ficou muito tempo, seguindo o seu caminho passados alguns minutos.

Não, este animal, esta coisa fosse ela o que fosse, era diferente. O elfo não sentia a perda nesta cria-tura. Conseguia aperceber-se de uma curiosidade infindável, um pequeno toque de malícia e algo que não conseguia identificar, algo mais complexo e abstrato. A Mãe nunca lhe enviava seres como o sinal para parar. Sentia sempre o seu toque através de uma gota, um suspiro do vento, um raio de Sol ou uma folha que caía em cima da sua cabeça.

Após uns minutos a sentir aquela presença, e nenhuma vontade desta de ir embora, Tibicen abriu os olhos. Escuros, com um sopro da Via Láctea em cada um, arregalados e curiosos, manchados pelas lágrimas e até com um toque de desafio.

Apesar da escuridão da noite, o elfo vê perfeitamente o pêlo sedoso cor de laranja e branco, o corpo esguiu e os olhos inquiridores da raposa pousados em si. Sem aviso prévio, o animal corre na sua dire-ção, deita os dentes à flauta e rouba-lha, acabando o único salto necessário para tal proeza a cerca de

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um metro de distância do elfo. A sua longa causa agita-se, convencida, e a raposa olha desdenhosa-mente para Tibicen. Este, confuso com a estranha atitude do animal, olha inconscientemente para cima à espera de alguma resposta.

- Estás a olhar para onde?

Ainda preplexo, baixa o olhar para a raposa. Lança-lhe um olhar inquiridor - Estás a falar comigo?Esta solta uma espécie de grunhido ou ganido. O elfo demora uns segundos a perceber que ela se

está a rir.

- Claro, tolo. Vês aqui mais alguém? Afugentaste todos com este teu som infernal. Qual é o teu proble-ma? Não gostas de companhia, é?

Tibicen recuperou lentamente do choque. Aquela raposa, aquele bicho, estava a falar… Dirigia-se a ele, usava palavras como um elfo. Era a primeira vez que algo assim acontecia, pelo menos que ele soubesse. Nem nas histórias antigas que os mais velhos contavam, alguma vez tinha sido mensionado que os animais falavam.

O elfo levantou-se e esticou a mão para a raposa, sem se tentar aproximar.

Ela sentou-se, pousou a flauta à sua frente e sorriu para o elfo. Pensou durante uns segundos e depois pareceu chegar a uma conclusão.

- Não – disse, simplesmente. Voltou a pegar na flauta com a boca e fugiu.

Com um esgar, Tibicen seguiu-a. Não havia animal que conseguisse correr mais do que um elfo, mas, por mais depressa que fosse, nunca conseguia chegar perto o suficiente para a agarrar.

Cerca de três horas depois, o elfo percebeu o seu destino. Há já muitos quilómetros que se apercebera de que ela tinha uma intenção qualquer, mas só agora, quando as árvores começavam a ficar mais espa-çadas e a Lua começava a brilhar no chão coberto de erva, terra e folhas, o cérebro do elfo fez a ligação. As Montanhas do Norte. Não sabia, não percebia porquê, mas a raposa estava a conduzi-lo àquele que havia sido o seu refúgio, a sua prisão, em anos anteriores.

Nenhum dos dois abrandou quando a erva fresca foi subtituída pela pedra dura e irregular. Subiram a um bom ritmo e, quando se tornou demasiado íngreme, saltaram mais do que correram, nunca parando para descansar ou respirar fundo.

As mãos de Ticinen estavam enlameadas e cheias de cortes, bem como os pés, mas, mesmo assim, manteve-se calmo e continuou a perseguir aquele animal irritante.

Chegando ao topo da montanha, e encontrando o pequeno planalto lá no cimo, a raposa parou. Sen-tou-se virada para Este e esperou que o elfo acabasse a subida. Os minutos haviam-se transformado em horas e o dia estava quase a nascer.

Tibicen usou as mãos para se içar para o topo, a custo. Estava ofegante. Respirava ruidosamente en-quanto tentava tirar a lama, seca e húmida, do corpo – joelhos, cotovelos, cara, todo ele era uma mistura de pele pálida, quase translúcida, e sujidade verde, castanha e preta.

