interesses da habitaÇÃo social - políticas e processos ... · cantos do mundo, mas que mesmo...

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INTERESSES DA HABITAÇÃO SOCIAL - políticas e processos no Rio Grande do Norte. NATAL / RN - MAIO 2012 Aluno: Pascal Machado

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  • INTERESSES DA HABITAO SOCIAL - polticas e processos no Rio Grande do Norte.

    NATAL / RN - MAIO 2012

    Aluno: Pascal Machado

  • ii

    PASCAL MACHADO

    INTERESSES DA HABITAO SOCIAL Polticas e processos no Rio Grande do Norte

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps- graduao em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) como requisito para obteno do ttulo de mestre em Arquitetura e Urbanismo.

    Orientadora: Profa. Dra. Dulce Picano Bentes Sobrinha

    Natal / RN Maio 2012

  • iii

    Catalogao da Publicao na Fonte Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

    Biblioteca Central Zila Mamede

    Machado, Pascal. Interesses da habitao social : polticas e processos no Rio Grande do Norte / Pascal Machado. Natal, 2012. 145 f. : il.

    Orientadora: Dulce Picano Bentes Sobrinha, Dra.

    Dissertao (Mestrado) Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Tecnologia. Programa de Ps-Graduao em Arquitetura e Urbanismo.

    1. Habitao popular - Rio Grande do Norte - Dissertao. 2. Poltica habitacional - Rio Grande do Norte - Dissertao. 3. Arquitetura de habitao - Rio Grande do Norte - Dissertao. 4. Planejamento urbano - Rio Grande do Norte - Dissertao. I. Bentes Sobrinha, Dulce Picano. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Ttulo.

    http://www8.fgv.br/bibliodata/site2/pesquisa/dsp_resultadopesquisa.asp?op=13|PBB&txt=130069&ex=13|PBB&qt=100&tipoPesquisa=LINKBB&Link=0&iRG=0&stringTipo=S&txt2=POLITICA%20HABITACIONAL&dspOp=Obras+do+Autor&dspVl=Politica+habitacional&dspTp=Palavra%20Chavehttp://www8.fgv.br/bibliodata/site2/pesquisa/dsp_resultadopesquisa.asp?op=13|PBB&txt=130069&ex=13|PBB&qt=100&tipoPesquisa=LINKBB&Link=0&iRG=0&stringTipo=S&txt2=POLITICA%20HABITACIONAL&dspOp=Obras+do+Autor&dspVl=Politica+habitacional&dspTp=Palavra%20Chavehttp://www8.fgv.br/bibliodata/site2/pesquisa/dsp_resultadopesquisa.asp?op=13|PBB&txt=130069&ex=13|PBB&qt=100&tipoPesquisa=LINKBB&Link=0&iRG=0&stringTipo=S&txt2=POLITICA%20HABITACIONAL&dspOp=Obras+do+Autor&dspVl=Politica+habitacional&dspTp=Palavra%20Chavehttp://autoridades.bn.br/scripts/odwp032k.dll?t=bs&pr=assuntos_pr&db=assuntos&use=sh&disp=list&sort=off&ss=NEW&arg=arquitetura|de|habitacaohttp://autoridades.bn.br/scripts/odwp032k.dll?t=bs&pr=assuntos_pr&db=assuntos&use=sh&disp=list&sort=off&ss=NEW&arg=planejamento|urbano

  • iv

    INTERESSES DA HABITAO SOCIAL - Polticas e processos no Rio Grande do Norte Dissertao apresentada ao Programa de Ps- graduao em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) como requisito para obteno do ttulo de mestre. Orientadora: Profa. Dra. Dulce Picano Bentes Sobrinha BANCA EXAMINADORA ___________________________________________________________________ Profa. Dra. Maria Dulce Picano Bentes Sobrinha (orientadora) Universidade Federal do Rio Grande do Norte ___________________________________________________________________ Prof. Dr. Luis de La Mora Universidade Federal de Pernambuco ___________________________________________________________________ Profa. Dra. Irene Alves Paiva Universidade Federal do Rio Grande do Norte ___________________________________________________________________ Profa. Dra. Amadja Henrique Borges Universidade Federal do Rio Grande do Norte

    Aprovada em 29 de Maio de 2012

  • v

    AGRADEO,

    ao Programa de Ps-Graduao em Arquitetura e Urbanismo, aos seus funcionrios

    e aos seus professores pelos ensinos;

    CAPES pela bolsa. Sem ela jamais poderia teria me lanado nessa aventura;

    Professora Maria Dulce Picano Bentes Sobrinha, pela orientao e apoio. Junto

    agradeo equipe da base de pesquisa GEHAU;

    aos membros das bancas de qualificao e defesa, os Professores Lus de La Mora,

    e Irene Paiva por toda a ateno e suas preciosas recomendaes;

    ao GERAH, minha primeira e segunda base de pesquisa, a todos os que compem

    essa equipe, com especial ateno para as companheiras de luta Ceclia e Candida;

    uma dedicatria especial, grande mentora de todas as minhas aventuras rurais, a

    professora Amadja Borges, que sempre me estendeu seu brao e me levantou das

    diversas quedas que fui dando ao longo da minha integrao em terras

    brasilienses.

    a todos os que contriburam direta ou indiretamente para esta pesquisa, atravs de

    entrevistas, informaes e outras aes que permitiram coletar os dados expostos

    no trabalho.

    aos assentados que tanto trouxeram para minha formao profissional, e tanto me

    ensinaram sobre a vida;

    a toda a equipe da Caixa Econmica Federal, pelo acolhimento e a ajuda para

    desvendar os diferentes meandros de uma estrutura to complexa como a da

    CAIXA, especial agradecimento ao colega arquiteto Jorge e Chefe da Assistncia

    Tcnica Valria.

    equipe da Secretaria Municipal de Habitao de Joo Pessoa, com destaque para

    o Secretrio Jos Guilherme A. Barbosa e o Secretrio-Adjunto Gildimar Alves dos

    Santos, pela confiana e oportunidade, e pelo o apoio logstico nas diversas

    liberaes concedidas para me dedicar a esta pesquisa; a Larissa por sua

    contribuio grfica.

  • vi

    s minhas trs amazonas: Luciana, Thas e Clarice, trs

    guerreiras que sobreviveram a todas essas batalhas que

    tiveram que enfrentar ao acompanhar minhas mgoas e

    angstias durante este longo processo;

    minha distante famlia, literalmente espalhada pelos quatro

    cantos do mundo, mas que mesmo assim, sempre me deu todo

    apoio para finalizar esta empreitada;

  • vii

    RSUMO

    A partir de 2003 o governo brasileiro iniciou uma nova fase da poltica

    habitacional, intensificando as construes da Habitao de Interesse Social no

    Brasil. Tal incremento teve repercusses na cidade e no campo, e foi marcado no

    Rio Grande do Norte, pela produo em grande escala de conjuntos habitacionais

    em programas de Governo. Para viabilizar estas transformaes, instrumentos

    polticos, financeiros e de gesto foram articulados conjuntamente, usando a

    repetio de uma tipologia edilcia como padro, acompanhada da reproduo de

    padres morfolgicos nas construes de habitao de interesse social. Contudo, os

    princpios da Poltica Nacional de Habitao sinalizaram a diversificao tipolgica

    como um elemento da qualidade dos projetos. Compreender os entraves que se

    impem realizao desse princpio constitui questo central da presente pesquisa.

    Para investigar esse problema na produo habitacional no Rio Grande do Norte,

    introduzimos um estudo urbanstico e scio- econmico do problema da Habitao

    de Interesse Social no Brasil, relacionando aspectos tcnicos com questes

    histricas, profissionais e culturais. A pesquisa busca identificar como as polticas de

    gesto e financiamento oficiais (administradas majoritariamente pela Caixa

    Econmica Federal- CEF), influenciam o processo projetual, desencadeando as

    repeties tipo/morfolgicas j mencionadas. Baseados na observao direta de

    duas experincias diferenciadas na habitao de interesse social rural no Rio

    Grande do Norte o estudo aponta limites e possibilidades das aes desenvolvidas

    por atores sociais diante dos agentes e polticas oficiais para a Habitao de

    Interesse Social no Brasil, apontando solues alternativas padronizao que

    caracteriza o resultado dos projetos financiados e geridos pela CEF. Como marco

    conceitual e metodolgico toma-se como referncia o trabalho de autores como

    Nabil Bonduki (1998), David Harvey (2009,1982), Henry Lefbvre (1970), Ermnia

    Maricato (2010, 2009, 2000, 1987) e Raquel Rolnik (2010, 2009, 2008, 1997).

    Palavras Chave: Tipologia - Habitao de Interesse Social - habitao social - Programa Minha Casa Minha Vida - moradia popular - Caixa Econmica Federal -

    habitao rural - habitat.

  • viii

    RSUM

    En 2003, le gouvernement brsilien (gestion Lula) a initi une nouvelle phase

    dans son histoire de lhabitation, en intensifiant les constructions de logements

    sociaux au Brsil. Un tel accroissement a eut des rpercussions tant en ville comme

    la campagne, et ft marqu dans le Rio Grande do Norte, par la production a

    grande chelle densembles dhabitations, dans les programmes de Gouvernement.

    Afin de viabiliser ces transformations, des instruments politiques, financiers et de

    gestion ont ts articuls conjointement, utilisant la rptition dune typologie

    ddification, comme modle, accompagne de la reproduction dune morphologie

    dans les constructions de logements sociaux. Afin de comprendre ce processus nous

    introduisons une recherche urbanistique et socio-conomique du problme du

    logement social au Brsil, en cherchant mettre en relation les aspects techniques

    avec les questions historique, professionnelles et culturelles, lments

    complmentaires. Notre analyse cherche a identifier comment les politiques de

    gestion et financement officielles (administres dans sa grande majorit par la

    Caisse conomique Fdrale -CEF-), influencent le processus de conception de

    projets, en provoquant les rptitions de type/morphologiques, dj cites. Base sur

    lobservation directe au cour de deux expriences diffrencies pour du logement

    social en milieu rural, au Rio Grande do Norte, nous montrerons aussi certaines

    limitations et possibilits des acteurs sociaux, face aux agents et politiques officielles

    pour le logement social au Brsil, proposant des solutions alternatives standardises

    qui caractrisent le rsultat des projets finances et grs par la CEF. Nos

    principales rfrences thoriques et mthodologiques sont Nabil Bonduki (1998),

    David Harvey (2009,1982), Henry Lefbvre (1970), Ermnia Maricato (2010, 2009,

    2000, 1987) et Raquel Rolnik (2010, 2009, 2008, 1997).

    Mots cls : Typologie - logement social - Programa Minha Casa Minha Vida - habitation populaire - Caixa Econmica Federal - logement rural - habitat.

