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DUAS PERSPECTIVAS PS-MARXISTAS DOPODER DO ESTADO SOB O IMPRIO: ELLEN MEIKSINS WOODVERSUSA PARCERIA MICHAEL HARDT E ANTONIO NEGRI

Juliane Cristina Helanski CardosoHYPERLINK "mailto:[email protected]" [email protected], Licenciada em Cincias Sociais (2013), estudante no bacharelado em Cincias Sociais (2014), UNIOESTE, Toledo.Vania Sandeleia Vaz da SilvaEixo Temtico: Polticas Pblicas, Democracia e Participao.

RESUMO: O incio do sculo XXI traz consigo uma mudana de paradigma uma transformao nas anlises marxistas sobre o imperialismo capitalista chamado nas cincias sociais de renovao neo-marxista ou ps-marxistas do materialismo histrico. Destacamos Ellen Meiksins Wood com o livro O Imprio do capital (2003); e Michel Hardt e Antonio Negri com o livro Imprio (2000). Embora considerados mediadores dessa nova remessa intelectual de anlise do capitalismo contemporneo, em pouco assemelham-se e em muito discordam. Entre as concordncias destaca-se o elemento caracterstico e especfico do capitalismo em mbito global, sua extenso e adaptao s condies ps-modernas de acumulao. As discordncias, repousam na interpretao do poder de Estado sob o imprio: Wood afirma a especificidade do capitalismo (e do novo imperialismo) com seu modus operandi estritamente econmico, afirma que o capitalismo necessita mais e no menos do poder efetivo (legal e coercitivo) do Estado-nao, logo, a resistncia deve considerar o poder do Estado como alvo; Hardt e Negri, afirmam a emergncia de uma nova forma de soberania vislumbram o declnio do poder soberano do Estado e de sua capacidade para cumprir suas antigas funes, logo a resistncia da multido uma multiplicidade de singularidades s pode ter como alvo a soberania imperial.

Palavras-chave: Estado; Democracia; Imprio.

INTRODUOOs antecessores dos diretores de banco e grandes industriais tiveram vida mais fcil por terem sido cavaleiros e transformarem seus adversrios em picadinho, entregando as armas do esprito ao clero; mas o homem contemporneo tem no dinheiro, segundo acreditava Arnheim, o mais seguro mtodo de tratar todas as relaes; mas, embora esse mtodo possa ser duro e preciso como uma guilhotina, pode ser to melindroso quanto um reumtico basta pensar nas sensveis flutuaes da Bolsa! e depende absolutamente de tudo o que por ele dominado. Essa delicada dependncia de todos os fatores da vida, que s uma cega altivez ideolgica poderia esquecer, fazia Arnheim ver no comerciante imperial a sntese de mudana e perseverana, mas, especialmente, o smbolo da democracia que se preparava. Atravs de um trabalho incessante e severo em sua prpria personalidade, pela organizao intelectual das relaes econmicas e sociais com que se deparava, por reflexes sobre a liderana e construo de um Estado harmonioso, ele desejava ajudar uma nova era na qual foras sociais desiguais fossem correta e fecundamente ordenadas pela habilidade e pela natureza, e o ideal no se quebrasse de realidades necessariamente limitadoras, mas atravs delas se purificasse e se tornasse mais slido. Sobre Arnheim: [...] parecia-se com essa classe mdia como um magnfico cravo de jardim se assemelha a uma pobre cravina silvestre de beira de estrada. Jamais considerava a possibilidade de revoluo intelectual ou renovao radical, mas apenas insero no j estabelecido, posse, branda correo, renovao moral do privilgio desbotado pelas foras vigentes. [...] como amante de hbitos conservadores e feudais, que no esquece sua origem burguesa, por assim dizer frankfurtgoethiana, nem deseja que isso seja esquecido (Robert Musil em O Homem sem Qualidades, 2006, p. 419-420, grifos nossos, explicando o que pensava o homem moderno, de origem burguesa, pequeno-industrial em ascenso no incio do sculo XX, pelo personagem Arnheim).Falemos do mtodo mais seguro do homem contemporneo: o dinheiro, e de sua dependncia absoluta sobre aquilo que domina. A tentativa de Ellen Meiksins Wood no seu livro O Imprio do Capital demonstrar o surgimento de um novo tipo de imperialismo, o estadunidense, fundamentalmente caracterizado pelo projeto de hegemonia global com o sistema de Bretton Woods e apoiado pela supremacia militar aps as bombas de Hiroshima