jean plaidy - a revolução francesa 02 - a estrada para compiègne

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  • Revoluo Francesa Volume II: A Estrada para Compigne

    Jean Plaidy.

    Ttulo original: THE ROAD TO COMPIGNE

    Traduo: Naumin Aizen

    Editora Record, Rio de Janeiro, 2003.

    Digitalizao: Ana Paula Ruas

    Correco: Miriam Tavares.

    Este romance sobre a revoluo francesa composto por trs volumes:I. Lus, o Bem amado.II. A Estrada para Compigne.III. Pompas de Uma Rainha Extravagante.

    SumrioI O caminho.II A marquesa.

  • III A famlia real.IV Os aposentos da marquesa.V Madame Seconde.VI Condessa de ChoiseuIBeaupr.VII La Petite Morphise.VIII Unignitas.IX A marquesa arrependida.X O Par aux Cerfs.XI O caso Damiens.XII A chegada de Choiseul.XIII Mademoiselle de Romans.XIV A ltima viagem a Paris.XV MarieJosphe.XVI Morte em Versalhes.XVII Madame du Barry.XVIII A apresentao de madame du Barry.XIX Choiseul e madame du Barry.XX A derrota de Choiseul.XXI O fim do caminho.Bibliografia.

  • IO Caminho

    Nos dias quentes, o assunto entre o povo na cidade alvoroada era o Caminho.Debochavam do Caminho; escarneciam do Caminho; no tinham o menor respeito por ele e oodiavam.

    Por ser hbito do povo parisiense cantar canes sobre o que amasse em particular oudesamasse, ele cantava canes sobre o Caminho.

    Quando os padeiros de Gonesse chegavam cidade duas vezes por semana com seucarregamento de po que deveriam vender todo ele aos cidados, porque no podiam levlo de volta alm da Barreira , discutiam o Caminho com os camponeses que iam para LsHalles, o grande espao circular com seis ruas movimentadas que vo dar l. Elogiando asqualidades do bom po, do peixe, da carne e das verduras, achavam tempo para falar doCaminho. As vendedoras ambulantes de caf, de p pelos cantos das ruas, tendo s costasas cafeteiras com torneira, gritavam: "Caf au lait, dois sous a xcara. Caf au lait, comacar, amigos!" E, enquanto bebiam em xcaras de cermica, os fregueses de p zombavamdo Caminho com a vendedora.

    Os barbeiros, com pinas, correndo freneticamente a fim de no perder os compromissospara empoar perucas, as roupas brancas

    de p, comentavam entre si as ltimas notcias sobre o Caminho; os advogados a caminhodo Chtelet se mostravam preocupados com ele; os sacerdotes, indo cedo para o trabalho,achavam tempo para cochichar sobre ele.

    Discutiam isso os nobres e as mulheres em suas carruagens, os passageiros suados eapertados nas carabas pesadonas viajando de um lado para o outro, entre Paris e Versalhes,a uma velocidade mdia de pouco mais de dois quilmetros por hora, e por aqueles que, porno poder pagar uma carruagem e por menosprezar as carabas, viajavam naqueles veculosengraados que o humor parisiense deu o nome de pots de chambre, ou seja, bacias dequarto.

    No Falais Royal, as prostitutas e as mulheres galantes se apresentavam fazendo algumcomentrio sobre o Caminho, enquanto, l, os agitadores faziam dele assunto para discusso.

    Homens e mulheres, andando com cuidado pelas ruas para evitar a lama infernal,zombavam dele; os que paravam na altura da PontNeuf para descansar falavam dele com osvaleis, os criados, nas ruas.

    O Caminho para Compigne, ou a Rota da Revolta, atraiu a imaginao do povo de Paris.Era um smbolo entre eles e o rei. Era uma represlia de Lus XV desaprovao de Paris."Dentro em pouco, vocs no vo mais me chamar de Lus o BemAmado, portanto construum caminho para evitar a cidade. Nunca mais voltarei a Paris por prazer, mas apenas quandomeus deveres o exigirem."

    E o povo de Paris cantava e zombava do Caminho para Compigne, porque queria que orei soubesse que todos poderiam enfrentar a indiferena real e, se necessrio, mostrarlhe que odiavam essa ideia.

  • II

    A Marquesa

    A marquesa de Pompadour se sentou diante do espelho e, enquanto as criadas penteavamseus cabelos e lhe pintavam o rosto, recebia visitantes no aposento. Era a hora da toilette,quando a maior parte das damas da corte estava livre para ouvir a conversa das visitantes.

    Ela ria, afvel. Com as faces e os lbios pintados de carmim, com os cabelosarrepanhados no alto do rosto, mais malicioso que bonito, o rosto era de fato atraente; masmuitos entre aqueles que lhe cuidavam da toilette declaravam que, por baixo da serenidade edos cosmticos, havia uma mulher cansada, deprimida e apreensiva. Para aqueles que a viamagora, isso no parecia possvel, no podia ser verdade. Mas todos sabiam que a marquesaera uma atriz esplndida.

    Como era graciosa! Nunca, mesmo para os mais humildes, demonstrava apenas atenocordial.

    Seus inimigos cochichavam: Veja como prudente! porque sabe que sua influncia sobre Lus est diminuindo? Ela sabe? Deve saber, se no idiota. E como pode uma mulher, nascida simplesmente

    mademoiselle Poisson e que se tornou a marquesa de Pompadour sem a ajuda de amigos nacorte, ser idiota?

    No d sinal disso. No d. Repare a impiedosa determinao do queixo delicado. Lus est a exaurila, e

    ela sabe disso. No pode durar.Os belos olhos da marquesa eram meigos. No parecia possvel que soubesse dos boatos. Meu espelhomurmurou ela criada; e segurouo com delicadeza e elegncia, de

    forma a poder ver o rosto de todos os ngulos.Sorriu para quem estava prximo dela. Esse homem queria um lugar na corte para si

    prprio e para o filho. Mais adiante, outro, que desejava um comando no Exrcito. Ali, umamulher que procurava obter lugar para a filha. Aqui, um comerciante que desejava venderlhebonita jarra; sabia que o gosto da marquesa era perfeito. Aqui estava um outro com metros delindo cetim numa daquelas tonalidades que lhe ficaram associadas.

    Procuravam madame de Pompadour, porque a marquesa era encantadora e afvel; erasua poltica no fazer inimigos e ajudar onde pudesse; e, claro, sua palavra com o rei tinhamais peso do que qualquer outra.

    Por enquanto! cochichavam os inimigos, contentes. Mas esperem. Deixe apareceruma jovem mais astuta. Lembremse de madame de Mailly. O rei lhe foi fiel durante anos. Elenunca se livraria dela, mesmo que se cansasse. Mas quando a irm de madame de Mailly,madame de Chteauroux, disse "Mande embora da corte essa mulher", a pobre madame deMailly teve de irse.

    Ento, aconteceria o mesmo com a marquesa. Por enquanto, ela permanecia porque Lusno achara outra que o atrasse suficientemente para substitula; mas chegaria a ocasio, e,ento: desgraa para a Pompadour.

    Ela agora sorria para o homem que lhe pedia um comando no Exrcito.

  • Monsieur dizia ela com seu jeito gracioso , tenho certeza de que ns poderemosconcederlhe o seu pedido.

    Ns! Ela teve o atrevimento de empregar essa palavra que a unia ao rei. Ela fazia issoseguidamente. "Ns vamos partir para Marly, Choisy, Fontainebleau." E a marquesa queriadizer "o rei e eu".

    Lus ouvia e no protestava. Era preguioso demais, ansioso demais para evitaraborrecimentos. Mas todos acreditavam que chegaria o dia em que mandariam madame LaMarquise embora da corte.

    Ela no podia esconder totalmente o fato de ser uma mulher doente; e uma mulherprecisava da vitalidade de dez para acompanhar o ritmo de Lus XV da Frana.

    Enquanto a rodeavam, o rei chegou. Todos recuaram, os homens se inclinaram saudando,as mulheres varrendo o cho com os vestidos, enquanto Lus ia mesa de toilette.

    A marquesa se levantou; fez uma mesura graciosa. Todos ficaram alertas, mas, se Lusestava cansado da marquesa, no deu sinal disto. Todos devem terlhe percebido o brilho norosto ao pegar a mo dessa mulher encantadora e dizer:

    Madame La Marquise, como est hoje? Conteme as novidades.O rei no dispensou os que estavam reunidos no aposento, mas a etiqueta do chteau

    mandava que sassem logo dali. Ao aproximarse da marquesa, no olhou nem direita nem esquerda, o que significava desejar ficar logo sozinho com ela.

    Quando ficaram a ss, a marquesa o olhou com ternura. O rei no parecia bem; a peleestava ligeiramente amarelada, ao contrrio de h poucos meses. Lus ainda era muitovistoso. Os olhos, de um azul profundo, pareciam bem escuros, e a peruca branca lheacentuava a cor. Os movimentos e gestos tinham tal graa e dignidade que a marquesa muitasvezes achava que, se no o tivesse visto antes e se lhe pedissem para reconhecer o rei numamultido de pessoas, ela o teria visto.

    Estava apaixonada por ele. Mesmo antes de conheclo, tinha certeza de que algum diaseria sua amante, e assim que o viu percebeu que nenhuma outra pessoa poderia ser toimportante para ela como ele.

    Se eu tivesse ao menos um filho dele, pensou ela. Agora seria impossvel. Sofrera vriosabortos e o seu mdico, Quesnay, lhe dissera que no poderia mais ter filhos.

    Era lamentvel. Um filho ou filha de Lus XV e da marquesa de Pompadour! Nada teria sidoto bom para essa criana, e as honrarias seriam muito altas. E que vnculo haveria entre eles!Mas no houve.

    Ele agora parecia um pouco melanclico, e a Pompadour tinha vontade de saber se o reino pensava na noite anterior, que, acreditava, no teria sido to completa para ele.

    Pensar em suas deficincias na alcova muitas vezes aterrorizavaa, e ela sabia que omomento em que deveria enfrentar esse problema no poderia estar muito longe.

    No entanto, j se fora a noite; e, durante o dia, em todos os acontecimentos sociais, Lusno tivera uma companhia mais deliciosa e divertida que a marquesa.

    Est encantadora afirmaralhe Lus. E voc, sire, est alegre.No era bem assim; porm a marquesa achava que, ao dizerlhe que o achava bem e

    alegre, o rei poderia chegar a esse estado de esprito. Estou vido por ouvir os seus planos para hoje. Espero poder ter o prazer de distrair vossa majestade em Bellevue hoje noite.

  • Nada poderia me deliciar mais. Para essa noite, imaginei um pequeno divertimento. Uma pea, sire. Uma que o

    entretenha. Se escrita por seu velho amigo Voltaire, no duvido. Bem, sire, h muitas pessoas escrevendo peas piores; poucas, melhores.O rei achou graa. Como no temos de ver o autor, com certeza nos divertiremos com a pea. Soube

    notcias dele em Berlim? Sim, sire. Ele escreve de vez em quando. um prazer lembrarmos que temos um luntico a menosna corte.A marquesa se forou um pouco a rir, mas no se sentiu desapontada. Esperava por

    muitas honrarias na vida do velho amigo, Franois Marie Arouet de Voltaire; consideravaoum gnio, mas infelizmente ele carecia das maneiras que o tornassem agradvel emVersalhes.

    Acho que vossa majestade vai gostar da pea. Tenho certeza. Minha querida marquesa, voc vai fazer algum papel nela? Um papel importante. Mas no me pea que lhe fale sobre isso. Farei uma surpresa a

    vossa majestade.O rei segurou a mo dela e a ps nos lbios. Como encantadora, pensava. Sempre era

    sensata ao falar. No importa o assunto que tocasse, ele tinha certeza de que iria se dedicarsinceramente a esse tema. Ela, porm, raramente sugeria isso. Esperava que o rei oescolhesse. Era uma mulher admirvel. Se tambm fosse uma companheira de cama maissatisfatria, seria perfeita.