  • ix

    SUMRIO

    Lista de Figuras ......................................................................................................... x Lista de Quadros ...................................................................................................... xi Lista de Tabelas ....................................................................................................... xi Lista de Organogramas ........................................................................................... xi Lista de Apndices .................................................................................................. xii Lista de Siglas ........................................................................................................ xiii

    Apresentao ................................................................................................................... 15

    Introduo ........................................................................................................................ 16

    Captulo 01 A HABITAO SOCIAL NO BRASIL E NO RIO GRANDE DO NORTE: REVISO CRITICA .......................................................................................................... 25

    1. Projetando a habitao de interesse social: conceitos e processos ...................... 27 2. Estado e beneficirio ............................................................................................ 44 3. Dficit habitacional e financiamento: rural / urbano .............................................. 48

    Captulo 02 Os Interesses da habitao: viso social de Estado ................................... 53

    1. Os agentes ........................................................................................................... 53 2. O financiador - a CEF ........................................................................................... 59 3. Programa de Acelerao do Crescimento e Programa Minha Casa Minha Vida .. 65 4. Elaborao de projetos poltica nacional para habitao de interesse social / Lei de assistncia tcnica .................................................................................................. 73

    Captulo 03 DUAS EXPERIENCIAS DE HIS RURAL NO RN: PERSPECTIVAS DA MORADIA ENQUANTO HABITAT ................................................................................... 78

    1. Unidades habitacionais em meio rural, experincia de assessoria tcnica do GERAH/UFRN com o movimento social MST .............................................................. 81 2. Conflitos ............................................................................................................... 98 3. Reflexes sobre a experincia rural ................................................................... 101

    Captulo 04 TIPOLOGIAS, RESULTADO DE UM PROCESSO ................................... 102

    1. Repetindo velhos erros: BNH versus CEF .......................................................... 102 2. A experincia de assistencia tecnica no campo .................................................. 107 3. Tipologia e polticas ............................................................................................ 109

    Consideraes finais ...................................................................................................... 119

    Apndice ........................................................................................................................ 127

    Referncias Bibliogrficas e Documentais ..................................................................... 141

    Anexos ........................................................................................................................... 147

  • x

    Lista de Figuras FIGURA 1 REPETIO DE TIPOLOGIAS - UNIDADES HABITACIONAIS DO PROGRAMA MINHA

    CASA, MINHA VIDA NO RESIDENCIAL CASAS DO PARQUE, EM CAMPINAS (SP). ............. 25 FIGURA 2 PADRO ADOTADO PELO GOVERNO DE ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE,

    EM PROGRAMAS DE CONJUNTOS HABITACIONAIS DE HABITAO DE INTERESSE SOCIAL. BAIRRO INDUSTRIAL ZONA NORTE - NATAL / RN. ................................................. 27

    FIGURA 3 - MORFOLOGIA DE CONJUNTOS HABITACIONAIS PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA - CONJUNTO PLANALTO I - NATAL / RN. ........................................................................ 28

    FIGURA 4 - CONJUNTO RESIDENCIAL PREFEITO MENDES MORAES (PEDREGULHO, 1947) .. 30 FIGURA 5 FOTOGRAFIA DE COZINHA NO PR-ASSENTAMENTO BERNARDO MARIM - EM

    PUREZA RN ................................................................................................................................. 34 FIGURA 6 - ATIVIDADES EXTERIORES EM ASSENTAMENTO - CRIANA TOMANDO BANHO .. 35 FIGURA 7 - LIXO NA PORTA DA CASA. BAIRRO FELIPE CAMARO - NATAL / RN ...................... 36 FIGURA 8 - VILA OPERRIA GAMBOA (1933) - ZONA PORTURIA DO RIO DE JANEIRO - BRASIL

    ...................................................................................................................................................... 41 FIGURA 9 PAINEIS DOS MODELOS DE IAPIS, ELABORADOS PELO ARQUITETO CARLOS

    FREDERICO FERREIRA PARA O CONGRESSO PANAMERICANO DE ARQUITETOS, REALIZADO EM 1940. ................................................................................................................. 42

    FIGURA 10 PROPAGANDA ELEITORAL EM REA DE ASSENTAMENTO MARIA DA PAZ, DURANTE A OBRA DE CONSTRUO DA AGROVILA - JOO CMARA / RN ...................... 47

    FIGURA 11 - PROJETO DE AGROVILA ELABORADO PELO INCRA - JOO CMARA / RN ......... 57 FIGURA 12 PROJETO DE HABITAT ELABORADO PELO GERAH/UFRN - BERNARDO MARIM -

    PUREZA / RN ............................................................................................................................... 57 FIGURA 13 LIDERANA DO MOVIMENTO SOCIAL URBANO: WELLINGTON BERNARDO,

    COORDENADOR DO MLB E CMP / RN EM NATAL. ................................................................. 58 FIGURA 14 - LIDERANA DO MOVIMENTO SOCIAL RURAL: PEDRINHO (PEDRO FERREIRA),

    EX-COORDENADOR TCNICO DO MST NO RIO GRANDE DO NORTE. ............................... 58 FIGURA 15 - PROGRAMA DE TECNOLOGIA DE HABITAO HABITARE. ..................................... 64 FIGURA 16 PLANHAB ....................................................................................................................... 67 FIGURA 17 - DIFERENA ENTRE O ATENDIMENTO DO PACOTE MINHA CASA, MINHA VIDA E O

    PERFIL DO DFICIT HABITACIONAL. ....................................................................................... 68 FIGURA 18 ESTUDO DA TIPOLOGIA ADOTADA PELA SEHARPE (MUNICPIO DE NATAL) E A

    SETHAS (ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE). .................................................................. 71 FIGURA 19 - COMPOSIO DA MESA DO SEMINRIO DE ASSISTNCIA TCNICA - MAIO 2009 -

    UFRN - NATAL / RN ..................................................................................................................... 73 FIGURA 20 - DA ESQUERDA PARA A DIREITA, NGELO ARRUDA - PRESIDENTE DA FNA E O

    DEPUTADO ZZU NO SEMINRIO DE ASSISTNCIA TCNICA - MAIO 2009 - UFRN - NATAL / RN. ................................................................................................................................. 76

    FIGURA 21 MAPA RIO GRANDE DO NORTE LOCALIZAO DOS ESTUDOS DE CAMPO ....... 78 FIGURA 22 - CAPA DO PROCESSO TCNICO DO ASSENTAMENTO ROSELI NUNES NA

    GIDUR/CEF - RN. ......................................................................................................................... 82 FIGURA 23 FOTOGRAFIA SATLITE DA LOCALIZAO DOS DOIS ASSENTAMENTOS

    ESTUDADOS EDITADA A PARTIR DO GOOGLE EARTH, EM 14/08/09. ................................. 83 FIGURA 24 - TIPOLOGIA ADOTADA PELO GERAH PARA O ASSENTAMENTO ROSELI NUNES. 85 FIGURA 25- MAQUETE 3D SOBRE FOTOGRAFIA SATLITE GEO-REFERENCIADA, DA

    IMPLANTAO DO PROJETO DE UNIDADES HABITACIONAIS RURAIS NO ASSENTAMENTO ESTUDADO - BERNARDO MARIM - EM PUREZA RN. .............................. 86

    FIGURA 26- PLANTA DO ASSENTAMENTO - ROSELI NUNES - EM IELMO MARINHO RN. .......... 87 FIGURA 27- PLANTA DO PROJETO DO HABITAT - ROSELI NUNES - EM IELMO MARINHO RN. 88 FIGURA 28- FOTOGRAFIA DA ESTRADA ESTADUAL (RN-064) QUE LEVA AO ASSENTAMENTO

    ROSELI NUNES MUNICPIO DE IELMO MARINHO RN - 2008. .......................................... 92 FIGURA 29 RESPONSVEL DO PROJETO SOCIAL NO CURSO DE MUTIRO NO

    ASSENTAMENTO BERNARDO MARIM MUNICPIO DE PUREZA RN - 2008. ................... 95 FIGURA 30 - FOTOGRAFIA DA ENTRADA DO ASSENTAMENTO ROSELI NUNES MUNICPIO

    DE IELMO MARINHO RN. ........................................................................................................ 96 FIGURA 31 - FOTOGRAFIA DE UMA REUNIO DA EQUIPE TCNICA DA UFRN COM OS

    ASSENTADOS NO ASSENTAMENTO BERNARDO MARIM MUNICPIO DE PUREZA RN. ...................................................................................................................................................... 96

    FIGURA 32 - MODELO DE FICHA DE ACOMPANHAMENTO DA OBRA: PLS CEF /GIDUR ........ 97

  • xi

    FIGURA 33 FOTOGRAFIA DA ETAPA DE ESCAVAO DAS NO ASSENTAMENTO BERNARDO MARIM MUNICPIO DE PUREZA RN. ................................................................................... 99

    FIGURA 34 FOTOGRAFIA DA ETAPA DE BALDRAME NO ASSENTAMENTO ROSELI NUNES MUNICPIO DE IELMO MARINHO RN. .................................................................................... 99

    FIGURA 35 - FOTOGRAFIA DOS ASSENTADOS NA COLHEITA DO MILHO EM PROCESSO DE MUTIRO, ASSENTAMENTO MARIA DA PAZ JOO CMARA RN. ................................ 100

    FIGURA 36 - INSTRUO NORMATIVA N22 DE 21 DE JULHO DE 2011 - RENUMERAO DA INSTITUIO FINANCEIRA. ..................................................................................................... 103

    FIGURA 37 - TIPOLOGIA DE APARTAMENTO SUGERIDA NA CARTILHA DO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. - SEM ESCALA ......................................................................................... 105

    FIGURA 38 - PROJETO DA CEF PADRO PARA CASAS POPULARES DE 42 M2 - JANEIRO 2007. .................................................................................................................................................... 109

    FIGURA 39 URBANO: MODELOS DE TIPOLOGIAS DA SECRETARIA MUNICIPAL DE HABITAO DE NATAL / RN. ......................................................................................................................... 110

    FIGURA 40 RURAL: MODELO DE TIPOLOGIAS DO INCRA PARA HABITAO DE INTERESSE SOCIAL NO CAMPO. ................................................................................................................. 110

    FIGURA 41 - TAMANHO MDIO DE DOMICLIO - PROJEO PARA O BRASIL DE 1993 A 2023111 FIGURA 42 - MODELO COMUM DE TIPOLOGIA DE CASA INDIVIDUAL USADO PELA

    SEHARPE/RN E SETHAS/RN - SEM ESCALA. ........................................................................ 112 FIGURA 43 - ESPECIFICAES PARA TIPOLOGIA DE CASA INDIVIDUAL EXIGIDAS PELA CEF

    .................................................................................................................................................... 114