e Nagasaki. A partir disso, Wood constata que a supremacia militar dos Estados Unidos da Amrica coloca-se de forma to slida que difcil algum outro Estado desafi-lo regional ou globalmente posio que s foi possvel para os EUA porque seu objetivo no ltimo sculo foi a supremacia global. A principal caracterstica desse novo imperialismo estadunidense consiste em operar o mximo possvel por meio de imperativos econmicos e no pelo domnio colonial direito, como acontecia no imperialismo clssico. Uma lgica anloga ocorreu em nvel global entre Estados-nao dominantes e subordinados, disso segue que os Estado Unidos, apropriando-se dos imperativos do capital, operacionalmente, tendem a evitar a dominao colonial direta preferindo projetar-se pela hegemonia econmica menos custosa e arriscada e consequentemente muito mais lucrativa. A tese de Wood explicita uma contradio fundamental do novo imperialismo: pois se a hegemonia econmica opera sem a dominao colonial direta (valendo-se apenas de compulses econmicas e no de meios de coao polticos ou jurdicos), contudo ainda necessita de ordem poltica, social e legal (do Estado-nao); rgida e previsvel, para que o capital global se mantenha. Com isso, a tese de que o Estado-nao est em declnio no aceitvel para a autora, ao contrrio, como afirma, o Estado territorial se tornou muito mais, e no menos, essencial para a organizao dos circuitos econmicos, por meio das relaes internacionais (Wood, 2014, p. 11). O modo especificamente capitalista de imperialismo econmico o primeiro da histria que no depende da delimitao de um territrio ou povo, bastando a superviso por um sistema global de Estados para que o capital imperial possa circular com segurana e lucratividade: a eficincia imperialista do capital precisa estabelecer a supremacia militar de uma potncia sobre as outras, pois precisa de um sistema de Estados mltiplos ordenados. Seria problemtico um sistema na qual o poder militar fosse distribudo de forma mais ou menos igualitria, porque o objetivo da supremacia militar no impedir um ataque, mas prevenir toda e qualquer rivalidade Trata-se de um imperativo real que foi transformado em teoria de relaes internacionais pelo autor realista norteamericano John Mearsheimer, que no livro A Tragdia da Poltica das Grandes Potncias The Tragedy of Great Power Politics de 2001, cria o realismo ofensivo.. Essa preponderncia militar exige uma dinmica prpria na medida em que no existem objetivos especficos e autolimitantes: o novo militarismo nem pode ter esse tipo de objetivo levando em considerao o sistema global de Estados e as funes de policiamento que os Estados Unidos desempenham atualmente. Isso quer dizer que os excessos militares fazem parte da constituio do prprio capitalismo, e que isso independe da posio ocupada pelos Estados Unidos, ou seja, a posio suprema que ele ocupa vale para qualquer pas que tivesse condies de fazer o mesmo. Sendo assim, o capitalismo global precisa de uma ordem internacional ajustada aos seus movimentos, e segundo Wood, essa ordem no ser oferecida por qualquer espcie de governana global como defendem diversos pensadores liberais das relaes internacionais contemporneas, que ressaltam o papel das organizaes internacionais, como a Organizao das Naes Unidas e a Organizao Mundial do Comrcio na governana global mas, como reassalta a autora, em um sistema de Estados mltiplos do qual seguir um nico impositor nacional (um Estado dominante). O propsito de Ellen Wood capturar a essncia do imperialismo capitalista de acordo com as suas respectivas especificidades para entender o modo como ele opera atualmente, sobretudo a relao entre coao econmica e extra-econmica. O ponto de partida de sua tese que o capital global necessita cada vez mais do apoio dos Estados-nao, atualmente mais do nunca, porque a forma poltica da globalizao no um Estado global, mas um sistema global de Estados mltiplos; ela quer dizer que a globalizao no tem a ver com liberdade de comrcio, mas est associada ao controle cuidadoso das condies do comrcio e no interesse do capital imperial (Wood, 2014, p. 103). Essa forma de imperialismo especfica, surge de uma relao complexa e contraditria entre o poder econmico expansivo do