lean na fap por pedro salvada

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F-1 6 Texto Tenente-Coronel ENGAER Pedro Salvada A FORÇA AÉREA PARTILHA CONHECIMENTOS COM AS EMPRESAS TOYOTA E MERCATUS A Força Aérea recebeu recentemen- te a visita das empresas Toyota e Mercatus com as quais foram tro- cadas experiências e discutidas as mais modernas técnicas de gestão, no que to- ca ao uso do Lean Management. A Força Aérea tem vindo a aplicar téc- nicas Lean com muito sucesso na manu- tenção aeronáutica e na gestão da ca- deia de abastecimento do F-16. Os prin- cipais resultados têm sido a redução dos tempos de imobilização de aeronaves na manutenção planeada e inopinada, bem como a diminuição dos custos associados à sustentação dos Sistemas de Armas. A metodologia Lean é baseada no siste- ma de produção da Toyota, conhecido por TPS (Toyota Production System). A discus- são sobre estas técnicas de gestão, entre a Força Aérea e estas empresas, foi profí- cua e permitiu partilhar conhecimentos e experiências. Foi consenso de que o pensamento Lean é aplicável a qualquer processo, como fi- losofia de gestão na procura constante da eliminação de desperdícios e contínua adi- ção de valor. A Toyota Caetano Portugal – Ovar, obser- vou conceitos como o takt time (ritmo de produção – relação entre as necessidades de um cliente e capacidades de produção), que na sua linha de produção é medido em minutos ou segundos e na manuten- ção aeronáutica é medido em dias ou ho- ras, mas semelhante no propósito. Alguns dos conceitos em uso na manutenção da Força Aérea irão servir para os trabalhos em curso na manutenção da Toyota. A empresa Mercatus, que está no início da sua jornada Lean, referiu que irá ten- tar aplicar os princípios de gestão logísti- ca observados, nomeadamente o sistema Kanban. "Saímos todos satisfeitos e mais motivados para o desafio que temos pela frente com a implementação Lean na nos- sa organização", referiram. O PENSAMENTO LEAN Desde 2007 que a Força Aérea vem apli- cando com muito sucesso o pensamento Lean na manutenção aeronáutica, tendo obtido na maioria das frotas reduções de tempo de imobilização de aeronaves de cer- ca de 50%. Este reconhecimento pode ser encontra- do no seguinte extracto do discurso do Ge- neral CEMFA, na comemoração do 60º Aniversário da Força Aérea: “(…) Procurando sempre a eficiência, de- mos particular atenção à reforma nas áreas da manutenção e da logística, com impac- to já bem visível na utilização dos recursos, redução de tempos na cadeia logística, nas acções de manutenção e dos custos asso- ciados. O sucesso deste processo decorre naturalmente da qualidade das pessoas, da sua capacidade de adaptação e ade- são voluntária, que permitiram obter resul- Foto 1Sar E. Domingos COM GESTÃO LEAN

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Page 1: Lean na FAP por pedro salvada

F-16Texto Tenente-Coronel ENGAER Pedro Salvada

A FORÇA AÉREA PARTILHACONHECIMENTOS COMAS EMPRESAS TOYOTAE MERCATUSA Força Aérea recebeu recentemen-te a visita das empresas Toyota eMercatus com as quais foram tro-

cadas experiências e discutidas as maismodernas técnicas de gestão, no que to-ca ao uso do Lean Management.

A Força Aérea tem vindo a aplicar téc-nicas Lean com muito sucesso na manu-tenção aeronáutica e na gestão da ca-deia de abastecimento do F-16. Os prin-cipais resultados têm sido a redução dostempos de imobilização de aeronaves namanutenção planeada e inopinada, bemcomo a diminuição dos custos associadosà sustentação dos Sistemas de Armas.

A metodologia Lean é baseada no siste-ma de produção da Toyota, conhecido porTPS (Toyota Production System). A discus-são sobre estas técnicas de gestão, entrea Força Aérea e estas empresas, foi profí-

cua e permitiu partilhar conhecimentos eexperiências.

Foi consenso de que o pensamento Leané aplicável a qualquer processo, como fi-losofia de gestão na procura constante daeliminação de desperdícios e contínua adi-ção de valor.

A Toyota Caetano Portugal – Ovar, obser-vou conceitos como o takt time (ritmo deprodução – relação entre as necessidadesde um cliente e capacidades de produção),que na sua linha de produção é medidoem minutos ou segundos e na manuten-ção aeronáutica é medido em dias ou ho-ras, mas semelhante no propósito. Algunsdos conceitos em uso na manutenção daForça Aérea irão servir para os trabalhosem curso na manutenção da Toyota.

