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www.professordanielneves.com.br INTERVENÇÃO DE TERCEIROS E REVELIA 1 – Introdução O instituto da revelia certamente é um dos mais debatidos na atualidade do processo civil, sendo tema recorrente de teses, monografias e artigos doutrinários. O interesse reside justamente nas diversas nuances do instituto na vida prática, em especial quando se discutem os efeitos da revelia e seus reflexos na esfera jurídica do réu. Também o desenvolvimento da ciência processual gerou importantes efeitos sobre a concepção do fenômeno da revelia dentre nós. Apesar da grande preocupação demonstrada pela doutrina quanto ao tema da revelia, parece-nos que as análises encontram-se centradas tão somente em processos simples quanto ao aspecto subjetivo, ou seja, processos envolvendo tão somente autor e réu originários. A preocupação não se mostra tão vigorosa no trato do instituto quando a relação jurídica processual torna-se complexa em razão da intervenção de um terceiro no feito originariamente instaurado exclusivamente entre autor e réu. Longe de alguma resposta definitiva sobre o tema, nosso objetivo no presente artigo é levantar alguns aspectos relevantes - e com constante aplicação prática - sobre os efeitos gerados pela omissão do réu em se defender na demanda quando verificada alguma das espécies de intervenção de terceiros. Parece-nos que a intervenção na relação jurídica processual de um terceiro alheio à estrutura subjetiva originária, gera sérios e importantes efeitos quando verificada a revelia do réu. Ainda que o tema central seja o enfrentamento do fenômeno processual da revelia nas diferentes espécies de intervenção de terceiros, imperioso uma breve análise

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INTERVENÇÃO DE TERCEIROS E REVELIA

1 – Introdução

O instituto da revelia certamente é um dos mais debatidos na atualidade do

processo civil, sendo tema recorrente de teses, monografias e artigos doutrinários.

O interesse reside justamente nas diversas nuances do instituto na vida prática, em

especial quando se discutem os efeitos da revelia e seus reflexos na esfera jurídica

do réu. Também o desenvolvimento da ciência processual gerou importantes

efeitos sobre a concepção do fenômeno da revelia dentre nós.

Apesar da grande preocupação demonstrada pela doutrina quanto ao tema da

revelia, parece-nos que as análises encontram-se centradas tão somente em

processos simples quanto ao aspecto subjetivo, ou seja, processos envolvendo tão

somente autor e réu originários. A preocupação não se mostra tão vigorosa no

trato do instituto quando a relação jurídica processual torna-se complexa em razão

da intervenção de um terceiro no feito originariamente instaurado exclusivamente

entre autor e réu.

Longe de alguma resposta definitiva sobre o tema, nosso objetivo no presente

artigo é levantar alguns aspectos relevantes - e com constante aplicação prática -

sobre os efeitos gerados pela omissão do réu em se defender na demanda quando

verificada alguma das espécies de intervenção de terceiros. Parece-nos que a

intervenção na relação jurídica processual de um terceiro alheio à estrutura

subjetiva originária, gera sérios e importantes efeitos quando verificada a revelia do

réu.

Ainda que o tema central seja o enfrentamento do fenômeno processual da revelia

nas diferentes espécies de intervenção de terceiros, imperioso uma breve análise

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do que entendemos por revelia, considerando que nosso posicionamento quanto ao

instituto, e em especial quanto aos seus efeitos, será determinante para a análise

mais particularizada que pretendemos empreender e para a exata compreensão de

nossas conclusões.

2 – O fenômeno da revelia e seus efeitos

Segundo previsão do art. 319, CPC, a revelia opera-se sempre que o réu não

apresente contestação. É sempre bom lembrar que a omissão da contestação

deve ser jurídica, e não exclusivamente fática. Explica-se. O réu pode contestar

fora do prazo previsto por lei, juntando aos autos contestação intempestiva, que

apesar do nítido vício, do ponto de vista fático existe. Ou ainda protocolar

tempestivamente contestação subscrita por advogado não constituído nos autos.

Nesses casos, a intempestividade e a irregularidade de representação processual

impedem, respectivamente, que a contestação gere qualquer efeito jurídico no

processo, e assim deve ser considerada inexistente do ponto de vista jurídico para

os fins de verificação da revelia.

Poder-se-ia imaginar que esse posicionamento levaria a conclusão que a

apresentação da contestação, apesar de tempestiva, quando não impugnado

especificamente qualquer dos fatos alegados pelo autor da petição inicial, seria

também circunstância motivadora do fenômeno da revelia. Não é esse a nossa

visão, já que em nosso sentir a mera apresentação tempestiva da contestação,

pouco importando seu teor, já impede no caso concreto que se fale em revelia. A

opção da parte em deixar de impugnar especificamente os fatos alegados pelo autor,

pode quando muito gerar a confissão tácita dos fatos constitutivos do direito do

autor, mas é absolutamente impróprio entender-se que tal postura do réu gerará sua

revelia.

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Outro aspecto interessante é a apresentação de contestação por advogado que não

tenha o instrumento de mandato para representar o réu, conforme já apontado.

Existiria, do ponto de vista jurídico, tal contestação? Uma visão mais tradicional e

conservadora levaria a decretação da revelia, já que sem a devida representação

postulatória, aquela contestação não poderá jamais gerar efeitos processuais.

Apesar de concordar com tal assertiva, melhor seria o juiz dar oportunidade ao

patrono que subscreveu a peça da contestação para regularizar sua situação,

decretando a revelia tão somente após o transcurso do prazo sem a devida

manifestação. E isso em qualquer hipótese, não se limitando aos casos de urgência

previstas no art. 39, CPC. Seria justo privar o réu da peça mais importante de sua

defesa por algo que no mais das vezes é fruto de mera distração de seu patrono ou

ainda por vício alheio ao seu controle?

A revelia, portanto, se verifica sempre que o réu não apresente contestação apta a

gerar efeitos processuais, constituindo-se em mero estado de fato. Sem

contestação, o réu é revel. Parece haver certa dificuldade na doutrina nacional em

admitir a literalidade do art. 319, CPC, havendo doutrinadores de peso defendendo

que, em diversas hipóteses, a ausência de contestação, por si só, não gera a revelia.

Nessa visão, qualquer outra manifestação do réu, que não a contestação, seria apta

a evitar que a revelia se consumasse no caso concreto. Em nosso entender a defesa

de tal posicionamento deriva de uma premissa errada, qual seja, que a revelia se

confunde com seus efeitos.1

Os efeitos da revelia somente se verificam com a constatação do estado de fato

“ausência da contestação”, não havendo certamente um liame que gere

1 No direito português, há diferença entre a ausência total de manifestação e somente de ausência de contestação, como nos informa MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo processo civil, 2ª ed., Lisboa, Lex, 1997, p. 208: “A revelia pode ser absoluta ou relativa. A revelia é absoluta quando o réu não pratica qualquer acto na acção pendente; é relativa se o réu não contesta, mas pratica em juízo qualquer outro acto processual, designadamente a constituição de mandatário judicial”.

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automaticamente nos casos de revelia seus efeitos. Didaticamente podemos citar

como efeitos da revelia a presunção de veracidade dos fatos2 e a dispensa da

obrigatoriedade de intimação do réu revel. É absolutamente possível – aliás, em

diversos casos – que apesar da revelia do réu (ausência jurídica de contestação),

não se opere um ou mesmo nenhum dos efeitos da revelia, e ainda assim o réu

continuará sendo revel.

É importante ressaltar que concordamos integralmente com relevante parte da

doutrina que critica a opção do legislador em tratar o principal efeito da revelia

como sendo de mera presunção relativa de veracidade. A presunção é a liberação

do ônus probatório à parte de um fato principal quando provado um fato auxiliar, o

que não ocorre no fenômeno da revelia.3 Ainda assim, e justamente por não ser

esse precisamente o tema do presente artigo, opta-se por manter a denominação

constante da legislação processual, até mesmo para que equívocos não sejam

criados no tratamento do tema. Preferiu-se, ao rigorismo acadêmico, o apego à

literalidade da legislação.