    Lista de Quadros QUADRO 1 - REUNIES E DOCUMENTOS INTERNACIONAIS SOBRE A HABITAO SOCIAL .. 40 QUADRO 2 - OS TRS PRINCPIOS BSICOS DO MRU .................................................................. 43 QUADRO 3 - PADRO DE REFERNCIA DE CUSTO URBANO ....................................................... 51 QUADRO 4 - PADRES DE REFERNCIA DE CUSTO PARA SOLUES PADRO DE MORADIA

    RURAL, AGRUPADAS POR ESTADOS ...................................................................................... 52 QUADRO 5 - LINHAS DE AO DO PROGRAMA DE TECNOLOGIA DE HABITAO HABITARE. 64

    Lista de Tabelas

    TABELA 1 - COMPONENTES DO DFICIT HABITACIONAL URBANO E RURAL, 2005 .................. 49 TABELA 2 - VALORES DE FINANCIAMENTO PARA O PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA 2

    ...................................................................................................................................................... 50 TABELA 3 PREO UNITRIO PARA CASA NO MEIO RURAL E URBANO ...................................... 50

    Lista de Organogramas ORGANOGRAMA 1 - ESTRUTURA DOS ATORES NA REA DE HABITAO DO MINISTRIO

    DAS CIDADES. FONTE: POLTICA NACIONAL DE HABITAO - 4 - CADERNOS MCIDADES HABITAO, MINISTRIO DAS CIDADES, BRASLIA, MAIO 2006. ......................................... 70

    ORGANOGRAMA 2 - ESTRUTURA DA ASSISTNCIA TCNICA PROPOSTO NO PLANHAB ....... 75 ORGANOGRAMA 3 - ATORES DO PROCESSO. ............................................................................... 89

  • xii

    Lista de Grficos

    GRFICO 1 - DFICIT HABITACIONAL - 2008 - DISTRIBUIO DO DFICIT HABITACIONAL, POR SITUAO DE DOMICLIO, SEGUNDO REGIES GEOGRFICAS - BRASIL - 2008. ... 48

    GRFICO 2 - PERCENTUAL DE MUNICPIOS COM CONSELHO MUNICIPAL DE HABITAO E COM FUNDO MUNICIPAL DE HABITAO, SEGUNDO AS GRANDES REGIES - 2005/2009 ...................................................................................................................................................... 54

    GRFICO 3 - VARIAO DO PREO DO CIMENTO NO ASSENTAMENTO BERNARDO MARIM E ROSELI NUNES, DE JANEIRO DE 2008 A NOVEMBRO DE 2009. .......................................... 91

    Lista de Apndices APNDICE 1 MAQUETE ELETRNICA DO MODELO DE CASA INDIVIDUAL USADO PELO

    GOVERNO DE ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE NO MEIO RURAL. .......................... 127 APNDICE 2 - PLANTA DA UNIDADE HABITACIONAL DO ASSENTAMENTO ROSELI NUNES -

    IELMO MARINHO. ...................................................................................................................... 128 APNDICE 2 - CORTES DA UNIDADE HABITACIONAL DO ASSENTAMENTO ROSELI NUNES -

    IELMO MARINHO - PROJETO DA ARQUITETA VIVIANE -GERAH ........................................ 129 APNDICE 4 - FACHADAS DA UNIDADE HABITACIONAL DO ASSENTAMENTO ROSELI NUNES -

    IELMO MARINHO ....................................................................................................................... 129 APNDICE 5 - FACHADAS DA UNIDADE HABITACIONAL DO ASSENTAMENTO ROSELI NUNES -

    IELMO MARINHO ....................................................................................................................... 130 APNDICE 6 - PLANTA DA UNIDADE HABITACIONAL DO ASSENTAMENTO BERNARDO MARIM -

    PUREZA ..................................................................................................................................... 132 APNDICE 7 - CORTES DA UNIDADE HABITACIONAL DO ASSENTAMENTO BERNARDO MARIM

    - PUREZA ................................................................................................................................... 133 APNDICE 8 - ESPECIFICAES PARA TIPOLOGIA DE CASA INDIVIDUAL EXIGIDAS PELA CEF

    2009 ......................................................................................................................................... 133 APNDICE 9 - ESPECIFICAES PARA TIPOLOGIA DE CASA INDIVIDUAL EXIGIDAS PELA CEF

    .................................................................................................................................................... 135 APNDICE 10 - PROGRAMAS DE FINANCIAMENTO DA SECRETARIA NACIONAL DA

    HABITAO ............................................................................................................................... 136

    Lista de Anexos

    ANEXO 1 - LEI N 11.977, DE 7 DE JULHO DE 2009. ...................................................................... 147 ANEXO 2 - EMENTRIO DA LEGISLAO DO PMCMV 2 .............................................................. 153

  • xiii

    Lista de Siglas BNH BANCO NACIONAL DA HABITAO

    CAPES COORDENAO DE APERFEIOAMENTO DE PESSOAL DE NVEL SUPERIOR

    CEF CAIXA ECONMICA FEDERAL

    CMP CENTRAL DOS MOVIMENTOS POPULARES

    FNRU FRUM NACIONAL DA REFORMA URBANA

    FNA FEDERAO NACIONAL DOS ARQUITETOS

    FNHIS FUNDO NACIONAL DE HABITAO DE INTERESSE SOCIAL

    FNRU FRUM NACIONAL DA REFORMA URBANA

    GERAH GRUPO DE ESTUDOS EM REFORMA AGRARIA E HABITAT

    GEHAU GRUPO DE ESTUDOS HABITAO ARQUITETURA E URBANISMO

    GIDUR GERNCIA DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO URBANO ou GERNCIA DE FILIAL DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO URBANO

    HIS HABITAO DE INTERESSE SOCIAL

    IAB INSTITUTO DOS ARQUITETOS DO BRASIL

    IAB / RN INSTITUTO DOS ARQUITETOS DO BRASIL SECO RIO GRANDE DO NORTE

    IBAM INSTITUTO BRASILEIRO DE ADMINISTRAO MUNICIPAL

    IBGE INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA

    IDEMA - INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL E MEIO AMBIENTE

    INCRA - INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAO E REFORMA AGRRIA.

    MLB MOVIMENTO DE LUTA DOS BAIRROS, VILAS E FAVELAS

    MCidades MINISTRIO DAS CIDADES

    MCMV MINHA CASA, MINHA VIDA

  • xiv

    MRU MOVIMENTO PELA REFORMA URBANA

    MST MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA

    PAC PROGRAMA DE ACELERAO DO CRESCIMENTO

    PEC PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIO

    PL PROJETO DE LEI

    PLANHAB PLANO NACIONAL DE HABITAO

    PND PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO

    PNH PLANO NACIONAL DE HABITAO

    PPGAU PROGRAMA DE PS-GRADUAO DE ARQUITETURA E URBANISMO

    SERFHAU SERVIO FEDERAL DE HABITAO E URBANISMO

    SFH SISTEMA FEDERAL DE HABITAO

    SM SALRIO MNIMO

    SNHIS SISTEMA NACIONAL DE HABITAO DE INTERESSE SOCIAL

    UH UNIDADES HABITACIONAIS

    UFRN UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

  • 15

    Apresentao

    Esta dissertao de mestrado tem por tema a habitao de interesse

    social e sua relao com a diversificao tipolgica, sintetizando experincias

    precedentes do pesquisador na rea, tenham sido elas de avaliao, planejamento,

    projeto ou interveno. Desde a monografia de concluso de graduao de curso

    enfoquei a habitao de interesse social, analisando a re-locao de uma favela de

    origem cabo-verdiana em Lisboa; a Pedreira dos Hngaros (MACHADO: 2000). Em

    minha experincia profissional francesa colaborei entre 1993 e 2004 como estagirio

    e depois como arquiteto, em diversos escritrios de arquitetura com produo para

    as agncias francesas de habitao social, nomeadas Office H.L.M.. Tambm me

    aproximei dessa temtica durante uma misso humanitria realizada entre 2000 e

    2001 em uma ONG internacional francesa- Premire Urgence- tendo como objetivo

    a reconstruo de edifcios de habitao social destrudos durante a guerra civil da

    Abkhazia de 1993 (Gergia, ex-URSS). Mais recentemente no Rio Grande do Norte,

    atuei desde 2005 como responsvel tcnico e instrutor na construo de agrovilas

    (em processo de mutiro assistido) junto ao GERAH (PPGAU/ UFRN).

    Em paralelo, tive acesso a uma viso macro das questes de

    planejamento, com a participao como arquiteto urbanista na equipe de elaborao

    do Plano Diretor do municpio de So Miguel do Oeste - 2008. Tambm participei em

    equipe com alunos do PPGAU/UFRN, do concurso Caixa - IAB para Habitao

    Social, em 2004.

    Para finalizar, mais recentemente (2011), assumindo a funo de Diretor

    de Planejamento em Programas de Habitao na Secretaria Municipal de Habitao

    (SEMHAB) da Prefeitura de Joo Pessoa, estou em contato direto com as diferentes

    realidades que enquadram todo o mecanismo de produo de Habitao de

    Interesse Social, nas diferentes instncias que se integram na sua cadeia de

    produo.

    Durante as experincias acima relatadas constantemente me defrontei com

    os processos de elaborao e produo da habitao social, seus reais impactos

    nas diferentes escalas da cidade e sua relao com a sociedade. Assim minha

    dissertao busca sintetizar uma reflexo, aplicada nesse caso, s tipologias de

    habitao de interesse social no RN.

  • 16

    Introduo O direito cidade no o direito de ter e eu vou usar uma expresso do ingls as migalhas que caem da mesa dos ricos. Todos devemos ter os mesmos direitos de construir os diferentes tipos de cidades que ns queremos que exista. (David Harvey - Palestra de abertura do Frum Social de Belm, 29 de janeiro de 2009, na Tenda da Reforma Urbana).

    Esta dissertao parte de uma constatao emprica: a similitude das

    tipologias edilcias e a morfologia dos conjuntos na produo de habitao de

    interesse social em programas de governo (federal, estadual e municipal) no Rio

    Grande do Norte contemporneo, onde geralmente encontramos para a unidade

    habitacional uma tipologia de base retangular e um teto de duas guas.

    Contextualizando a gesto dos programas de habitao de interesse

    social a partir da criao do Ministrio das Cidades (2003), acompanhamos

    enquanto responsvel tcnico duas experincias de produo de habitao de

    interesse social realizadas em meio rural neste estado entre os anos de 2008 e

    2010, buscando compreender o processo de construo em sua totalidade, ou seja;

    como uma produo tcnica, social, cultural, poltica e econmica com fundamento e

    repercusso histrica.

