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ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL 576 ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL A ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA NAS DEMANDAS DE SAÚDE 690 THE STABILIZATION OF THE URGENT LEGAL PROTECTION IN HEALTH JUDICIAL DEMANDS Juliane Morvan Rodrigues 691 Andreza Cristina Baggio 692 Resumo O contexto jurídico brasileiro está passando por mais um momento de transição, com o início da vigência do Novo Código de Processo Civil. As mudanças trazidas nos procedimentos permeiam vários ramos do direito, o que trouxe alguns benefícios para o funcionamento do processo. Sendo responsabilidade do Estado, compete a ele a proteção do direito do jurisdicionado. A tutela provisória, “inovação” no novo código trouxe grandes mudanças ao processo, principalmente a proteção do direito de forma emergencial. Assim, situações que merecem a atuação urgente do Estado, ensejam procedimentos diferenciados. É o caso da novidade da estabilização da tutela de urgência, que, principalmente em demandas relativas à saúde, visa beneficiar aqueles que necessitam da atuação jurisdicional do Estado. Assim, a estabilização traz sérias mudanças, incluindo uma relativa sumarização do processo como se conhece. Nas demandas que versam sobre saúde traduz a necessidade de abreviação do processo, uma vez que, geralmente, estas demandas prescindem de prolongamento desnecessário do processo. 690 Artigo submetido em 20/02/2017, pareceres de análise em 06/03/2017 e 10/03/2017, aprovação comunicada em 13/03/2017. 691 Bacharel em Direito pelo Unicuritiba – Centro Universitário Curitiba. 692 Doutora em Direito Econômico e Socioambiental pela PUCPR, advogada, professora de Direito Processual Civil e Direito do Consumidor na Graduação e no Mestrado em Direito do Centro Universitário UNINTER, Professora de Direito Consumidor e Direito Processual Civil, Chefe do Departamento de Prática Jurídica e Supervisora do Núcleo de Prática Jurídica do Curso de Direito do Centro Universitário – UNICURITIBA, membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/PR.

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ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL 576

ANAIS DO

SIMPÓSIO BRASILEIRO

DE PROCESSO

CIVIL

A ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA NAS DEMANDAS DE SAÚDE690

THE STABILIZATION OF THE URGENT LEGAL PROTECTION IN HEALTH JUDICIAL DEMANDS

Juliane Morvan Rodrigues691

Andreza Cristina Baggio692

Resumo

O contexto jurídico brasileiro está passando por mais um momento de transição, com o início da vigência do Novo Código de Processo Civil. As mudanças trazidas nos procedimentos permeiam vários ramos do direito, o que trouxe alguns benefícios para o funcionamento do processo. Sendo responsabilidade do Estado, compete a ele a proteção do direito do jurisdicionado. A tutela provisória, “inovação” no novo código trouxe grandes mudanças ao processo, principalmente a proteção do direito de forma emergencial. Assim, situações que merecem a atuação urgente do Estado, ensejam procedimentos diferenciados. É o caso da novidade da estabilização da tutela de urgência, que, principalmente em demandas relativas à saúde, visa beneficiar aqueles que necessitam da atuação jurisdicional do Estado. Assim, a estabilização traz sérias mudanças, incluindo uma relativa sumarização do processo como se conhece. Nas demandas que versam sobre saúde traduz a necessidade de abreviação do processo, uma vez que, geralmente, estas demandas prescindem de prolongamento desnecessário do processo.

690 Artigo submetido em 20/02/2017, pareceres de análise em 06/03/2017 e 10/03/2017, aprovação comunicada em 13/03/2017.

691 Bacharel em Direito pelo Unicuritiba – Centro Universitário Curitiba.692 Doutora em Direito Econômico e Socioambiental pela PUCPR, advogada, professora de Direito

Processual Civil e Direito do Consumidor na Graduação e no Mestrado em Direito do Centro Universitário UNINTER, Professora de Direito Consumidor e Direito Processual Civil, Chefe do Departamento de Prática Jurídica e Supervisora do Núcleo de Prática Jurídica do Curso de Direito do Centro Universitário – UNICURITIBA, membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/PR.

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PALAVRAS-CHAVE: processo civil, tutela provisória, estabilização, urgência e saúde.

Abstract

The Brazilian legal framework is undergoing a moment of transition, with the effective date of the new Civil Procedure Code. The changes brought in procedures permeate various branches of law, which brought some benefits to the operation of theprocess. Being State responsability, it is competece of it protect the rights of the claimants. The interim protection, “innovation” in the new code brought great changes to the process, especially the protection of the right to emergency mode. Thus, situations that deserve the urgent action of the State, deserve differentiated procedures. This is the case of the stabilization of urgent legal protection, which, especially in health-related demands, aims to benefit those who need the jurisdictional state action. Thus, stabilization brings serious changes, including a relative summarization process as known. The judicial demands that deal with health reflects the need for shortening the process, since usually these judicial demands do without unnecessary extension of the process.

KEYWORDS: civil lawsuit, legal protection, stabilization, urgent and health.

Sumário

1 Introdução. 2 Noções Gerais da Tutela Provisória. 2.1 Características da Tutela provisória. 2.1.1 Cognição. 2.1.2 Elementos Essenciais. 2.2 As Espécies de Tutela Provisória no Código de Processo Civil de 2015. 2.2.1 Tutela de Urgência. 2.2.1.1 Tutela Antecipada. 2.2.1.2 Tutela Cautelar. 2.2.1.3 Procedimentos da Tutela Antecipada Antecedente. 2.2.1.4 Procedimentos da Tutela Cautelar Antecedente. 2.2.2 Tutela de Evidência. 3 A Tutela de Urgência na Efetivação do Direito à Saúde. 3.1 O Direito Fundamental à Saúde. 3.1.1 Direito à Saúde a partir da Constituição de Federal de 1988. 3.1.2 Acesso à Saúde. 3.2 A Judicialização da Saúde. 3.2.1 O Papel do Judiciário na Efetivação do Direito à Saúde. 3.2.2 Críticas Acerca da Judicialização da Saúde. 3.3 A Efetivação do Direito à Saúde no Código de Processo Civil de 2015. 3.3.1 Apresentação do Caso. 3.3.2 A Estabilização da Tutela de Urgência. 4 Considerações Finais. Referências.