A presunção de veracidade é relativa, sendo possível que o juiz, em razão da

narrativa de fatos inverossímeis4 – e em nosso sentir somente nesses casos – não

2 Nesse sentido também o direito português: MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo processo civil, ob. cit., p. 210. Diferentemente no direito espanhol, conforme afirmado por VALENTÍN CORTÉS DOMINGUEZ, VICENTE GIMENO SENDRA, VÍCTOR MORENO CATENA, Derecho procesal civil – parte general, 5ª ed., Madri, Colex, 2003, p. 191: “Ni siquiera implica la rebeldia ficta confessio, pues al contrario de lãs respuestas evasivas em la contestaqción, que si pueden tomarse ficta confessio, la no contestación de la existencia de hechos, como em el caso del interrogatório, pues el juez no podría valorar la ausencia del litigante, y por ende la falta de contestación a las preguntas del interrogatorio, como acepctación de los hechos que ellas puedan contener”. No mesmo sentido as lições de ANDRÉS DE LA OLIVA SANTOS e IGNACIO DÍEZ-PICAZO GIMÉNEZ, Derecho procesal civil – el processo de declaración, 2ª ed., Madri, Centro de Estudios Ramón Areces, 2003, p. 262. 3 Quanto às fundadas críticas, todas orbitando praticamente em volta dos mesmos argumentos, consultar MARIA LÚCIA L. C. DE MEDEIROS, A revelia sob o aspecto da instrumentalidade, São Paulo, RT, 2003, p. 100/103, citando Arruda Alvim, Teresa Arruda Alvim Wambier, Eduardo Arruda Alvim, João Batista Lopes e Cândido Rangel Dinamarco. 4 Para ARTUR CÉSAR DE SOUZA, Contraditório e revelia, São Paulo, RT, 2003, p. 198, no caso de “fato inverossímel ou improvável, não há falar em presunção relativa de verdade do fato indicado

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presuma absolutamente nada como verdadeiro e exija do autor a prova dos fatos

constitutivos de seu direito. Além da relatividade da presunção, o art. 320 prevê

três hipóteses onde apesar da revelia o juiz não poderá dar os fatos narrados pelo

autor como verdadeiros, ou seja, não será gerado qualquer efeito de presunção de

veracidade dos fatos. Por outro lado, a juntada aos autos de procuração exige do

juiz a intimação do réu revel de todos os atos processuais, sendo nulo o processo

onde ocorrer o desrespeito a essa regra em razão da afronta ao princípio

constitucionalmente garantido do contraditório.

Como bem apontado por parcela significativa da doutrina, além das hipóteses

previstas pelo art. 320, CPC, da narrativa de fatos inverossímeis, sempre que o réu

responder à sua citação, independentemente da forma pela qual essa resposta

seja manifestada, desde que os fatos constitutivos do direito do autor tenham sido

especificamente controvertidos, apesar da revelia, seus efeitos não serão gerados.

A apresentação, por exemplo, de uma reconvenção sem a contestação, não evita

que o réu seja declarado revel. Se em tal resposta, entretanto, os fatos restaram

controvertidos, o primeiro efeito da revelia – presunção de veracidade dos fatos –

não será gerado, e também não será gerado o segundo efeito – desnecessidade

de intimação dos atos processuais – em razão da existência de procuração nos

autos, juntada com a reconvenção.

Em termos conclusivos parciais, podemos afirmar que o fenômeno da revelia não

sofre qualquer tipo de interferência em razão da intervenção de terceiros,

considerando que independentemente da intervenção de terceiro a ausência de

na petição inicial, tendo em vista sua incompatibilidade com o mundo fenomênico”. Com visão bem mais abrangente daquela por nós defendida, MARIA LÚCIA L. C. DE MEDEIROS, A revelia sob o aspecto da instrumentalidade, op. cit., , para quem não é necessário o fato ser inverossímel, bastando que esteja desprovido de qualquer elemento de prova. Tal visão, em nosso sentir, torna absolutamente sem sentido o disposto no art. 320, já que mesmo em casos onde os fatos são verossímeis o autor ainda teria que produzir prova. O efeito se tornaria simplesmente inaplicável em qualquer situação, com o que não podemos concordar.

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contestação apresentada pelo réu gerará sempre sua revelia. Não sendo

concebível que terceiro apresente contestação pelo réu, sua ausência sempre

gerará um estado de fato conceituado pelo Código de Processo Civil como revelia

(art. 319, CPC).

Quanto aos efeitos, é preciso analisá-los separadamente. Havendo procuração do

réu revel nos autos, o mesmo será regularmente intimado de todos atos

processuais, não havendo, portanto, qualquer relação desse efeito com a

intervenção ou não de terceiro no processo. O problema se resolve única e

exclusivamente com a existência ou não nos autos de procuração. Já com relação

à chamada “presunção relativa de veracidade dos fatos”, a existência de

intervenção por parte de terceiro na relação jurídica processual pode influenciar

diretamente em sua ocorrência ou não. Assim, será somente com relação a esse

efeito da revelia que se passará a analisar em termos de consequência no caso

concreto nas diferentes intervenções de terceiro.

3 – Assistência simples e litisconsorcial

Antes da análise do fenômeno da revelia no caso da assistência, que será melhor

enfrentado com a divisão do estudo em assistência simples e assistência

litisconsorcial, é preciso lembrar que o debate somente se dá quando o assistente

ingressa na demanda antes de transcorrido o prazo de resposta do réu, e apesar

de sua omissão, apresenta contestação. Sendo a assistência admitida a qualquer

momento do processo, é inegável que se a mesma se der após o transcurso do

prazo para resposta sem apresentação de contestação, o réu será revel e os

efeitos serão naturalmente gerados, sempre dentro dos limites previstos em lei.

Nesse aspecto há, inclusive, uma identidade entre a participação do réu revel e do

assistente, que são bem vindos a qualquer momento do processo, mas sempre

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encontram o processo no estado em que ele se encontra, não podendo praticar

novamente atos processuais que estarão cobertos pelo fenômeno da preclusão.5

No caso da assistência litisconsorcial, a melhor doutrina nacional entende que

apesar do terceiro não ser propriamente um litisconsorte, é trato como tal, com os

mesmos ônus, faculdades, deveres e obrigações do réu. Segundo a correta lição

de Cândido Rangel Dinamarco, “a locução considera-se litisconsorte, contida no

art. 54, significa somente que as possibilidades de atuação desse assistente serão

tantas quantas as de uma parte principal, ou seja, tantas quanto as de um

litisconsórcio”. E conclui de forma irretocável que “prepondera o substantivo

assistência sobre o adjetivo litisconsorcial e o assistente é sempre assistente,

ainda quando a lei o qualifica como litisconsorcial.”6

A par da divergência doutrinária a respeito do tema - se o assistente litisconsorcial

é assistente ou litisconsorte - todos parecem concordar que a atuação de tal sujeito

se dá como a atuação de um litisconsorte. Assim, se o réu deixar de contestar a

demanda, será indubitavelmente revel. Quanto aos efeitos, as coisas

5 Nesse sentido, quanto à assistência simples, UBIRATAN DE COUTO MAURÍCIO, Assistência simples no direito processual civil, São Paulo, RT, 1983, p. 90.No direito alemão há o mesmo fenômeno, segundo nos informa J. MONTERO AROCA, La intervención adhesiva simple, Barcelona, Hispano Europea, 1972, p. 149. O mesmo ocorre no direito francês, p. 147: “La intervención no puede retardar el curso de la causa principal, y como consecuencia de ello el interviniente toma parte em el procedimiento a partir del momento em que la intervención se realizó sin que, por el principio de preclusión, pueda hacer retorceder el procedimiento a fases ya precluidas.”. Igual disposição existe no direito argentino, nas lições de LINO ENRIQUE PALACIO, 17ª ed., Manual de derecho procesal civil, Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 2003, p. 286. 6 Cfr. Instituições de direito processual civil, vol. II, São Paulo, Malheiros, 2001, p. 388. No mesmo sentido ARRUDA ALVIM, Assistência – litisconsórcio, São Paulo, RT, 1986, p. 14 e ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, Lições de direito processual, vol. 1, 9ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2003, pp. 186/187. Em sentido contrário SÉRGIO SAHIONE FADEL, Código de Processo Civil Comentado, 7ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 101 e LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART, Manual do processo de conhecimento, 2ª ed., São Paulo, RT, 2003, p. 201, afirmando que nesse caso ocorre a formação de um litisconsórcio ulterior. No direito argentino, pelo segundo entendimento, as lições de LINO ENRIQUE PALACIO, Manual de derecho procesal civil, op. cit., p. 285: “Sobre la base de las consideraciones expuestas, la doctrina, em general, asimila la posición del interviniente, en este caso, a la de um litisconsorte facultativo, com quien tiene em común, fundamentalmente, la calidad de parte y la autonomia de actuación procesal”.

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devem ser enfrentadas de forma diferente, considerando que se aplica ao caso a

regra impeditiva de presumirem-se verdadeiros os fatos alegados pelo autor

quando um dos litisconsortes apresenta contestação, por expressa previsão do art.

320, I, CPC.

Nesse ponto nem mesmo a correta limitação imposta pela doutrina na aplicação de

tal dispositivo legal aos casos de litisconsórcio unitário ou em determinadas

situações de litisconsórcio simples - quando os fatos alegados pelo autor são

controvertidos pelo litisconsorte que contesta a ação7 - modifica a inaplicabilidade

de tal efeito ao caso de contestação apresentada pelo assistente litisconsorcial. A

observação é importantíssima, mas no caso da assistência litisconsorcial

estaremos sempre diante do litisconsórcio unitário, haja vista que a derrota do

assistido sempre gerará a derrota do assistente, sendo essa inclusive a justificativa

da própria intervenção.8 Assim, inegavelmente se aplica o art. 320, I, CPC, e caso

o assistente litisconsorcial conteste, mesmo na ausência de contestação do

assistido, não se aplica o efeito de presunção de veracidade dos fatos.