A empresa Mercatus, que está no inícioda sua jornada Lean, referiu que irá ten-tar aplicar os princípios de gestão logísti-ca observados, nomeadamente o sistemaKanban. "Saímos todos satisfeitos e maismotivados para o desafio que temos pela

frente com a implementação Lean na nos-sa organização", referiram.O PENSAMENTO LEAN

Desde 2007 que a Força Aérea vem apli-cando com muito sucesso o pensamentoLean na manutenção aeronáutica, tendoobtido na maioria das frotas reduções detempo de imobilização de aeronaves de cer-ca de 50%.

Este reconhecimento pode ser encontra-do no seguinte extracto do discurso do Ge-neral CEMFA, na comemoração do 60ºAniversário da Força Aérea:

“(…) Procurando sempre a eficiência, de-mos particular atenção à reforma nas áreasda manutenção e da logística, com impac-to já bem visível na utilização dos recursos,redução de tempos na cadeia logística, nasacções de manutenção e dos custos asso-ciados. O sucesso deste processo decorrenaturalmente da qualidade das pessoas,da sua capacidade de adaptação e ade-são voluntária, que permitiram obter resul-

Foto 1

Sar E.

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gos

COM GESTÃO LEAN

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tados expressivos, merecedores das maiselogiosas referências. Porque não nos con-formamos e porque queremos ser sempremelhores, é minha intenção ampliar o âm-bito deste processo de transformação a ou-tras áreas, sempre com o envolvimento eparticipação activa das pessoas, o nossoelo mais forte, de forma a que, assim, con-sigamos alcançar ainda melhores resulta-dos, mesmo perante a adversidade, que nospermitem estarmos, todos, a contribuir pa-ra uma Força Aérea de excelência. (…)”.

O pensamento Lean procura criar umacultura assente no respeito pelas pessoase na melhoria contínua, através da procu-

ra incessante da eliminação de desperdí-cios e a contínua adição de valor.A Gestão Lean consiste na perseguição daadição contínua de valor, é uma forma dever e eliminar desperdícios, é um processooperacional para simplificar a forma como omaterial e a informação são geridos, umaforma de pensar.Os 8 desperdícios são: excesso de processa-mento; inventário; transporte; tempo em es-pera; movimentação (pessoas); defeitos (cor-recção de erros); excesso de produção; nãoutilização do potencial humano em cada or-ganização para a melhoria contínua.As técnicas Lean são aplicáveis a qualquer

processo.

Os dois pilares do Sistema de Produçãoda Toyota resumem-se da seguinte forma:1. Respeito pelas pessoas – Por respeitoentenda-se a forma como respeitamos osoutros, como fazemos um esforço para nosentendermos uns aos outros, assumimosas responsabilidades e fazemos o nossomelhor para construir confiança mútua.Em termos de trabalho de equipa, comoestimulamos o crescimento pessoal e pro-fissional, partilhamos as oportunidades pa-ra o desenvolvimento e procuramos maximi-zar o desempenho individual e da equipa.2. Melhoria contínua – Desafio na forma-ção de uma visão de longo prazo, de en-

contro aos desafios de coragem e criativi-dade para realizar os nossos sonhos. Comomelhoramos as operações continuamente,na procura da inovação e evolução, rea-lizando todos os esforços para encontrar osfactos que permitem tomar as decisões cor-rectas, formar consenso e alcançar os ob-jectivos o mais rápido possível.

Tal como na definição do PensamentoLean o seu enunciado é fácil de dizer eaté de perceber, mas muito difícil de fazer,razão pela qual mais de 70 % das imple-mentações Lean acabam por falhar.

A manutenção e a logística têm um pa-pel fundamental na distribuição de recursos

BA5, inspecção de avião após pintura na OGMA

Visita da Toyota e da Mercatus à Base Aérea de Monte Real (BA5), em 18 de Outubro de 2012

FotoS

AjRuiB

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e serviços que visam manter a aeronaveem condições óptimas de aeronavegabili-dade e assegurar uma capacidade de res-posta imediata ao mais baixo custo. A ma-nutenção deve estar organizada de formaa permitir que as aeronaves estejam o me-nor tempo possível em condições não ope-racionais. Este é, aliás, um dos principaisdesafios na cadeia logística de qualquersistema de armas.

