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Israel Cinco décadas de pilhagem e limpeza étnica "Foi para uma terra sem povo que lentamente, no final do século passa- do, começou a se encaminhar um povo sem terra". 1 Essa história, que desde a fundação de Israel em 1948 vem sendo martelada na cabeça dos povos do mundo inteiro, começa a ruir. E já não mais apenas por obra dos marxistas revolucionários, mas dos próprios israelenses. Tom Segev, um dos mais destacados historiadores de Israel da atualidade, entrevistado re- centemente pelo jornal Fo- lha de S.Paulo 2 , demonstra essa falácia . Autor do livro 1949- Os primeiros israelen- ses, Segev se baseia no diá- rio do pai-fundador de Isra- el, David Ben Gurion, no qual ele descreve sua políti- ca para forçar a saída dos ára- bes do recém-criado país. O livro, antes repudiado por mostrar que a versão oficial, em voga até então, era fantasiosa e que os árabes não deixaram Israel por von- tade própria, mas foram ex- pulsos com requintes de cru- eldade, já está inclusive sen- do adotado nas escolas. Cecília Toledo Jornalista c militante do PSTU Esse "reconhecimento" por parte da história oficial é um tanto quanto tardio se levamos em conta que ou- tros autores, em especial os marxis- tas, já haviam, exaustivamente, con- tado a história real do sionismo e des- mascarado uma das mais monumen- tais falsificações históricas já feitas até hoje. Entre esses historiadores mar- xistas destacam-se o militante revo- lucionário Abraham Leon, morto nas câmaras de gás de Auschwitz aos 26 Palestina desesperada no campo de Jenin 10

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Israel

Cinco décadas depilhagem e limpeza étnica

"Foi para uma terra sem povo quelentamente, no final do século passa-do, começou a se encaminhar umpovo sem terra".1 Essa história, quedesde a fundação de Israel em 1948vem sendo martelada na cabeça dospovos do mundo inteiro, começa aruir. E já não mais apenas por obrados marxistas revolucionários, mas dospróprios israelenses. Tom Segev, umdos mais destacados historiadores deIsrael da atualidade, entrevistado re-centemente pelo jornal Fo-lha de S.Paulo2, demonstraessa falácia . Autor do livro1949- Os primeiros israelen-ses, Segev se baseia no diá-rio do pai-fundador de Isra-el, David Ben Gurion, noqual ele descreve sua políti-ca para forçar a saída dos ára-bes do recém-criado país. Olivro, antes repudiado pormostrar que a versão oficial,em voga até então, erafantasiosa e que os árabesnão deixaram Israel por von-tade própria, mas foram ex-pulsos com requintes de cru-eldade, já está inclusive sen-do adotado nas escolas.

Cecília ToledoJornalista c militante do PSTU

Esse "reconhecimento" por parteda história oficial é um tanto quantotardio se levamos em conta que ou-tros autores, em especial os marxis-tas, já haviam, exaustivamente, con-tado a história real do sionismo e des-mascarado uma das mais monumen-tais falsificações históricas já feitas atéhoje. Entre esses historiadores mar-xistas destacam-se o militante revo-lucionário Abraham Leon, morto nascâmaras de gás de Auschwitz aos 26

Palestina desesperada no campo de Jenin

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anos, e autor do importante livro Aquestão judaica, e Ralph Schoenman,que escreveu a História oculta do si-onismo, um relato detalhado e quenão deixa dúvidas sobre a ocupaçãosionista da Palestina. No entanto, essereconhecimento é mais uma demons-tração de que a situação é tão gravee o avanço da Intifada tão forte queaté importantes historiadores israelen-ses já estão admitindo que a ideolo-gia "da terra sem povo" é pura in-venção, e negam a torrente de men-tiras que os sionistas vêm pregandohá décadas e que serviram para ilu-dir muita gente.

Judeus: um poyo-classenas sociedades pré-capitalistas

Abraham Leon parte da propostade Marx para demonstrar que a su-posta originalidade do povo judeutem causas materiais e históricas, semqualquer relação com Jeová ou umapseudo-"essência" racial imutável,como supõem tanto os anti-semitasquanto os sionistas. Segundo Marx,para entender a questão judaica, "nãodevemos buscar o segredo do judeuem sua religião, mas o segredo dareligião no judeu real" 3. Partir da re-ligião, como normalmente se costu-ma fazer, não explica a questão ju-daica; para entendê-la é preciso en-tender o judeu em seu papel econô-mico e social.

Leon vai em busca das origens dopovo judeu e chega à importante erica noção de povo-classe. Nas socie-dades pré-capitalistas, os judeus fo-ram uma classe social, um povo-clas-se4 , como são, entre outros povos,

os ciganos. Os judeus representavamas formas "pré-históricas" do capital,tanto no mundo antigo como no mun-do feudal. No feudalismo, as transa-ções com dinheiro ocorriam relativa-mente à margem do modo de produ-ção, já que essas sociedades eramprodutoras de valores de uso e nãode troca. Por ser uma atividade mar-ginal, era exercida por "estrangeiros",por povos-comerciantes, como osfenícios, os judeus e os lombardos.Esses eram povos-classe que, comodizia Marx, existiam nos poros da so-ciedade produtora de valores de uso.Assim, os judeus são a sobrevivênciade uma velha classe mercantil e fi-nanceira pré-capitalista.

Sobre essas relações materiais dosjudeus se assentava uma superestru-tura institucional e ideológica: autori-dades comunitárias, uma religião "es-pecial" e o mito de considerar-se des-cendentes do primitivo povo hebreuque habitava a Palestina no início denossa era. Essa superestrutura ajuda-va a manter a coesão do povo-classemas, ao mesmo tempo, falsificava averdadeira natureza de sua existên-cia. É o fenômeno da falsa consciên-cia, comum a todas as ideologias. Eexplica porque não há unidade racialentre os judeus. Oculto sob esse man-to ideológico-religioso, ocorria o fe-nômeno da incorporação de indiví-duos ou grupos inteiros ao povo-clas-se. Isso explica que tenham existidojudeus de "raça" mongólica no Da-guestão, judeus negros (os falashà)na Etiópia, judeus árabes no Islã ejudeus de origem eslava na EuropaOriental. Isso prova que a descen-dência comum de Abrahão ou dos

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habitantes da Palestina no início denossa era é puro mito.