Pela própria diferença da natureza jurídica entre as duas espécies de assistência,

inaplicável à assistência simples o art. 320, I, CPC, considerando ser

7 No sentido do texto ARRUDA ALVIM, Manual de direito processual civil, vol. 1, 6ª ed., São Paulo, RT, 1997, p. 264, e RITA GIANESINI, Da revelia no processo civil brasileiro, São Paulo, RT, 1977, p.87, ambos falando em “fatos comuns” no caso do litisconsórcio facultativo e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, “O ônus de contestar e o efeito da revelia”, in Revista de Processo nº 41, p. 194, apontando como critério a utilidade da controvérsia. Também assim no direito português, com o detalhe aos casos de litisconsórcio simples, nas lições de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUZA, Estudos sobre o novo processo civil, ob. cit., p. 209: “A revelia é ainda inoperante nos seguintes casos: - apresentação de contestação por um dos réus, embora a inoperância se restrinja aos factos impugnados por essa parte”. 8 Nesse sentido ARRUDA ALVIM, Assistência – litisconsorcial, op. cit., p.14: “Já diversamente, na assistência litisconsorcial, os efeitos da sentença entre as partes principais afetam virtual e inexoravelmente a relação jurídica do assistente litisconsorcial, com o adversário do assistido, se este perder a ação, o que significa que o assistente litisconsorciado também a terá perdido, e, tal, ocorrerá se não tiver ingressado no processo, igualmente.” e CÁSSIO SCARPINELLA BUENO, Partes e terceiros no processo civil brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2003, p. 153.

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inquestionável não ter qualquer qualidade de litisconsorte o assistente simples.

Nessa espécie de intervenção aplica-se o art. 52, par. único, CPC, que embora

contenha nítida impropriedade quanto à qualidade que adquire o assistente

simples, impede no caso concreto que a ausência da contestação do assistido gere

o efeito de darem-se os fatos alegados pelo autor como verdadeiros.9 Assim vem

redigido o dispositivo legal: “Sendo revel o assistido, o assistente será considerado

seu gestor de negócios”.

A revelia mencionada no artigo ora analisado é uma situação de fato, ou seja, a

ausência de apresentação de contestação pelo assistido, ou seja,

independentemente da atuação do assistente simples, o réu será revel. A

atribuição de qualidade de gestor de negócios é algo que não evita a revelia,

podendo sim evitar a geração do efeito da presunção de veracidade quando

apresentada contestação somente pelo assistente simples. É certo que no prazo

de contestação deverá o assistente contestar e daí de duas uma; ou essa se soma

a contestação do assistido, ou então esse é revel – ou seja, não apresenta sua

contestação, quando haverá nos autos somente a contestação do assistente.10 Se

o prazo de contestação transcorrer sem nenhuma manifestação

9 A essa conclusão também chegou ARTUR CÉSAR DE SOUZA, Contraditório e revelia, op. cit., p. 206: “Desta feita, apresentando, o assistente, contestação no prazo legal, muito embora caracterizada a revelia do assistido, não há falar, nesse caso, no efeito da revelia preconizado no art. 319 do CPC” e JOEL DIAS FIGUEIRA JR., Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 4 – tomo II, São Paulo, RT, 2001, p. 375: “Assim, a sua participação, mediante oferecimento de contestação válida, tem o condão de afastar os efeitos da revelia que haveriam de recair sobre o réu e, reflexamente, sobre a pessoa do assistente”. 10 Nesse sentido já havia se manifestado UBIRATAN DE COUTO MAURÍCIO, Assistência simples no direito processual civil, São Paulo, RT, 1983, p. 110: “Poder-se-ia extrair, apressadamente, a inferência de que a atuação do assistente simples como gestor de negócios apenas ocorrerá após a revelia. Esta conclusão é inexata, de uma vez que o caput do art. 52 atribui ao assistente simples os mesmos poderes do assistido. Se tem os mesmos poderes pode contestar. Além do mais, em nada adiantaria a contestação do assistente, havendo revelia do assistido, se aquele fosse considerado gestor de negócios só após verificada a revelia deste.” Para CÁSSIO SCARPINELLA BUENO, Partes e terceiros no processo civil brasileiro, op. cit., p. 152: “Para que os efeitos da revelia sejam elididos pelo assistente simples é necessário que sua contestação seja oferecida no mesmo prazo existente para o assistido, réu da ação. Só se no interregno aberto para que o assistido apresente sua defesa o assistente contestar é que não se poderá falar em efeitos da revelia no que tange à presunção de veracidade da matéria fática”. No direito português, MIGUEL

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defensiva, seja do assistente, seja do assistido, ocorrerá a revelia e seus efeitos

serão gerados normalmente, sendo considerado o assistente “gestor de negócios”

à partir desse situação processual.

A única falha do dispositivo legal, conforme já anteriormente levantado, é que a

qualidade que o assistente assume no processo não é propriamente de gestor de

negócios, instituto de direito material, já que o mesmo não pode praticar ato de

disposição de direito, como reconhecer juridicamente o pedido ou transacionar, até

porque, apesar de se tornar – segundo a lei - gestor de negócios, o direito material

debatido na demanda continua sendo do assistido, e não seu. A crítica não passou

desapercebida pela doutrina, que entende corretamente que o caso é de

substituição processual, e não de gestão de negócios.11

O direito português, em sua recente reforma processual, se adiantou ao direito

brasileiro modificando a redação do art. 338, de seu Código de Processo Civil,

conforme nos informa Helena Tomás Chaves, operando-se alteração no

respeitante “à posição do assistente em casos de revelia do assistido: aquele

passa a ser considerado seu substituto processual e não, como anteriormente,

gestor de negócios”.12 Apesar de mais avançado nesse ponto o direito português,

no direito pátrio é incontestável a possibilidade do assistido de contestar, seja

como gestor de negócios, seja como substituto processual, e isso é o que mais nos

interessa.

TEIXEIRA DE SOUSA, 2ª ed., Estudos sobre o novo processo civil, Lisboa, Lex, 1997, p. 177: “Se a parte assistida for revel (cfr. artºs 484º e 485º, o assistente é considerado como seu substituto processual, embora só lhe seja permitido realizar os actos que aquela ainda tenha o direito de praticar (artº 338º). Isto significa que o assistente de uma parte passiva pode, por exemplo, contestar a ação e, nesta contestação, não só impugnar os factos alegados pelo autor, como também invocar quaisquer excepções que o demandado pudesse alegar”. 11 Assim VICENTE GRECO FILHO, A intervenção de terceiros no processo civil, São Paulo, Saraiva, 1973, p. 68 e ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, Lições de direito processual civil, op. cit., p. 188. 12 Cfr. “Os incidentes de intervenção de terceiros à luz do CPC revisto”, in Aspectos do novo processo civil, Lisboa, Lex, 1997, p. 209.

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É incorreto o entendimento de que o procedimento disciplinado pelo Código de

Processo Civil para a intervenção do terceiro por meio da assistência possa

funcionar como barreira praticamente intransponível para que o assistente consiga

contestar dentro do prazo de resposta. Ao prever que as partes devem ser

intimadas para em cinco dias se manifestar sobre o pedido de intervenção, o art.

51, CPC, poderia ser entendido como sério óbice à existência de contestações

tempestiva por parte do assistente, qualquer que seja sua espécie. Não é segredo

que tal procedimento, por mais simples que pareça, certamente demandará mais

dos que os 15 dias que tem o réu para responder no processo de conhecimento

pelo rito ordinário. Obtendo a aceitação de seu ingresso somente após esse prazo,

não mais poderia contestar, e por consequência não mais poderia também evitar

que os fatos narrados pelo autor na inicial se presumissem como verdadeiros.

O problema já havia sido anteriormente levantado por José Joaquim Calmon de

Passos, que utilizando previsão do CPC português, resolve o problema por ele

mesmo proposto. Segundo o processualista baiano, seria absolutamente “legítimo

o comportamento do assistente pedindo sua admissão no feito juntamente com o

oferecimento da contestação que ao assistido ainda seria lícito oferecer, por

tempestiva. Admitido que seja, estará validade a prática do ato, atuando ele como

gestor do revel, afastados, assim, os efeitos fáticos da revelia”.13 Apesar de se

referir especificamente à assistência simples, parece-nos que o pensamento

também pode ser aplicado à assistência litisconsorcial.

Podemos concluir que tem grande importância a figura da assistência para a

geração do efeito de presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor.