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Pousou os olhos azuis-escuros na raposa, que não fazia um som. Mantinha-se hirta no local onde parara, totalmente alheada ao esforço que tinha acabado de fazer.

O que és tu? – quis perguntar Tibicen. No entanto, o seu corpo não colaborava. Estava exausto, mas foi o seu juramento interior que o manteve calado. Se nenhuma delas pode ouvir a minha voz, jamais voltarei a falar!

- Não falas, elfozinho? Já te esqueceste como se faz? – a raposa estava a troçar dele – É fácil. Abres a boca, enches os pulmões de ar e depois… falas.

A flauta encontrava-se aos pés da raposa e Ticiben esticou a mão e começou a aproximar-se. Com um toque de cauda, a raposa pegou na flauta e colocou-a atrás de si. Novamente, sem aviso e sem qualquer tempo de reação possível para o elfo, ela saltou. As suas patas bateram no tronco nu de Ticiben com tal impacto que ele foi projetado uns metros para trás e ficou deitado no chão, de barriga para cima.

- Se te estás a perguntar, o meu nome é Genitrix. Pode ser que te queiras dirigir a mim pelo meu nome e não fazer figuras de idiota, novamente.

Ele sentou-se e ouviu. Genitrix queria falar, então ele teria de esperar. O que queres? – perguntou, com o olhar.

- O que eu… o que eu quero? - ela abanou a cabeça, sem acreditar na burrice dele – Meu pequeno, a pergunta é: O que queres tu?

Ele não percebeu a pergunta. O que queria ele? Queria a sua flauta, obviamente! Tinha corrido e tre-pado durante horas para a recuperar. Lançou um olhar significativo à flauta atrás de Genitrix.

Ela, sem desviar os seus olhos pretos dos dele, sorriu desdenhosamente.

- A flauta? – soltou novamente aquele som grutesco, que o elfo reconheceu como o riso – Tens a cer-teza? Criança estúpida! O que queres? O que queres? – de um momento para o outro, Genitrix quase tocava com o focinho na sua cara – Precisas de pensar, Tibicen? O que queres, elfo mudo? A tua flauta para continuares a tocar? É isso que mais queres?

Tibicen levantou as sobrancelhas negras, surpreendido. O que ele mais queria… O que ele mais que-ria era a sua mulher e a sua filha. Queria que a Mãe as devolvesse!

Genitrix sorriu maliciosamente. Voltou para o local onde havia estado sentada, pegou na flauta com os dentes e fechou a mandíbula com força. Num segundo, o magnífico instrumento de Tibicen não passava de tubos e lascas de madeira, totalmente inúteis. O elfo soltou um grunhido, involuntariamente. Lágri-mas grossas escorriam-lhe pela face quando se aproximou e ajoelhou em frente àquela que tinha sido a sua companheira desde que nascera. O seu corpo tremia e soluçava incontrolavelmente. De repente, soltou um grito inumano. A montanha abanou toda. Todos os animais que se encontravam a uma milha de distância, fugiram em pânico. O grito continha todo o cansaço, desepero, perda, toda a saudade que guardara e apenas exprimira pela flauta.

- Porquê? – a sua voz estava rouca, da falta de uso e do grito. Fios de baba juntavam os dois lábios semi-abertos e ele fungava ruidosamente. Estava completamente desamparado. A sua cara lembrava

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lembrava uma caveira ou a cara de um homem que traz a morte às costas. Jamais um elfo parecera tão… morto.

Genitrix já não ria. As suas orelhas estavam baixas e olhava-o com tremenda tristeza. Ele estava que-brado, e nunca mais se voltaria a juntar.

- O que queres, Ti…

- Morrer! – gritou, cuspindo na direção da raposa – Nunca mais poderei falar com ela! Nunca mais poderei ouvir a sua voz, recordar os seus passos, ver a cor do seu sorriso! Enquanto tocava, a Mãe per-mitia-me vê-la! Agora, perdi-a… perdi as duas. – calou-se, recomeçando a chorar copiosamente.