capital e o alcance mais limitado das foras extra-econmicas que o sustentam (Wood, 2014, p. 18). Na hiptese de Wood, o imperialismo capitalista se distingue de todas as outras formas de imperialismo anteriores pela sua capacidade de domnio estritamente por meios econmicos, sendo capaz de se tornar o que porque resultado do capitalismo um sistema econmico em que tanto os produtores quanto os apropriadores dependem do mercado para suas necessidades bsicas. Essa dependncia do mercado leva todos os atores econmicos a se subordinar aos imperativos de mercado capitalista, suas compulses. Nesse sentido, a vida social ordenada pelas regras econmicas, modelando seus requisitos e aspectos alm dos meios de produo e reproduo; mas tambm, das relaes de bens e servios; distribuio de recursos; a disposio do trabalho; e a prpria organizao do tempo. De forma que, a coero nas sociedades capitalistas ento exercida no somente pessoal e diretamente por meio da fora superior, mas tambm indireta e impessoalmente pelas compulses do mercado (Wood, 2014, p. 22). Todos tm que recorrer ao mercado para sobreviver: tanto os produtores diretos (os trabalhadores, os proletrios, todos os que trabalham) e tambm os apropriadores (os empresrios, os capitalistas, todos os que no trabalham).Seu tema central de que o capitalismo global e o imprio do capital dependem de um sistema de Estados mltiplos e sua dependncia do Estado territorial corroborada pelas funes que so tradicionalmente executadas pelo Estado-nao para o capital. Aparentemente encoberto pela separao entre os poderes econmicos e polticos, em que o capital transnacional parece ter fugido das fronteiras dos Estados-nao, tornando ainda mais difcil de localizar e desafiar o centro de poder. Essa tese de Wood sobre a globalizao, em parte coincide com a tese negri-hardiana: tambm Michael Hardt e Antonio Negri, no livro Imprio, de 2000, afirmam que intensificaram-se os imperativos do capital concorrncia, maximizao de lucros e acumulao, exigindo colocar o valor do uso e do lucro frente das pessoas.Porm, enquanto para Wood a globalizao o resultado desses imperativos e no sua causa, na perspectiva negri-hardiana a condio dessa nova forma de soberania Imprio que resulta do processo de globalizao do capital. Evidentemente, Wood acredita, que a sano ltima que mantm o sistema como um todo pertence ao Estado, que comanda a autoridade legal, a polcia e o poder militar necessrios para exercer a fora coerciva direta (Wood, 2014, p. 25). Em contrapartida, de certa maneira, complementando a proposta de Wood, Hardt e Negri buscam definir os elementos que caracterizam a emergncia dessa nova ordem global o Imprio , que entendem como constituindo uma lgica inteiramente nova de estrutura de comando, de trocas econmicas e culturais. O Imprio, , nesse sentido, uma substncia poltica que tem a capacidade de regular essas demandas globais, um poder que pode governar todo o mundo, um processo de globalizao, ou, como classificam Hardt e Negri: o estabelecimento de uma nova soberania global, na qual a soberania dos Estados-nao tendem a diminuir. Ou seja, isso no significa que a soberania do Estado-nao deixe de ser eficaz, mas, porque os fatores primrios de produo e troca, como o dinheiro, a tecnologia, pessoas e bens, percorrerem todo o espao territorial alm das fronteiras nacionais, diminuindo o poder de regulao estatal desses fluxos e de sua autoridade econmica, parece que, ser plausvel considerar que o tipo de soberania associada ao Estado-nao est mudando, tende a extinguir-se. Desse modo, demonstra-se um declnio dos Estados-soberanos e no da soberania, isso quer dizer, que a soberania provavelmente tomou nova forma, pois o Estado continua a exercer mecanismos reguladores e controle sobre a produo econmica e social. Para Hardt e Negri, o caso que a soberania atual inclui os organismos nacionais e supranacionais, unidos por uma lgica nica, uma nova forma de economia global: o Imprio. Falemos agora da cega altivez ideolgica (Musil, 2006, p. 420). Por que Hardt e Negri usam a palavra imprio e no imperialismo? Em contraste com as teorias imperialistas clssicas, nas quais a soberania do Estado-nao era a base do poder imperial pois a limitao