jovens - políticas públicas, mercado de trabalho

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PLISESTUDOS, FORMAO E ASSESSORIA EM POLTICAS SOCIAIS

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Polticas Pblicas Mercado de Trabalho

Jovens

ANNA LUIZA SALLES SOUTO e ELMIR DE ALMEIDA

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JovensPolticas Pblicas Mercado de Trabalho

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Esta publicao contou com o apoio da

UNICEF Fundo das Naes Unidas para a Infncia

Publicao Plis ISSN 0104-2335

O, S O U T O , Anna Luiza Salles e A L M E I D A , Elmir de Jovens: Polticas Pblicas Mercado de Trabalho. So Paulo: Plis, 2000. 80p. (Publicaes Plis, 35) 1.Polticas Pblicas. 2. Juventude. 3 . Mercado de Trabalho. 1. 4 . Grande ABC. 5 Santo Andr. . 5. III. I . Plis. II. Ttulo. III Srie. Fonte: CDI Plis

Plis 35Autores: Anna Luiza Salles Souto e Elmir de Almeida Coordenao editorial: Renato Cymbalista Reviso: Jandira Queiroz Projeto grfico e editorao eletrnica: Luciana Pinto Foto da capa: Gigliola Vesentini grafite em Santo Andr Fotolitos: Visuale Bureau Digital

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Impresso: Grfica Prol

Sumrio

Apresentao

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I. Jovens e mercado de trabalho: percepo e expectativas de insero Anna Luiza Salles Souto Introduo Jovens do ABC Cotidiano marcado pela violncia Valores e projeto de vida procura de um emprego Mercado de trabalho Emprego precrio e instvel Possibilidades de um futuro melhor Governos municipais, gerao de emprego e polticas para jovens Consideraes finais

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07 08 12 15 18 19 27 30 32 34

II. Polticas pblicas para os jovens em Santo Andr Elmir de Almeida

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39 Introduo 40 Democracia, cidadania e condio juvenil 45 A juventude e suas representaes sociais 50 Polticas pblicas do poder local para a juventude do ABC paulista 53 Culturas juvenis em Santo Andr 54 O governo local em Santo Andr e as polticas pblicas para a juventude 54 Cultura, Esporte e Lazer 56 Escolarizao e educao informal 58 Cidadania e ao social 63 Aes pblicas e formas de tematizaoda juventude local Dificuldades na formulao e implantao de aes intersetoriais para os jovens 6 5 66 Obstculos ao do Centro de Referncia da Juventude 67 Bibliografia

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Apresentao

A regio metropolitana de So Paulo caracteriza-se historicamente por sua intensa absoro de mo-de-obra. No entanto, a partir dos anos 80, e principalmente 90, houve uma reverso desse quadro: estabilizao ou at reduo da populao empregada e uma maior seletividade na absoro de novos trabalhadores. O impacto dessas transformaes ainda maior se levarmos em conta que de um mercado de trabalho fortemente marcado pelo emprego industrial, So Paulo converteu-se em uma metrpole terciria. A mudana de perfil trouxe novos desafios para aqueles que chegaram ao mercado a partir da segunda metade dos anos 80: uma crescente competitividade, requisitos de qualificao cada vez mais exigentes e uma drstica reduo nas oportunidades de ascenso social por meio do trabalho. Nesse quadro, o Grande ABC, uma sub-regio com 2,3 milhes de habitantes composta por sete municpios a sudeste da Regio Metropolitana (Diadema, Mau, Ribeiro Pires, Rio Grande da Serra, Santo Andr, So Bernardo do Campo e So Caetano do Sul) pode ser considerado de especial importncia por apresentar de forma exponenciada as transformaes do mercado de trabalho. A partir dos anos 50, O ABC viveu um perodo de forte desenvolvimento alicerado na indstria automobilstica. Desde o final dos anos 80, a regio vem sofrendo o impacto da sada das indstrias e da reestruturao produtiva por que passa o setor industrial. O primeiro e mais importante o brutal aumento do desemprego, que chega a mais de 20% da fora de trabalho no final dos anos 90, taxa superior mdia da regio metropolitana. Paralelamente retrao industrial, cresce no ABC o setor tercirio. De 1990 a 1994, o setor de servios aumenta sua participao no emprego regional de 25% a 36% 1 . O nmero de estabelecimentos comerciais, dentre os quais se destacam os shopping centers e hipermercados, cresce 48,8%, enquanto os estabelecimentos industriais tm uma queda de 13,6% entre 1989 e 1995. 2

1 Regio do ABC muda perfil e arrecada mais com servios . O Estado de S. Paulo , 9 set.1996.

ANAU, Roberto Vital. Evoluo econmica recente do ABC paulista (mimeo).

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As mudanas no perfil econmico da regio coincidem com o perodo de redemocratizao do Pas. Bero do novo sindicalismo brasileiro que emergiu no final dos anos 70, o ABC tambm se destaca por um projeto continuado de gesto democrtico-popular. Desde 1982, vrios de seus municpios vm sendo governados por administraes que priorizam as necessidades sociais da maioria da populao. Organizaes de mbito regional, tais como o Consrcio Intermunicipal do Grande ABC e o Frum da Cidadania e a Cmara Regional do ABC, exercem um importante papel, articulando diferentes atores sociais (entidades sindicais, empresariais, movimentos ambientalistas, lideranas populares e poder pblico) na discusso e elaborao de um projeto de desenvolvimento da regio, buscando reorient-lo na perspectiva de uma sustentabilidade econmica, social e ambiental. Esta publicao apresenta dois estudos que tm como foco de ateno a juventude da regio do Grande ABC. Um deles, luz dos resultados de uma pesquisa qualitativa, trata sobre o mercado de trabalho, mais especificamente sobre a percepo e as expectativas de insero dos jovens de baixa renda. O outro discute os esforos desenvolvidos pelo governo de Santo Andr, na gesto 1997-2000, no sentido de formular e implantar uma poltica pblica para os segmentos juvenis da cidade.

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percepo e expectativas de inseroAnna Luiza Salles SoutoSociloga e pesquisadora do Instituto Plis

Jovens e mercado de trabalho

Introduo luz dos resultados de uma pesquisa qualitativa, realizada em maro de 1998, este estudo aborda alguns aspectos do cotidiano do jovem de baixa renda. Procuramos levantar as atitudes e os valores desse segmento da juventude, sua percepo frente ao mercado de trabalho e suas expectativas de insero. A pesquisa, financiada pelo Unicef, foi realizada com jovens moradores das sete cidades paulistas que compem o Grande ABC (Santo Andr, So Bernardo do Campo, So Caetano do Sul, Diadema, Ribeiro Pires, Rio Grande da Serra e Mau). A escolha dessa rea geogrfica se explica em razo dessa regio estar passando por um processo de redefinio da sua vocao econmica, com impactos no perfil do emprego e nas oportunidades de trabalho que se apresentam para a populao. O trabalho foi desenvolvido pela tcnica qualitativa de discusso em grupo. Foram realizadas oito discusses em grupo com jovens de idades entre 16 e 21 anos e pertencentes s classes socioeconmicas C e D, definidas pelo novo critrio da Associao Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado (Abipeme). A composio dos grupos levou em conta o grau de escolaridade, a condio de gnero e a situao do jovem no mercado de trabalho (empregado ou desempregado). A pesquisa aponta as dificuldades que esse segmento encontra para se inserir num mercado de trabalho cada vez mais restrito e competitivo. Revela, ainda, as discriminaes que os jovens sofrem, as suas demandas de qualificao, alm de outros aspectos relacionados ao seu cotidiano, aos seus projetos de vida e s expectativas de polticas que propiciem seu desenvolvimento social e profissional. Embora o estudo tenha sido desenvolvido no ABC, os seus resultados transcendem as especificidades regio-

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nais e levantam questes que se referem ao universo dos jovens de baixa renda em geral, configurando os desafios para a ampliao do horizonte de sua cidadania. Os grupos foram assim constitudos:

Sexo

Escolaridade1 o grau completo 1 grupo com empregados no mercado de trabalho 1 grupo com desempregados 1 grupo com empregadas no mercado de trabalho 1 grupo com desempregadas 4 2 o grau completo 1 grupo com empregados no mercado de trabalho 1 grupo com desempregados 1 grupo com empregadas no mercado de trabalho 1 grupo com desempregadas 4

Total de grupos2 2 2 2 8

Homens

Mulheres Total

Obs.: Conceito de desempregado algum que esteja procurando emprego h mais de 30 dias.

Jovens do ABCO jovem morador do ABC demonstra um sentimento de pertencimento regio. No que Municpio onde reside seja uma questo menor, mas o ABC para ele um referencial mais importante. A manifestao de uma identidade regional aparece como um trao marcante no imaginrio local. No entanto, se para as geraes mais velhas o histrico comum da regio o elemento constitutivo dessa identidade, para os jovens a tradio industrial e sindical mostra-se menos preponderante. Para eles, a mobilidade intermunicipal surge como um componente que explica e refora os laos de pertencimento regio. Longe de se restringir ao municpio em que reside, esse jovem circula entre as vrias cidades, onde tem amigos e familiares, e tambm em razo de suas atividades de trabalho, lazer e compras. Assim, o espao territorial em que se move constitui-se numa referncia que define e delimita o campo de pertencimento e circunscreve a noo de identidade regional.Eu moro em So Bernardo, mas eu considero o ABC como uma cidade s. Eu sempre estou em Santo Andr, So Caetano. (fem. 2 gr. empr.)

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Eu moro no centro de Mau, mas tenho bastante amigos em Santo Andr, tambm vou para So Caetano... (masc. 2 gr. empr.)

O ABC visto como um lugar bom para morar, pois ainda goza de certa tranqilidade, sobretudo se comparado a So Paulo. Para os jovens, essa regio apresenta caractersticas meio de centro e meio de interior, sendo comum a meno a Ribeiro Pires e Rio Grande da Serra como cidades que se incluem nesse ltimo caso. Municpios de maior porte, como Santo Andr e So Bernardo do Campo, incorporam esses mesmos traos: so reconhecidos como centros urbanos movimentados, mas relativamente preservados da agitao e do estresse tpicos da Metrpole.Eu diria que uma regio meio como o centro de So Paulo, meio como o interior. (fem. 2 gr. desemp.) Ribeiro Pires um lugar super calmo, voc faz o que voc quiser, voc senta para conversar com os amigos no meio da rua, no acontece nada, a gente vai para Paranapiacaba passear, parece um modo de vida do interior. (fem. 2 gr. empr.)

O ABC tambm se destaca por sua localizao estratgica: prximo de So Paulo e do litoral. Outro aspecto positivo o fcil acesso s diversas cidades da regio, ou seja, a interligao existente entre os municpios, especialmente Santo Andr, So Bernardo do Campo, So Caetano do Sul e Diadema, s vezes referidos como bairros.Agora voc est aqui em Santo Andr, de repente vai para So Bernardo. So Paulo perto, tambm perto para ir praia. O acesso para esses lugares bem fcil. (fem. 1 gr. empr.) Eu ando 5 minutos e estou em So Bernardo, eu tomo um nibus e em 15 minutos estou em So Caetano. (fem. 2 gr. empr.)

A existncia de opes de consumo similares a So Paulo valorizada sobretudo pelas mulheres. E, nesse caso, Santo Andr e So Bernardo do Campo aparecem como referncias.Tem muitas opes para se divertir, shoppings , cinema. (fem. 1 gr. desemp.) Santo Andr tem bastante parques, shoppings , barzinhos. (masc. 2 gr. empr.) Eu compro muito em So Bernardo, at porque perto de Diadema. (fem. 2 gr. desemp.) As lojas que tem em Santo Andr so lojas que tem em So Paulo. Antes a minha irm comprava nos shoppings de So Paulo. Agora no tem necessidade, porque no Shopping ABC tem muitas lojas. (fem. 1 gr. empr.)