    Ele percebia que o seu olhar se desviava muito frequentemente hoje em dia; e isso o faziasentirse ligeiramente aborrecido. A marquesa era mulher muito boa, e ele no queria dar aosseus inimigos a satisfao que procuravam.

    A marquesa agora lhe sorria ternamente, no traindo o menor sinal do perigo que sentia.Durante os cinco anos em que fora amante do rei, estudara todas as suas disposies denimo, de tal maneira que, muitas vezes, conseguia ler seus pensamentos.

    As palavras que o rei disse a seguir a deixaram aterrorizada: Minha cara marquesa, estou um pouco ansioso por saber sobre a sua sade. Pode me

    garantir que consultou Quesnay sobre esse assunto, da maior importncia para mim?A marquesa riu. Ningum poderia imaginar que comeara a sentirse doente com a

    apreenso que tomara conta dela. E, de repente, lgrimas lhe escorreram dos olhos. Estou muito emocionada afirmou ela , por vossa majestade se preocupar com

    minha sade. Portanto, desculpe se rio. Nunca me senti melhor. Querida, achei que na noite passada voc se cansou um pouco... cansouse com muita

    facilidade. No, meu querido senhor, no. Mas recordese daquela ocasio assustadora quando

    foi doente ao meu leito e Quesnay afirmou que o senhor devia ter cuidado? Desculpeme,Lus, mas no consigo esquecer esse momento e muitas vezes tal lembrana me deixaapreensiva.

    Morte! sussurrou o rei. Quem sabe o quo prxima est ela de qualquer um dens?

  • O rei abanou a cabea, triste, e os belos olhos azuis a encararam, irnicos. Ele nuncaparecia cansarse. Era isso que estava lhe dizendo? A marquesa abafou uma tosse eexplicou:

    Que assunto lgubre! E a morte est longe, bem longe de ns. Ainda somos jovens. Esperemos que ela esteja bem longe de ns acrescentou ele. Oh, mas eu queria fazer vossa majestade rir, e aqui estamos falando desse assunto

    triste. Sire, soube do mais recente affaire de amor de Richelieu? No, minha querida respondeu Lus. Mas me conte. O homem muito

    escandaloso. Como consegue ele, na sua idade, se conservar como um garoto vido? Digame.

    A marquesa riu levemente e explicou: Devemos lembrar, sire, que tais histrias de suas proezas so invariavelmente contadas

    por ele prprio. Isso pode significar que o vigor de sua excelncia seja at mais assombrosodepois do acontecimento do que durante ele.

    Agora, o rei ria junto com ela. A marquesa se acalmou.Lembrouse de outros escndalos que poderiam divertir Lus e, ao partir, ele se sentia

    muito mais alegre do que ao chegar. Era quase sempre assim. O rei subia as escadas quelevavam ao apartamento dela num estado de nimo triste, e ia embora com elevado nimo,muito frequentemente sorrindo para si ao lembrarse de algum caso divertido.

    Sozinha, a marquesa se recostou num canap e tentou conter a tosse, com que lutaradurante o encontro com o rei.

    Assim que se recostou ali, a porta do aposento se abriu e uma mulher entrou na ponta dosps.

    voc, Hausset? perguntou a marquesa. Sou eu, madame. Estava em sua pequena alcova escrevendo enquanto o rei se encontrava aqui? Ao alcance, caso precisasse de mim, madame.A marquesa sorriu, quase plida; no havia necessidade de conservar as aparncias com a

    confidente, sempre a boa amiga.Madame du Hausset ajoelhouse diante de madame de Pompadour e pegoulhe a mo. Voc vai se matar. Voc vai se matar declarou, passional. Pobre Hausset... se assim for, vo mandla embora do palcio; e como vai continuar

    a escrever as suas memrias? Acho que poderia continulas, embora no fossem ficar tointeressantes, no? Agora, poder escrever sobre o rei e a sua patroa, que tambm amantedo rei. Eu me pergunto: at quando ser assim?

    Este no modo de falarrespondeu madame du Hausset. No modo, de fato. Mas tenho certeza disso, o tempo todo, sabe. Aquelas pessoas

    na toilette... pensa que eu no lia os pensamentos delas? Esta sua dieta, madame, no boa para voc afirmou madame du Hausset. Nada

    do que come vai fazla altura do rei. Nem nenhuma mulher. Hausset, receio que eu no seja uma mulher muito sensual. Preciso lhe dizer alguma

    coisa. Houve noites em que o rei dormiu num canap, no meu aposento. O que isso querdizer?

    Que tem grande considerao por voc, madame. Ele diz "no vou perturbar voc". O que isso quer dizer?

  • Que leva em considerao o seu conforto. Por quanto tempo, Hausset, um homem desses vai continuar a levar em considerao o

    conforto da amante? Vai depender de quo profunda seja a afeio dele por ela. Monsieur Quesnay no pode

    ajudla em nada? Deume remdios e plulas, mas eu fico... como voc disse... to fria como meu nome. Ento, Madame, siga meu conselho. Pare com as trufas, com as dietas e com as plulas

    dos mdicos. Coma com grande apetite e o que gostar. Tenho certeza de que isso vai resultarem boa sade mais rpido do que qualquer outra coisa; e com a sade vir aquele ardor que orei tanto exige de voc.

    Carssima Hausset, sintome feliz por tla do meu lado respondeu a marquesa. Posso lhe falar como a ningum mais.

    Madame, voc sabe que sou sua amiga. Ento tenha pena de mim, Hausset. A vida que levo no de se invejar. Momentos

    como esse so raros, como sabe. Nunca tenho um minuto para mim mesma. Tenho de pensarsempre em minhas obrigaes. No tenho descanso. Voc deveria ter pena de mim, Hausset,do fundo do seu corao.

    Madame du Hausset respondia que sim com a cabea, devagar. Tenho pena de voc, madame La Marquise. Tenho pena de voc, do fundo do corao.

    Todos, na corte, em Paris, na Frana, tm inveja de voc. Porm vejo a verdade, tenhosomente pena de voc.

    Minha boa Hausset, sinto grande consolo tla comigo e pensar em voc, na suaalcova, escrevendo sobre as coisas do diaadia. Apareo muito nessas suas memrias? Orei aparece?

    Muito, madame. No poderia ser de outra forma. No. Acho que no. Mas em que estou pensando? Preciso mudar o vestido. Preciso

    distrair o rei em Bellevue, hoje noite. Venha...Veiolhe um forte acesso de tosse que no conseguia conter. Levou o leno boca e,

    quando acabou de tossir, recostouse, exausta, enquanto madame du Hausset tiroulhe damo a musselina manchada de sangue.

    Nenhuma das duas falou no assunto; era um segredo que guardavam entre si; mas ambassabiam que tal segredo no poderia ser mantido para sempre.

    De sbito, a marquesa ficou alegre: Vamos respondeu ela. No h tempo a perder. Preciso estar em Bellevue a tempo

    de cumprimentar sua majestade.

  • III

    A Famlia real

    Ao deixar os aposentos da marquesa, Lus se dirigiu aos petits appartements que haviaconstrudo para si prprio ao redor dos Cours ds Cerfs. Era ali que podia deleitarse com asolido e se ocupar com os passatempos favoritos; onde podia realizar uma de suasambies: separar Lus de Bourbon e Lus XV da Frana.

    Desejava agora poder afastar sua melancolia. vida parecia no ter real interesse aoferecerlhe. Era uma rotina cansativa de cerimnia e adulao; de distraes magnficas,parecidas com uma outra de que ele no conseguia lembrarse.

    Tinha quarenta anos no era muita idade; e no entanto percebia que a vida nada tinhade novo a oferecerlhe. Sentiase esgotado e ainda havia poucas pessoas que poderiamtirlo da melancolia. A marquesa com certeza era uma delas; Richelieu, outra; a filhaAdelaide poderia divertilo por ser uma pessoa to impetuosa e enigmtica; a filha AnneHenriette conseguia tocar sua piedade porque era to frgil e melanclica como ele.

    Pobre AnneHenriette! Ainda lamentava o amado perdido, Carlos Eduardo Stuart. Teriasido loucura ter permitido semelhante casamento; apesar disso, ele no podia evitar osremorsos todas as vezes em que via AnneHenriette. Por essa razo, evitava vla;detestava ter sua conscincia avivada.

    Hoje em dia, Adelaide lhe interessava mais. Tinha dezoito anos e sem dvida eraencantadora; divertiase a ouvila falar de assuntos de estado. Ela acreditava ter realmentegrande influncia sobre o pai. Talvez por isso fosse to carinhosa com ele. Era de fatocarinhosa, e ningum ousava criticla em sua presena, e ele sabia disso. Se elasuspeitasse de algum agindo assim, gritaria, irada: "Metao na masmorra!"

    Na corte, as pessoas comeavam a perguntarse se a violenta e vivaz Adelaide estavamentalmente desequilibrada. Perguntavamse se o rei desejava que todas as filhas ficassemsolteiras. AnneHenriette tinha agora 23 anos; Victoire, dezessete; Sophie, dezesseis, eLouiseMarie, treze, todas como a prpria Adelaide, com dezoito anos casadoiras, e noentanto o rei no se aprestava em caslas.

    Havia naturalmente aqueles que encaravam com alguma suspeita o relacionamento do reicom as filhas. Em especial, com Adelaide, to espalhafatosa e apaixonadamente devotada aele. Mas Lus no se preocupava. Tornarase aptico. No se interessava pelo que diziamdele na corte ou naquela sombria Paris, que retirara dele o seu afeto e que ele, sempre quepossvel, evitava.

    Gostava de ter as filhas na corte. Era agradvel ver como eram devotadas a ele edispostas no, quase vidas a abandonar a me em favor do pai.

    Oh, havia intriga em muito dissequedisse sobre ele. No se preocupava nem umpouco. Havia algum divertimento nisso.

    Sentiase frustrado com o delfim, agora um rapaz de 21 anos, que se tornara gordo e umtanto hipcrita. Era bvio que estava nas mos do partido jesuta, e a mulher com ele.

    Era estranho como um rapaz sem atrativos conseguisse inspirar carinho de ambas asmulheres. Parecia que MarieJosphe, a atual delfina, estava to apaixonada pelo maridoquanto a anterior, MarieThrseRaphalle, que morrera de parto.

  • medida que o tempo passava, Lus conseguia ver que o delfim poderia se tornar umobstculo ao pai. Que iria dar proteo aos jesutas e Igreja, contra o Parlemen. Houverapolmica entre a Igreja e o Estado na Frana desde que a Bula Unigenhus fora proclamadapelo papa Clemente XI em 1713 e, em particular, fora condenada pelas autoridades civis emParis, em 1730. delfim podia colocarse frente de um partido forte e, dessa maneira,provocar srio atrito no pas.

    Lus no desejava pensar no futuro, se houvesse tal desagrado. Preferia viver o diaadia.

    Ainda assim, no podia deixar de pensar na famlia. No levava em conta a rainha. Agora,era raro pensar nela. Havia muito se cansara dela, desde que viera para a Frana parasurpresa de toda a Europa, ela, a filha pobre do rei exilado da Polnia, para unirse ao rei deum dos pases mais importantes. Ele, porm, a amara nos primeiros anos por ser um meninoinexperiente, de quinze anos, e ela, a primeira mulher que conhecera. Deralhe dez filhos,sete deles vivos; tinham dado, portanto, sua contribuio ao estado e um no precisavapreocuparse com o outro. Ele devia deixla com suas devoes, sua vida incrivelmentetediosa, seus esforos pueris na espineta e nos pincis; deixla continuar levando uma vidapiedosa entre as pessoas da corte, uma vida feita de pessoas to desinteressantes quanto elaprpria.

    Lus continuaria do mesmo jeito, triste, procurando desesperadamente afugentar o tdio nacompanhia de almas alegres como madame de Pompadour.