Com o desenvolvimento do capi-talismo, a velha classe comercial pre-capitalista judia foi perdendo as ba-ses materiais de sua existência comopovo-classe. Na Europa Ocidental,especialmente na Inglaterra, os judeuscomeçam a assimilar-se de forma na-tural. Mas antes que esse processoatingisse a Europa Oriental, de capi-talismo mais atrasado, entramos naetapa imperialista do capitalismo, dedecomposição no mundo todo.

Os judeus, tanto na Europa Oci-dental quanto Oriental, passaram aenfrentar uma situação dramática. Aocolocar a solução do problema ju-deu nos termos na luta pelo socialis-mo, o marxismo começou a exerceruma grande atração sobre as massasjudaicas. Seu caminho era fundir-secom a classe trabalhadora em suaslutas contra o capitalismo, porquepara as massas de judeus miseráveisde Varsóvia ou de Kiev, o caminhoseguido por seus correligionáriosmais afortunados da Inglaterra ou daFrança, da assimilação como burgue-ses nos marcos do capitalismo, jáestava fechado para eles. Na Rússia,enquanto o império czarista alenta-va os choques entre russos e pola-cos ou ucranianos, ou destes contraos judeus, e enquanto o ImpérioAustro-Húngaro fazia o mesmo nomosaico de povos que dominava, osmarxistas revolucionários chamavama unidade de todos os trabalhadores(de qualquer língua, nacionalidade ou"raça") para lutar contra esses regi-mes e contra toda a burguesia impe-rialista européia.

Por isso, muitos operários, estudan-tes e intelectuais de origem judia in-gressaram nas fileiras socialistas e seassimilaram aos trabalhadores de seuspaíses. Mas o velho povo-classe, nascondições do capitalismo moderno,era cada vez menos homogêneo. Eassim também famílias ricas, como osRothschild e outros milionários se li-garam à burguesia imperialista dosdiversos países europeus. E, entre assaídas burguesas para o problema ju-deu apontadas por esses setores, amais importante é o sionismo. Outrasaída reformista foi proposta poraqueles que ficaram conhecidos comobundistas.

O que foi o bundismo

Os bundistas eram membros doBund, a União Geral de OperáriosJudeus da Lituânia, Polônia e Rússia,fundada em 1897. Surgiram na Rússiacomo um setor da social-democracia,tanto que, no início, fez parte do Par-tido Operário Social-Democrata Rus-so, mas quando este se dividiu, oBund se colocou contra os bolche-viques5.

A base social do Bund era constitu-ída por setores de artesãos, semipro-letários ou operários de pequenas ofi-cinas, especialmente da indústria devestuário. Era um vasto setor com umpé no velho gueto e outro no proleta-riado industrial moderno. Isto se refle-tia na ideologia do Bund que, por umlado se reivindicava marxista e revo-lucionário e, de outro, negava o in-ternacionalismo ao levantar barreirasentre os operários de distintas nacio-nalidades. Com a bandeira de defen-

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der a cultura nacional, pregava que osoperários judeus deviam organizar-sede forma separada dos operários rus-so, poloneses etc. Assim, acabava porfazer o jogo da burguesia, ao dividiros trabalhadores de cada fábrica oucidade segundo sua origem nacionalou "racial".

Esse caráter contraditório, reflexode uma contradição real de sua basesocial, determinava que, ape-sar de sua capitulação ao naci-onalismo burguês, o Bund nãopropunha que os trabalhadoresjudeus se separassem da lutade classes e se unissem à bur-guesia judia para ir colonizar aPalestina ou algum outro terri-tório. Quem fez isso foram ossionistas.

O surgimento do sionismo

Também em 1897, quandosurgiu o Bund, realizou-se emBasiléia, Suíça, o Congresso deFundação da Organização Sio-nista6. O pano de fundo dairrupção do movimento sionis-ta foi a rápida capitalização daeconomia russa depois da re-forma de 1863, que tornou insusten-tável a situação das massas judaicasdas pequenas cidades. No Ocidente,as classes médias, trituradas pela con-centração capitalista, começam a sevoltar contra o elemento judeu, cujacompetição agrava sua situação.7

Em meio a esse clima, surge naRússia a Associação dos Amantes deSion e é publicado o livro de LeonPinsker, A "auto-emancipação", pre-conizando o retorno à Palestina como

única solução possível para os judeus.Logo depois, um jornalista judeu deBudapeste, Teodoro Herzl, escreve"O Estado Judeu", que até hoje é con-siderado o evangelho do movimentosionista, segundo Abraham Leon.8 NaFrança, o barão de Rothschild, juntocom outros magnatas judeus, se opõeà chegada em massa de imigrantesjudeus nos países ocidentais e come-

O sionismo é um sinônimo de guerrapermanente contra os árabes

ça a apoiar a obra de colonização ju-dia da Palestina. "A seus 'irmãos de-safortunados' a voltar ao país de seus'antepassados', ou seja, a ir o maislonge possível, nada tinha de desa-gradável para a burguesia judia doOcidente, que temia, com razão, ocrescimento do anti-semitismo", dizLeon. Assim, ainda que a Organiza-ção Sionista passasse a disputar amesma clientela que o Bund e inclu-sive o socialismo revolucionário, seu

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caráter de classe era marcadamentedistinto: aparecia como o programade um setor da grande burguesia ju-dia, que terminaria sendo dominantedentro dela.

No princípio, o sionismo aparececomo uma reação da pequena bur-guesia judia, duramente golpeadapela crescente onda de anti-semitis-mo, tendo que se bandear de umpaís a outro, que quer atingir a "Ter-ra prometida" a todo custo para li-vrar-se dessa situação, No entanto, osionismo procura assentar-se em umaexplicação religiosa para justificarsua existência. No ano 70 da era cris-tã, os judeus teriam sido expulsosde Jerusalém, ocupada pelos inva-sores romanos. Como na Bíblia, Je-rusalém era considerada a pátria dosjudeus, eles teriam sido expatriados;foi a famosa diáspora, que espalhouos judeus pelos quatro cantos domundo.

Voltando a Marx, para entender aquestão judia é preciso partir das con-dições materiais de vida do judeu enão da religião, das fantasias e ideo-logias criadas ao longo da história."Enquanto que o sionismo é, realmen-te, produto da última fase do capita-lismo, ou seja, do capitalismo quecomeça a se descompor, se vanglo-ria de ter sua origem em um passadomais que bimilenário. E se bem o sio-nismo é essencialmente uma reaçãocontra a crise do judaísmo gerada pelacombinação do desmoronamento dofeudalismo com a decadência do ca-pitalismo, afirma ser uma reação con-tra a situação existente desde a que-da de Jerusalém, no ano 70 da eracristã", diz A.León.