Para os jovens, os shoppings so referencial de consumo e lazer. cones da modernidade, eles compem uma paisagem e um estilo de vida contemporneos, associados a noes de prosperidade, riqueza e dinamismo. Nesse quadro, Santo Andr aparece com destaque, sendo especialmente valorizada pelas mulheres. A presena de um comrcio diversificado e, sobretudo, de vrios shoppings , confere a essa cidade caractersticas de

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modernidade e opes de consumo e lazer tpicas dos grandes centros urbanos.Eu gosto de comprar roupa em Santo Andr. Tem uma rua s de lojas que a Oliveira Lima. E tem roupa de boa qualidade. (fem 2 gr. desemp.) Em Santo Andr j tem mais lugares para serem freqentados: shoppings , cinemas, danceterias, sales. Eu gosto de morar aqui em Santo Andr. (fem. 1 gr. empr.)

So Caetano do Sul vista como uma cidade modelo, habitada por moradores de classe mdia alta, a elite do ABC. considerada uma cidade pronta, dotada de uma rede de infra-estrutura e servios pblicos que atende a toda a populao. Esse municpio valorizado pela sua qualidade de vida, sendo comum a meno de que l no existe pobreza, que expulsa para outras localidades.Eles controlam, no deixam fazer aquelas favelas enormes. Ento uma cidade de elite, como eles chamam, elite do ABC, onde se concentra o pblico de maior poder aquisitivo. (fem 2 gr. empr.) So Caetano a cidade mais rica do ABC. L s moram playboyzinhos, pessoas de um nvel alto. Eles discriminam quem no de l. (masc. 1 gr. desemp.) So Caetano j est tudo feito. (masc. 2 gr. desemp.)

Diadema e Mau aparecem como cidades marcadas pela violncia e pelo trfico de drogas. As mulheres, em especial, mencionam as poucas opes de lazer, aspecto relacionado sobretudo inexistncia de shoppings no local.Diadema e Mau so violentos. Mau eu acho que tem a aparncia de ser mais perigoso ainda, porque Diadema pegou fama depois que teve o negcio dos policiais que invadiram aquela favela. (fem. 1 gr. empr.) A violncia grande, principalmente em Diadema. Neste final de semana foram uns cinco mortos s em Diadema. (masc. 1 gr. desemp.) Mau tambm violenta por causa do trfico de drogas. muito trfico em Mau. Nessa esquina tem uma banca de fumo, depois de um ms j abre outra aqui e sai o maior tiroteio entre elas. (masc. 1 gr. desemp.) Eu moro em Mau e l no tem lazer, cinema, por enquanto no tem shopping . A gente vem mais para Santo Andr, So Bernardo. A gente vai para outros lugares para se divertir. (fem. 1 gr. desemp.) Eu moro em Diadema. Eu curto muito shopping e l no tem, sempre tem que se deslocar para outros lugares. (fem. 1 gr. empr.)

Ribeiro Pires visto como um municpio de perfil rural, com predo10

mnio de chcaras e estilo de vida interiorano. Os jovens valorizam a sua natureza, a presena de reas com muito mato, local ideal para passeios e camping .Em Ribeiro s tem chcara, no tem bairro com uma casa do lado da outra. (masc. 2 gr. desemp.) Tem mais chcara, muita chcara mesmo, muito verde, natureza, coisa boa, eu gosto. (fem. 1 gr. desemp.) Ribeiro tipo um stio. (fem. 1 gr. empr.)

Rio Grande da Serra considerada, pelos moradores, como uma cidade esquecida, com transporte precrio para as demais cidades do ABC. No geral, so poucas as informaes a respeito do Municpio, dando uma sensao de isolamento. No geral, existe a percepo de que o ABC est em fase de crescimento, depois de um perodo de refluxo, caracterizado pela sada de indstrias da regio.O ABC cresceu mais do que era porque abriu o shopping de Santo Andr, em Mau vai abrir um, em Ribeiro tambm. (masc. 2 gr. empr.) Teve uma poca aqui no ABC que estava tendo muito corte por questo de economia. A parou de crescer. Os sindicatos esto perdendo a fora e agora a regio est voltando a crescer com mais confiana, esto comeando a investir em supermercados, o Wal Mart, o Extra, locadoras. (masc. 2 gr. empr.)

Essa percepo se deve, sobretudo, ao aumento da atividade comercial e, mais especificamente, ao estabelecimento de hipermercados e shoppings na regio. O aumento da populao e as melhorias na infra-estrutura urbana, nesse ltimo caso especialmente em Mau e Ribeiro Pires, tambm so fatores indicativos de desenvolvimento.Eu acho que est melhorando: Santo Andr era horrvel, Mau tambm era s barro e est melhorando. (masc. 2 gr. desemp.) Diadema tambm tem bastante ruas asfaltadas, creches, escolas, coisas que no tinham antes. (masc. 2 gr. desemp.) Mau vai ficar melhor, porque eles esto arrumando l: vai ter cinema, agora est bem melhor. (fem. 2 gr. emp.)

Em meio s menes sobre o desenvolvimento da regio, os jovens mostram-se assustados com o aumento crescente da violncia e do desemprego.Apesar de que aqui no ABC a taxa de violncia est muito alta. (masc. 1 gr. desemp.) Violncia uma coisa banal, besta. Voc morre porque pisou no p do outro ou porque olhou feio para o outro. Isso uma coisa que acontece. (fem. 1 gr. empr.) Muito desemprego nos ltimos dois anos. (fem. 2 gr. empr.)

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Cotidiano marcado pela violnciaA violncia se faz presente no cotidiano do jovem de baixa renda, sobretudo do sexo masculino. So inmeros os relatos de experincias pessoais, de amigos ou familiares vtimas de tiros e agresses, alm de situaes de discriminao em funo de renda, cor ou local de moradia, nesse ltimo caso mencionadas especificamente pelos moradores de Diadema e Mau.Eu sou baleado por causa disso a. Na Av. Portugal, por causa de uma mina, o cara descarregou o revlver. S que ele descarregou inteiro mesmo, ele no atirou somente em um, ele atirou em todo mundo. Eu fiquei trs meses de molho por causa disso. (masc. 1 gr. desemp.) O pai de um colega foi baleado numa briga de bar. Ele foi entrar no meio e agora est cego. (masc. 1 gr. empr.) Meu marido morreu por causa de uma briga de bar. Ele foi baleado, faz dois meses. (fem. 1 gr. desemp.) Eu j fui discriminado e sei como voc chegar em um barzinho e a pessoa no deixar voc entrar porque voc classe de nvel baixo. S pode entrar quem tem dinheiro, quem tem carro bom. A maioria desses casos em So Caetano. Se voc chegar em um barzinho l, voc pode at entrar, mas eles no te servem como os outros que esto l. (masc. 1 gr. desemp.)

As drogas se mesclam a esse quadro, agravando a degradao e a violncia vigentes no universo desses jovens.Todo lugar que voc vai tem drogas, tem o pessoal usando e a qualquer coisa motivo de briga. (fem. 1 gr. desemp.) Muito trfico de drogas. Eles passam a droga e s no v quem no quer; a violncia enorme. (fem. 1 gr. empr.) A minha irm est estudando e ela achava dinheiro embaixo da carteira, pedra de crack , cigarro de maconha. (fem. 1 gr. empr.)

Tambm comum a meno violncia policial, vista como uma ameaa, sobretudo pelo segmento masculino. Esse fenmeno reforado pelas imagens da favela Naval (Diadema), veiculadas na mdia em maro de 1997, certamente um marco no imaginrio local.E Diadema j falada na televiso a respeito do que saiu dos policiais. (masc. 1 gr. desemp.) Polcia judia. Eu tenho medo at mais da polcia do que dos bandidos. De vez em quando aparece um flagrante da polcia batendo no pessoal. (masc. 1 gr. empr.)

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No geral, a violncia aparece associada ao lazer. Ao invs de ser um espao de descontrao e sociabilidade, o lazer caracteriza-se por momentos de tenso e violncia. Diante disso, sair em grupo impe-se como uma necessidade, uma proteo contra a violncia, brigas e assaltos.

Se voc est sozinho e passa uma galera, voc tem que ficar quieto, seno qualquer coisa que voc fizer, voc toma porrada. Ento sair em grupo melhor, porque perigoso voc estar andando sozinho a, vo te assaltar. (masc. 1 gr. empr.)

As atividades de lazer desses jovens so pouco diversificadas. Dentre os programas usuais no final de semana, destaca-se a reunio em pontos de encontro j tradicionais na regio, tais como a Av. Kennedy, em So Bernardo do Campo, a Av. Portugal, em Mau, e a Av. Gois, em So Caetano do Sul. Esses lugares so valorizados, sobretudo pelos homens, devido alta concentrao de jovens e pela opo de divertimento barato.L em Mau tem uma avenida, chamada Portugal, e como a maioria dos jovens no tem nada para fazer, no tem onde ir, vai para l. um ponto de encontro e a maioria vai para l para conversar e tomar uns alcois. (masc. 1 gr. desemp.) Fim de semana eu saio com o pessoal da rua ou da escola e vou para a Rua Gois. (masc. 2 gr. empr.)

Os jovens tambm costumam reunir-se em bares, nesse caso acompanhados de outros amigos ou em casais. As danceterias aparecem como outra opo de entretenimento, mas de acesso mais restrito devido ao elevado preo do ingresso. O salo bastante freqentado, sobretudo pelos homens. o tipo de programa que mais atrai esse segmento, apesar das queixas quanto ao clima de tenso. So inmeros os comentrios sobre as brigas e agresses que ocorrem no local, sendo comum a percepo de que essa violncia desencadeada sobretudo por gangues ou filhinhos de papai. No salo convivem diferentes segmentos sociais de forma intensa, direta, e o discurso dos jovens deixa entrever o quanto a renda e o status social so elementos com potencial de conflito.Geralmente o pessoal que tem poder aquisitivo menor vai l para se divertir, mas o outro pessoal, que tem mais poder aquisitivo, quer ser maior que eles e acaba gerando atrito. (masc. 1 gr. desemp.) Em Mau tem um lugar que vai muito filhinho de papai, o Independente. Vai mais o pessoal com aqueles grupinhos, ento sempre sai briga. O pessoal entra armado, o segurana no consegue controlar. Hoje em dia assim mesmo. (fem. 1 gr. desemp.) Se o cara mais pobre e v um cara que mais rico, filhinho de papai que tem tudo o que quer, ele j implica e um comea a ofender o outro. (fem. 1 gr. desemp.)

O relato dos jovens revela a dimenso que a violncia vem assumindo e o grau de tenso que ela impe ao cotidiano. Num quadro onde o lazer aparece como uma atividade de risco, s vezes evita-se freqentar lugares pblicos nos finais de semana, um claro indicador de que, no limite, a violncia restringe as possibilidades de convvio social e de lazer do jovem.

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De fim de semana eu fico em casa. No gosto de sair muito, porque em sales, esses lugares, s acaba saindo briga, morte. H duas semanas atrs morreu um colega meu em salo. (masc. 1 gr. desemp.) Hoje em dia difcil sair, tirar um lazer de final de semana por causa da violncia, sai brigas e s vezes quem no tem nada a ver que paga. (masc. 1 gr. desemp.) s vezes melhor voc reunir o pessoal para fazer um churrasco, chamar umas minas e ficar l. A no tem perigo. (masc. 1 gr. empr.) Ultimamente a gente no est podendo sair. Est muito perigoso. (fem. 1 gr. empr.)