    Quando comparava a amante com a rainha, afirmava no poder viver sem ela. A queridaJeanneAntoine Poisson, o seu peixinho. Ah, peixinho! Pena que fosse to friae, no entanto,sentiase feliz por perceber que tal frieza no era, de forma alguma, devido ao que sentia porele.

    Desejava ardentemente uma amante com quem partilhar seu erotismo e, ao mesmo tempo,que fosse companhia fascinante como a sua querida marquesa.

    Era possvel? Talvez no. Por isso, devia ficar contente com a amiga querida que oagradava to completamente de todas as maneiras, menos de uma.

    Talvez no fosse possvel encontrar satisfao completa numa nica pessoa. Amava AnneHenriette, mas a melancolia que sentia por ter perdido o Bonnie Prince Charlie o irritava e lheincomodava a conscincia. Cansarase rpido da filha Victoire ao voltar de Fontevraul paracasa; Victoire era de fato uma tolinha; mais tolinha que Sophie. LouiseMarie era maisinteligente, porm, pobrezinha, no muito atraente, corcunda. No, Adelaide era, no momento,a filha favorita a maluca Adelaide com quem sempre podia contar para se divertir, com seucomportamento nada convencional.

    E, ao pensar na famlia e na amante, lembrouse da animosidade entre elas.Era bastante natural talvez que os familiares ficassem ressentidos com a marquesa. Mas

    por que eles no podiam comportarse com a mesma dignidade e o mesmo decoro dePompadour?

    Era incrvel. Ela, de origem humilde, comportavase como dama da corte, e, se sentiaalgum rancor com relao a essas jovens, conseguia disfarar bem!

    Lus sentia vergonha da famlia: as intrigas impetuosas de Adelaide para afastar amarquesa da corte, a aquiescncia enfadonha das irms, que pareciam nada poder fazerseno esperar pelas insinuaes de Adelaide. Quanto ao delfim, comportavase como umcolegial maleducado. O rei, na verdade, j o vira pr a lngua de fora, quando a marquesa

  • virara as costas.Sim, ao pensar na famlia, no se sentia satisfeito com o comportamento dela. Tambm

    estava contente por madame LouiseElisabeth, a gmea de AnneHenriette, sempreconsiderada o membro mais velho da famlia, ter ido embora de Versalhes, apesar de ter sesentido encantado com sua companhia quando ela o visitara recentemente.

    Comparadas com sua irm, conhecida como Madame Infanta, as outras filhas pareciamgrosseiras. E o pai sentia vergonha delas e de si prprio por no levarem em conta maisseriamente a educao recebida.

    Adelaide logo sentiu cimes da ateno que o pai dava a LouiseElisabeth, e, de modoardente, formara um grupo para lutar contra ela. Alm disso, LouiseElisabeth ficara amigade madame de Pompadour talvez para irritar as irms e o irmo e isso deixara o paiainda mais feliz.

    Mas, pouco depois, percebeu que essa era a pretenso de Madame Infanta, muitoresponsvel pelo afeto que demonstrara pelo pai. Ela desejava ardentemente um trono; ficaraaborrecida com o fato de uma filha do rei da Frana ter que se contentar com o ducado deParma e Piacenza, que lhe fora cedido com a paz de AixlaChapelle. Tinha grandesambies; gostaria de ver a Frana ir guerra mais uma vez a fim de conquistar e assegurarum trono para si; e ela queria que Jos, o filho da imperatriz Maria Theresa, fosse marido desua filhinha.

    A filha tornarase poltica na corte espanhola. Mas, ao sentila to exigente, toperturbadora da paz, em vez de sentir contentamento no encontro, Lus se acalmou quando elafoi embora de Versalhes.

    Ele agora ia tomar caf com as filhas mais moas. Era um pequeno ritual que nunca deixoude divertilo. Alm do mais, precisava descobrir aonde iam as intrigas do delfim sob aproteo das irms.

    Foi cozinha dos petits appartements e preparou caf. Quando ficou pronto, arrumouonuma bandeja, e foi aos aposentos de Adelaide, utilizandose da escada secreta.

    Ao vlo, os olhos de Adelaide brilharam de prazer; com um gesto, dispensou a mulherque estava ali. Fez uma mesura veemente

    todos os seus gestos eram veementes e a cada vez que a via Lus achava a filha umpouco mais rebelde.

    Caf... carssimo sire; esse caf torna meu dia feliz. Carssima filha, no fique to alvoroada respondeu o rei. Peolhe que se levante. Venho aqui em busca de informalidade. Carssimo papai! riu Adelaide. Vou tocar a campainha para chamar Victoire. Mas

    antes vamos aproveitar alguns momentos sozinhos... Sozinhos... repetiu o rei. possvel ficarmos totalmente a ss? Parece que,

    mesmo quando pensamos estar inteiramente a ss, h os que no vemos mas nos ouvem.Adelaide ps os dedos contra os lbios. Intrigas... murmurou ela. Fazem intrigas contra ns! Minha querida, como voc as alimenta! Mas vou lhe servir caf. Queridssimo pai, caf algum tem o sabor do que voc prepara. Voc me lisonjeia, filha. Isso seria impossvel. Quaisquer coisas agradveis ditas sobre voc e sobre tudo o que

    faz, no chegariam aos ps da verdade, porque no o louvariam o suficiente.

  • Ora essa, voc me faz elogios muito floreados, Adelaide. E me deixa perplexo. O quequer me pedir hoje?

    Tolerncia para com os pobres jesutas, sire. No so homens virtuosos? Sei quemadame de Pompadour os odeia e deseja vlos sem o poder que tm. Isso bastantenatural, no ? Ela teme os homens da Igreja. Pois bem, se eles conseguissem fazer com quevoc os aceitasse, ela tambm os aceitaria e lhes daria o congdela.

    Oh murmurou Lus. Sem dvida. Se eu ouvisse os religiosos no toleraria o queme falaram das "orgias" com minhas filhas encantadoras.

    Adelaide bateu o p, irritada. Orgias... que tolice! Gosto muito de voc murmurou Lus. Talvez bebamos muito em nossas ceias...

    nossas ceias ntimas, de que ns e somente ns compartilhamos.Adelaide continuou a bater o p. O rosto enrubesceu. Tolice! Tolice! gritou ela.Agora, minha filha, toque a campainha para chamar suasirms. O caf vai esfriar.Adelaide puxou a campainha que estava ligada aos aposentos de Victoire, prximos aos

    seus. Em poucos minutos, Victoire entrou correndo. Adelaide olhoua, severa, enquanto faziauma mesura ao pai.

    Chamou Sophie? perguntou Adelaide. Sim, Adelaide. Bem, minha querida, preparei esse caf. Venha interveio o rei. Sentese aqui

    pertinho e me conte as novidades.Foi cinco minutos mais tarde que Sophie apareceu.Fez uma mesura ao pai e Lus achou divertido ao ver os olhos dela se voltarem para

    Adelaide, como se perguntasse o que deveria fazer a seguir. Chamou LouiseMarie? perguntou Adelaide. Sophie levou a mo boca. Esqueceu mais uma vez repreendeu Adelaide. Volte ento e chamea

    imediatamente.Sophie andou a arrastar os ps. Lus evitava olhla; no sentia muito orgulho da filha

    Sophie. Mesmo Victoire no o encantava muito. Ela no era em absoluto alegre e, claro,totalmente dominada por Adelaide.

    O que estava fazendo quando ouviu a campainha? perguntoulhe Lus.Victoire olhou para Adelaide como que a pedir inspirao. Adelaide respondeu, severa: Vamos. Sua majestade fezlhe uma pergunta e espera uma resposta. Estava sentada em minha bergre respondeu Victoire, olhando Adelaide, ansiosa,

    para ver se a resposta fora aprovada. Sentada continuou o rei. E lendo, quem sabe?perguntou Adelaide. repreendeu Adelaide. Volte! Oh, no replicou Victoire. Estava comendo. Era frango e arroz. Os olhos

    brilharam ao lembrarse. E preferia estar l na sua bergre agora, comendo frango e arroz, a beber caf com

    seu pai?Victoire olhou para Adelaide.

  • Claro que no atalhou Adelaide. Voc aprecia a grande honra de beber caf queno s foi servido, mas tambm preparado por sua majestade.

    Oh, sim respondeu Victoire. Isso o mximo da honra respondeu o rei. Acho que tudo isso o mais

    importante. Com a demora, o caf esfriou. E, ah, Sophie est aqui. Chamou LouiseMarie? perguntoulhe Adelaide. Sophie fez que sim com a cabea.De todas as filhas, pensou Lus, Sophie era a mais sem atrativos. Parecia no conseguir

    olhlo direto na cara, pois tinha o hbito irritante de examinlo de lado. Adelaide disse queno era s a ele que ela olhava assim. As pessoas a temiam, e muitas vezes no dizia umanica palavra a ningum, durante dias seguidos. Algumas vezes, ela se atirava nos braos dacriada e chorava, mas quando lhe perguntavam por que fizera isto, no tinha certeza.

    Venha c, minha filha animou Lus, agora. Gostaria de um pouco de caf?Sophie olhou para Adelaide. Ela fez que sim com a cabea e Sophie respondeu, como num

    grande esforo: Sim, majestade.Lus tinha certeza de que Adelaide olhava para Victoire. Alguma coisa acontecia, percebeu,

    e ele imaginava o que devia ser. Evidentemente, Victoire tinha de prestar obedincia eAdelaide a lembrava disso.

    Ento, Victoire? perguntou ele.Victoire hesitou, lanou uma olhadela a Adelaide e, depois, respondeu, como se estivesse

    repetindo uma lio: Maman Putain est tossindo muito. Cada vez pior. S piora quando ests.

    Por um instante, o rosto do rei demonstrou clera. Resistiu ao impulso de dar um tabefenos ouvidos da filha estpida. Como ela ousava referirse a madame de Pompadour, em suapresena, como "Me Prostituta"? No era apenas um insulto marquesa, mas a ele tambm.

    Mesmo assim, lembrouse: Victoire talvez no entendesse o que havia falado; estavaclaramente obedecendo a ordens de Adelaide, e se ele tivesse de aborrecerse com algumteria de ser com Adelaide.

    Ficou apreensivo como sempre, para evitar coisas desagradveis, assim se sentia agora.Olhou para Adelaide, impassvel, e afirmou:

    Sua irm talvez se refira a alguma conhecida dela. Peolhe explicarlhe que taisinjrias no so apropriadas nos lbios de uma jovem princesa.

    Victoire, aptica, olhava Adelaide, como se tivesse concludo uma tarefa. Sophie erabastante inteligente para sentir que algo estava errado, e olhava do rei para Adelaide.

    Vejo que est na poca de me preparar para a caada respondeu Lus. Vou dizer aurevoir s minhas filhas.

    Nesse momento, LouiseMarie apareceu.Por causa da deformidade, levara todo esse tempo para atravessar os aposentos das

    irms.Lus, fitandoa com tristeza, desejava que LouiseMarie tivesse o aspecto de Adelaide,

    pois era a mais esperta, a mais inteligente de suas filhas. Que infelicidade a pobre filha serdeformada.

    Ele a ergueu da mesura que fazia e abraoua num momento de sbita compaixo. Desculpeme, filha, que tenha vindo exatamente no momento em que estou de partida

    replicou ele.

  • Se Adelaide tivesse tocado a campainha ao mesmo tempo para todas ns quandoVossa Majestade quis ver as suas filhas, eu teria chegado bem antes de sua partida.