Mas o próprio surgimento do mo-vimento sionista refuta essas preten-sões. "Como crer que o remédio aum mal existente há dois mil anos sótenha sido encontrado no final do sé-culo XIX? O sionismo vê a queda deJersalém como causa da dispersãoe por conseguinte, a origem de to-dos os males do judeus no passado,no presente e no futuro. "A fonte detodas as desgraças do povo judeu estána perda de sua pátria histórica e suadispersão em todos os países", de-clara a delegação "marxista" do Poalé-Sión no Comitê holando-escandinavo9.

Essa história dos judeus, como écontada pelos sionistas, trata de criaro pano de fundo para justificar a ocu-pação da Palestina. Assim, depois daviolenta dispersão dos judeus por obrados romanos, os judeus não quiseramassimilar-se. Imbuídos de sua "coe-são nacional", "de um sentimento éti-co superior" e de "uma indestrutívelcrença em um Deus único", teriamresistido a todas as tentativas de assi-milação.10 O que não é verdade, jáque, como vimos anteriormente, hou-ve ao longo desses dois mil anos inú-meros casos de assimilação. Mas, deacordo com a historia construída pe-los sionistas, isso jamais teria ocorri-do; a única esperança dos judeus du-rante esses dias sombrios que dura-ram dois mil anos era retornar à anti-ga pátria.

Segundo A.León, nunca o sionis-mo havia se colocado essa questãode forma séria. Por que, durante es-ses dois mil anos jamais tentaram vol-tar realmente a essa pátria? Por quefoi necessário esperar até o fim doséculo XIX para que Herzl os con-

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vencesse dessa necessidade? Por quetodos os seus predecessores eram tra-tados como falsos messias? Para res-ponder a essas incômodas perguntas,o sionismo recorre aos mitos. "Enquan-to as massas acreditaram que deviamesperar na Diáspora até a chegadado Messias, foi preciso sofrer em si-lêncio", diz Zitlovski.11 No entanto,como diz Leon, essa afirmação nãoexplica nada. Trata-se precisamentede saber por que as massas judiasacreditavam que deviam esperar oMessias para poder "regressar à suapátria". Como a reli-gião é um reflexo ide-ológico dos interessessociais, a partir do fi-nal do século XIX elacomeçou a deixar deser um obstáculo parao avanço do sionismoe a se transformar nu-ma cortina de fumaçapara seu expansio-nismo, servindo paraencobrir e justificar to-das as suas mazelas.

Essas concepçõesidealistas do sionismosão inseparáveis dodogma do anti-semitis-mo eterno, ou seja, deque passe o que pas-se, os judeus serãosempre perseguidos.Dessa forma, o sionis-mo transpõe o anti-semitismo modernopara toda a história,economizando o traba-lho de investigar as di-versas formas de anti-

semitismo e suas causas, e inclusiveomitindo o fato de que em diversasépocas históricas os judeus não fo-ram oprimidos, mas opressores, comomembros da classe dominante.

"Na verdade, a ideologia sionista,como toda ideologia, não é senão oreflexo desfigurado dos interesses deuma classe. É a ideologia da peque-na burguesia judia, oprimida entre ofeudalismo em ruínas e o capitalismoem decadência", sintetiza A.Leon. Eleressalta um fato justo, ou seja, que arefutação das fantasias ideológicas do

Tanque israelense em Belém

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sionismo não refuta, naturalmente, asnecessidades reais que o fizeram nas-cer. É o moderno anti-semitismo e nãoo mítico anti-semitismo "eterno" omelhor agitador em favor do sionis-mo. Assim a questão fundamental ésaber em que medida o sionismo écapaz de resolver não "o eterno pro-

Polícia israelense reprime pacifistas

blema judeu" mas a questão judia naépoca da decadência capitalista.

O defensores do sionismo compa-ram-no com os demais movimentosnacionais. Mas o movimento nacio-nal da burguesia européia é conse-qüência do desenvolvimento capita-lista; reflete a vontade da burguesiade criar as bases nacionais da produ-ção, de abolir os resquícios feudais.Mas no século XIX, época do flores-cimento dos nacionalismos, a burgue-sia judia, longe de ser sionista, eraprofundamente assimilacionista. Oprocesso econômico que fez surgiras nações modernas lançava as basespara a integração da burguesia judiana nação burguesa. Só quando o pro-

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cesso de formação das nações chegaao fim, quando as forças produtivasdeixam de crescer, premidas pelasfronteiras nacionais, surge o proces-so de expulsão dos judeus da socie-dade capitalista e o moderno anti-semitismo. A eliminação do judaísmoacompanha a decadência do capita-

lismo. Longe de ser umproduto do desenvol-vimento das forçasprodutivas, o sionismoé justamente a conse-qüência da total para-lisia desse desenvolvi-mento, da putrefaçãodo capitalismo, naspalavras de A Leon.Assim, enquanto o mo-vimento nacional é umproduto do período as-cendente do capitalis-mo, o sionismo é fru-to da era imperialista.A tragédia judaica do

século XX é uma conseqüência dire-ta da decadência do capitalismo.12

Com toda razão, A. Leon lembraque justamente aí está o principal obs-táculo para a realização do sionismo,a chave para se compreender a criseque vive a Palestina desde a funda-ção do Estado de Israel. A decadên-cia capitalista, base do crescimentodo sionismo, é também a causa daimpossibilidade de sua realização. Aburguesia judia se vê obrigada a criarum Estado nacional e assegurar as con-dições para o desenvolvimento desuas forças produtivas justamente naépoca em que as condições para issodesapareceram há muito tempo. Adecadência do capitalismo, se por um

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lado colocou de forma tão aguda aquestão judia, por outro torna impos-sível sua solução pela via sionista. Enão há nada de assombroso nisso, dizLeon. Não se pode suprimir um malsem destruir suas causas. O sionismoquer resolver a questão judaica semdestruir o capitalismo, principal fon-te dos sofrimentos dos judeus".13

Isso remarca, como ferro em bra-sa, o caráter de classe do movimentosionista. É certo que os pioneiros dacolonização da Palestina eram arte-sãos, pequenos comerciantes pobres,pessoas sem grandes posses. Dessaforma, tratou-se de criar uma imagem"plebéia" e até "operária" e "socia-lista" ao sionismo. Seus defensores,principalmente os que se dizem deesquerda, aceitam a idéia de que omovimento sionista não era um fatorprogressivo na política européia, masargumentam que isso era secundáriofrente a um fato essencial: o sionis-mo seria o movimento de li-beração nacional do povo ju-deu. E do "povo mais pobre",daí ser uma "causa justa".