No geral, nota-se que as mulheres tendem a buscar um lazer de menor risco, preferindo shoppings e cinemas. Elas reclamam da falta de transporte coletivo no perodo noturno e da oferta de atraes culturais na regio. Freqentam teatros e eventos em So Paulo, sendo o Masp uma referncia nessa questo. Muitas delas namoram ou so casadas e, nesse caso, dedicam-se a programas mais caseiros e calmos.Sou mais de ficar em casa. Alm disso, a nica coisa que eu freqento shopping . (fem. 1 gr. empr.) O problema de sair que tipo s quatro horas de manh no tem nibus. E muitos dependem de conduo e a tem que ficar esperando at s cinco horas. Ento no d para sair. Como anda muita a violncia aqui, quem no tem carro acaba ficando em casa por falta de recursos. (fem. 1 gr. empr.)

O lazer muito importante na vida do jovem. No por acaso, os grupos mostraram-se bastante mobilizados na discusso desse tema. Foram inmeros os comentrios sobre a mesmice dos seus programas de final de semana e as queixas quanto s restries impostas por sua condio econmica. Sem recursos financeiros que possibilitem o acesso a outras opes, recorrente a meno escassez de oferta de lazer na regio. A demanda por espaos para a prtica de esportes e atraes culturais de carter pblico, ou seja, eventos gratuitos, foi uma constante em todos os grupos, especialmente nos masculinos.Ultimamente s jogar uma bola, porque sem dinheiro, s se for no shopping . Ento lazer tem, mas se voc tiver dinheiro, se no tiver j limita. (masc. 2 gr. desemp.) Eu acho que falta bastante meios de lazer. A gente sai e sempre os mesmos lugares. Danceteria voc precisa pagar para entrar. Ento voc tem que ficar andando a com a galera. (masc. 1 gr. empr.) Deveria ter mais clubes de graa, para a gente praticar esporte. Todo mundo fala para voc jogar vlei, mas no tem quadra. (masc. 1 gr. empr.)

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Tem muito pouco lazer. Tem que ter mais quadra para jogar futebol. (masc. 1 gr. empr.)

Valores e projeto de vidaMesmo otimistas em relao ao potencial do ABC, os jovens mostramse pessimistas quanto ao seu futuro pessoal e profissional.Eu vejo o futuro como uma coisa mais complicada do que o presente. Precisava de alguma coisa boa para acreditar um pouquinho mais, acreditar num futuro que vai te trazer benefcios. Faz tempo que eu no ouo falar uma coisa boa. (fem. 2 gr. empr.) O futuro profissional est difcil. A gente tem que pedir a Deus. (fem. 2 gr. desemp.) Voc tem de lutar com unhas e dentes para conseguir um futuro melhor. (fem. 2 gr. desemp.)

Descrente quanto s oportunidades num mundo cada vez mais individualista e competitivo, este jovem prev, no curto e mdio prazos, uma vida difcil. Luta e batalha so termos que definem o cenrio futuro. Sem utopias, seus sonhos mostram-se associados questo do emprego e sua vida profissional. Prosseguir os estudos e cursar uma faculdade, conseguir um bom emprego ou montar um negcio prprio aparecem como elementos centrais de seu projeto de vida. Questes afetivas ou relacionadas constituio de uma famlia esto claramente em segundo plano, mesmo para o segmento feminino.Eu quero ter um futuro, achar uma profisso boa para mim, para seguir meu caminho. (masc. 1 gr. desemp.) Sonho, mesmo eu no estudando, eu sempre quis fazer uma faculdade de jornalismo. Mas a situao como est hoje em dia, eu vou lutar. (masc. 1 gr. desemp.) Voc tem que batalhar muito para voc conseguir o que voc quer. (fem. 2 gr. desemp.) A nica coisa que todo mundo pensa emprego. (masc. 1 gr. empr.) Eu quero ter uma profisso e depois pensar em casamento. (fem. 2 gr. desemp.)

Em meio s dificuldades para conseguir um emprego e obter uma profisso, os jovens desempregados, mesmo do sexo feminino, vem na carreira militar uma opo atraente. Vislumbram a possibilidade de ascenso na hierarquia e, no caso especfico de alguns meninos, configura-se como um meio de obter reconhecimento, respeito e poder na sociedade.Eu estava querendo entrar para as Foras Armadas. Em 95, eu fiz o curso preparatrio, prestei a ESA, mas no obtive sucesso. (masc. 1 gr. desemp.) O jeito apelar para o Exrcito, porque emprego mesmo no tem. Eu fiz a ficha l. (masc. 2 gr. desemp.)

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uma opo, voc pode seguir carreira l. O meu primo comeou no Exrcito e hoje ele delegado da Rota. (masc. 2 gr. desemp.) Seguir Exrcito tambm bom, seguir uma carreira. Voc pode chegar a sargento. Mas tem que ter o maior estudo. (masc. 1 gr. empr.) Eu prestei Aeronutica, mas no entrei. Era uma opo. (fem. 2 gr. desemp.)

Pode-se dizer que a questo do emprego e a busca de uma profisso afloram como a grande preocupao, o maior foco das atenes do jovem de baixa renda. E, nesse caso, o horizonte de vida restrito e a falta de perspectiva generalizada. A questo do desemprego paira como um fantasma, ameaando o futuro. O segmento desempregado aparece como o mais pessimista. Desanimados, e at angustiados com a dificuldade em conseguir um emprego, projetam um futuro sombrio, com o aumento do desemprego e da concorrncia na luta por um posto de trabalho.Eu acho que o futuro de cada um depende do servio. Eu acho que se voc est trabalhando voc tem campo na vida para tudo. Agora, se voc est desempregada, o que voc vai ver no futuro? Nada. Sem emprego no tem futuro. (fem. 1 gr. desemp.) Ultimamente no d para a gente ter sonho nenhum, s pesadelo mesmo. (masc. 1 gr. desemp.) A cada dia piora mais a situao. Mais concorrncia, mais desemprego, quem no estudar hoje em dia, no sei no. Hoje, quem puder mais, chora menos. (masc. 2 gr. desemp.) O futuro eu vejo como uma luta. A gente no est numa guerra de pas contra pas, mas uma guerra de pessoas. Para trabalhar, quem tiver mais coisas no currculo que entra. uma guerra de pessoas lutando por uma mesma coisa. (fem. 2 gr. desemp.)

Os jovens empregados com segundo grau aparecem mais confiantes no seu futuro. Prevem dificuldades, mas acreditam que com persistncia e fora de vontade podem chegar l.Eu no gostaria de estar trabalhando, mas sou obrigada. Eu gostaria de fazer um curso de ingls, no tenho condies agora. Com certeza um dia eu vou fazer. Pretendo trabalhar para isso. (fem. 2 gr. empr.) Meu projeto ter uma profisso, que eu possa fazer uma faculdade. Agora eu no tenho condies de fazer, ento tenho que trabalhar para poder fazer uma faculdade. (fem. 2 gr. empr)

A famlia uma referncia importante na vida desse jovem. Num quadro onde a falta de perspectiva se mescla violncia e s drogas, a famlia um alicerce que d o suporte necessrio nos momentos difceis de sua vida. Num lar onde o pai quase sempre se mostra ausente, a me ou a irm mais velha aparecem como figuras de destaque.16

No geral, os jovens demonstram um sentimento de profunda gratido para com a famlia. Reconhecem o empenho e as dificuldades que os pais tiveram para cri-los e valorizam o apoio financeiro que eventualmente recebem para custeio de algumas despesas pessoais.O que eu valorizo mais a minha me, nem meu pai, porque minha me que me criou. Acho que minha me sempre foi e sempre ser tudo para mim. Pode ser babaca ficar dizendo que minha me a melhor do mundo, mas para mim, com certeza, ela . (masc. 1 gr. desemp.) Eu valorizo minha me, meus irmos. Meu pai, eu nem conheci, nem sei o nome. (fem. 1 gr. desemp.) E ns, os mais novos, que estamos desempregados, quem sustenta so os pais. (masc. 1 gr. desemp.) Acho que segurana, respaldo. (masc. 2 gr. empr.) importante ter uma profisso, mas famlia tambm muito importante. o alicerce, a base. (fem. 2 gr. desemp.)

Nos grupos de jovens desempregados do sexo masculino, a famlia aparece como um modelo, um espelho em que buscam se mirar. Tudo indica que, pessimistas quanto s chances no mercado de trabalho, eles vem a famlia como um exemplo de que possvel vencer as adversidades e levar uma vida digna e honesta. No por acaso, o tema das drogas e da marginalidade surge com mais fora nesse segmento. O grau de informao sobre a remunerao vigente nesse meio e o significado atribudo famlia so um claro sinalizador da situao de risco em que se encontra parte desses jovens. Alguns apontam o roubo e o trfico como uma opo para parcela da juventude que se encontra na mesma situao que eles, o que faz supor que, no limite, a possibilidade de se enveredar por esse caminho no est totalmente descartada.A famlia para mim um espelho, porque todo mundo pretende fazer o que os pais fazem. A gente tenta espelhar o carter deles. Eu quero seguir uma vida digna, quero arrumar uma profisso para mim, uma famlia, ser digno, no roubar, no matar, sobreviver. Eu quero ganhar meu dinheiro de uma maneira honesta. (masc. 1 gr. desemp.) O filho quer o exemplo dos pais. (masc. 1 gr. desemp.) Se eu no tivesse a minha me, acho que eu poderia ser ladro. (masc. 2 gr. desemp.) Eu vejo o futuro da juventude, pessoas assim do nosso nvel, de renda baixa, vo virar bandido, traficante. Porque a situao obriga, voc no tem trabalho, voc no tem estudo, o que voc vai fazer? Vai ter que roubar para sustentar a sua famlia. (masc. 1 gr. desemp.) O traficante falou que ele ia levar 500 reais por semana. Ele tinha que sustentar o filho dele, ele procurava servio e no arrumava, ele fazia ficha e no chamavam. (masc. 1 gr. desemp.)

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procura de um empregoOs jovens declaram que o trabalho um meio de obter independncia. Comum nessa faixa etria, esse discurso, no caso dos segmentos de baixa renda, expressa apenas parte da realidade. Constrangidos em pedir dinheiro para os pais, sobretudo porque o oramento familiar restrito, utilizam o salrio para comprar roupas, para custear suas atividades de lazer, mas tambm (e s vezes sobretudo) para ajudar nas despesas da famlia. Mais do que isso, os dados de pesquisa revelam que o jovem de baixa renda depende do emprego para prosseguir seus estudos, ou seja, para qualificar-se e aumentar suas chances no mercado de trabalho. Se para aqueles que completaram o segundo grau o emprego alimenta o sonho de, no futuro, cursar uma faculdade, no caso dos jovens desempregados com primeiro grau, a situao mais crtica. Alguns, sem condies financeiras sequer para a conduo e a compra de material escolar, dependem do emprego para completar o ensino bsico, hoje tido como requisito indispensvel para a insero no mercado de trabalho.Eu quero arrumar um servio bom para cuidar da minha me e do meu av. (masc. 1 gr. desemp.) Quem no tem emprego no pode estudar, no pode comer, no pode sair. Para pegar nibus para ir para escola precisa ter dinheiro, para comprar caderno tem que ter dinheiro, para comprar roupa tem que ter dinheiro. (masc. 1 gr. empr.) Eu trabalho para ter dinheiro para sair, para o lazer, para comprar roupa. (masc. 1 gr. empr.) Para ajudar em casa, ajudar os pais. (masc. 1 gr. empr.)

