introdução à psicologia das diferenças individuais

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Parte I Desenvolvimento da psicologia das diferenças individuais

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Page 1: Introdução à Psicologia Das Diferenças Individuais

Parte I

Desenvolvimento da psicologiadas diferenças individuais

Page 2: Introdução à Psicologia Das Diferenças Individuais

1HISTÓRIA DA PSICOLOGIA

DAS DIFERENÇAS INDIVIDUAISRoberto Colom

Esta revisão histórica não será exaustiva,

já que descreveremos apenas os autores ou os

acontecimentos históricos que guardam estreita

relação com alguns dos conteúdos básicos do

estudo das diferenças individuais na psicolo-

gia atual.

O capítulo foi organizado por temas. No

primeiro tema (Antes da Ciência), expomos a

maneira como os antigos trataram do proble-

ma das diferenças individuais quando perce-

beram que os seres humanos comportavam-se

de maneira distinta. Da antigüidade até o sé-

culo XIX, passando pelo Renascimento, se es-

clarecem os indicadores de referência e méto-

dos utilizados na tentativa de compreender as

diferenças interpessoais. No segundo (Escolas

Científicas), organizamos as principais versões

da mesma partitura científica; o resultado é

uma estrutura composta de três escolas: a es-

cola anglo-saxônica, que é a mais influente em

nível internacional nos diversos programas de

pesquisa voltados a responder a perguntas so-

bre diferenças individuais; a escola francesa,

que teve uma influência notável na psicologia,

especialmente nos primeiros estudos patroci-

nados por Alfred Binet, no início do século XX;

a escola soviética, que influenciou, a partir das

pesquisas psicofisiológicas de Ivan P. Pavlov, di-

versas áreas da psicologia. No caso do estudo

das diferenças individuais, as contribuições da

escola soviética permitiram questionar a res-

INTRODUÇÃO

Desde os primórdios da humanidade, sem-

pre chamaram a atenção as diferenças entre as

pessoas. A humanidade acumulou relatos de

grandes e de pequenos personagens, histórias

protagonizadas por indivíduos revolucionários

ou conservadores, bondosos ou malvados, tole-

rantes ou tiranos, agressivos ou pacíficos.

Este capítulo descreve o passado da psi-

cologia das diferenças individuais. Foram di-

versas as tentativas de responder a perguntas

como: quais são as coisas que diferenciam os

seres humanos? O que eles fazem para se dife-

renciar e por que se diferenciam? Contudo, em

todas essas tentativas, observam-se elementos

comuns.

As maneiras de responder a essas pergun-

tas foram variando ao longo da história da psico-

logia até chegar aos dias de hoje. Revisar breve-

mente essas tentativas do passado é praticamente

uma obrigação. De certa maneira, os feitos de

nossos antepassados guardam relação com tudo

o que agora fazemos para estudar as diferenças

individuais. Saber quais são as perguntas que já

foram feitas e qual é o tipo de resposta que já foi

encontrada pode ajudar-nos a compreender por

que agora fazemos as coisas que fazemos e, por

outro lado, permite render merecida homena-

gem ao esforço realizado pelos autores que nos

precederam ao longo da história.

Page 3: Introdução à Psicologia Das Diferenças Individuais

16 CARMEN FLORES-MENDOZA, ROBERTO COLOM & COLS.

peito das bases biológicas das diferenças de

conduta. Na terceira parte do capítulo, são des-

critos alguns exemplos para entender o cha-

mado “movimento dos testes mentais”. Na

quarta parte, é descrito o que se conhece como

“revolução” cognitiva, ou seja, a tentativa de ir

além da informação obtida com os testes. Na

quinta parte, é discutida a relevância da gené-

tica da conduta no estudo das diferenças indi-

viduais. Finalmente, faz-se referência à análi-

se da personalidade, partindo do ponto de vis-

ta que estamos adotando aqui.

ANTES DA CIÊNCIA

Aqui vamos descrever as tentativas de es-

tudar as diferenças individuais no mundo anti-

go, no Renascimento e nos séculos XVIII e XIX.

Ciências antigas, como a astrologia, já foram

usadas para descrever as diferenças pessoais e

predizer a conduta das pessoas. Atualmente,

ainda há muitos devotos dessa ciência: as pes-

soas desejam prognosticar sua vida futura e, ao

que tudo indica, a astrologia não é completa-

mente inútil. Os filósofos gregos também se

questionaram sobre as diferenças pessoais. De

certo modo, a ciência nasceu na Grécia Antiga,

e a psicologia não constitui uma exceção: os fi-

lósofos tentaram explicar as diferenças pessoais

segundo uma série de princípios naturais. Como

no caso da astrologia, existem hoje versões mo-

dernas de tipologias humanas que já haviam sido

descritas pelos filósofos da Grécia Antiga.

No Renascimento, encontramos o pai do

estudo das diferenças individuais, o Dr. Juan

Huarte de San Juan. O século XVI espanhol

(Século de Ouro) representou uma verdadeira

revolução científica para toda a Europa, e

Huarte desempenhou um papel importante

com suas perguntas sobre as diferenças indivi-

duais. A obra desse autor espanhol influenciou

de maneira notável os estudos realizados no

conjunto do continente europeu e, evidente-

mente, na psicologia espanhola do século XX.

Nos séculos XVIII e XIX, começaram a

surgir tentativas mais sistemáticas de encon-

trar respostas às perguntas sobre diferenças in-

dividuais. F. J. Gall separou-se da filosofia e

procurou um novo indicador de referência

embasado nas ciências naturais. Os estudos de

Charles Darwin e de seu primo, Francis Galton,

constituíram a base da escola anglo-saxônica,

o primeiro por declarar que a evolução das es-

pécies só é possível se os indivíduos que a com-

põem são diferentes e, o segundo, por aplicar

esse princípio à psicologia.

O mundo antigo

A astrologia representou uma das primei-

ras tentativas de elaborar alguns princípios bá-

sicos para classificar e organizar as diferenças

entre as pessoas. No capítulo XIII do Tetrabiblos,

Ptolomeu esforça-se em relacionar os signos do

zodíaco com os traços do ser humano. Esse mo-

do de analisar as diferenças individuais de cer-

ta maneira também presente na cultura chine-

sa e com ligeiras modificações visíveis em al-

guns trabalhos contemporâneos, tem por obje-

tivo elaborar categorias dentro das quais seja

possível situar os indivíduos e, assim, poder pre-

dizer seus comportamentos.

Entretanto, o momento histórico que mar-

cou o início de uma série de reflexões sistemáti-

cas sobre as diferenças individuais aconteceu

na Grécia Clássica. A documentação disponível

mostra que, nessa época, já existia a preocupa-

ção de classificar os indivíduos a partir das teo-

rias dominantes sobre a natureza. Teofrasto

(372-288 a.C.), em seu livro Os caracteres morais,

descreveu 30 “tipos morais”, entre eles o adu-

lador, o trabalhador, o mal-educado ou o char-

latão. A doutrina clássica dos humores e tem-

peramentos, de Galeno e Hipócrates de Cós, re-

laciona os conhecimentos médicos dos gregos e

a procura pelo arké, o elemento primordial, com

os postulados dos filósofos pré-socráticos, prin-

cipalmente a teoria dos quatro elementos, de

Empédocles. Esse tipo de análise levaria às co-

nhecidas formas tipológicas, que continuaram

desenvolvendo-se até hoje. Temos exemplos dis-

so nas famosas tipologias de Krestchmer e

Sheldon, que demarcavam uma série de tipos

constitucionais que, segundo eles, contribuíam

para explicar as diferenças psicológicas.

Platão, em sua obra A República, reconhe-

ceu e usou as diferenças individuais e, a partir

disso, tentou designar os diversos cidadãos da

Page 4: Introdução à Psicologia Das Diferenças Individuais

INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DAS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS 17

República às tarefas para as quais se supunha

que estivessem naturalmente aptos. Platão che-

gou a escrever uma fábula para ilustrar essa

idéia, a conhecida Fábula dos Metais.

O Renascimento

O espanhol Juan Huarte de San Juan foi

o primeiro pensador a elaborar um referencial

sistemático para a análise das diferenças indi-

viduais. Inspirado na doutrina de Hipócrates e

Galeno, desenvolveu uma teoria das faculda-

des, ou habilidades, em que diferencia as fa-

culdades de imaginar, de entender e de me-

morizar. A obra em que apresenta seus argu-

mentos e observações, Examen de ingenios, foi

muito lida em sua época e traduzida para as

principais línguas européias.

Huarte classifica e sistematiza as diferen-

ças individuais atendo-se aos princípios bási-

cos da doutrina científica. Examen de Ingenios

consta de três partes fundamentais:

1. Primeiro, estuda teoricamente as di-

versas personalidades, suas varieda-

des e diferenças, sua relação com a

constituição dos temperamentos, a

teoria dos humores e do cérebro.

Essa análise permite explicar as di-

ferenças de talento ou aptidão.

2. Segundo, explora uma série de ques-

tões práticas, como as relações en-

tre profissões e entre pessoas.

3. Finalmente, são dados conselhos

para alcançar um engenho adequa-

do, recorrendo, entre outras coisas,

a melhoramentos na constituição

biológica das pessoas.

Séculos XVIII e XIX

F.J. Gall foi um dos precursores da psico-

logia das diferenças individuais. Ele contestou

os métodos introspectivos, próprios das pers-

pectivas filosóficas, por considerá-los inadequa-

dos para o desenvolvimento de uma psicolo-

gia científica. Também descartou a teoria clás-

sica das faculdades mentais, à qual atribuiu

uma excessiva globalidade e pouca utilidade

para explicar a real complexidade e diversida-

de do comportamento humano.

A craneometria ou frenologia de Gall in-

troduziu vários tópicos estudados posteriormen-

te pela perspectiva que estamos analisando, por

exemplo, as técnicas de mensuração das capa-

cidades, de quantificação estatística, de compa-

ração entre sexos, classes sociais ou raças. Gall

representou a primeira psicologia objetiva das

diferenças individuais depois de Huarte, visto

que rechaçou o estudo da mente adulta como

generalidade e tentou analisar como, de fato,

as pessoas são diferentes em uma grande varie-

dade de propriedades psicológicas.

Inglaterra

H. Spencer preparou o caminho para o

desenvolvimento de uma psicologia das dife-

renças individuais contemporânea e plenamen-

te científica, indo além das primeiras tentativas

de autores como Huarte e Gall. Segundo Spencer,

o estudo da mente deveria consistir em obser-

var a maneira como ela evolui a partir de uma

massa indiferenciada, até se tornar um orga-

nismo heterogêneo e integrado; esse processo

denomina-se princípio de diferenciação.