- Tibicen, levanta-te! – ordenou Genitrix. Ele, preplexo com a solenidade e força daquela voz, fez o que ela mandou. As lágrimas não pararam nunca de cair, mas agora escorriam silenciosamente. – Quere-las, não é verdade? Farias qualquer coisa para voltar a vê-las, para estar com elas, não é?

Ele acenou lentamente com a cabeça. Ela sorriu sem malícia, pela primeira vez.

- Então é simples. Tens de me matar. – ele preparava-se para interromper, mas ela não deixou – Con-sigo sentir que me odeias, e percebo. Não te preocupes, não lutarei nem te tentarei impedir.

- Como é que matar-te vai fazer com que elas voltem para mim?

Genitrix aproximou-se do elfo.

- Confias em mim?

Ele preparava-se para soltar um absoluto “não”, mas não foi capaz. Por algum motivo, bem dentro de si, o seu coração dizia-lhe que devia confiar nela. Ele não tinha nenhum motivo para isso… Tinha muitos para sentir o contrário, mas não conseguia não confiar nela!

Baixou a cabeça, incapaz de responder.

- Perfeito! Então, mata-me.

A sua prontidão e simplicidade eram avassaladoras. O elfo olhou novamente para aquilo que tinha sido a sua amada flauta e, ganhando coragem, aproximou-se a passos largos de Genitrix e colocou as mãos à volta do seu pescoço. Olhou bem para a cara da raposa e começou a apertar.

Ela fechou os olhos e deixou-se ir, sossegadamente.

No entanto, ele não foi capaz. Sabia que a odiava, sabia que nada o impediria, mas… ele… ele não era capaz de matar.

Com um som de desespero tirou as mãos do pescoço de Genitrix e saltou para trás, para se afastar. Ficou a dois metros da raposa. Esta olhava-o, perplexa.

- Eu parti-te a flauta e prometi-te que se me matasses voltarias a ver a sua mulher e a tua filha… Por-

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quê?

Há meio segundo atrás, ele perguntava-se o mesmo. Mas a verdade é que ele sabia porquê.

- Se eu te matar, não as terei de volta… Não as merecerei e não serei um marido ou um pai, serei um assassino. O que eu sinto, aqui – apontou para o corpo todo, não conseguindo apontar para uma região específica (talvez todo ele fosse a região específica) -, é que prefiro continuar sem elas, a consegui-las através de um ato tão cobarde e nojento. – ele sorriu, estranhamente contente consigo próprio, e deu meia-volta preparando-se para descer a montanha e voltar para a floresta, que era o seu lugar.

- Es... Espera – pediu a raposa, numa voz estranhamente fraca e vulnerável.

O facto de aquele animal falar já não o incomodava ou espantava, mas a mudança súbita de ideias ultrapassava completamente a compreensão do elfo. Se calhar é por isso que os animais não costumam ter a capacidade de falar – pensou.

- Vem cá – disse, na mesma voz sumida. Ela estava junto a um dos extremos do planalto. Quando Tibicen se aproximou viu que a montanha descia a pique num queda de metros e metros até um chão de pedra dura e letal. – Disseste que não achavas possível que as tuas amadas viessem ter contigo se me matasses. Tinhas razão. A verdade é que não é possível voltarem.

- Enganaste-me? – ele sentia a brisa suave que batia na parede de pedra e subia montanha acima.

- Testei-te, pequeno. E voltarei e testar-te, agora. Eu não disse que elas viriam, isso foste tu que con-cluíste. Elas não voltarão, nunca. Mas tu podes ir ter com elas… - Tibicen desviou o olhar da raposa e olhou para o precipício. Então era só aquilo? Ele saltaria, morreria, e poderia ir ter com elas? Parecia demasiado fácil, demasiado absoluto.

- Como sei que nã…

- Não te estou a enganar? – concluiu Genitrix. Ela sorriu e este sorriso foi diferente de todos os outros. Não tinha malícia, nem alegria, nem dor. Era um sorriso distante, velho… O sorriso de saudade, de tem-pos que já foram e que nunca mais voltarão.

A raposa ergueu-se nas patas traseiras e deu a mão (a pata) a Ticiben.