1 Introdução

O ordenamento jurídico brasileiro está passando por mais um momento de transição, o Novo Código de Processo Civil, Lei n. 13.105/2015 sancionada em 16 de março de 2015, com a vacatio legis de um ano, entrou em vigência em 18 de março de 2016, tendo o propósito de trazer mais celeridade ao processo, e assim, oportunizar maiores chances de conciliação entre as partes e evitar a protelação dos litígios, porém alguns métodos adotados pelo novo código são muito criticados, seja

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porque a inovação trouxe dúvida em certos procedimentos, seja porque em alguns aspectos não trouxe o avanço necessário.

É diante destas críticas que o estudo do processo civil tem maior relevância, tendo em vista que não abrange somente a área cível, mas também serve de fonte subsidiária para outros ramos do Direito. Sendo assim, importante se faz a análise destas modificações trazidas, uma vez que o impacto delas acarretará em mudanças e inovações tanto em procedimentos de mero expediente, como também em procedimentos que asseguram ao processo sua celeridade e efetividade.

Dentre as modificações trazidas por este novo código, encontram-se os procedimentos a serem tomados quanto a antecipação da tutela, técnica processual que assegura uma melhor distribuição do ônus do tempo do processo, e que trouxe inovações ao processo civil brasileiro e causou uma grande repercussão no ordenamento jurídico na década de 1990. Assim, além de imprescindível o estudo da tutela provisória, também não se afasta a importância no estudo das regras com que esta técnica será colocada em prática, pois com as modificações trazidas às regras de aplicação é necessária uma nova reflexão acerca das implicações que elas terão em um caso concreto.

Para melhor reflexão e visualização das mudanças trazidas pelo Novo Código de Processo Civil, aplicar-se-á os novos procedimentos na tutela e efetivação do direito à saúde, isto porque, em que pese a crítica da constante judicialização da saúde, o novo código traz propostas relevantes para um procedimento mais célere, principalmente em relação a este assunto.

Diante da relevância que o assunto apresenta e, tendo em vista o momento jurídico, mesmo que o instrumento de antecipação da tutela não seja nenhuma novidade, as normas aqui pertinentes tiveram mudanças significativas e consequentemente modificarão os procedimentos a serem realizados no que tange o direito à saúde. Sendo assim, é imprescindível um maior aprofundamento teórico, para que assim, seja possível entender os atos que se concretizarão no processo, bem como, obter uma análise objetiva da validade destas novas regras, principalmente quanto a sua finalidade, qual seja, proporcionar ao titular do direito a adequada prestação jurisdicional.

2 Noções gerais da tutela provisória

Primeiramente, acerca da denominação adotada “tutela provisória”, Fredie Didier Jr., baseado nas reflexões trazidas por Ovídio Baptista da Silva, faz uma observação pertinente à nomenclatura utilizada. Segundo Didier,693 a palavra “provisório”, remete a algo que será trocado de forma definitiva, entretanto, como a denominação tutela

693 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: volume 1. 16. ed. Salvador: JusPodivm, 2014. p. 461.

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provisória remete, além da tutela antecipada, também à tutela cautelar, a qual não será trocada de forma definitiva, isto porque a natureza da tutela cautelar não é provisória, mas sim temporária, ou seja, ela perdurará por um tempo determinado e cessará seus efeitos, não sendo substituída por nada. Em que pese esta análise acerca da denominação, a presente pesquisa ainda utilizará a denominação tutela provisória, visto que é a forma que o legislador escolheu tratar a matéria no Novo Código de Processo Civil.

A tutela provisória é instituto albergado na Constituição Federal de 1988, trazendo consigo princípios e diretrizes que devem ser respeitados para sua aplicação, bem como, traz ao próprio ordenamento jurídico a segurança necessária para a utilização de instrumentos que facilitem e efetivem a prestação jurisdicional.694

É importante ressaltar a indispensabilidade da tutela provisória para o ordenamento jurídico brasileiro. Explica Eduardo Melo de Mesquita695 que a demora da prestação jurisdicional, não pode ser imputada ao jurisdicionado e que este, tem o direito a uma tutela efetiva, tempestiva e adequada, devendo o Estado obstar qualquer prejuízo causado pelo monopólio estatal da jurisdição e, ainda, garantir que o pleno proveito do “bem da vida” requerido.

Partindo deste entendimento e levando-se em consideração o dever do Estado de dar ao jurisdicionado aquilo que lhe é devido, sem que ocorra qualquer prejuízo àquilo que lhe é de direito, é importante diferenciar a tutela jurisdicional, isto porque, para cumprir com sua finalidade, o processo dispõe de diferentes maneiras de tutelar um determinado bem jurídico, e conforme a necessidade do jurisdicionado, estas técnicas disponibilizadas pelo legislador possuem diferentes funções.696

Entendida a necessidade desta diferenciação, trata-se agora apenas da tutela provisória. A tutela provisória, como do próprio nome se supõe, é aquela que não possui caráter definitivo e, atualmente, se subdivide em tutela de urgência e tutela de evidência, que serão analisadas posteriormente.

A priori, restringir-se-á aos aspectos comuns de qualquer tutela provisória. Assim, demonstra Teori Albino Zavascki697 que por muitas vezes no decorrer do processo é possível que haja uma necessidade imediata da prestação jurisdicional, sob pena de perecimento ou dano grave, ou, ainda a superveniência de um fato que torne impossível o cumprimento da futura sentença confirmatória do direito.

694 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 60.695 MESQUITA, Eduardo Melo de. As Tutelas Cautelar e Antecipada. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2002. p. 174.696 DESTEFENNI, Marcos. Curso de Processo Civil: Tomo I, Processo de Conhecimento Convencional

e Eletrônico. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 272.697  ZAVASCKI, 2009. p. 25.

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Diante da inevitabilidade destes aspectos, o legislador garantiu aos jurisdicionados estas ferramentas que possibilitam a garantia da tutela requerida. Ao longo do tempo é possível notar essa preocupação do legislador em assegurar o direito a quem é devido, e assim, verificar uma evolução nas ferramentas proporcionadas.

Entretanto, é do magistrado a responsabilidade de aplicar a cautelaridade ou antecipação, analisando o caso concreto. Não sendo, portanto, estas técnicas aplicadas de forma indiscriminada pelo magistrado, é necessária a análise dos elementos que legitimem o emprego destas tutelas específicas. Ainda da análise, é preciso compreender que, por se tratar de uma decisão prematura, isto é, antes de todo procedimento necessário à concessão da tutela definitiva, o conhecimento do magistrado acerca do processo, ainda é muito superficial. Assim, diante da complexidade do assunto, tratar-se-á este aspecto adiante.

2.1 Características da tutela provisória

Antes de analisar as espécies de tutela provisória, é interessante fazer um apanhado das características comuns a elas, isto para que se evite a redundância da abordagem da mesma matéria repetidas vezes.