Em seu livro Princípios de psicologia

(1855), Spencer integra o associacionismo in-

glês, representado por filósofos como John

Locke e David Hume, à fisiologia sensório-

motora e à teoria da evolução do naturalista

Lamarck. O desenvolvimento da mente consis-

tiria em um ajuste adaptativo às condições

ambientais, e o cérebro humano acumularia

experiências durante o processo de evolução.

Nessa perspectiva, as idéias inatas não seriam

incompatíveis com os pressupostos empiristas

dominantes na filosofia anglo-saxônica, cená-

rio em que Spencer desenvolveu sua obra.

Contudo, quando os psicólogos alemães

adotaram a filosofia associacionista dos ingle-

ses, não perceberam a possibilidade de vincular

essa filosofia com a teoria da evolução. Foram

os ingleses que viram que a secessão da Psico-

logia passava pelo estudo das variações indivi-

duais a partir de uma perspectiva naturalista.

Para os herdeiros do associacionismo britâni-

co, o indivíduo era uma espécie de combina-

Page 5: Introdução à Psicologia Das Diferenças Individuais

18 CARMEN FLORES-MENDOZA, ROBERTO COLOM & COLS.

ção entre organismo físico e atividade mental;

já para os alemães, não havia problema em

aceitar a idéia da variabilidade física. Contudo

não fazia sentido sequer pensar em variabili-

dade mental ou psicológica, pois estava fora

de questão perguntar-se se a atividade mental

era única e exigia leis universais.

Os verdadeiros pilares do estudo científico

contemporâneo das diferenças individuais são:

– Charles Darwin e Francis Galton.

– O protestantismo e o capitalismo.

O protestantismo e o capitalismo propi-

ciam o rompimento do conceito universal do

homem como indivíduo inseparável de seu gru-

po, que era próprio da Idade Média, e introdu-

zem uma concepção do homem como ser indi-

vidual. O protestantismo coloca o homem sozi-

nho perante Deus, rejeitando o papel mediador

da Igreja Medieval. O capitalismo, por sua ne-

cessidade de especialização individual para co-

brir uma grande variedade de funções no traba-

lho, requisito para obter aumento de produtivi-

dade e de eficiência administrativa, constitui

o caldo de cultura adequado para o desenvolvi-

mento de técnicas de mensuração e de quantifi-

cação das diferenças individuais. O surgimento

do estado capitalista moderno dependia da di-

visão do trabalho e da especialização ocupa-

cional dos talentos humanos. Por outro lado, a

quantificação e a descrição das diferenças in-

dividuais guardam relação com uma socieda-

de econômica que depende da mensuração e

da quantificação dos produtos materiais. O êxi-

to da tecnologia aplicada no terreno material

prepara o caminho para o estudo científico das

diferenças individuais nas características psi-

cológicas mais freqüentes.

Do ponto de vista estritamente científico,

surgiu Charles Darwin, que afirmava que as dife-

renças individuais são os elementos básicos de

seu sistema teórico. Segundo ele, as variações

individuais deveriam ser o ponto de partida das

ciências biológicas e antropológicas, assim como

a chave que possibilitaria a interpretação cien-

tífica da natureza. Darwin estudou o problema

das diferenças individuais na espécie humana

em suas obras A origem do homem (1871) e A

expressão das emoções no homem e nos animais

(1873). Ele afirmava que, para poder estudar

cientificamente as diferenças individuais, eram

necessários métodos originais, e essa foi a tare-

fa de que se encarregou Sir Francis Galton.

ESCOLAS CIENTÍFICAS

Uma escola científica é composta por uma

série de autores que compartilham idéias sobre

determinada disciplina. No que diz respeito à

pesquisa sobre as diferenças individuais, é possí-

vel identificar ao menos três escolas que compar-

tilham o interesse por seu estudo, ou seja, todas

são versões da mesma partitura científica. Mas,

por outro lado, elas também possuem algumas

diferenças significativas, que permitem separar

suas importantes contribuições. As distinções

que faremos podem ser um pouco arbitrárias,

mas servem para organizar, de maneira relati-

vamente sistemática, os esforços realizados até

o presente nessa área. As escolas que vamos

descrever são a anglo-saxônica (Inglaterra e

América do Norte), a francesa e a soviética.

A escola anglo-saxônica:Grã-Bretanha e América do Norte

Francis Galton: seu principal postulado

teórico afirma que se existem variações essen-

ciais nas propriedades físicas, elas também de-

verão existir nas psicológicas, e que há uma re-

lação direta entre as diferenças individuais no

funcionamento dos órgãos sensório-motores e

as diferenças intelectuais. Assim, quanto melhor

for o rendimento da pessoa em tarefas basea-

das em tempo de reação, de caráter sensorial e

motor, maior será sua capacidade intelectual.

Em sua obra Gênio hereditário, Galton

escreveu: “neste livro, pretendo demonstrar

que as habilidades naturais do homem proce-

dem da herança e estão sujeitas exatamente às

mesmas limitações que a forma e as caracte-

rísticas físicas de todo o universo orgânico”.

Galton utilizou uma série de métodos es-

tatísticos para coletar informações sobre as di-

ferenças individuais. Também estudou a esta-

tística de Quetelet e se deparou com a distri-

buição normal das medidas físicas, como a al-

Page 6: Introdução à Psicologia Das Diferenças Individuais

INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DAS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS 19

tura. Observou que, se fosse medida a altura

da população de um determinado país, seria

constatado que boa parte dos resultados fica-

ria em torno de uma altura média, uma segun-

da parcela da população, menos numerosa,

estaria constituída por pessoas com alturas um

pouco maiores e uma terceira parte, ainda mais

reduzida, seria de pessoas muito altas; o mes-

mo aconteceria no outro sentido, com pessoas

um pouco mais baixas do que a média e muito

mais baixas do que a média. Características fí-

sicas, como altura, representariam uma distri-

buição normal, adotando a forma de um sino:

se isto acontece com a altura, a mesma coisadeverá acontecer com todas as outras carac-terísticas físicas, tais como o perímetro cra-niano, o tamanho do cérebro, o peso da mas-sa cinzenta e o número de fibras nervosas, e,portanto, dando um passo que nenhum filó-sofo vacilaria em dar, a mesma coisa aconte-cerá com a capacidade mental.

Galton pode ser considerado como um re-

volucionário da psicologia. Vejamos as decla-

rações de alguns autores importantes da psi-

cologia contemporânea:

– Anne Anastasi (1958):

Galton foi o primeiro a tentar aplicar os prin-cípios evolucionistas da variação, seleção eadaptação ao estudo dos indivíduos humanos.Também foi quem primeiro utilizou os testesde associação livre, técnica que, posteriormen-te, foi adotada e desenvolvida por Wundt.

– Maurice Reuchlin (1978):

A contribuição teórica de Galton ao estudo dasdiferenças individuais na psicologia humanaconsiste em relacionar esse estudo com o me-canismo geral da evolução.

– George A. Miller (1968):

Enquanto Wundt conservou o passado, Galtonconstruiu alicerces para o futuro. Galton, emmuito maior medida que Wundt, é a fonte dapsicologia moderna.

Francis Galton desenvolveu uma série de

técnicas para estudar cientificamente as dife-

renças individuais:

– formulou as principais medidas de dis-

persão, como, por exemplo, o desvio-

padrão;

– inventou o percentil, os métodos de

regressão e as tabelas de referência pa-

ra interpretar os escores individuais;

– elaborou os primeiros cadernos para

o registro ponderado do desenvolvi-

mento a partir do nascimento;

– inventou diversos aparelhos de regis-

tro, como o apito de Galton para medir

as funções auditivas, e provas para me-

dir a discriminação da profundidade

de cor, acuidade visual e daltonismo;

– desenvolveu o índice de correlação

para descrever a força da relação en-

tre duas variáveis.

Esses instrumentos permitiram que Galton

montasse um laboratório antropométrico, ins-

talado pela primeira vez durante a Exposição

Internacional de Saúde, realizada em 1884, em

Londres.

Ele também inventou o retrato-robô e su-

geriu o uso das impressões digitais para

identificar as pessoas de modo inequívoco.

Ambos têm sido de grande utilidade na inves-

tigação policial.

University College: com o passar do tem-

po, este centro passou a ser a principal insti-

tuição da escola britânica. Galton contribuiu

com um grande número de instrumentos de

mensuração para o laboratório de psicologia

do University College. Tanto Galton como Karl

Pearson influenciaram de modo decisivo as pes-

quisas desenvolvidas nesse laboratório.

Entre 1906 e 1931, o laboratório de psi-

cologia foi dirigido por Charles Spearman e,

posteriormente, por Sir Cyril Burt até 1951.

Burt (1952) escreveu:

Durante os 20 anos em que tenho ocupado acátedra de Psicologia do University College,meu principal propósito tem sido preservarsuas tradições originais e fazer dele um pontode irradiação do ramo da psicologia que aquifoi fundado e desenvolvido por Galton – a psi-cologia individual ou, como Stern costumavachamar, psicologia das diferenças –, o estudodas diferenças mentais entre indivíduos, se-xos, classes sociais e outros grupos.

Page 7: Introdução à Psicologia Das Diferenças Individuais

20 CARMEN FLORES-MENDOZA, ROBERTO COLOM & COLS.

Dois alunos de Burt precisam ser mencio-

nados: os professores Raymond B. Cattell e

Hans Eysenck.

R. B. Cattell também teve a oportunida-

de de estudar com Charles Spearman, mas,

depois de concluído seu período de formação

e após desenvolver alguma pesquisa no labo-

ratório, mudou-se para os Estados Unidos, onde

fundou a Sociedade de Psicologia Experimen-

tal Multivariada para o desenvolvimento da psi-

cologia fatorial. Também foi o fundador do

Institute for Personality and Ability Testing

(IPAT), de Illinois, centro de investigações em

que foram desenvolvidos numerosos instru-

mentos de medição usados internacionalmen-

te. Os resultados práticos dos estudos realiza-

dos no IPAT têm sido dirigidos tanto à medi-

ção da inteligência quanto da personalidade.

Talvez o resultado mais conhecido de Cattell

seja o 16-PF, um teste que visa a medir impor-

tantes variáveis da personalidade, muito utili-

zado pela psicologia organizacional e pela psi-

cologia clínica. Além de contribuir com o de-

senvolvimento da tecnologia psicológica,

Cattell também é um renomado teórico da psi-

cologia, ainda que a complexidade matemáti-

ca de seus trabalhos tenha sido, em muitas oca-

siões, um obstáculo para que seja conhecido

pelo grande público de psicólogos.