    Adelaide respondeu, rspida: Voc esquece de que a mais moa. Tem que obedecer etiqueta de Versalhes. etiqueta de Adelaide corrigiu LouiseMarie, com uma risadinha. No de

    Versalhes. Talvez vossa majestade devesse dizer como deveria ser feito.Lus tocoulhe a face com as costas da mo e atalhou: Querida, quer que eu irrite madame Adelaide?Lus enfrentara os olhares colricos de Adelaide, a rebeldia de LouiseMarie, a preguia

    de Victoire e a lentido de raciocnio de Sophie. Adieu, minhas filhas. Vamos nos rever em breve.E, a um sinal de Adelaide, elas fizeram uma reverncia. Lus voltou ao seu apartamento

    pela escada secreta.As filhas pouco podiam fazer para abrandarlhe a melancolia. Ento, lembrouse de que,

    de tarde, ele se distrairia com a marquesa em Bellevue; e isso lhe estimulou o nimo.Nos seus aposentos, a rainha rezava. Ajoelhouse diante de um crnio humano, iluminado

    por uma lamparina e decorado com fitas. Orava por muitas coisas: pela sade do marido epara que ela voltasse a receber seus favores, para que as filhas pudessem encontrar bonsmaridos e dessem bom nome famlia e ao pas, que madame de Pompadour fosse afastadae que, daqui em diante, o rei temesse tanto a vida que voltasse para a mulher.

    Era alarmante meditar no poder da amante do rei. Recentemente, o conde Phlippeaux deMaurepas fora exonerado porque escrevera versos chulos sobre ela. Maurepas era amigo darainha e do delfim; e o seu afastamento foi uma grande perda para eles.

    A rainha orava: Santa Me de Deus, mostre ao rei o equvoco do seu modo de agir.Ela no pedia um milagre. Lus, apesar de grande vitalidade podia cavalgar um cavalo at

    esgotlo e ficar na sela mais tempo do que qualquer de seus amigos, e ela tivera umaexperincia desagradvel com suas exigncias matrimoniais , era sujeito a febres frequentese podia, portanto, pensar em morte sbita.

    De fato, ela achava que a melancolia dele era, de alguma forma, devida ao fato de saberque, a qualquer momento, ele poderia morrer com todos os pecados a pesar sobre ele.

    A rainha estava apreensiva pela alma de Lus e, sempre que possvel, faziao saber isso.No havia, agora, claro, muitas oportunidades. Raramente se falavam, menos em pblico. Sedesejava abordlo sobre algum assunto, faziao por meio de carta. Era a nica forma deela ter razovel certeza de chamarlhe a ateno.

    Desajoelhouse e mandou chamar suas mulheres favoritas, a duquesa de Luynes,madame de Rupelmonde e madame d'Ancenis. Todas, como ela, estavam sobriamentevestidas, todas mulheres muito dignas, almas semelhantes da rainha.

    Acho que vamos ler juntas informou ela.Enquanto madame d'Ancenis foi buscar o livro de teologia que liam juntas em voz alta, a

    duquesa de Luynes afirmou: Eu tinha esperana de que Vossa Majestade iria tocar para ns.A rainha no conseguia esconder a satisfao. Se me pedirem, toco respondeu ela. Leremos depois. As mulheres se sentaram

    ao redor da rainha, enquanto ela, na

  • espineta, desafinava as peas, com um sorriso de contentamento na face, porque a msicaparecialhe deliciosa aos ouvidos.

    Madame de Luynes, a olhla, pensava: Pobre senhora, isso lhe d muito prazer, mas,para ns, difcil suportar.

    Depois, observaram, atentas, o mural que a rainha pintava em uma de suas pequenascmaras. Demonstrava prazer nisto, tanto quanto uma criana, no vendo as imperfeies.Madame de Luynes percebeu que seus professores de pintura haviam trabalhado no mural eque, de certa forma, haviam melhorado, mas, ainda assim, era um trabalho inferior.

    As mulheres elogiaram sua beleza, mas madame de Luynes sabia que as outras, comotambm ela, desejavam ardentemente levar um pouco de alegria vida da rainha. Ao fazeremisto, estavam dispostas a falsear um pouco de honestidade.

    Ela sentira prazer: agora voltaria ao seu dever. Trouxeram o livro, e cada mulher leu umpouquinho, enquanto as outras, sentadas, faziam trabalhos de bordado.

    Nenhuma acompanhava a leitura montona, ainda que todas estivessem sentadas, ascabeas pendidas para um lado, parecendo ouvir com ateno.

    Os pensamentos de cada mulher estavam longe dali. A rainha pensava no passado,porque, somente hoje, recebera uma carta do pai. Essas cartas de Estanislau, que agoragovernava o ducado de Lorena e que j fora rei da Polnia, trouxera sua vida momentosmais felizes. Do pai, sozinho no mundo, ela recebia amor fiel.

    Repetia para si mesma a frase inicial dessa carta: "Minha querida e nica Maria, voc omeu outro eu e vivo apenas para voc..."

    No havia palavras inteis. O pai amavaa, como ningum mais. Muitas vezes, ela selembrava daquele dia quando ele irrompeu diante dela e da me e lhes disse que ela seriarainha da Frana. Jamais conseguia lembrarse disso sem que as lgrimas lhe cassem dosolhos e, muito estranho, as lgrimas no eram por ter perdido alegrias que acreditara pudesseter para sempre, mas porque sentia falta do pai; com certeza, no podiam se rever tofrequentemente como desejavam.

    Assim a vida continuava, pensava ela, todos os dias muito iguais aos anteriores. Ela comsua pequena corte, que no era a corte do rei, morava de acordo com o padro que traarapara si: oraes, interldios com as mulheres, como agora, tocando a espineta, pintando umpouco, jogando cartas tardinha e indo cedo para a cama.

    Agora, Lus nunca a visitava ali, e, por isso, estava apenas um tanto triste e muito grata.Outra, agora, deveria sofrer desses ataques furiosos de paixo. Pobre madame dePompadour, como devia suportar a tenso!

    Percebeu que falava alto os seus pensamentos: Achei, hoje, que a marquesa parecia um pouco cansada. Houve um sentimento de alvio

    no pequeno grupo. A duquesade Luynes levantou o olhar do livro. Ouvi dizer, majestade, que, muitas vezes, ela sofre de esgotamento comeou

    madame d'Ancenis e que sujeita a desmaios. S madame du Hausset conhece a verdade acrescentou madame de Rupelmonde

    e ela, devotadamente, resguarda a marquesa e seus segredos. Estou contente por madame de Pompadour ter uma amiga e criada to boa

    completou a rainha, sorrindo terna para as trs mulheres. Sei o que uma amizade dessaspode significar.

  • Ela muito malquista pelo povo murmurou a duquesa de Luynes. Em geral, elas so malquistas acrescentou a rainha. Se a senhora, madame, aparecesse mais frequentemente na companhia do rei

    afirmou a duquesa , o povo ficaria satisfeito. Ouvi dizer que na cidade todos no param defalar do Caminho para Compigne. Essa briga entre o rei e a capital me deixa muitoapreensiva. Contamse muitas histrias...

    Oh atalhou madame d'Ancenis, arrebatada , se apenas sua majestade passassesem a marquesa e fosse como ele era com vossa majestade no incio...

    Os dedos da rainha apertaram a camisa feita para algum pobre de Paris, e se esqueceudaquele aposento, esqueceu do momento presente, pois voltou ao passado; chegava para oprimeiro encontro com o rei, naquele localzinho no muito distante de Moret, que, desde ento,passou a ser conhecido como Carrefour de la Reine.

    Ela desceu do coche para conhecer o seu marido de quinze anos, o jovem mais lindo que jvira na vida; sentia a grande alegria de saberse amada a filha sem vintm de um reiexilado, apesar de quase sete anos mais velha que o marido. E de que falavam as suasmulheres? A conversa se tornava perigosa. A Pompadour. O Caminho para Compigne. Essesno eram assuntos para uma rainha que preservava a etiqueta de Versalhes maisrigorosamente que qualquer outra pessoa.

    A suavidade no rosto e na boca formava uma linha reta firme. Rezo por voc afirmou duquesa. Continue a leitura.No cMteau de Bellevue, madame de Pompadour esperava a chegada do rei.Que paz havia nesse belo local! Preferia vir aqui apenas com sua filhinha Alexandrine e

    madame du Hausset, e ficar deitada preguiosamente sombra, sob as rvores, no pontomais tranquilo do jardim. Isso era impossvel. Lutara intensamente para alcanar sua posioe, da mesma forma, devia brigar muito para conservla. Nunca devia abrir mo de suainfluncia sobre o rei; ningum poderia saber mais do que ela, como muitos, vidos, quequeriam tirar o que agora era dela.

    Chegara meia hora antes de Versalhes, para ter certeza de que tudo estava pronto para avisita do rei. Felizmente, Bellevue no ficava longe de Versalhes. Infelizmente, no era longe deParis. Assim, as pessoas da capital poderiam viajar com conforto para conhecer a maisrecente extravagncia da amante do rei.

    Pompadour olhou o belo relgio e viu a hora. Dentro de pouqussimo tempo, o rei estariacom ela.

    Foi dar um passeio nos jardins, pois o entardecer estava convidativo. No havia agitaode vento, e o silncio e o calor moderado davam ao local uma atmosfera de eternidade. Vaiser assim, pensava ela, muito depois de eu ir. As pessoas viro a Bellevue e diro "Essa acasa que o rei construiu para madame de Pompadour". Vo pensar nela, a mulher maisfamosa de seu tempo, pouco imaginando toda a histria.

    Alexandrine gritou para a menininha que, na companhiade um menino poucos anos mais velho que ela, prestava ateno em um peixinho dourado

    em um dos lagunhos.A filha veio correndo at ela. Como a pequena Alexandrine era desajeitada! Porm tinha

    apenas sete anos, e havia tempo para mudar; de qualquer forma, nunca seria uma belezacomo a me era.

    Talvez, pensou a marquesa, ela v encontrar satisfao em vez de adulao, paz em vez

  • da incessante necessidade de sobressairse. Ah, minha filhaprosseguiu a marquesa, beijando de leve a filha na face. Est

    cuidando do seu convidado? Oh, sim, maman; ele acha que os jardins aqui so timos para brincar de esconder. No corra demais, querida aconselhou a marquesa, ansiosa.Ver a filha, sua nica filha, sempre provocava nela uma ternura muito forte. Como agora

    desejava que o pai da menina tivesse sido Lus em vez de Charles Guillaume Lenormantd'Etioles. Nesse caso, sentirseia muito mais vontade com relao ao futuro da menina.

    Os jardins h muito no pareciam to tranquilos; cada vez mais tinha conscincia deprecisar ter um lugar seu, para lutar contra o mal que a forava todos os dias a reparar.

    Maman, sua majestade vem hoje? Sim, querida. Mas, quando ele chegar, voc deve continuar a fazer as honras da casa

    ao seu convidado e no se aproximar de ns, a no ser que eu a chame. Sim, maman. Agora, v e brinque com ele. Preciso'ir ao chteau. Sua majestade deve chegar agora, a

    qualquer momento.Alexandrine voltou, correndo ao menino, que estivera a olhlas com grande interesse. A

    marquesa imaginou o dissemedisse que ele ouvira sobre ela. Sem dvida alguma, haviamlhe dito que devia fazer tudo o que pudesse para agradla.

    Madame du Hausset chegava aos jardins, para chamla. A carruagem vai estar aqui dentro de alguns minutos, madame. J a ouvi no Caminho.Ela, agora, precisava arrumarse; no havia sinal de ansiedade. Em Bellevue, ele devia

    sentir que poderia pr de lado toda a formalidade; que aqui podia ser apenas Lus de Bourbon,e, da mesma forma, tornarse rei, se assim o desejasse.

    Ela esperava, sorrindo, as mos estendidas, porque sentia que no precisava deformalidades. Percebia que ele tivera uma manh triste e imaginava que a causa eram suasfilhas estpidas. Portanto, no queria falar nelas durante as poucas horas em que ficasse emBellevue. Algumas pessoas procurariam tirar proveito dessa irritao para com elas; mas amarquesa, no. Queria que ele sentisse que, em Bellevue, longe da corte, ele poderia acalmarse totalmente; nessa tarde, a marquesa no seria a amante, mas a amiga que nunca deixade distrair e entreter.

    Querida balbuciou o rei, beijandolhe a mo , como Bellevue delicioso. Como hpaz nessa casa. No se sente encantada com o seu chteau!