- Porque nunca enganaria assim um filho meu – e deixaram-se levar pelo vento.O impacto foi seco e duro. O som de ossos a estalar, sangue a espirar e mentes a divagar foi ensur-

decedor.

O dia nascia claro e ameno. Um raio de Sol afastou-se dos seus irmãos e pousou pesadamente sobre o corpo daqueles dois seres. 1… 2… 3 segundos se passaram. A luz apagou-se e na pedra não restou nenhuma prova da queda, do perigo ou mesmo da inocência dos dois animais. Um elfo e uma raposa, quem diria…?

Se Tibicen voltou a ver a mulher e a filha, isso já não é destes domínios. Tudo o que acontece em reinos superiores tem outros narradores e eles normalmente não gostam de partilhar os seus textos. Mas pode ser que um dia volte a aparecer uma raposa, uma Mãe, e ensine que o mais importante não é amar

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incondicionalmente, mas amar felizmente.

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UM DIA NORMALSteve

2º Escalão/Crónica

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UM DIA NORMAL

Segue firmemente pela rua. Mantém a cabeça levantada e não deixa que nada se meta à sua frente. Passa olhos invisíveis pelos sem-abrigo. Solta impropérios se alguém se coloca à sua frente. Grita a um taxista que, com a pressa, quase não parou na passadeira.

Dirige-se para o maior edifício da Avenida, um arranha-céus com quase 50 pisos. Local de grandes escritórios, cadeias televisivas, negócios, dinheiro.

As portas automáticas abrem-se. Com o café na mão direita, entregue por alguém, assistente ou es-tagiário, nem sabe, pressiona o botão do elevador. Mal chega ao piso 34, dirige-se rapidamente para o seu escritório. Lança um sorriso à sua assistente, não deve ter mais de 25 anos, pisca-lhe o olho e entra. Ela, atrapalhada, quase deixa cair os papéis que segura, mas mantém-se firme – não pode perder aquele emprego!

O dia passa depressa. Várias reuniões, como é presidente tem de assistir a todas e dar o seu parecer. Novas tecnologias são a sua vida. Em Portugal nenhuma empresa se compara à sua.

No fim do dia, segue na parte de trás do carro. O seu motorista já sabe bem o percurso, não há intera-ção entre eles. Passa pela casa da mãe, que vive sozinha, e segue para a sua. Senta-se ao computador e trabalha mais um bocado. A empregada acaba o jantar e vai-se embora. Depois de comer, deita-se.

E assim se passou mais um dia.

Qual é a imagem desta pessoa? Um homem, certamente, branco, de fato impecável e talvez até em forma… E se for preto? E se for muçulmano? Será solteiro, divorciado ou viúvo? Melhor ainda, pode ser uma mulher! Porque não? Uma mulher bem sucedida na área das tecnologias. A cena da secretária? Não pode ser lésbica? E se for um homem gay dentro do armário que sabe que a secretária irá falar destas coisas com os colegas? Quem sabe se é um homem caquético, que já lá anda há muitos, muitos anos. Ou um jovem que herdou a empresa do pai? É gordo ou magro?

Quando era adolescente sofreu de bullying? Foi sempre rico? Pode ter vindo de Angola ou Moçambi-que, de uma família rica mais pobre que as pobres de cá. E qual seria o mal de ser surdo? Ou de andar de cadeira de rodas?

Temos uma sociedade cheia de preconceitos e discriminação. Ninguém se consegue livrar disso, parece que está no nosso ADN. Mas se conseguíssemos ver uma mulher e não um homem? E se conse-guíssemos ver alguém de cadeira de rodas e não uma pessoa com saúde perfeita? E se conseguíssemos ver um indiano em vez de um europeu?

O problema não está na resposta às perguntas, está na falta de perguntas. Quem se questionou sobre a personagem? Quem é que não soube o que “ver” ao ler o dia desta pessoa? Há várias maneiras de combater a discriminação. Uma delas é nunca tomar nada como garantido, não tirar conclusões precipi-tadas.

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“Nada é mais fácil do que se iludir, pois todo o homem acredita que aquilo que deseja seja também verdadeiro.”