territorial delimitava o centro de poder a partir do qual era exercido o controle sobre as colnias, que, na realidade, eram uma extenso da soberania dos Estados-nao europeus (colonialistas) para alm de suas fronteiras nacionais; no caso do Imprio no existe um centro de poder, no existem fronteiras ou barreiras fixas, trata-se de um aparelho de descentralizao e desterritorializao do geral que incorpora gradualmente o mundo dentro de suas fronteiras abertas e em expanso, administrando, assim, entidades hbridas, hierarquias flexveis e permutas plurais por meio de estruturas de comando reguladoras (Hardt e Negri, 2012, p. 12-13). Essa nova economia global tende a gerar uma forma de riqueza que Hardt e Negri chamam de produo biopoltica: a produo da prpria vida social, do econmico, do poltico e do cultural, sobrepondo-se e completando-se; das quais, os processos produtivos predominantemente industriais foram aos poucos restringidos e complementados pela mo-de-obra comunicativa, cooperativa e cordial. Essa talvez, a principal diferena antagonstica entre os autores e os outros, incluindo os marxistas como Wood, pois como foi possvel notar ela se concentra na especificidade do capitalismo, no seu modus operandi econmico, e, de fato, os imperativos econmicos so essenciais e especficos na nova dominao imperial, principalmente, os mecanismos sistmicos do mercado financeiro, a eficincia da moeda estadunidense e o controle econmico exercido pelas instituies supranacionais sobre os Estados em desenvolvimento por meio da dvida externa. Hardt e Negri no utilizam o conceito de imperialismo, mas de imprio, buscando especificar elementos no s econmicos, mas tambm polticos e culturais que teriam mudado na ps-modernidade.A principal qualidade do argumento de Ellen Wood j desde o livro Democracia contra capitalismo, de 1995 afirmar a autonomia da poltica sob o capitalismo, o que, no caso do imperialismo, significa afirmar a especificidade do imprio do capital como constituda pelo fato de que a hegemonia estritamente econmica como se tentou explicitar, o poderio militar cumpre uma funo mais propriamente poltica do que econmica. Entretanto, ao que parece, Wood compreende o Estado, a poltica, e os sujeitos polticos, de certa forma, como vetores passivos da economia, sobredeterminados, pelos imperativos econmicos de mercado e pelas compulses de mercado falta de propriedade dos produtores, dos meios de produo, que os leva a vender sua fora de trabalho em troca de salrio e pela sujeio dos apropriadores s compulses de mercado que os obrigam a competir e acumular, mas acrescenta em seguida que esses imperativos econmicos exigem fora extraeconmica para serem implantados e sustentados (Wood, 2014, p. 75) .Hardt e Negri, caracterizam o poder imperial como uma forma de governo, pois no h atividade isolada entre o capital (economia), o Estado (poltica) e a sociedade: um no sobredetermina o outro, mas complementam-se e sobrepem-se; tornando possvel articular resistncias em todos os nveis de operao imperial mas seriam resistncias que no tomam a forma de uma ao unitria. Wood, por sua vez, retoma a velha tradio marxista de resistncia de classe e direta contra o Estado-nao, o que no excludo da hiptese negri-hardiana, porm, estes conseguem elaborar um projeto poltico de resistncia (tratado longamente no Multido: guerra e democracia na era do Imprio, publicado em 2004), que acompanha a nova dinmica capitalista Michael Hardt e Antonio Negri valem-se da perspectiva biopoltica de Michel Foucault e Gilles Deleuze, para explicar o exerccio do poder atual, e incorporam os conceitos de multido, poder constituinte e amor (no sentido tico e poltico) da obra do filsofo holands Bento Espinosa. Para maiores detalhes, remetemos trilogia: Imprio (2000); Multido (2004) e Commonwealth (2009).. Uma vez que, o capitalismo no se restringe mais ao mbito nacional do Estado-nao mas, atualmente abrange uma infinidade de multides, formas de vidas e modos de viver, a resistncia s seria eficaz levando em considerao as determinaes concretas. Talvez, essa seja a complementao que faltava na tese de Wood, ou talvez, seus objetivos no foram to ambiciosos. Parece menos interessante considerar