É claro que não estavanos planos de Rothschild eda grande burguesia judiairem pessoalmente à Pales-tina cultivar a terra. O quefizeram foi impulsionar ummovimento para confinar osjudeus mais pobres na TerraSanta e, com isso, afastá-losda luta de classes na Europae dos partidos de esquerda,e, por outro lado, livrarem-

Ancião palestino interpelasoldado israelense

se, eles em primeiro lugar, da fúriaanti-semita que crescia a olhos vis-tos. Outro objetivo desse movimen-to impulsionado pela burguesia ju-dia era transferir essas massas parafora da Europa para constituir umEstado judeu num ponto estratégico,em meio às maiores reservas de pe-tróleo do mundo, ameaçadas peloascenso das massas árabes. Por isso,o Estado de Israel tornou-se umenclave do imperialismo na região,o gendarme do mundo árabe.

Uma região "vazia"

Segundo os sionistas, a Palestinaera uma região praticamente vazia."Vastas regiões do país permaneciaminexploradas e pertenciam a senho-res feudais ausentes. Estavam infes-tadas de malária e, além de algumasbarracas de beduínos dispersas, es-tavam desabitadas e, por isso, dis-

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poníveis".14 Nas vizinhanças daTerra Santa havia apenas algunsnúcleos heterogêneos, muçulma-nos, chequizes, maronitas, cris-tãos e gregos ortodoxos. Foi parauma terra sem povo que lenta-mente, no final do século passa-do, se começou a encaminhar umpovo sem terra".15

Vive-se a época da expansãocolonial da Europa na Ásia e Áfri-ca. É nesse marco histórico quese inicia o sionismo. E a Palesti-na, longe de ser uma terra vaziae sem dono, estava ocupada poroutro povo, o povo árabe. Issoera um problema para a burgue-sia judia européia, tanto queHerzl nem menciona a palavra"árabe" em seu livro, apesar desaber, obviamente, da existênciados árabes. Essa falsificação, es-condida durante tantos anos, não re-siste mais à evidência dos fatos e,principalmente, ao recrudescimentoda luta palestina, obrigando até mes-mo os historiadores oficiais de Israela reconhecer que aquela "não erauma terra sem povo".

Esse foi o papel reservado aosdesesperados judeus da Europa Ori-ental: servir de ponta de lança dosplanos colonizadores da burguesiaimperialista, em especial os EstadosUnidos, interessados em criar umaponta de lança no Oriente Médio.Com um discurso filantrópico, a ex-pansão colonial usava as massas mi-seráveis de judeus para seus fins nadalouváveis. Quem poderia se opor aque os pobres judeus saíssem da es-curidão dos guetos para o sol da Pa-lestina? Infelizmente, essa troca, por

Palestino humilhado por soldado israelense

mais benéfica que tivesse sido paraeles, foi feita às custas dos árabes,massacrados e, estes sim. expulsosde sua terra de fato, e não por obra egraça de uma história bíblica.

Declaração Balfour:a segunda etapa do sionismo

A política de Teodoro Herzl, o paido sionismo, e seus sucessores foi ade aproveitar-se do processo de ex-pansão colonial imperialista para ocu-par a Palestina. Para isso, era precisoque alguma potência imperialista abra-çasse a causa sionista. Assim, sua ati-vidade principal foram as gestões pe-rante as diversas potências européi-as, buscando inserir o sionismo comoparte de sua política colonial. Esseapoio veio, em primeiro lugar, da In-

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glaterra, um império que, desde mea-dos do século, se expandia a todovapor.

As gestões de Herzl em Londresforam bem acolhidas, mas havia umproblema objetivo: a Palestina esta-va em mãos da Turquia. A Inglaterraentão oferece a Herzl colonizar aUganda ou o Sinai egípcio, mas essapossibilidade não se concretizou. Ha-via um segundo problema objetivo:o sionismo não era muito forte entreas massas judias. Aqueles que queri-am emigrar, faziam-no em massa paraa América; tanto que uma das op-ções discutidas foi a constituição doEstado sionista na Argentina. Pouquís-simos judeus iam para a Palestina. Eboa parte dos que ficavam eram anti-sionistas, ou estavam sob a influên-cia dos partidos de esquerda.

Com a Primeira Guerra Mundial,chegara a hora da repartição da Tur-quia. Para apressá-la, a Inglaterra seserviu do movimento nacional dos ára-bes que havia começado a despertar.Por outro lado, firmou um acordo coma França, de repartição da zona, alémde assinar a chamada DeclaraçãoBalfour (2/11/1917), que ficou conhe-cida como a "aliança de casamento"entre o sionismo e o imperialismoinglês.

Assim começava a segunda etapado sionismo, que culminaria com acriação do Estado de Israel. Além dedar aos ingleses um valioso auxíliopara estabelecer um futuro proteto-rado na Palestina, a Declaração Bal-four colocava em mãos inglesas umapoderosa arma para liquidar o movi-mento nacional árabe, fortalecer a po-lítica de guerra do imperialismo bri-

tânico e sua luta contra a RevoluçãoRussa.

O caminho em direção a Israelestava sendo traçado com as seguin-tes características: 1) por uma decla-ração unilateral de uma grande po-tência imperialista; 2) essa declara-ção impunha o destino de uma re-gião da Ásia que jamais havia perten-cido à Inglaterra, que dava de pre-sente a lorde Rothschild o territóriode uma nação alheia; 3) não levavaem conta os desejos do povo palesti-no, que era composto por 93% deárabes em 1917. Esses 93% eram re-duzidos à condição de não-judeus,confinados em um "lar nacional ju-deu", ou seja tratados como estran-geiros em sua própria terra.

O mandato britânico(1918-1948)

No final da I Guerra Mundial, osAliados (Inglaterra, França, Itália eEstados Unidos) criaram a Sociedadedas Nações, antecessora da atual ONU,que "outorgou" à Inglaterra o manda-to sobre a Palestina. Mas naquelestempos as coisas não corriam muitotranqüilas para o imperialismo. Haviasurgido, pela primeira vez na histó-ria, um Estado operário, a União So-viética que se opunha à expansãocolonialista e em todo o mundo colo-nial começava uma grande onda delutas antiimperialistas.