Desmóstenes

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A ESCOLHA DO REIDaisy

2º Escalão/BD

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É SEMPRE SÓ UM ATÉ JÁAmélia

3º Escalão/Conto

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É SEMPRE SÓ UM ATÉ JÁ

Subi os degraus numa pressa branda de quem não sabe se quer chegar. Partiste cedo demais, mãe. Dizem que morreste mas eles não sabem do que falam. Vives tanto em mim. Vives todos os dias e conti-nuas a soltar aquelas gargalhadas que se contorcem de paixão. Continuas a aconselhar-me e até refilas com a cama por fazer. Já se passaram alguns anos, mas o ritual de remexer o teu quarto e as tuas coisas faz com que a tua vida em mim ultrapasse o que sou. Hoje não foi diferente. Entrei no teu quarto como de costume e procurei-te nos armários, no guarda joias e nas gavetas da comoda. Como sempre estavas lá. Estavas lá e não envelhecias. O teu cheiro está por toda a parte e faz-me arrepiar de frio. O teu quarto está frio. O soalho continua a ranger no mesmo sitio e assusto-me sempre que o piso. No armário encon-tro-te nos vestidos e nas écharpes que o pai te deu. Nas gavetas encontro-te nas palavras que escrevias. Os selos e os remetentes dos envelopes declamam a tua presença. Estás tão profundamente cravada nessas palavras que não as partilho com mais ninguém. Ao lê-las sinto-te a beijar-me a testa e oiço-te a desejar-me bons sonhos. Preciso que me digas o que fazer. Vem, sai dessas páginas de papel e diz-me o que fazer. Troca os borrões de tinta e a caligrafia aprimorada e vem dizer-me o que fazer. Sim, mãe. Estou sozinha. Sozinha de verdade. Aquela solidão em que está toda a gente à volta mas estás só, vazia, nua. Faz um mês que me divorciei e sinto-me tão leve. Uma leveza tão ofegante. Falta-me o peso do amor e do corpo dele sobre o meu. De olhos postos no monte de envelopes, meticulosamente organizados e apertados com o teu elástico de cabelo, procuro-te melhor. Procuro ouvir-te melhor. Por favor, diz-me o que fazer. Por entre súplicas e lamúrias, por entre lágrimas e saudade encontro-te naquela carta. Aquela que não querias que lesse lembras-te? A que nunca enviaste ao teu primeiro grande amor, mesmo antes do pai. A que revive a dor de pensar e a alegria de virar a página. Leio-a em silêncio.

Partiste. De súbito senti-me desfalecer, perder o chão e cair numa agonia tumultuosa. Não sei se é maior a dor da tua ausência ou a inércia a que me subjuguei. Levaste contigo o meu discernimento, mas diz-me meu amor, para que te servirá? Para me enlouqueceres? De nada adianta uma louca desamada. Tão pouco servirá para te atormentar tal é a fraqueza da sua alma. Ridicularizo-me com as minhas pa-lavras. Estas recordam as loucas mal-amadas que lemos nos romances de outros tempos e o escárnio que agudiza o dó de mim. Mas sabes que mais? Não temo soar ridícula, nem que as minhas palavras se desfaçam na tua gargalhada. A bem dizer, e se ainda te enquadras na minha ideia de ti, não o farás. Sentirás pena de mim ou então amar-me-ás por mera solidariedade. Eu agradecerei e bastar-me-á saber que ocupei parte dos teus pensamentos, como outrora dirias que ocupava cada segundo do teu viver. Recordarás como sou doce e como sou incessantemente teimosa. Recordar-me-ás a mim e a nós como eu faço de cada vez que me deito e que a noite vem calar em mim a voz que grita. Desejo que sofras e que a recordação do nosso amor esboce um daqueles sorrisos no teu rosto para atenuar essa dor. É isso que faço, meu amor. Nos sonhos bebo-te num trago lento que adivinha prazer. Aqui deitada tento achar-me no tempo. Encontro-me feliz no que fui. Vejo as sombras da gargalhada estridente e sinto o calor do teu corpo a contornar o meu com carícias divinas. A lua vai alta e faz-me lembrar de ti, meu amor. És ainda miragem que fere, ausência que mata. Percorro as memórias minuciosamente que, apesar de baças, ainda trazem o teu cheiro, o nosso fulgor. Não te quero encontrar por aqui, preso no que sou, no que fizeste de mim. A vida pesa agora mais do que eu consigo suportar. Encurvo-me perante os sinais de fraqueza que sobejam. A tua cor preferida e o prato que cozinhas com mestria perseguem-me por onde