excessivamente o determinismo das foras econmicas como nico meio regulador das relaes de produo. Ou seja, parece duvidoso afirmar que o capitalismo movido exclusivamente por imperativos econmicos, j que, a prpria autora argumente que o capitalismo necessita para sua implantao e sustentao da fora extraeconmica (Wood, 2014). Portanto, disso segue que o capitalismo no atua exclusivamente pelos imperativos econmicos, ou que no necessite de foras extraeconmicas (coao direta por meios polticos violentos ou no e jurdicos). De fato, tanto os imperativos econmicos quanto as foras extraeconmicas atuam para garantir os interesses capitalistas ou so especficas do capitalismo, na medida em que so necessrias para a sua sobrevivncia enquanto tal. Reconhecer a especificidade do capitalismo atual no significa negar a justaposio dos meios puramente econmicos e dos extraeconmicos (Estado, polcia, direito). O problema est na relao que Wood estabelece ao afirmar a especificidade do capitalismo como consistindo na excluso de expedientes extraeconmicos para garantir a expropriao do excedente de trabalho dos produtores diretos. Se esta a especificidade que caracteriza o capitalismo e tambm o Imprio do Capital no caso, dominar outros Estados por meio de imperativos exclusivamente econmicos como categoria que o diferencia das demais formas de produo social, considerando essas fatores preponderantes, Wood acaba por ignorar a delicada dependncia de todos os fatores da vida que s uma cega altivez ideolgica poderia esquecer.O que pensam Hardt e Negri sobre a ideia de os Estados Unidos como novo centro imperialista? No , e nenhum outro Estado-nao poderia ser. Na concepo de Hardt e Negri o imperialismo acabou, e de fato, a liderana mundial tal como foi conhecida pelas naes europeias no pode resistir no mundo ps-moderno. Entretanto, os Estados Unidos desfrutam de uma posio privilegiada no Imprio. E, imprio aparece como conceito e no como metfora como de certa forma fez Wood ao considerar o ttulo de seu livro O Imprio do capital, do qual no trata do termo imprio, mas do imperialismo do capital. O imprio para Hardt e Negri um conceito que postula um regime que abarca a totalidade do espao e governa o mundo civilizado, um conceito que no se apresenta como um regime histrico, resultado de conquistas, mas suspende a histria, determinando o estado das coisas existentes; comanda e funciona em todos os registros de ordem social, no administra somente um determinando territrio e sua populao como tambm cria o mundo em que habitam; isso quer dizer que no apenas regula as interaes humanas como procura reger diretamente a natureza humana. O objetivo do seu governo a vida social como um todo, e assim o imprio se apresenta como forma paradigmtica de biopoder, uma unio vantajosa entre o poder econmico e poder poltico (Hardt e Negri, 2012, p. 15). Para manter o sistema global ordenado o imprio precisa gerir mtodos que demandam autoridade contnua com base na capacidade de mostrar a fora como algo a servio do direito e da paz; a solicitao das foras armadas se d quando as partes j esto envolvidas no conflito; o imprio no nasce por vontade prpria; convocado a nascer e constitudo com base em sua capacidade de resolver conflitos; suas intervenes tornam-se juridicamente legitimadas quando j esto inseridos no conflito pelo consenso internacional; em suma, a obrigao do imprio ampliar o domnio dos consensos que do apoio a seu prprio poder (Hardt e Negri, 2012, p. 33). Ellen Wood destaca que desde o incio do capitalismo a interveno do Estado foi necessria para criar e manter o sistema de propriedade e de no propriedade e que seu poder foi utilizado sempre porque:de um lado, o Estado tem de ajudar a manter viva uma populao sem propriedade que no tem outro meio de sobrevivncia quando no existe trabalho, conservando um exrcito de reserva de trabalhadores ao longo das inevitveis quedas cclicas de demanda de trabalho. Por outro lado, tem de garantir que rotas de fuga e outros meios de sobrevivncia que no o trabalho assalariado para o capital no estejam disponveis a ponto de liberar os sem-propriedade da imposio de vender sua fora de trabalho, quando necessria ao capital (Wood, 2014, p. 26).

