os pioneiros da habitação social

47
8/17/2019 Os pioneiros da habitação social http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 1/47 I Os pioneiros da habitação social

Upload: eduardo-cabral-golfetto

Post on 06-Jul-2018

228 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 1/47

I

Os pioneirosda habitação

social

Page 2: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 2/47

FUNDAÇÃO EDITORA DA UNESP

Presidente do Conselho Curador 

Mário Sérgio Vasconcelos

Diretor-PresidenteJosé Castilho Marques Neto

Editor-Executivo

Jézio Hernani Bomfim Gutierre

Superintendente Administrativo e Financeiro

William de Souza Agostinho

 Assessores Editoriais

João Luís Ceccantini

Maria Candida Soares Del Masso

Conselho Editorial Acadêmico

Áureo Busetto

Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza

Elisabete Maniglia

Henrique Nunes de Oliveira

João Francisco Galera Monico

José Leonardo do Nascimento

Lourenço Chacon Jurado Filho

Maria de Lourdes Ortiz Gandini Baldan

Paula da Cruz Landim

Rogério Rosenfeld

Editores-Assistentes

Anderson Nobara

Jorge Pereira Filho

Leandro Rodrigues

© 2012 Editora Unesp

Fundação Editora da Unesp (FEU)

Praça da Sé, 108

01001-900 – São Paulo – SP

Tel.: (0xx11) 3242-7171

Fax: (0xx11) 3242-7172

www.editoraunesp.com.br

www.livrariaunesp.com.br

[email protected]

Editora afiliada:

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIOAdministração Regional no Estado de São Paulo

Presidente do Conselho Regional

Abram Szajman

Diretor Regional

Danilo Santos de Miranda

Conselho Editorial

Ivan Giannini

Joel Naimayer Padula

Luiz Deoclécio Massaro Galina

Sérgio José Battistelli

Edições Sesc São Paulo

Gerente Marcos Lepiscopo

Gerente adjunta Isabel M. M. Alexandre

Coordenação editorial  Clívia Ramiro, Cristianne Lameirinha

Produção editorial  Rafael Fernandes Cação

Coordenação gráfica Katia Verissimo

Coordenação de comunicação  Bruna Zarnoviec Daniel

Colaborador desta edição Marta Colabone

Edições Sesc São Paulo

Rua Cantagalo, 74 - 13º/14º andar

03319-000 São Paulo SP Brasil

Tel. 55 11 2227-6500

[email protected]

sescsp.org.br

Projeto desenvolvido pelo Grupo de PesquisaPioneiros da Habitação Social

Coordenação Nabil Bonduki

Coordenação Adjunta  Ana Paula Koury

PesquisadoresFlávia Brito do Nascimento, Maria Luiza de Freitas,

Nilce Aravecchia Botas, Sálua Kairuz Manoel Poleto

Volume 1 – Cem anos de política pública no Brasil

Concepção e Coordenação Editorial Nabil Bonduki

Pesquisa, textos e legendas Nabil Bonduki

Edição de fotografia e ensaio fotográfico  Inês Bonduki

Projeto gráfico e editoração eletrônica  Homem de Melo e Troia

 Assistentes de edição  Inês Bonduki e Juliana Tiemi

Revisão do texto Mariana Pires

Preparação do texto Pedro Biondi

Tratamento de imagens  Antônio Carlos Kehl

Desenhos André Ramos

CDD: 720.981

CDU: 72(81)(091)

CIP – Brasil. Catalogação na publicação

Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

B694pv.1Os pioneiros da habitação social no Brasil: volume 01 /Nabil Bonduki. – 1. ed. – São Paulo: Editora Unesp: Edições SescSão Paulo, 2014.

ISBN Unesp 978-85-393-0522-3  ISBN Edições Sesc São Paulo 978-85-7995-103-9

  1. Arquitetura – Brasil – História. 2. Arquitetura e história. 3.Arquitetura e Estado – Brasil. 4. Planejamento urbano – Brasil –

História. I. Bonduki, Nabil. II. Koury, Ana Paula.

14-11356

Page 3: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 3/47

Os pioneirosda habitação

social Volume

Cem anos deconstrução de política

pública no BrasilNabil Bonduki

1

Page 4: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 4/47

Esta publicação é o reflexo de mais de duas décadas de mi-nuciosa pesquisa sobre a política pública brasileira paraa habitação entre 1930 e 1964. Sob o olhar da Arquiteturae do Urbanismo e através de documentação textual e fo-tográfica, Os pioneiros da habitação social traz a trajetória eas inovações tecnológicas das implantações de conjuntoshabitacionais de várias regiões do país. É de extrema im-portância para o resgate e para o registro do patrimônio ar-quitetônico e urbanístico de tais construções, assim comoconsolida a contribuição histórica para o desenvolvimentodestas áreas no Brasil. Auxiliar na organização e dispo-

nibilização de material tão relevante é compatível com oque almejamos ao selecionar um projeto. É motivo de or-gulho saber que os resultados do trabalho agora estarãodisponíveis para estudantes, pesquisadores e qualquer in-teressado no registro deste período da ocupação urbanano século XX.

Através do Petrobras Cultural, buscamos abordar a cultu-ra brasileira em suas mais diversas manifestações, articu-lados com as políticas públicas para o setor e focados naafirmação da identidade brasileira, além de contribuir paraa permanente construção da memória cultural. Ao patroci-nar este projeto, a Petrobras reafirma o objetivo de incen-tivar o trabalho de resgate e organização do acervo mate-rial e imaterial da nossa cultura, com a intenção firme deampliar a oportunidade de acesso público a esses acervos.

Patrocínio Apoio

Page 5: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 5/47

V

Na história da arquitetura e urbanismo brasileira, a habitação socialsempre foi tratada como um objeto de segunda categoria diante dosedifícios monumentais e das residências da elite. O registro e a aná-lise da moradia dos trabalhadores nunca tiveram o destaque neces-

sário, perdendo-se a memória sobre o espaço ocupado pelos maispobres. Esta publicação procura suprir essa lacuna. Desenvolvida naUSP entre 1997 e 2013 — inicialmente na Escola de Engenharia de SãoCarlos e, após 2005, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo —, apesquisa que originou esta obra identificou, levantou e sistematizoua produção de habitação social realizada pelo poder público em todoo país na era Vargas.