2.1.1 A Cognição

Primeiramente, é importante entender a análise realizada pelo magistrado ao determinar a antecipação de determinada tutela, ou a cautelaridade sobre determinado direito. Por isso, inicia-se esta etapa com o estudo sobre a cognição.

Kazuo Watanabe698 explicita a importância do tratamento do assunto para o processo civil brasileiro, uma vez que a utilização da cognição com técnica processual, permite a concepção de variáveis tipos de procedimentos, cada qual para atender o ideal de instrumentalidade.

Assim, é em vista das observações trazidas pelo legislador, que seu estudo é fundamental, tanto para o entendimento do aprofundamento realizado pela decisão do magistrado, como também, para a compreensão do aspecto provisório da decisão. Ainda citando Kazuo Watanabe699, este traz o conceito de cognição, dizendo que trata-se de uma ato de inteligência que considera, analisa e valora alegações e provas produzidas pelas partes, cujo o resultado é o fundamento para o julgamento.

Sendo assim, pode-se dizer que o juízo emitido pelo juiz, é a lógica construída por este durante o processo. Porém, a necessidade da tutela provisória não deixa margem para que o juiz possa demorar na tomada de suas conclusões. É diante destas peculiaridades do Direito, que a doutrina classifica a cognição, seja com base 698 WATANABE, Kazuo. Cognição no Processo Civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 44-45.699  Ibid. p. 67.

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na sua extensão (cognição horizontal), seja com base na sua profundidade (cognição vertical), é o que se explica a seguir.

A cognição horizontal é aquela que verifica a amplitude dos fatos e do direito analisado pelo magistrado. Kazuo Watanabe700 expõe que os limites da cognição horizontal encontram-se em elementos objetivos, ou seja, nas questões processuais, condições da ação e questões de mérito. No plano horizontal, a cognição pode plena ou limitada (parcial), conforme sua extensão.

Diante do exposto, é possível compreender que, quanto a horizontalidade da cognição, esta pode ser tanto plena, quanto parcial. O que significa que, quando plena o juiz leva em consideração toda a matéria trazida no processo, ou seja, para proferir uma decisão, o magistrado analisa todo o conteúdo pertinente ao processo, todos os fatos alegados e toda matéria de direito arguida.

Já quando da cognição parcial, o magistrado irá se conter a uma determinada parte da matéria, ou seja, se deterá ao conhecimento de determinado fato narrado ou determinado aspecto do mérito e decidirá apenas quanto a matéria analisada.

A cognição vertical é aquela que verifica a profundidade com que o juiz analisou o caso. Kazuo Watanabe701 expõe: “No plano vertical, a cognição pode ser classificada, segundo o grau de sua profundidade, em exauriente (completa) e sumária (incompleta).”

Assim, observa-se que quando trata-se de profundidade a decisão pode ser tanto exauriente, quanto sumária. Quando fala-se de exauriente é possível auferir que o juiz tratará da matéria em todos os seus aspectos, ou seja, ele esgotará o assunto, analisará todas as questões envolvidas. É o que, por exemplo, o juiz faz na sentença.

Agora, quando o magistrado faz uma análise superficial da matéria, é o que se chama de cognição sumária, tal técnica é necessária quando o caso requer uma atitude imediata do judiciário para a proteção da tutela pleiteada. Sendo assim, este é o tipo de cognição que interessa ao tema, pois trata, exatamente, dos casos em que há ou não a concessão da tutela provisória.

Diante disto, pode-se concluir que, não é porque o juiz concede a tutela provisória que aquela parte beneficiada ira conseguir a tutela definitiva, o inverso também é verdadeiro, não é porque o magistrado deixa de concedê-la que a parte, posteriormente, não pode ter seu direito reconhecido. Isto ocorre, porque a análise da concessão ou não da tutela provisória não se faz de forma exaustiva e, algum elemento reconhecido pelo juiz, depois da análise feita, pode mudar o convencimento do juiz sobre determinado assunto.700  WATANABE, 2011. p. 118.701  Ibid. p.118.

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2.1.2. Elementos Essenciais

A tutela provisória é uma técnica excepcional no processo para garantir a efetividade da função jurisdicional do Estado. Portanto, é importante perceber que, em regra, é na sentença que o direito é plenamente conhecido, naquele momento que o juiz tem a oportunidade de ter seu convencimento formado, após criteriosa e aprofundada análise do processo.

Então, sendo a tutela provisória medida excepcional, é importante que, quando da sua aplicação, o juiz siga, estritamente, por um determinado caminho que o leve ao exame da aparência do direito no caso (fumus boni juris), bem como, do perigo que a demora do processo possa apresentar ao jurisdicionado (periculum in mora).

Inicialmente, cabe ao magistrado analisar o que os juristas chamam de fumus boni juris, ou “fumaça do bom direito”, o que significa analisar a verossimilhança do caso concreto com o direito alegado.

O conceito é melhor explicado por Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamimi,702 os quais tratam a verossimilhança como algo correlato à cognição sumária, sendo assim, o juiz tem uma impressão razoável de que o autor tem razão, mas ainda não possui a certeza. Entretanto, é requisito legal que, independente da cognição realizada, a decisão proferida pelo juiz, seja fundamentada de modo claro e preciso.

O segundo critério a ser preenchido é o chamado periculum in mora, ou “perigo na demora”, o que quer dizer que a espera para o término do processo seria prejudicial de tal forma, que o direito pleiteado já não mais seria útil, ou mesmo, não se executaria de forma efetiva, em outras palavras o prejuízo da parte prejudicada é irreparável ou de difícil reparação.703

Outrossim, é importante esclarecer que, não é apenas diante de uma ameça a violação ao direito que a tutela provisória é concedida, mas também, quando o ato já tenha violado e ainda não cessou, ou seja, ocorre de maneira permanente. Portanto, nos casos em que já tenha ocorrido o ato, a intervenção do judiciário é imprescindível, para que haja a cessação do ato.

2.2 As espécies de tutela provisória no código de processo civil de 2015

O Novo Código de Processo Civil, utiliza-se da nomenclatura tutela provisória para denominar o gênero, em que a tutela de urgência e a tutela de evidência são

702 WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 415.

703 MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da Tutela. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 156-157.

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espécies. Ainda, dentro da tutela de urgência, há uma nova subdivisão em que se encontram a tutela antecipada e a tutela cautelar, já tão conhecidas.704

A partir desta nova classificação da tutela provisória, inicia-se agora o estudo das características da tutela de urgência, bem como, as hipóteses de cabimento da tutela de evidência.