    Como hiptese central, inferimos que os parmetros estabelecidos pelo

    principal rgo de gesto e financiamento oficial (a Caixa Econmica Federal) para

    aprovao de projetos de habitao de interesse social condiciona a sua repetio

    tipolgica. Dedicando-nos anlise das duas observaes em meio rural,

    buscaremos revelar como a gesto e a administrao dos projetos arquitetnicos e

    urbansticos da CEF1

    No pretendemos neste trabalho fazer uma lista exaustiva de todos os

    normativos tcnicos estabelecidos pela CEF e Governo Federal para financiamento

    de habitao de interesse social; apenas citamos alguns de seus aspectos que mais

    se destacaram em nossa pesquisa de campo, buscando refletir acerca das

    possibilidades de atuao para a arquitetura, e o que elas implicam em relao a

    influenciam o processo projetual, desencadeando a repetio

    tipolgica que pode ser constatada na maioria dos programas locais no Rio Grande

    do Norte. Para tal, devemos inicialmente identificar e analisar o processo de

    financiamento para a elaborao dos projetos de habitao de interesse social (HIS).

    1 Caixa Econmica Federal.

  • 17

    preocupao e dever do profissional arquiteto, de entregar um produto final de

    qualidade. Neste sentido ser fundamental relatar os processos que levaram

    experincia diferenciada da construo de HIS2 em dois assentamentos rurais no

    Rio Grande do Norte, protagonizados pela UFRN3 (atravs do GERAH4), CEF,

    INCRA5

    2 Habitao de Interesse social. 3 Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 4 GERAH: Grupo de Estudos em Reforma agrria e Habitat, do departamento de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 5 INCRA: Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria.

    e Movimento dos Sem Terra. Diante dos condicionantes das agencias

    financiadoras, qual o diferencial desta experincia? Inscritos em programas de

    governo, quais as possibilidades de realizar um projeto que atente para todos os

    elementos que compe a complexa tarefa de elaborar um projeto de habitao de

    interesse social?

    Sabemos que o projeto no se limita concepo da casa (tecnicamente

    denominada de unidade habitacional), mas ela inclui tambm parmetros mnimos

    de conforto fsico e ambiental, para os beneficirios, integrando a noo de habitat,

    quais sejam, infra-estrutura bsica, servios bsicos (escola, postos de sade,

    transporte), saneamento ambiental, equipamentos para lazer e espaos comerciais

    para criao de gerao de renda, promoo da sociabilidade e do encontro festivo,

    entre outros elementos que possam melhor a qualidade de vida dos indivduos, e

    sobretudo que promovam a melhora de suas auto-estimas.

    A pesquisa de campo apresentada no tem por objetivo um relato detalhado

    da experincia vivida atravs do processo inovador descrito, mas sim de servir como

    levantamento ilustrativo para os diferentes pontos analisados e criticados, na medida

    em que foi atravs da vivncia nesta experincia de construo de habitao de

    interesse social que constitumos parte do saber tcnico sobre o assunto, e

    sobretudo, que nos deparamos com as barreiras criadas atravs de atos normativos

    internos da CEF, que reduziam a possibilidade de trazer respostas diferenciadas que

    poderiam ofertar melhorias em termo de qualidade para o conjunto do processo.

    Em contraponto, tais experincias revelam a ateno pela qualidade no

    processo de elaborao de projetos atravs de mecanismos de auto-gesto tendo a

    pesquisa-ao como mecanismos participativos.

  • 18

    Nosso objetivo principal analisar os mecanismos de gesto e financiamento

    da CEF, tendo a experincia rural como o domnio emprico onde se d a

    observao deste processo. Assim, no buscamos aprofundar as especificidades do

    habitat em meio rural reforando as conexes deste com a realidade urbana, pois ao

    longo da pesquisa revelou-se a semelhana de tratamento jurdico entre estes dois

    universos, como o reflexo de uma gesto excessivamente distanciada da realidade

    na qual se aplica, e que acarreta graves conseqncias nos projetos de HIS tanto na

    cidade como no campo.

    Nossos objetivos especficos so: a) analisar os fatores que intervm na

    produo da habitao de interesse social; b) reconhecer os procedimentos tcnico-

    administrativos do rgo de financiamento dos projetos, principalmente a Caixa

    Econmica Federal no Rio Grande do Norte; c) refletir sobre os processos de

    escolha de tipologias dominantes e repetitivas; d) compreender as possibilidades de

    diversificao tipolgica como as observadas em dois assentamentos rurais do RN.

    A pesquisa aqui empreendida de cunho qualitativo, baseada em anlise

    de documentos oficiais, assim como de observao direta e pesquisa participante

    com os diversos atores envolvidos no processo.

    Na presente pesquisa nos deparamos com o seguinte problema no

    perodo de pesquisa documental e bibliogrfica: ao colocar o tema habitao de

    interesse social nos motores de busca da produo cientfica da CAPES6

    Em entrevistas informais realizadas junto a representantes da CEF

    ,

    encontramos um numero significativo de trabalhos. No entanto, cerca de noventa por

    cento deles remete a anlises sobre sistemas construtivos, materiais e eficincia

    energtica de habitaes sociais. No encontramos ali pesquisas sobre a tipologia

    das habitaes e a adequao ao numero de pessoas por famlia, por exemplo. Este

    tipo de trabalho s vem sendo desenvolvido e encontrado em concursos pblicos

    para profissionais, onde so aplicadas solues para situaes existentes, como o

    caso do Concurso CAIXA / IAB.

    7

    6 Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior. 7 Como por exemplo o gerente operacional, o arquiteto do GIDUR/RN (Gerncia de Filial de Apoio ao Desenvolvimento Urbano) , a Chefe do GIDUR/RN,

    ,

    percebemos uma postura corporativista de defesa rigorosa das regras estabelecidas

  • 19

    nos normativos do rgo8

    Nossos principais referenciais tericos so trs pesquisadores brasileiros

    que propem uma reviso do atual sistema de produo de habitao social:

    Ermnia Maricato (FAU USP), que enfatiza a questo no perodo BNH (1964-1986),

    e que em documentos recentes chama a ateno sobre a reproduo do mesmo

    esquema produtivo com a CEF; Nabil Bonduki (FAU USP), que trabalhou na

    elaborao do PLANHAB (Plano Nacional de Habitao), e defende a criao de

    . Nessas condies, seria difcil obter destes informantes a

    neutralidade necessria para a composio de uma crtica metodolgica que

    respondesse aos questionamentos suscitados pela presente pesquisa. Para Michel

    Thiollent, a crtica epistemolgica de tcnicas to comuns como o questionrio

    muito importante na medida em que, ainda hoje, muitos pesquisadores admitem sem

    discusso o uso dessas tcnicas como garantia de neutralidade ou de objetividade.

    (1985, p.41).

    Optamos assim por um mtodo de observao direta associado

    pesquisa documental, na qual as diretrizes e princpios normatizadores se

    expressam de forma explcita. De outro lado, a observao participante (na condio

    de Responsvel Tcnico e Instrutor do curso de construo civil para os

    assentados), nos permite analisar as estratgias de ao adaptadas s

    normatizaes da Caixa e do Ministrio das Cidades, assim como a percepo

    subjetiva (raramente explicitada) do corpo tcnico e dirigentes da Caixa Econmica.

    Aqui, a pesquisa de campo fornece dados observao direta, possibilitando

    descrever e analisar os processos aqui relatados. Para a anlise das conseqncias

    de sua execuo, a fonte principal de pesquisa sero os dados documentais, que

    permitiro demonstrar a correlao direta entre diretrizes definidas pelos diferentes

    artigos, normas, leis, portarias e sua projeo nos partidos arquitetnicos e

    urbansticos adotados.

    O recorte temporal da pesquisa tem como limite inicial a criao do

    Ministrio das Cidades (2003), considerado como marco que inscreve a ruptura

    nacional com o perodo de recesso da habitao de interesse social. Ele se

    estende at 2011, data at a qual tivemos a oportunidade de participar de uma

    experincia inovadora, no meio rural, que nos servir de estudo de campo.

    8 Seguindo as recomendaes do Cdigo de tica da Caixa (s/ data) entregue a cada funcionrio ao assumir sua funo na entidade, e onde se exige sigilo sobre assuntos internos. No item Compromisso, podemos ler: Preservamos o sigilo e a segurana das informaes.

  • 20

    uma entidade pblica com a misso especfica e nica de gesto da produo de

    habitao social; e Raquel Rolnik (FAU- USP), relatora nacional sobre as questes

    da habitao social junto ONU, que em recentes artigos alerta o poder pblico

    sobre as possveis derivas do atual programa nacional de habitao Minha Casa,

    Minha Vida. Outros autores marcam a construo terico-metodolgica do problema

    de nossa dissertao. Propomos aqui uma breve aproximao destes,

    apresentando-os no debate das questes que iro compor nosso trabalho.

    Destacaremos em seguida os pontos abordados em cada capitulo.

    Segundo Ban Ki-moon9 no prefcio ao Relatrio Anual10 da UN-Habitat,

    um dos maiores desafios urbanos do sculo XXI equacionar o desenfreado

    desenvolvimento das cidades, associando o comprometimento da qualidade

    ambiental, o desaparecimento de aglomeraes rurais e o crescimento dos

    mercados informais. Para este Secretrio Geral da ONU, resta constatar que nesse

    aspecto o planejamento urbano contemporneo no soube resolver esses

    problemas, trazendo solues que ao contrrio, s agravaram o quadro11

    Tal questo vem sendo discutida tambm por David Harvey (1982), que

    enfoca a grande rotatividade do capital na lgica capitalista neo-liberal, comprimindo

    a relao espao/ tempo. Segundo ele, tal princpio torna cada vez mais difcil a

    - como os

    bolses de pobreza presentes nas periferias das grandes cidades em todo mundo.

    Uma das principais chaves dessa questo diz respeito ao planejamento das polticas

    locais de habitao.

    Neste mbito, vrios so os modelos implantados calcados

    predominantemente no sistema neo-liberal de acesso ao solo, disponibilizando aos

    setores sociais economicamente mais abastados os terrenos em proximidade dos

    centros urbanos, ou nas suas reas mais valorizadas, relegando para as camadas

    de baixa renda os terrenos perifricos cidade, pouco valorizados ou de baixo valor

    comercial (Abramo, 2010).

    9 Secretrio Geral da ONU, mandato de 2007 a 2011. 10 PLANNING SUSTAINABLE CITIES - GLOBAL REPORT ON HUMAN SETTLEMENTS 2009 11 The major urban challenges of the twenty-first century include the rapid growth of many cities and the decline of others, the expansion of the informal sector, and the role of cities in causing or mitigating climate change. Evidence from around the world suggests that contemporary urban planning has largely failed to address these challenges. Urban sprawl and unplanned periurban development are among the most visible consequences, along with the increasing vulnerability of hundreds of millions of urban dwellers to rising sea levels, coastal flooding and other climate-related hazards. (2009, p. 7)

  • 21

    adoo de mecanismos que possam controlar o avano desenfreado do capital na

    dinmica urbana e rural, prevalecendo crescentes incertezas entre os especialistas

    mundiais sobre a questo, j que as atuais intervenes urbansticas so pontuais e

    emergenciais, ou so mega-operaes nas quais prevalece o resultado avaliado

    atravs da quantificao das solues, sem nenhuma preocupao com o fator

    humano e social.