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vou. Na verdade sou eu que os procuro para te puder sentir mais perto. Porque são baças as memórias, meu amor. São somente fragmentos dos nossos passados, dos nossos planos e intenções. E eu, na in-consciência da viagem, continuo a tropeçar neles, a viver em função deles. Mas este é o único atalho para te poder sentir mais perto, para me poder sentir viver. Sem ti é maior o vazio, é mais assustador o desco-nhecido e dolorosamente árduo realizar o devaneio. A caminhada sobre as palavras cria fissuras na alma que laceram mais do que caminhar descalça sobre seixos pontiagudos. Não ouso ouvir-me nem sequer ler o que escrevo. Não suportaria reviver tais sentimentos ainda que estes pareçam querer prolongar-se no tempo. Mas o tempo é meu e minhas são também as feridas, meu amor. Por isso, não me julgues por ansiar perdidamente abandonar os restos de ti que se entranham cada vez mais fundo no pouco que ainda sou. Não me voltes a tocar com essas mãos que ainda desejo sentir passear na minha pele fria. Mas por favor não esqueças que fui, um dia, a tua mulher. Não esqueças que me tiveste nos teus braços e que te desejei mais do que àquele chocolate. Eu submergi nas recordações e nelas deixei um pedaço do que sou. Mas amanhã é dia, meu amor. Amanhã vem o sol dar voz ao grito que outrora a noite calara. E eu, ainda frágil, ainda a cambalear, procurarei por ele, meu amor. Serás então só uma memória feliz, uma lição proveitosa, uma pessoa que um dia foi o meu homem e que amarei para todo o sempre mas, na altura certa, sem doer. Agora o que és ainda doí. Não me peças para não sofrer, para não chorar. Amanhã é dia, meu amor, e um dia vai passar.

Sempre tua,Júlia

Toca o telefone. O barulho irritante dos que não sabem esperar desperta-me do torpor em que me en-contrava. Eu não disse que estavas aqui? É incrível como sou somente a continuação de ti. Dia após dia caminhas nos meus passos e sorris nos meus lábios. Dizes-me, como sempre, as palavras mais bonitas e reconfortantes. As que me aconchegam antes de dormir. Ao arrumar as cartas em que se refugiam as tuas palavras cai-me uma lágrima que mancha o papel amarelado pelo tempo. Fecho a gaveta. Fecho-a devagar, como que a aprisionar o momento. A partir de agora o que és volta a restringir-se ao que sou. Pelo menos até que volte a encontrar-te aqui pelo teu quarto. Não vai faltar muito. Falta-me a força para libertar a ilusão da tua presença. Um dia, como disseste ao teu amor. Por agora esta ilusão ampara-me. Tu amparas-me, como se assim eu tivesse conserto. O pai está a gritar lá de baixo. Chama-me para jan-tar. Vamos, é o teu prato preferido, mãe.

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OS VELHOS E OS NOVOSDhyan Kabir

3º Escalão/Crónica

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OS VELHOS E OS NOVOS

Os velhos, os pais, os venerados e os vividos, que passaram muitos anos nesta terra exigem respei-to aos mais novos. No entanto vai para além disso, eles querem ensinar os mais novos e muitas vezes traçar por eles o caminho. Isto acontece muito entre filhos e pais mas também entre graúdos grandes e graúdos mais pequenos.

O problema aqui é que o velho parte de uma premissa errada, que parece certa e o engana. O velho pensa que o futuro é igual ao passado. O velho, sem se aperceber, faz-se de vidente e por isso impõe as suas ideias com tanta certeza. Ele acha que os mesmos acontecimentos se vão repetir, que as mesmas dificuldades vão aparecer. Mas se olhar com atenção verá que poderá estar enganado. O mundo anda a roda e na vida nem sempre um mais um é igual a dois, como na matemática.