Hans Jurgen Eysenck é um dos autores

mais importantes da psicologia em geral, com

numerosas obras de divulgação psicológica que

serviram para divulgar o caráter científico dos

estudos psicológicos. Também foi protagonista

de estrondosos debates públicos que deram a

volta ao mundo e, inclusive, foi objeto de perse-

guição por parte de determinados grupos radi-

cais. Na comunidade científica, Eysenck desta-

cou-se por seus estudos sobre diferenças da per-

sonalidade, desenvolvendo a conhecida teoria

PEN (psicoticismo, extroversão, neuroticismo),

além de explorar o problema das diferenças inte-

lectuais. Embora seus estudos partam da análi-

se dos traços, sua própria equipe de investiga-

ção e muitas outras equipes, de diversos países,

têm explorado as bases biológicas das princi-

pais dimensões da personalidade, entre as quais

se destacam a extroversão e o neuroticismo,

incluídos na sua teoria PEN.

Tal como Charles Spearman (1904), po-

demos resumir as principais características da

escola britânica da seguinte maneira:

– propunha que a natureza da mente

devia ser explorada através da análi-

se de uma série de elementos simples;

– manifestava um repúdio explícito aos

métodos introspectivos. Spearman

expressava isso da seguinte maneira:

Quando dizemos que a decisão de Régulo devotar contra a paz com Cartago não passoude um conglomerado de sensações visuais, au-ditivas e táteis, de intensidade e grau de asso-ciação diversos, estamos correndo o risco ine-gável de perder alguns elementos psíquicospreciosos.

– apoiava-se em uma psicologia correla-

cional para descobrir, objetivamente,

quais eram as tendências psíquicas im-

portantes. Mais concretamente, preten-

dia descobrir quais eram as relações en-

tre o rendimento dos sujeitos nos tes-

tes mentais e as atividades psíquicas

mais interessantes;

– rejeitava tanto as teorias clássicas das

faculdades, que influenciaram forte-

mente as primeiras tentativas de cons-

truir uma psicologia científica, quan-

to o recurso da iluminação interna ou

da intuição do pesquisador. A escola

britânica pretendia produzir fatos ve-

rificáveis. Segundo Spearman, se esse

programa tão ambicioso fosse bem-su-

cedido, daria à psicologia experimen-

tal o elo que faltava em sua justificação

teórica e, ao mesmo tempo, se conse-

guiria um produto prático promissor;

– enquanto o procedimento habitual na

psicologia consistia em determinar, de

modo subjetivo, uma área de pesqui-

sa (como percepção, atenção, imagi-

nação ou fadiga), a proposta da esco-

la britânica consistia em não adotar

nenhuma posição teórica ao iniciar a

pesquisa e, assim, chegar a descobrir,

experimentalmente, quais poderiam

ser os conceitos teóricos importantes;

Page 8: Introdução à Psicologia Das Diferenças Individuais

INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DAS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS 21

– as pessoas utilizadas nas pesquisas psi-

cológicas deviam representar a popu-

lação geral. Spearman escreveu: “uma

Universidade não é o lugar idôneo

para procurar a correspondência na-

tural entre funções”;

– é necessário estudar os fundamentos

cognitivos do rendimento das diferen-

tes pessoas nas provas ou nos testes

mentais. A obra de Charles Spearman

A natureza da “inteligência” e os prin-

cípios da cognição constituiu o primei-

ro estudo cognitivo sistemático da his-

tória da psicologia. Segundo Carroll

(1982), essa obra consiste em uma

análise minuciosa dos processos de ra-

ciocínio, tal como se manifestam na

resolução de silogismos, na obtenção

de inferências a partir de proposições,

na resolução de problemas matemáti-

cos e em outros processos similares.

Em resumo, a escola britânica caracteri-

za-se por um intenso esforço para submeter o

estudo das diferenças individuais à análise ma-

temática e estatística. Às vezes, é denominada

psicologia fatorial, cuja principal característi-

ca é a utilização de procedimentos estatísticos

para produzir teorias psicológicas. Contudo,

como escreveu Raymond B. Cattell (1947) so-

bre Charles Spearman:

As teorias de Spearman passaram despercebi-das devido à serena elegância matemática deque estavam revestidas. Provavelmente, o fatode que a maioria dos pesquisadores não se-guisse esse rastro ocorreu porque, quase ime-diatamente, surgiram o clamor e a gritariacausados pelas provas de Binet.

James McKeen Cattell: este autor traba-

lhou com Francis Galton em seu laboratório

antropométrico, em Londres. Posteriormente,

fundou o laboratório de psicologia da Univer-

sidade de Columbia, provavelmente o primei-

ro produto visível da escola americana (Boring,

1950).

J.M. Cattell seguiu as diretrizes de Galton

e rejeitou a perspectiva de Wundt, tal como

ocorreu no caso da escola britânica. Vejamos

algumas das características do laboratório de

Cattell através de seu escrito clássico, Mental

Test and Measurement:

– “Sr. Francis Galton já utiliza alguns

desses instrumentos em seu laborató-

rio antropométrico”. Cattell esperava

que “a série de testes aqui apresenta-

da contasse com sua aprovação”;

– considerava conveniente seguir Galton

e combinar a aplicação de testes cor-

porais, como peso, tamanho e cor dos

olhos, com determinações psicofísicas

e mentais;

– Cattell escreveu:

Acompanho o Sr. Galton na escolha do senti-mento de esforço ou peso. O Sr. Galton utilizaum engenhoso instrumento que mede o tem-po através do movimento de queda de um bas-tão e que dispensa a eletricidade. ComoGalton, faço com que o sujeito divida umarégua de ébano em duas partes iguais median-te a utilização de uma linha móvel.

Cattell partilhava com Galton a idéia de

que era possível obter uma medida do funcio-

namento intelectual através de testes de discri-

minação sensorial e de tempo de reação. As

funções simples podiam ser medidas com preci-

são, ao contrário das propriedades mais com-

plexas, cuja mensuração objetiva não era nada

fácil.

Segundo Boring (1950), não se deve re-

duzir a psicologia de Cattell somente aos tes-

tes mentais, já que se trata de uma psicologia

das capacidades humanas. Cattell tentou de-

senvolver uma descrição da natureza humana

em relação ao seu alcance e à sua variabilida-

de, da mesma forma que Galton.

A escola americana após J.M. Cattell: a ver-

tente americana da escola anglo-saxônica está

muito vinculada aos testes mentais e à utiliza-

ção de métodos matemáticos, assim como a es-

cola britânica. As duas guerras mundiais re-

presentaram momentos importantes para o de-

senvolvimento da tradição americana, visto que

propiciaram uma comunicação mais intensa

entre um grande número de pesquisadores.

Existe, portanto, uma extraordinária semelhan-

Page 9: Introdução à Psicologia Das Diferenças Individuais

22 CARMEN FLORES-MENDOZA, ROBERTO COLOM & COLS.

ça com o ocorrido em outras áreas da ciência,

como a física.

Existiram muitos autores e instituições re-

levantes na escola americana, mas, provavel-

mente, os mais importantes foram os seguintes:

– o Laboratório de Psicometria, de Louis

Leon Thurstone, instalado na cidade

de Chicago;

– o Projeto sobre Aptidões, de Joy Paul

Guilford e do exército americano;

– o IPAT (Institute for Personality and

Ability Testing – ou Instituto para Medi-

ção da Personalidade e das Capacida-

des), dirigido por Raymond Bernard

Cattell;

– a equipe da Universidade de Stanford,

dirigida por Lewis Terman. Essa uni-

versidade foi, a partir desse momen-

to, um centro aglutinador de várias

equipes de pesquisa sobre as diferen-

ças individuais. Autores do porte de

Lee J. Cronbach e Richard Snow de-

senvolveram suas pesquisas nessa uni-

versidade. Muito perto da Universida-

de de Stanford, encontra-se a Univer-

sidade de Berkeley, onde trabalhou um

dos autores mais importantes da psi-

cologia das diferenças individuais,

Arthur R. Jensen;

– o Educational Testing Service, de Prin-

ceton.

Nesses e em outros centros acadêmicos,

sob a cuidadosa supervisão dos autores cita-

dos, formou-se a maior parte dos pesquisado-

res das diferenças individuais nos Estados Uni-

dos. Por outro lado, esses centros também con-

tribuíram para a formação de pesquisadores

de vários outros países.

É possível afirmar que existiram três áreas

básicas de desenvolvimento nos Estados Unidos:

– em primeiro lugar, a psicologia fato-

rial, de Thurstone, Cattell e Guilford,

cujo objetivo é estudar duas áreas bá-

sicas de pesquisa: a inteligência e a

personalidade humanas;

– em segundo lugar, o movimento dos

testes psicológicos. O principal objeti-

vo desse movimento é produzir ins-

trumentos de medição confiáveis e vá-

lidos, que permitam avaliar uma série

de propriedades psicológicas, de tal

maneira que seja possível fazer julga-

mentos objetivos sobre indivíduos di-

ferentes em situações práticas como

educação, trabalho e clínica;

– em terceiro lugar, uma linha de investi-

gação básica das diferenças individuais,

que foi precursora, nos últimos 30 ou

40 anos, da chamada psicologia cog-

nitiva diferencial, que se propõe explo-

rar as causas das diferenças intelectuais

por meio da análise experimental de

laboratório dos processos mentais.

Esses três pilares não foram independen-

tes nem únicos. Entre eles, se estabeleceram

relações de inquestionável interesse para o

avanço científico relacionado com a pesquisa

das diferenças individuais.

O paradigma teórico básico das diferenças

individuais (O-E-R, organismo, estímulo, res-

posta): provavelmente, uma das principais

contribuições teóricas da escola americana

surgiu da tese de doutorado de L.L. Thurstone.

Nesse estudo, posteriormente transformado em

artigo publicado em 1923 (“The stimulus-res-

ponse fallacy in psychology”), o objetivo de

Thurstone era refutar a linha condutista de J.B.

Watson e seus seguidores. Para isso, Thurstone

também elaborou uma via alternativa para as

pesquisas psicológicas, que não era “redutora”

da riqueza do comportamento humano.

Para Thurstone, antigo ajudante de T.A.

