leff, e. complexidades, racionalidade ambiental e diáologo de saberes

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 17 34(3): 17-24 set/dez 2009 Complexidade, Racionalidade Ambiental e Diálogo de Saberes Enrique Leff RESUMO - Complexidade, Racionalidade Ambiental e Diálogo de Saberes . O saber ambiental reafirma o ser no tempo e o conhecer na história; estabelece-se em novas identidades e territórios de vida; reconhece o poder do saber e da vontade de  poder como um querer saber. O saber ambiental faz renascer o pensamento utóp ico e a vontade de liberd ade em uma nova racio nalidade, na qual se fundem o rig or da razão e os excessos do desejo, a ética e o conhecimento, o pensamento racional e a sensualidade da vida. A racionalidade ambiental abre caminho para uma reerotização do mundo, transgredindo a ordem estabe lecida, a qual impõe a proibiçã o de ser. O saber ambiental, interrompido pela incompletude do ser, pervertido pelo poder do saber e mobilizado  pela relação com o Outro, e labora categoria s para apreende r o real de sde o limite da existência e do entendimento, a diferença e alteridade. Palavras-chave: Saber ambiental. Racionalidade ambiental. Diálogo. Complexi- dade. ABSTRACT - Complexity, Environmental Rationality and Dialogue Between Knowledge.  The environmental knowledg e re-states the being´s existence in time and the condition of to know along history; it is established in new identities and places where life goes on; recognizes the power of knowledge and the wish for power as desire for to know. The environmental knowledge reborns the utopical thinking and the wish for freedom in a new rationality which mingles the severity of reason and the excesses of desire, the ethics and knowledge, the rational thinking and the sensuality of life. The environmental rationality opens the way for a re-erotization of the world, transgressing the established order which imposes the prohibition of being. The environmental knowledge, interrupted by the being´s incompletude, perverted by the power of knowledge and affected by the relation with other people, makes categories to apprehend the reality since the limit of existence and understanding, the difference and the understanding about what means to be another. Keywords: Environmental understanding. Envir onmental rationality. Dialo- gue. Complexity

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complexidade ambiental

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    34(3): 17-24set/dez 2009

    Complexidade,Racionalidade

    Ambiental e Dilogode Saberes

    Enrique Leff

    RESUMO - Complexidade, Racionalidade Ambiental e Dilogo de Saberes. Osaber ambiental reafirma o ser no tempo e o conhecer na histria; estabelece-se emnovas identidades e territrios de vida; reconhece o poder do saber e da vontade depoder como um querer saber. O saber ambiental faz renascer o pensamento utpico e avontade de liberdade em uma nova racionalidade, na qual se fundem o rigor da razo eos excessos do desejo, a tica e o conhecimento, o pensamento racional e a sensualidadeda vida. A racionalidade ambiental abre caminho para uma reerotizao do mundo,transgredindo a ordem estabelecida, a qual impe a proibio de ser. O saber ambiental,interrompido pela incompletude do ser, pervertido pelo poder do saber e mobilizadopela relao com o Outro, elabora categorias para apreender o real desde o limite daexistncia e do entendimento, a diferena e alteridade.Palavras-chave: Saber ambiental. Racionalidade ambiental. Dilogo. Complexi-dade.ABSTRACT - Complexity, Environmental Rationality and Dialogue BetweenKnowledge. The environmental knowledge re-states the beings existence in time andthe condition of to know along history; it is established in new identities and placeswhere life goes on; recognizes the power of knowledge and the wish for power as desirefor to know. The environmental knowledge reborns the utopical thinking and the wishfor freedom in a new rationality which mingles the severity of reason and the excessesof desire, the ethics and knowledge, the rational thinking and the sensuality of life. Theenvironmental rationality opens the way for a re-erotization of the world, transgressingthe established order which imposes the prohibition of being. The environmentalknowledge, interrupted by the beings incompletude, perverted by the power ofknowledge and affected by the relation with other people, makes categories to apprehendthe reality since the limit of existence and understanding, the difference and theunderstanding about what means to be another.Keywords: Environmental understanding. Environmental rationality. Dialo-gue. Complexity