O velho esteve no polo norte e agora acha que são precisos casacos quentes no Sahara. Ele teve de fugir de tigres na floresta e não percebe que agora os animais estão em extinção, ele pegou em armas e marchou e não percebe que o desejo de lutar gelou nos jovens. E os velhos aconselham e por vezes impõem, mas o sacrilégio está na origem de tudo: e a origem é o medo. Eles têm medo que tudo se repita, eles têm medo de ficar sem comida, sem abrigo, sem proteção. Eles têm medo de morrer, e procuram segurança e querem dar isso aos pequenos. E de bom coração o fazem! E com amor o fazem! Mas falta um olho mais aberto e um coração ainda mais desperto! Porque da morte não se pode fugir, porque as voltas são imprevisíveis. E mesmo o que parece seguro pode ser uma armadilha fria e cruel. Então por-quê gastar assim os cartuchos? Porquê ver assim os ponteiros do relógio a girar incessantemente e a areia a cair sem nunca parar?

E os jovens, que têm sangue na guelra, que ardem com fogo por dentro, sentem-se enjaulados e afrontados. Sentem que não podem escolher. Sentem que estão predestinados. Sentem que não são livres o suficiente, não é assim? E combatem os velhos, para os contrariar, deixam-se cegar pela fúria, deixam-se consumir por um novo ego traiçoeiro. Alguns enveredam pelas drogas, outros pela violência, outros tornam-se simplesmente incompreendidos e maltrapilhos, outros ainda aventureiros e explorado-res. Mas deixam de saber ouvir, porque têm medo de ouvir mais do que uma opinião, uma partilha. Têm medo da imposição, da grilheta escondida.

Mais, agora, para os pais, as crianças só podem ser de duas formas: ou monstros revoltados ou bone-cos sem vida, cópias falidas do modelo criado. Nunca poderão ser uma canção, nunca poderão ser uma cor única do arco-íris.

Mas a então a vida como se faz? Sem certezas nem verdades constituídas?

Eu acredito num mundo de possibilidades. Eu acredito que as coisas podem mudar de um momento para o outro e que no início da viagem não nos dão um guião. Eu não acredito em verdades.

Eu não acredito em respostas mas em perguntas. Abrir caminho entre perguntas, seguir à voz lá den-tro, saber arriscar. É bom ouvir os outros, é bom com eles por vezes caminhar mas há uma intimidade muito grande a descobrir nas decisões a tomar, no caminho a seguir e penso que só assim, só arriscando

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verdadeiramente se pode aprender a verdadeira aprendizagem. Sem padrões, sem verdades. E a mente não chega tem de ser algo mais…

O velho tem de abrir a mão e deixar o jovem ser livre e o jovem tem de descer do seu pedestal e saber partilhar e ouvir.

Dizem que o meu argumento é fácil, concordo, eles sabem bem. Pois o meu argumento é destruição, só tenta desfazer um castelo de espinhos e pedra. Porque as possibilidades são tantas que o mais pro-vável é eu estar errado.

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LIVROFátima Barros

3º Escalão/Poesia

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LIVRO

Nas entranhas da mente, Sonhado, Idealizado Num tempo eterno. Livre para ser livro

Amanheceu a palavra Título do meu nome.

Livro sou !

A tinta escorre-me do corpo Como um vento tatuado.

A cintilar viagens, Imagens,

Personagens Matemática. Livro sou !

A criança no meu peito Embalo e faço adormecer:

Arte Imagens, Viagens

História e fantasia. Livro sou !

Inverno, minha alma ! Sinto frio !

Andorinha, minha primavera ! Verão, inferno de paixão !

Outono, folha caída Solta a imaginação .

Livro sou !

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Jorrado de palavras, Signos de significados,

Léxico maldito, Morfologia desestruturante,

Semântica eterna Inatingível. Livro sou !

Gosto de ser Desejado, odiado,

Amante, companheiro, Manuseado, libertado,

Requisitado em desespero, Oferecido. Livro sou !

Amo, Quando te fazes caminho

Perpassam palavras que amo. Gosto de ser teu

Até à última palavra ! Teu livro sou !

Vamos adormecer ?

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COMO UMA ROSADhyan Kabir

3º Escalão/BD

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