Dentro do mundo árabe, o Orien-te Médio concentrou as lutas mais im-portantes contra os imperialismos in-glês e francês. A Palestina foi o eixodessa luta, especialmente durante ainsurreição de 1936/39, que come-

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çou com uma greve geral que durouseis meses e, para ser sufocada, exi-giu a metade dos efetivos de todo oexército britânico, um dos mais po-derosos do mundo nesse momento.Centenas e centenas de palestinosforam mortos, detidos e condenadosà forca ou a longas penas de prisão.Em 1939, o povo palestino estava der-rotado. Essa é a chave para entendera relativa facilidade com que em1947/48 foi instalado aí o Estado deIsrael.16

A ocupação, explica John Roths-child, deu-se em base a três pilaresdo movimento sionista: kibush hakarka(conquista da terra), kibush haavoda(conquista do trabalho) e fozlerethaarelz (produto da terra)17. "Detrásdessas sonoras palavras havia umadura realidade. Conquista da terra sig-nificava que toda a terra possível fos-se adquirida (legalmente ou não) dosárabes, e que nenhuma terra de ju-deus fosse vendida ou de algumamaneira retornasse aos árabes. Con-quista do trabalho significava que nasfábricas e terras de judeus dava-sepreferência aos trabalhadores judeus.O trabalhador árabe era boicotado. Defato, a Histadrut, que hoje se diz aCentral Operária em Israel, foi criadapara impor o boicote aos trabalhado-res árabes. Produto da terra significa-va praticar o boicote à produção ára-be por parte dos colonizadores judeus,e manter somente a compra de pro-dutos das terras ou negócios ju-deus".18

Essa política de ocupação - da qualos sionistas faziam propaganda dizen-do que era uma política "socialista",que visava ajudar os trabalhadores e

pobres judeus - significou a desgra-ça para o povo palestino, porque foiimposta sobre a terra que eles ocu-pavam. Apesar de serem minoria noinício (depois cresceram muito), ossionistas tinham um poder econômi-co muito maior que os árabes, alémde contar com o apoio do imperialis-mo. Isso deu-lhes força para sair ar-rasando o povo árabe da Palestina,que ficou reduzido a trabalhadoressem trabalho e camponeses sem-ter-ra. Muito estranho esse tipo de socia-lismo, que ataca os trabalhadores. "Oárabes eram expulsos ou boicotadosnas empresas de propriedade sionis-ta ou de capital estrangeiro (conces-sões), que geralmente eram adminis-tradas por gerentes sionistas. Cercade 53% das empresas eram conces-sões e 40% de propriedade sionista,sendo que apenas 6% eram de pro-priedade de árabes (dados de 1939).Assim, ficava um mercado de traba-lho super-reduzido para os trabalha-dores árabes.

Outro tanto ocorria com o t'ozterethaaretz (produto da terra), uma polí-tica que significava o boicote à força,praticado por bandos armados daHistadrut, de todo produto árabe, umarepressão que não poupava nemmesmo os judeus que ousassem ad-quirir algum alimento produzido pormãos árabes.

Alijados da terra, do trabalho e dapossibilidade de comercializar seusprodutos, os palestinos se tornaramuma massa marginalizada e prontapara ser expulsa de suas terras. A re-sistência palestina, em forma de guer-rilha, é praticamente esmagada em1939 pelo Exército Britânico e a

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Haganá, o exércitoextra-oficial forma-do pelo sionismo,num ataque conjun-to para mostrar"quem manda naPalestina". Nessaépoca, tinha inícioa Segunda GuerraMundial e os sio-nistas estavam pre-ocupados com odestino da Inglater-ra, seu imperialis-mo protetor, dian-te de uma nova re-partição do mundoem zonas de influ-ência. Queriam ga-rantir para a Pales-tina a proteção imperialista, já que tudoindicava que os Estados Unidos e nãomais a Inglaterra seriam daí em dianteo grande senhor do mundo. A supostaluta antiimperialista alardeada pelo si-onismo era, simplesmente, o desejode passar de um sócio menos fortepara outro mais poderoso. Isso foi ex-presso com clareza por Ben Gurion:

"Nossa maior preocupação era asorte que seria reservada à Palestinadepois da guerra. Já estava claro queos ingleses não conservariam seu man-dato. Se se tinha todas as razões paracrer que Hitler seria vencido, era evi-dente que a Grã Bretanha, mesmo vi-toriosa, sairia muito debilitada do con-flito. Por isso, eu não tinha dúvidas deque o centro de gravidade de nossasforças deveria passar do Reino Unidopara a América do Norte, que estavaem vias de assumir o primeiro lugarno mundo". l9

,

Mulheres se manifestam nas ruas da Faixa de Gaza

Sob a órbita norte-americana, o sio-nismo começou a dar passos largosem direção ã criação do Estado de Is-rael. Ao final da guerra, as grandespotências, através da ONU, não só fi-zeram vistas grossas à ocupação emassacre do povo palestino, comoderam o status legal à situação coloni-al criada durante a dominação britâni-ca. Em base a uma proposta de parti-lha da Palestina feita durante o man-dato inglês20 e que incendiou a revol-ta em todo o mundo árabe, em 29 denovembro de 1947 vota-se a divisãodo país em dois estados: um sionista eoutro árabe. Novamente, sem qualquerconsulta ao povo palestino e com oaval da burocracia soviética, que en-viou armas e aviões para ajudar o im-perialismo a massacrar os árabes. Afo-gada em um banho de sangue a resis-tência palestina, é proclamado o Esta-do de Israel, em maio de 1948.

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Israel: a tragédia palestina

Em 1947 havia 630 mil judeus eum milhão e trezentos mil árabes pa-lestinos21. Assim, no momento em queas Nações Unidas dividem a Palesti-na, os judeus eram minoria (31% dapopulação). Essa divisão, promovidapelas principais potências imperialis-tas com o apoio de Stalin, deu 54%da terra fértil ao movimento sionis-ta. Mas, antes de que se formasse oEstado de Israel, o Irgun e as Haganá(organizações paramilitares israelen-ses) já haviam-se apoderado de trêsquartas partes da terra e expulsadoseus habitantes. Assim, dos 475 po-voados palestinos que havia em 1948,385 foram completamente arrasados,reduzidos a cinzas e os 90 que sobra-ram tiveram suas terras confiscadas.Esse processo ficou conhecido comoa "judaização" da Palestina.