    Ainda para Harvey (1982), essa dinmica funciona como um enorme rolo

    compressor atravs da globalizao dos grandes empreendimentos, que investem

    na padronizao dos mecanismos internacionais, acedendo assim a novos

    mercados de produo e venda de produtos, especialmente nos pases pobres ou

    em desenvolvimento.

    Integrando esse processo internacional, o mercado imobilirio brasileiro

    tem recebido grandes investidores que buscam no pas um sistema de alta

    rentabilidade e, sobretudo, de total garantia, j que o investimento imobilirio de

    grande previsibilidade e segurana, podendo constituir um investimento de longo

    prazo que aumente sua rentabilidade- e provocando um movimento especulativo.

    Para Ermnia Maricato (1987, p.20), A habitao entretanto uma mercadoria

    especial no Modo de Produo Capitalista [...], seu preo no cai na mesma medida

    que as outras mercadorias da cesta de consumo do trabalhador.

    Henri Lefebvre (1970) chama a ateno para esta relao do habitante

    com a habitao, lembrando aos produtores de espao que a esta ltima no se

    restringe moradia, a casa. Ele destaca a importncia nos projetos dos espao de

    lazer e de vida comunitria, to importantes para a vivncia do individuo; o todo

    constituindo o habitat.

    Retomando o debate acerca da problemtica da habitao social no

    contexto internacional, evidenciamos que o sistema capitalista contemporneo

    (inscrito numa ordem neo-liberal) define estratgias e leituras polticas da habitao

    social, cujo impacto repercute tambm no Brasil:

    Construmos um mundo muito desigual, onde mais de um bilho de pessoas vivem em condies de absoluta pobreza. [...] A desigualdade da distribuio de renda dramtica: 1,0% da populao detm a mesma quantidade de recursos que os 50% mais pobres; e os 20% mais ricos possuem renda 33 vezes maior que os 20% mais pobres. Com base no Censo de 2000, o dficit habitacional estimado de 6,7 milhes de

  • 22

    domiclios, sendo 5,4 milhes na rea urbana, sendo que 91,6% desse dficit urbano composto por famlias com renda de at cinco salrios mnimos. (Peixoto Filho, 1996, p.04).

    Podemos completar este alerta sobre a desigualdade social e habitacional

    no Brasil com outro, referente lgica atual em termos de planejamento territorial, e

    que se expressa na diferena crescente entre o meio urbano e o meio rural, este

    ltimo esvaziado em termos demogrficos a nvel mundial, e atingindo grandes

    propores, pois na maioria dos pases mais de metade da populao local

    urbana.

    Buscando enfrentar o desafio habitacional brasileiro, o governo federal

    lanou em julho de 200912 o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), que

    absorveu grande parte dos programas para o financiamento da habitao tanto na

    rea rural quanto na rea urbana, e que tem a Caixa Econmica Federal13

    12 LEI N 11.977, DE 7 DE JULHO DE 2009. 13 Trs termos: CEF, Caixa Econmica Federal, ou CAIXA (sem aspas) surgem como sinnimos em diferentes contextos ao longo desta dissertao, como diferentes designaes de uma mesma instituio bancria: a Caixa Econmica Federal. Empregaremos as trs indistintamente, pois no h diferena no sentido como esta instituio usualmente referida pelos seus parceiros, beneficirios, clientes ou funcionrios.

    como

    principal rgo financiador. Na sua Cartilha, elaborada com o objetivo de instruir os

    interessados neste programa de governo, est contida uma detalhada Ficha de

    elaborao de projetos para habitao de interesse social, onde so oferecidas

    apenas duas propostas tipolgicas; uma para apartamento com quarenta e dois

    metros quadrados (42 m2) e outra para casa individual, com trinta e cinco metros

    quadrados (35 m2).

    Face reduzida proposio da Caixa, analisaremos duas respostas

    arquitetnicas de projetos de habitao social no Rio Grande do Norte em rea rural,

    apresentando a dinmica da adequao de uma gama tipolgica de dimenses

    exguas em sua relao com a demanda social. Considerando que o tamanho e o

    tipo (casa e apartamento) no so os nicos parmetros estabelecidos pela Caixa, a

    questo central da nossa pesquisa discutir como a habitao social se viabiliza na

    atual estrutura da poltica da habitao de interesse social na sua relao com

    aspectos tipolgicos.

  • 23

    Para tal, como compreender a relao destas condicionantes e

    parmetros institucionais com as tipologias adotadas? Tal similitude verificada nas

    tipologias edilcias da produo atual de habitao social em programas de governo

    no Rio Grande do Norte ser principalmente ou unicamente por fatores de ordem

    econmica, com uma lgica capitalista da produo do espao se expressando

    atravs da promoo imobiliria, ou pelo imperativo da rentabilidade, reduzindo o

    suprfluo da reflexo e pesquisa, necessrios para propor novas formas de

    tipologia? Sero fatores de ordem poltica, como escolhas ligadas a favorecimentos

    polticos, relacionados a prticas clientelsticas? Trata-se de fatores de ordem social

    e culturais, sendo que neste caso os hbitos culturais locais levam os tcnicos a

    uma resposta arquitetnica semelhante? Neste caso, qual a resposta da sociedade

    civil e dos beneficirios? Verificaremos tambm se convm atribuir essa repetio

    tipolgica a fatores tcnicos condicionados pelas exigncias da Caixa Econmica

    Federal, que no seu documento interno, o Manual de Assistncia Tcnica, define as

    tipologias indicando inclusive os processos de construo desses modelos com

    precisos detalhamentos para execuo, tais como dimenses de maaneta e

    dobradias de porta. Acessvel apenas aos tcnicos do banco, o objetivo principal do

    documento seria de servir de suporte para a anlise e aprovao de projetos, mas

    evidncias apontam que eles se constituam como elemento principal para a

    aprovao final que permite a liberao dos recursos.

    No primeiro captulo, sugerimos uma abordagem sobre os principais conceitos

    que envolvem a questo da habitao de interesse social no Brasil. Iremos propor

    certas definies dos principais termos a serem usados ao longo do trabalho,

    baseados em anlises de H. Lefbvre (1970), D. Harvey (2009; 1982), M. Mauss

    (1974), M. Lanna (2000), R. Da Matta (1987), N. Bonduki (1998) e E. Maricato (2000;

    1987). A definio desses conceitos ser acompanhada de uma anlise de

    diferentes problemas relacionados questo da habitao social, permitindo uma

    melhor compreenso da trama na qual est envolvido o debate sobre o tema.

    No segundo captulo sero apresentados os principais atores envolvidos na

    temtica da pesquisa, como tambm sero apresentadas as estruturas atuais do

  • 24

    complexo tecido da concepo, elaborao, execuo e financiamento da produo

    habitacional para populaes desfavorecidas.

    O terceiro captulo ir tratar da pesquisa de campo, onde sero apresentados

    dois estudos de casos no meio rural dos quais protagonizamos. Essas experincias

    nos motivaram descoberta das inconsistncias entre uma realidade a ser posta em

    prtica em campo, e todos os mecanismos de gesto que permitem ou trazem

    entraves a essa aplicabilidade. Elas tambm nos possibilitaram visualizar as

    potencialidades da autogesto por mutiro assistido, como alternativa tipologia-

    padro da CEF.

    O captulo quatro tem um carter conclusivo, permitindo evidenciar os

    principais problemas identificados ao longo de todo o estudo realizado,

    relacionando-os aos diferentes fatores descritos, e mostrando o seu impacto na

    repetio tipolgica e morfolgica, e na qualidade das habitaes produzidas.

    As consideraes finais sintetizam nossas reflexes apontando os modos

    atravs do qual a sistemtica da Caixa induz a uma repetio tipolgica, analisando

    as conseqncias desta gesto/ financiamento no apenas para a tipologia, como

    tambm para os beneficirios, empresas de construo, profissionais envolvidos,

    movimentos sociais, rgos gestores e instituies pblicas. Finalmente, discutimos

    como os programas de governos dirigidos pelo Ministrio das Cidades tem se

    distanciado das demandas histricas dos setores populares e dos movimentos

    sociais, principalmente no que se refere ao controle e gesto participativa dos

    planos de incremento habitao social.

  • 25

    Captulo 01 A HABITAO SOCIAL NO BRASIL E NO RIO GRANDE DO NORTE: REVISO CRITICA

    Com a criao do mais recente programa nacional para habitao social

    no Brasil, o Programa Minha Casa, Minha Vida14

    Dentro do mesmo programa foram absorvidos todos os antigos programas de

    financiamento de habitao social, com compra em sistema de crdito ou a fundo

    perdido

    (PMCMV), assistimos a uma

    enorme profuso e confuso de significados para o termo que define esse tipo de

    habitao.

    15, reunindo tambm diferentes nveis de renda, j que o programa engloba

    faixas de renda divididas em trs grupos: 0 a 3 salrios mnimos16

    ; 3 a 6, e 6 a 10

    salrios mnimos, ficando todos integrados no Programa, na definio de habitao

    social ou habitao popular.

    Figura 1 Repetio de tipologias - Unidades habitacionais do Programa Minha Casa, Minha Vida no Residencial Casas do Parque, em Campinas (SP).

    Fonte : Foto: Ricardo Stuckert/Arquivo/PR. Disponvel em :. Acesso em: 16 jul. 2010.

    14 Programa Federal para Habitao Social, Consolidado pela Lei N. 11.977, de 7 de julho de 2009, coordenado pelo gabinete da Casa Civil em resposta a situao de crise imobiliria e financeira internacional, com fins de proteger o mercado interno brasileiro, tendo dois principais objetivos, a produo de habitao e manter o mercado imobilirio em funcionamento, relanando a mo de obra necessria. 15 Entende-se em programas de Governo, como financiamento a fundo perdido, aquele que tem por objetivo final a doao da habitao para o beneficirio, sem nus. 16 Em Novembro de 2010, o salrio mnimo brasileiro se situa em R$ 510,00

    http://blog.planalto.gov.br/minha-casa-minha-vida-2-tem-novas-regras-e-prioriza-populacao-de-baixa-renda/http://blog.planalto.gov.br/minha-casa-minha-vida-2-tem-novas-regras-e-prioriza-populacao-de-baixa-renda/

  • 26

    Neste primeiro captulo estabeleceremos a definio do termo habitao

    social e do pblico atendido nessa classificao propondo uma discusso preliminar

    em torno da definio do conceito de habitao, e pautando-nos na anlise de

    documentos sobre a questo, ratificados a nvel mundial, assim como numa reviso

    bibliogrfica sobre o assunto.