Edison, uma psicologia científica capaz de ga-

nhar o respeito de outras ciências naturais não

precisava cingir-se exclusivamente à análise da

conduta diretamente observável. Afirmava que

era perfeitamente possível dar atenção às pro-

priedades psicológicas não-observáveis e, mes-

mo assim, conservar o status de ciência no sen-

tido estrito. Ele dizia que um fato que a psico-

logia não podia ignorar é que “nós procura-

mos ativamente a maior parte de nossos estí-

mulos”. Segundo Thurstone:

Todo problema científico constitui uma pro-cura pelas relações funcionais entre duas va-

Page 10: Introdução à Psicologia Das Diferenças Individuais

INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DAS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS 23

riáveis. Na psicologia, temos dois sistemas devariáveis que devem estar relacionados: as mo-tivações e os comportamentos observáveis. Emvez de selecionar esses dois sistemas de variá-veis, tentamos (erroneamente) expressar aação como uma função do estímulo.

A proposta de Thurstone pode ser sinte-

tizada do seguinte modo:

– afirmar que a psicologia estuda as rela-

ções estímulo-resposta é ir longe demais;

– esquecemos que a pessoa pode respon-

der, ou não, a determinados estímulos;

– é necessário destronar o estímulo como

elemento básico da pesquisa psico-

lógica;

– o elemento importante da investiga-

ção psicológica deveria ser o indiví-

duo e suas motivações, seus desejos,

suas necessidades ou suas ambições;

– o estímulo é, simplesmente, o fato,

mais ou menos acidental, de que o am-

biente se transforma em estímulo so-

mente quando serve de instrumento

para os propósitos de alguém. Quan-

do não serve de instrumento para fa-

zer aquilo que queremos, já não é pos-

sível falar em estímulo;

– o estímulo não é uma causa, mas sim-

plesmente um meio para alcançar nos-

sos objetivos pessoais, não os do es-

tímulo;

– Thurstone apresentou um paradigma

alternativo ao clássico “Estímulo-Or-

ganismo-Resposta”, em que o elemen-

to essencial da pesquisa psicológica é

o estímulo, e a pessoa apenas modifica

a série estímulo-resposta. Nele, quan-

do o instinto é mencionado, é pensan-

do principalmente em um estímulo

capaz de desencadear a conduta ins-

tintiva, mas a pessoa é ignorada.

O novo paradigma postulado por Thurs-

tone é o seguinte:

o indivíduo – o estímulo – o comportamento

O indivíduo torna-se o ponto de partida,

e o estímulo é considerado como uma circuns-

tância ambiental momentânea. O indivíduo

deve ser considerado como a primeira causa

com que deve estar comprometida a psicolo-

gia científica. Por isso, pode-se dizer que a psi-

cologia das diferenças individuais representa

um enfoque científico, centralizado na pessoa,

e não no estímulo.

O paradigma O-E-R foi trazido novamente

à tona por Robert Plomin, na obra Genetics and

Experience (1994). Nessa obra, Plomin sugere

que o paradigma O-E-R pode ajudar os psicó-

logos a expressarem, de maneira prática, a idéia

de que a pessoa deve ser considerada como

um ser ativo. Estranhamente, Plomin não se

baseou em Thurstone para fazer sua proposta,

ou seja, os dois autores chegaram a conclusões

semelhantes por caminhos independentes, mas

com um intervalo de 60 anos (Plomin, comu-

nicação pessoal).

A escola Francesa

Alfred Binet: o artigo escrito por Binet e

Henri em 1895 (“A psicologia individual”), en-

quadra-se no movimento nascente dos testes

mentais e critica a visão elementarista dos tes-

tes típicos da perspectiva de Galton e Cattell,

basicamente sensório-motora.

Um estudo clássico realizado nos Estados

Unidos por Wissler (1901) evidenciou a escas-

sa viabilidade prática das idéias de Galton. As

medidas típicas usadas por ele não eram capa-

zes de predizer as diferenças individuais no ren-

dimento acadêmico dos universitários. Contu-

do, a qualidade científica do estudo de Wissler

é muito pobre (Eysenck e Eysenck, 1985) pe-

las razões que apresentamos a seguir:

– utiliza entre três e cinco medidas de tem-

po de reação, sendo que, para obter

médias significativas, são necessárias

pelo menos 100 medições, devido à

variabilidade desse tipo de medidas;

– Wissler não usou nenhum teste de inte-

ligência, limitando-se a correlacionar

os tempos de reação com as qualifica-

ções médias dos estudantes universitá-

rios que, evidentemente, não eram re-

presentativos da população em geral.

Page 11: Introdução à Psicologia Das Diferenças Individuais

24 CARMEN FLORES-MENDOZA, ROBERTO COLOM & COLS.

Após um longo período dedicado a pes-

quisar as tarefas mais simples estudadas por

Galton e Cattell, entre outros, Alfred Binet che-

gou à conclusão de que os testes que incluíam

atividades mais complexas e guardavam maior

semelhança com as atividades mentais da vida

cotidiana poderiam ser muito mais interessan-

tes. Binet escreveu que “o uso dos testes está

muito difundido atualmente: existem autores

contemporâneos especializados na criação de

novos testes; organizam-nos em função da teo-

ria, sem se preocupar em verificá-los de modo

conveniente”. Binet e Simon (1905) expuseram

algumas considerações no desenrolar de seu fa-

moso trabalho Escala Métrica da Inteligência:

– uma avaliação adequada da inteligên-

cia exige utilizar tarefas que estejam

mais próximas das verdadeiras tare-

fas de interesse ou critério, ou seja,

de desafios reais como, por exemplo,

aprender as diversas matérias da edu-

cação fundamental;

– a avaliação não deveria realizar-se em

laboratório, e sim nos contextos natu-

rais em que se desenvolvem essas ta-

refas. Nesse caso, as diversas matérias

são ensinadas na escola;

– nesse tipo de prova, é necessário ter

rapidez: é impossível prolongá-la além

de 20 minutos sem cansar o indivíduo;

– os testes devem ser heterogêneos e va-

riados, capazes de abranger rapida-

mente um amplo leque de observações;

– o objetivo deve ser observar um de-

terminado nível de inteligência, sepa-

rando a inteligência natural do apren-

dizado adquirido. Isso significa que

pode vir a ser necessário sacrificar

muitos exercícios com conteúdo ver-

bal, literário ou escolar;

– os alicerces essenciais da inteligência

são o bom julgamento, a correta com-

preensão e o bom raciocínio;

– a memória, mesmo sendo um elemen-

to importante da inteligência, deve ser

considerada de modo independente

da capacidade de julgamento. É possí-

vel ter uma grande memória sem ca-

pacidade de julgamento e vice-versa.

A escala métrica da inteligência resulta,

portanto, em uma teoria da inteligência. Por isso,

segundo Oleron (1957), quando Binet expres-

sa a inteligência com apenas uma cifra está su-

pondo que o objeto de sua mensuração é único.

As pesquisas de Alfred Binet permitem

atender a uma série de demandas técnicas: se-

leção de deficientes, interpretação e classifica-

ção dos desvios do comportamento, predição

de sucesso e adaptação pessoal.

Segundo Binet, a psicologia individual

deveria concentrar-se no estudo dos processos

superiores e se abrir a novas formas de traba-

lho, capazes de simplificar as tarefas de labo-

ratório e aproximá-las da vida cotidiana. Para

isso, um dos métodos mais úteis é o dos testes

psicológicos.

Portanto, a contribuição de Alfred Binet

ao desenvolvimento da psicologia das diferen-

ças individuais consiste nos seguintes aspectos:

– seu interesse básico pelo tema;

– a ênfase que coloca no estudo das fun-

ções superiores, dos processos comple-

xos do psiquismo, contraposta ao ele-

mentarismo e à simplicidade da pers-

pectiva de Galton ou de J. M. Cattell;

– sua insistência na necessidade de uma

renovação metodológica. Nesse senti-

do, defende os testes mentais e uma con-

cepção prática do exame psicológico.

A escola francesa depois de Alfred Binet:

Binet morreu prematuramente, e seu projeto de

pesquisa ficou sem uma continuidade pessoal

clara. Contudo, após sua morte, Henri Pieron

encarregou-se do Laboratório de Psicologia de

Paris e resgatou o legado que ele deixou.

E. Claparède é outra personalidade im-

portante no desenvolvimento da tradição fran-

cesa. Como Binet, também sustentou a neces-

sidade de dar à psicologia a possibilidade de

demonstrar à sociedade seu caráter prático. Por

essa postura, Claparède chegou a ser um dos

principais promotores da psicologia aplicada

em nível internacional.

Anos depois, podia-se encontrar na Fran-

ça uma série de pesquisadores influenciados,

direta ou indiretamente, pelos primeiros estu-

dos de Alfred Binet. Provavelmente, o autor

Page 12: Introdução à Psicologia Das Diferenças Individuais

INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DAS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS 25

mais importante desse grupo seja o aluno de

Pieron, Maurice Reuchlin, que foi o encarre-

gado de escrever um manual básico de psico-

logia diferencial (La psychologie differentialle),

editado originalmente em 1969 e reeditado,

posteriormente, em várias ocasiões, a última

delas em 1993. Esse manual tem servido de

base para a formação de muitos profissionais

franceses que atualmente orientam suas ativi-

dades psicológicas a partir dessa perspectiva

científica.

Nos últimos anos, destacaram-se como te-

mas de pesquisa prioritários, entre outros

(Reuchlin, 1978):

– o estudo das diferenças intra-indivi-

duais, ou seja, o acompanhamento das

mudanças de uma pessoa em diversas

situações e ocasiões;

– o estudo das mudanças de maturida-

de durante o ciclo vital;

– a análise da inteligência, dando espe-

cial ênfase ao retardo mental.

A escola soviética

A tradição soviética é habitualmente cha-

mada de psicofisiologia das diferenças indivi-

duais. Seu objetivo principal foi encontrar uma

explicação causal das diferenças de comporta-

mento, por meio do estudo científico de variá-

veis fisiológicas, principalmente em animais,

ainda que não exclusivamente.