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    A crise ambiental uma crise da razo, do pensamento, do conhecimento.A educao ambiental emerge e se funda em um novo saber que ultrapassa oconhecimento objetivo das cincias. A racionalidade da modernidade pretendepor prova a realidade, colocando-a fora do mundo que percebemos com ossentidos e de um saber gerado na forja do mundo da vida. O saber ambientalintegra o conhecimento racional e o conhecimento sensvel, os saberes e ossabores da vida. O saber ambiental prova a realidade com saberes sbios queso saboreados, no sentido da locuo italiana asaggiare, que pe prova arealidade degustando-a, pois se prova para saber o que se pensa, e, se a provada vida comprova o que se pensa, aquele que prova se torna sbio. Dessaforma, restaura-se a relao entre a vida e o conhecimento.

    O saber ambiental reafirma o ser no tempo e o conhecer na histria; estabe-lece-se em novas identidades e territrios de vida; reconhece o poder do sabere da vontade de poder como um querer saber. O saber ambiental faz renascer opensamento utpico e a vontade de liberdade em uma nova racionalidade naqual se fundem o rigor da razo e os excessos do desejo, a tica e o conheci-mento, o pensamento racional e a sensualidade da vida. A racionalidade ambientalabre caminho para uma reerotizao do mundo, transgredindo a ordemestabelecida, a qual impe a proibio de ser. O saber ambiental, interrompidopela incompletude do ser, pervertido pelo poder do saber e mobilizado pelarelao com o Outro, elabora categorias para apreender o real desde o limite daexistncia e do entendimento, a diferena e a outredade. Dessa maneira, criamundos de vida, constri novas realidades e abre o curso da histria para umfuturo sustentvel.

    O saber ambiental uma epistemologia poltica que busca darsustentabilidade vida; constitui um saber que vincula os potenciais ecolgi-cos e a produtividade neguentrpica do planeta com a criatividade cultural dospovos que o habitam. O saber ambiental muda o olhar do conhecimento e comisso transforma as condies do saber no mundo na relao que estabelece oser com o pensar e o saber, com o conhecer e o atuar no mundo. O saberambiental uma tica para acarinhar a vida, motivada por um desejo de vida,pela pulso epistemoflica que erotiza o saber na existncia humana.

    O saber ambiental se forja pulso por conhecer, na falta de saber das cin-cias, o desejo de satisfazer essa falta insatisfeita. Da impulsiona uma utopiacomo reconstruo da realidade a partir de uma multiplicidade de sentidosindividuais e coletivos, para alm de uma articulao cientfica, deintersubjetividades e de saberes individuais. O saber ambiental busca conhe-cer o que as cincias ignoram, porque seus campos de conhecimento projetamsobras sobre o real e avanam, disciplinando paradigmas e subjugando sabe-res. O saber ambiental, mais do que uma hermenutica do esquecimento, maisdo que um mtodo de conhecimento do consabido, uma inquietude do nuncasabido, que falta saber sobre o real, conhecimento que emerge do que aindano . Assim, o saber ambiental constri novas realidades.

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    A consistncia e a coerncia desse saber se produzem mediante uma cons-tante prova de objetividade com a realidade em uma prxis de construo darealidade social que confronta interesses diferenciados, insertos em saberesindividuais e coletivos. O conhecimento no se forma apenas nas relaes devalidao com a realidade externa e em uma justificao intersubjetiva do saber.O saber se inscreve em uma rede de relaes de outredade e com o real naconstruo de utopias por meio das aes sociais; ele confronta a objetividadedo conhecimento com as diversas formas de significao do real, assim comonas condies de assimilao de cada sujeito e cada cultura, que se concreti-zam e fixam em saberes individuais e compartilhados, dentro de projetos polti-cos de construo social.