    Agora, mais do que nunca, pois d a vossa majestade tudo o que procura.O rei continuava a segurarlhe a mo. Eu ficaria aqui por uma semana. Infelizmente, preciso voltar a Versalhes hoje mesmo. Vossa majestade gostaria de tomar ch ou caf? Ou prefere vinho? Peo a Hausset

    para preparar, ou gostaria de preparlo? Ou preparamos juntos? Eu mesmo vou preparar o caf respondeu o rei. Madame du Hausset j aparecera

    para perguntar o que a patroa desejava. Fez uma reverncia, e o rei ordenou: Levantese,minha cara. Escapamos de cerimnia, essa tarde. Agora vou mostrarlhe como se faz caf.Venha, veja e prove minha bebida.

    Com um gesto encantador, pegou os braos de ambas as mulheres. Madame du Haussetficou ligeiramente ruborizada e uma expresso de intensa felicidade lhe passou pelo rosto. Noera s porque ela estava acabrunhada com o que viu no rosto do rei, mas porque sabia que

  • essa tarde no seria to exaustiva para a sua patroa. com certeza encantador, sire atalhou ela. No respondeu o rei , voc a melhor amiga de minha melhor amiga. Para mim,

    isso basta. Preciso dizerlhe o que a marquesa me disse outro dia? "Tenho o mximo deconfiana na querida Hausset. Vejoa como um gato ou um co, e muitas vezes comportomecomo se no estivesse ali. No entanto, sei que, se lhe acenasse, ela imediatamente viria ficardo meu lado para descobrir o que necessito."

    O rei repete o que falei palavra por palavra atalhou a marquesa, sorrindo para Lus epara madame du Hausset.

    A marquesa acrescentou madame du Hausset, emocionada minha melhor amiga. O rei compartilha desse afeto murmurou Lus. Resolveu que, quando voltasse a

    Versalhes, providenciaria para madame du Hausset receber quatro mil francos, como sinal desua amizade, e tambm um presente no AnoNovo.

    Mostre a sua majestade o presente que lhe dei pediulhe a marquesa, ao ler asintenes do rei.

    Uma delicada caixa de rap, sire completou madame du Hausset. E o que a deixou ainda mais orgulhosa, Lus acrescentou a marquesa , foi a pintura

    na tampa da caixa. E o que era a pintura? Um retrato de vossa majestade respondeu madame du Hausset. claro acrescentou a marquesa, afvel.Haviam chegado s cozinhas, e as criadas, fazendo mesuras, desapareceram. Sabiam do

    interesse do rei nas cozinhas e imaginavam que ele iria preparar o caf.Aps beberem o caf e madame du Hausset deixlos, ambos estudaram planos para o

    Hermitage, uma vivenda, que queriam construir em Fontainebleau. Haviam construdo uma hpouco em Versalhes, mas a marquesa achou que seria excelente ideia acrescentar a essenovo Hermitage um local para criar galinhas e outro

    para vacas.O rei ficou contente com a ideia e lhe disse que pensava em designar um local para os

    criados aqui em Bellevue, como tinham em Crcy.A marquesa se sentia feliz porque, ao mostrarse absorvido em suas questes, o rei se

    revelava cordial com ela, como sempre fora.Depois disso, caminharam pelos jardins, quando ele manifestou o desejo de ver uma nova

    esttua que fora erguida desde sua ltima visita.A marquesa, ao entardecer, sentiase calma e feliz. Agora no tinha dvida: mantinha o

    rei em suas mos, pois as horas agradveis que haviam passado juntos, essa tarde,significavam mais para ele do que uma rpida satisfao sexual. Isso ele poderia encontrar emprofuso; mas onde, em seu reino, poderia achar uma amiga, uma companhia que sedevotasse aos interesses dele, to submissamente, como fazia a marquesa de Pompadour?

    Sentiase inebriada com a atmosfera morna e perfumada e com um sentimento derealizao. Nessa tarde, resolveu que Alexandrine ficaria noiva do menino convidado a brincarcom ela. Tinha certeza de que tal noivado iria assegurar o futuro de Alexandrine, porque omenino era nada menos que filho do rei com madame de Vintimille, por quem, diziase, Lussentira mais afeto do que por qualquer outra mulher.

    A marquesa sentia enorme inveja da duquesa de Vintimille, que entrara tempestuosamente

  • na vida do rei, dominarao e morrera antes que um mnimo de poder perdesse o brilho.Mesmo agora Lus falava dela com alguma emoo. Era mais fcil reinar suprema durante

    um curto perodo a tentar manter uma posio por muitos anos. Ser que madame deVintimille, se no tivesse morrido de parto, teria sido to bemsucedida como a marquesa?

    Passeavam pelos terraos quando viram as crianas. Obedecendo instrues, nemAlexandrine nem seu companheiro pareciam vlos.

    A marquesa tinha certeza de que o rei contemplava o menino. Essa ternura era pelacriana ou por sua me morta?

    Acho que os dois no perceberam estar na presena da realeza esclareceu ela, comuma risadinha. Tenho de avislos?

    Deixeos brincar respondeu Lus. No fazem um par encantador, o conde de Luc, pequeno e vistoso, e a minha

    Alexandrine, no to vistosa? So encantadores concordou o rei. Um est evidentemente interessado no outro. Tenho curiosidade de saber se vo continuar a vida inteira a no perceber que no

    esto na presena de outras pessoas? Espero que sim.O rei estava calado. A marquesa, ansiosa. Afinal de contas, esse momento era para

    preocuparse com o assunto? Estava a ponto de irritar o rei? Sinto ternura pelo jovem conde explicou ela. Seu aspecto me agrada.O rei no sorriu, e a marquesa no teve certeza se ele entendeu o que ela quis dizer. O

    filho ilegtimo do rei era surpreendentemente parecido com ele; tinha os mesmos olhos azulescuros, os cachos de cabelos castanhoavermelhados, Lus aos dez deveria parecersemuito com o jovem monsieure Vintimille, o conde de Luc.

    A marquesa continuou: muito parecido com o pai dele.O rei parou. As sobrancelhas se contraram. Protegiase da luz ou era desagrado? Ento,

    falou: O pai dele? perguntou. Ento, voc conheceu bem monsieurde Vintimille?Era como se um vento frio surgisse de sbito para estragar o sol quente nos jardins

    tranquilos. O medo perpassou pela marquesa. Ela irritara o rei. No iria aceitar o menino comofilho seu; no estava preparado para discutir a convenincia de um casamento entre ele eAlexandrine. Isto era um descrdito marquesa? Ser que a intimidade agradvel da tardefizera parte de uma trama para obriglo a prometer? Ela era uma exploradora como todosos outros? Ele errara ao pensar que a marquesa lhe oferecia amizade desinteressada?

    Eu o vi respondeu ela, suave. Sire, posso saber o que vossa majestade acha dojardim ingls que penso fazer aqui? Queria saber quem seria o melhor homem a se encarregarde tal operao?

    O semblante do rei se desanuviou. Foi apenas uma escurido momentnea num cuperfeito. Mas, embora a marquesa tentasse aquietar seu corao agitado, a qualquermomento poderia desabar uma tempestade.

    As pessoas devem ter cuidado ao escolher cada palavra, cada ao.O rei e seus amigos ntimos se preparavam para deixar Versalhes e ir para o chteau de

    Choisy. Lus estava pensativo, porque Choisy lhe trazia muitas lembranas. Pensava agora emmadame de Mailly, sua primeira amante, que o amara tanto. Pobre madame de Mailly, aindamorava em Paris acreditava ele que na rue St. Thomas du Louvre. Ele no perguntava; a

  • maneira como ela vivia era um assunto desagradvel para ele. Ouvira dizer que vivia emextrema pobreza e com dificuldade para conseguir comida para os criados.

    E outrora ele a amara. Fora a primeira de suas amantes e, no incio da paixo, acreditaraque a amaria at o fim da vida. Mas as irms dela, madame de Vintimille e madame deChteauroux, haviam suplantado madame de Mailly; era estranho que essas duas, sereshumanos to vigorosos, devessem ambas, agora, estar mortas, e a pobrezinha LouiseJuliede Mailly vivendo em pobreza religiosa na cidade de Paris, que ele tanto detestava.

    Foi para madame de Mailly que ele comprara o Chteau de hoisy uma residnciaencantadora, muito bem situada em posio abrigada, elevandose acima das margensarborizadas do rio Sena. Lembravase do prazer que tivera ao reconstrula. Agora, era umchteau digno do rei da Frana, com decoraes azuis e douradas e paredes espelhadas.

    Ali, poderia viver em relativo isolamento com suas amigas ntimas, a marquesa frente detodas. Poderiam caar durante o dia e jogar durante a noite. Tudo em Choisy era encantador;mesmo os criados ficavam muito bem com o ambiente todo em azul e dourado.

    O uniforme deles era azul com a mesma delicadeza azulceleste, predominante nasdecoraes do chteau. Ele prprio quisera a criadagem azul em Choisy, assim como quiseraa verde em Compigne.

    Ao pensar nos encantos do chteau, sentiase impaciente para ir embora. Estou pronto declarara ao duque de Richelieu, Primeiro Cavaleiro da Alcova.Richelieu se curvou e atalhou: A marquesa e a corte, sire, esto todas reunidas de prontido, porque sabem da

    impacincia de vossa majestade para chegar Choisy azulceleste. Ento, vamos. A Choisy murmurou o duque , o mais aprazvel dos chteaux de vossa majestade...

    construdo para refletir os nossos prazeres...Deu ao rei aquele olhar lascivo, onde se podia vislumbrar algo de insolncia. Ai de mim! continuou ele. A muitos de ns falta a mestria de vossa majestade.O rei sorriu, fraco, fingindo no ter ouvido a insinuao marquesa.Voltouse para o marqus de Gontaut e murmurou: Sua excelncia no deve sentir inveja de outros a que falta a idade. No se pode dizer

    que ele j teve o seu tempo?Richelieu (universalmente chamado, um tanto ironicamente, de sua excelncia, desde que

    voltara da embaixada em Viena) dirigiu o olhar para o teto e murmurou: Sire, no revelei autopiedade. No posso censurar a mim ou a meu destino por ter

    descoberto o segredo do prazer eterno, que no se transmite atravs de experincia, mas sebeneficia com ela.

    Tenho certeza de que voc compartilhar conosco do seu segredo. Com ningum mais, a no ser vossa majestade. Richelieu ps os lbios pertinho do

    ouvido do rei. Variedade segredou ele. Insisto em que no compartilhe com ningum esse segredo respondeu Lus. Meu moral perante a corte no seria pior do que j . Vamos em

    frente.Deixaram a alcova do rei e, quando entravam no OeildeBoeuf, o rei pisou numa folha

    de papel que estava bem no seu caminho.Parou para olhla. Richelieu parou para pegla. Olhoua e ficou em silncio. Ele teria

  • contorcido as feies, caso o rei no o tivesse agarrado.Vejo que se dirige a mim acrescentou Lus, dando uma olhadela nela.Algum criado louco deve ter colocado a respondeu o duque. Lus leu:"Lus de Bourbon, outrora voc era conhecido em Paris como Lus o BemAmado.

    Porque, antes, no conhecamos os seus vcios. Agora, vai a Choisy para ficar com seusamigos. Seu povo deseja que v para SaintDenis, para ficar com seus antepassados."

    Lus ficou parado por alguns segundos. Ento, pensava ele, havia algum no povo que oodiava muito! Era incrvel que, h pouqussimo tempo, aos seus olhos, ele nada pudesse fazerde errado. Pensou rapidamente em sua volta a Paris aps ter estado com o exrcito emFlandres; ainda podia ouvir o aplauso do povo soando aos seus ouvidos; conseguia ver osrostos sorridentes da turba, a adorao que demonstravam por seu rei vistoso. Eles entoculpavam as amantes por suas extravagncias; seus ministros, por sua poltica de estado.Agora, culpavam madame de Pompadour por tudo; mas tambm culpavam Lus.