Organizado em três volumes, o livro foi concebido para tratar esse

tema com a mesma qualidade que tem sido dada à “alta arquitetura”.Neste primeiro volume, analisa-se a ação dos principais órgãos pro-motores, no âmbito de um inédito estudo sobre a história da ação es-tatal na questão habitacional no Brasil, do início do século XX até osdias atuais. No segundo volume, apresenta-se o inventário de toda aprodução, com fichas descritivas por empreendimento e farta ilustra-ção. No terceiro volume, os principais empreendimentos foram anali-sados, incluindo modelos tridimensionais dos projetos originais e umensaio fotográfico realizado pelo fotógrafo Bob Wolfenson.

A publicação não se viabilizaria sem o apoio da USP, da Fapesp, daFundação para o Incremento da Pesquisa e Aperfeiçoamento Industriale de várias empresas, que pela Lei de Incentivo Fiscal patrocinaram oprojeto, selecionado em edital público promovido pela Petrobras vol-tado para a área de “Patrimônio e Documentação”. O acolhimento quea proposta obteve da Editora Unesp e das Edições Sesc São Paulo foifundamental para sua concretização.

A todos os que contribuíram com este trabalho, em especial, os pes-quisadores do nosso Grupo de Pesquisa, por onde passaram dezenasde estudantes de graduação e pós-graduação ao longo de dezesseisanos, nossa gratidão pelo esforço realizado. Não se avançará no en-frentamento do problema habitacional brasileiro, com a qualidadeque tem faltado, sem a memória e a reflexão sobre o que já se produziu.Este livro joga mais uma pedrinha no árduo caminho para garantir odireito à habitação digna para todos.

Prof. Dr. Nabil BondukiCoordenador do Grupo de Pesquisa Pioneiros da Habitação Social no Brasil

Page 6: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 6/47

VI

CEM ANOS DE CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA PÚBLICA DE HABITAÇÃO NOBRASIL: O DESAFIO DE UMA ARQUITETURA PARA A MAIORIA

40Origens dahabitação social1930-1964

62A políticahabitacionale urbana doregime militar1964-1986

1Apresentação

18A produção rentistada habitação1889-1930

Sumário

Page 7: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 7/47

VII

78Décadas perdidasou tempos de utopiae esperança?

1986-2002

126Desengavetandodocumentos parapensar o futuro

106A Política Nacional deHabitação do século XXI:em direção ao direito àmoradia digna?

2003-2010

Page 8: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 8/47

VIII

COMO OS PIONEIROS ÓRGÃOS PÚBLICOSENFRENTARAM A QUESTÃO DA HABITAÇÃO

136Os Institutos deAposentadoria ePensões: previdênciae habitação social

164Na vanguarda doprojeto habitacionalno Brasil: a concepçãode habitação do IAPI 

1936-1966

198A concepçãode habitaçãodo IAPC:uma produçãodispersa

1934-1966

222A concepçãode habitaçãodo IAPB: das casasunifamiliares aosedifícios modernosinseridos noscentros urbanos

1934-1966

244A concepção dehabitação daFundação da CasaPopular: a difusãoda casa própriaisolada e unifamiliar

Sumário

Page 9: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 9/47

IX

272Os órgãos regionais:as origens dadescentralização daação habitacional

374Referênciasbibliográficas

Créditos deimagens

Índice

onomástico

326Em busca de umasíntese: diversidade,valorização doespaço público einserção urbana

300Departamento deHabitação Popularda Prefeitura doDistrito Federal:a habitação comoum serviço público

286A Liga SocialContra o Mocambo(LSCM): produçãode moradias ouexclusão territorial

Page 10: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 10/47

X

Page 11: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 11/47

1

Este livro trata do processo de construção da política pú-blica de habitação no Brasil, com ênfase nos aspectosrelacionados com a arquitetura e o urbanismo e foco noperíodo entre 1930 e 1964, quando ocorrem, de acordo comas premissas que orientam esta investigação (Bonduki,1998), as origens da ação do Estado na questão da mora-dia econômica.

A partir de uma longa e abrangente pesquisa, que envolveugrande número de pesquisadores de iniciação científica,mestrado, doutorado e pós-doutorado, sob minha orienta-ção e coordenação, este trabalho procurou construir umabase empírica até então inexistente, capaz de dar suporte

a uma análise aprofundada sobre uma etapa fundamentalda formulação da política habitacional no país.

A publicação não se limita, entretanto, ao período que foio foco principal da pesquisa. Preliminarmente, objetiva-sesituar este período num contexto histórico mais amplo: oscem anos de ação estatal na problemática habitacional quese completaram em 2012, mostrando como se foram cons-truindo os elementos essenciais de uma política habitacio-

nal no país. Desse modo, é possível enquadrar adequada-mente a contribuição específica desse período, relacionada

com uma especial preocupação com a qualidade de projetoarquitetônico e inserção urbanística.

O trabalho defende a tese de que, na segunda década doséculo XXI, alcançaram-se as condições para que o direito à

habitação digna possa ser garantido para todos os cidadãosbrasileiros. No entanto, a questão fundiária, a qualidadedo projeto e a inserção urbana dos conjuntos habitacionaisestão distantes das preocupações dos atuais governos noenfrentamento do problema, o que dá sentido e atualidadepara este livro. Ao resgatar uma faceta pouco conhecida dahistória da arquitetura e do urbanismo do país, procura-seaqui contribuir, modestamente, para uma correção de ru-mos da atual política habitacional brasileira.

Para desenvolver essa hipótese, foi necessário construir umaperiodização da trajetória da ação do Estado na questão dahabitação, procurando identificar como ela foi tratada em cadamomento e sintetizar os avanços conquistados e as limita-ções e entraves encontrados, com ênfase nos aspectos ar-quitetônicos e urbanísticos.

Este esforço não pretende, nem de longe, esgotar uma tarefa

de maior fôlego, que consiste na elaboração de uma histó-ria das políticas públicas de habitação no país. O livro ape-

Apresentação

Page 12: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 12/47

2

nas pavimenta um pouco mais este caminho. A intenção foi

traçar um quadro referencial que possa mostrar a contri-

buição que cada um dos períodos retratados trouxe para

alcançar a situação promissora e desafiante que se atingiu

em 2011 e, em particular, situar num contexto histórico am-plo o que representou o período para a construção da polí-

tica pública em questão.