Procurar um emprego uma tarefa rdua. Mas para os jovens de baixa renda, especialmente aqueles com primeiro grau, uma luta inglria. Os relatos dos segmentos desempregados revelam as dificuldades e o grau de discriminao que sofrem no mercado de trabalho. A falta de recursos financeiros aparece como um dos fatores que restringe as (j escassas) oportunidades de acesso ao mercado de trabalho. Alguns adolescentes lamentam no ter dinheiro para procurar um emprego. Essa situao, paradoxal, em que a carncia de renda compromete as chances de obt-la, implica no risco de manuteno e agravamento das suas precrias condies de vida.s vezes, eu no tenho dinheiro nem para vir at Santo Andr para procurar emprego. Eu venho a p. (masc. 1 gr. desemp.) As pessoas falam: Ah, passa a semana que vem. Se a gente no tem dinheiro nem para se manter, vai ter dinheiro para vir procurar servio? Voc desempregada no tem dinheiro para sair e procurar emprego. (fem. 1 gr. desemp.)

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Numa verdadeira romaria, eles percorrem agncias, procuram anncios

em jornais e, por vezes, at se utilizam do Disque Emprego, um servio de pouca eficcia e custos extorsivos. Enfrentar filas, preencher fichas, que de antemo sabem que sero jogadas no lixo, fazem parte de uma rotina desgastante. Ansiosos por uma vaga, submetem-se a humilhaes e at a critrios de seleo que incluem trabalho no-remunerado.Ficha que voc deixa no tem retorno de nada. Voc vira as costas e ele joga no lixo. (masc. 1 gr. empr.) Tem empresas que voc tem que vender 25 planos de sade para conseguir o emprego, para ser recepcionista. Para mim aconteceu isso. O plano era um pouco caro e eu s vendi dois. A ele falou para mim que tinha que vender mais. Eu falei: Meu filho, est difcil!. E ele falou que para quem no tem capacidade... Eu peguei e devolvi os planos. (fem. 1 gr. desemp.) Voc tem que se submeter a ficar esperando horas para eles te atenderem, porque voc precisa do emprego. Isso de uma forma ou de outra no deixa de ser uma humilhao para a pessoa. (fem. 2 gr. desemp.)

Sentimentos de esperana e desalento caracterizam o estado de nimo do jovem desempregado.Quando eles falam: Amanh voc vem. Voc nem dorme, fica ansiosa. Voc pensa: Amanh eu vou estar l, vou trabalhar de bab, vou ter tambm que limpar a casa, tudo bem. um salrio, para mim est timo. Estou me agarrando a qualquer coisa. Eu procuro, procuro e no acho. Quando voc vai toda esperanosa, eles colocam um monte de obstculos, fazem um monte de perguntas e depois falam que, se der, chamam daqui a dois meses. Voc sai de l super arrasada. Por isso que um monte de cara novo se revolta, vai roubar. A pessoa no acha uma sada, ela est perdida. (fem. 1 gr. desemp.)

Mercado de trabalhoOs jovens vem-se diante de um mercado de trabalho muito restrito e seletivo. Segundo eles, hoje muito difcil conseguir um emprego, no s devido diminuio da oferta de vagas, mas sobretudo em funo das exigncias requeridas.Voc nunca tem o que eles querem. Voc no tem a idade que eles querem, quando voc tem a idade, voc no tem o grau escolar, sempre falta alguma coisa. (fem. 1 gr. desemp.) Est difcil, eles exigem um monte de coisa, experincia em carteira de dois ou trs anos, difcil. A gente pensa que vai arrumar um emprego, depois d tudo errado. (fem. 1 gr. desemp.)

visvel o sentimento de perplexidade e indignao com as novas regras do mercado. Elas restringem o horizonte de possibilidades e, nesse

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quadro, os jovens de baixa renda consideram-se em franca desvantagem. Sem experincia profissional e sem as qualificaes exigidas pelo mercado, vem a sorte como fator decisivo para a obteno de um emprego.Eu sei que tenho que entrar numa faculdade, tenho que fazer um curso de ingls. Eu sei que preciso dessas coisas, mas no tenho condies financeiras e isso faz eu me sentir uma idiota. (fem. 2 gr. desemp.) Quando voc vai procurar emprego, sorte. Eu fui procurar emprego essa semana inteira. Pensa bem, a gente no tem emprego, ento no tem dinheiro, eu dependo do meu pai para pegar nibus. Quando eu cheguei l, o cara falou: Voc no, por causa do seu tamanho. (fem. 1 gr. desemp.) Voc tem que ter sorte, um estudo de boa qualidade, experincia, s. (fem. 1 gr. empr.)

Aparncia, idade, local de moradia, grau de escolaridade, experincia profissional, alm de habilidades em computao e ingls, so mencionados como fatores que definem as chances no mercado de trabalho. Para o jovem de baixa renda, esses critrios, de naturezas distintas, so obstculos sua insero. A aparncia considerada por todos como pr-condio para concorrer a uma vaga. Segundo eles, o pretendente branco e bem vestido encontra-se em posio vantajosa, recebe um tratamento diferenciado no processo de seleo, independente de sua qualificao para o cargo.Vai fazer a ficha, tem um loiro e um moreno. Mesmo que o loiro no saiba nada, eles mandam a pessoa de cor ir embora. (masc. 1 gr. desemp.) muito preconceito de nvel social. Voc vai l e faz a ficha e assim: Esse no vai ficar porque ele de cor; aquele vai ficar porque tem olhos verdes, esse vai ficar porque tem olhos azuis. (masc. 1 gr. desemp.) E tambm existe o preconceito. Se tem uma menina branca e uma moreninha, claro que vai entrar a branca. (fem. 2 gr. desemp.)

No caso das mulheres, a aparncia adquire um peso ainda maior. So comuns os comentrios de que o empregador privilegia as garotas sedutoras e insinuantes, critrio que revela a natureza e os constrangimentos do processo de seleo, vigentes para o segmento feminino.A gente vai de cala procurar servio, mas se vai uma menina de short ou de saia curta, voc sabe que ela que vai entrar. (fem. 1 gr. desemp.)

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A exigncia de boa aparncia expressa e acentua a desigualdade de oportunidades do jovem de baixa renda. Sem condies financeiras para comprar roupas, eles consideram-se em condio desvantajosa na disputa

de vagas. Alm disso, a questo da aparncia expressa o preconceito racial to dissimulado na sociedade brasileira. So inmeros os relatos de discriminao racial e social, mencionados mais como exemplo das suas dificuldades frente ao mercado de trabalho do que como desrespeito aos direitos do cidado.Se voc vai comprar uma cala, custa 20, 30 reais. Uma pessoa desempregada no tem esse dinheiro. Ela no vai ter condies de sair para procurar um emprego. (masc. 1 gr. desemp.) Uma vez eu fui fazer uma ficha, estava eu e mais quatro pessoas. O gerente olhou para a minha cara e falou: Desculpa, mas voc no vai poder fazer a ficha, porque aqui ns no pegamos gente de cor. chato! Ele poderia ser um pouco mais falso, falar que no d, voc no tem jeito para isso. (masc. 1 gr. desemp.) Se for de cor, no querendo falar que tem racismo, mas s vezes tem. Se chegar um mais branquinho que voc, voc pode at ter mais experincia, mas dependendo do emprego, voc est fora. Tenho uma prima que moreninha, moreninha no, ela neguinha mesmo, e ela no consegue emprego por causa da cor dela. (masc. 2 gr. desemp.) Eles dizem que aparncia no conta, mas o cara vai de camiseta e eles falam: Esse eu no quero porque tem um melhor. O cara no trabalha e como ele vai poder andar arrumado, fazer um ingls? (masc. 1 gr. empr.)

A idade um fator que, muitas vezes, pesa negativamente no processo de seleo. Os jovens, sobretudo os que se encontram na faixa dos 16 aos 18 anos, queixam-se de que so preteridos, pois existe a desconfiana quanto a sua responsabilidade e preparo para o cargo pleiteado.E a que tem sido muito difcil, tem gente mais velha que sabe fazer mais. Quando eu trabalhava no auto-eltrico, um cara falou que no achava bom eu ficar mexendo no carro dele, ele achava que eu no tinha tanta competncia. (masc. 2 gr. desemp.)

Alm disso, meninos entre 17 e 18 anos, ou seja, em idade de alistamento militar, dificilmente conseguem emprego e so inclusive demitidos quando esto empregados. Pode-se dizer que os meninos dessa faixa etria tendem a ser descartados pelo mercado por representarem um risco para o empregador.Quando eu estava tirando a minha reservista, a firma descobriu que era poca de eu me alistar e eles me mandaram embora com medo de ter que ficar me pagando um ano. (masc. 2 gr. desemp.) Na faixa dos 17 at 18 anos, at voc ter a carteira de reservista, esquece emprego. (masc. 1 gr. empr.)

Morar perto do trabalho, mais que uma comodidade, hoje parece ser uma exigncia do empregador. Os jovens comentam que, no geral, as empresas buscam recrutar seus trabalhadores nas imediaes para no ter que

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pagar vale-transporte e refeio. Para eles, a poltica de reduo de custos e a precarizao das relaes de trabalho fazem parte das novas regras do mercado. Longe de contest-las, alguns se dispem inclusive a assumir pessoalmente o transporte e a alimentao. Mas a empresa evita correr riscos e, por isso, nem assim conseguem a vaga.Tem que morar perto para a firma no desembolsar com o transporte. (masc. 1 gr. desemp.) Eles preferem pessoas que morem perto, para no gastar dinheiro com conduo, querem que a gente v almoar em casa. Eu cheguei a procurar emprego que eu precisava sair de casa e pegar o trem, o nibus. Eu falei: O salrio que eu tirar aqui, eu pago o meu nibus, o senhor no precisa pagar. Mas ele falou: Eu no posso fazer isso. (fem. 1 gr. desemp.)

Ainda no que se refere ao local de moradia, os dados de pesquisa revelam que morar em bairros onde existem favelas tambm compromete as chances de emprego. O jovem de baixa renda, sobretudo do sexo masculino, alvo de inmeras discriminaes. O fato dele morar prximo de uma favela levanta suspeitas de ligao com o trfico de drogas e com a marginalidade, reduzindo suas oportunidades de insero no mercado de trabalho.Eles perguntam onde voc mora. Se voc falar no centro, tudo bem. Se o outro fala em tal bairro, eles perguntam se tem uma favela perto. Se o cara falar que tem, eles j no pegam, j ficam com receio. Foi o que aconteceu comigo. Ele perguntou se tinha alguma favela perto e eu falei que tem, mas no perto da minha casa. Ele falou que no dava. (masc. 1 gr. desemp.) Se morre algum na favela, ela fica falada. Mataram um cara, saiu no jornal, eles te igualam a todo mundo de l. (masc. 1 gr. desemp.) Se voc mora na favela, eles fecham a porta para voc. Se o cara chegar e falar que mora na favela, mesmo tendo mais de dez vagas, eles no pegam. (masc. 2 gr. desemp.)

O quadro acima revelador das dificuldades que o jovem de baixa renda encontra para ingressar no mercado de trabalho. So explcitas as denncias de discriminao e a indignao com os critrios que norteiam os processos de seleo. No geral, esses adolescentes sentem-se discriminados e sem as qualificaes exigidas pelo mercado. O estudo considerado por todos como um requisito cada vez mais exigido. Existe um consenso de que se hoje necessrio ter o segundo grau, no futuro o diploma universitrio ser essencial.Eles exigem um monte de coisas, colegial completo... Chega l o salrio mnimo, baixssimo. s vezes nem compensa. (masc. 1 gr. desemp.) Vai acabar o emprego. S vai ter para a pessoa que bem formada, que tem curso superior. (masc. 1 gr. desemp.)

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Se no tiver estudo, no tem servio. Quem no tem estudo no consegue um emprego razovel. (masc. 2 gr. desemp.)