I.P. Pavlov: em suas clássicas pesquisas

sobre o processo digestivo, na Torre do silên-

cio, Pavlov encontrou diferenças de condicio-

namento individuais, sistemáticas e reiteradas

entre os cachorros estudados por ele. Obser-

vou que alguns deles podiam ser condiciona-

dos com extrema facilidade, enquanto outros

demoravam muito mais tempo para reagir às

condições experimentais. O estudo de Pavlov

consistiu, basicamente, em:

– colocar um cachorro em um quarto a

prova de som;

– após um período de jejum alimentar,

implementar uma seqüência como a

seguinte:

• tocar um sino;

• dar alguma comida ao cachorro

imediatamente depois de finaliza-

do o som do sino;

• repetir a seqüência som-comida

uma série de vezes, respeitando os

mesmos intervalos de tempo, na

versão mais simples da experiência;

• depois do período de repetição da

seqüência, tocar o sino, mas não

dar comida ao cachorro;

• comprovar a reação fisiológica do

cachorro ao escutar o som do sino.

Uma operação cirúrgica permitia obter

indicadores fisiológicos sobre a resposta ali-

mentícia do cachorro, como, por exemplo, o

aumento da salivação.

Pavlov comprovou que o som do sino dis-

parava automaticamente a salivação do cachor-

ro. Sua interpretação foi de que o cachorro

aprendera a associar o som do sino com a co-

mida, o que o levava a antecipar a chegada de

comida, preparando seu sistema digestivo com

certa antecedência.

O aspecto importante disso é que Pavlov

observou diferenças individuais sistemáticas

entre os cachorros e, a partir dessa constatação,

desenvolveu uma série de explicações teóricas

sobre as possíveis causas fisiológicas das dife-

renças. Esse princípio básico do condiciona-

mento foi retomado nos Estados Unidos por J.

B. Watson e tem exercido uma influência deci-

siva nos programas de pesquisa voltados a re-

lacionar as diferenças individuais observáveis

com sua base psicofisiológica.

Pavlov afirmou que a explicação das fun-

ções mentais deveria apoiar-se em um estudo

detalhado e minucioso de suas bases fisiológi-

cas. Segundo G.A. Miller (1968), a concepção

de Pavlov não é, absolutamente, uma teoria

fisiológica: trata-se de uma teoria psicológica

encoberta por uma linguagem fisiológica.

A escola soviética depois de Pavlov: o tra-

balho dos psicólogos russos começou com o

estudo das propriedades da atividade nervosa

e de seus respectivos tipos. A conduta mani-

festada por uma pessoa deve ser, por conse-

guinte, uma mistura de:

Page 13: Introdução à Psicologia Das Diferenças Individuais

26 CARMEN FLORES-MENDOZA, ROBERTO COLOM & COLS.

– tipo de sistema nervoso;

– experiências condicionantes.

A escola soviética explora, entre outras,

quatro propriedades básicas do sistema nervo-

so: força, mobilidade, dinamismo e equilíbrio.

Força: um sistema nervoso forte pode

suportar excitação prolongada e concen-

trada, ou a ação de um estímulo muito

forte, sem passar a um estado de inibi-

ção. Um reflexo condicionado (por

exemplo, a resposta de salivação ao som

de um sino) aumentará em magnitude

quando for aumentada a intensidade do

estímulo até o ponto em que a intensi-

dade do estímulo passar a produzir ini-

bição, ou seja, quando for tão intensa

que o sistema já não apresente respos-

ta. Assim, a resposta condicionada

deixa de aumentar em magnitude e,

inclusive, pode decrescer ou desapa-

recer. Esse ponto denomina-se limiar

de inibição transmarginal e será atin-

gido mais rapidamente quando o sis-

tema nervoso for frágil. Em um siste-

ma nervoso forte, uma determinada

dose de cafeína terá o efeito de aumen-

tar o processo excitatório, enquanto

em um sistema nervoso frágil, esse

efeito diminui quando faz com que a

célula ultrapasse os limites de sua ca-

pacidade de trabalho, ou seja, que ela

fique saturada e pare de responder.

Um sistema nervoso frágil está sem-

pre em uma situação de maior ativa-

ção espontânea. Isso equivale a um

córtex bombardeado, de maneira glo-

bal e inespecífica, por uma estrutura

cerebral denominada sistema ativador

reticular ascendente (SARA). A força do

sistema nervoso guarda relação com as

propriedades dos neurônios por meio

de uma substância de excitabilidade

que regula a capacidade de trabalho.

Por sua vez, a ativação cerebral espon-

tânea refere-se à descarga dos neu-

rônios segundo diversos graus de ati-

vidade provocada pelo SARA em repos-

ta ao grau da carga de trabalho. Por

conseguinte, a força é inerente ao siste-

ma nervoso, enquanto a ativação es-

pontânea é uma exigência externa.

Mobilidade: refere-se à velocidade de

adaptação do organismo a circunstân-

cias novas.

Dinamismo: é a capacidade de formar

reflexos condicionados positivos e re-

flexos condicionados inibidores. Por

exemplo, pode-se dizer que as pessoas

introvertidas são altas no dinamismo

de seus processos de excitação e bai-

xas no dinamismo de seus processos

inibidores, ou seja, excitam-se com ra-

pidez e inibem-se com lentidão.

Equilíbrio: seria uma quarta proprie-

dade relacionada com a força relativa

dos processos inibidores e de excita-

ção, que vem somar-se às três dimen-

sões independentes de força, mobili-

dade e dinamismo.

A escola soviética possui um caráter

psicofisiológico ou biológico. Seus estudos têm

sido decisivos nas tentativas de autores, como

Hans J. Eysenck, de explorar as bases biológicas

de determinados conceitos psicológicos relacio-

nados com as diferenças de personalidade. Os

autores mais relevantes em que a tradição dife-

rencialista russa se apoiou, após os estudos de

Pavlov, foram, entre outros, Teplov, Nebylitsin,

Rojdestvenskaya, Merlin e Goluveba.

Mas não devemos esquecer os avanços

psicométricos da escola soviética. Assim, por

exemplo, o Instituto Pan-Ucraniano publicou

seus trabalhos, em 1928, na obra As medidas

da inteligência. Em 1930, Baranov e Solovieff

editaram uma série de testes de inteligência e,

em 1920, foram criados na Rússia uma série

de institutos (Instituto de Eficiência Industrial

e Instituto Central do Trabalho) destinados ao

estudo da produtividade e do trabalho, além

da divulgação e da aplicação dos métodos

psicotécnicos (Fernández-Ballesteros, 1980).

OS TESTES MENTAIS

Um teste mental consiste em uma série de

perguntas ou de problemas que ajudam a avaliar

Page 14: Introdução à Psicologia Das Diferenças Individuais

INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DAS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS 27

algumas propriedades psicológicas. Um teste

mental, ou teste psicológico em geral, não deve

ser confundido com aqueles testes impressos aos

quais se responde marcando um X com um lápis

a alternativa que a pessoa considera correta (se

é um teste de inteligência), ou que a pessoa pen-

sa que melhor a descreve (se é um teste de perso-

nalidade). Teste significa prova. Por conseguinte,

um experimento de laboratório em que são

manipuladas diversas variáveis constitui um tes-

te psicológico por meio do qual o pesquisador

espera obter informações relevantes sobre o tipo

de ações que a pessoa executa ao responder.

Na história da psicologia, sempre houve

grande produção de provas e de testes psico-

lógicos. Embora seja verdade que este tipo de

prova tenha sido e seja usado com finalidade

tecnológica (por exemplo, nas duas guerras

mundiais, para designar soldados aos postos

de maior ou menor responsabilidade entre os

que precisavam ser ocupados para realizar uma

determinada missão ou para dirigir um exérci-

to), também foram desenvolvidos testes para

os programas de pesquisa básica sobre as dife-

renças individuais (por exemplo, para avaliar

o grau em que as propriedades psicológicas,

como inteligência, são herdadas ou são produ-

to dos diversos ambientes culturais em que vi-

vem as pessoas). Não se pode esquecer que um

bom teste, útil na prática psicológica, requer

um longo processo prévio de pesquisa de labo-

ratório (Cronbach,1990).

Os testes são muito úteis na pesquisa e

na prática psicológica, mas também possuem

algumas limitações: permitem responder a al-

gumas perguntas sobre as diferenças indivi-

duais, mas deixam outras sem responder. Uma

vez que sabemos como é uma determinada

pessoa, objetivo que pode ser alcançado, ao

menos até certo ponto, usando testes, deve-

mos perguntar por que ela é assim. Esse se-

gundo tipo de pergunta é, justamente, aquela

à que a perspectiva revisionista, também de-

nominada “cognitiva”, tenta responder.

A partir de estudos baseados em testes e

em pesquisas cognitivas complementares, dis-

pomos atualmente de muitas provas (ou tes-

tes) que servem para responder a esses dois

grandes tipos de perguntas: em que e por que

se diferenciam as pessoas?

Testes mentais e experimento psicológico

Lewis Terman realizou, em 1924, um es-

tudo clássico sobre as supostas diferenças en-

tre um experimento psicológico e um teste

mental (The mental test as a psychological me-

thod). Seu estudo consistiu em pedir aos 11

presidentes anteriores da American Psycholo-

gical Association (desde 1910) que redigissem

uma lista com as diferenças entre um experi-

mento psicológico e um teste mental. Terman

observou que esses autores não eram capazes

de apresentar nenhuma diferença verdadeira-

mente importante entre um teste mental e um

experimento psicológico.

Terman (1924), por sua vez, apontou as

seguintes diferenças, habituais nos manuais de

psicologia, entre um teste mental e um experi-

mento psicológico:

– o teste busca identificar as diferenças

individuais, e não os universais da psi-

cologia;

– o teste é aplicado a um grande núme-

ro de indivíduos;

– o teste estuda a conduta mental, e não

o conteúdo;

– o teste não utiliza aparelhos;

– o teste tenta oferecer um rápido diag-

nóstico do indivíduo;

– os resultados dos testes são menos pre-

cisos do que os obtidos por meio de

um experimento psicológico.

Em sua dissertação para a American

Psychological Association, Terman rejeitou es-

sas supostas diferenças visto que, segundo afir-

mava, eram infundadas e não passavam de pre-

conceitos derivados dos acidentes históricos no

uso dos testes por parte de alguns profissio-

nais. Na visão de Terman, o pesquisador inte-

ressado pelos testes mentais não precisaria:

– estudar, necessariamente, as diferen-

ças individuais;

– rejeitar a introspecção, se pensasse que

pudesse ser relevante para seu trabalho;

– manifestar um interesse prático;

– aceitar como fato que seus resultados

eram menos exatos ou menos suscetí-

Page 15: Introdução à Psicologia Das Diferenças Individuais

28 CARMEN FLORES-MENDOZA, ROBERTO COLOM & COLS.

veis de verificação que os de um ex-

perimento de laboratório.