2.2.1 Tutela de Urgência

A tutela de urgência está positivada no Novo Código de Processo Civil nos artigos 300 e seguintes, e abrange tanto a tutela antecipada (satisfativa)

quanto a tutela cautelar. A tutela de urgência se caracteriza, principalmente, pela necessidade imediata da concessão da tutela que é requerida, ou seja, em virtude da iminente lesão ou ameaça de lesão a um determinado bem jurídico surge a necessidade de intervenção do Estado, a fim de assegurar a efetividade da jurisdição exercida por este.

Sendo assim, em que pese a nova nomenclatura “tutela de urgência” adotada pelo legislador, a matéria acobertada por este instituto não traz nenhuma novidade, uma vez que trata da tutela antecipada e da tutela cautelar, como as conhecemos.

2.2.1.1 Tutela Antecipada

Com o sancionamento da Lei n. 8.952 de 13 de dezembro de 1994, o instituto da tutela antecipada foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro, e trouxe grande mudanças aos meios utilizados anteriormente para a proteção de um direito.

Primeiramente, cabe destacar a legitimidade para requerer a antecipação dos direitos. Luiz Guilherme Marinoni705 explica que, tanto o autor como o réu reconvinte são partes legítimas para requerer a aplicação do instituto.

Ainda, importante ressaltar que, que não há tempo certo para a concessão antecipada dos efeitos da tutela, muito embora, Luiz Guilherme Marinoni706 expõe que, preferencialmente, a tutela antecipada deve ser concedida após a apresentação da contestação. Contudo, a legislação é silente quanto a concessão antes de ouvida a parte contrária, isso se deve à busca da efetividade da prestação jurisdicional, e, portanto, não se pode proibir tal prática, mesmo porque, o legislador não pode prever todas as situações ocorrentes no plano fático, e há que se ressalvar certas hipóteses,

704 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil, volume 2: tutela dos direitos mediante procedimento comum. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 198.

705 MARINONI, 2011. p. 146-147.706  Ibid. p. 159-160.

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vez que certos casos merecem urgência no pronunciamento do judiciário. É diante das peculiaridades apresentadas no caso concreto, que o instituto da antecipação da tutela se faz tão importante.

2.2.1.2 Tutela Cautelar

A tutela cautelar concedida na própria ação principal foi inserida no ordenamento jurídico pela Lei n. 10.444 de 7 de maio de 2002, o que facilitou a aplicação de medidas preventivas para acautelar qualquer ameaça que venha a prejudicar a efetividade da prestação jurisdicional.

Esclarece Luiz Guilherme Marinoni707 que a tutela cautelar tem a finalidade de assegurar a viabilidade da concretização de um direito. Sendo assim, não se deve confundir tutela cautelar com tutela satisfativa sumária (tutela antecipada), isto porque enquanto esta dá acesso efetivo ao direito pleiteado, mesmo com a cognição sumária realizada pelo magistrado, a tutela cautelar assegura este acesso, ou seja, ela visa estabelecer meios para que a tutela satisfativa seja alcançada em sua plenitude, sem prejuízo de qualquer ação superveniente acometida no caso concreto.

Na tutela cautelar há limites para a jurisdição do Poder Judiciário, estes limites se encontram na própria definição de tutela cautelar, visto que, como dito visa assegurar o acesso ao direito. Quando trata-se de decidir sobre a cautelaridade de um direito, não pode o magistrado condenar, constituir ou declarar qualquer das pretensões pleiteadas por qualquer das partes, ficando restrita a determinar medidas que visam proteger a efetividade da própria tutela satisfativa.708

Mesmo que a medida cautelar determinada pelo juízo signifique a fruição temporária do direito objeto da tutela satisfativa pretendida, isto não significa que a parte teve a antecipação dos efeitos da tutela, isto porque a medida determinada não garante a tutela satisfativa sumária, visa proteger a acessibilidade da parte ao direito ameaçado de lesão.709

Ainda, insta salientar que houve a extinção normativa do processo autônomo que visa acautelar a tutela satisfativa, ou melhor, o legislador optou por extinguir o processo autônomo para proteção da tutela cautelar, Rogéria Dotti et al.710 esclarece que não há mais necessidade do processo cautelar, em caráter autônomo, vez que a tutela cautelar será processada nos mesmos autos que tratam do pedido principal. Com isso fixa-se a prática que atualmente é utilizada, qual seja, o pedido de tutela

707 MARINONI, 2011. p. 107.708 MESQUITA, 2002. p. 198709 MARINS, Victor Alberto Azi Bomfim, Tutela Cautelar: Teoria Geral e Poder Geral de Cautela. 2.

ed. Curitiba: Juruá, 2000. p. 95.710 DOTTI, Rogéria Fagundes; et al. Código de Processo Civil: Antado. Associação de Advogados

de São Paulo e OAB Paraná, 2015. p. 511.

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cautelar no próprio processo que visa a tutela satisfativa, ou ainda, antes mesmo de ajuizada esta, o que se verificará mais adiante.

Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini711 explicam que o que ocorre agora, são atividade judiciais, anteriores ou mesmo concomitantes com a tramitação do processo de conhecimento, garantindo a instrumentalidade e eficácia do processo. Assim, competiu ao legislador continuar a disponibilizar novamente a técnica da tutela cautelar, em vista de seu desempenho no processo atual, em garantir ao jurisdicionado a efetiva prestação jurisdicional.

Ainda, compete dizer que, tendo o legislador garantido as técnicas de tutela antecipada (satisfativa) e tutela cautelar, as mudanças nesses institutos estão na possibilidade de sua concessão em caráter antecedente, significando a especial atenção à necessidade urgente do jurisdicionado em garantir a tutela desejada.

2.2.1.3 Procedimentos da tutela antecipada antecedente

Quanto as novidades no procedimento de concessão da tutela antecipada requerida em 12 caráter antecedente, pode-se destacar os dois artigos que tratam da matéria: i) o artigo 303, que estabelece a hipótese de ajuizar ação que tem com como finalidade a concessão da tutela antecipada e; ii) o artigo 304, que viabiliza a estabilização da tutela.712

Em relação a possibilidade de se demandar apenas pela concessão da tutela antecipada, o legislador inovou em demandas em que a única necessidade do demandante é a própria antecipação da tutela requerida. Entretanto, é preciso observar o seu regramento.