    Foi a referncia ao tmulo de seus antepassados que imediatamente o deixou abatido.Desejavamno morto. Tinha medo da morte, medo de morrer de repente, antes que tivessetempo de arrependerse.

    Haviam estragado a permanncia dele em Choisy. Enquanto estava ali nesses aposentoscom espelhos delicadamente azuis e dourados, ele de vez em quando se lembrava de seusantepassados que outrora haviam vivido com tanto luxo quanto ele vivia agora, mas cujoscadveres estavam agora no tmulo em SaintDenis.

    Sua averso por Paris aumentou. Sentiase muito feliz por ter construdo um caminhopara contornar a cidade.

    Nunca entraria na capital a menos que fosse forado a isso. Havia dito que nunca, talveznum momento de constrangimento; mas acontecimentos como esse fortaleceram suadeterminao.

    Pegou a folha de papel. Vamos a Choisy bradou ele.

  • IV

    Os Aposentos da Marquesa

    Nos aposentos do delfim, no andar trreo do Palcio de Versalhes, os amigos se reuniam,de acordo com o costume.

    Podiase dizer que em Versalhes havia trs cortes: a do rei, a da rainha e a do delfim.O jovem Lus tinha 23 anos; e sua qualidade caracterstica era totalmente diferente da do

    pai. Em aparncia, ele era mais como a rainha. Faltavamlhe a boa aparncia e as maneirasdelicadas de Lus, era gorducho demais e fazia pouco exerccio; era extremamente devoto emais do que um pouco hipcrita.

    Por isso, sentia forte antipatia por madame de Pompadour, que, mesmo no tendo grandeinfluncia perante o rei, mesmo assim sentiria averso por ela. Era revoltante, pensava ele, verum relacionamento como esse, que existia entre seu pai e a mulher, acontecer toabertamente; e era escandaloso que ela, sem ter linhagem nobre, fosse quase um primeiroministro da Frana.

    Era natural que a mulher ficasse contra ele. Ele queria que os jesutas voltassem ao poder,pois acreditava que a Igreja deveria controlar o Estado. Ela se opunha a tal poltica, porque,numa corte em que a Igreja fosse superior, em pouco tempo se tornaria intolervel a posiode uma mulher como Pompadour.

    Ao observar seus convidados que, em tais ocasies, tratavamno como se fosse rei daFrana , o delfim sentia uma profunda indignao contra o pai. Esquecerase dos temposde sua infncia, quando o maior prazer que conseguia sentir era visitar o pai, afvel e elegante.O rei no sentia mais orgulho do filho. Na verdade, enxergava o delfim com olhos cnicos e oacusara de sonhar com o dia em que se tornaria rei, enquanto se sentava com um livro deteologia diante dele.

    Voc gosta que as pessoas pensem que l livros srios comentou o rei, sorrindo. Muito mais do que gosta de llos. Por que, meu filho, voc mais preguioso que eu?

    O comentrio era desconcertante, especialmente porque havia um elemento verdadeiro.Mas o delfim sabia o que queria. Desejava formar uma corte em que se praticasse o

    mximo de decoro. Em sua corte, pessoas tais como o devasso Richelieu no poderiam serimportantes como eram. Se os homens tivessem amantes, ningum deveria saber disso,embora o delfim deplorasse profundamente o fato de qualquer homem poder ter uma amante.

    Ele fora muito feliz com suas mulheres. Elas no haviam sidofisicamente atraentes, mas o que lhes faltava em beleza era compensado com devoo ao

    dever. Sentira amargamente a morte da primeira, MarieThrseRaphalle, que morrerade parto aps dois anos de casamento; mas Marie Josphe da Saxnia, sua atual mulher, erato virtuosa quanto a antecessora. Agora estava grvida, e ele desejava muito que, dessa vez,ela lhe desse um filho. O primeiro filho fora uma menina, mas tinha certeza de que, sendoambos muito conscientes de suas obrigaes para com o Estado, teriam muitos filhos.

    Quando suas irms, AnneHenriette e Adelaide, chegaram, o delfim e a mulher ascumprimentaram com o mximo de afeto. Haviam chegado concluso de que, se aaprovao da rainha pudesse ajudlos um pouco, as duas moas conseguiriam ser muitoimportantes para seus planos.

  • O rei tinha grande afeto pelas filhas, e o delfim gostaria de utilizlas como espis bemvindas ao outro campo.

    Carssima irm murmurou o delfim , rogolhe que se sente ao meu lado e meconte todas as novidades.

    Adelaide estava faladora, como sempre; AnneHenriette, calada. A ltima, comparadacom o delfim, parecia mais frgil que nunca. Era como se ela morresse de saudade por CarlosEduardo Stuart, que era louco por ela. Sim, pensava o delfim, a indiferena dela era vantagempara ele. Estava pronta para fazer e aprovar tudo o que lhe pedissem, porque no pareciapreocuparse com o que lhe acontecia.

    Em ambas as irms o delfim tinha duas aliadas, e por dois motivos totalmente diferentes; adesconfiana de AnneHenriette e o amor de Adelaide pela intriga eram igualmentevantajosos ao grupo do delfim. E era estranho que o grande amor do pai por elas lhe permitiafazlas oporse a ele. O fato era que as duas princesas, acima de tudo, tinham cimes dainfluncia de madame de Pompadour com seu amado pai.

    Maman Catin fica a cada dia mais doente explicou Adelaide, feliz. Tenho certezade que ela no poder viver muito tempo. Oh, que timo seria para a Frana e para o rei seela morresse! No consigo pensar por que muitos no querem... pois muita coisa boaaconteceria.

    O delfim ps uma mo no brao da irm. Voc ouviu demais. Cuidado com o que diz. Pouco me importa! gritou Adelaide. Digo o que penso. Se algo acontecer a ela, lembraro que voc disse tais palavras...Nosso pai nunca me culparia de qualquer coisa. Est ficando exaltada demais, Adelaide

    atalhou AnneHenriette, calma. J que necessita ter amantes, nosso pai precisa de uma nova todas as noites. Na

    manh seguinte, so decapitadas. Nosso pai precisa voltar a ser fiel rainha e viver com ela honradamente, como

    convm ao seu cargo respondeu o delfim, em tom de censura.AnneHenriette fez que sim com a cabea; e nesse momento trouxeram presena do

    delfim o cura de Saint tienneduMont e apresentaramno. O delfim o recebeu comagrado, pois esse homem, cnego de Sainte Genevive, j se tornara conhecido ao recusar aextremauno aos jansenistas. Corajoso, manifestava suas opinies ultramontanas eestivera beira de ter as funes suspensas, o que poderia ser o encarceramento ou a perdado cargo; mas havia homens poderosos da Igreja a defender seus pontos de vista, como ele,e o resultado da briga no seria certo de forma alguma. O arcebispo interviera, e o cura foralibertado. Tais homens aguardavam ansiosamente o dia em que o delfim se tornasse rei daFrana e eles tivessem o amparo da coroa.

    Bemvindo seja cumprimentou o delfim. um bravo, monsieur Bouettin. Nossopas dissoluto necessita de pessoas como voc. Sei que, se uma ocasio parecida aparecerlhe pela frente, vai agir to corajosamente como j o fez.

    Vossa majestade poderia contar comigorespondeu o cura. Permitame apresentlo a madame AnneHenriette e a madame Adelaide

    retrucou o delfim.As mulheres o acolheram, afveis; AnneHenriette ouvia calada o que ele tinha a falar;

    Adelaide, enrgica, afirmava seus pontos de vista.

  • O delfim no conseguia deixar de sentir uma pontinha de constrangimento ao ver as irms.A delfina espiava o marido, ansiosa, lendolhe os pensamentos. Segredou:

    Talvez fosse conveniente deixlas apenas ajudar a expulsar essa mulher da corte.O delfim segurou com firmeza o pulso da mulher, num gesto de afeio. Como sempre, voc fala ajuizadamente.Livrarmonos dela deveria ser nossa primeira tarefa continuou a delfina. Enquanto

    ela conservar seu lugar com a atual importncia, o grupo da Igreja vai ser til,O delfim ps o rosto bem prximo ao da esposa e segredou:Ela no poder conservar sua posio por muito tempo.Quem presta ateno me diz que ela escarra sangue, que h muitos momentos em que ela

    se sente totalmente exausta. Como uma mulher nesse estado pode continuar a satisfazer meupai?

    Mas, depois que ela se for, haver outras. Ele muito amoroso com minhas irms respondeu ele. Adora Adelaide mais que AnneHenriette, porque ela vive melanclica. Mas no vai haver uma... amante?O delfim cobriu os olhos. Ouvira boatos sobre o alegado relacionamento incestuoso do pai

    com as irms. Tais pensamentos eram chocantes demais para um homem de suas convicescogitar; ele, apesar de tudo, precisava estimular as irms a agradar o pai. Ele e o grupocontavam que as duas trabalhassem para eles, numa condio vantajosa.

    Concluiu, os lbios com expresso afetada: Eu desejaria que o rei se lembre de que tem uma rainha virtuosa e terna.A delfina fez que sim com a cabea. Concordava com o delfim em todos os assuntos.A marquesa se recostou na carruagem, enquanto ia pelo caminho de Versalhes a Paris.

    Sentiase descontrada e feliz porque acreditava ter pela frente algumas horas longe dodever.

    Ia visitar Alexandrine, que colocara no Convento da Assuno, onde recebia educao quea preparava para uma vida de nobre. Era agradvel fazer planos para Alexandrine, e amarquesa percebeu que devia filha algumas das horas mais felizes de sua vida.

    Assim sua me deveria ter se sentido. Ria, lembrandose dos planos de madamePoisson, que, nesse tempo, pareceram to irrefletidos e que, no entanto, todos tinham serealizado. Haviam ento considerado que ser a amante do rei era uma questo de aceitarhomenagens e reinar em momentos especiais.

    Mas me sinto feliz, pensou a marquesa. Apesar dessa existncia exaustiva, sou realmentefeliz.

    Paris agora ficava a apenas uma pequena distncia. Pompadour comeava a sentir umpouco de apreenso quando pensava na capital. Lus podia mostrar indiferena total por Paris;ela no podia. Lembravase dos tempos em que passava pelos Champs Elyses e as nicaspessoas que se viravam para contemplla faziam isso para admirarlhe a beleza. Depois,diziam: "Que mulher encantadora!" e sorriam, amveis. Agora, o povo de Paris dizia: " aPompadour!" e havia carrancas em vez de sorrisos.

    Queria estar livre para andar pelas ruas de Paris novamente despercebida, para descobrirpelo olfato os odores prprios, talvez para vagar ao longo da Rive Gache, passar pelasrunas romanas prximas da rue SaintJacques, subir a colina de SainteGenevive.

    Lembravase de antigamente no Hotel ds Gesvres, quando ali presidira ao seu salo e

  • recebera as inteligncias daquele momento. Ela, nesse tempo, no levara em consideraocada palavra que dissera; no sentira necessidade de vigiar cada ao sua.

    No, a pequena Alexandrine teria uma vida muito mais tranquila que a me. Seria bempreparada para poder apreciar a convivncia de inteligentes e savants como Voltaire e Diderot.Ela ainda nunca haveria de sentir essa apreenso, essa incerteza: o destino inevitvel daamante de um rei.

    Antes de ir para o Convento da Assuno, ela combinara jantar na rue de Richelieu com omarqus de Gontaut.

    Agora aproximavase da cidade; e agora conseguia ver a Notre Dame, os telhados doLouvre, os torrees da Conciergerie e as flechas das torres de vrias igrejas.

    Sentiu um ligeiro tremor de emoo ao contemplar essa cidade muito amada, onde ela e ame haviam passado vrios anos felizes, sonhando com o futuro glorioso. Parecia estranhoque agora, realizadas as honras, ela sentisse essa saudade dos velhos tempos.