    O saber social emerge de um dilogo de saberes, do encontro de seresdiferenciados pela diversidade cultural, orientando o conhecimento para a for-mao de uma sustentabilidade partilhada. Ao mesmo tempo, implica a apropri-ao de conhecimentos e saberes dentro de distintas racionalidades culturais eidentidades tnicas. O saber ambiental produz novas significaes sociais,novas formas de subjetividade e posicionamentos polticos ante o mundo.Trata-se de um saber ao qual no escapa a questo do poder e a produo desentidos civilizatrios.

    O dialogo de saberes se produz no encontro de identidades. a entrada doser constitudo por intermdio de sua histria at o indito e o impensado, atuma utopia arraigada no ser e no real, construda a partir dos potenciais danatureza e dos sentidos da cultura. O ser, para alm de sua condio existencialgeral e genrica, penetra o sentido das identidades coletivas que constituem ocrisol da diversidade cultural em uma poltica da diferena, mobilizando osatores sociais para a construo de estratgias alternativas de reapropriaoda natureza em um campo conflitivo de poder, no qual se desdobram sentidosdiferenciados e, muitas vezes, antagnicos, na construo de um futuro sus-tentvel.

    A compreenso do ser no saber, a concentrao das identidades nas cultu-ras, incorpora um principio tico que se traduz em diretriz pedaggica; paraalm da racionalidade dialgica, da dialtica entre fala e escuta, da disposiopara compreender e colocar-se no lugar do outro, a poltica da diferena, atica da outredade e a hibridizao de identidades levam a interiorizar o outroem um, no jogo de mismidades que introjetam outredades sem renunciar ao seuser individual e coletivo. As identidades hbridas que assim se constituem noso a expresso de uma essncia, tampouco na entropia do intercmbio subje-tivo e comunicativo. Elas emergem da afirmao de seus sentidos diferencia-dos frente a um mundo homogeneizado e globalizado.

    O saber ambiental se faz assim solidrio de uma poltica do ser, da diversi-dade e da diferena. Tal poltica se funda no direito de ser diferente, no direitopor autonomia, em sua defesa frente a ordem econmico-ecolgica globalizada,sua unidade dominadora e sua igualdade inequitativa. o direito a um ser

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    prprio, que reconhece seu passado e projeta seu futuro; que restabelece seuterritrio e reapropria sua natureza; que recupera o saber e a fala a fim deatribuir-se um lugar no mundo e dizer uma palavra nova, desde suas autonomi-as e diferenas, no discurso e nas estratgias da sustentabilidade. Para isso,ser preciso sacrificar as palavras, para que voltem a reexistir no ser das coi-sas. Deveremos impulsionar as gramticas do futuro (Steiner), para poder deci-dir o que ainda no , para que os seres culturais expressem suas verdades e seentrelacem em um dilogo entre identidades coletivas diversas.

    O questionamento racionalizao crescente do conhecimento e objetivao do mundo tem levado a estabelecer a questo dos valores e dasubjetividade no saber. A relao entre tica e conhecimento leva a incorporarvalores dentro deste ltimo e dentro das relaes de poder no saber; a introdu-zir significados diversos na construo dos objetos de conhecimento, na ori-entao do saber, na legitimao e na validao de paradigmas de conhecimen-to, incluindo o registro dos interesses e sentidos do saber dentro de formasdiferenciadas e antagnicas de apropriao do mundo e da natureza.

    A complexidade ambiental no apenas leva necessidade de aprenderfatos novos (mais complexos), mas tambm inaugura uma nova pedagogia, queimplica reapropriao do conhecimento desde o ser do mundo e do ser nomundo, a partir do saber e da identidade que se forjam e se incorporam ao ser decada indivduo e cada cultura. Este aprender o mundo se d atravs de concei-tos e categorias por meio dos quais codificamos e significamos a realidade, pormeio de formaes e elaboraes discursivas que constituem estratgias depoder para a apropriao do mundo. Toda aprendizagem implica umareapropriao subjetiva do conhecimento, porm significa, sobretudo, uma trans-formao do conhecimento a partir do saber que constitui o ser.