Qualquer um que estude cuidadosamente

a literatura sobre a psicologia dos testes chegará

à conclusão de que a maior parte dos psicólogos

que já trabalhou com testes interessou-se tanto

pelos aspectos teóricos quanto pelos práticos.

Pelo simples fato de que um teste permite uma

série de aplicações práticas na psicologia, muitas

vezes se comete o erro de passar por alto suas

possibilidades na pesquisa básica. Por outro lado,

supõe-se, erroneamente, que o teste constitui

um método psicológico que deve entrar em con-

fronto com os outros métodos da pesquisa psi-

cológica. O teste psicológico, na verdade, é um

método para explorar os processos mentais ou

a conduta mental, ou seja, justamente aquilo

que deve fazer um experimento psicológico.

Vamos descrever agora uma série de ques-

tões históricas básicas sobre os testes mentais.

Veremos como, até certo ponto, a denominada

“revolução” cognitiva no estudo das diferen-

ças individuais constitui um apanhado das pes-

quisas clássicas sobre testes mentais ou provas

psicológicas.

Períodos na investigaçãodos testes mentais

J.B. Carroll (1982), estudante destaca-

do do Laboratório de Psicometria de L.L.

Thurstone e cabeça pensante do Educational

Testing Service (ETS), de Princeton, distin-

gue dois períodos básicos no chamado movi-

mento dos testes mentais, ou seja, na linha

mais visivelmente aplicada da psicologia das

diferenças individuais: o período de desenvol-

vimento e o período moderno.

Período de desenvolvimento: entre a pu-

blicação da obra de Francis Galton, Hereditary

Genius, em 1869, e a fundação da Sociedade

Psicométrica e sua revista Psychometrika, por

L.L. Thurstone, em 1935. Durante esse perío-

do de desenvolvimento (Carroll,1982):

– identificaram-se os principais proble-

mas próprios do estudo das capacida-

des mentais;

– desenvolveram-se as metodologias bá-

sicas necessárias para produzir dados

objetivos;

– os testes de capacidade mental tor-

naram-se objetos de ampla utilização.

O movimento dos testes mentais desen-

volveu-se apoiado em dois pilares básicos:

– a análise fatorial, que visa a identificar

as dimensões da capacidade mental;

– a teoria dos testes, cujo objetivo é ob-

ter avaliações confiáveis das capacida-

des mentais.

Nesse período de desenvolvimento, não

se prestou maior atenção à:

– diferenciação das capacidades mentais;

– possibilidade de os resultados dos tes-

tes estarem enviesados pela cultura.

E.G. Boring (1950) resumiu o período de

desenvolvimento da seguinte maneira:

– a década de 1880 foi marcada pelo tra-

balho de F. Galton;

– a década de 1890, por J.M. Cattell;

– a década de 1900, por A. Binet;

– os testes mentais de F. Galton, J.M.

Cattell e A. Binet eram provas de apli-

cação individual;

– na década de 1910, aconteceu o auge

do desenvolvimento dos testes de in-

teligência.

Na década de 1910:

– H. Goddard fez a adaptação america-

na da Escala Métrica da Inteligência

de Binet-Simon;

– apareceu o Manual of Mental and

Physical Tests [Manual de Testes Físi-

cos e Mentais], de Whipple;

– W. Stern cunhou a noção de QI (quo-

ciente intelectual);

– apareceu o Teste Stanford-Binet, de L.

Terman (1916);

Page 16: Introdução à Psicologia Das Diferenças Individuais

INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DAS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS 29

– foram elaborados e aplicados os Army

Tests (Testes do Exército), programa

dirigido por R. Yerkes.

Esses testes constituíram a primeira ten-

tativa sistemática de elaborar provas de apli-

cação coletiva, o que provocou uma verdadei-

ra revolução no movimento dos testes.

As teses sobre avaliação modificaram-se

substancialmente a partir do desenvolvimento

de testes coletivos: um teste se transforma em

uma série de itens ou elementos cujo resulta-

do se expressa através do número de itens que

a pessoa realiza com sucesso, em que o resul-

tado se denomina escala de pontos.

– A década de 1920 foi marcada pela

crise dos testes de inteligência, provo-

cada por considerações culturais que

questionavam a premissa da heredi-

tariedade do QI.

Em 1923, Kelley publicou Statistical me-

thods, obra que contribuiu de maneira notável

para a aplicação da metodologia estatística a

diversos temas psicológicos.

Período moderno: a década de 1930 pode

ser considerada como de expansão da técnica

de análise fatorial, inventada por Charles

Spearman, da escola britânica. Os principais

representantes da tradição fatorialista, na es-

cola britânica, são G. Thomson e C. Burt e, na

escola americana, o principal representante é

L.L. Thurstone.

As obras fatorialistas mais importantes são:

– The vectors of the mind (1935) e

Primary mental abilities (1938) de L.L.

Thurstone;

– The factorial analysis of human ability

(1939), de G. Thomson;

– Factors of the mind (1940), de C. Burt.

As universidades americanas que dispu-

nham de equipes de pesquisa sobre testes de

capacidade mental eram, entre outras: Univer-

sidade de Columbia, Universidade de Stanford,

Universidade de Harvard, Universidade de

Minnesota, Universidade de Ohio, Universida-

de de Iowa, Universidade da Califórnia e Uni-

versidade de Chicago.

A história dos testes mentais ao longo do

período moderno pode ser acompanhada por

meio dos Mental Measurement Yearbooks, pu-

blicações de uma equipe formada pelo casal

Buros, da Universidade de Rutgers, em Nova

Jersey, que, desde 1941, publicam uma série

de obras com resenhas de milhares de testes

mentais. Atualmente, os Mental Measurement

Yearbooks estão digitalizados e é possível

acessar sua base de dados por meio da internet.

Por outro lado, comissões especiais de or-

ganizações profissionais, como a American Psy-

chological Association (APA), publicam perio-

dicamente normas técnicas para os testes, mas

nem sempre é possível garantir que todas as

atividades de desenvolvimento de testes sejam

idôneas.

Em 1947, foi fundado o Educational

Testing Service (ETS), que passou a ser um cen-

tro de referência fundamental para a pesquisa

da teoria dos testes mentais.

Durante o período moderno, a pesquisa

analítico-fatorial vem desenvolvendo-se em

duas linhas fundamentais:

– melhorar a metodologia em si por meio,

por exemplo, dos modelos não-lineares

de análise fatorial (McDonald, 1962);

– procurar novos fatores de capacidade

e interpretações psicológicas mais pre-

cisas desses fatores.

Um outro aspecto é o desenvolvimento da

análise fatorial confirmatória, cujo objetivo é

confirmar hipóteses estatísticas sobre a estru-

tura dos dados. Atualmente, ainda são publica-

das versões sobre essa técnica, e são desenvol-

vidos programas de computador cada vez mais

sofisticados para aplicar esse tipo de análise.

A “REVOLUÇÃO” COGNITIVA

Os modelos psicológicos, derivados da

pesquisa com testes mentais, servem para iden-

tificar e organizar fontes sistemáticas de dife-

renças individuais, ou seja, para saber em que

se diferenciam as pessoas.

Page 17: Introdução à Psicologia Das Diferenças Individuais

30 CARMEN FLORES-MENDOZA, ROBERTO COLOM & COLS.

As teorias cognitivas, surgidas durante a

denominada “revolução” cognitiva, têm o ob-

jetivo de explorar o desempenho em tarefas

intelectualmente exigentes, para descobrir em

que se diferenciam as pessoas.

As duas vertentes deveriam ser conside-

radas complementares, visto que nenhuma

possui virtudes superiores às da outra. A pers-

pectiva clássica na pesquisa de diferenças in-

dividuais sempre tentou responder a duas per-

guntas fundamentais:

1. Até que ponto as tarefas dos testes

mentais conseguem proporcionar

medições confiáveis dos comporta-

mentos característicos dos indiví-

duos que as executam?

Essa primeira pergunta pode ser res-

pondida por meio da teoria dos testes.

2. Até que ponto um rendimento ade-

quado nas diversas tarefas reflete a

utilização de alguma capacidade ou

potencial cognitivo do indivíduo?

Essa segunda pergunta pode ser res-

pondida por meio da metodologia

fatorial.

Contudo, sabemos que a resposta para

uma pergunta de múltipla escolha, incluída em

um teste de vocabulário, como, por exemplo,

A carta era ASSOMBROSA(a) CORRETA, (b) SURPREENDENTE, (c) ABSURDA

(d) OBSOLETA, (e) FEIA

exige, no mínimo:

– ler as palavras que aparecem na per-

gunta;

– reconhecer as palavras registradas no

arquivo da memória;

– recuperar a informação sobre o signi-

ficado exato das palavras;

– comparar as diversas peças da infor-

mação;

– selecionar uma resposta a partir des-

sas comparações.

O objetivo da perspectiva cognitiva é deta-

lhar os passos necessários para realizar uma

variedade de tarefas intelectualmente exigen-

tes. Comprova-se, portanto, o caráter comple-

mentar entre essa visão e a da psicologia fatorial.

Muitos autores uniram-se para dar corpo

a essa perspectiva cognitiva: Carroll, Hunt,

Pellegrino, Glaser, Gagné, Sternberg, Detter-

man, Underwood, Cooper, Just, Carpenter,

Embretson e um longo et cetera.

Robert J. Sternberg, da Universidade de

Yale, é, talvez, o autor que mais tem feito para

divulgar essa linha de trabalho sobre as diferen-

ças individuais. Além de produzir um novo pa-

radigma experimental, a análise componencial

publicou, individualmente ou junto com cola-

boradores, grande quantidade de obras sobre

a perspectiva das diferenças individuais.

Contudo, Earl B. Hunt, da Universidade

de Washington, em Seattle, é quem geralmente

é considerado o primeiro autor a publicar um

estudo verdadeiramente sistemático das rela-

ções que se estabelecem entre os estudos clás-

sicos sobre diferenças individuais e as análises

realizadas sob uma perspectiva cognitiva.

Outro autor muito relevante para esse

enfoque cognitivo, Richard B. Snow (1989),

da Universidade de Stanford, escreveu:

O trabalho empírico sobre os correlatos cog-nitivos começou no laboratório de Hunt. Aabordagem dos componentes cognitivos é deri-vada da invenção de Sternberg (em sua tesede doutorado, de 1975) de uma metodologiapara encontrar, experimentalmente, algunsdos componentes da execução em tarefas simi-lares às dos testes. Surgiu claramente, então,uma psicologia cognitiva diferencial, dirigida àcompreensão das diferenças individuais a par-tir da perspectiva do processamento de infor-mação. O Escritório de Pesquisa Naval (maisconcretamente, os diretores da divisão de ciên-cias psicológicas, Glenn Bryan e Marshall Farr)contribuiu economicamente para o desenvol-vimento desse trabalho. Desde 1975, o Escri-tório de Pesquisa Naval vem financiando pro-jetos de Carroll, Hunt, Pellegrino, Glaser,Sternberg, Underwood e meus, para trabalharna análise processual das capacidades, e criouum grande círculo de pesquisadores, indepen-dentes, mas em comunicação.