Acerca da estabilização, o legislador deixa evidente que a decisão que concede a tutela antecipada (art. 304, §6º) não faz coisa julgada, além de prever sobre eventual propositura de ação exauriente para aprofundamento da cognição (art. 304, §§2º e 5º). Contudo, Marinoni713 levanta uma dúvida plausível, o qual se insurge a cerca da força da estabilidade após ter transcorrido os dois anos para a propositura da ação exauriente, vez que não faz coisa julgada, entretanto, torna-se “inafastável”, ou seja, “imutável”, característica atribuída à coisa julgada (art. 502).

2.2.1.4 Procedimentos da tutela cautelar antecedente

Destaca-se no procedimento de requerimento da tutela cautelar em caráter antecedente, a possibilidade de realizar o pedido antes do ajuizamento da ação, entretanto, deverá se atentar ao prazo de trinta dias, para ajuizar a respectiva ação 711 WAMBIER; TALAMINI, 2014. p. 57.712 MARINONI, 2015. p. 216713 MARINONI, 2015. p. 216

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que vise tutelar o bem jurídico de interesse da parte de forma satisfativa. Nas demais hipóteses, ou seja, após o ajuizamento da ação, a tutela cautelar poderá ser requerida em caráter incidental, sem a necessidade de propor um novo procedimento.714

Verifica-se que o legislador, não extinguiu totalmente o processo cautelar, visto que se a tutela cautelar requerida antes da propositura da ação, será dotada de autonomia, entretanto, sua autonomia é temporária e fica condicionada à propositura da ação principal (nos mesmos autos), dentro do prazo de trinta dias, conforme determina o artigo 308 do Novo Código de Processo Civil.

2.2.2 Tutela de Evidência

A tutela de evidência está positivada no Novo Código de Processo Civil em um único artigo, qual seja o artigo 311. Da simples leitura é possível observar que a tutela de evidência também não se trata de total inovação do legislador, visto que em algumas hipóteses já vinham sido tratadas no Código de Processo Civil de 1973, quando já albergava o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório.

Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni, “o que o legislador fez no art. 311 foi especificar aquilo que entende como defesa efetiva ou potencialmente inconsistente”.715

Entretanto, observa-se que a inovação no novo código é a possibilidade de concessão da tutela provisória se demonstrada apenas a verossimilhança, vez que, com base no código de 1973, seria necessário a comprovação do periculum in mora. O inciso segundo trata de hipótese de concessão liminar, uma vez que forem verificados julgados no mesmo sentido.

Para Marinoni716 o que deve ser levado em conta para a concessão da tutela de evidência com fulcro neste inciso, é necessário “haver precedente do STF ou do STJ ou jurisprudência firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas nos Tribunais de Justiça ou nos Tribunais Regionais Federais”, independentemente se oriundos de casos repetitivos ou retratados em súmulas vinculantes.

A hipótese do inciso terceiro, traz a substituição do procedimento especial de depósito previsto no antigo código. Assim, uma vez que o juiz verifica o depósito, determina a entrega a coisa. Pode-se falar na inovação do legislador, visto que extingue o procedimento especial de depósito, e insere em uma das hipóteses de tutela provisória.717

Quanto a hipótese do inciso IV, trata-se explicitamente de hipótese de verossimilhança fundada em prova trazida pelo autor que não possa ser contestada

714 Ibid. p. 213-214.715 MARINONI, 2015. p. 201-202.716 Ibid. p.202.717  Ibid. p.202.

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ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL 587

de forma imediata pelo réu, vez que talvez seja necessário aguardar o momento da instrução. Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni, “é a hipótese clássica em que o tempo para produção da prova deve ser suportado pelo réu – e não pelo autor que já se desincumbiu do seu ônus probatório documentalmente.”718

Ainda, cumpre destacar novamente, que o parágrafo único permitiu ao magistrado a concessão da tutela provisória com base na evidência em caráter liminar, nas hipóteses dos incisos II e III, visto que para a verificação destes no plano concreto não necessita de contraditório.

3 A tutela de urgência na efetivação do direito à saúde

Após a abordagem teórica dos “novos” procedimento trazidos pelo Código de Processo Civil de 2015, inicia-se neste capítulo o estudo da prática. Em que pese a recente entrada em vigência do código, já é possível auferir, em alguns casos, como será a implementação das regras já estudadas.

Para uma melhor visualização da aplicação da norma, adota-se no presente, apenas a título de ilustração, as tutelas que dizem respeito ao direito à saúde, tendo em vista que, na maioria dos casos, a prestação jurisdicional deve se dar de forma emergencial, vez que, o direto à saúde, nestes casos, está ligado ao direito à vida, bem como, à dignidade da pessoa do jurisdicionado.

3.1 O direito fundamental à saúde

Temas relativos a direitos fundamentais são extremamente recentes, principalmente no contexto jurídico brasileiro, isto porque a Constituição Brasileira de 1988, teve como principal objetivo a proteção das garantias individuais, devido à necessidade de garantia do Estado Democrático de Direito. Assim, a efetividade destes direitos fundamentais, muitas vezes, são garantidos pela implementação de políticas públicas, as quais dependerão de recursos financeiros disponíveis, que por seu caráter escasso, exigem uma decisão política para sua aplicação.719

O caráter pragmático que a atual constituição possui, é característica da necessária redemocratização do Estado brasileiro realizada após períodos sucessivos de ditadura. O direito à saúde no Brasil, é tema de preocupação do governo desde o século XIX, quando ainda não se falava de universalização do acesso, porém já se realizavam as primeiras ações de combate a epidemias, como lepra e outras doenças. Somente na década de 1930 é que se iniciou uma melhor estruturação do sistema de saúde, entretanto, ainda com acesso restrito aos contribuintes da previdência e

718  MARINONI, 2015. p. 202.719 PIO, Valdir dos Santos; FERRAZ, Anna Candida de Cunha. O Direito à Saúde como Direito

Fundamental Social e sua Concretização. Revista Mestrado em Direito, Osasco, ano 12, n. 2. p. 247 – 267. p.. 250.

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ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL 588

isso se perpetuou até a entrada em vigência da Constituição Federal de 1988, a qual trouxe o acesso universal, igualitário às ações relativas ao direto à saúde.720

3.1.1 Direito à Saúde a partir da Constituição Federal de 1988

Com a positivação dos artigos 6º e 196 da Constituição Federal de 1988, todos os cidadãos brasileiros passaram a ser titulares de vários direitos sociais, entretanto o que interessa ao estudo é a particularidade trazida no artigo 196, que trata de políticas públicas a serem efetivadas pela União para concretização do direito à saúde.