A primeira aplicação na Força Aéreadas “Lean Techniques” foi no Programa deModificação F-16/MLU, o que permitiu au-mentar num ano a produtividade em maisde 60 %, e de forma consistente ao longo

dos últimos cinco anos, reduzir os temposde modificação dos aviões F-16, usandoos mesmos recursos.

O sucesso pode atribuir-se ao cuidadomapeamento da cadeia de valor, à cria-ção de uma situação futura alinhada como takt time – ritmo de produção, à criaçãode células com balanceamento das cargasde trabalho padrão, correcta atribuição deprioridades, e consequente alinhamentode todos os subprocessos, com implemen-tação de mecanismos de gestão visualque permitem que todos os dias se pos-sam identificar problemas no processo erapidamente actuar na sua resolução.

Outros exemplos na manutenção aero-náutica tiveram resultados semelhantes,de que se destacam os seguintes:– Manutenção intermédia do helicópteroAloutte III, redução de 40 % no tempo deimobilização;– Inspecções de fase do F-16, redução de50% com acentuada diminuição da varia-bilidade;– Manutenção intermédia do C-130, re-dução de 40%, todavia com dificuldade desustentação;– Inspecção de oito anos ao Epsilon, reduçãode cerca de 70% no tempo de imobilização,e redução de custos de cerca de 60%.

Algures nesta caminhada Lean começoua perceber-se que a aplicação desta formade gestão conhecida entre nós como “LeanTechniques” incluía mais do que técnicas eferramentas, inclui valores, hábitos e cren-ças, que promovem uma mudança cultu-ral. Assim, o nome pouco interessa, o queimporta é a contribuição para a excelênciaoperacional e o compromisso permanenteno sentido da melhoria contínua.

Nesta perspectiva, em 2010 foi desen-volvido um projecto de aplicação da me-todologia de Gestão Lean para melhorara eficiência e a eficácia da cadeia de abas-tecimento e reparação de material do F-16

BA5/Doca 4, montagem de superfícies de voo na célula 1FotoS

AjRuiB

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Avião F-16 em inspecção de faseFotoS

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com os objectivos de garantir a entregado material certo no tempo certo, procu-rando um benefício financeiro de 1,5 mi-lhões de euros num ano, a agilização doprocesso de abastecimento de material ea redução para metade no tempo entre arequisição do material e a sua satisfação.LOGÍSTICA LEAN

O grande desafio foi o de passar de umconceito de Logística Tradicional para umaLogística Lean, mudando o paradigma. Afigura 1 resume as principais diferenças en-tre estes dois sistemas.

Inicialmente foi encontrado excesso deinventário com baixa rotação de stocks,

um processo de aquisição de material ba-seado no histórico e em previsões poucoprecisas, falhas de informação e transpor-te muito demorado. O mapeamento dacadeia de valor efectuado criou o ambien-te apropriado para as pessoas aprende-rem a ver os desperdícios na organizaçãoe as oportunidades de melhoria, distin-guindo entre o que são tarefas de adiçãode valor versus desperdícios.RESISTÊNCIA À MUDANÇA

Para ultrapassar a resistência à mudan-ça nesta fase é crucial a formação aliadaà prática, porque a mentalidade associa-da ao pensamento Lean só se interioriza

no processo de experimentação. De facto,Lean só se aprende fazendo.

As melhores soluções encontradas sãoaquelas que resultam do envolvimento edo contributo dos intervenientes nos pró-prios processos.

Na cadeia de abastecimento do F-16partindo da visão do que seria a cadeiade valor ideal, foi possível construir a si-tuação futura de acordo com os princípiosdo pensamento Lean e o respectivo planopara a sua implementação.

A situação futura desejada implicavauma relação directa “fornecedor – baseaérea” com a eliminação de passagens in-termédias, nomeadamente pelo armazémcentral da Força Aérea, com delegação edescentralização de tarefas, eliminaçãode redundâncias e de stocks de bancadaintermédios, reorganização do armazémprincipal por frequência da necessidade,criação de kanbans com material parao Top 20 das avarias inopinadas em do-

cas dedicadas por tipo de manutenção.A mudança ou passagem da situação an-

terior para a futura foi conseguida através devários eventos de melhoria rápida, tambémconhecidos por kaizen (origem na língua ja-ponesa e que significa mudar para melhor).