    As ruas pareciam estar mais apinhadas que de hbito, e a carruagem precisava rodarvagarosa. Estranhava por que tantas pessoas estavam na rua. Era uma ocasio especial? Erauma segundafeira, dia em que no havia execues na Place de Greve, mas a Feira doEsprito Santo se realizava naquele lugar horroroso. Havia grande agitao enquanto asmulheres experimentavam as roupas de segunda mo, motivo da feira. Sempre havia muitobarulho e linguagem de baixo calo, pois as mulheres precisavam experimentar em pblico asroupas j usadas. Mas esse acontecimento semanal no poderia ser a razo de tanta gentenas ruas.

    Talvez monsieur de Gontaut pudesse explicar durante o jantar.A carruagem agora estava quase na parada. Quando uma mulher olhou pela janela para

    dentro do veculo, madame de Pompadour viu uma expresso de reconhecimento. A Pompadour! gritou a mulher.E todos na rua gritaram.Pompadour se recostou de encontro ao estofo rosado. No houve necessidade de dizer ao

    cocheiro para pr a carruagem em movimento o mais rpido possvel. Ele tambm perceberaque havia agitao nas ruas. No queria aborrecimento.

    Como era lamentvel que quando o povo de Paris gritava seu nome era com dio, jamaiscom afeto.

    Sentiuse calma ao chegar rue de Richelieu e ao ver que o marqus de Gontautesperava por ela.

    Hoje h muita agitao nas ruas informou a marquesa. O que aconteceu?Enquanto ia para sua casa, o marqus de Gontaut esclareceu: Madame de Mailly morreu; esto reunidos do lado de fora de sua casa, na rue St.

    Thomas du Louvre, o dia inteiro. Esto dizendo que ela era uma santa! Madame de Mailly, a primeira amante de Lus... uma santa! O povo precisa ter santos, tanto quanto bodes expiatrios. Dizem que, quando vivia com

    o rei, ela o animava a boas aes, e que desde que foi repudiada pelo rei, dedicouse aospobres.

    A marquesa riu, alegremente. Pergunto a mim mesma se quando eu morrer o povo vai ser to generoso comigo. Suplicolhe, madame, que no nos permita pensar em assunto to melanclico. Vamos

  • beber alguma coisa antes de jantar? Seria agradvel, mas no devemos nos demorar, porque minha pequena Alexandrine

    espera por mim no convento.O marqus levou a convidada a um pequeno salo e deu ordens para que trouxessem

    vinho. A menina que o trouxe era jovem no tinha mais que quatorze anos e muito atraente.Os olhos da menina se arregalaram de surpresa ao verem a marquesa, que lhe deu um

    sorriso tanto encantador quanto humilde.Quando a menina se foi, madame de Pompadour concluiu: Uma menina atraente... a sua criada. Sim, ela ainda uma menina inocente. No vai demorar muito e vai arranjar um amante.

    Isso inevitvel. Porque muito atraente? Sim. E ela vai aceitar, no duvido. H nela um certo ar de sensualidade concordou a marquesa. Bem, ela jovem e

    saudvel... e devese esperar isso. Mas me conte as suas novidades, monsieurde Gontaut.Ele ia comear a falar, quando um criado entrou correndo no aposento. A marquesa olhou,

    atnita, a intromisso. Monsieur l Marquis... comeou o criado. Dirigiuse marquesa e curvouse.

    Senhora... peolhe que perdoe essa intromisso, mas a alia atrs da casa est seenchendo rapidamente de populacho, e todos gritam que vo pr abaixo as portas e forar aentrada.

    O marqus ficou plido e foi direto: Madame, saia daqui imediatamente de carruagem, enquanto ainda tempo. Mas minha filha... melhor que ela veja a me dela outro dia do que nunca mais sussurrou o marqus,

    assustador. Mas voc pensa... Madame, conheo o populacho.O marqus a segurava firmemente pelo brao. Fez um sinal ao criado. Veja se esto perto da carruagem de madame.O criado saiu dali para obedecer. Voltou um ou dois segundos depois. No, senhor, at agora h poucas pessoas na rua. Ento, o marqus apressou a

    convidada a ir at a carruagem. Chicoteie os cavalos instruiu ao cocheiro. E... volte a Versalhes a toda velocidade.Enquanto rodavam pelas ruas, a marquesa ouviu seu nome berrado quando reconheciam a

    carruagem. Sentada rgida, no olhava nem para a direita nem para a esquerda, perguntandoa si mesma se alguns agitadores ousados iriam atacar a carruagem e deterlhe o avano. Eo que aconteceria? O que fariam mulher que odiavam to rancorosamente?

    Por que me odeiam tanto?, perguntava a si mesma.Haviam lido os versos chulos que foram produzidos sobre ela aquelas poissonades, como haviam chamado; cantavam canes sobre ela; censuravam

    na pela fraqueza e excesso do rei.Pompadour tinha muitos inimigos. Sabia que nos aposentos do delfim tramavamse

    intrigas contra ela. A rainha naturalmente no gostava dela. As princesas a consideravam rivalno afeto do pai. Richelieu e seus amigos esperavam por alguma oportunidade que pudessem

  • utilizar para provocar a sua derrubada.Quando ela e a me lhe planejaram um futuro glorioso, no haviam levado em conta tais

    inimigos.Sentiase exausta; e era quando ela sentia que tais acessos de tosse, que estavam se

    tornando cada vez mais aflitivos, poderiam acontecer.Isso lhe lembrava que de todos os inimigos a m sade era o pior.Como sentiase mais calma ao deixar para trs a cidade; agora, os cavalos galopavam

    ao longo do Caminho; agora, conseguia avistar frente o grande chteau cor de mel.Sabia que, de sbito, o tempo comeara a agir, violento. H muito protelava tomar essa

    deciso, no s porque era perigosa, mas porque era repugnante.No entanto, nesse momento, tinha certeza de que era inevitvel saber tomla.Pensava agora na jovem amadurecidaapesar de inocente, mas por quanto tempo?

    que a servira na casa do marqus de Gontaut.Lus estava dominado pelo remorso. Era isto que a marquesa mais temia, pois era quando

    o arrependimento e a nsia de levar uma vida virtuosa alcanavam homens como Lus e quemulheres como ela podiam ser consideradas no s generosas, mas uma ameaa salvaodeles.

    Se o seu plano desse certo, ela pouco teria a temer no futuro. Mas o plano pareciaousado. Poderia dar certo? Se o discutisse com suas amigas, elas a chamariam louca.

    Sua querida amiga madame du Hausset estava muito amolada. Era a nica com quem seatrevia a falar do seu plano.

    Hausset abanou a cabea.Eu no tentaria, madame. Oh, no, eu no tentaria.Se eu no fosse corajosa, no estaria onde estou hoje respondeu a marquesa.E esta noite o plano tinha que ser posto em ao. Se falhasse, como ficaria o

    relacionamento entre ela e o rei?Mas no deveria fracassar. Precisava apenas ser executado com cuidado, e que ela e

    Lus o aceitasse.Madame du Hausset estava ali, plida e tensa, pensando quanto tempo demoraria at que

    sassem para sempre da corte. A marquesa sorria, ao ver a companheira. preciso fazer alguma coisa afirmou ela. Sabe que a questo no pode continuar

    como est. Voc mesma me disse que estou me matando. Mas isto... Isto, cara Hausset, a nica forma. Sei disso. Se no fosse, fique certa de que eu no

    o aceitaria. Mas, grande dama, perguntome qual vai ser a sua posio! Uma grande ama pensou alto a marquesa. O resultado desse assunto pode bem

    decidir minha grandeza. At agora fiz pouco, apenas me elevei a uma posio invejada e divertio rei.

    Madame du Hausset indagou: Como est o rei? A marquesa riu, triste. Est profundamente arrependido do que fez com LouiseJulie de Mailly. A santa de Paris! sussurrou madame du Hausset, cnica. Oh, ela foi boa para os pobres. Visitavaos e costurava para eles... e tinha quase nada

    de seu.

  • Quando contava com o apoio do rei, ela no os visitava nem costurava para eles, no verdade?

    Minha querida Hausset, como sabe, entreter o rei d pouqussimo tempo a uma mulherpara algo mais. No parea to desanimada, suplicolhe. Deixeme contarlhe isto: quandotinha nove anos, uma cartomante me disse que eu seria amante do rei. Isso se tornourealidade. C entre ns, s vezes penso que minha me e eu fizemos isso acontecer. Agora,vou lhe contar mais alguma coisa: eu, a melhor amiga do rei, vou morrer. Estou to certa dissocomo sabia que seria a amante dele. E, oh, Hausset, eu seria muito mais feliz se em vez deser amante fosse sua melhor amiga. Seria a sua confidente, a amiga a quem ele procurassepara tratar de tudo... assuntos de estado, escndalos, projetos de construo... tudo. Preferiaser assim com o rei, Hausset. E, noite, iria para o meu apartamento aqui em Versalhes edormiria e dormiria, para estar nova em folha na manh seguinte para entreter o rei. Madamedu Hausset balanou a cabea.

    Haveria quem providenciaria os divertimentos noturnos e satisfaria os desejos. Estejacerta de que o primeiro desses desejos seria excluir voc da corte. Madame de Chteauroux,que parecia segura do afeto dele, no exigiu que madame de Mailly fosse repudiada, mesmosendo ela a prpria irm?

    Hausset, no h necessidade de seguir os passos do antecessor. Percorremsecaminhos no trilhados. a que est o sucesso.

    A marquesa riu, mas madame du Hausset percebeu no riso uma ponta de nervosismo. Meus inimigos esto todos por a. Meu acolhimento em Paris... a que se deve? s

    poissonades. E quem escreve as poissonades? Dizamos que era o conde de Maurepas, at que voc o dispensasse da corte. Ele ainda as escreve, esteja certa. Pode fazer isso facilmente, do exlio, em Bourges,

    como poderia em Versalhes. Outras pessoas sem dvida tambm poderiam escrevlas. Osque fazem parte do grupo do delfim so meus inimigos. Espalham histrias sobre mim pelasruas. O plano deles me expulsar da corte.

    Se voc chamasse a ateno do rei para essas reunies nos aposentos do delfim... Eu simplesmente iria irritar Lus. Ele sabe das reunies. Est irado porque o delfim e ele

    no so mais bons amigos. No meu dever lembrar ao rei o que ele deseja esquecer. Essaluta minha... s minha, Hausset; e devo travla sozinha.

    E o grupo da Igreja est contra voc! O grupo da Igreja o grupo do delfim, e s vezes essas coisas... Ano Santo, com o

    jesuta pre Griffet pregando seus sermes em Versalhes... me deixam apreensiva. A decisode Paris de praticamente canonizar madame de Mailly no me torna a vida mais fcil. No vque tudo faz parte de uma conspirao contra mim? Querem fazer com que Lus searrependa, para obriglo a repensar a vida... e meu papel nela... e ver esse meu papelcomo um pecado mortal em sua vida. Querem levlo a um tal estado de arrependimento queno ter alternativa seno expulsarme da corte.

    Expulsar voc! Ele no poderia fazer isso. A quem ele recorre quando est cansado eentediado? A voc... sempre voc.

    No entanto, ele expulsou madame de Chteauroux quando estava em Metz. Porque pensava estar morrendo e precisava de arrependimento. A vida de amante do rei cheia de riscos, cara Hausset. No entanto, a vida da maior

    amiga e confidente do rei, que no era sua amante, poderia, acredito, ser muito agradvel.

  • Isso me apavora sussurrou madame du Hausset. E, agora, voltamos ao ponto de onde comeamos. E sua majestade est com os seus inimigos; dizerlhe que madame de Mailly era uma

    santa, que ele deveria estar arrependido. Que, embora sua alma se purificasse com anos dedevoo, a dele ficou conspurcada com os pecados recentemente cometidos.

    Pobre Lus, vo fazlo mais melanclico. Vo levlo ao arrependimento. possvel que a melancolia dele seja to grande que ele esteja pronto a utilizar

    quaisquer meios para fazla desaparecer. Se isso acontecer, vamos ouvilo subir asescadas para o meu apartamento.