A Constituição determina que a saúde é “direito de todos e dever do Estado”, ainda, institui o “acesso universal e igualitário” aos serviços e ações para sua promoção, proteção e recuperação”. Sendo assim, a Constituição dispôs que, não mais o direito a saúde será restrito aos trabalhadores no mercado forma, mas sim, todos os brasileiros eram titulares do direito à saúde.721

Este “novo” dever do Estado, instituído pela Carta Magna, culminou no sancionamento da Lei n. 8.080/90, lei que implementou o Sistema Único de Saúde (SUS). A lei estabelece parâmetros de estrutura, organização e modo de operação do SUS. Luís Roberto Barroso722 explica que o SUS “é concebido como um conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta” e complementa, dizendo que a iniciativa privada também pode contribuir de forma complementar.

Além da lei tratar da estrutura, organização e atuação do SUS, visou também estabelecer princípios que servem de orientação para o funcionamento do sistema, dentre eles a universalização e a subsidiariedade. Quanto a este,

trata-se de um desdobramento do princípio da descentralização administrativa, atribuindo aos municípios a responsabilidade pela execução das políticas públicas.723

3.1.2 Acesso à Saúde

A positivação do caráter universal do direito à saúde na Constituição tornou direito de todos os brasileiros o acesso à saúde e impôs ao Estado o dever de garantir este acesso. Entretanto com o nascimento desta obrigação, nasceu também críticas acerca da delimitação de acesso à saúde.

720 BARROSO, Luís Roberto. Da Falta de Efetividade à Judicialização Excessiva: Direito à Saúde, Fornecimento Gratuito de Medicamentos Eparâmetros para a Atuação Judicial. Revista da Procuradoria-Geral do Estado, Porto Alegre, v. 31, n. 66, p. 89-114, jul/dez. 2007. p. 97-98.

721  BARROSO, 2007. p. 98722  BARROSO, 2007. p. 99.723  Ibid. p. 99-100

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ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL 589

É interessante tecer esta discussão, vez que o legislador constituinte não delimitou o tema para aplicação na prática, assim cabe ao legislador infraconstitucional delinear as diretrizes de ação do Estado.724

Ainda nesse sentido, Ingo Wolfgang Sarlet725 argumenta que o primeiro obstáculo encontrado, é o fato da Constituição não delimitar o objeto do direito à saúde, ou seja, não há como extrair da simples leitura da Constituição, a amplitude do que se refere a direito à saúde, se esta se estende a todo e qualquer tipo de prestação relacionada à saúde, ou se limita às prestações básicas e necessárias a sobrevivência do indivíduo.

Em que pese esta problemática interpretativa, o legislador implementou diretrizes que visam nortear a aplicação dos recursos do Estado à saúde, como é o caso da Lei do Sistema Único de Saúde que, como já visto, implementou, além de uma estrutura organizada, positivou princípios regentes da saúde pública.

Eduardo Cambi e Daniele Bohrz Boff726 esclarecem que o SUS é uma grande conquista para a população brasileiro. Entretanto, mesmo com a vigência da Lei do SUS, é preciso se atentar para a ineficiência deste sistema, uma vez que os gastos realizados pelo Estado não são suficientes, bem como, há um sério problema de gestão pública dos recursos aplicados neta área.

Assim, diante deste problema administrativo do Poder Executivo, faz-se necessária a intervenção do Poder Judiciário para garantir o acesso do jurisdicionado ao direito à saúde. Entretanto, vale ressaltar que este poder de intervenção não é absoluto e sofre séria criticas quando mal aplicado, como se verá a seguir.

3.2 A judicialização da saúde

Tendo em vista, a ineficácia do Poder Executivo em administrar os já tão escassos recursos da saúde, o cidadão, titular do direito à saúde, não vê alternativa se não recorrer ao judiciário.

Contudo, é imprescindível observar que esta regra não pode ser aplicada de modo irrestrito. Luís Roberto Barroso727 (2007, p. 103) levanta as seguintes ponderações com relação ao controle jurisdicional realizado, em relação a entrega de

724  PIO; FERRAZ, 2012. p. 260725  SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas Considerações em Torno do Conteúdo, Eficácia e Efetividade

do Direito à Saúde na Constituição de 1988. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado. Salvador, n. 11, set/nov. 2007. p. 10.

726  CAMBI, Eduardo; BOFF, Daniele Bohrz. Efetividade do Direito à Saúde Púbica no Brasil. Revista Jurídica do Ministério Público do Estado do Paraná. Curitiba. ano 2. n. 3. p. 99- 135. dez, 2015. p. 109.

727 BARROSO, 2007. p. 99-103

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ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL 590

medicamentos, deve ter fundamento em norma jurídica, sendo assim, é necessário que, para que haja controle jurisdicional de determinada ação administrativa é imprescindível uma norma jurídica que o preceda, contudo, na falta desta, não pode o magistrado realizar qualquer controle, pois não há parâmetro legal.

Ademais, nos próximos tópicos serão analisados tanto a necessidade de intervenção do Poder Judiciário, quanto as críticas que permeiam a sua atuação quando de modo excessivo.

3.2.1 O Papel do Judiciário na Efetivação do Direito à Saúde

Como já visto, o controle jurisdicional das ações administrativas, por parte do magistrado faz parte de seu ofício e portanto, sua interferência, respeitadas certas limitações, é plenamente constitucional. É o que pretende se delimitar no presente tópico: qual o limite a ser respeitado pelo Poder Judiciário?

Luiz Roberto Barroso728 traz esclarecimentos acerca das delimitações de atividade do Poder Judiciário, argumentando que a atividade judicial deve ser ponderada e respeitar as opções estabelecidas pelo legislador. Em síntese, esclarece que o Judiciário deve agir, somente, em caráter residual, ou seja,

quando não houver disposição acerca de uma matéria, ou ainda, quando não houver o devido cumprimento de uma lei ou ato administrativo.

Sendo assim, é necessário que haja plena conscientização de que o papel do Poder Judiciário está em: interpretar as normas estabelecidas pela Administração Pública, protegendo o cidadão de eventual abuso pelo poder público; e na execução/aplicação das normas estabelecida por este, nos limites do que foi disposto, bem como observando as garantias legais do jurisdicionado. Limita-se a atuação do Judiciário a estes dois pontos, sendo que eventual protagonismo ensejaria na quebra da tripartição de poderes estabelecida no artigo 2º da Constituição Federal.

3.2.2. Críticas Acerca da Judicialização da Saúde

Uma vez ultrapassado os limites já discutidos nesta pesquisa, o Judiciário incide em prática abusiva no método de freios e contrapesos entre os Poderes da União. Assim, dentro dos estudos realizados verificou-se sérias críticas a este ativismo exagerado do Poder Judiciário, formuladas principalmente pelo atual ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Roberto Barroso.