É nesse sentido que emerge o principal objetivo da pesquisa

que deu origem a este livro: levantar, sistematizar e anali-

sar a produção realizada pelos órgãos públicos e profissio-

nais que participaram da elaboração do primeiro ciclo de

empreendimentos habitacionais implantados por iniciativa

do poder público no Brasil.

A partir da análise de toda a produção habitacional realiza-

da entre 1930 e 1964, obtida a partir de um levantamento de

larga escala em todo o território nacional e de um enorme

esforço de processamento do material levantado – que ge-

rou o inventário apresentado no Volume 2 do livro –, a hipó-

tese que se procura desenvolver é que a principal contri-

buição do período para a construção de uma política públicade habitação no Brasil foi no campo de arquitetura e urba-

nismo, envolvendo uma ampla gama de propostas que eram

inovadoras naquele momento e continuam atuais para um

enfrentamento consistente do problema da moradia econô-

mica e social no país.

Questões de grande atualidade, como processos de constru-

 ção industrializada, heterogeneidade de tipologias habitacio-

nais, diversidade arquitetônica, adequada inserção urbanae valorização dos espaços públicos, foram desenvolvidas

nos empreendimentos realizados no período, com melhor ou

pior resultado, mas definindo uma agenda que hoje não só

não vem sendo implementada, como tem sido negligenciada

pelos governos que, em diferentes níveis, têm enfrentado a

questão habitacional.

O aprofundamento da pesquisainiciada em Origens da habitação

 social no BrasilA investigação que deu base empírica a este livro é a conti-

nuidade e o aprofundamento de estudo anterior que resultou

na minha tese de doutorado e no livro Origens da habitação

 social no Brasil (Bonduki, 1994; 1998a), que resgatou a produ-

ção habitacional do período de 1930 a 1964, inserida no con-

texto de modernização, intensificação da acumulação do ca-pital, transformação das condições de reprodução da força

de trabalho e intensa urbanização. Esses processos foram

decorrentes da implementação do projeto nacional-desen-

volvimentista, a partir da Revolução de 1930, pelos governos

Vargas, que atinge seu clímax com Juscelino Kubitschek e a

implantação de Brasília.

O trabalho mostrou que a forte intervenção do Estado, a partirde 1930, que gerou o deslocamento de uma economia de base

agrário-exportadora para uma de base urbano-industrial (Oli-

veira, 1971), exigiu medidas para reduzir o custo do trabalhourbano, gerando, entre outras consequências, a transforma-

ção do problema da habitação numa questão social. Iniciativas

governamentais tomadas nesse sentido definiram o perfil do

enfrentamento do problema habitacional na segunda metade

do século XX. Entre elas, podem ser destacadas a regulamen-

tação das relações entre proprietários e inquilinos, com a re-

gulação dos aluguéis, o estabelecimento de condições para

a ampliação em larga escala do padrão periférico de cresci-

mento urbano, baseado no trinômio acesso informal à terra,

autoconstrução e casa própria, e o início do financiamento e

da produção de habitação social por entidades públicas.

Entre os inúmeros aspectos tratados em Origens, o que ga-

nhou mais repercussão, sobretudo na área acadêmica de

Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo, foi a revelação

do ciclo de projetos habitacionais desenvolvidos pelos insti-

tutos de aposentadoria e pensões e outros órgãos atuantesno período.

Apresentação

Page 13: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 13/47

3

Até então praticamente desconhecidos (com exceção da con-tribuição de A. E. Reidy), pela historiografia da arquiteturabrasileira, marcada por uma trama interpretativa desvendadapor Martins (1987), os projetos surpreenderam por sua quali-

dade urbanística e arquitetônica e por introduzirem questõesfundamentais para o enfrentamento massivo do problema dahabitação, como a produção seriada e estandardização, queforam incorporadas nas propostas desenvolvidas no paíscomo uma repercussão do ideário moderno, em particulardas teses formuladas no âmbito dos Congressos Internacio-nais de Arquitetura Moderna (Ciams). O interesse sobre essafaceta da análise foi bastante expressivo entre os arquitetos e

urbanistas, potencializado pelo fato de que a qualidade da pro-dução habitacional deixou de ser um aspecto relevante no pe-ríodo seguinte, o da massiva produção financiada pelo BancoNacional da Habitação (BNH), criado em 1964, e, a bem dizer,segue assim até hoje.

Apesar da repercussão que esse aspecto ganhou, é necessá-rio ter em conta que a pesquisa que fundamentou Origens da

habitação social no Brasil não tinha como foco exclusivo nem

principal uma análise aprofundada desses conjuntos resi-denciais. O objetivo era identificar como o Estado interveiona questão habitacional no âmbito da construção de um pro-

 jeto de desenvolvimento para o país, na perspectiva de reve-lar o contexto em que o problema habitacional transformou--se em uma questão social no Brasil.

De caráter eminentemente interdisciplinar, a tese envolvia,além de uma reflexão inovadora no âmbito da História da Ar-

quitetura e do Urbanismo, análises de Economia Política, So-ciologia e História Social sobre diferentes aspectos dos pro-cessos tratados, que iam muito além da produção estatal dehabitação social. A importância que ganhou o subtema dosconjuntos residenciais e de sua relação com a arquiteturamoderna acabou por obscurecer a análise de outras ques-tões de grande importância que ainda não tinham sido in-vestigadas, como as razões que levaram à promulgação, em

1942, e manutenção por décadas da Lei de Inquilinato, objetoque, originalmente, era o objetivo principal da pesquisa.

Por essa razão, o levantamento e a análise da produção habi-tacional realizada no período não foram exaustivos naquelelivro. O estudo foi desenvolvido a partir de um número re-lativamente pequeno de empreendimentos, embora fossem

alguns dos mais significativos do ponto de vista dos projetosarquitetônicos. Ainda não era possível identificar com clare-za as diferentes políticas de projeto desenvolvidas por cadaum dos órgãos promotores, nem as especificidades das suasorganizações; as influências internacionais não estavam su-ficientemente mapeadas. Até mesmo detalhes importantesdos projetos revelados eram desconhecidos.