Sempre que tempestivamente o assistente contestar a demanda, e em qualquer

espécie (litisconsorcial – art. 320, I, e simples – art. 52, § único, ambos do CPC),

13 Cfr. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 3, 8ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2000, p. 371.

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apesar da omissão do assistido, nada se presumirá verdadeiro, mantendo-se o

ônus ao autor de provar os fatos constitutivos de seu direito.14

3 – Oposição

Dentre todas as intervenções de terceiro a oposição - pela sua natureza de ação

do opoente contra o autor e réu da ação principal - suscita algumas questões

bastante particulares, se diferenciando inclusive das questões envolvendo as

outras formas de intervenção de terceiros. Há alguns pontos que merecem um

tratamento mais detido, ainda que com pouca frequência se verifiquem na prática

forense.

Em nosso entender no pólo passivo da oposição forma-se um litisconsórcio

necessário – em razão de expressa previsão legal – e unitário – em razão da

obrigatoriedade do juiz em decidir da mesma forma para os litisconsortes.15 Não

concordamos com aqueles que entendem ser tal litisconsórcio simples, já que a

procedência da oposição fará com que ambos os réus saiam derrotados da

14 Esse também é o entendimento de doutrinadores alemães, como JAMES GOLDSCHMIDT, Direito Processual Civil, tomo II, traduzido por Lisa Pary Scarpa, Campinas, Bookseller, 2003, p.23: “Em caso de ausência, o interveniente adesivo representa a sua parte.” e OTHMAR JAUERING, Direito Processual Civil, tradução F. Silveira Santos, Lisboa, Almedina, 2002, p. 423: “Os seus actos têm a mesma eficácia como se tivessem sido praticados pela parte principal, assim defende a parte principal, pelo seu debate, das conseqüências da revelia, de modo que não pode ser proferida condenação à revelia contra a parte principal ausente, se o assistente litigou.”. No direito português MIGUEL TEIXEIRA DE SOUZA, Estudos sobre o novo processo civil, op. cit., pp. 177/178: “Se a parte assistida for revel (cfr. artºs 484º e 485º), o assistente é considerado seu substituto processual, embora só lhe seja permitido realizar os actos que aquela ainda tenha o direito de praticar (artº 338º). Isto significa que o assistente de uma parte passiva pode, por exemplo, contestar a acção e, nesta contestação, não só impugnar os factos alegados pelo autor, como também invocar quaisquer excepções que o demandado pudesse alegar.”. 15 Nesse sentido CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, Intervenção de terceiros, São Paulo, Malheiros, 1997, pp. 91/93 e LUIZ FUX, Intervenção de terceiros (aspectos do instituto), São Paulo, Saraiva, 1990, p. 17.

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demanda, enquanto sua improcedência fará com que ambos saiam da demanda

vitoriosos. 16

Poder-se-ia alegar que essa vitória é efêmera, e que ao final do processo, ou

melhor, ao final do julgamento da ação principal, apenas um dos sujeitos será

vitorioso. Tal discussão, entretanto, nada tem a ver com a oposição, sendo própria

e exclusiva da ação principal. O que os réus na ação de oposição buscam,

conjuntamente, é evitar que o opoente se sagre vitorioso, e isso faz com que o

litisconsórcio seja unitário. O julgamento de improcedência da oposição é a única

maneira da ação principal não perder seu objeto, sendo tal circunstância de

interesse tanto do autor quanto do réu dessa ação.

Sendo caso de litisconsórcio unitário, aplica-se à oposição no que tange à revelia a

regra do art. 320, I, CPC, negando-se que a omissão de um dos réus acarrete o

efeito de darem-se os fatos alegados pelo opoente como verdadeiros.17 Apesar do

réu contestante certamente impugnar as alegações e os fatos narrados na petição

inicial pelo autor, defesa, quando acolhida, acabará beneficiando também o réu

que deixou de contestar, considerando-se a impossibilidade de dubiedade

conclusiva por parte do juiz quanto aos fatos no julgamento da oposição. Deverão

ser tidos como verdadeiros ou não.

Segundo previsão do art. 57, parágrafo único, CPC, caso o réu tenha sido revel na

ação principal, deverá ser citado pessoalmente na oposição, e não por meio de seu

advogado, como determina a regra geral (caput do artigo). O dispositivo legal disse

menos do que deveria; a revelia pode muito bem se verificar com o réu estando

16 Defendendo a unitariedade do litisconsórcio ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, Intervenção de terceiros, 13ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 68; CÁSSIO SCARPINELLA BUENO, Partes e terceiros no processo civil brasileiro, op. cit., 2003, p. 182 e ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, Lições de Direito Processual Civil, vol. 1, op. cit., p. 191. 17 Mesmo autores que defendem ser caso de litisconsórcio simples, aplicam ao caso o art. 320, I, CPC, como RITA GIANESINI, Da revelia no processo civil brasileiro, op. cit., pp. 140/141 e JOSÉ JOAQUIM CALMON DE PASSOS, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 371.

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devidamente representado nos autos (juntou a procuração e perdeu o prazo de

contestação) ou ainda pode o réu revel ter ingressado tardiamente na demanda e

estar, à época da citação na oposição, devidamente representado no processo

principal. Melhor seria se o artigo se referisse à revelia e a inexistência de

representação do réu na ação principal. Mais uma vez o próprio código confunde

revelia com seus efeitos.

De uma análise da ação principal e da oposição, diversas situações dependentes

da atuação do réu da ação principal e dos réus da oposição (autor e réu da ação

principal) podem ocorrer. Examinaremos as mais polêmicas quanto à geração dos

efeitos da revelia, em especial a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo

autor das duas demandas.

Comecemos pela situação em que o réu é revel na ação principal. Nessa ação, os

fatos alegados pelo autor serão ditos como verdadeiros – desde que inaplicáveis

no caso concreto as exceções já analisadas – e a revelia desse réu na oposição

não gerará os efeitos da revelia em razão do disposto no art. 320, I, CPC. Tal

circunstância não cria grandes complicações quando os fatos narrados nas

petições iniciais são diferentes, mas se existir fato comum? Ora, não podemos

supor que o autor da ação principal impugne fato alegado pelo opoente que

contradiga os fatos que alegou na petição inicial da ação principal. Dessa forma, os

fatos, pela própria lógica, não devem ser comuns.

Por outro lado, pode perfeitamente ocorrer do réu ser revel em apenas uma das

ações (principal ou oposição), e que sua contestação impugne fatos alegados na

ação em que se tornou revel. Como deverá o juiz proceder nesse caso? Seria

possível para uma das ações presumir um fato verdadeiro quando na outra este

restou comprovadamente falso? Havendo previsão legal expressa da legislação

quanto ao julgamento simultâneo da oposição e ação principal – sempre que

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possível – parece-nos que nesse caso a presunção de veracidade não deve se

operar porque a controvérsia criada numa das duas ações certamente gerará

efeitos sobre a outra. Sendo apenas uma a decisão, é óbvio que o juiz não pode no

mesmo momento dar um fato como verdadeiro e falso ao mesmo tempo.18

Ocorre, entretanto, que nem sempre o juiz julgará na mesma sentença a oposição

e a ação principal, e nesse caso parece possível que na ação principal julgada

anteriormente o juiz tenha presumido verdadeiro um fato que na oposição se

provou ser falso. Será caso, a nosso ver, de manifestação da parte interessada

junto ao Tribunal, informando da falsidade do fato. Mais vale a certeza do fato ser

falso do que a mera presunção de sua veracidade. O mesmo se ocorrer revelia de

ambos os réus na oposição, mas na ação principal tenha restado provado que

algum fato alegado pelo autor da oposição é falso. Embora se trate de ações

diferentes, tem uma ligação entre si que não pode ser desprezada pelo juiz.

Importante ressaltar que em razão da petição inicial dessas duas ações – principal

e oposição – serem elaboradas por sujeitos diferentes, com objetivos diversos e

até mesmo contrários, os fatos podem não ser comuns, mas no caso de porventura

existir algum fato comum à ação principal e à oposição, deve prevalecer a certeza

do juiz, obtida em qualquer uma delas e com geração de efeitos para a outra19.

Nesse caso, não se pode exigir do juiz que presuma um fato verdadeiro quando

esse mesmo juiz, em ação intimamente ligada (e não qualquer ação) descobriu por

meio de instrução probatória a verdade sobre os fatos. 18 Assim JOSÉ JOAQUIM CALMON DE PASSOS, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 371: “Mas não se deve esquecer que o fato comum às duas demandas é relevante, em que pese a revelia. Se, atuante na oposição, o réu revel na ação principal provou desenganadamente o seu direito, repelindo a intervenção do opoente, será contra os princípios acolher-se a pretensão do autor na ação principal com apoio na revelia do réu. O julgamento simultâneo impõe a unidade de convicção quanto ao fato. E se a oposição não foi objeto de julgamento simultâneo, a prova que o réu tenha feito lhe servirá de subsídio tanto para o recurso quanto para a rescisória.” 19 CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. III, São Paulo, Malheiros, 2001, p. 531: “O opoente, que vem ao processo negar o direito do autor e do réu para afirmar o seu, com muita probabilidade também o fará mediante negativa das afirmações contidas na petição inicial.”.