Primeiramente, da leitura do artigo 196, verifica-se que o direito à saúde será garantido mediante a aplicação de políticas sociais e econômicas, e não de decisões

728 BARROSO, 2007. p. 104.

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judiciais. Luís Roberto Barroso729 sustenta que: “A possibilidade de o Poder Judiciário concretizar, independentemente de mediação legislativa, o direito à saúde encontra forte obstáculo no modo de positivação do artigo 196, que claramente defere a tarefa aos órgãos executores de políticas públicas”. Ainda, ressalta a questão da competência para tomada de decisões nesta área, que seria do Poder Executivo, tendo em vista que este teria total ciência da aplicação dos recursos, bem como, das necessidades a serem supridas.

Em outras palavras, enquanto o Poder Judiciário tem o conhecimento de um caso concreto, o Poder Executivo tem a capacidade de apurar o problema em proporções globais, levando em consideração tanto os recursos a serem necessários, como da necessidade da população como um todo.

Ademais, Luís Roberto Barroso730 crítica a atuação do Judiciário em políticas de saúde pública, pois há falta de prerrogativa da legitimidade democrática, não cabendo ao Judiciário a determinação de aplicação dos recursos públicos.

Outrossim, a “invasão” do Judiciário causa desorganização na Administração Pública, uma vez que, como já relatado, por vezes, a permissão de acesso de um cidadão ensejaria no prejuízo de direito de outros. Neste caso, por mais que o Judiciário tenha a intenção do direito no plano fático, pode vir a causar maiores prejuízos na sociedade.731

Por fim, cabe informar que o Poder Judiciário não tem condições técnicas de avaliar a eficácia da utilização de determinado tratamento. Carla Costa Carvalho e Silva732 expõe que uns dos principais problemas para o Judiciário é a impetração de Mandado de Segurança, remédio constitucional que visa a proteção de direito líquido certo, entretanto, tal medida não permite dilação probatória o que prejudica o conhecimento integral da matéria pelo Judiciário, inviabilizando que o Poder Executivo ofereça um tratamento mais eficaz e menos custoso.

Deste modo, não há meios do magistrado realizar justiça social, apenas faz a mera subsunção da norma ao fato, o que não constitui o principal objetivo da justiça buscada pelo Poder Judiciário. Destaca Luís Roberto Barroso: “O juiz é um ator social que observa apenas os casos concretos, a micro-justiça, ao invés da macro-justiça, cujo gerenciamento é mais afeto à Administração Pública”.733

3.3 A efetivação do direito à saúde no novo código de processo civil729  BARROSO, 2007. p. 104-105.730  Ibid. p. 105.731  Ibid. p. 106.732 SILVA, Carla Costa Carvalho e. Judicialização da Saúde Pública. Revista Jurídica do Ministério

Público do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte. v. 13. n. 23. p. 297-324. jul/dez, 2014. p. 319.733  BARROSO, 2007. p. 108.

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ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL 592

Após a exposição dos conceitos básicos para a compreensão do tema, passa-se agora a análise do caso concreto. Adota-se ao presente, a tutela provisória requerida para fins de fornecimento de medicamento, para tratamento de câncer.

3.3.1 Apresentação do Caso

Trata-se de ação de obrigação de fazer ajuizada contra o Estado, na vigência do Código de Processo Civil de 1973, para fornecimento de medicamentos para tratamento de câncer de próstata.

O autor, após receber diagnóstico de estar com câncer de próstata, iniciou o tratamento para alcançar a cura. Com o avançar da doença, teve que ser submetido à quimioterapia, o que lhe causou imenso sofrimento, uma vez que, já é notório, este tratamento causa reações ao paciente como náusea, vômito, dor de cabeça, queda de cabelo, perda de peso, entre outros. No caso, o autor ficou impossibilitado de trabalhar, tendo sido aposentado por invalidez pelo INSS.

Algum tempo depois, verificando que havia outro tratamento com melhores resultados e menos efeitos colaterais. Assim, foi receitado ao autor o remédio denominado Acetato de Abiraterona 250g, que foi requerido o seu fornecimento à Secretária de saúde, em vista da hipossuficiência econômica do paciente, entretanto, o pedido foi negado.

Diante desta situação, foi ajuizada ação de obrigação de fazer em face do Estado, para que este fornecesse os medicamentos necessários para o tratamento do autor. Por óbvio, foi requerido a antecipação dos efeitos da tutela, que a princípio foi negado. Somente após interposição de agravo de instrumento, o juiz de primeiro grau se retratada e verificada a presença dos requisitos necessários – fumus boni iuris e periculum in mora – para o deferimento, o pedido foi concedido.

Em seguida, reconhecida falta de eficácia do tratamento com o Acetato de Abiraterona 250g, sendo assim houve a desistência da ação e consequente extinção sem resolução de mérito.

Observa-se de início, que o novo código de processo civil institui novas regras que mudaram totalmente os procedimentos adotados em procedimentos semelhantes ao relatado. As diferenças serão assinaladas no tópico a seguir.

3.3.2 A Estabilização da Tutela de Urgência

De início, no caso a propositura da ação de obrigação de fazer não necessita mais da instrução completa da inicial, a princípio. Isto porque o legislador permitiu a autonomização do próprio requerimento da antecipação dos efeitos da tutela satisfativa, o que significa que, basta instruir o pedido antecedente com as provas

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ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL 593

que demonstrem os requisitos necessários para concessão da tutela de urgência - periculum in mora e fumus boni iuris – incluindo o requerimento da antecipação da tutela satisfativa, como sendo o pedido final, conforme determina o artigo 303, § 5º do Código de Processo Civil vigente.

Frisa-se que o procedimento de requerimento de antecipação dos efeitos da tutela satisfativa em caráter antecedente, só pode ser utilizada quando a tutela se basear em urgência, conforme artigo 303 do referido diploma legal.

Continuando, pode ocorrer de o pedido ser indeferido, sendo o autor intimado de para realizar emenda à inicial, sob pena de extinção sem resolução de mérito. Assim, cabe ao autor, se lhe convir, interpor agravo de instrumento nos termos do artigo 1.015, inciso I, do Código de Processo Civil de 2015.

Quanto a emenda à inicial, o legislador utiliza esta nomenclatura, entretanto, Luiz Guilherme Marinoni734 diverge, entendendo a letra da lei como equivocada, uma vez que a emenda à inicial é utilizada quando há algum vício a ser sanado na peça. Sendo assim, o que se verifica neste momento processual é o mero aditamento da inicial, uma vez que a inicial esteja regular para o juízo de concessão da tutela de urgência.