Raphael Eitan, então chefe do Es-tado Maior das Forças Armadas israe-lenses, não podia ser mais claro quan-do disse que "Declaramos abertamen-te que os árabes não têm qualquerdireito a um só centímetro de EretzIsrael (Grande Israel). Os de bom co-ração, os moderados, devem saberque as câmaras de gás de Adolf Hitlerserão como brincadeira de criança. Oúnico que entendem e entenderão éa força. Utilizaremos a força mais de-cisiva, até que os palestinos se apro-ximem de nós de joelhos".22

David Ben Gurion, em um discur-so pronunciado em 13 de outubro de1936, formulava assim a estratégia si-onista: "Quando nos tornarmos umaforça com peso depois da criação doestado, aboliremos a partição e nos

expandiremos a toda Palestina. O Es-tado será somente uma etapa na rea-lização do sionismo, e sua tarefa épreparar o terreno para nossa expan-são. O Estado terá que preservar aordem, não com palavras, mas commetralhadoras".23

E, de fato, assim foi feito. Entre29/11/1947, data da divisão da Pa-lestina pela ONU e 15/5/1948, quan-do foi formalmente proclamado o Es-tado de Israel, o Exército sionista eas milícias paramilitares se apodera-ram de 75% da Palestina, expulsandodo país 780 mil árabes. Os que fica-ram foram vítimas de perseguiçõesselvagens e uma carnificina só com-parada ao Holocausto nazista.

Assim começou a tragédia palesti-na que dura até hoje.

Roubo, puro e simples, dasterras e negócios dos árabes

É preciso entender o alcance e asconseqüências dessa política assassi-na por parte do sionismo. No territó-rio ocupado por Israel depois da par-tilha havia 950 mil árabes palestinos,vivendo em cerca de 500 povoadose em todas as grandes cidades, entreelas Tiberíades, Safed, Nazaré, ShafaAmr, Acre, Haifa, Yaffa, Lidda, Ramle,Jerusalém, Majdal (Ashquelon), Isdud(Ashdod) e Beersheba. Em menos deseis meses sobraram apenas 138 milpessoas. A grande maioria dos pales-tinos havia sido assassinada, expulsapela força ou fugido aterrorizada dian-te dos bandos assassinos das unida-des do Exército israelense.

Em discurso pronunciado para umaplatéia de estudantes do Instituto de

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Exibição cotidiana da brutalidade sionista.

Tecnologia de Israel, Moshe Dayan,herói da "guerra dos seis dias", nãose preocupou em esconder o fato deque Israel fora fundada sobre umatenebrosa falsificação histórica: "Vie-mos aqui, a um país que estava po-voado por árabes, e estamos cons-truindo aqui um Estado hebreu, ju-deu. No lugar dos povoados árabeslevantamos povoados judeus. Vocêsnem sequer sabem os nomes dessespovoados, e não os reprovo por isso,porque esses livros de geografia jánão existem. Nem os livros, nem ospovos existem mais. Nahalal surgiuno lugar ocupado antes por Mahalul,Gevat no lugar de Jibta, Sarid no lu-gar de Hanifas e Kafr Yehoushu'a nolugar de Tel Shamam. Não há um sóassentamento que não tenha sidoconstruído no lugar que um antigopovoado árabe".24

Com isso, grandes extensões deterra foram confiscadas ao amparo daLei de Propriedades de Ausentes, di-tada em 1950 em Israel. Até 1947,

os judeus possuíam 6% daterra da Palestina. Quandosurge formalmente o Estadode Israel, o Fundo NacionalJudeu calcula que tenha seapoderado de 90% da terra.O valor das propriedadesroubadas aos árabes era su-perior a 300 milhões de dó-lares, em cálculos da época.Se multiplicamos essa cifrapelo valor atual do dólar, caia máscara: Israel tem poucoa ver com Jeová ou a TerraSanta, e muito a ver com apirataria e a pilhagem.

A ocupação das proprie-dades palestinas era indispensávelpara que o Estado de Israel fosse vi-ável. Entre 1948 e 1953 foram cria-dos 370 povoados e assentamentosjudeus, sendo 350 deles em proprie-dades de "ausentes". Em 1954, cal-culava-se que 35% dos judeus de Is-rael viviam em propriedadesconfiscadas de "ausentes" e 250 milnovos imigrantes se haviam estabe-lecido em áreas urbanas das quais ospalestinos haviam sido expulsos.

Dez mil empresas e pontos comer-ciais foram entregues a colonos ju-deus. Se na zona urbana, o saque foigeneralizado, no campo a usurpaçãocorria solta. Todas as plantações delimão dos palestinos foram confis-cadas; cobriam mais de 240 mildunums (correspondentes a 21.200hectares). Até 1951, um milhão decaixas de limões colhidos de propri-edades arrebatadas dos árabes - o quecorrespondia a 10% de todas as divi-sas de exportação - estavam emmãos israelenses. Nesse mesmo ano,

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95% das plantações de oliveiras deIsrael eram feitas em terra palestinaocupada. As azeitonas que produzi-am representavam o terceiro produ-to mais exportado por Israel, depoisdos limões e dos diamantes. Um ter-ço da produção de pedra provinhade 52 pedreiras palestinas usurpa-das. As terras confiscadas dos ára-bes iam parar num Fundo NacionalJudeu, criado em 1954 pelo gover-no israelense.

Como lembra Schoenman, a mi-tologia sionista pretende passar aidéia de que o espírito de sacrifí-cio, de abnegação no trabalho e deperícia dos judeus transformaram aterra desértica, descuidada por seusanteriores guardiães árabes - nôma-des e primitivos - fazendo flores-cer o deserto. As plantações pales-tinas, a indústria, a madeira, as fá-bricas, casas e fazendas foram es-poliadas e saqueadas depois de umaconquista sangrenta: "o barco do Es-tado é um barco pirata, a bandeiraque carrega é a caveira com doisossos cruzados."25

Racismo contrao trabalhador árabe

Mas Israel não é só isso. A sua éuma história que começou com umagrande espoliação e isso obrigou opaís a continuá-la, mais e mais. Obarco da espoliação nunca encontrouum porto seguro. Essa viagemmacabra continuou em frente, espo-liando também o mercado de traba-lho dos árabes, tanto no campo quan-to nas cidades. Esse processo dejudaização do trabalho se assentou em

uma ideologia racista contra o traba-lhador árabe.