A investigação realizada até aquele momento era suficiente

para desenvolver as hipóteses principais daquela tese, emespecial o papel da habitação no âmbito da política de reduçãodo custo de reprodução da força de trabalho e de proteção aostrabalhadores com carteira assinada e a importância desseciclo de conjuntos residenciais para a arquitetura modernabrasileira. No entanto, era necessário um aprofundamentosubstancial da investigação para que se pudesse chegar aconclusões mais definitivas sobre o que foi a ação estatal na

questão da habitação no período que antecedeu a criação doBNH e sobre qual seria sua contribuição para o aperfeiçoa-mento da política habitacional brasileira.

Arquitetura moderna e habitaçãoeconômica no BrasilPara aprofundar o estudo desse objeto foi proposta uma nova

investigação, que deu as bases empíricas para este livro. Oobjetivo principal da pesquisa foi realizar um levantamen-to completo dos empreendimentos habitacionais realizadospor órgãos estatais no período de 1930 a 1964, analisar deta-lhadamente os mais significativos e enquadrar esse ciclo noâmbito da trajetória mais geral do enfrentamento do proble-ma habitacional no Brasil no século XX.

A primeira etapa dessa investigação foi desenvolvida entre

1997 e 2001, no antigo Departamento de Arquitetura e Urba-nismo da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC-USP),

Page 14: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 14/47

4

onde fui professor por vinte anos, como uma das pesquisasespecíficas integrantes do projeto temático “Arquitetura Mo-derna e Habitação Econômica no Brasil (1930-1964)”, que reu-niu cinco pesquisadores principais da EESC-USP e da Faculda-

de de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo(FAU-USP), sob minha coordenação e da professora Maria RuthSampaio. Esse projeto, apoiado pela Fundação de Apoio à Pes-quisa do Estado de São Paulo (Fapesp), objetivava estudar di-ferentes recortes da questão da habitação econômica no perío-do: produção pública, produção privada, áreas residenciaisdas cidades novas, legislação e instituições relacionadas coma questão urbana e habitacional e relação entre desenvolvi-mento tecnológico e produção habitacional.

Nessa etapa, com a participação de bolsistas de iniciação cien-tífica, iniciou-se o levantamento documental, bibliográfico, ar-quitetônico e fotográfico da produção realizada, assim como aidentificação dos órgãos promotores e dos principais profis-sionais envolvidos. Constataram-se as imensas dificuldadespara cumprir os objetivos da investigação, dados o desmante-lamento e a dispersão dos arquivos que poderiam guardar a

documentação dos projetos, a forte descaracterização dos em-preendimentos implantados, a ausência de registros siste-matizados, a falta de processos de aprovação da maioria dosprojetos nas prefeituras e a dificuldade de acesso a muitosconjuntos, por estarem em áreas sob domínio do crime orga-nizado. Tais problemas dificultaram e atrasaram substancial-mente o andamento do trabalho.

Outra questão foi a gradativa perda de vários profissionais que

atuaram nesses projetos, embora tenha sido possível entrevis-tar muitos deles no âmbito da pesquisa. Entre 1994 e 2006, fale-ceram Carlos Frederico Ferreira (1906-1995), Eduardo Kneesede Mello (1906-1994), Carmen Portinho (1902-2002), FlávioMarinho Rego (1925-2001), Francisco Bolonha (1923-2006),Marcos Kruter (1917-1995) e White Lírio da Silva (1914-2005),todos profissionais com presença destacada na produção habi-tacional do período. Outros, doentes, não puderam receber ospesquisadores, como o engenheiro Pedro Queima Coelho.

Ao final desta etapa, em 2001, já tinha sido alcançado um re-sultado expressivo, embora insuficiente, com a organizaçãodo acervo físico e digital de um grande número de empreen-dimentos (embora ainda restrito sobretudo aos estados de

São Paulo e Rio de Janeiro), identificação da produção de cadaórgão promotor, recuperação da trajetória dos principais pro-fissionais e análises específicas, realizadas tanto nos relató-rios da pesquisa como em trabalhos de iniciação científica,dissertações de mestrado e artigos acadêmicos. O livro Ori-

 gens da habitação social no Brasil, publicado mais de três anosapós a conclusão da tese de doutorado, já incorporou algunsresultados preliminares.

Os pioneiros da habitaçãosocial no BrasilA segunda etapa da pesquisa, com o título de Pioneiros da ha-

bitação social no Brasil, foi desenvolvida entre 2005 e 2010 naFAU-USP, com o apoio da Fapesp e através da Lei de Incentivoà Cultura. Nessa etapa, tendo já como horizonte a edição dolivro, foram realizados a complementação do levantamentode campo, o aprofundamento da análise e, sobretudo, a siste-matização e preparação do material empírico, tendo em vistasua publicação em um padrão de qualidade compatível coma intenção de garantir um tratamento digno para o tema dahabitação social.

Nessa etapa, foi possível garantir uma abrangência efetiva-mente nacional ao inventário dos conjuntos residenciais,

apresentado no Volume 2, garantindo a investigação em to-das as regiões do país. No total, foram documentados 325empreendimentos, em 81 municípios situados em 24 unida-des da federação, reunindo parcela expressiva das unidadeshabitacionais identificadas na produção pública. Com esseresultado, pode-se afirmar que o inventário, embora não in-clua todos os empreendimentos realizados no período, é am-plamente representativo do que foi realizado em todo o país.

Entre as várias atividades da etapa, foi realizado um amplolevantamento em fontes documentais, com grande dificul-

Apresentação

Page 15: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 15/47

5

dade, tendo em vista a extinção dos órgãos promotores e osucateamento dos seus arquivos. Na falta de documentaçãode muitos empreendimentos, o levantamento arquitetônico eurbanístico teve de ser feito in loco, apesar da descaracteriza-

ção dos projetos originais e das dificuldades de localização eacesso a muitos dos conjuntos residenciais.