Eu tenho ingls, mas no tenho segundo grau completo. difcil eu conseguir alguma coisa. (fem. 1 gr. desemp.) Pretendo fazer uma faculdade, que hoje em dia se voc no tiver faculdade, voc no nada. (fem. 2 gr. empr.)

No geral, os jovens, independente do grau de escolaridade, afirmam que pretendem continuar os estudos. A faculdade uma meta desejvel, um sonho para alguns, mas em muitos casos visto como inatingvel. Sem recursos financeiros para ingressar em instituies privadas e a qualificao necessria para entrar em uma faculdade pblica, eles consideram que, na prtica, so pequenas as chances de alcanarem o ensino superior.Voc estudando numa escola municipal fica muito difcil voc entrar numa faculdade. O ensino est muito ruim. Voc tem que nascer em bero de ouro mesmo. (fem. 2 gr. desemp.) Eu tinha um sonho, mas o meu sonho eu acho que eu no vou realizar. O meu sonho era poder terminar meus estudos, fazer uma faculdade de Medicina, poder abrir um consultrio, alguma coisa para mim. Mas eu acho que isso no para mim no. Para entrar numa faculdade, voc tem que estudar numa escola paga. Voc tem que ter um capital bom para jogar em cima dos sonhos que voc tem. (masc. 1 gr. desemp.) A gente quer continuar os estudos. Tem tempo, mas no tem o dinheiro, porque a gente no trabalha. Daqui a uns dias a gente vai ter o dinheiro, mas no vai ter mais tempo. Ento vai deixar isso para trs e segue aquela vida de peo. triste! (masc. 1 gr. desemp.)

Existe uma percepo generalizada de que a escola pblica de primeiro e segundo graus tem uma qualidade de ensino insatisfatria. A questo da norepetncia aparece como um dos sinalizadores do descaso com relao formao do aluno, reforando a defasagem entre a escola pblica e a privada.O ensino est uma porcaria. Os alunos podem estar pssimos, mas eles mandam empurrar logo para outra srie. s para se ver longe dos alunos mesmo. Quando voc for fazer teste para entrar numa firma, no vai saber nada. (masc. 1 gr. desemp.) Quando for arrumar um emprego, vai constar aquilo l: voc passou pela escola, mas foi s uma participao especial. (masc. 1 gr. desemp.)Ah, eu acho que est pssimo o ensino. O governo agora est dizendo que todo mundo vai passar. (fem. 2 gr. desemp.) Mesmo voc querendo estudar, voc no vai conseguir entrar na faculdade. O estudo pblico muito fraco, uma oitava srie particular bem diferente o estudo. (masc. 1 gr. desemp.)

Na condio de alunos da rede pblica, esses jovens sentem-se em desvantagem para enfrentar a concorrncia no mercado de trabalho ou na disputa por uma vaga no ensino superior. A exigncia de experincia anterior, ou seja, de prtica profissional relacionada vaga pretendida, outro motivo de grande indignao. cita-

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da por todos como um requisito que limita as chances de emprego do jovem, independente do seu grau de escolaridade, configurando um crculo vicioso: sem experincia ele no consegue emprego e sem emprego no adquire experincia. Tal exigncia considerada incompatvel com a sua faixa etria; mais do que isso, ela no condiz com as novas regras do mercado, vale dizer, com a crescente precarizao das relaes de trabalho: exige-se experincia em carteira num momento em que a prtica do registro cada vez mais rara.Um colega meu foi ver um servio de ajudante e o cara falou que precisava de diploma da oitava srie, trs anos de experincia e um ano de registro da ltima firma que trabalhou. Ele falou que no tinha e o cara falou: Ento voc vai ficar desempregado. (masc. 2 gr. desemp.) Voc tem 15 anos e eles querem experincia! (masc. 2 gr. desemp.) O que vale para eles experincia. Mas uma pessoa que tem 18, 19 anos vai ter experincia de dois, trs anos? (masc. 1 gr. empr.) Eles pedem experincia e voc tem que provar a experincia em carteira, s de boca no adianta. Eu no sou registrado, est difcil. (masc. 2 gr. empr.)

O segmento com segundo grau tende a atribuir experincia um peso decisivo, sendo mencionada por muitos desempregados como o fator que mais dificulta a sua colocao.Um tempo atrs eu fui ver um servio para ser servente de pedreiro, tinha que ter experincia de dois anos s para mexer massa, essas coisas. (masc. 2 gr. desemp.) Para tudo eles exigem experincia. Mas como voc vai ter experincia se eles no do uma chance? (fem. 2 gr. desemp.)

Habilidades em computao e ingls aparecem como outro requisito exigido para o ingresso no mercado de trabalho. Sem condies financeiras para pagar cursos privados, esses jovens encontram dificuldade de atender a essa exigncia. Por entenderem que o domnio de computao e da lngua inglesa aumenta o seu grau de empregabilidade, recorrente a demanda para que o poder pblico oferea oportunidades de qualificao nessas reas, ou seja, cursos gratuitos voltados populao de baixa renda.Idioma to importante quanto computao. (masc. 2 gr. desemp.) A maioria dos empregos pede computao. um do lado do outro: ingls e computao. (masc. 2 gr. empr.) Trabalhar est difcil, porque eu no tenho curso nenhum, s o segundo grau completo. (fem. 2 gr. desemp.) Eles pedem curso de computao, pedem ingls. Eu acho que est muito difcil. (fem. 2 gr. desemp.)

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A capacitao para o mercado de trabalho envolve no s a educao formal e habilidades em computao e lngua estrangeira. Os cursos de profissionalizao despontam como outro fator que aumenta as chances de obteno de um emprego.Tem que fazer um tcnico, principalmente a Escola Tcnica Estadual. (masc. 2 gr. desemp.) Para arrumar um emprego tem que ser estudado ou fazer o Camp, que um curso profissionalizante. (masc. 2 gr. desemp.)

Os dados de pesquisa revelam que a discusso sobre o emprego est essencialmente centrada na educao. E para esses jovens, falar em educao falar das desigualdades de renda e de oportunidades vigentes na sociedade brasileira. O discurso sobre a educao revela, de forma clara, sua viso de mundo e sua indignao com as diferenas sociais. Pode-se dizer que por meio da educao que eles vivenciam e refletem sobre as limitaes decorrentes da sua condio social. No discurso desses jovens, renda e educao aparecem como elementos correlacionados e determinantes na definio das oportunidades de emprego. Para eles, quanto maior for a renda e, como decorrncia, a qualidade da educao/formao, maiores as possibilidades de insero no mercado de trabalho. Existe um consenso de que os ricos desfrutam de uma condio privilegiada: freqentam escola privada, aulas de ingls e computao, estando melhor preparados para disputar uma vaga no mercado de trabalho e na faculdade.Hoje em dia o pessoal que passa no vestibular no o pessoal que estuda em escola pblica. (masc. 1 gr. desemp.) Faculdade eu no vou nem tentar porque muito caro. (masc. 1 gr. desemp.) Se voc tiver dinheiro, voc faz o simulado da ETE. S entra quem sabe bastante mesmo, quem estudou em escola paga. (masc. 2 gr. desemp.) O Senai uma coisa mais puxada e o dinheiro que se gasta l muito. Tem que ser uma pessoa que estudou em escola particular. (masc. 1 gr. empr.) Gente rica faz faculdade, eles no precisam ficar batalhando. Eles estudam, pagam cursinho, entram em uma boa faculdade, no pagam faculdade, eles j saem com a carreira deles. (fem. 1 gr. desemp.) A gente estuda, pensa em entrar na faculdade, depois v que no tem condies, porque as faculdades do Estado, que no precisa pagar, s entram os ricos. super difcil. S pessoas bem preparadas, que tm dinheiro para fazer cursinho. A gente que trabalha no tem condies de fazer um cursinho. Ento quem entra nessas faculdades que no precisa pagar so gente rica e as particulares so super caras. Muita gente pra de estudar por causa disso. (fem. 1 gr. empr.)

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Esse mundo dos ricos contrasta com o cotidiano dos jovens de baixa renda. Muitos deles pararam os estudos (pelo menos por ora) para procurar emprego e, no caso dos desempregados com primeiro grau, isso os coloca numa situao crtica: deixam a escola para procurar trabalho e, como nem sempre acham, no conseguem concluir seus estudos. Este crculo perverso tende a perpetuar a baixa qualificao que, por sua vez, exclui ou dificulta a sua insero no mercado de trabalho.Quando voc arruma uma vaga na escola muito distante da sua casa. Voc tem que estar procurando emprego, no pode ser uma escola longe. Voc acaba desistindo. (masc. 1 gr. desemp.) Eu desisti porque comecei a fazer um bico na padaria e no dava, porque no tinha vaga para eu ir noite. (masc. 1 gr. desemp.) No momento o mais urgente procurar emprego, trabalhar. (masc. 1 gr. desemp.) Eu parei de estudar para ver se conseguia arrumar um emprego. Vai que eu estou estudando e no d para ir para a escola. Ento, parei para ver se consigo um emprego. Quem sabe o ano que vem eu volto se eu estiver trabalhando. (fem.1 gr. desemp.) Eu parei porque meu pai ficou doente, a minha me trabalhava e eu tinha que ficar em casa. Tambm por causa do trabalho, que no d tempo. Mas eu vou voltar. (fem. 1 gr. empr.)

Em uma conjuntura onde so elevadas as taxas de desemprego e crescentes as exigncias de qualificao, esse jovem sente-se em desvantagem para enfrentar a concorrncia. Se a idade e a demanda por experincia profissional atingem os jovens em geral, dificultando a sua insero independente da condio social, o mesmo no acontece com outros fatores citados como determinantes para o sucesso no mercado de trabalho. O jovem de baixa renda sente-se discriminado (aparncia e local de moradia) e, de certa forma, margem das oportunidades de formao profissional. Mais do que isso, ele se v sem os requisitos para competir em igualdade de condies com os segmentos de maior renda. Embora a escolaridade seja entendida por todos como um fator fundamental para a insero no mercado, o seu discurso deixa entrever a importncia atribuda renda, vista como um elemento decisivo, que possibilita uma melhor qualificao, ampliando, conseqentemente, as chances de obteno de um emprego.S se d bem no mercado de trabalho quem vem de uma famlia de classe mdia alta: se voc fez um curso de ingls, um curso de computao e estudou em escola particular. (fem. 2 gr. empr.) As pessoas de nvel social superior sempre se do bem, porque eles tem um nvel mais alto, mais fcil na hora de concorrer a uma vaga. o cara que estuda, tem uma boa faculdade, o pai paga para ele. (masc. 1 gr. desemp.)

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Emprego precrio e instvelEstar empregado no ameniza a sensao de insegurana frente ao mercado de trabalho. A diminuio da oferta de vagas e, sobretudo, a generalizao de relaes informais de trabalho geram um clima de profunda instabilidade. O jovem que trabalha se v cotidianamente ameaado pelo desemprego. Sente que a qualquer momento pode ser dispensado devido falncia ou a uma poltica de enxugamento da empresa. Sem garantias trabalhistas, teme por seu futuro.Eu no me sinto segura, porque onde eu trabalho, com a crise do desemprego, comearam a cortar pelos mais altos, os encarregados foram mandados embora primeiro do que os funcionrios mais baixos. (fem. 1 gr. empr.) A empresa onde eu trabalho fechou a filial e mandou todo mundo embora. A gente est correndo o risco de a qualquer momento ser mandado embora tambm. (fem. 1 gr. empr.) O meu emprego no seguro, no. Eles pegam as meninas e depois de um tempo acaba dispensando. (fem. 2 gr. empr.) Eu no sinto segurana. Estou trabalhando hoje, amanh eu posso ser mandada embora. (fem. 2 gr. empr.) Voc pode ser mandado embora, sem direito. (masc. 1 gr. empr.)