Page 18: Introdução à Psicologia Das Diferenças Individuais

INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DAS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS 31

Os principais temas de pesquisada perspectiva cognitiva

No exemplo do problema de vocabulá-

rio descrito anteriormente, é fácil constatar

que, essencialmente, existem dois elementos

que são necessários para que uma pessoa pos-

sa responder:

– as palavras que lê e introduz em sua

mente para poder compará-las en-

quanto lembra de seus significados;

– as operações que realiza para ler es-

sas palavras, recuperar seus significa-

dos, compará-las e se decidir por al-

guma delas.

O primeiro aspecto geralmente é deno-

minado “representação da informação”, e o se-

gundo é chamado de “processo cognitivo”. A

pessoa precisa aplicar uma série de processos

cognitivos aos diversos tipos de representação

mental da informação; a combinação particu-

lar desses processos e representações para ten-

tar resolver uma determinada tarefa intelec-

tualmente exigente é, habitualmente, denomi-

nada “estratégia cognitiva”.

Não surpreende que os principais temas

de investigação da perspectiva cognitiva sejam

os seguintes:

– Quais são os processos mentais respon-

sáveis pelo rendimento inteligente?

– Com quanta rapidez e exatidão as pes-

soas executam mentalmente esses pro-

cessos?

– Em quais estratégias cognitivas esses

processos mentais se combinam?

– Sobre quais formas de representação

mental operam os processos cognitivos?

Essas pesquisas sobre o processamento, ou

tratamento mental da informação que participa

na resolução de tarefas intelectualmente exigen-

tes, tais como um problema matemático ou a

compreensão de uma frase ambígua, podem per-

mitir a elaboração de novos testes de inteligência

através do uso, por exemplo, de computadores

ou de dispositivos similares. Nos últimos anos,

foram desenvolvidas algumas baterias de testes

que são aplicadas por meio do computador.

Segundo a perspectiva cognitiva, quan-

do os pesquisadores projetam testes, tarefas ou

provas para explorar propriedades psicológi-

cas importantes, como a inteligência, deveriam

aproveitar os atributos psicológicos dos mate-

riais de estímulo, além dos componentes do

processo intelectual que, supostamente, são ne-

cessários para responder.

Comentário sobre a perspectiva cognitiva

Apesar de essa perspectiva buscar a me-

lhor compreensão da natureza das capacida-

des humanas, na verdade, essas tendências, re-

lativamente recentes, representam uma reto-

mada de estudos realizados no final do século

XIX, quando autores como J.M. Cattell, Charles

Spearman ou Alfred Binet, entre outros, ten-

taram medir a inteligência através de observa-

ções sobre processos simples, como discrimina-

ção sensorial, tempo de reação ao escolher en-

tre várias alternativas e capacidade de memó-

ria. O elemento realmente novo é uma tecnolo-

gia experimental mais precisa e sofisticada.

Segundo Carroll e Maxwell (1979), os

estudos sobre testes cognitivos na psicometria

clássica sempre estiveram presentes na pers-

pectiva processual ou cognitiva. Galton, Binet,

Spearman e Thurstone podem ser considera-

dos como os primeiros psicólogos cognitivos.

A utilização da análise fatorial e de outras me-

todologias correlacionais pela atual geração de

psicólogos cognitivos é, com certeza, a conti-

nuação de uma tradição da psicologia das di-

ferenças individuais.

O conteúdo da maior parte dos testes para

medir capacidades mentais provém das pesqui-

sas realizadas pela psicologia das diferenças

individuais. Visto que a psicologia cognitiva es-

tuda os mesmos fenômenos que a psicologia

das diferenças individuais, ela provê informa-

ção para compreender as capacidades mentais

em um referencial teórico ligeiramente diferen-

te daquele dos testes mentais. Embora os psi-

Page 19: Introdução à Psicologia Das Diferenças Individuais

32 CARMEN FLORES-MENDOZA, ROBERTO COLOM & COLS.

cólogos cognitivos enfatizem a importância da

variação experimental nas tarefas intelectual-

mente exigentes, enquanto os psicólogos das

diferenças individuais mais clássicos preferem

o estudo da variação individual, ambos traba-

lham sobre condutas semelhantes e, em deter-

minados casos, idênticas (Sternberg, 1981).

GENÉTICA DA CONDUTA

Os pesquisadores americanos que utili-

zam testes psicológicos em seus trabalhos têm

sido pioneiros nos estudos sobre um problema

básico e clássico da psicologia: até que ponto

as diferenças de conduta podem ser atribuídas

à herança e às condições socioambientais em

que vivemos?

Nos Estados Unidos, foram desenvolvidos

vários projetos de pesquisa voltados a encon-

trar dados para ajudar a responder a essa per-

gunta, mas esse tipo de estudo vem sendo rea-

lizado também em outros países, e, inclusive,

existem programas de pesquisa coordenados

em nível internacional (Plomin, 1995).

Diversos autores vêm usando testes psico-

lógicos para transformar essa pergunta em ob-

jeto de estudo. Assim, por exemplo, na hora de

investigar se as diferenças de inteligência são

influenciadas pelos genes ou pelo ambiente, os

autores usam testes de quociente intelectual, que

são aplicados em pessoas geneticamente idên-

ticas (gêmeos), em pessoas geneticamente re-

lacionadas (por exemplo, pais e seus filhos bio-

lógicos), em pessoas geneticamente indepen-

dentes (por exemplo, o autor e os leitores deste

livro) e em pessoas que compartilharam ou não

seus ambientes (por exemplo, gêmeos que fo-

ram criados na mesma família ou em famílias

diferentes). Os escores dessas pessoas com di-

versos graus de parentesco genético e ambiental

foram submetidos a diferentes tipos de análise

estatística para realizar as correspondentes es-

timativas quanto ao peso da influência de am-

bos os fatores nas diferenças de inteligência, tal

e qual são medidas pelos testes de QI.

Há diversos mal-entendidos sobre esses

estudos. Desde que foram iniciados, os auto-

res tomaram cuidados escrupulosos ao reali-

zar seus trabalhos, mas isso não evitou que, de

maneira sistemática, tenham acontecido vio-

lentos debates públicos sobre o tema. Muitos

desses autores sofreram perseguições, inclusi-

ve em seus próprios locais de trabalho.

Um dos casos mais dramáticos foi o do

psicólogo britânico Sir Cyril Burt, vítima de uma

campanha de perseguição organizada, ao que

tudo indica, a partir de supostas provas sobre

um estudo de gêmeos. Depois da morte de Burt,

sua biógrafa publicou, na imprensa, uma carta

em que levantava a possibilidade de que Burt

houvesse inventado seus dados. Ainda hoje, nas

aulas das faculdades de psicologia, Burt geral-

mente é apresentado como exemplo dos peri-

gos que corre um pesquisador obsecado com a

certeza sobre suas idéias. Contudo, os autores

que estudaram exaustivamente a famosa frau-

de científica de Burt jamais encontraram pro-

vas definitivas que permitissem concluir que,

efetivamente, houve qualquer má-fé de sua parte

(Fletcher, 1990; Joynson, 1989). Por outro lado,

é preciso dizer que os dados de Burt constituem

apenas uma minúscula gota d’água na imensa

quantidade de projetos realizados desde então;

portanto, apesar de alguns autores, como Leon

Kamin ou Stephen Gould, terem-se baseado no

suposto caráter fraudulento do estudo de gê-

meos de Burt para negar todo o projeto de pes-

quisa sobre a origem genética e ambiental das

diferenças individuais, as evidências disponíveis

sugerem que as críticas à premissa principal não

se sustentam.

Atualmente, o Projeto Genoma Humano

deveria ter ajudado a mudar um pouco as

coisas. Contudo, parece que sempre surge uma

sensibilidade especial quando cientistas estu-

dam as possíveis bases genéticas e ambientais

das diferenças psicológicas. Enquanto existem

apenas reações sociais ao estudo do genoma

humano em geral, a situação muda significati-

vamente quando, por exemplo, menciona a

procura pelos marcadores genéticos de, por

exemplo, a inteligência.

Existem muitos projetos de pesquisa vol-

tados a resolver esse problema. A Universida-

de de Minnesota e a Universidade do Texas são

dois centros importantes e, a partir deles, sur-

giram, e surgem, muitos estudos sobre a ori-

Page 20: Introdução à Psicologia Das Diferenças Individuais

INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DAS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS 33

gem das diferenças individuais. Autores como

Thomas Bouchard, da Universidade de Minne-

sota, publicam seus estudos em revistas de pres-

tígio, como Science, de modo que a comunida-

de científica em geral parece considerar com

bastante seriedade os estudos sobre esse pro-

blema básico e clássico da psicologia. Atual-

mente, existe uma tal quantidade de dados

empíricos nesse sentido provenientes de diver-

sos países que são poucos os que ainda duvi-

dam de que as diferenças de conduta são in-

fluenciadas por ambos os componentes.

PERSONALIDADE E DIFERENÇAS INDIVIDUAIS

Até agora descrevemos, essencialmente,

os estudos e os avanços relativos às respostas

dadas ao problema das diferenças intelectuais.

A razão disso é que essas diferenças foram es-

tudadas muito mais profundamente pela co-

munidade científica.

Contudo, a perspectiva das diferenças in-

dividuais também vem pesquisando o tema da

personalidade. Em resumo, poder-se-ia afirmar

que a maior parte dos programas de pesquisa

que abordam o problema das diferenças de per-

sonalidade vem concentrando-se na análise dos

traços psicológicos, ou seja, nas propriedades

da personalidade que podem ajudar a explicar

as diferenças de conduta:

– Por que duas pessoas se comportam

de maneira diferente diante das mes-

mas situações objetivas?

– O que leva algumas pessoas a preferi-

rem ir a festas a ficarem em casa len-

do um bom livro?

– O que leva uma pessoa a cursar a fa-

culdade e seguir a carreira de psicolo-

gia? – Por que algumas pessoas preci-

sam apenas de uma leve provocação

para se transformarem em seres tre-

mendamente agressivos?