    E voc vai consollo. Eu e a outra. Preparoua?Madame du Hausset respondeu que sim com a cabea. Que tal ela? Esperta. E atraente... muito atraente? Parece ser o que : uma prostituta subserviente. Madame de Pompadour riu. Minha querida Hausset, isso exatamente como eu a consideraria. Acredito que eu

    esteja certa. Oua! Ouve passos nas escadas? Ele est chegando gritou madame du Hausset; e um sorriso iluminoulhe o rosto.

    Faa o que puder sussurrou ela. Nunca o afastariam de voc. Planejei para que ficssemos a ss explicoulhe ela, sorrindo com meiguice.

    Adivinho o seu nimo. Claro que Hausset est em sua pequena alcova.Lus concordou com a cabea. No consigo esquecer LouiseJulie confessou ele. As lembranas dela sempre

    me assaltam. Vivia naquele lugarzinho pobre, e soube que no tinha o suficiente para alimentaradequadamente as criadas.

    Ela, sem dvida, era feliz. Feliz, desse jeito? Era uma santa, ouvimos dizer. Os santos so felizes. No querem bens materiais.

    Querem apenas mortificar a carne e ser teis aos outros. Ela era mais feliz que voc agora;portanto, no se censure.

    O rei fitou madame de Pompadour e sorriu. Voc sempre foi quem me consolou. Pompadour lhe pegou a mo e beijoua. Eu nada lhe pediria de mais a no ser que continuasse assim pelo resto de minha vida. Minha querida, no significativo que eu, nessa depresso, venha ver voc, e, depois

    que estou aqui, nem que seja por alguns minutos, sinta meu nimo melhorar? Que seja sempre assim. Vai fazer alguma coisa para me agradar? Preparei uma

    pequena ceia... para ns dois, apenas. Vamos comer bourgeoises hoje noite, se quiser. E,enquanto comemos, quero que esquea madame de Mailly, mas s depois que voc reafirmenada haver a censurarse. Voc a fez feliz enquanto viveram juntos; e, depois disso, elapassou a levar uma vida exemplar. Que mulher feliz ela foi! Viveu uma das vidas mais felizes.

    No posso esquecer o modo como ela me olhava quando a mandei embora da corte. Ela deve ter percebido. Foi a irm dela, madame de Chateauroux, quem a mandou

    embora... no voc.

  • Fui eu quem lhe deu a notcia. Ela me olhava com angstia nos olhos e, depois, desviouo olhar, porque sabia que sua mgoa me faria sofrer.

    Vamos, vou servir o jantar que nos trouxeram. Tenho uma criada nova... a pessoa maisencantadora que j vi. Estou impaciente por saber a sua opinio sobre ela.

    Minha opinio? Ela riu. engraado, no ? O rei da Frana dar sua opinio sobre uma simples criada? Mas...

    ela inocente, no momento, embora eu veja nessa menina uma devassa.Ela se levantou e chamou madame du Hausset. Sua majestade vai jantar comigo. Vamos ficar a ss. Est tudo pronto? Sim, madame. Ento vossa majestade vai sentarse? Arrumei tudo numa das antecmaras. L, ficar

    mais aconchegante, acho. Voc tem uma surpresa para mim atalhou o rei. Minha cara marquesa, muito

    agradvel que tente distrairme. Essa pequena diverso vai ao encontro das necessidades de vossa majestade esta

    noite. No diverso grande. Alm disso, tivesse eu planejado uma mascarada ou uma pea,pre Griffet se zangaria comigo mais do que nunca.

    Ele com certeza nos provocou uma atmosfera de tristeza... mas talvez precisemos dela.A marquesa fez um sinal a madame du Hausset, e a criadinha apareceu.A marquesa observava com ateno e viu o interesse instantneo no rosto do rei. Ela sabia

    que essa menina, mistura especial de inocncia e sensualidade, lhe animaria o rosto. Foraescolhida com critrio. At agora, seu plano poderia ter xito, mas precisava agir com amxima cautela. Madame de Pompadour precisava manter a dignidade. No deveria mostrarse como alcoviteira do rei. S podia realizar coisas graciosas, com a mxima delicadeza.

    A menina no mostrava temer o rei. Curvavase por sobre ele enquanto o servia; tinha umsorriso inocente embora sensual. Lus lhe acariciou o brao, e a marquesa percebeu que suasmos deixavamse ficar na mocinha.

    Quando ela se foi, a marquesa esclareceu: Deve perdola. No sabe quem voc . Nunca esteve antes em Versalhes. Vou lhe

    pedir um favor. Concedido aprovou ele. Concede o favor antes de ouvir o que ? Minha vontade serlhe agradvel. Espero sinceramente que esteja ao meu alcance

    concederlhe esse favor.Quero sair desses aposentos.O rei ficou surpreso. Ambos haviam planejado juntos a decorao; era um conjunto

    encantador de aposentos, dignos da amante do rei.H aposentos no andar trreo da ala norte...Os olhos dele pareciam brilhar quando encontraram os dela. Conhecia os aposentos a que

    ela se referia. Madame de Montespan os ocupara quando deixara de ser a favorita do seubisav Lus XIV.

    Lembravase de que seu bisav dera esse apartamento a madame de Montespan quandose casara com madame de Maintenon.

    Os olhos da marquesa lhe imploravam; eram sagazes, calmos e muito carinhosos.Como gostava que ela se comportasse com semelhante delicadeza! Compreendia

  • perfeitamente.Ela renunciava ao seu lugar como amante, porque sabia que no poderia satisfazlo. Ela

    queria dedicar seus dias ao bemestar dele e suas noites ao descanso que almejavadesesperadamente.

    De fato, ela era uma mulher maravilhosato maravilhosa que transformava em virtudes assuas deficincias.

    Lus estava alvoroado. A criadinha atraente no sabia que ele era rei. Poderia serdispensada do palcio com um presente talvez maior do que conseguiria durante toda a vida.Tudo seria discreto e calmo; confiava na marquesa para conciliar isso.

    Que situao! Quem seno a marquesa poderia ter invocado algo no to necessrio paraambos e traar negcios de estado de modo to notvel e divertido?

    S esse pequeno plano de madame de Pompadour poderia tirlo mais rpido desse estadode melancolia constante.

    Ele pegoulhe a mo e beijoua. Os olhos de Lus brilhavam de alegria. Minha amiga querida, to querida declarou ele. Nunca tive uma amiga como voc.

    Permanea assim, peolhe, enquanto temos vida em nossos corpos.A marquesa riu, alegre.Tomara a primeira providncia. Ela agora comeara um novo modo de viver. Diante dela

    havia noites de magnfico descanso e paz. A marquesa se levantaria refeita, cheia de vigor,pronta para ser a boa amiga do rei, pronta para ajudlo em assuntos de estado, pronta paraplanejar o prazer de Lus.

  • VMadame Seconde

    Havia no palcio todo aquele alvoroo que se seguia a um nascimento real. Era uma grandeocasio, pois a delfina parira e, dessa vez, no desapontara todos aqueles que desejavam ummenino; no 12 dia de setembro do ano de 1751, nasceu o pequeno duque de Borgonha.

    O delfim e seus amigos estavam encantados. Assim estavam o rei e a rainha. MariaLeczinska havia tratado sua nora muito friamente logo que chegara Frana, porque MarieJosphe era filha do homem que tomara de Estanislau o trono da Polnia. No entanto, o jeitomeigo da delfina, sua lealdade e determinao em ganhar o afeto da famlia real francesahaviam conquistado com rapidez as prevenes da rainha.

    O rei tambm era carinhoso com ela. Achavaa inteligente e, embora no fosse de formaalguma uma mulher atraente os dentes eram muito ruins e o nariz tinha forma feia , ocorpo tinha formas atraentes; a pele era luminosa e, ao tornarse animada, o que aconteciafrequentemente na companhia do rei, era bastante encantadora.

    Seu sentimento de dever era muito forte; assim, aps ter tido uma menina e um aborto, elabebera as guas de Forges porque acreditava que elas lhe trouxessem fertilidade; desejavamuito dar luz um menino.

    Agora conseguira e o povo se regozijava em toda a Frana.Todos vinham admirar o novo beb que prometia ser saudvel e cheio de vitalidade.O delfim declarava ser o pai mais orgulhoso da Frana e insistia em levar ele prprio o

    beb de um lado para o outro do apartamento, enquanto MarieJosphe observava a cenacom orgulho e afeto; sempre tinha o desejo de agradar o marido e, numa ocasio dessas,achava que obtivera muito bom xito.

    A marquesa veio homenagear o beb. Estava ansiosa para que o delfim e a delfinasoubessem que, apesar de a caluniarem, no lhes tinha m vontade.

    Ora essa disse alto , ele tem os olhos do av.Era verdade. O pequeno duque de Borgonha observavaa tranquilo, os olhos de cor azul

    escura.O delfim no podia admitir ver o filho nos braos da marquesa, e ele prprio o tirou dela. A

    marquesa, sorrindo, o soltou, no dando sinal de sentirse ofendida com sua rudeza.Como de costume, estava determinada, se possvel, a conquistar os inimigos com sorrisos

    em vez de ameaas, colocarse do lado deles em vez de ficar do lado oposto. Tinhaconscincia de que uma mulher em sua posio precisava de amigos em todos os lugares eacreditava que, ao ignorar hostilidade, poderia muitas vezes acabar com ela.

    Aps tirar a criana da marquesa, o delfim saiu do apartamento de sua mulher e foi para ode sua me.

    S de pensar na ligao de meu pai com essa mulher sinto nuseas afirmou ele. Ela se comporta como se fosse a rainha. Foi afvel com meu filho! Essa mulher de baixalinhagem... sem bero... pegar meu filho, o herdeiro do trono da Frana, e criticar a aparnciadele! Est alm do que posso tolerar.

    Meu filho respondeu a rainha, agasalhando o xale maisapertado por sobre os ombros , pensa que vejo com agrado a ascenso dela? Devemos

  • aceitar tais humilhaes. Devemos nos resignar e carregar esses fardos... para a glria deDeus.

    Se eu fosse rei, puniria mulheres como essa. Faz mal em zangarse com ela; desagrada o seu pai. A nica forma de lidar com uma

    situao dessas recusarse a falarlhe. o que fao. Sabe, meu pai combinou para que, ontem, ela viajasse na minha

    carruagem. Nem a delfina nem eu lhe dirigimos a palavra. Ser tratada como se no estivesse ali muito pior que ser ofendida afirmou a rainha.

    Agora, digame que festividades voc e a delfina esto organizando para comemorar onascimento.

    Como sabe, vai haver um servio de ao de graas em Notre Dame. O povo vai querer procisses, danas nas ruas, vinho em profuso. No vo ter isso. O povo agora est sofrendo com esbanjamento demais. Proponho que

    dem um dote a seiscentas meninas que sero selecionadas por suas virtudes.A rainha sorriu. Esse seu filho era um homem que lhe herdara a sensibilidade. Um dia afirmou ela o povo da Frana vai exultar ao chamar voc de rei.O delfim baixou as plpebras sobre os olhos: no queria que sua me visse neles o brilho

    de esperana; no queria aceitarse como tal.Acreditava que o povo de Paris desejava ardentemente esse dia, quando todos gritariam:

    "L Ri est mort. Vive l Ri!"No admitia para si prprio que desejava isso ardentemente; porenquanto davalhe a impresso de que se fortalecesse o grupo da Igreja, fazendo a corterepudiar mulheres como Pompadour, a Frana seria um pas mais feliz.

    A procisso real se encaminhava para a Notre Dame. Eis uma das ocasies em que Lustinha que entrar em sua cidade de Paris.

    O povo o olhava carrancudo. Desejava que ele soubesse que todos ficavam contentes emtlo em Paris apenas quando era preciso.

    Com suavidade, encontrou o olhar daqueles que examinavam o interior da carruagem.Havia no rei uma dignidade que exigia respeito,