No campo, qualquer relação dohomem com a terra era regida poruma lei racista: "O arrendatário deveser judeu e tem de aceitar realizar to-das as atividades relacionadas com ocultivo da terra somente com mão-de-obra judia".26 Portanto, a terra não podeser arrendada por um não-judeu, nemsubarrendada, vendida, hipotecada,dada ou cedida a um não-judeu. Osnão-judeus não podem ser emprega-dos na terra e nem em qualquer traba-lho relacionado com o cultivo.

Em Israel, as terras estatais, queestão nas mãos do Fundo NacionalJudeu, são consideradas "terra nacio-nal", o que significa terra judia. Acontratação de trabalhadores não-ju-deus é ilegal. Devido a escassez deoperários agrícolas judeus, e dado queos palestinos ganham um salário me-nor que os trabalhadores judeus, al-guns agricultores judeus (como ArielSharon) contratam mão-de-obra ára-be, violando explicitamente a lei.

Schoenman ressalta que Israelemprega todas as expressões normaisem um sentido racista. O "povo" sig-nifica somente os judeus. Um "imi-grante" ou um "colono" só pode serum judeu. Um assentamento significaum assentamento só para judeus. Aterra nacional significa terra judia, nãoterra israelense.27 Dessa maneira, alei e os direitos, as garantias e o di-reito ao trabalho ou à propriedadecorrespondem somente aos judeus. Acidadania ou nacionalidade israelen-se corresponde estritamente aos ju-deus em todas as aplicações especí-ficas de seu significado e jurisdição.

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Como a definição de judeu se baseiainteiramente num preceito religiosoortodoxo, gerações de ascendênciamaterna judia é o pré-requisito paragozar do direito de propriedade, deemprego e de proteção legal. Atual-mente, 93% da terra do chamado Es-tado de Israel é administrada peloFundo Nacional Judeu, sendo quepara ter o direito a viver na terra,arrendá-la ou trabalhar nela, a pessoatem de demonstrar que possui pelomenos três gerações de ascendênciamaterna judia.

O sionismo, o fascismoe os judeus

Se é importante que a história ofi-cial comece a reconhecer que a Pa-lestina não era uma terra sem povo,é preciso também esclarecer outroaspecto tão sórdido quanto esse queenvolve a criação do Estado de Isra-el. Trata-se da relação do sionismocom os próprios judeus e com o nazi-fascismo.

O caráter racista do movimento sio-nista tem sua face mais abo-minável na relação que sem-pre manteve com os própriosjudeus. Ralph Schoenman lem-bra que "os fundadores do si-onismo estavam desesperadospor combater o anti-semitismoe, paradoxalmente, considera-vam os próprios anti-semitascomo aliados, porque compar-tiam o desejo de arrancar osjudeus dos países em que vi-viam. Passo a passo, assimila-ram os valores do ódio aos ju-deus e o anti-semitismo, che-

gando, o movimento sionista, a olharos próprios anti-semitas como seusmais fiéis padrinhos e protetores".28

Ele cita inclusive uma carta queTheodor Herzl enviou ao Conde VonPlehve, autor dos piores pogroms naRússia - os pogroms de Kishinev -com a seguinte proposta: "Ajude-mea conseguir o quanto antes a terra(Palestina) e a revolta (contra a do-minação czarista) acabará. VonPlehve concordou e começou a fi-nanciar o movimento sionista

Trata-se, na verdade, de um pedi-do de colaboração entre a burguesiasionista e as classes dominantes deoutros países para combater os judeusde esquerda, que incorporavam-se aospartidos revolucionários. Nesse sen-tido, o sionismo, em sua colaboraçãocom o fascismo, cumpriu papel sór-dido, pois jogava com os sentimen-tos religiosos dos judeus para massa-crar os que fossem de esquerda. Omovimento juvenil sionista Betar ser-viu de bucha de canhão para Mussoliniformando esquadrões com camisasnegras. Quando Menachem Beguin se

Jovens palestinos enfrentam as forças israelenses25

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Soldados israelenses patrulham as ruas de Belém

tornou chefe do Betar, trocou suascamisas negras pelas beges, comousavam os bandos de Hitler; era ouniforme que Beguin e os membrosdo Betar usavam em todas as assem-bléias e concentrações.

A estratégia do sionismo foi recru-tar os europeus que odiavam os ju-deus e alinhar-se com os movimen-tos e regimes mais perversos, paraque apoiassem a criação de uma co-lônia sionista na Palestina. E essa es-tratégia incluiu o nazismo. A Federa-ção Sionista da Alemanha enviou ummemorando de apoio ao Partido Na-zista em 21 de junho de 1933. Dizia:"[...] um renascimento da vida nacio-nal como o que ocorre na vida alemã[...] deve ocorrer também no gruponacional judeu. Sobre as base de umnovo Estado (o nazista) que estabele-ceu o princípio da raça, desejamosenquadrar nossa comunidade na es-trutura de conjunto de maneira quetambém para nós, na esfera a nós de-signada, possa desenvolver-se uma

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atividade frutíferapela Pátria [,..]".29

Longe de repudi-ar essa política, oCongresso da Orga-nização SionistaMundial , de 1933,derrotou por 240votos contra 43 umaresolução que cha-mava a atuar contraHitler. Durante essemesmo congresso,Hitler anunciou umacordo comercialcom o Banco Anglo-palestino da Organi-

zação Sionista Mundial (OSM), quesignificava o rompimento do boicotejudeu ao regime nazista em um mo-mento em que a economia alemã vi-via uma situação extremamente críti-ca. A OSM rompeu o boicote judeue se tornou a principal distribuidorade produtos nazistas em todo oOriente Médio e Norte da Europa.Fundaram na Palestina o Ha'avara,banco destinado a receber dinheiroda burguesia judia-alemã, com o qualse adquiriu grande quantidade deprodutos nazistas.

Traindo a Resistência

Um dos reflexos mais sórdidosdessa política foi a ação do sionismoem relação à resistência judaica con-tra os massacres de judeus na Euro-pa. Em julho de 1944, o dirigente ju-deu eslovaco, rabino Dov MichaelWeissmandel, escreveu aos funcioná-rios sionistas encarregados das "or-ganizações de resgate", propondo

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uma série de medidas para salvar osjudeus de Auschwitz. Ofereceu ma-pas exatos das ferrovias e planejou obombardeio das linhas que levavamaos crematórios. Pediu que bombar-deassem os fornos de Auschwitz, quelançassem de pára-quedas muniçãopara 80 mil presos e bombas paraexplodir o campo e pôr fim à crema-ção de 13 mil judeus por dia.