Para garantir a melhor legibilidade possível dos projetos,todas as implantações urbanísticas, plantas das unidades eoutros elementos projetuais foram redesenhados, procuran-do uniformizar as escalas para permitir análises compara-tivas entre as soluções e propostas. Quando apresentavaminteresse no ponto de vista documental, foram incorporados

ainda desenhos e croquis originais dos autores.O mesmo cuidado foi procurado, ainda, na documentação fo-tográfica, com pesquisa à exaustão, em publicações antigas,arquivos públicos e privados e álbuns de famílias, de fotogra-fias de época capazes de revelar os conjuntos residenciais esua vida cotidiana. A tarefa, entretanto, não foi fácil. Por umlado, os arquivos de fotografias dos órgãos promotores de-sapareceram quase integralmente e, por outro, parte signi-

ficativa dos empreendimentos não foi contemplada, à época,com uma adequada documentação fotográfica. Em compen-sação, todos os empreendimentos inventariados foram foto-grafados em registros contemporâneos.

Os onze empreendimentos selecionados para a análise emprofundidade, apresentados no Volume 3, receberam trata-mento diferenciado, com a criação de modelos eletrônicos dosprojetos originais, que permitem conhecer as propostas dos

autores que nem sempre foram integralmente realizadas ouque não são mais perceptíveis em face da descaracteriza-ção dos conjuntos. Ainda assim, considerou-se importantedocumentá-los em sua situação atual, em um ensaio especialrealizado pelo fotógrafo Bob Wolfenson.

A organização do livro

O livro está organizado em três volumes, que correspondem aabordagens diferentes de apresentação do material processa-

do pela pesquisa e de análise dos seus resultados. O Volume 1é dedicado às análises mais gerais; o Volume 2, ao inventárioda produção habitacional do período de 1930 a 1964; e o Volu-me 3, à análise dos onze empreendimentos mais significativos.

O volume 1 está dividido em três partes. A primeira é dedica-da à análise sintética do processo de construção da políticapública de habitação no Brasil, estabelecendo uma periodiza-ção e uma reflexão sobre os principais marcos e referências,com os objetivos apresentados no início desta introdução. Sema preocupação de ser exaustiva, essa análise objetiva situaro período estudado em profundidade em um quadro mais ge-ral, identificando a contribuição específica da produção habi-

tacional realizada.A segunda parte é dedicada à análise dos seis órgãos promo-tores que consideramos os mais importantes do período: osInstitutos de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI),dos Comerciários (IAPC) e dos Bancários (IAPB), a Fundaçãoda Casa Popular (FCP), o Departamento de Habitação Popularda Prefeitura do Distrito Federal (DHP) e a Liga Social Contraos Mocambos (LSCM). Essa parte está focada na identificação

das diretrizes de projeto desses órgãos, na perspectiva derevelar as inovações por eles introduzidas e suas limitaçõesno quadro institucional e político do período.

A terceira parte é destinada a uma reflexão geral das princi-pais características dos projetos desenvolvidos no período,destacando os aspectos mais relevantes, como a diversidadede produção, a valorização do espaço público, a preocupaçãocom uma adequada inserção urbana e a riqueza dos espaços

de sociabilidade criados.O Volume 2 é inteiramente voltado para a apresentação doinventário da produção habitacional do período. Está organi-zado em nove capítulos, cada um destinado a um órgão ou grupode órgãos promotores, com exceção do último, que apresentaas áreas residenciais de quatro cidades novas planejadas pelopoder público. Essa divisão permite uma leitura mais organi-zada das características dos empreendimentos desenvolvi-

dos por cada órgão, evidenciando suas diferenças e permitindouma observação mais clara da trajetória institucional e das

Page 16: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 16/47

6

diretrizes de projeto habitacional desenvolvidas por essasentidades.

O Volume 3 é composto de textos de apresentação e análisede onze conjuntos residenciais selecionados para uma refle-

xão mais aprofundada. Trata-se de um esforço coletivo reali-zado pela equipe de pesquisadores envolvidos com o trabalhoque, sob minha orientação e coordenação, desenvolveramanálises que procuram identificar o processo de elaboraçãodesses projetos, os avanços que trouxeram e a sua atualidade.De autoria coletiva, os textos finais foram editados na perspec-tiva de garantir uma estrutura uniformizada e gerar uma com-preensão mais precisa da contribuição das iniciativas estuda-

das para a construção da política de habitação social no Brasil.

AgradecimentosEste livro é uma versão revisada e ampliada da minha tese delivre-docência Pioneiros da Habitação Social no Brasil, defen-dida na FAU-USP em agosto de 2011. A concepção e a coordena-ção deste projeto editorial são de minha autoria, em parceriacom a arquiteta Ana Paula Koury, coordenadora assistente.

Sem os apoios financeiros e patrocínios que recebeu, estetrabalho não teria sido possível. Os auxílios da Fapesp e, emmenor escala, do Conselho Nacional de DesenvolvimentoCientífico e Tecnológico (CNPq) foram indispensáveis para arealização da pesquisa e a participação de vários bolsistasde iniciação científica no projeto. Em 2004, a proposta de pu-blicação em livro foi selecionada para receber patrocínio, noâmbito da Lei Federal de Incentivo Fiscal, em edital público

na área de Patrimônio e Documentação, promovido pela Pe-trobras S/A, processo que deu o pontapé necessário para ti-rar o levantamento de relatórios científicos e começar a tor-nar sua divulgação uma realidade. A Fundação para o Incre-mento da Pesquisa e do Desenvolvimento Industrial (Fipai),vinculada à Escola de Engenharia de São Carlos – institui-ção proponente do projeto ao Ministério da Cultura –, deu anecessária cobertura administrativa para a correta utilização

dos recursos e os demais procedimentos legais indispensá-veis para iniciativas com essas características.

Posteriormente, outras empresas participaram do patrocí-nio: Itaú BBA, Imprensa Oficial, Votorantim, Cebrace e, es-pecialmente, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em-presa que possibilitou uma captação integral do orçamento

inicialmente previsto. Muitos amigos e colegas que acredi-taram desde o início na importância desse trabalho tiverampapel destacado para o resultado alcançado, dentre os quaisgostaria de citar: Suzana Pasternak, Marcos Barreto, Candi-do Bracher, Mário Willian Sper, Cecília Scarlat, Ana HelenaCurti, Abilio Guerra e Silvana Romano. Luis Carlos do Nas-cimento, gerente do projeto na Petrobras, e a equipe daSecretaria de Fomento e Incentivo à Cultura do Ministérioda Cultura, em especial Alexandra Costa, tiveram a compre-

ensão da dimensão e complexidade da publicação, atenden-do os vários pedidos de aditamento do prazo de execução.A Fapesp, parceira de várias etapas dessa pesquisa, apoioutambém sua publicação.