Dando seguimento, ao analisar o caso exposto verificou-se a presença dos requisitos da antecipação da tutela com base na urgência, sendo necessária seu deferimento, o que gera outras consequências: i) o autor será intimado para eventual aditamento da inicial, instruindo os demais pedidos que possa requerer na demanda.; ii) o réu será citado e cientificado da decisão, para, caso haja outro ponto controvertido, prosseguir à audiência de conciliação.

Sendo assim, não havendo interposição de agravo de instrumento pelo réu, ocorre a estabilização da tutela provisória. Contudo, é imprescindível mencionar o entendimento doutrinário de que o legislador faltou ao dizer que a tutela provisória se tornará estável com falta de interposição do recurso respectivo, qual seja, agravo de instrumento, isto porque, em uma leitura literal, pode-se entender que apenas a interposição do recurso afastaria a estabilização, o que pode ser considerado um equívoco, visto que o processo não visaria a celeridade e economia processual.

Luiz Guilherme Marinoni,735 entende que, se o réu, “desde logo oferecer contestação no mesmo prazo – ou, ainda, manifestar-se dentro desse mesmo prazo pela realização da audiência de conciliação ou de medição”, o magistrado deverá entender que sua manifestação afastará a estabilização da tutela, a fim de trazer maior economicidade ao processo.

734 MARINONI, 2015. p. 214.735 Ibid. p. 215.

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ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL 594

Entretanto, é de se considerar que ao se assumir esta posição, corresse o risco de se ter o contrário do que se almeja, ou seja, é possível que em vez de trazer celeridade ao processo, pode-se protelá-lo ainda mais, isto porque, com o atual código, o prazo para apresentação da contestação passou a ter início após o término da audiência de conciliação e, levando-se em consideração, o tempo que pode levar para marcar a audiência de conciliação, trazendo grande transtorno ao autor, se aguardar a manifestação da parte contrária.

Logo, se aplicado o novo procedimento ao caso concreto, na medida da concessão dos efeitos da tutela antecipadamente – desconsiderando a falta de efeito do remédio – a tutela provisória concedida, não sendo impugnada pela parte contrária, no prazo legal, se estabilizaria. No entanto, vale ressaltar que o legislador não conferiu os efeitos da coisa julgada, conforme já explicado.

Não obstante, em que pese a falta de força de coisa julgada da estabilização da tutela, esta assume o caráter imutável quando não proposta ação que visa o exaurimento do litígio. Assim, se o pedido de fornecimento de remédio não fosse impugnado ou mesmo não fosse proposta ação para exaurir a demanda, o processo seria considerado extinto e com isso se colocaria fim a demanda.

Ante o exposto, demonstra-se que a estabilização da tutela de urgência constitui grande avanço para as demandas de saúde, uma vez que sua natureza geralmente urgente, prescinde o prolongamento do debate já que o principal interesse do requerente está na satisfação da tutela da forma mais rápida possível, pois normalmente o que se discute é, além da saúde, a vida do jurisdicionado, como no caso relatado.

Contudo, em que pese a evolução trazida pela estabilização, é necessária a reflexão, quanto aos possíveis problemas que o novo Código de Processo Civil poderá enfrentar quando da sua aplicação.

É sabido, que uma das propostas do novo código é o incentivo a resolução dos litígios de maneira consensual, conforme o que se extrai do artigo 3º, § 3º do Código de Processo Civil de 2015. Porém, observa-se que talvez haja uma certa contradição por parte do legislador, vez que ao inserir a ação exauriente, a qual visa a rediscussão de um litígio que já fora resolvido pelo Judiciário.

Não se sabe, entretanto, se esta nova propositura de ação, com pagamento de novas custas, seria uma forma de afastar a parte contrária do Judiciário. Contudo, há que se verificar se a situação financeira desta parte, viria, realmente, a prejudicar eventual propositura de nova ação, sendo assim poderá não ter o fim almejado.

Ainda, outra análise a ser realizada, se deve ao fato da coisa julgada. Sabe-se que a 22 estabilização da tutela provisória torna-se imutável, após transcorrer o prazo

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de dois anos, sabe-se também que a imutabilidade é uma das características da coisa julgada.

Partindo destas premissas, levanta-se a seguinte questão, caso o autor viesse a requerer um pedido genérico de tratamento para sua doença, e após transcorridos dois anos da concessão, verifica-se que o tratamento não tem efeito, poderia ele propor nova ação? Perceba que a estabilização tornou-se imutável, seria então, necessário realizar um pedido específico ao se requerer a tutela provisória como pedido final, vez que o requerimento de uma tutela genérica poderia gerar prejuízo ao autor? Estas são questões que somente a prática poderá responder.

4 Considerações finais

Em relação à tutela provisória, pode-se observar que nem tudo que tange esse assunto pode ser considerado uma novidade, uma vez que continua sendo necessário o preenchimento dos requisitos para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela – o periculum in mora e o fumus boni iuris. Ainda, apurou-se que a urgência e evidência, também não constituem novidade, vez que as hipóteses já estavam previstas no novo código.

Não obstante as supostas novidades encontradas no novo código, ainda assim ocorreram mudanças efetivas no processo civil, no que concerne a autonomização do pedido de tutela antecipada e cautelar em caráter antecedente, bem como, a estabilização da tutela de urgência. Quanto a este último, fora possível analisar seus prováveis efeitos em demandas de saúde.

Ressalta-se que as demandas que versam sobre direito à saúde merecem uma atenção maior, visto que, em regra, o autor corre sério risco de morte, ou seja, além da violação direta ao direito à saúde, há uma violação indireta ao direito à vida. Sendo assim, é indiscutível a necessidade procedimento especial a estas demandas.

O que se espera da estabilização da tutela de urgência é o “descongestionamento” do Poder Judiciário, uma vez que muitas das demandas que ainda tramitam, já não têm razão de existir. Assim, a estabilização pode ser a ferramenta necessária para que não haja mais movimentos desnecessários a efetiva prestação jurisdicional.

Diante do exposto, é possível que este instrumento seja a solução para os problemas da demanda de saúde, entretanto, algumas reflexões são necessárias, como por exemplo, apenas a interposição do agravo de instrumento irá afastar a estabilização da tutela provisória? O pedido genérico requerido na tutela provisória, poderia gerar uma relativização da qualidade de imutabilidade da estabilização? Isso traria alguma consequência para a segurança jurídica firmada pela coisa julgada? É necessário tempo para que se chegue a uma conclusão, tempo para que se surjam julgados e mais estudos acerca do assunto.

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ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL 596

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