Estes eventos com a duração de umasemana envolveram especialistas de abas-tecimento, clientes, técnicos da manuten-ção, engenheiros, gestores, equipas de aqui-sição, bem como elementos estranhos aoprocesso. Durante este processo a ajudaexterna foi crucial (“Lean Sensei”).EVENTOSDE MELHORIA RÁPIDA

Os eventos de melhoria rápida são umadas soluções Lean que permitem criar, numcurto espaço de tempo, um mecanismoque permita mudanças radicais nas acti-

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Formação inicial em Lean Discussão do Layout da Oficina de Manutençãona BA5

Debriefing de um Evento de Melhoria Rápida naBA5 Cadeia de Abastecimento do F-16 – Evento deMelhoria Rápida na BA5

Dia 1: Estudo da condição actualDia 2: Grandes alterações – condição futuraDia 3: Testar e corrigirDia 4: Trabalho padrão (nova norma)Dia 5: Apresentação (resultados)3 semanas de seguimento: resolução de pro-blemas

Evento de Melhoria Rápida(modelo de sete semanas)

Três semanas de preparação: tópicos, equipas, objectivos

LOGÍSTICA TRADICIONAL LOGÍSTICA LEAN

Características

Grande inventário Pequeno inventário

Lento Rápido

Incerteza no transporte Entrega fiável

Reparações em lotes Fluxo óptimo de reparação

Processo estático Melhoria contínua

Custo elevado Investimento reduzido

Processo Base

Grande investimento de capital Manutenção Lean em 2 níveis

Grande stock em tempo de paz Pequenos stocks dedicados

Elevada disponibilidade de sobressalentes Apoio orientado para a missão

Princípio

Grande inventário determina infraestrutura Inovação simplifica infraestrutura

Figura 1 – Logística Tradicional vs Logística Lean

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vidades e processos actuais de uma em-presa. Por exemplo, uma das semanas demelhoria rápida foi dedicada à implemen-tação de 10 kanbans de material na ma-nutenção do F-16, reproduzindo os mes-mos kanbans no armazém principal como estabelecimento de níveis mínimos dereaprovisionamento.

A palavra kanban tem origem japonesae significa cartão ou sinal, é o despoletarde uma necessidade de reposição de ma-terial. A tarefa de criação dos kanbans foidevidamente discutida e planeada por to-dos os militares das várias áreas da ma-nutenção. As principais ferramentas Leanusadas têm sido os 6S (5S+1), que têm aver com a organização do local de traba-lho, gestão visual, processos com fluxo uni-tário e trabalho padrão, entre outras.SIGNIFICATIVA MUDANÇA

Os principais resultados apresentam-seno quadro resumo, sendo significativa a mu-dança operada, passou a adquirir-se ape-nas o material em função da procura real,obtiveram-se processos mais simples, re-dução de inventário, de custos e entregamais rápida do material.

MELHORIA

NA CADEIA DE ABASTECIMENTO DO F-16

– Maio de 2010 – Visão e mapeamentoda cadeia de valor– Junho a Dezembro de 2010 – um even-to de melhoria rápida por mêsRESULTADOS

– Criados 10 kanbans (80% da procura)– Pessoal envolvido – redução de 44%– Redução de Inventário – 14,7 milhõesde euros– Tempo de satisfação das aquisições –redução de 79%– Aquisição de consumíveis – 56% de re-dução por ano

Em 2011 aplicou-se a mesma metodolo-gia na geração de saídas do F-16, tendo--se optimizado todo o processo relativo àssaídas diárias do F-16, contribuindo parauma maior disponibilidade operacional, alia-da a uma satisfação do pessoal envolvido.

As técnicas e ferramentas Lean têm queser suportadas pela cultura organizacio-nal, caso contrário não funcionarão. A li-derança tem a capacidade de alterar acultura, sendo as pessoas que definem acultura. As pessoas são o recurso mais im-

portante da organização, e a cultura o quemantém o pensamento Lean.

Apesar desta forma de gestão (comple-tamente diferente da gestão tradicional)ter sido iniciada na indústria automóvel, éhoje usada nas mais diversas áreas, porexemplo na aeronáutica, na construçãocivil, na banca, na administração pública,e mais recentemente na saúde.

Os actuais orçamentos requerem deci-sões para além do âmbito do Lean, os ga-nhos de eficiência podem não ser suficien-tes para satisfazer a área financeira, emque a disponibilidade orçamental passaa determinar as necessidades e as altera-ções logísticas que permitem continuar avoar em segurança e dentro das normasda aeronavegabilidade.

A excelência operacional é alcançávelatravés da melhoria contínua. A GestãoLean pode permitir maximizar a utilizaçãodos recursos disponíveis e tornar possíveisníveis elevados de prontidão.

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Fase final da modificação F-16/MLU. Preparação para voo de ensaio

Liderança

Pessoas

Cultura

TÉCNICAS E FERRAMENTAS LEAN

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