A publicação é resultado de um processo de pesquisa realiza-do nos últimos quinze anos por uma grande equipe que vem sededicando de diversas formas ao trabalho. Ana Paula Koury,Nilce Cristina Aravecchia Botas, Sálua Kairuz Manoel, Flavia

Brito do Nascimento, Elaine Pereira da Silva, Juliana CostaMota e Maria Lucia de Freitas, todas arquitetas e mestras compassagem pela graduação, mestrado e/ou doutorado no agoraInstituto de Arquitetura e Urbanismo de São Carlos – onde apesquisa foi concebida e inicialmente desenvolvida –, estive-ram por mais de uma década envolvidas nesta investigação eparticiparam do levantamento de campo e da análise de al-guns dos conjuntos residenciais estudados, apresentando em

coautoria comigo ou de maneira independente, sob minhaorientação, textos sintetizados no Volume 3 do livro.

Nilce, Sálua e Flavia, que finalizaram seus doutorados em 2011,participam dos levantamentos e estudos relacionados com otema desde a iniciação científica, tendo realizado, em suas dis-sertações ou teses, investigações específicas, respectivamente,sobre o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários,a Fundação da Casa Popular e o Departamento de Habitação

Popular da Prefeitura do Distrito Federal, trabalhos que foramreferências fundamentais para o presente estudo.

Apresentação

Page 17: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 17/47

7

Muitos outros alunos de graduação e de pós-graduação emarquitetura da EESC-USP e da FAU-USP, além de colaborado-res de outras instituições, estiveram envolvidos nos levanta-mentos de campo e sistematização do material de pesquisa:

na primeira etapa, entre 1987 e 1995, os estudantes e bolsis-tas de iniciação científica Maurício Ribeiro da Silva, MariaCláudia de Oliveira, Mayra Carvalho; na segunda etapa, entre1997 e 2001, as estudantes e bolsistas de iniciação científicaElaine Pereira da Silva, Nilce Cristina Aravecchia Botas, SáluaKairuz Manoel, Juliana Costa Mota, Paola Werneck Padovani,Silvia Siscar, Manoela C. Souza, Rafael M. Esposel, Ana PaulaCássago e Paola Moreno Bernardi e as mestrandas Alexandrade Souza Frasson e Flávia Brito do Nascimento; na terceiraetapa, entre 2005 e 2010, além das pesquisadoras principais

 já citadas, os estudantes e bolsistas de iniciação científicaAmália dos Santos, Rodrigo Minoru, Tatiana Zamoner, InêsPereira Coelho Bonduki e Juliana Tiemi.

Participou ainda dos levantamentos de campo, de maneira maisesporádica, um grande número de estudantes de graduação ede pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, de diversas ins-tituições: Alexsandro de Almeida Pereira, Ana Maria Boschi daSilva, Ana Marta Branquinho e Silva, Ana Paula Cássago, CamilaOpipari Capitanini, Carlos Frederico Lago Burnett, Carolina M.Chaves, Eduardo Henrique de Souza, Felipe de Araujo Contier,Fernanda Accioly, Fernando Domingues Caetano, FranciscoSales Trajano Filho, Fúlvio Teixeira, George Alexandre FerreiraDantas, Glaucio Henrique Chaves, Kelly Yamashita, Liah Bea-triz Aidukaits, Luciana Dornellas, Maira de Carvalho, ManoelaC. Souza, Maria Beatriz Camargo Cappelo, Maria Cláudia de

Oliveira, Maristela Siolari, Marluce Wall de Carvalho Venâncio,Mauricio Ribeiro da Silva, Paola Moreno Bernardi, Pablo Igle-sias, Patricia Lustosa, Paulo Eduardo Vasconcelos, Paulo Silva,Rafael M. Esposel, Raquel Schenkman, Renata Bogas Gradin,Renata Campello Cabral, Renato Pequeno, Ricardo Trevisan,Tatiana Salema Marques e Vivian Cotta. Ao final do Volume 2,está identificada a autoria dos relatórios dos levantamentos decampo realizados pelos pesquisadores e colaboradores, o que

permite dimensionar a contribuição de cada um para o resul-tado final da investigação.

A construção dos modelos eletrônicos no software Revit foisupervisionada por Ana Paula Koury, coordenada por LuizAugusto Contier e Miriam Castanho e executada pelos esta-giários Fábio Burgos Garcia, Felipe de Araujo Contier, Mu-

rillo Moralles e Raquel Schenkman.Os desenhos finais de apresentação foram elaborados porDouglas Uemura Olim Marote, Natália Held e Ybi Arquiteturae Urbanismo, a partir dos desenhos em CAD coordenados porAna Paula Koury e desenvolvidos por Acácia Furuya, AndréRamos, Bruna Zendron, Bruno Salvador, Celina Sayuri Fujii,Claudiano Ribeiro de Souza, Danyelle Frascareli, Débora Ca-zarini Neme, Donizetti Aparecido Beccaro, Henrique Amorim

Diamantino, Luis Filipe Magalhães Rodrigues, Rafael Andra-de e Thammy Cervi.

Colaboraram na edição do livro, com papel destacado nasvárias tarefas necessárias para organização e sistematiza-ção do acervo, montagem do inventário e seleção de imagensque integram essa publicação, os hoje arquitetos Amália dosSantos, Rodrigo Minoru, Inês Bonduki e Juliana Tiemi, que co-meçaram a participar do projeto como estudantes da FAU-USP

e se integraram no projeto como pesquisadores assistentes,com grande dedicação. A seleção e edição final das fotos queintegram os Volumes 1 e 3 foram realizadas por Inês Bonduki,com o apoio de Juliana Tiemi.