    A pedagogia da complexidade ambiental reconhece que apreender omundo parte do ser de cada sujeito, de seu ser humano; essa aprendizagemconsiste em um processo dialgico que transborda toda racionalidade comuni-cativa construda sobre a base de um possvel consenso de sentidos e verda-des. Alm de uma pedagogia do ambiente, que volta seu olhar ao entorno, histria e cultura do sujeito, a fim de reapropriar seu mundo desde suasrealidades empricas, a pedagogia ambiental reconhece o conhecimento; ob-serva o mundo como potncia e possibilidade; entende a realidade como cons-truo social, mobilizada por valores, interesses e utopias.

    Ante a incerteza, a pedagogia ambiental no a de sobrevivncia, doconformismo e da vida cotidiana, mas a da educao embasada na imaginaocriativa e na viso prospectiva de uma utopia fundada na construo de umnovo saber e de uma nova racionalidade, no desencadeamento dos potenciaisda natureza, na fecundidade do desejo e na ao solidria.

    Se a cincia tem perdido suas certezas e suas capacidades preditivas, sese tem derrubado a possibilidade de construir um mundo planificado central-mente sobre as bases de uma racionalidade cientfica e uma racionalizao dosprocessos sociais, ento a educao no apenas deve preparar as novas gera-

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    es para aceitar a incerteza do desastre ecolgico e para gerar capacidades deresposta ao imprevisto; tambm deve preparar novas mentalidades capazes decompreender as complexas inter-relaes entre os processos objetivos e subje-tivos que constituem seus mundos de vida, a fim de gerar habilidades inovado-ras para a construo do indito. Trata-se de uma educao que permite sepreparar para a construo de uma nova racionalidade; no para uma cultura dedesesperana e alienao, pelo contrrio, para um processo de emancipaoque permita novas formas de reapropriao do mundo e de convivncia com osoutros.

    A pedagogia da complexidade ambiental se constri, dessa forma, naforja do pensamento do no pensado, do proceder, do que ainda no , nohorizonte de uma transcendncia para a outredade e diferena, na transiopara a sustentabilidade e justia - da se desprendem os princpios conceituaisque orientam uma pedagogia ambiental.

    O ambiente no apenas o mundo de fora, o entorno do ser e do ente, ouo que permanece fora de um sistema. O ambiente um saber sobre a naturezaexternalizada, sobre as identidades desterritorializadas, a respeito do real nega-do e dos saberes subjugados por uma razo totalitria, o logos unificador, a leiuniversal, a globalidade homogeneizante e a ecologia generalizada. O ambiente objetividade e subjetividade, exterioridade e interioridade, imperfeio em sere imperfeio de saber, que no acumula nenhum conhecimento objetivo, ummtodo sistmico e uma doutrina totalitria. O ambiente no somente umobjeto complexo, mas que est integrado pelas identidades mltiplas que con-figuram uma nova racionalidade, a qual acolhe diversas racionalidades cultu-rais e abre diferentes mundos de vida.

    O saber ambiental no o conhecimento da biologia e da ecologia; notrata apenas do saber a respeito do ambiente, sobre as externalidades dasformaes tericas centradas em seus objetos de conhecimento, mas da cons-truo de sentidos coletivos e identidades compartilhadas que formam signifi-caes culturais diversas na perspectiva de uma complexidade emergente e deum futuro sustentvel. Consiste em um saber que faz parte do ser, na articula-o do real complexo e do pensamento complexo, no entrecruzamento dostempos e na reconstituio das identidades. O saber ambiental se inscreve noterreno do poder que atravessa todo saber, do ser que sustenta todo saber e dosaber que configura toda identidade. O saber ambiental constri estratgias dereapropriao do mundo e da natureza.