A precarizao parece atingir com maior mpeto aqueles que esto ingressando no mercado. Raros foram os jovens que mencionaram trabalhar com registro em carteira ou gozar de benefcios como vales e convnio mdico. Pode-se dizer que a chamada flexibilizao dos direitos trabalhistas abala a auto-confiana do jovem trabalhador, impondo-lhe uma relao de total submisso frente ao empregador. Essa flexibilizao aparece como um fator de presso e gera uma forte insegurana, visvel nos inmeros relatos que expressam o medo da demisso sumria.Eles exigem muito e pagam pouco. No registra, no d valetransporte, no d vale-refeio, o vale-nada. (fem. 1 gr. empr.) Registro em carteira um problema, porque ningum quer respeitar. Eu acho que o registro d um pouco de segurana. Se eu estou registrada, no porque eu falei alto na loja que o meu gerente vai falar que a dona est me mandando embora. Porque se eu sou registrada, ele no vai me mandar embora, porque ele vai ter que pagar um monte de coisa. Agora, no meu caso, eu no sou registrada, ento eu tenho que ser um rob. (fem. 2 gr. empr.) Eu trabalhei sem registro e se falasse alguma coisa era mandada embora. (fem. 2 gr. empr.) Se voc no fizer o que eles mandam, voc mandado embora sem direito nenhum, voc obrigado a abaixar a cabea. (masc. 1 gr. empr.)

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O contingente de desempregados e a poltica de reduo de custos pairam como uma ameaa que sinaliza e refora a fragilidade da condio de empregados. Submetidos perversa dinmica que rege o mercado, os jovens sabem que podem ser facilmente substitudos por pessoas at mais qualificadas e com salrios mais baixos. Isso aumenta a insegurana e a incerteza quanto ao seu futuro.Voc vai procurar emprego e tem dez mil na frente. Eles falam: Eu no dou isso, no dou aquilo, voc quer?. Se voc no quiser, tem outra atrs que quer. pegar ou largar. (fem. 1 gr. empr.) Quando mandado embora, eles falam que a crise do desemprego, mas eles pegam algum que ganha menos. Reduzir os custos. (fem. 1 gr. empr.) As indstrias esto mandando um monte de gente embora para pegar gente mais nova para pagar menos. (fem. 2 gr. empr.) Eles falam: Se voc no fizer isso, a gente pega outro para ganhar a metade de voc. (masc. 1 gr. empr.)

Para esses jovens, estar empregado no representa nenhuma garantia, nem tampouco lhes permite construir ou projetar um futuro melhor. Ao contrrio, o emprego parece ser uma circunstncia e o dia seguinte se apresenta quase sempre como uma incgnita. A insegurana de tal ordem que no lhes permite assumir responsabilidades, tais como credirio. um trabalho ilusrio, s aquela coisa para voc sair de final de semana, no d para voc construir alguma coisa. (masc. 1 gr. empr.) Quando voc est empregado voc pensa em comprar um som, voc no tem como. Comprar s vista. Voc no sabe se amanh vai estar trabalhando ou no. Voc primeiro precisa ganhar o dinheiro e ir l comprar o que voc quer. No pode mais contar com seu emprego. (masc. 1 gr. empr.)

Poucos esto satisfeitos com o seu emprego. So inmeras as queixas quanto ao salrio irrisrio, tido como incompatvel com as exigncias requeridas e com o extenso horrio de expediente. Todos anseiam por um emprego melhor e, nesse caso, so explcitos: desejam um emprego com registro em carteira, que lhes garanta algum grau de segurana e o acesso aos direitos bsicos.No um servio legal. Eu trabalho at de sbado o dia inteiro, at s dez horas da noite, se abre domingo eu trabalho. Chego em casa morta e no dia seguinte tenho que acordar de manh para ir para a escola e de l direto para o trabalho e ficar at dez horas da noite. puxado. Simplesmente estou l porque no consegui coisa melhor. (fem. 2 gr. empr.) Emprego bom ter assistncia mdica, garantia de emprego, crescer na firma. No adianta voc ficar fazendo sempre a mesma coisa. (masc. 1 gr. empr.)

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Trabalhar com registro uma segurana. Se acontecer alguma coisa voc tem garantia, amanh ou depois voc mandado embora ou sai do emprego e recebe seus direitos. (masc. 2 gr. empr.)

Mesmo descontentes, os jovens empregados no arriscam trocar o certo pelo incerto. Muitos viveram as agruras de quem busca uma vaga no mercado de trabalho e comentam que escolher emprego coisa do passado. Segundo eles, hoje as oportunidades so escassas e quando a chance aparece preciso agarr-la, independente do tipo de trabalho e das condies propostas.O primeiro emprego que vier voc pega, no pode ficar desperdiando. (masc. 1 gr. empr.) Hoje o pessoal quer mais trabalhar, no importa se com carteira assinada ou no. Eles sabem que a gente est querendo emprego, ento eles sabem que vou aceitar qualquer coisa. (masc. 1 gr. empr.) Voc procura um emprego e no acha. Todo mundo est trabalhando e voc fica desesperado, qualquer coisinha que aparece, voc vai l e faz. (masc. 2 gr. empr.) claro que todo mundo quer um trabalho com registro, mas no est dando para escolher. (fem. 2 gr. desemp.)

A trajetria desses jovens na busca de um trabalho e o grau de dificuldade encontrado so diversos. Mas todos tem em comum o fato de que conseguiram emprego por meio de relaes pessoais. Familiares, amigos e vizinhos, enfim, pessoas conhecidas so a ponte, o passaporte para inserirse no mercado.Eu trabalho no escritrio do tio do meu namorado. (fem. 1 gr. empr.) Eu tenho uma amiga dentista e a menina que estava trabalhando com ela estava para sair. A ela me perguntou: Carol, voc quer vir trabalhar aqui?. Veio assim do cu. Na hora fiquei assustada porque eu tinha 13 anos. (fem. 2 gr. empr.) Onde eu estou foi meu pai que me colocou. Meu pai trabalha nessa firma desde que ele tinha 12 anos, conhecido l. (fem. 2 gr. empr.) Para mim no foi difcil no, porque a minha amiga trabalhava nessa loja e quando saiu uma pessoa ele me avisou. (fem. 2 gr. empr.) Eu comecei a trabalhar com o pai do colega do meu primo. Sair procurando no funciona. (masc. 1 gr. empr.)

Dentre os jovens empregados, a grande maioria estava trabalhando no comrcio e em servios. comum o entendimento de que esses setores esto em crescimento e oferecem maior nmero de vagas na regio do ABC. Mesmo tendo nascido e crescido em um perodo de declnio da atividade industrial, os adolescentes valorizam o emprego nessa rea e, nesse29

caso, as montadoras ou as grandes empresas multinacionais despontam como uma importante referncia. Alm deles mencionarem que as indstrias registram seus empregados e garantem benefcios como convnio mdico, vales etc., esse setor oferece possibilidades de crescimento profissional, aspecto importante para quem est ingressando no mercado de trabalho, vido por perspectivas de desenvolvimento de uma carreira, de uma profisso.Emprego no comrcio mais fcil. o que mais cresce hoje em dia. (fem 2 gr. empr.) A indstria oferece melhores empregos pelo fato de ser maior, te d mais garantias, tem mais tipos de servios, mais diversidade l dentro, voc pode fazer mais coisas. (fem. 1 gr. empr.) Eu realmente gostaria de trabalhar numa firma, indstrias como Cofap, Phillips, porque voc registrada, tem direitos, convnio, salrios bem melhor. (fem. 2 gr. empr.) Indstria, firma d mais futuro. Voc comea como auxiliar, depois passa para encarregada. Voc tem assistncia mdica, almoo na firma, nibus da firma. Tem todos os benefcios. (fem. 1 gr. desempr.) Voc trabalha em uma loja de vendedora, voc fica a vida inteira trabalhando de vendedora. Para subir um cargo, voc vai ser gerente, o salrio vai aumentar 200 reais e voc vai ficar a vida inteira naquilo. uma coisa que no d muito futuro. (fem. 1 gr. desempr.)

Possibilidades de um futuro melhor visvel a perplexidade dos jovens diante do mercado de trabalho. Tendo como referncia a poca dos pais, quando eram menores as exigncias e amplas as oportunidades de emprego, sobretudo na indstria, os jovens se mostram desanimados com a situao atual, ao mesmo tempo em que buscam caminhos que abram perspectivas de um futuro melhor.Se a gente for se basear pelo pessoal que no estudou e que hoje tem tudo, ningum vai ser nada aqui. Antigamente era mais fcil, porque precisava de menos estudo. Voc tendo primrio j era bem graduado, podia at escolher emprego. (masc. 1 gr. desemp.) O meu av, com a quarta srie que ele tinha, era qumico da Petrobrs e se aposentou l. Eu, que tenho o ginsio, no consigo emprego nem para varrer rua. Desvalorizou muito de l para c. (masc. 1 gr. desemp.)

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O estudo considerado um fator importante, mas por si s insuficiente para garantir a insero no mercado de trabalho. Cientes de que os novos tempos exigem um novo perfil de trabalhador, os jovens se vem diante da

necessidade de investir na sua formao. Sem acesso a cursos de computao e lngua estrangeira, tidos como essenciais, buscam reforar seu currculo fazendo todo e qualquer curso disponvel, vale dizer, gratuito e no geral oferecido pelo poder pblico. Incertos quanto ao seu futuro profissional e vendo-se sem as qualificaes exigidas pelo mercado, acreditam que tais cursos poder ser teis, seno todos pelo menos alguns, ampliando suas possibilidades de insero.Quanto mais curso melhor. O que voc puder fazer de curso, tem que fazer. (masc. 1 gr. empr.) Tem que fazer um monte de coisa: tem que ser eletricista, tcnico de no sei o que, tem que ir tentando em tudo, depois v o que vai dar certo. (masc. 1 gr. empr.) Sempre que aparece um cursinho da Prefeitura, eu vou l e fao. Mas eu no estou pensando que com esse curso eu vou fazer tal coisa. Vou fazendo cursos, no tem nada a ver um com outro, mas um dia pode servir para alguma coisa. (fem. 2 gr. empr.)

A dificuldade de encontrar um emprego e os baixos salrios vigentes no mercado fazem com que o negcio prprio desponte como uma alternativa atraente, sobretudo para o segmento masculino. Muitos jovens vem o trabalho por conta prpria como um meio de fugir das exigncias do mercado. O sonho do negcio prprio aflora em todos os grupos na mesma intensidade que os relatos sobre experincias pessoais mal- sucedidas. Podese dizer que o trabalho por conta prpria atende ao desejo deste jovem de ser sujeito da sua vida, livre das presses, exigncias e cobranas do empregador. No entanto, colocada sempre como uma possibilidade, essa alternativa lhes parece de difcil concretizao, dada a necessidade de capital e a concorrncia existente no mercado.Voc tem que estudar segundo grau completo para ser ajudante geral. Ento tem que fazer alguma coisa por conta, abrir um bar, um quiosque. Eu acho melhor abrir o seu prprio negcio, que a voc no precisa ter estudo, voc s se aperfeioa naquilo que voc vai fazer. melhor, inclusive o patro no fica na sua orelha, voc no vai depender de ningum. (masc. 1 gr. empr.) Se voc no abrir um negcio seu, voc vai ser sempre um assalariado. Eu no quero ser assalariado. (masc. 1 gr. desemp.) melhor voc ser o seu prprio patro, trabalhar por conta. Eu desanimei de tanto procurar emprego. Como meu pai deixou umas ferramentas l guardadas, estou pensando em trabalhar para a gente. (masc. 2 gr. desemp.) Eu tinha uma funilaria e pintura, mas muito comrcio l perto de casa e no estava dando certo. muita concorrncia. (masc. 1 gr. empr.) Eu e meu colega abrimos uma bicicletaria, mas no deu certo porque logo depois abriu uma bicicletaria na avenida. Quem ia confiar na gente? a concorrncia. (masc. 2 gr. desemp.)