    Tal aprofundamento exige um debate mais amplo sobre os diversos

    fatores que se encontram envolvidos nesta temtica, como por exemplo a presena

    implcita e constante de uma lgica implicando relaes de ddiva e reciprocidade,

    noes sociolgicas apresentadas por Marcel Mauss (1974), buscando entender as

    implicaes dessa lgica para a anlise das atuais polticas de habitao social no

    Brasil e mais especificamente no Rio Grande do Norte, pois numa poltica de

    habitao com doao da casa (subsdio17

    Em seguida discutiremos a questo mais especfica da habitao no

    Brasil, iniciando com o retrato estabelecido pelo antroplogo brasileiro Roberto da

    Matta

    ) para as faixas de renda mais

    vulnerveis, so criadas redes sociais baseadas na idia de ddiva e reciprocidade,

    interferindo nos mecanismos que se estabelecem no processo de concesso das

    HIS e que iro ganhar centralidade na constituio do tecido social desses novos

    espaos.

    18

    17 Para efeitos de financiamento, o termo mais usado em documentos tcnicos, usados tanto pelo MCidades, como pela CEF, o de Unidades Habitacionais em subssio. 18 Roberto da Matta, antroplogo brasileiro, professor da PUC Rio de Janeiro.

    na sua obra A casa e a Rua (1987), na qual ele apresenta um painel de

    comportamentos que se estabelecem entre o brasileiro e a sua casa. Ser

    destacada a relao que se estabelece com a rua, na qual a casa se insere,

    representando metaforicamente as dimenses pblica e privada na subjetividade do

    brasileiro. Essa viso ser complementada com outras a fim de definirmos

    parcialmente os diferentes conceitos que iro alimentar nossa reflexo

    compreendendo seu alcance e limites na anlise em pauta na presente dissertao.

  • 27

    1. Projetando a habitao de interesse social: conceitos e processos

    Tipologia / Morfologia

    Propomos aqui abordar a leitura que fazemos para efeitos de pesquisa dos

    termos tipologia e morfologia, na medida em que a idia deste trabalho surgiu de um

    constatao emprica sobre a repetio da tipologia edilcia nos programas de

    governo para habitao de interesse social.

    Figura 2 Padro adotado pelo Governo de Estado do Rio Grande do Norte, em programas de conjuntos habitacionais de habitao de interesse social. Bairro industrial Zona Norte - Natal / RN.

    Fonte : Acervo do Autor. (2004)

    Entendemos por tipologia, o aspecto edilcio isolado, mas o consideramos no

    s na sua forma individualizada, como tambm enquanto composio de Unidades

    Habitacionais (U.H.), compondo o que chamaremos de conjunto habitacional. A

    este ltimo ser aplicado o termo morfologia19

    19 Em grego, morph significa forma, e logos, estudo (Le Petit Larousse. Larousse, Paris, 2003).

    . A morfologia remete portanto ao

    estudo da forma, traduzida no lxico do planejamento urbano ao modelo de

  • 28

    agrupamento de unidades edilcias (figura3), incluindo os seus aspectos cheios e

    vazios. Nesta pesquisa entendemos que a morfologia o agrupamento de

    edificaes que compem um arranjo urbanstico.

    Figura 3 - Morfologia de conjuntos habitacionais Programa Minha Casa Minha Vida - Conjunto Planalto I - Natal / RN.

    Fonte : Acesso :Google Earth - Consultado em: 23/07/2010. Imagem de 13/10/2009.

    Um dos principais estudos de definio sobre tipologia e morfologia na

    arquitetura contempornea Aldo Rossi. No seu livro A arquitetura da cidade

    (1995), ele retoma uma definio dos termos tipologia e morfologia, a partir de um

    estudo sobre a composio urbana das cidades. Para Tavares, Aldo Rossi, atravs da criao de um mtodo de anlise da morfologia urbana, dedicou escala da cidade a nfase do desenvolvimento de seus estudos tipolgicos na dcada de 1960. Segundo autor, o tipo seria o elemento atravs do qual o crescimento da cidade, em qualquer escala, poderia ser desenvolvido. Estando mais fortemente relacionado lgica interna das formas urbanas, a determinao dos tipos no estaria vinculada a questes funcionais especficas. (2005, p.10)

    http://blog.planalto.gov.br/minha-casa-minha-vida-2-tem-novas-regras-e-prioriza-populacao-de-baixa-renda/

  • 29

    A noo de tipologia, remete escala da unidade e a sua escolha esttica, o

    modelo esttico no qual ela se inspira, ou se baseia. Para efeitos desta pesquisa,

    entenderemos o conceito de tipologia como o conjunto de tipos, como definiu Aldo

    Rossi (1998); ...O tipo vai se constituindo, pois de acordo com as necessidades e com as aspiraes de beleza; nico mas variadssimo em sociedades diferentes, ele est ligado forma e ao modo de vida. Por conseguinte, lgico que o conceito de tipo se constitua em fundamento da arquitetura e retorne tanto na prtica como nos tratados. Sustento, portanto, a importncia das questes tipolgicas. Importantes questes tipolgicas sempre percorreram a histria da arquitetura e colocam-se normalmente quando encaramos problemas urbanos. (p.25)

    Monique Eleb (1988)20

    20 Sociolga atuando na cole d'Architecture Paris-Malaquais (Frana) e diretora do grupo de pesquisa Arquitetura, Cultura e Sociedade (ACS),

    , especialista em Arquitetura Domstica; realizou

    diversos estudos em torno de um concurso criado na Europa, que tem por ttulo

    EUROPAN, cujo o objetivo principal discutir sobre a questo da habitao na sua

    totalidade, tanto a nvel de planejamento urbano -procurando a integrao de reas

    destinadas a esse fim com o resto da cidade, como a nvel de projeto arquitetnico,

    no qual seus participantes trabalham especificamente sobre a tipologia, estudando

    possveis mutaes em funo de novos usos e novas maneiras de viver. So ento

    trazidos conceitos de concepo de tipologias, tais como a tipologia do equipamento

    ou a tipologia da contemplao.

    Vemos aqui as possibilidades que so dadas no que diz respeito a elaborao

    de projeto de arquitetura para habitao, neste caso especfico, na fase de

    concepo do projeto, os arquitetos trabalham com a criao de cenrios aplicados

    vida real dos futuros ocupantes dos espaos pensados e criados.

    No Brasil, BONDUKI (1998) demonstra como existiu uma relao direta para

    a qualidade do parque habitacional produzido no perodo dos Institutos de

    Aposentadoria e Penses, com a contratao de grandes nomes nacionais do

    modernismo brasileiro, como o caso de Affonso Eduardo Reidy no seu projeto do

    Rio de Janeiro, do conjunto Residencial Prefeito Mendes Moraes (Pedregulho),

    construdo na dcada de 40 a 50 (figura 5).

  • 30

    Figura 4 - Conjunto Residencial Prefeito Mendes Moraes (Pedregulho, 1947)

    Fonte : Disponvel em: . Acesso em: 23 ago. 2010.

    Habitao / habitat - casa / moradia

    A Constituio Federal Brasileira de 1988 reconhece o direito moradia

    como um direito social bsico, estendendo este conceito alm da simples edificao,

    incluindo nele o direito a infra-estrutura e servios urbanos. Tal conjunto de

    elementos ser constitutivo do que chamaremos aqui de habitat.

    Assim, conceber a habitao implica tambm em considerar o espao na

    qual ela est inserida, ou seja, em seu relacionamento com seu entorno, seguindo a

  • 31

    definio lefbvriana (1970) para qual devemos entender a definio de habitat

    como a composio de todos os elementos que constituem o quadro dentro do qual

    o individuo realiza o ato de Habitar, incluindo neles os aspectos da socializao dos

    indivduos, tais como a cultura e o lazer.

    Para Lefbvre (1970, p.162) ... o Habitar um fato antropolgico. A

    habitao, a moradia, o fato de se fixar no solo (ou de se desligar), o fato de se

    enraizar (ou de se desenraizar), o fato de viver aqui ou ali (e conseqentemente de

    sair ou ir para outro lugar), esses fatos e esse conjunto de fatos so inerentes ao ser

    humano.21

    A exemplo do que define a Constituio Federal de 1988, entendemos

    que a noo de habitat compreende no s a habitao, mas toda a totalidade que o

    circunscreve, enquanto lugar de convvio das famlias. Assim, na noo de habitat

    esto includos o saneamento ambiental

    .

    22

    Outro termo muito utilizado em textos oficiais (tais como a Agenda

    Habitat) sobre a habitao

    , (que abrange o abastecimento de gua

    e o de esgoto), a drenagem, e todos os equipamentos pblicos necessrios a um

    desenvolvimento sustentvel da rea na qual definida a nova moradia das

    populaes beneficirias.

    23

    60. Habitao adequada para todos mais do que um teto sobre a cabea das pessoas. tambm possuir privacidade e espao adequados, acessibilidade fsica, garantia de posse, estabilidade estrutural e durabilidade, iluminao adequada, aquecimento e ventilao, infra-estrutura bsica adequada, como fornecimento de gua, esgoto e coleta de lixo, qualidade ambiental adequada e fatores relacionados sade, localizao adequada e acessvel em relao a trabalho e instalaes bsicas: tudo deveria ser disponvel a um custo acessvel. A adequao deve ser determinada juntamente com as pessoas interessadas, considerando-se a perspectiva de desenvolvimento gradual. A adequao varia freqentemente de pas para pas, j que depende de fatores culturais, sociais, ambientais e econmicos especficos. Fatores especficos

    o de moradia, entendido aqui como comportando no

    mesmo sentido que o primeiro, ou seja: a unidade de espao que abriga uma

    famlia. Em sua Cartilha, a Agenda Habitat tambm explicita uma definio precisa

    do termo moradia adequada, que poderia ser interpretado como uma tentativa de

    estabelecer parmetros mnimos de habitabilidade ou de uma tipologia ideal para

    habitao de interesse social: B. Moradia adequada para todos 1. Introduo

    21 Traduo do texto original feita pelo autor. 22 Lei 10.257 de 10 de julho 2001. CAPITULO I - Diretrizes Gerais - Art. 2, Pargrafo I. 23 Elaborada pelo IBAM: Instituto Brasileiro de Administrao Municipal.

  • 32

    relacionados a gnero e idade, como a exposio de crianas e mulheres a substncias txicas, devem ser considerados nesse contexto.(2003)

    No entanto vemos aqui que a descrio do conceito de moradia

    adequada baseada em linhas e termos de pensamento gerais, remetendo pouco

    a indicaes de ordem tcnica- como para os itens de numero mnimo de cmodos,

    sem especificar a sua adequao ao numero de membros da famlia.

    Num entendimento geral e para efeitos de pesquisa, neste trabalho,

    poderemos ento justapor os termos habitat / habitao, com moradia/casa.