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Quebraremos uma promessa feita na apresentação do presente artigo, na qual nos

comprometíamos em analisar tão somente o efeito da revelia quanto à presunção

de veracidade dos fatos alegados pelo autor. Afirmamos naquele momento que

tanto a revelia – ausência de contestação – como a desnecessidade de intimação

do réu revel – somente aplicada quando não existisse nos autos procuração, não

sofriam qualquer modificação em razão da intervenção de terceiros. No que tange

ao efeito de não mais ser necessária a intimação dos atos processuais, na

oposição existe uma exceção à regra geral que traçamos.

Ainda que o réu ou autor da ação originária deixe de apresentar contestação na

oposição, apesar de sua inegável revelia, deverão ser intimados de todas as

decisões proferidas naquela demanda, desde que tenha procuração juntada na

ação principal.20 E nem se fale que são ações diversas, que demandariam por isso

a existência de diferentes procurações, já que o próprio Código de Processo Civil

permite a citação desses sujeitos na pessoa de seus advogados, constituídos na

ação principal e não na oposição. Ora, se o próprio código permite que o ato de

comunicação mais importante do processo seja feito na pessoa de um advogado

que tem tão somente procuração nos autos principais, não haverá qualquer razão

para deixar de intimá-lo dos atos processuais da oposição ainda que a parte que

representa se torne revel e não junte aos autos procuração específica para tal

demanda.

4 – Nomeação à autoria

A nomeação à autoria é forma de intervenção de terceiro sui generis, haja vista

que uma vez efetivada no caso concreto, a relação jurídica processual não se

tornará complexa, com a expansão subjetiva própria das intervenções de terceiro,

20 Em sentido contrário ao nosso entendimento RITA GIANESINI, Da revelia no processo civil brasileiro, op. cit., p. 141.

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levando-se em conta que com a aceitação do nomeado à autoria se verificará a

substituição do réu originário pelo terceiro, em fenômeno chamado pela doutrina de

extromissão de parte. Assim, essa forma de intervenção de terceiro é aquela que

menos cria questões polêmicas, se desenvolvendo no início da demanda (prazo

para reposta) e qualquer que seja seu destino – substituição ou não do réu

originário – a demanda segue regularmente entre autor e réu, qualquer que seja

ele.

O art. 64, CPC, dá como prazo para o réu o da defesa, suspendendo-se o

processo. Dessa forma, não há compatibilidade lógica entre a apresentação de

defesa e a nomeação à autoria, já que ou o réu não apresenta a contestação e

assim é revel, mais nesse caso o prazo da nomeação à autoria já terá transcorrido,

ou pede a nomeação no prazo de defesa e com a suspensão do processo não

pode ser considerado revel, ao menos nesse primeiro momento.21

Segundo o dispositivo legal supra citado, uma vez suscitada pelo réu a nomeação à

autoria, o juiz, ao deferir o pedido, suspende o processo e ouve o autor em cinco

dias, sendo que esse não está, por óbvio, obrigado a aceitar a nomeação do

terceiro. O artigo legal merece no mínimo dois reparos, sendo um deles de suma

importância com relação à revelia. Perceba-se que pelo teor literal do dispositivo, a

suspensão somente começa a correr quando o juiz deferir o pedido da nomeação, o

que pode criar uma situação no mínimo delicada. Imagine-se que no último dia de

prazo o réu nomeia a autoria terceiro; nesse caso certamente o deferimento do juiz

somente ocorrerá após transcorrido o prazo de defesa. Nesse caso, seria possível o

réu ser revel e ao mesmo tempo nomear terceiro à autoria?

Já adiantamos que tal situação não pode ocorrer, em razão da correta interpretação

ao artigo legal dada por José de Albuquerque Rocha, lembrando inclusive que na 21 Nesse sentido JOSÉ JOAQUIM CALMON DE PASSOS, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 372.

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negação do pedido pelo juiz o processo terá sido suspenso – e o prazo interrompido

– devolvendo-se o prazo para o réu originário. Conclui corretamente que “a

suspensão do processo deve começar da data da apresentação do requerimento de

nomeação e não do seu deferimento pelo juiz”.22 Assim, repete-se o que já foi dito

antes; quando houver nomeação não haverá revelia, ao menos nesse momento

inicial.

O outro reparo que se deve fazer é que o Código acaba por confundir algo

inconfundível: suspensão e interrupção. O dispositivo prevê que o processo será

suspenso, mas na verdade o que ocorre é sua interrupção, sendo o prazo para

resposta devolvido na íntegra tanto ao réu originário como ao nomeado que aceitar

a nomeação. Como se sabe, a devolução na íntegra do prazo é típico da

interrupção, e não da suspensão, situação em que a devolução do prazo se dá

apenas pelo saldo, ou seja, naquilo que não decorreu antes da causa de

suspensão.23 De qualquer forma, com a devolução do prazo, o processo passa a

transcorrer como se nada tivesse ocorrido, e assim sendo a revelia e seus efeitos

seguem as regras gerais.

Aceitando o autor a nomeação à autoria feita pelo réu, providenciará os meios

materiais necessários para a citação do terceiro, que poderá tanto aceitar quanto

negar a qualidade que lhe é imputada pela intervenção de terceiros. Não aceitando

a nomeação, deverá fazer de forma expressa, e assim se livra da demanda,

retornando essa a seu trâmite regular, devolvendo-se o prazo para contestar ao

nomeante, prazo esse que deve começar a correr da intimação do patrono do réu.24

A aceitação da nomeação à autoria pode ocorrer de forma expressa ou implícita, e

22 Cfr. Nomeação à autoria, São Paulo, Saraiva, 1983, p. 93. 23 Assim foi bem observado por JOSÉ DE ALBUQUERQUE ROCHA, Nomeação à autoria, São Paulo, Saraiva, 1983. 24 Concordando com tal posição, inclusive com indicação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, Da intervenção de terceiro, op. cit., p. 78.

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de qualquer forma ocorrerá a extromissão de parte, com a substituição do réu

originário pelo terceiro nomeado.

Cresce em interesse no presente artigo a situação em que a aceitação do terceiro é

implícita, ou seja, derivada de seu silêncio. No entendimento de José de

Albuquerque Rocha, “o reconhecimento tácito, resultante do não-comparecimento

do nomeado, significa que o legislador aplicou ao caso a mesma conseqüência

jurídica prevista para a revelia (CPC, art. 319), ou seja, se o nomeado não

comparece, reputa-se verdadeira a qualidade que lhe é atribuída (art. 66, primeira

parte)”.25

Não concordamos com tal posicionamento. A revelia é a ausência de contestação, e

não ausência de resposta do nomeado à autoria. Nesse caso, a aceitação implícita

não gera a revelia e tampouco seus efeitos, passando a correr o prazo para a

resposta somente após o prazo concedido pela parte se manifestar sobre a

nomeação (5 dias). Após esse momento, com o silêncio significando a aceitação, aí

sim será possível a revelia, e jamais antes.26

Joel Dias Figueira levanta interessante questão sobre a oposição e revelia, a

respondendo a seguir, em nosso sentir de forma acertada. Sugere a situação que

“poderá surgir em relação ao nomeante que teve a nomeação aceita pelo autor,

enquanto o nomeado, por sua vez, omitiu-se e ainda deixou de responder a ação.

Pergunta-se: em face da revelia do nomeado, o nomeante assumirá, também, os

seus efeitos, direitos ou reflexos? A resposta é negativa, tendo em vista que, em

razão da aceitação da intervenção, o nomeante desligou-se do processo, isto é,

25 Cfr. Nomeação à autoria, op. cit., p. 84. No mesmo sentido ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, Da intervenção de terceiros, op. cit., p. 77. 26 JOEL DIAS FIGUEIRA JR., Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 373: “Em que pese a presunção de concordância tácita a respeito da nomeação, esta ficção legal não se equipara em seus efeitos, seja pela extensão ou pela profundidade, àqueles referentes à revelia, conforme definidos no art. 319 do CPC”.

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deixou de ser parte no processo que teve o seu regular prosseguimento, apenas

contra o nomeado.”27

5 – Denunciação da lide

Questões interessantes surgem no tocante à denunciação da lide por parte do réu

quando o mesmo é revel. Tal circunstância é plenamente possível – embora rara –

considerando que o pedido de denunciação da lide por parte do réu tem como prazo

o da defesa, não se exigindo sua apresentação concomitante, e apesar da

suspensão do processo, o réu que denunciou pode não apresentar contestação no

momento em que o processo retomar seu curso natural. Dessa forma, se o réu no

prazo de defesa simplesmente pede a citação do denunciado à lide, mas deixa de

contestar no momento adequado, será decretada sua revelia.