Essa sua prova a favor da funo maior que desempenham os Estados-naes sob o imperialismo capitalista. E, complementa, geralmente, atribuem com a globalizao da economia capitalista, um declnio do Estado-nao, no entanto, nenhuma organizao multinacional foi capaz at o momento de exercer a funo de coero que est na base de todas as outras, assim, para Wood no h forma concebvel de governana global capaz de oferecer o tipo de regularidade diria das condies de acumulao de que o capital necessita (Wood, 2014, p. 27, grifo nosso). A nfase de Wood recai sobre a especificidade do capitalismo e seu processo lgico de imperativos especficos (as compulses econmicas, a dependncia de todos do mercado), tentando demonstrar a identificao dessa especificidade em perspectiva histrica para explicar a realidade atual. Em sua opinio, o Imprio negri-hardiano desesperado e deixa pouca esperana para a luta de resistncia porque o no h lugar para o poder ele est ao mesmo tempo em todos os lugares e em lugar nenhum. Por que o projeto negri-hardiano considera a globalizao da economia em grande medida uma disfuno do Estado-nao? Porque o raciocnio negri-hardiano baseado em duas abordagens metodolgicas que pretendem no ser dialticas mas imanentes: a primeira crtica e desconstrutiva, visando a subverter as linguagens hegemnicas e as estruturas sociais e, desse modo, revelar uma base ontolgica alternativa que reside nas prticas criadoras e produtivas da multido; a segunda construtiva e tico-poltica, buscando conduzir o processo da produo de subjetividade para a construo de uma alternativa social e poltica, um novo poder constituinte (Hardt e Negri, 2012, p. 66)

Eles rompem metodologicamente com a filosofia da histria, recusam qualquer concepo determinista de desenvolvimento histrico e qualquer resultado racional. O evento histrico reside na potencialidade, a filosofia no a coruja de Minerva que levanta vo depois que a Histria se realizou a fim de celebrar seu final feliz; a filosofia , antes, proposio subjetiva, desejo e prxis aplicados ao evento (Hardt e Negri, 2012, p. 68). Em linhas gerais, o que caracteriza o poder imperial? No o poder, mas o biopoder, porque envolve simultaneamente aspectos econmicos, polticos e culturais. Por isso o imprio um modo de governo, nem imperialista no sentido clssico ou contemporneo, nem capitalista no sentido estritamente econmico, porque no o poder entendido tradicionalmente que o sustenta, um novo tipo de poder, o biopoder. O fim do colonialismo tambm o fim dos modernos regimes de governo, submetendo-os s novas formas de mando que agora operam em escala global, assim, surge o primeiro vislumbre para o imprio. O que falta, na realidade, o reconhecimento da novidade das estruturas e da lgica de poder que ordenam o mundo contemporneo, o imprio no um eco dos imperialismo modernos, mas uma forma fundamentalmente nova de mando, totalmente ps-moderna. O que transforma o imperialismo em imprio? A subjetividade da luta de classes. Existe na concepo negri-hardiana uma genealogia da ordem econmica do imprio que capaz de revelar a natureza global da luta de classes proletria e sua habilidade para antever o desenvolvimento do capital frente a realizao do mercado mundial, ou seja, as resistncias projetam as mudanas. As anlises imperialistas no servem mais porque detm-se no limiar da anlise da subjetividade, concentram-se antes de tudo nas contradies do desenvolvimento do capital; por isso uma anlise terica que coloque em questo a subjetividade dos movimentos sociais do proletariado no processo de globalizao e da constituio da ordem global. Para que essa ordem global capitalista se sustente precisa produzir produtores produzir somente mercadorias no mais suficiente. necessrio produzir subjetividades no contexto biopoltico relaes sociais, corpos e mentes. Nesse sistema de relaes culturais, econmicas e polticas, na esfera biopoltica, a vida levada a trabalhar para a produo e a reproduo levada a trabalhar para a vida, produo biopoltica que pode ser encontrada nos nexos imateriais produo da linguagem, da comunicao e do simblico desenvolvidas por indstrias de comunicao. Para Hardt e Negri, a legitimao da mquina imperial nasceu pelo menos em parte das industrias de comunicao, ou seja, da transformao em mquina do novo modo de produo. um sujeito que produz sua prpria imagem de autoridade. uma forma de legitimao que no repousa em nada fora de si mesma, sendo repetidamente proposta pelo desenvolvimento de sua prpria linguagem de auto validao (2012, p. 52).