    A construo do saber ambiental implica uma desconstruo do conhe-cimento disciplinar, simplificador, unitrio. Trata-se de um debate permanentefrente a categorias conceituais e formas de entendimento do mundo que temconsolidado formas de ser e conhecer modeladas por um pensamentounidimensional que tem reduzido a complexidade para ajust-la a umaracionalidade da modernidade que remete a uma vontade de unidade, de efic-cia, de homogeneidade e de globalizao. a negao das certezas insustent-veis e a aventura na construo de novos sentidos de ser.

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    A complexidade ambiental no a complexidade do mundo, dos seres, darealidade; no somente a complexidade do real, da geratividade da physis, daevoluo da natureza, da emergncia da ordem simblica; no a complexidadede um pensamento que representa e compreende melhor a complexidade damatria. A complexidade ambiental emerge da relao entre o real e o simblico; um processo de relaes nticas, ontolgicas e epistemolgicas; dehibridaes da natureza, da tecnologia e da cultura; , sobretudo, a emergnciade um pensamento complexo que apreende o real e que se torna complexo pelainterveno do conhecimento. Por isso, no simplesmente um pensamentocomplexo mais bem unido complexidade de seu objeto de estudo, mas umpensamento que ultrapassa a relao de conhecimento, que vai alm de umaontologia do ser e de uma epistemologia, e se abre para um saber da vida e umatica da outredade.

    A complexidade ambiental extrapola o campo das relaes deinterdisciplinaridade entre paradigmas cientficos para um dilogo de saberes,que implica um dilogo entre seres diferentes. A interdisciplinaridade se esta-belece no terreno de uma cincia que se tem fragmentado, poca que temobjetivado todas as disposies do ser; sobre a base da construo de umaracionalidade social que, alm de compreender sua configurao namodernidade, estabeleceu a norma pela qual deveria se ajustar o mundo. Aracionalidade ambiental consiste em um pensamento que se emancipa dessanorma, seu dever de ser imposto, que reabre a histria para o poder de ser doser. A complexidade ambiental configura uma globalidade alternativa, uma con-fluncia e convivncia de mundos de vida em permanente processo de diversi-ficao e diferenciao.

    A complexidade ambiental inscreve o ser em um acontecer que o torna maiscomplexo, em um pensando e atuando no mundo, abrindo as possibilidadesdesse mundo, rompendo o cerco do constrangimento que o submete ao pensa-mento unidimensional, globalizao econmica, racionalidade cientfica einstrumental. Outro mundo possvel para alm da finalidade de dar maiorequidade, sustentabilidade e justia ao mundo atual dentro do marco daracionalidade estabelecida. Este deixar ser ao mundo no apenas um deixarser natureza, vida, evoluo biolgica, ao desenvolvimento econmico.Abrir a complexidade do ser para a sustentabilidade implica reconstru-lo atra-vs do pensamento, descobrir o que tem concebido a cincia moderna a partirde uma nova racionalidade. A racionalidade ambiental abre um mundo pleno demuitos mundos por meio de um dilogo de seres e saberes, da sinergia dadiversidade e da fecundidade da outredade, de uma poltica da diferena. Opensamento da complexidade ambiental leva assim a compreender o mundo norumo do ser com a natureza, e do ser com o outro e com o Outro, transbordan-do a relao de conhecimento entre conceito e real para um dilogo de saberes.

    A complexidade ambiental auxilia um processo de construo de saberes apartir da diferena do ser. O ser, diverso por sua cultura, ressignifica seu saber

    RafaelDestacar

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    para dar-lhe seu selo pessoal, para inscrever seu estilo cultural e reconfiguraridentidades coletivas. A pedagogia prepara o encontro de seres diversos dialo-gando desde suas identidades diferenciadas. A complexidade ambiental se abrepara um re-conhecimento do mundo desde a lei limite da natureza (entropia) eda lei limite da cultura (finitude da existncia). A complexidade ambiental seconstri e se aprende atravs de um processo dialgico de saberes, na hibridaoda cincia, da tecnologia e dos saberes populares. o reconhecimento designificados culturais diferenciados, no apenas como uma tica da outredade,mas como uma ontologia do ser, plural e diverso.