O projeto gráfico e a diagramação foram realizados por ChicoHomem de Melo e Lana Troia (Homem de Melo e Troia), quetiveram a paciência e a compreensão necessárias para en-frentar o trabalho de dimensão excepcional, em particular, na

edição do Volume 2, que exigiu nada menos que seis provas. Omesmo esforço foi exigido de Neusa Caccese de Mattos e Clau-dionor A. de Mattos (Escritta), que realizaram o penoso traba-lho de revisão final do texto. O tratamento das imagens foi re-alizado por Antônio Carlos Kehl e Silvana Panzoldo, e pelosprofissionais da Imprensa Oficial do Estado e da Editora Unesp.

O ensaio fotográfico de abertura dos capítulos do Volume 3 éde Bob Wolfenson, cuja disposição para realizar o trabalho

agradeço. As fotografias aéreas recentes são de Inês PereiraCoelho Bonduki. Grande parte das fotografias de documen-

Page 18: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 18/47

8

tação, realizadas durante os levantamentos de campo, são deminha autoria ou dos demais pesquisadores. Em São Paulo eno Rio de Janeiro, onde foi necessário complementar o levan-tamento fotográfico, participaram os fotógrafos Stepan Norair

Chahinian e Inês Pereira Coelho Bonduki. Os créditos das fo-tografias incluídas no inventário estão identificados ao final detodos os volumes.

Agradeço, ainda, aos secretários do Instituto de Arquiteturae Urbanismo de São Carlos, no qual a pesquisa foi desen-volvida até 2005, em particular Antonio João e Marta Tessa-rin, Fátima Lourenço Leal, Lucinda Torres e Marcelo Celes-tini, e às equipes da secretaria do Departamento de Projeto

e do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanosda FAU-USP. Juliana Niero, secretária da Associação Casada Cidade, onde o grupo de pesquisa se instalou a partir de2005, foi um apoio indispensável.

A interlocução intelectual que o convívio universitário em SãoCarlos e em São Paulo permitiu foi essencial para a realiza-ção deste trabalho. Em primeiro lugar, no âmbito do grupode pesquisa, onde pude, cotidianamente, compartilhar espe-

cialmente com Ana Paula e também com Nilce, Flávia e Sálua,que me estimularam a enfrentar o desafio de levar adiante umprojeto dessa dimensão.

Os colegas do projeto temático “Habitação Econômica e Arqui-tetura Moderna no Brasil”, professores Maria Ruth Sampaio,Carlos Roberto Monteiro de Andrade, Sarah Feldman, JoséLira, Maria Lúcia Gitai e Paulo César Xavier, e os companhei-ros do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos,

Ermínia Maricato, Maria Lúcia Refinetti e João Whitaker SetteFereira, foram muito importantes para garantir um diálogomais amplo sobre o objeto específico da pesquisa, o que lhedeu maior amplitude crítica.

O debate intelectual com os amigos Carlos Martins, RossellaRossetto, Raquel Rolnik, Luis Fernando Almeida e Pedro Pau-lo Martoni Branco foi sempre muito estimulante nas diferen-tes facetas da reflexão sobre a história da arquitetura mo-

derna brasileira e sobre as políticas públicas de habitação eurbanismo.

Finalmente, cabe um agradecimento especial à Universidadede São Paulo, em particular ao Instituto de Arquitetura e Urba-nismo de São Carlos e à Faculdade de Arquitetura e Urbanis-mo, e, ainda, à Universidade São Judas Tadeu, instituições que

abrigaram esta pesquisa e seus pesquisadores principais.Como se vê, este trabalho é resultado de uma grande equipee de muitas colaborações, sem as quais ele não teria sido pos-sível. No entanto, é minha toda a responsabilidade sobre fa-lhas e lacunas, inevitáveis em um trabalho desta dimensão.

Uma homenagem aos que

se dedicam à habitação socialO país vem realizando, nos últimos anos, um enorme esforçopara criar um corpo de profissionais qualificados para imple-mentar uma nova política habitacional e urbana. Em todo oBrasil, começam a surgir técnicos, de várias formações, queoptam por se dedicar à dura tarefa de atuar em habitação so-cial, campo profissional que era e ainda é muito desvalorizado.

Esse processo está apenas começando. Se for levado adianteo objetivo de garantir a todo cidadão o acesso a uma moradiadigna, como está proposto na nova Política Nacional de Habi-tação, a necessidade de profissionais será proporcional a umdéficit  acumulado de 7,9 milhões de moradias, uma demandafutura de 27 milhões de unidades até 2023 e mais de 3,3 mi-lhões de pessoas vivendo em favelas e outras formas de assen-tamentos de urbanização precária, conforme diagnosticou oPlano Nacional de Habitação.

Não se constrói uma política pública sem o reconhecimento deseus principais formuladores e executores. O esquecimentodos que atuaram com empenho e seriedade nos órgãos públi-cos e se dedicam a esse tema tem sido uma regra no país, prá-tica que só desestimula um maior envolvimento com as causaspúblicas. Resgatar e valorizar seu trabalho constitui uma etapaimportante da construção da política pública de habitação.

Ao divulgar e analisar as propostas, ideias, projetos e sonhosdos primeiros profissionais que se dedicaram ao tema da ha-

Apresentação

Page 19: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 19/47

9

bitação social, procura-se demonstrar que seu esforço nãofoi em vão. Ao trazer à tona suas utopias, mas também asdificuldades, constrangimentos, obstáculos e limitações queenfrentaram para colocar em prática as concepções que de-

fenderam, procura-se mostrar que os problemas enfrenta-dos hoje têm raízes profundas, que precisam ser conhecidase combatidas.

O esforço que realizamos para mostrar o trabalho por elesrealizados objetiva tratar com dignidade uma área de atuaçãoprofissional que tem sido desprezada no âmbito da arquitetu-ra, não merecendo o mesmo cuidado dedicado a temas demenor importância, mas de mais  glamour . Essa é a melhor

maneira de homenagear os pioneiros que lutaram para que amoradia fosse tratada como uma questão pública. A eles, e atodos os que se dedicam com convicção à habitação social noBrasil, é dedicado este livro.

Page 20: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 20/47

Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal: a habitação como um serviço público 300

Departamento de

Habitação Popular daPrefeitura do Distrito

Federal: a habitaçãocomo um serviço público

Page 21: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 21/47

301

As ideias de Gilberto Freyre sobre as construções tradicio-

nais, obviamente, chocavam-se com a visão uniformizadorae conservadora que Agamenon Magalhães procurou imporpor sua Liga Social Contra o Mocambo. Mas o sociólogo per-nambucano também não encontraria eco no outro extremodo espectro ideológico – entre os formuladores do segundoprojeto institucional que tem grande interesse no âmbitodos órgãos regionais, o Departamento de Habitação Popu-lar da Prefeitura do Distrito Federal.