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Governos municipais, gerao de emprego e polticas para jovensEmbora os jovens considerem que a questo do emprego est mais relacionada aos governos federal e estadual, entendem que as Prefeituras poderiam e deveriam atuar de modo mais incisivo na ampliao da oferta de trabalho na regio do Grande ABC. Incentivo a palavra-chave, utilizada para designar as possibilidades de interveno do governo na dinmica local. Atrao de empresas, diminuio da carga fiscal de micro e pequenas empresas e investimentos em educao, cultura e lazer so citados, ainda que de forma vaga, como iniciativas capazes de incentivar o desenvolvimento e aumentar o nmero de vagas na regio.O governo do Estado, eu acho que tem a ver com o emprego, mas a Prefeitura mais para organizar as cidades, no para gerar empregos. Isso vem mais dos poderosos, do presidente, governadores. (masc. 1 gr. desemp.) Eu acho que a Prefeitura poderia abrir coisas para a gente trabalhar. Tem muitas escolas que esto sem ningum, porque falta gente para trabalhar: faxineira, cozinheira, professores... Da teria mais servio para a gente. (fem. 1 gr. desemp.) Os impostos na hora de abrir firma muito caro. A Prefeitura poderia resolver isso, facilitar para micro-empresa. (masc. 2 gr. desemp.) A Prefeitura de So Bernardo, se ela incentivar as empresas a irem para l, bom para o trabalho. (masc. 2 gr. empr.)

A explorao do potencial turstico da regio, especialmente Paranapiacaba, Ribeiro Pires e Rio Grande da Serra, tambm aparece como uma ao capaz de gerar impactos positivos no nvel de emprego regional, alm de resultar na ampliao da oferta de lazer.Investir em turismo. Paranapiacaba, um ponto histrico, Rio Grande da Serra tambm d para fazer alguma coisa. Poderia explorar isso: emprego, dinheiro para a Prefeitura mesmo. (masc. 2 gr. empr.)

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Educao, esporte, cultura e lazer so temas que sensibilizam o pblico jovem. Considerados de responsabilidade municipal, so inmeras as demandas de uma maior ateno e investimentos nesses setores. No campo educacional, os jovens apontam a necessidade de aes voltadas para a melhoria da qualidade do ensino, o que inclui a idia de se adequar o currculo escolar s novas exigncias do mercado de trabalho. Nessa mesma linha, o domnio de habilidades em computao e lngua estrangeira visto como um requisito essencial. Sem recursos financeiros para freqentar cursos privados, generalizada a reivindicao para que o poder pblico os oferea gratuitamente.

O que eu aprendi na escola no me ajuda em nada. Lgico, eu aprendi a ler e escrever, se precisar fazer uma conta eu sei. Mas quando voc vai trabalhar, eles pedem que voc tenha conhecimento em tal rea, que saiba digitar, falar tantas lnguas. (fem. 2 gr. empr.) A Prefeitura podia dar cursos na rea de computao, que o que esto exigindo. (fem. 1 gr. empr.) Minha irm est fazendo espanhol de graa em uma escola do Estado em So Bernardo, ela pagou 50 reais por trs anos, praticamente de graa. Ela saindo dali, ela tem mais chances de arrumar um emprego. (fem. 1 gr. empr.) Curso de lnguas, computao. No existem esses cursos gratuitos e o curso que pedido hoje. (fem. 2 gr. empr.)

Tambm recorrente a demanda por oportunidades de acesso a cursos de profissionalizao, tanto de nvel tcnico como aqueles voltados a segmentos de baixa escolaridade. No entender dos jovens, caberia s prefeituras uma maior atuao, especialmente no que se refere ao ltimo caso, oferecendo cursos tais como de cabeleireiro, manicure, eletricista, mecnico, marceneiro etc. A capacitao nessas reas, alm de aumentar o grau de empregabilidade desse segmento, tambm atende ao desejo de trabalhar por conta prpria, num momento onde escassa a oferta de vagas na regio. Interessados em se capacitar, mas tambm em obter um trabalho, alguns jovens mencionam que seria importante que esses cursos estivessem associados a estratgias que facilitassem ou at garantissem a insero no mercado. Nesse sentido, prope-se o estabelecimento de parcerias entre as prefeituras e as empresas privadas para a realizao de estgios ou recrutamento dos alunos formados.Era bom se a Prefeitura criasse escola profissional de graa, curso tcnico. (fem. 1 gr. desemp.) As prefeituras poderiam oferecer cursos profissionalizantes que a gente fizesse e eles j encaixassem no emprego. No adianta a gente fazer um curso e receber o diploma. E da? (fem. 1 gr. empr.) Corte e costura, cabeleireiro, uma boa, porque so coisas que se a pessoa no arrumar um emprego, ela pode se virar em casa. (fem. 1 gr. empr.) Talvez deveria fazer uma ao conjunta de indstrias com a Prefeitura. Por exemplo, os alunos que fizeram curso, fazerem algum teste l nas firmas. Uma indstria precisa disso, a Prefeitura tem o curso dessa coisa que ela est precisando, ento entra em contato. L em So Bernardo tem vrios cursos, s que voc faz e tchau! Voc que se vire. Voc tem que procurar emprego e a fica difcil. Outra coisa que precisa tambm melhorar a divulgao desses cursos. (fem. 2 gr. empr.) Curso de computao, na rea eletrnica, eletricista, mecnica, cabeleireiro, todo tipo de curso seria bom. (masc. 1 gr. empr.)

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Dentre as demandas direcionadas ao poder pblico destacam-se ainda aquelas referentes s reas de esportes, cultura e lazer. Em todos os grupos, os participantes enfatizaram a necessidade de maiores investimentos nesses setores, sendo citados como exemplos: quadras para a prtica de futebol, basquete e vlei, escolas de esportes para a populao de baixa renda, que poderiam formar futuros atletas, alm de aes que ampliem as opes de lazer e o acesso a eventos culturais.Coisas para a gente tem que estar voltado para educao, cultura e arte, que a maioria no conhece. Hoje cultura para quem tem dinheiro. difcil ver a prefeitura dar peas de graa. Eu tenho ido bastante para So Paulo, que l tem um programa da Prefeitura que voc paga 5 reais para ir ao teatro. (fem. 2 gr. empr.) Para beneficiar o jovem dar curso profissional, incentivar o estudo em geral, esporte, cultura e lazer. Tem muito moleque jogando bola na rua, ele joga bem, mas o pai dele no tem condies de levar em um clube porque no tem dinheiro. (masc. 1 gr. desemp.) Investir em esporte que uma rea que tem muita gente que sabe fazer, mas no tem oportunidade. Formar times, no futuro eles podem ser at profissionais. (masc. 2 gr. desemp.) Devia ter mais lazer, mais esporte, ter mais teatro, mais quadras, salas de vdeo, centros culturais, feiras culturais. (fem. 1 gr. desemp.)

Consideraes finaisOs resultados da pesquisa so, certamente, pouco animadores, mas ricos para a reflexo dos dilemas e desafios que se colocam para o enfrentamento da excluso social. No geral, a juventude dos anos 90 mostra-se realista e pragmtica, seus sonhos giram em torno do seu futuro pessoal e profissional. No caso dos jovens de baixa renda, a concretizao do seu projeto de vida mostra-se penoso. Numa sociedade regida pelos valores de mercado, onde a renda determina a acessibilidade aos bens e servios, eles consideram limitadas suas possibilidades de desenvolvimento pessoal e profissional. Sem recursos financeiros, sentem-se privados do acesso s oportunidades que se apresentam para os segmentos de maior renda. As restries impostas pela sua condio econmica, no caso especfico do lazer e da aquisio de bens de consumo, denotam, para o jovem, o grau de injustia e de desigualdade social vigentes na nossa sociedade. Mas o reconhecimento de que a renda posiciona-os em desvantagem na disputa por uma vaga no mercado de trabalho configura-lhes um quadro de excluso.34

O desemprego um fenmeno que vem se alastrando no Pas e assumindo propores alarmantes nesse final de milnio. No por acaso, aparece, em vrias pesquisas de opinio, como o maior foco de preocupao da populao. Se hoje o desemprego atinge amplas parcelas da sociedade, no segmento jovem que ele se mostra mais dramtico. Pesquisa do Dieese/Seade de maio de 1998 (aproximadamente a mesma poca em que realizamos nosso estudo) apontava uma taxa de 50% de desemprego entre adolescentes de 15 a 17 anos na Grande So Paulo, mais do que o dobro de 1988. Dentre o contingente de desempregados na Grande So Paulo, a metade era constituda de jovens de at 24 anos. Nesse cenrio desolador, os jovens de baixa renda mostram-se pessimistas quanto s suas perspectivas de insero. Discriminados pela sua aparncia e local de moradia, e considerando-se sem as qualificaes exigidas pelo mercado, eles acreditam que so pequenas as chances de obteno de um emprego. Na condio de alunos da rede pblica e sem recursos financeiros para investir na sua qualificao profissional esses jovens sentem-se despreparados para enfrentar a concorrncia. Mais grave do que isso, os dados da pesquisa revelam que esses jovens se vem sem os requisitos para competir em igualdade de condies com os segmentos de maior poder aquisitivo. Embora a escolaridade seja citada como um fator importante, a renda aparece como elemento determinante para o sucesso no mercado de trabalho. Segundo eles, a renda permite o acesso a uma educao de qualidade, aumentando, portanto, as possibilidades de insero. Essa viso dos jovens cruel, mas infelizmente no irreal. Os resultados do Enem (Exame Nacional do Ensino Mdio) de 1999 fundamentam a sua percepo. Mostram que quanto maior a renda e o nvel cultural da famlia melhor a nota do aluno, independendo se ele estudou em escola pblica ou privada. Isso significa que a diferena de notas entre alunos ricos e pobres maior do que entre os que cursaram escola pblica ou privada. Apenas para ilustrar o peso da renda no aproveitamento escolar, dentre os jovens com renda familiar de at um salrio mnimo, 73,2% tiveram desempenho de insuficiente a regular (notas de 0 a 40, sobre 100) e apenas 2,8% de bom a excelente (acima de 70). J entre os alunos cuja renda familiar supera 50 salrios mnimos, 10,7% tiveram notas abaixo de 40 e 38,6% tiraram de 70 a 100. Considerando-se o tipo de instituio escolar, a nota mdia obtida pelos alunos da rede pblica foi 44,3 contra 59 da privada ( Folha de S. Paulo , 15 dez. 1999). A diferena de desempenho dos alunos da escola pblica e privada mostra-se, a princpio, menor do que o suposto pelo senso comum. No entan35