    Para Valadares24

    24 Jorge de Campos Valadares tem graduao em Psicologia pela Universida de Santa rsula (1976), graduao em Engenharia Civil pela Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (1964), mestrado em Urbanismo - Universite de Paris I (Pantheon-Sorbonne) (1979) e doutorado em Sade Pblica pela Fundao Oswaldo Cruz (1994). Professor do Departamento de Saneamento e Sade Ambiental, Escola Nacional de Sade Pblica, Fundao Oswaldo Cruz.

    (2000, p.83), ...A casa do homem , antes de tudo,

    lugar de presena e de construo de histrias.... Numa escala macro ela seria a

    cidade pois, ...enquanto espao construdo tambm um fato histrico. E trata-se,

    aqui, de uma histria vivida por sujeitos em seus corpos.

    Vemos que numa leitura mais geral, a casa remete ao conceito do espao

    enquanto gesto individual, no que corrobora Roberto da Matta (1987, p.31) que

    considera o espao como o ar que se respira. Sabemos que sem ar morreremos,

    mas no vemos nem sentimos a atmosfera que nos nutre de fora e vida.

    Vemos que a relao visceral individuo/ espao previamente destacada

    por Lefbvre (1970) foi reforada por Valladares(2000, p.83), para quem O corpo

    reconhece os espaos a partir do desejo. A presena ou ausncia do desejo

    transforma o espao em tumulo ou em tesouro.

    David Harvey (1982, p.8) tambm discute a falsa dicotomia entre viver e

    trabalhar como um conceito artificial imposto pelo sistema capitalista, e mostra a

    relao direta que se estabelece entre o mercado de trabalho, o consumo e a

    moradia que transforma-se, neste modo de produo num bem de consumo que se

    transubstancia numa das principais engrenagens do mecanismo financeiro das

    sociedades contemporneas.

    Ermnia Maricato refora essa idia, colocando que: ...a habitao o componente mais importante da cesta de consumo que no suprida atravs de formas capitalistas de produo e comercializao, para a grande maioria dos trabalhadores.

  • 33

    Isso implica em sacrifcios e predao dessa fora de trabalho, seja pela construo da casa nos horrios de descanso (sobre trabalho), seja pela baixa qualidade da moradia resultante desse processo... (1987, p.21)

    Vemos aqui como se estabelece uma relao direta entre a produo

    imobiliria e o mercado financeiro, na qual a habitao se transforma num item

    suplementar do mercado, representa uma poderosa fonte de capital no sistema

    capitalista.

    Denunciando a cidade como um grande negcio Ermnia Maricato diz que

    "O volume de recursos provenientes de toda a sociedade, captados pela renda

    imobiliria, muito grande para que as anlises econmicas o ignorem, como

    freqentemente acontece..." (1988).

    No entanto, no sistema capitalista que essa reflexo crtica deveria

    ganhar substncia pois25

    Por isso mesmo, salientamos que no texto integral da elaborao dos

    instrumentos de gesto para a cidade no Brasil, o Estatuto da Cidade

    "... a problemtica da moradia um dos componentes de

    todo um conjunto de precariedades manifestas nas condies de existncia dos

    trabalhadores.", como apontam Ikuta e Thomaz Junior (2005, p.2).

    26, a palavra

    habitao aparece apenas duas vezes, enquanto que a palavra moradia tambm

    pouco mencionada: cinco vezes. Embora no esperarmos que nesses textos de Lei

    se estabeleam parametrizaes tcnicas sobre a questo da tipologia, essa

    pequena constncia na referncia a esses termos reforada nesse mesmo texto

    pela ausncia absoluta qualidade da moradia a ser produzida, ou ainda quanto a

    seu dimensionamento em funo do numero de indivduos por famlia, por

    exemplo27

    25 Fernanda Keiko Ikuta (Doutoranda em Geografia na Universidade Estadual Paulista/Presidente Prudente), e Antonio Thomaz Jnior, professor da Universidade Estadual Paulista /Presidente Prudente e Pesquisador visitante junto Faculdade de Geografia e Histria, da Universidade de Santiago de Compostela (Espanha)

    .

    Atravs de uma analise histrica podemos constatar que essa questo

    recorrente, e remete s origens da habitao e as relaes de poder que se

    estabelecem na convivncia entre os diferentes estratos sociais que compem a

    estrutura da sociedade em questo.

    26 LEI No 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001. 27 Mesmo se tais questes so remetidas Organizao normativa brasileira dos planos diretores e cdigos de obras, ou a outros nveis de normatizao tcnica, a ausncia de uma orientao geral e a indefinio quanto tipologia edilcia deve ser aqui destacada.

    http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2010.257-2001?OpenDocument

  • 34

    Na sua obra A Casa e a Rua, Roberto da Matta realiza uma anlise

    antropolgica do espao no Brasil, baseada em observaes de campo e

    descrevendo a complexidade do relacionamento do brasileiro com o espao interior

    (a casa) e o exterior (a rua), discutindo a noo de espao na casa e do espao

    pblico no qual ela se encontra inserida. Para ele, enquanto dimenso simblica a

    casa existe em diferentes planos: do mesmo jeito que quarto "casa", a cidade

    tambm pode ser casa: tudo depende da escala em que a pessoa se encontra e da

    relao que se estabelece entre o individuo e esse espao, em termos de prticas e

    representaes sociais.

    Assim, a casa no se restringe habitao: nas reas urbanas do Rio

    Grande do Norte as caladas assumem essa caracterstica de prolongamento do

    privado pelos atores sociais, quando ali se instalam cadeiras ou se deposita o lixo

    em suas prprias portas, por exemplo. No meio rural tambm podemos observar

    como os espaos exteriores s habitaes so apropriados como extenso do

    espao domstico, com a freqente utilizao da cozinha e banheiros na rea

    exterior casa, compondo -junto com a habitao- elementos centrais da

    composio do espao domstico; lugar de vivncia e histria social, habitat. (figura

    5).

    Figura 5 Fotografia de cozinha no pr-assentamento Bernardo Marim - em Pureza RN

    Fonte: Acervo do Autor (2008).

  • 35

    Como Lefbvre (1970), compreendemos a casa como produo simblica

    construda na relao do pblico e privado, e no apenas como representao deste

    ltimo. Resultando da experincia cotidiana o habitat esta modalidade de

    apropriao do mundo, do seu potencial natural e das relaes sociais, numa

    experincia de vida localizada.

    A estreita relao das esferas publicas e privadas tal qual apresenta Da

    Matta (1987) pode ser apreendida nas vrias as atividades que se vivenciam nas

    reas externas casa, bastante expressiva na forma e na quantidade em meio rural,

    onde ocorre uma srie de atividades como o banho das crianas (figura 6),

    organizao e preparao de alimentos, a criao de animais, cozinha-se, debulha-

    se feijo, entre outras.

    Figura 6 - Atividades exteriores em assentamento - criana tomando banho

    Fonte : Acervo do Autor (2008).

    Ainda segundo Da Matta, ...se a casa est conforme disse Gilberto Freyre, relacionada senzala e ao mocambo, ela tambm s faz sentido quando em oposio ao mundo exterior, ao universo da "rua". Ou seja, o que temos aqui um espao moral posto que no pode ser definido por meio de uma fita mtrica, mas - isso sim - por intermdio de contrastes, complementaridades, oposies. (1987, p.16)

    Numa outra discusso sua, descobrimos como estes fatores compem a

    relao da sociedade brasileira com o espao, junto aos cdigos sociais que se

  • 36

    estabelecem nesse relacionamento. Juntos eles remetem a uma relao que

    ultrapassa a habitual dualidade cognitiva, levando o brasileiro a pensar no nos

    moldes de oposies binrias, mas na mediao entre os termos. Esta caracterstica

    marca o que ele chamou de dilema da identidade nacional. No caso do habitat,

    este seria um mbito privilegiado da compreenso da intermediao entre a rua e

    os domnios impessoais da vida cotidiana (o publico), e a casa, espao das

    relaes pessoais e diferenciadas, pois

    Em casa somos todos, conforme tenha dito, supercidades. Mas e na rua? (...) Somos rigorosamente subcidades e no ser exagerado observar que, por causa disso, nosso comportamento na rua (e nas coisas pblicas que ela necessariamente encerra) igualmente negativo. Jogamos o lixo para fora da calada, portas e janelas... (Da Matta,1987, p.20-21)

    Figura 7 - Lixo na porta da casa. Bairro Felipe Camaro - Natal / RN

    Fonte: Acervo do Autor (2007).

    Os espaos de terreno no edificado (como quintais, caladas, jardins e

    terreiros), revelam a complementaridade entre as dimenses pblicas e privadas,

    pois mesmo se so espaos privados (a rea contigua habitao geralmente

    constitui o lote/parcela do morador), eles so abertos. Livres de paredes ou muros,

    estas reas externas possibilitam um importante veculo publicizao da vida

    domstica, revelando-se como espao de troca de informaes no apenas sobre a

    dinmica familiar, como tambm sobre a coletividade do grupo mais amplo que a

  • 37

    envolve; assentamento, vila, ou cidade. essa dimenso pblica do privado que

    associa indelevelmente o pblico ao segundo, propiciando uma relao dialtica que

    se concretiza na habitao social.

    Questes do debate rural/ urbano

    Partindo da constatao de que inexiste preciso acerca dos conceitos de

    rural e urbano nas definies da CEF para os financiamentos e gesto das HIS na

    rea urbana e rural, vimos revelar o quanto tais imprecises propiciam desacertos

    at, em certos pontos, considerar duas realidades como uma mesma padronizao.

    Segundo Borges (2002), esta impreciso conceitual historica, pois Quando, no final da dcada de 80, o INCRA volta a ser responsvel por estas polticas, ele passa a adotar as terminologias da colonizao da Amaznia dos anos 70, para definir os assentamentos humanos concentrados como agrovilas, seus lotes de moradia, como lotes urbanos e seus lotes ligados produo agropecuria como lotes rurais. (2002, p.8)

    Para efeitos desta pesquisa, adotaremos o termo agrovila num sentido amplo;

    para designar um conjunto de habitao de interesse social realizado em rea rural,

    integrando tanto o aspecto da habitao quanto aqueles aos quais Lefbvre (1970)

    se refere como habitat, ou seja incluindo espaos de vivncia e lazer. Mesmo se

    este adequado para definir a moradia num sentido amplo, a amplitude do conceito

    lefbvriano abarcaria tanto os conjuntos habitacionais urbanos como os rurais, aos

    quais nos referimos especificamente. Considerando que o termo habitat remeteria

    mais a um sistema organizacional do espao que contempla a vivncia daqueles

    que deles usufruem, consideramos o termo agrovila mais adequado para nos

    referirmos especificidade dos projetos GERAH/MST/INCRA/CEF que observamos,

    pois ...geralmente seus usurios optam pelo modelo de habitat concentrado, denominados agrovilas. De acordo com Borges (2002) estes habitats caracterizam-se por possuir os lotes de moradia, equipamentos comunitrios e de servios reunidos numa mesma rea. Os lotes de produo localizam-se em local especfico. Geralmente se inspiram nos modelos praticados pelo INCRA, fazendo as adaptaes necessrias. (Ciqueira, 2006 p.58-59)

    Outro elemento que merece destaque a definio do regime de construo

    adotado no processo construtivo aplicado nestas experincias, pois ele se alicera

    no modo de vida rural,

  • 38

    na regio Nordeste, onde normalmente se trabalha com pequeno nmero de famlias, ao mesmo tempo em que a produo se encontra mais facilmente sujeita ao fenmeno da seca, [...] e, na formao de assentamentos menores, mais fceis de estruturar... (Ciqueira, 2006 p.58-59).