Nesse caso resta bastante evidente que ao menos um dos efeitos da revelia não se

operará em nenhuma hipótese. Se o réu denunciou à lide um terceiro, o fez porque

estava devidamente representado nos autos principais, sendo necessária a

capacidade postulatória para a prática de tal ato processual. Havendo procuração

nos autos, como já dizemos alhures, o réu, ainda que revel, deverá ser intimado de

todos os atos processuais em respeito ao princípio do contraditório. Com relação à

presunção de veracidade dos fatos alegados, tudo dependerá da postura a ser

adotada pelo denunciado.

Antes da análise da postura que pode o denunciado adotar, é preciso se analisar o

art. 72, CPC, que determina que “ordenada a citação, ficará suspenso o processo”.

Mais uma vez o Código de Processo Civil indica como ato que suspende o processo

não o pedido de intervenção feito pela parte, mas sim seu deferimento pelo juiz (há

havia feito o mesmo no caso de nomeação à autoria, art. 64, CPC). Resta saber se

27 Cfr. Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 373.

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o artigo legal deve ser interpretado literalmente, contando-se o início da suspensão

do processo – e o que nos é mais importante, do prazo para defesa – apenas do

deferimento ou então a partir do simples pedido de denunciação do réu.

Ao enfrentar o tema quanto à nomeação à autoria linhas atrás, defendemos que a

interrupção do prazo para defesa deveria ser computada desde o pedido do réu, e

não do deferimento do juiz, até mesmo para evitar surpresas ou interposição de

contestação que se mostrasse inútil, quando verificada a extromissão de parte. Não

vemos qualquer motivo para mudar de opinião quanto à denunciação da lide, se

não pelas mesmas razões, por razões bastante próximas. É certo que a

contestação do réu jamais será inútil, mas pode esse preferir que antes ocorra a

denunciação para somente após apresentar sua defesa. O destino de seu pedido

de denunciação pode determinar o conteúdo de sua defesa, e tal aspecto deve ser

respeitado.

É curioso que doutrinadores que defendem a suspensão do prazo, mas somente

após o deferimento do pedido, entendam que a defesa seja apresentada após o

pedido de denunciação da lide, mas com ocorrência de preclusão temporal quando

o pedido é indeferido.28 Ora, qual a diferença para a nomeação à autoria? Não seria

a expectativa do réu em ver aceita sua denunciação suficiente para suspender o

prazo de defesa, evitando assim indesejáveis e injustas conseqüências. Se o

processo deve gerar o menor número de surpresas possíveis, não temos como

concordar com o entendimento de que caso seja indeferido o pedido de

28 Não concordamos, portanto, com CÁSSIO SCARPINELLA BUENO, Partes e terceiros no processo civil brasileiro, op. cit., p. 232, citando lições de Sydney Sanches (Denunciação da lide no direito processual civil brasileiro, p. 166), assim conclui seu pensamento: “Se, por acaso, não se determinar sua citação, porque, por exemplo, o magistrado entendeu que a denunciação da lide era descabida, não haverá suspensão do processo e, portanto, o denunciante ver-se-á diante de inegável preclusão temporal”. Também ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, Lições de direito processual civil, op. cit., p. 206, lembrando que a suspensão impede tão somente o regular desenvolvimento do processo.

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denunciação – ou mesmo sem que o mesmo tenha sido apreciado, haja

transcorrido o prazo de defesa e o réu seja revel.

Visão ainda mais radical tem Athos Gusmão Carneiro, para quem há

obrigatoriedade de apresentação de defesa junto com o pedido de denunciação da

lide. Para o prestigiado doutrinador, “o denunciado, para habilitar-se à sua própria

defesa, necessita conhecer a posição de denunciante relativamente aos fatos e

pretensões apresentados na petição inicial. Ao limitar-se ao pedido de intervenção

do terceiro, o réu implicitamente aceitou os fatos postos na inicial e permitiu a

preclusão de seu direito de contestar”.29

Ao adotarmos o entendimento de que o mero pedido de denunciação do réu já gera

a suspensão do processo, certamente não podemos concordar com as lições do

nobre processualista. Na verdade, nos parece que parte de uma premissa errada

para atingir uma conclusão correta. Não discordamos que o denunciado deve saber

o teor da resposta do denunciante para elaborar sua manifestação, até mesmo para

impugnar a causa da intervenção (um dos incisos do art. 70, CPC). Ocorre,

entretanto, que a suspensão do prazo se encerra quando da citação do denunciado,

sendo que o prazo para defesa do denunciante sempre será menor que àquele

concedido ao denunciado. Iniciando-se a contagem do prazo novamente, o

denunciado terá o prazo na sua integralidade e o denunciante somente pelo saldo.30

29 Cfr. Intervenção de terceiros, op. cit., p. 103. Parece ter o mesmo entendimento JOSÉ JOAQUIM CALMON DE PASSOS, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 372: “Por outro lado, determinando o Código seja feita a denunciação pelo réu no prazo para contestar (art. 71), não quis ele dizer que nesse prazo apenas cumpre ao réu denunciar. Cabe-lhe, também, contestar, visto como ele é parte e permanecerá parte, independentemente da posição que venha a tomar, em relação ao feito, o denunciado”. Ver também JOEL DIAS FIGUEIRA JR., Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 374. 30 Quanto ao momento em que o prazo para a contestação do réu-denunciante voltará a correr, no sentido do texto, MARCELO ABELHO RODRIGUES, Elementos de direito processual civil, vol 1, 2ª ed., São Paulo, RT, 2000, p. 344. Em sentido absolutamente contrário HUMBERTO THEODORO JR., Curso de direito processual civil, vol. 1, 39ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 2003, p. 119: “Feita a denunciação da lide, não estará o réu obrigado a apresentar simultaneamente a contestação. Ad instar do que se dá na nomeação à autoria (art. 67), deverá ser reaberto ao denunciante o prazo

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Admitindo-se a controvérsia sobre o tema, até mesmo com importantes reflexos

práticos, para os fins buscados pelo presente artigo cumpre apenas observar que

independentemente da corrente que se adote, é sempre possível a ausência de

contestação do réu-denunciante e por conseqüência a decretação de sua revelia. E

esse é o ponto principal de nossas considerações; réu-denunciante revel e citação

regular do denunciado. Seria possível ao denunciado evitar a geração de efeitos da

revelia ao denunciante no processo principal? E caso a resposta seja afirmativa,

como e em que situações isso ocorreria?

Não surgem maiores questionamentos quanto aos efeitos da revelia no processo

principal quando o denunciado também é revel, ou seja, deixa de contestar. Sendo

tanto o denunciante como o denunciado revel, os fatos alegados pelo autor serão

ditos como verdadeiros – claro que se no caso concreto não se verificar qualquer

das exceções já analisadas no presente artigo – permitindo inclusive o julgamento

antecipado da lide. Se a questão é pacífica quanto à geração desse efeito na ação

principal, o mesmo não se pode dizer no tangente aos efeitos que a revelia dupla

causa na sentença a ser proferida pelo juiz.

Segundo o art. 75, II, CPC, “se o denunciado for revel, ou comparecer apenas para

negar a qualidade que lhe foi atribuída, cumprirá ao denunciante prosseguir na

defesa até o final”. Sendo revel o denunciante, estaria ele prosseguindo na defesa

até o final? A questão é interessante já que para parcela da doutrina, quando ocorre

a dupla revelia (denunciante e denunciado), o denunciante perde a possibilidade de

ver reconhecida na demanda seu direito regressivo, devendo o juiz se limitar em

sua sentença a apreciar o objeto da ação principal.

Nesse sentido já teve oportunidade de se manifestar José Joaquim Calmon de

Passos, afirmando que “fazendo-se revel, o denunciante descumpriu essa para contestar, após a solução do incidente, mesmo porque, as mais das vezes, dependerá do comparecimento do denunciado para estruturar sua resposta”.

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obrigação, porquanto de defesa não se pode falar quando o réu se limitou a

promover a denunciação da lide. Conseqüentemente, desatendida essa obrigação,

perde o réu a possibilidade de ver o seu direito declarado na sentença que lhe

asseguraria o título reclamado para a execução contra o alienante ou contra o

regressivamente responsável.”31 Não concordamos com tal posicionamento em

razão da própria natureza da denunciação da lide.