    A pedagogia ambiental abre o pensamento para apreender o ambiente, apartir do potencial ecolgico da natureza e dos sentidos culturais que mobili-zam a construo social da histria. A pedagogia ambiental consiste em apren-der um saber ser com a outredade, que vai mais alm do conhece-te a ti mesmo,como modo de vida. O saber ambiental integra o conhecimento do limite e osentido da existncia. um saber vir a ser no sentido de saber que o ser emum devir no qual existe a marca do sido, sempre aberto ao que ainda no .Significa incerteza como impossibilidade de conhecer o sendo e certeza de queo ser no se contm no conhecimento prefixado das certezas do sujeito dacincia, da norma, do modelo, do sistema. um ser que se forma desde suaimperfeio em ser, da impossvel unidade e totalidade do conhecimento e napulso do saber.

    A pedagogia ambiental consiste em aprender a conviver com o outro, como que no internalizvel (neutralizvel) por si mesmo. ser em e com o abso-lutamente outro, que aparece como criatividade, alteridade e transcendncia,que no a completude do ser, a reintegrao do ambiente, nem a retotalizaodo conhecimento, mas pulso de vida, fecundidade do ser no tempo, fertilidadedo encontro com o outro.

    A educao ambiental recupera assim o sentido originrio da noo deeducere, como deixar sair a luz; no como um novo iluminismo da coisa, nemcomo o despregar-se do objeto ou a transmisso mimtica de saberes e conhe-cimentos, mas sim como a relao pedaggica que deixa ser ao ser, que favore-ce a que as potncias do ser, da organizao ecolgica, das formas de significa-o da natureza e dos sentidos da existncia se expressem e manifestem. Aeducao ambiental o processo dialgico que fertiliza o real e abre as possibi-lidades para que se chegue a ser o que ainda no se .

    Para isso, teremos que reconstruir nossa razo e nossa sensibilidade paradeixar ser ao ser, para abrir as portas a um devir, a um porvir que no sejasomente a inrcia dos processos desencadeados por um mundo economizadoe tecnologizado. Abrir os espaos para um dilogo de seres e saberes em quenem tudo cognoscvel e pensvel de antemo; aprender uma tica para quepossa surgir um mundo onde convivam em harmonia a diversidade e as diferen-as. Devemos aprender a dar lugar ao no-saber e esperana, quilo que se

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    constri no encontro com o outro, com o Outro, alm da objetividade e dosinteresses inscritos no projeto civilizatrio que nos tem dado a modernidade.

    Para construir um mundo sustentvel, devemos reavivar o fogo do saber,recordando com Humberto Eco que este no provm do deslumbranteiluminismo, mas da luz da chama, de sua esplndida claridade e seu gneo ardor,que resplandecem a fim de queimar.

    Atrevamo-nos, pois, a queimarmos o fogo ardente deste saber que busca eespera. Mantenhamos viva a chama que explora novos caminhos. Lancemo-nos na aventura desta utopia, na construo de uma realidade ambiental, antesque a racionalidade dominante e a enganosa verdade do mercado globalizadonos arrastem para o abismo da morte entrpica do planeta e para a perda desentido da existncia humana.

    Esse o maior desafio da educao na atualidade: o da responsabilidade a tarefa de coadjuvar este processo de reconstruo, educar para que os novoshomens e mulheres do mundo sejam capazes de suportar a carga desta crisecivilizatria e convert-la no sentido de sua existncia, para o reencantamentoda vida e para a reconstruo do mundo.

    Esses so os caminhos abertos pela racionalidade ambiental e as veiaspelas quais corre o sangue da educao ambiental na Amrica Latina.

    Recebido em julho de 2009 e aprovado em agosto de 2009.

    Enrique Leff pesquisador titular do Instituto de Investigaciones Sociales eprofessor da Facultad de Ciencias Polticas y Sociales, UNAM, Mxico.E-mail: [email protected]

    Traduo de Tiago Daniel de Mello Cargnin