    O social da habitao - habitao social / habitao de interesse social

    Problematizando a habitao social, nos remetemos aqui definio

    estabelecida por Nabil Bonduki, que entende a habitao social: ...no apenas no sentido corrente, ou seja, habitao produzida e financiada por rgos estatais destinada populao de baixa renda, mas num sentido mais amplo, que inclui tambm a regulamentao estatal da locao habitacional e incorporao, como um problema do Estado da falta de infra-estrutura urbana gerada pelo loteamento privado. (1998, p.14)

    Nesta perspectiva a habitao social vai alm da habitao e da casa

    estendendo-se aos seus aspectos sociais, polticos e econmicos, abrangendo a

    problemtica habitacional como uma questo de direito cidade, e no meramente

    tcnica ou legal.

    Assim esta questo vem interessando arquitetos e urbanistas desde as

    experincias de cidades jardins (de Owen, Howard e Garnier), na Inglaterra, e que

    tinham o objetivo principal de oferecer aos trabalhadores um tipo de moradia que

    desse um mnimo de condies de higiene e conforto somado idia da associao

    cidade e campo, objetivando explicitamente a melhoria da produo industrial.

    Norberg-Schultz28

    Ainda na Europa, em meados do sculo XX, vive-se a reconstruo das

    destruies causadas por um episdio histrico mundial de grande destruio e

    repercusso nas estruturas urbanas europias, a Segunda Guerra Mundial.

    (1977) nos apresenta os primrdios da habitao social

    na Europa, revelando como esta marcada - na Frana do sculo XVIII - pela

    produo de habitao para trabalhadores, subvencionadas por alguns dos ricos e

    mais audaciosos industriais franceses naquele recentemente industrializado pas,

    como o caso da cidade social de Chaux de autoria do arquiteto Claude-Nicolas

    Ledoux, prximo Besanon (Leste da Frana)

    28 Norbert Shultz (1926-2000), Arquiteto e Urbanista noruegus, especialista na disciplina de Histria da Arquitetura.

  • 39

    Buscando responder ao recrudescimento do dficit habitacional elaborou-se na

    Frana, um sistema que Henri Lefebvre (1970) identificou como de produo em

    massa de habitaes-modelo. Inspirado em conceitos higienistas do incio do sculo

    XX este sistema buscava garantir populao mais vulnervel (trabalhadores

    tambm) um padro de qualidade de vida mnimo que lhes garantisse condies de

    sade pblica e higiene satisfatrias.

    Assistimos ento, na Frana, apario das polmicas cits (Petonnet29

    Tal encontro provocou uma resposta organizada dos rgos ali reunidos,

    fornecendo propostas e respostas para a populao que resolvia seus impasses de

    moradia atravs de sistemas informais de produo da habitao, cuja maior

    representao so as favelas- hoje denominadas no Brasil de habitaes sub-

    normais, segundo os mais recentes normativos do poder pblico, tais como o Plano

    Diretor de Natal

    ,

    1979), to negativamente relatadas ultimamente e que consistem em conjuntos

    habitacionais verticais de dez at quinze pisos de altura, podendo integrar

    comunidades compostas em alguns casos de quarenta mil famlias como o caso

    do conjunto de cits que compe o bairro do Mirail (Figura 10) em Toulouse,

    geralmente de condies sociais muito precrias, e de origens tnicas diversificadas.

    Um dos principais marcos internacionais sobre a questo da habitao social

    foi a Conferncia de Vancouver no Canad, em 1976 - quadro 1, quando foi

    elaborado um primeiro documento que determinou a implantao com urgncia de

    uma poltica mundial de interveno sobre a questo da habitao, fazendo face

    situao criada pelo aumento das desigualdades sociais e do rpido crescimento

    das cidades.

    30

    29 Colette Petonnet, etnloga das "banlieues" (periferias), pesquisadora CNRS e professora da Ecole des Hautes Etudes em Sciences Sociales. 30 Lei N 082 de 21/06/2007.

    .

    Outro ponto importante na discusso mundial sobre a questo da

    habitao foi a constituio da Agenda Habitat, assinada por 171 pases em 1996 ,

    que estabeleceu parmetros para o combate a nvel mundial das desigualdades que

    se criaram no acesso moradia. No Quadro 1 podemos visualizar os principais

    eventos que levaram a essas discusses.

  • 40

    Tanto internacionalmente quanto no Brasil tal concepo do habitat voltado s

    classes trabalhadoras tambm domina junto aos gestores pblicos, como podemos

    verificar atravs das anlises histricas de Nabil Bonduki (1998).

    Segundo ele, no Brasil as primeiras polticas habitacionais foram lanadas no

    incio do sculo XX, junto com as operaes urbansticas dos higienistas, que

    objetivavam oferecer moradia adequada para a populao de baixa renda, buscando

    restringir a ao das epidemias que invadiam o pas naquela poca, atribudas

    falta de higiene e condies de vida dessa populao. Datam tambm do inicio do

    sculo XX as vastas campanhas de informao, projetos de saneamento e de

    urbanizao, buscando eliminar os cortios, vistos como sinnimos de pauperismo e

    de insalubridade: A construo barata era uma exigncia intrnseca ao negcio, pois os nveis de renumerao dos trabalhadores no permitiam aluguis elevados. Os cortios e as casas coletivas eram, portanto, essenciais para a reproduo da fora de trabalho a baixos custos e, enquanto tal, no podiam ser reprimidos e demolidos na escala prevista pela lei e desejada pelos higienistas. Esse conflito entre a legislao e a realidade, que nunca desapareceu, decorreria do processo de explorao da fora de trabalho... (Bonduki, 1998, p.39)

    interessante constatar que este conflito entre a justificativa higienista e os

    interesses do capitalismo provocam tenses que datam de mais de um sculo mas

    continuam atuais, constituindo o cerne do discursos baseado na idia de

    Quadro 1 - Reunies e documentos internacionais sobre a Habitao social

    Evento / Documento Local Ano Habitat I - Conferncia para declarao sobre assentamentos humanos

    Vancouver - Canad 1976

    Habitat II Agenda Habitat

    Istambul Turquia 3 a 14 Junho 1996

    Habitat II Declarao de Istambul Istambul - Turquia

    3 a 14 Junho 1996

    Declarao sobre as cidades e outros assentamentos humanos

    Assemblia geral das naes unidas -Nova York

    2001

    Habitat III Vancouver - Canad 2006

    Nota: Elaborao do autor

  • 41

    modernizao das cidades e do campo e justificando os investimentos de

    urbanizao de suas reas. Enquanto outros interesses se adicionam,

    complexificando este cenrio, para Bonduki, na evoluo histrica da poltica

    habitacional brasileira torna-se tambm ...muito difcil estudar as transformaes que ocorreram na proviso de moradias nos anos 40 sem conhecer de modo um pouco mais aprofundado tanto a produo rentista nas primeiras dcadas do sculo, como o processo de expanso perifrica e as realizaes pblicas que lhes eram contemporneas. (1998, p.13)

    Dentre os diversos atores que paulatinamente integram esse quadro

    destacamos os movimentos sociais, representados aqui sucintamente por dois

    grupos: os arquitetos e os movimentos populares pela reforma urbana.

    Demonstrando a importncia da participao dos arquitetos na questo da habitao

    Figura 8 - Vila operria Gamboa (1933) - Zona Porturia do Rio de Janeiro - Brasil Arquitetos: Lcio Costa e Gregori Warchavchik

    Fonte :Disponvel em:

    Acesso em: 23 set. 2010.

  • 42

    social brasileira, principalmente no perodo de produo dos IAPs,31

    Estes dois grupos (arquitetos e movimentos populares) participaram

    ativamnte num dos movimentos sociais mais marcantes da histria da habitao

    social no pas, a saber; o Movimento pela Reforma Urbana (MRU), que se iniciou em

    1983, baseado em trs princpios bsicos, conforme apresentado no Quadro 2.

    Bonduki

    considera que Certamente a qualidade arquitetnica dos conjuntos residenciais dos IAPs estava ligada concepo que orientou esta produo, baseada na idia da habitao como servio pblico e na valorizao do espao coletivo. A contratao dos arquitetos modernos para desenvolver os projetos dos IAPs conseqncia desta concepo, posto que estes profissionais, pessoalmente ou atravs de sua entidade, o Instituto dos Arquitetos do Brasil, eram os maiores defensores de habitao como servio e da manuteno da propriedade estatal da moradia. (1998, p.318)

    31 Institutos de Aposentadorias e Penses.(1937-1964)

    Figura 9 Paineis dos modelos de IAPIS, elaborados pelo arquiteto Carlos Frederico Ferreira para o Congresso Panamericano de Arquitetos, realizado em 1940.

    Fonte : Bonduki (1998, p.178)

  • 43

    Segundo Ermnia Maricato (1987), a luta pela Reforma Urbana aparece

    num contexto de desigualdade crescente entre os ricos e os pobres nas cidades, o

    que explica que ele tenha sido incentivado por iniciativas da Igreja catlica como a

    CPT (Comisso Pastoral da Terra), muito atuante no Movimento de Luta pela

    Moradia.

    Ainda que relevante, a pesquisa histrica sobre a habitao social no

    Brasil ser traada de forma breve nesta dissertao por razes de objetividade,

    posto que nos interessa apreend-la em sua dimenso histrica mas sobretudo num

    recorte sincrnico, recuperando o conceito de habitao de interesse social (HIS), tal

    qual ela definida na contemporaneidade atravs dos parmetros do poder pblico,

    ou seja: como a habitao destinada populao de renda mensal entre 0 e 3

    salrios mnimos. Assim, discutiremos a HIS no seu sentido lato, ou seja admitindo

    as vrias interpretaes do termo, como a definio que Abiko deixa entrever: O termo Habitao de Interesse Social (HIS) define uma srie de solues de moradia voltada populao de baixa renda. O termo tem prevalecido nos estudos sobre gesto habitacional e vem sendo utilizado por vrias instituies e agncias, ao lado de outros equivalentes, como apresentado abaixo: 1) Habitao de Baixo Custo: termo utilizado para designar habitao barata sem que isto signifique necessariamente habitao para populao de baixa renda; 2) Habitao para Populao de Baixa Renda: um termo mais adequado que o anterior, tendo a mesma conotao q