Para Hardt e Negri, trata-se de uma forma de interao repetidamente proposta desenvolvida pela prpria linguagem de autovalidao, para que possa equilibrar ou reduzir as complexidades, apresentando um novo projeto de cidadania universal, intensificando a eficcia de sua interveno nos elementos da relao comunicativa. Prticas cotidianas que passam quase despercebidas, como: o que comer; o que vestir; como ser; o que comprar; o que amar; o que odiar; padres de esttica; estilos de vida; ideal familiar; relacionamentos perfeitos; entre tantos outros mandatos que corroboram o poder do imprio, produzem e reproduzem mercadorias e pessoas (tambm mercadorias), lgica subjetiva implantada na realidade do ser.Desse modo, so produzidas e reproduzidas narrativas e discursos ideolgicos para validar o poder do imprio, porque a fora exercida pelo imprio e todos os seus possveis desdobramentos, esto desde h muito tempo tecnologicamente e solidamente consolidados em seus aspectos polticos. J escrevia Robert Musil entre 1930 e 1943: percebia Arnheim o comerciante imperial como sntese de mudana e perseverana, mas, especialmente, o smbolo da democracia que se preparava.

Objetivos: Comparar as perspectivas sobre o poder do Estado e as consequncias para a resistncia explorao capitalista em dois argumentos ps-marxistas: o de Ellen Meiksins Wood no livro Imprio do Capital, de 2014; e o da parceria Michael Hardt e Antonio Negri no livro Imperio, de 2014.

Procedimentos Metodolgicos: Anlise e exposio dos dois argumentos, enfatizando as consequncias que implicam nos modos de pensar a resistncia explorao por parte dos expropriados seja a classe trabalhadora (Wood) ou as multides (Hardt e Negri).

Resultados: Tal como exposto, nota-se que entender o poder como estando concentrado no Estado-nao (Wood) ou em outra instncia o Imprio sem fronteiras (Hardt e Negri) implica em diferentes formas de organizar a resistncia pois o alvo diferente (unitrio: Estado-nao, Wood; ou mltiplo e global, imprio, Hardt e Negri).Concluses: Tanto Antonio Negri como Ellen Wood buscam atualizar o marxismo, mas evidente que Ellen Wood se mantm mais fiel ao materialismo histrico (e sua dialtica), enquanto Negri (em parceria com Michael Hardt) extrapolam para outras bases: recorrem Bento Espinosa (multido, imanncia, poder constituinte) e para os ps-modernos Michel Foucault e Gilles Deleuze (biopoltica, biopoder, sociedade de controle) de modo que afirmam a hegemonia do trabalho imaterial que tornaria possvel outro tipo de resistncia (que, alis, tem primazia sobre o poder). Nosso objetivo no foi dizer quem est certo, mas pensar em que medida a construo terica de cada um pode possibilitar ou limitar as possibilidades de resistncia. O mais importante, claro, resistir dominao e explorao capitalista e isso no se faz por meio de discursos, de textos, mas por meio da nossa prxis coletiva.

Referncias: HARDT, Michael. NEGRI, Antonio. Imprio. Rio de Janeiro: Record: 2012. __________. Multido: guerra e democracia na era do Imprio. Rio de Janeiro: Record, 2005.MUSIL, Roberto. O homem sem qualidades. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.WOOD, Ellen Meiksins. O Imprio do Capital. So Paulo: Boitempo: 2014.