Caso os aliados se recusassem acolaborar, Weissmandel propunhaque os sionistas, que dispunham defundos e organização, comprassemaviões, recrutassem voluntários e fi-zessem a operação.

Weissmandel não era o único apedir isso no final dos anos 1930.Durante os anos 1940, porta-vozesjudeus da Europa pediram socorro,campanhas públicas, resistência or-ganizada, manifestações para obrigaros governos aliados a colaborar. Massempre se deparavam com o silên-cio sionista ou mesmo com sua sabo-tagem ativa.

O rabino Weissmandel, em julhode 1944, um ano antes de terminara guerra, enviou aos sionistas umacarta de protesto, publicada em par-te em História oculta do sionismo, deSchoenman: "Por que não fizeramnada até agora? Quem é o culpadopor esta terrível negligência? Não sãovocês os culpados, irmãos judeus, quetêm a maior sorte do mundo, a liber-dade? Enviamos a vocês esta mensa-gem especial: informamos que ontemos alemães iniciaram a deportação dejudeus da Hungria. Os que foram paraAuschwitz serão mortos com gáscianido. Essa é a ordem do dia deAuschwitz desde ontem: A cada dia

serão asfixiados 12 mil judeus - ho-mens, mulheres e crianças, anciãos,crianças de peito, doentes ou não.

E vocês, nossos irmãos aí na Pa-lestina, e de todos os países livres,e vocês, ministros de todos os rei-nos, por que mantêm silêncio diantedesse grande assassinato? Silenciamenquanto assassinam milhares, já sãoseis milhões de judeus? Silenciamagora, quando dezenas de milharesestão sendo assassinados ou espe-ram na fila da morte? Seus coraçõesdestroçados pedem socorro, chorampor vossa crueldade.

São brutais, vocês também são as-sassinos, pelo sangue frio do silênciocom que olham, porque estão senta-dos com os braços cruzados sem fa-zer nada, apesar de que nesse mes-mo instante poderiam deter ou pos-tergar o assassinato de judeus.

Vocês, nossos irmãos, filhos de Is-rael, estão loucos? Não sabem o in-ferno que nos rodeia? Para quem guar-dam seu dinheiro? Assassinos! Loucos!Quem faz caridade aqui, vocês, quesoltam uns centavos daí, de suas ca-sas seguras, ou nós, que entregamosnosso sangue neste inferno?"

Nenhum dirigente sionista apoiouesta petição, nem os governos oci-dentais bombardearam um único cam-po de concentração.

A colaboração entre o sionismo eo fascismo fez com que o primeirotraísse a resistência e voltasse as cos-tas para o operativo que resultou namorte de pelo menos 6 milhões dejudeus. Hoje, quando se lembra maisum aniversário do Holocausto, é pre-ciso dizer com toda clareza que o si-onismo não lutou de fato para impe-

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di-lo. E, ainda assim, utiliza-o comoálibi para massacrar os palestinos. Algotão repulsivo que a jornalista israelen-se Amira Hass, do jornal Haaretz, che-gou a exortar os sobreviventes doHolocausto e seus descendentes a nãointerpretarem o assassinato de seupovo e o de suas famílias na Europacomo um eterno aval para suprimir e

NOTAS

' Frase do livro de Dov Barnir, Os judeus, osionismo c o progresso, p. 486, citada emRevista de América, n. 12.2 A entrevista com Tom Segev está na edi-ção da Folha de S. Paulo de 4/2/2001.3 A questão judaica.1 Abraham León foi um dos máximos diri-gentes do sionismo de esquerda europeuaté as vésperas da Segunda Guerra Mun-dial. Escreveu A questão judaica, um dosmais importantes estudos marxistas sobreo tema. León, que chegou a romper total-mente com o sionismo e ingressar nas filei-ras da IV Internacional, foi assassinado nocampo de concentração de Auschwitz pe-las tropas nazistas.5 Em 1917, o Bund apoiou Kerensky con-tra Lenin e Trotsky e, até a Segunda GuerraMundial, manteve grande força na Polônia.6 O termo sionismo deriva da palavra Sion(Tzion, em hebraico), que é o nome deum monte em Jerusalém. Na Bíblia, essetermo era usado tanto para designar a Terrade Israel como "sua capital nacional e espiri-tual", Jerusalém. Ao longo de toda a históriajudaica, Sion foi sinônimo de Israel, e a ex-pressão "retorno a Sion" a bandeira do mo-vimento sionista.

7 A questão judaica, p. 150.

8 "Idem, p. 151.9 Idem, p. 151.10 Idem, p. 152.11 Em Lê materialisme et Ia questionnationale, ditado por A. León. Op.cit. p. 152.

expropriar o povo palestino e paraapresentá-lo como o inimigo que subs-tituiu os alemães 30.

De fato, está na hora de Israeldeixar de usar o holocausto comojustificativa para oprimir e perseguiros palestinos, fazendo com eles omesmo que os alemães fizeram comos judeus.

12 A questão judaica, p. 154.13 Idem, p. 154.14 Dov Barnir, Os judeus, o sionismo e oprogresso, Inova, Portugal, 1968.15 EphraimTari, O Significado de Israel.16 Revista de América, p. 16.17 Jon Rothschild, "How the arabs were

driven out of Palestine", citado em Revistade América no 12.18 Idem.19 Michael Bar-Zohar, em The armed

prophet: A biography of Ben Guríon. Cita-do por Revista de América, p. 24.20 Proposta da Comissão Peel, de 1937, acei-ta por Ben Gurion.21 Em 1917 havia na Palestina 56 mil ju-deus e 644 mil árabes palestinos. Em 1922havia 83.794 judeus e 663 mil árabes. Em1931 havia 174.616 judeus e 750 mil ára-bes. (Schoenman, p. 34)22 Citado por Schoenman, p.40.23 Citado por Schoenman, p.41.24 Citado por Schoenman, p. 48,25 História oculta do sionismo, p. 50.26 Citado por Schoenman, p. 50.27 História oculta do sionismo, p. 51.28 Idem, p. 53.29 Citado em História oculta do sionismo,p.54.30 Publicado pelo Jornal do Brasil de 22/4/01.

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