O réu-denunciante se vê envolvido em duas demandas diferentes; uma na qual ele

é o réu (ação principal) e noutra na qual ele funciona como autor (ação secundária

criada pela denunciação à lide). A permanência do réu-denunciante na defesa até o

final, independe de efetiva atuação na defesa de seus direitos. Pode até mesmo,

segundo nossa concepção, reconhecer juridicamente o pedido do autor, e ainda

assim o denunciado, caso reste comprovado o direito regressivo do réu, deverá ser

condenado na sentença.32

Apesar de sua condição de revel na ação principal, praticou o único ato que lhe

caberia na denunciação da lide, ou seja, ingressou tempestivamente com o pedido

de condenação regressiva do denunciado. A revelia do denunciado gerará o efeito

da presunção de veracidade dos fatos alegados pelo denunciante que ensejaram

a intervenção (fatos ligados ao art. 70, CPC), e dessa forma, desde que haja

procedência na ação principal e exista o direito regressivo, não existe qualquer

razão para impedir que o juiz em sua sentença condene o denunciado. Estará

esse sujeito arcando com sua própria omissão, já que se tivesse se manifestado

31 Cfr. Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 373. No mesmo sentido RITA GIANESINI, Da revelia no processo civil brasileiro, op. cit., p. 142, lembrando que se o denunciante prosseguir na defesa, o denunciado poderá ser abrangido pelo art. 76” e ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, Intervenção de terceiros, op. cit., p. 118, para quem o réu está obrigado ao uso de todos os meios conducentes à sua defesa, até o esgotamento dos recursos ordinários, não sendo obrigatória a interposição de Recurso Especial nem Extraordinário. 32 Nesse sentido, com explicação histórica do equívoco legislativo, mantendo regra para a denunciação à lide que somente seria compatível com o antigo chamamento à autoria, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, Instituições de direito processual, vol. 2., op. cit., p. 404, e FREDIE DIDIER JR., Regras processuais no novo Código Civil, São Paulo, Saraiva, 2004, pp. 86/87.

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quando citado, poderia perfeitamente impugnar os fatos alegados pelo

denunciante e impedir a geração da presunção de veracidade.33

Esse entendimento vem inclusive expresso no art. 456, parágrafo único, CC, que

em boa hora afastou a incongruência gerada pela regra processual. O dispositivo

de direito material, apesar de se referir especificamente à evicção, pode ser

aplicado a todas as espécies de denunciação à lide. Assim vem redigido: “Não

atendendo o alienante à denunciação da lide, e sendo manifesta a procedência da

evicção, pode o adquirente deixar de oferecer contestação, ou usar de recursos”.

Como se percebe, é expressa a menção ao fenômeno da revelia – “deixar de

oferecer contestação”, sem que isso gere qualquer efeito no futuro julgamento da

denunciação à lide, que continuará a exigir solução.

E se o denunciado apresentar contestação? Quais os efeitos dessa manifestação

na ação principal? Estaria automaticamente evitada a presunção de veracidade dos

fatos alegados pelo autor? Uma interpretação meramente literal do art. 75, I, CPC,

poderia levar a conclusão de que os efeitos não seriam gerados em razão do

disposto no art. 320, I, CPC, já que segundo nosso estatuto processual, a relação

formada entre denunciante e denunciado é de litisconsórcio (“se o denunciado

aceitar e contestar o pedido, o processo prosseguirá entre o autor, de um lado, e de

outro, como litisconsortes, o denunciante e o denunciado”). A melhor solução,

entretanto, não é tão simples.

Para que seja possível um melhor entendimento da questão ora levantada é

importante analisar se de fato o Código acertou ao afirmar que o denunciante e

denunciado são litisconsortes. Há viva e interessante questão sobre o tema, com

relevante parcela da doutrina se insurgindo contra a definição do artigo legal por

33 Com entendimento nesse sentido SIDNEY SANCHES, Denunciação da lide no direito processual brasileiro, São Paulo, RT, 1984, pp. 217/218 e ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, Chamamento à autoria, São Paulo, RT, 1983, p. 177.

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entender que o denunciado é mero assistente simples do denunciante, e não seu

litisconsorte - isso claro com relação à ação principal – uma vez que na ação

regressiva gerada pela denunciação da lide denunciante e denunciado são

contraditores (atuando como autor e réu).

Arruda Alvim defende a posição de litisconsorte do denunciado, afirmando, com

relação ao art. 70, I, CPC, que sendo “denunciada a lide a terceiro, ou seja, ao

alienante, após a citação passará ele a ser parte principal, pois será réu da

denunciação, a qual é uma verdadeira ação regressiva que lhe move o denunciante

(seja o alienante litisdenunciado pelo autor ou pelo réu). Passará a ser parte da

ação principal recebendo tratamento de litisconsorte unitário, em sendo denunciado

pelo autor ou pelo réu; e não só se agir no processo, assumirá essa posição de

litisconsorte do denunciante, mas desde que se lhe tenha denunciado a lide.”34

Parece-nos, entretanto, que não está correto tal entendimento. A denunciação da

lide não cria uma relação jurídica de direito material entre o denunciado e o autor da

ação principal. Aliás, é justamente essa a maior diferença entre a denunciação da

lide e o chamamento ao processo, haja vista que na primeira espécie de

intervenção o autor tem relação jurídica de direito material com o réu, e o

denunciante com o denunciado, mas nada liga o denunciado à parte que não o

denunciou. Não há qualquer alteração no objeto da ação principal e sim a

ampliação do objeto de cognição do juiz, mas isso em razão de uma nova ação,

gerada em razão da denunciação, envolvendo tão somente o denunciante e o

denunciado.

34 Cfr. Código de Processo Civil Comentado, São Paulo, RT, 1975, p. 239. No mesmo sentido as lições de ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, Intervenção de terceiros, op. cit., p. 114 e RITA GIANESINI, Da revelia no processo civil brasileiro, op. cit., p. 142, para quem forma-se um litisconsórcio facultativo unitário.

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Nesse caso, melhor é tratar o denunciado como assistente do denunciante na ação

principal, considerando que a condenação desse pode gerar efeitos na relação

jurídica de direito material não controvertida – pelo menos não antes da

denunciação – que mantém com o denunciado. E essa assistência é simples, “haja

vista ser ele sujeito de relação jurídica diversa da deduzida no processo, a relação

de garantia, o que não permite seja ele considerado assistente litisconsorcial”.35

Apesar de assistente simples, o tratamento que recebe o denunciante com relação

aos efeitos da revelia do denunciante não segue as regras traçadas no presente

artigo quando tratamos da assistência simples.

Afirmamos que no caso do assistente simples o terceiro pode se tornar gestor de

negócios do assistido quando esse se torna revel. Assim, se dentro do prazo de

contestação o assistido apresenta contestação, impede que os efeitos da revelia

sejam gerados, ao menos quanto à presunção de veracidade dos fatos. Em razão

de tal entendimento, seria correto concluir que o denunciado à lide contestando

evitaria que os efeitos da revelia sejam gerados na ação principal? Parece-nos que

a resposta deva ser dada de forma afirmativa, havendo, entretanto, uma importante

diferença entre as duas situações.

No caso de assistência simples, o assistente não defende interesse próprio,

devendo aproveitar-se dos prazos processuais que correm para o assistido para

praticar os atos processuais. Na denunciação à lide, como já verificado, o

denunciado tem uma dupla posição, sendo réu na denunciação e assistente na

ação principal. Essa posição de réu na denunciação da lide faz com que tenha um

prazo próprio para responder, já que inegavelmente nessa ação criada pela

intervenção será réu. E o sistema admite que, nesse mesmo prazo, além de

35 Cfr. ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, Lições de direito processual civil, op. cit., p. 209. No mesmo sentido NELSON NERY JR., Código de Processo Civil comentado, 2ª ed. São Paulo, RT, 1996, p. 454 e MARCELO ABELHA RODRIGUES, Elementos de direito processual civil, op. cit., p. 343. Sem razão CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, Intervenção de terceiros, op. cit., pp. 145/146, que entende ser caso de assistência litisconsorcial.

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manifestar-se quanto à denunciação, o denunciado exerça sua atividade de

assistente, inclusive com a impugnação dos fatos narrados pelo autor na peça

inicial, o que virá a indubitavelmente evitar que o juiz presuma verdadeiros tais

fatos.

É de fato uma situação bastante interessante, demonstrando que o efeito de

permitir-se dar como verdadeiros os fatos alegados pelo autor na demanda, não

depende única e exclusivamente da ausência de contestação, da verossimilhança

dos fatos e da inaplicabilidade do art. 320, CPC. Para que a instrução probatória

seja dispensada, é necessário que os fatos não encontrem nenhuma espécie de

impugnação, o que certamente pode se verificar por meio de apresentação de

outras peças processuais que não a contestação. Como bem afirmado por Cândido

Rangel Dinamarco, “uma vez implantada a dúvida fática no processo (questão de

fato), ela fica adquirida por este e a sentença, que será única, deverá concluir de

um modo só – ou que os fatos se deram como o autor afirmara, ou não.”36

E tudo fica ainda mais claro e defensável quando levado em consideração a

posição de assistente do denunciado, com a ressalva feita acima quanto a

contagem dos prazos. A defesa apresentada tempestivamente por esse, como já

analisado, é apta a evitar que o juiz presuma a veracidade dos fatos alegados pelo

autor. E para aquela parte da doutrina que defende uma interpretação literal do art.