– O que leva uma pessoa a renunciar o

seu bem-estar ocidental e decidir vi-

ver na África, ajudando populações

humanas que tentam sair de seu esta-

do de pobreza?

Essas são algumas das perguntas a que

os cientistas que vêm estudando as diferenças

de personalidade esperam poder responder

algum dia. Contudo, apesar dos consideráveis

esforços realizados, ainda não somos capazes

de dar uma resposta satisfatória.

Três dos mais importantes programas de

pesquisa dirigidos ao estudo dos traços ou ca-

racterísticas da personalidade humana são:

– o programa de Joy Paul Guilford;

– o programa de Raymond Bernard

Cattell;

– o programa de Hans Jurgen Eysenck.

Esses três programas possuem muitas coi-

sas em comum, mas também existem algumas

diferenças entre eles. Na segunda parte desta

obra, vamos descrevê-los com detalhe, de modo

que aqui diremos apenas que todos produzi-

ram testes psicológicos de inquestionável im-

portância na prática psicológica para medir as

variáveis da personalidade:

– a Guilford-Zimmerman Temperament

Survey (GZTS), ou seja, a Sondagem

do Temperamento de Guilford-Zim-

merman;

– o 16 Personality Factors (16-PF) (Os

16 Fatores de Personalidade) e outros

testes destinados a medir diversas va-

riáveis da personalidade, e não só as

de temperamento;

– o Eysenck Personality Questionaire

(EPQ) (Questionário de Personalidade

de Eysenck) que mede os três traços

que, segundo esse autor, constituem a

essência da personalidade: psicoti-

cismo, extroversão e neuroticismo.

Evidentemente, alguns desses programas

de pesquisa não se restringiram à elaboração

de uma teoria sobre traços de personalidade e

à criação de testes para medir esses traços. Mui-

tos deles procuraram outros métodos de tra-

balho. Eysenck, por exemplo, estudou, por mais

de 40 anos, as bases biológicas das diferenças

de personalidade. Sua teoria constitui um in-

dicador de referência e é utilizada internacio-

Page 21: Introdução à Psicologia Das Diferenças Individuais

34 CARMEN FLORES-MENDOZA, ROBERTO COLOM & COLS.

nalmente para analisar o problema de deter-

minar até que ponto as diferenças de persona-

lidade são herdadas ou são produto das condi-

ções socioambientais (Loehlin, 1992).

Nos últimos 10 ou 15 anos, a comunida-

de científica vem desenvolvendo uma teoria so-

bre os traços de personalidade que parece es-

tar alcançando enorme consenso internacional

no que se refere ao problema de estabelecer

quais são as dimensões básicas que, necessaria-

mente, deveriam ser levadas em consideração

ao falar de personalidade humana. Essa teoria

de consenso recebeu o nome de Big Five, ou

“Teoria dos Cinco Grandes”, e seus principais

divulgadores têm sido, provavelmente, Paul T.

Costa e Robert McCrae.

Mais adiante, vamos descrever esses pro-

gramas de pesquisa com detalhes suficientes

para mostrar até onde chegam os avanços no

estudo científico desse apaixonante tema.

CONCLUSÃO

Se fosse necessário resumir a trajetória

histórica da psicologia das diferenças indivi-

duais, deveríamos dizer que seu primeiro obje-

tivo é desenvolver teorias psicológicas baseadas

em fatos verificáveis empiricamente. Mesmo a

filosofia tendo sido importante para pensar em

termos psicológicos sobre a mente e a conduta

humana, a psicologia optou, em determinado

momento da história da ciência, por utilizar

métodos adequados para comparar as conjec-

turas dos pesquisadores sobre a conduta.

Antes da ciência, os pensadores do mun-

do antigo, do Renascimento e dos séculos XVIII

e XIX faziam-se perguntas às quais podiam res-

ponder sem necessidade de usar métodos ob-

jetivos. Assim, por exemplo, por meio de téc-

nicas de introspecção, ou seja, observando os

próprios pensamentos, tentavam descobrir

como é percebida a realidade ou como se pen-

sa sobre um conteúdo abstrato. Contudo, quan-

do a psicologia optou pela ciência, começou a

estudar a conduta como uma variável que pode

ser observada e medida por qualquer um, de

maneira transparente e objetiva. Portanto, a

análise objetiva da conduta é a chave para

transformar o estudo filosófico da mente hu-

mana no estudo psicológico da conduta.

A influência decisiva da teoria da evolu-

ção de Charles Darwin levou a descartar o velho

problema filosófico da separação entre corpo

e mente. Não há razão para que o estudo da

mente humana seja diferente do estudo da es-

trutura do organismo humano e dos modos hu-

manos de agir. O corpo possui uma estrutura

de ossos e de músculos que funcionam de uma

determinada maneira, que seguem uma deter-

minada dinâmica. O médico e o biólogo podem

estudar as características de ossos e de músculos

e fazer uma série de provas naturais ou experi-

mentais para averiguar como eles atuam de for-

ma coordenada. A mente humana também po-

de ser estudada dessa maneira. Primeiro, pode-

se saber, empiricamente, qual é a estrutura bá-

sica das propriedades psicológicas; isso se con-

segue por meio de uma série de provas: esses

são os testes. Segundo, é possível estudar como

essa estrutura age, utilizando outras provas que

forneçam pistas ou caminhos para chegar à con-

duta: esses são os testes da perspectiva cognitiva.

A teoria da evolução, que Francis Galton

incorporou na pesquisa psicológica, a influen-

cia em três aspectos. Em primeiro lugar, na me-

dição objetiva das diferenças individuais, ou

seja, na medição da conduta humana em con-

dições-padrão. Um teste não passaria de um

meio para estudar, com métodos científicos, a

conduta das pessoas. Um dos slogans mais lem-

brados de Galton é: “sempre que for possível,

meça”. Em segundo lugar, visto que não existe

razão para que o estudo da mente tenha um

caráter diferente do estudo de qualquer função

física, a pesquisa das diferenças de conduta

exige conhecer as características biológicas das

pessoas. Se uma pessoa é um pouco mais inteli-

gente do que outra, uma das possíveis hipóte-

ses é que essa diferença tenha relação, ao me-

nos em parte, com sua organização cerebral.

Em terceiro lugar, se as características físicas

estão sujeitas à influência da herança, não há

nenhum motivo para supor que a conduta hu-

mana não seja governada também, ao menos

até certo ponto, pela programação genética.

Page 22: Introdução à Psicologia Das Diferenças Individuais

INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DAS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS 35

A psicologia das diferenças individuais

estuda pessoas, e as pessoas vivem em socie-

dade. O estudo científico das diferenças indi-

viduais e os resultados práticos derivados des-

sa pesquisa têm tido grande impacto no trans-

curso deste século. Provavelmente, a tecnologia

mais conhecida seja a dos testes, mas também

tiveram grande repercussão os estudos realiza-

dos sobre as diferenças entre grupos humanos.

Questões como, por exemplo, saber se os

homens são mais agressivos do que as mulhe-

res, se os idosos podem continuar sendo úteis

à sociedade, se as camadas sociais mais pobres

são o “caldo” de cultura para a delinqüência

ou se os orientais são mais inteligentes do que

os caucasianos sempre estiveram sujeitas a

grande controvérsia social. Quase todos têm

opiniões pessoais a esse respeito: não raro es-

cutamos que os homens são mais independen-

tes ou menos inteligentes do que as mulheres,

que as mulheres são mais sensíveis e cálidas do

que os homens, que os idosos deveriam dedi-

car-se a seus passatempos e se retirar dos âmbi-

tos de influência social, que os adolescentes cria-

dos em camadas sociais mais pobres acabam co-

metendo atos delituosos ou que os caucasianos

são menos aptos do que os orientais. Os cientis-

tas sociais e, principalmente, os psicólogos re-

colheram esse tipo de perguntas e tentaram

submetê-las à análise científica rigorosa e obje-

tiva, que fugisse das diversas ideologias e enfo-

ques pelos quais se têm observado normalmen-

te essa variável social. Contudo, os dados cien-

tíficos nem sempre satisfazem todas as possí-

veis convicções ideológicas, o que tem feito com

que os psicólogos poucas vezes tornem públi-

cos seus dados fora da comunidade científica.

Segundo a professora Sandra Scarr (1988), é

necessário levar em conta que somente uma

pesquisa desonesta ou manipulada poderia aco-

modar-se a todas as ideologias: um estudo ri-

goroso obviamente não pode, nem deve, ser ela-

borado para isso.

Os resultados práticos da pesquisa que

possam ter um impacto social não deveriam

ser usados para emitir julgamentos sobre quais

são as melhores condições para viver em socie-

dade. Mas poderiam ser considerados pelas

pessoas que tomam as decisões que incidem

em nossas vidas: decidir baseados em fatos pa-

rece mais desejável do que fazê-lo a partir de

opiniões. Se fosse comprovado em diversas oca-

siões que os homens, como grupo humano, são,

de fato, um pouco menos inteligentes do que as

mulheres, deveríamos perguntar o que é neces-

sário fazer para que essas diferenças desapare-

çam. Se fosse comprovado que os adolescentes

que vivem nas camadas sociais mais pobres têm,

de fato, maior probabilidade de acabar na pri-

são, deveríamos perguntar o que fazer para

evitá-lo. Se fosse comprovado que a inteligência

dos velhos declina rapidamente a partir dos 70

anos, deveríamos perguntar o que fazer para

evitar essa decadência. Se fosse comprovado

que, apesar das melhoras objetivas na educação,

o grupo que se auto-identifica como oriental ob-

tém melhor escore nos testes de inteligência do

que os caucasianos, deveríamos perguntar o que

fazer para que essa diferença desapareça.

Temos certeza de que ignorar essas pos-

síveis diferenças não ajuda em absoluto a supe-

rá-las. E não saber em que consistem, se é que

realmente consistem em alguma coisa, facilita

apenas a proliferação de ideologias absurdas e

dos mais variados estereótipos sociais. Como

escreveu a professora Sandra Scarr (1988), acre-

ditando que protegiam os grupos menos favo-

recidos, alguns cientistas sociais somente conse-

guiram atrasar a elaboração de programas de

melhoria social. Por outro lado, submeter deter-

minados tipos de estudos científicos a proces-

sos inquisitoriais e transformá-los em tabus pelo

simples fato de que têm grande impacto social

não é, evidentemente, próprio dos sistemas de-

mocráticos (Humphreys, 1991; Pearson, 1991).

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