to, os resultados do Enem devem ser lidos com cautela. Como o exame voluntrio, o perfil dos alunos avaliados no representa necessariamente a mdia dos jovens formandos do segundo grau. Tomando-se a totalidade das matrculas no ensino mdio do Pas, 84% referem-se escola pblica e 16%, privada. No entanto, dentre os alunos avaliados pelo Enem, 49% cursaram escolas privadas, 43%, as pblicas e 8% freqentaram ambas as redes. Muitos dos alunos que deixaram de fazer o exame talvez tenham tomado essa atitude por julgarem-se sem chances de obter um bom resultado. E, pelos dados acima, possvel que grande parte deles seja da rede pblica. Com isso no estamos querendo dizer que o ensino pblico no Pas seja necessariamente ruim. inegvel a existncia de escolas pblicas de qualidade, o que um indicador de que o Estado pode oferecer um servio digno populao. No entanto, h que se reconhecer que o ensino oficial no tem uma qualidade homognea. Existe uma certa diferena entre escola pblica de uma regio central e aquela situada nas regies perifricas das grandes cidades, onde se concentra a populao de baixa renda. Tudo indica que o jovem retratado na nossa pesquisa vive uma situao de perversa coincidncia entre baixa renda e baixa qualidade de ensino. Para eles, a impossibilidade de acesso a uma educao de qualidade, expressa pelo trio escola privada-computao- ingls, coloca-os em posio de desvantagem na competio por uma vaga no mercado de trabalho. Isso compromete a sua auto-estima e as suas perspectivas de um futuro melhor. Pode-se dizer que, para esses jovens, os preceitos liberais que advogam a educao como fator de equalizao de oportunidades ainda so uma utopia. Muitos deles, sem recursos sequer para a compra de material e despesas com transporte, no tm condies de seguir os estudos, mesmo numa escola gratuita. Buscam no mercado de trabalho os meios de garantir a continuidade da sua educao. No entanto, sem escolaridade no conseguem emprego e sem emprego no conseguem prosseguir os estudos. Assim, arma-se o crculo vicioso da excluso. O crescimento da demanda no ensino mdio, expresso nas estatsticas oficiais, revela o reconhecimento do jovem de que a escolaridade essencial para a sua insero num mercado de trabalho cada vez mais exigente e seletivo. No obstante os avanos na universalizao do acesso educao bsica, ela por si s insuficiente para reverter as disparidades de qualificao entre os segmentos sociais. Sem investir radicalmente na qualidade do ensino pblico no se rompe o enorme e crescente abismo entre ricos e pobres e no se diminui as gritantes desigualdades de oportunidades entre os extremos da pirmide social. Qualidade de ensino inclui no s professores capacitados, mas escolas com infra-estrutura adequada,36

dotadas de equipamentos de informtica e acesso internet para o uso dos alunos, ensino apropriado de lnguas estrangeiras, entre outros. Tendo em vista o quadro de pauperizao de parcela significativa da populao, faz-se necessrio, inclusive, garantir as condies para que os jovens de baixa renda no tenham que ingressar prematuramente no mercado de trabalho, comprometendo a continuidade do seu estudo. Mudar a percepo de que a renda define as oportunidades de insero no mercado de trabalho oferecer perspectivas de futuro s novas geraes. Para tanto, preciso recuperar a dimenso das polticas pblicas e o papel central da educao na promoo do desenvolvimento humano. Mais do que um requisito da cidadania, isso constitui um fator capaz de reverter o quadro de desesperana, resgatar a auto-confiana e gerar um horizonte mais promissor para o jovem de baixa renda. No enfrentar essa questo implica em confirmar e reforar a impossibilidade de incluso social desse segmento, significa negar as multicausalidades da violncia e no atuar para amenizar o atrativo que o mercado ilegal e criminal exerce sobre parcela desses jovens. O desafio enorme e exige do poder pblico polticas integradas voltadas juventude que atuem na promoo do desenvolvimento pessoal e profissional dos jovens de baixa renda. Governos comprometidos com os direitos de cidadania tem desenvolvido esforos nessa direo. As iniciativas em curso so animadoras, mas, no geral, atingem uma parcela ainda pequena de sua demanda potencial. A difuso dessas experincias e a percepo, pela sociedade como um todo, do seu papel estratgico podem constituir um caminho para a mobilizao de recursos (humanos, fsicos e financeiros) que possibilitem a sua ampliao.

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para os jovens em Santo AndrElmir de AlmeidaProfessor da Fundao Santo Andr e doutorando da Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo. Este trabalho contou com a colaborao de Ana Cludia Gomes, bolsista do Programa de Iniciao Cientfica da Fundao Santo Andr.

Polticas pblicas

Temos, diante de nossos olhos, os grupos, as etnias, as idades e os sexos, as atividades, os trabalhos, as funes, os conhecimentos. Aqui est tudo o que necessrio para criar um mundo, uma sociedade urbana ou o urbano desenvolvido. Mas esse mundo est ausente, essa sociedade que est diante de ns, em estado de virtualidade, corre o risco de perecer embrio. As condies que fazem surgir as possibilidades tambm podem mant-las em estado virtual, na presena-ausncia. Henri Lefebvre

IntroduoEste texto apresenta os resultados preliminares de pesquisa, que venho realizando desde 1998, sobre os esforos polticos desenvolvidos pelo governo local de Santo Andr (gesto 1997-00) no sentido de formular e implantar poltica pblica para os segmentos juvenis da cidade. A investigao em curso busca, basicamente, responder s seguintes questes: 1. qual a origem do ciclo da poltica pblica municipal para a juventude na cidade?; 2. como o governo local de Santo Andr, em seus diferentes setores, tematiza a juventude em geral e a juventude da cidade?; 3. quais os objetivos e as metas que os diferentes setores da adminis-

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trao municipal buscam atingir com os projetos, aes e programas formulados e implantados especificamente para os segmentos juvenis?; 4. em que medida o governo local de Santo Andr, ao demonstrar uma vontade poltica para tratar e incorporar as demandas dos setores juvenis na agenda governamental, consegue equacionar algumas das caractersticas (inadequao das polticas; falta de organicidade; fragmentao de recursos financeiros, polticos, humanos; dificuldade de produo de aes inter-setoriais; descontinuidade das aes) que historicamente tm marcado as aes, projetos e programas pblicos de iniciativa estatal que j foram ou vm sendo direcionados juventude? Para tanto, acerquei-me do poder pblico municipal andreense com o objetivo de captar e compreender as aes pblicas dirigidas aos segmentos juvenis. Para dar conta deste propsito lancei mo dos recursos da observao direta; da participao em plenrias populares realizadas pelo governo com o propsito de construir a proposta oramentria da administrao; do levantamento e anlise de fontes impressas e da efetivao de um conjunto de entrevistas, que consistiram em dilogos previamente agendados com assessores e tcnicos das distintas Secretarias Municipais. Como produto da observao direta, pode-se afirmar que nos dois primeiros anos do governo andreense (1997-99) as principais aes destinadas ao pblico juvenil foram planejadas e desencadeadas, principalmente, pelas Secretarias de Cultura, Esporte e Lazer, de Cidadania e Ao Social e de Educao e Formao Profissional. A partir das estratgias utilizadas para esta investigao, pude avanar sobre os primeiros registros e recolher uma amostra das aes culturais executadas pelas setores mencionados, que ora apresento como um balano parcial do estudo, ainda em andamento. Espero que este trabalho possa contribuir para o debate e a reflexo sobre as polticas pblicas para a juventude, sobretudo aquelas operadas pela iniciativa do poder local.

Democracia, cidadania e condio juvenilWeffort (1992), tratando das dificuldades da sociedade brasileira em associar historicamente a defesa da cidadania poltica defesa da igualdade social, evoca a Constituio de 1988 como sendo um exemplo, dentre muitos possveis, para demonstrar que uma das questes fundamentais do cenrio brasileiro consiste na permanncia da diviso entre liberdade poltica e igualdade social. Para o autor, o contedo da Carta Magna marca um avano considervel no plano das intenes e dos princpios, contudo, ela no consegue superar, e portanto mantm, a tradicional desarticulao entre as insti40

tuies que garantem a liberdade poltica e a defesa das questes sociais. Tal desarticulao tem vnculo direto com a realidade poltica e social do Pas, medida que a nova Constituio surge de uma conjuno de foras organizadas por componentes de um movimento de oposio os moderados e por integrantes do regime militar de carter liberalizante que capitanearam o processo de transio desde a dcada de 80. Soma-se a esta varivel o fato de que o documento constitucional define instituies polticas prprias de uma ordenao poltica democrtico-liberal e, por fim, na nova ordem poltico-institucional, as chamadas questes sociais foram incorporadas margem. Dada as presses sociais no perodo de elaborao do texto constitucional, foi impossvel deix-las de lado. Para Weffort, mesmo que a Constituio contenha mecanismos que assegurem a coexistncia dos grupos dominantes de todos os segmentos organizados da sociedade, inclusive de setores das classes dominadas, especialmente dos trabalhadores urbanos, restaria a dvida e quanto queles que no fazem parte de classes e grupos organizados?. Na anlise do autor, aqueles que esto na periferia da ordem social permanecem tambm margem da ordem institucional, constituindo um grande contigente de desorganizados das cidades e dos pobres do campo. Por sua vez, Benevides (1998), ao tratar de questes em torno da educao para cidadania na sociedade brasileira, sublinha as recentes conquistas democrticas que logramos obter no Pas, nas duas ltimas dcadas, sobretudo aquelas vinculadas ao horizonte da democracia poltica. Para tanto, a autora evoca a realizao de eleies peridicas nos diferentes nveis dos poderes Executivo e Legislativo, que tm levado parcela significativa da populao brasileira s urnas. As recorrentes campanhas polticas e os conseqentes pleitos que vm se realizando no Pas testemunhariam uma grande festa cvica consolidando aps tantos traumas na longa, lenta e incerta transio do regime militar a almejada democracia poltica, que se traduziria no exerccio da imprensa livre, na vigncia do voto universal e na existncia de inmeros grupos partidrios. Assim, os eleitores so considerados cidados, na plenitude de seus direitos polticos, agora exercendo o direito e o dever de votar. Mas podemos de fato afirmar que na sociedade brasileira sero todos, igualmente, cidados da Repblica?. Com esta interrogao Benevides chama a ateno para uma outra face da sociedade brasileira: aquela que nos revela, com toda a sua crueza, a situao de discriminao e excluso em que vivem milhares de brasileiros, que no so considerados cidados com plenos direitos, sobremodo aqueles que tm sua cidadania mutilada, seja por questes tnicas ou pelo cerceamento dos seus direitos, como as mulheres, os portadores de deficincia etc.41

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Atualmente, fala-se muito em democracia, em plena vigncia de valores democrticos, em cidadania e direitos do cidado: depois da ditadura militar e da aventura collorida, parece que chegamos, enfim, a um consenso: todos, da direita esquerda, em seus vrios matizes, exibem arroubos de f democrtica e cidad. Mas basta olharmos em volta para vermos o que essa unanimidade tem de ilusria; as razes autoritrias e elitistas de nossa formao social permanecem slidas. O que no deve ser, claro, motivo para desnimo estril, mas, ao contrrio, incentivo luta. Afinal, o que entendemos e queremos com cidadania, de que democracia estamos falando? Quem mesmo cidado no Brasil? (Benevides, 1998). As conquistas concretas obtidas no plano da democracia poltica e os minguados e incertos ganhos auferidos no campo da democracia social em nosso pas, nos permitem tratar especificamente de um segmento da sociedade brasileira: a juventude. Segmento este que, sob muitos aspectos, no acessa nem usufrui do conjunto de direitos bsicos que estruturam a condio de cidado. Vale a pena lembrar que, do ponto de vista da conquista de direitos polticos, aos jovens brasileiros foi facultado o direito do voto a partir dos 16 anos, abrindo-lhes a possibilidade da participao da festa cvica, evocada por Benevides, e que h no Pas um conjunto de leis que trata especificamente dos direitos dos jovens, dentre elas o Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei n 8069/90). Em contrapartida, mesmo nesta esfera de direitos, os jovens brasileiros ainda so tomados como subcidados quando se trata de admiti-los como sujeitos ou atores polticos com direito de participar das deliberaes que afetam a vivncia da sua condio e sobretudo daquelas questes que tratam da construo da esfera pblica brasileira. Alm disso, da perspectiva dos direitos sociais, a juventude brasileira convive com diversas situaes de discriminao, marginalidade e excluso. Guardadas as devidas especificidades histricas, culturais, polticas e conjunturais, de f