75, I, CPC, há pouco espaço para dúvidas, posto que tratado como litisconsorte,

certamente unitário, bastaria aplicar à espécie o art. 320, I, CPC37. Seja como for,

assistente ou litisconsorte, é inegável que a contestação apresentada pelo

36 Cfr. Instituições de direito processual civil, vol. III, op. cit., p. 531. O processualista, além da denunciação da lide, cita a reconvenção, a ação declaratória de falsidade documental, chamamento ao processo, oposição e impugnação ao valor da causa. 37 Assim JOSÉ JOAQUIM CALMON DE PASSOS, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 373 e RITA GIANESINI, Da revelia no processo civil brasileiro, op. cit., p. 142. JOEL DIAS FIGUEIRA JR., Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 374, faz remissão ao art. 320, I, CPC, lembrando que os fatos devem ser impugnados especificamente pelo denunciado, dando a entender tratar-se de litisconsórcio simples.

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denunciado pelo réu é instrumento apto a evitar qualquer espécie de presunção,

exigindo-se do juiz a instrução probatória para convencer-se quanto à veracidade

ou não dos fatos alegados pelo autor.38

6 – Chamamento ao processo

As três hipóteses de chamamento ao processo, previstas no art. 77, CPC, dizem

respeito à solidariedade quanto ao cumprimento de obrigações. São tratadas

situações de devedores solidários, devedor principal e fiador e entre fiadores, todos

esses sujeitos que respondem de forma solidária perante o credor pela satisfação

da obrigação. Em nosso entender a diferença básica entre o chamamento e a

denunciação acima estudada é que na intervenção ora analisada, todos os sujeitos

– principais e terceiros – mantém uma relação de direito material.

Em razão de tal circunstância, gerada pelos aspectos próprios do direito material, a

doutrina é quase uniforme em entender que o chamamento ao processo cria entre o

réu e os chamados um litisconsórcio, que além de ulterior, será sempre facultativo,

uma vez que o chamamento ao processo não é obrigatório, sendo absolutamente

regular o réu ser condenado e posteriormente ingressar com ação de regresso para

recompor seu prejuízo. Comungamos de tal entendimento, embora para os

objetivos traçados pelo presente artigo, a facultatividade ou obrigatoriedade desse

litisconsórcio pouco importe, não ocorrendo o mesmo, entretanto, quanto à sua

classificação entre unitário ou facultativo.

38 FREDIE DIDIER JR., Regras processuais no novo Código Civil, op. cit., p. 92, ao comentar o art. 456, parágrafo único, CC: “O réu-denunciante pode deixar de oferecer contestação ou valer-se de recursos mesmo se o denunciado não for revel. Assumirá, então, as conseqüências de sua conduta. Acontece que, se o denunciado estiver no processo, assumirá ele, como vimos, a posição de litisconsorte ou assistente do denunciante (depende da corrente doutrinária a se adotar), e, em qualquer dessas posições, poderá promover a defesa ou valer-se de recursos pelo denunciante, impedindo que aquelas condutas do denunciante por si sós lhe prejudiquem. É que as omissões e condutas determinantes (aquelas que ineroxavelmente levam a parte a uma situação processual desfavorável) do denunciante não podem prejudicar o denunciado que compareceu ao processo (art. 75, I, do CPC).”

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A preocupação se justifica em virtude de tudo quanto já foi dito a respeito da

aplicação do art. 320, I, CPC. Sendo caso de litisconsórcio unitário, o dispositivo é

amplamente aplicável, e apesar da ausência de contestação por qualquer dos

sujeitos passivos – tanto o réu originário como o chamado ao processo – desde que

ao menos um deles tenha contestado, se evitará qualquer espécie de presunção,

obrigando o juiz a realizar a fase probatória. Caso se entenda formar-se um

litisconsórcio simples, necessária será uma análise caso a caso para verificação se

os fatos da inicial e da contestação do chamado são comuns.

Embora não haja unanimidade na doutrina, é possível apontar para uma certa

tendência doutrinária rumando à classificação desse litisconsórcio como sendo

simples.39 Como precisamente afirmado por Cássio Bueno Scarpinella, “embora o

chamamento ao processo acarrete uma cumulação superveniente de ações,

ampliando-se o objeto do processo, disto não decorre que o resultado de cada uma

dessas ações deva ser sempre o mesmo. Cada um dos devedores pode vir a

receber, consoante o caso, solução distinta dos demais, o que decorre, importante

frisar, da natureza do próprio direito material deduzido em juízo. As hipóteses em

que o chamamento ao processo é admitido (fiança e solidariedade) coadunam-se

com a possibilidade de apresentação de defesas próprias e pessoais em relação ao

autor, credor comum”.40

Não se pode negar, e nessa omissão a melhor doutrina não incorreu, que apesar de

não existir uma obrigatoriedade quanto a decisão ser uniforme para todos os

litisconsortes, é plenamente possível imaginar-se tal situação em termos

hipotéticos, com decisão idêntica para o réu originário e todos os chamados ao

processo. Aliás, tal circunstância pode se verificar em absolutamente todas as

39 Defendendo tratar-se de litisconsórcio unitário LUIZ FUX, Intervenção de terceiros (aspectos do instituto), op. cit., p. 45 e ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, Lições de direito processual civil, op. cit., p. 212. 40 Cfr. Partes e terceiros no processo civil brasileiro, op. cit., p. 295. No mesmo sentido FLÁVIO CHEIM JORGE, Chamamento ao processo, 2ª ed., São Paulo, RT, 1999, pp. 41/47.

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situações de litisconsórcio simples, nada interessando para sua classificação a

decisão em si proferida pelo juiz, mas antes disso a mera possibilidade do juiz

decidir de forma diferente para eles. O teor da sentença, certamente, não deve ser

considerado no momento de análise da natureza do litisconsórcio.

Assim, pode ser imaginada uma situação em que o devedor solidário chamado ao

processo alegue que a dívida cobrada já foi devidamente quitada. Ora, nesse caso,

resta evidente que a defesa do chamado ao processo, se acolhida, beneficiará o réu

revel, levando o acolhimento da defesa do litisconsorte ativo à improcedência da

ação. O mesmo não se pode dizer se o devedor solidário vir a juízo justamente para

impugnar tal condição, asseverando nada dever, ou mesmo opor uma exceção

pessoal, nos termos do art. 274, CC. Não havendo impugnação nesse caso, dos

fatos alegados pelo autor, os mesmo devem ser dados como verdadeiros pelo juiz,

a par da contestação apresentada pelo chamado ao processo, em razão da revelia

do réu.

Parece-nos que também com relação ao litisconsorte formado pelo chamamento ao

processo não surgem maiores questões, devendo-se aplicar as regras já vista no

item 2. do presente artigo quanto à aplicação do art. 320, I, CPC. Aqui, como

ocorreu na denunciação da lide, a única ressalva é a diferente contagem de prazo,

tendo o chamado ao processo prazo integral para apresentar sua defesa, ainda que

o do réu tenha se escoado, com ou sem manifestação. No mais, aplicam-se as

regras e considerações já feitas.

Um último aspecto dessa intervenção, que poderia suscitar algum debate, é quanto

à extensão da coisa julgada ao terceiro revel, ou seja, ao terceiro que deixa de

contestar a demanda. Como já vimos, o efeito de presumirem-se verdadeiros os

fatos alegados pelo autor não se verificam, em razão da contestação apresentada

pelo réu originário (se nenhum dos dois contestar o efeito será gerado). É certo que,

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ainda que não seja gerado tal efeito, o autor pode comprovar a veracidade dos fatos

constitutivos de seu direito e obter a procedência da ação. Nesse caso, embora

revel, o chamado estará condenado juntamente com o réu original.

O art. 80, CPC, é suficientemente claro ao apontar para tal efeito. Segundo o

dispositivo legal, a sentença servirá de título executivo para o devedor que satisfizer

a obrigação perante o credor, gerando efeitos, portanto, para todos que de alguma

forma participaram – ativamente ou não – do pólo passivo da demanda. Sendo

citado, o chamado já passou a fazer parte da relação jurídica processual, e sua

postura diante da citação pode ser importante no que tange aos efeitos da revelia,

mas nenhuma importância tem para a abrangência subjetiva dos efeitos da coisa

julgada.41

41 Assim JOSÉ JOAQUIM CALMON DE PASSOS, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 373 e JOEL DIAS FIGUEIRA JR., Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 375.