A concepção de habitação desse órgão, formulada pela enge-nheira Carmen Portinho, estava longe de associar o atendi-

mento habitacional a uma estratégia anticomunista, comodefendia a Igreja, ou a uma perspectiva de segregação so-cioterritorial como promoveu a LSCM. O DHP defendia aconstrução de grandes conjuntos coletivos em bairros con-solidados, com generosas áreas públicas e equipamentossociais, propondo uma vida mais socializada e moderna. Poressa razão, o órgão considerava inadequadas as tipologiashabitacionais formuladas pela FCP e pela LSCM – baseadasem casas unifamiliares. Para os mentores do DHP, entreos quais se destacava Affonso Eduardo Reidy, o principal

arquiteto do órgão, esses tipos eram inadequados para asnecessidades contemporâneas, por razões urbanísticas eenquanto modo de morar.

Embora progressista em vários aspectos, a concepção dehabitação formulada por Portinho, baseada nos princípiosdefendidos nos Ciam, também desprezava os hábitos demorar tradicionais das populações rurais e sua culturaconstrutiva, considerada atrasada.

Ideologicamente situada no que poderia ser classificadocomo uma posição de “esquerda”, no polo oposto ao de Ma-

galhães, a engenheira compartilhava das ideias do inter-ventor sobre o papel que os conjuntos residenciais podiamexercer na reeducação dos moradores de assentamentosprecários, para difundir novos modos de habitar e intro-duzi-los na vida moderna. Só que, para ela, os princípiosa serem valorizados deveriam ser a libertação da mulherdas tarefas do lar e uma vida mais socializada, inserida emambientes criados por uma arquitetura de vanguarda, queadotasse os pressupostos urbanísticos e construtivos de-fendidos pelos Ciams.

Carmen Portinho foi uma das poucas mulheres que se des-tacaram no mundo masculino, para não dizer machista, daconstrução civil brasileira. Terceira mulher a se formar emengenharia no Brasil, Carmen foi uma pioneira militante

feminista que, no final da década de 1920, ingressou como

funcionária da Prefeitura do Distrito Federal e, logo em se-guida, tornou-se editora da Revista Municipal de Engenharia,principal publicação de engenharia e arquitetura do perío-do. Em 1948, tornou-se diretora do DHP, cargo que exerceuaté 1960. Desde meados dos anos 1950, ela acumulou suasatividades na prefeitura com a direção do Museu de Arte Mo-derna do Rio de Janeiro, polo que reuniu a vanguarda artísti-ca e cultural do país. Exerceu essa função até 1966, quandopassou a dirigir a Escola Superior de Desenho Industrial.

Durante os doze anos em que permaneceu na chefia do

DHP, Carmen reinou sem prestar contas a ninguém, po-dendo colocar em prática a concepção que julgava a maisadequada para enfrentar a questão urbana e habitacional.O arquiteto Francisco Bolonha, funcionário do DHP durantetodo o período em que ela dirigiu o órgão, explicou, em de-poimento ao autor, o poder da diretora à testa do DHP:

O Correio da Manhã é que sustentava politicamente a Car-men. Mudava o prefeito e ela continuava na prefeitura, comodiretora do Departamento de Habitação; não ligava, nãodava bola para o secretário de Obras [seu chefe imediato],

nem despachava com ele. Fazia por conta própria porque ti-nha o apoio do Correio.

Se, por um lado, essa autonomia permitiu que a engenhei-ra pudesse colocar em prática suas propostas, por outro,determinou um isolamento institucional que prejudicouuma ação mais ampla do DHP. O órgão praticamente nãomantinha relações com os outros que atuavam na área dahabitação, nem mesmo dentro da própria prefeitura, comose deduz pela afirmação de Bolonha: “Não [conheci] a Fun-dação da Casa Popular; era um órgão federal, ficava muito

distante. Tinha também a Fundação Leão XIII, que eu nãosei se era da Igreja ou da prefeitura. O Departamento deHabitação era muito isolado”.

A autonomia tornava necessário que Carmen Portinhobatalhasse praticamente sozinha para obter os enormesrecursos necessários para viabilizar os empreendimen-tos que implantou no DHP. Em vários depoimentos e en-trevistas ao autor, a engenheira relatou o verdadeiro lobbyque precisava fazer, anualmente, no Congresso Nacional eentre os prefeitos para inserir, no orçamento da Prefeitura

do Distrito Federal, os recursos necessários para dar an-damento aos projetos do órgão, o que lograva obter, sobre-tudo, porque era apoiada pelo poderoso jornal Correio daManhã, dirigido por seu irmão.

Carmen Portinho e Francisco Bolonha

apresentam uma das maquetes doConjunto Residencial Vila Isabel.

Page 22: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 22/47

Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal: a habitação como um serviço público 302

Carmen planejou uma intervenção ousada, programando aconstrução de dez conjuntos residenciais distribuídos nosdiferentes bairros do Rio de Janeiro. No entanto, nos dozeanos em que dirigiu o DHP, conseguiu planejar e iniciarapenas quatro empreendimentos, que nunca foram comple-tados: das 2.119 unidades projetadas, somente 699 foram

efetivamente construídas. Apesar desse resultado limitadodo ponto de vista quantitativo, os projetos do DHP foram ino-vadores e se destacaram no âmbito do ciclo de empreendi-mentos habitacionais dos anos 1940 e 1950, obtendo granderepercussão em nível nacional e internacional.

Elaborados pelos arquitetos Affonso Eduardo Reidy e Fran-cisco Bolonha, esses projetos concretizaram, com uma qua-lidade excepcional, a concepção da diretora, como pode servisto no Volume 3, onde os conjuntos residenciais de Pedre-gulho e de Paquetá, assim como as trajetórias profissionais

desses três profissionais, são analisados em profundidade.A efetividade da ação do DHP, em termos quantitativos ede impacto sobre as necessidades habitacionais da capital,talvez não fosse, para a engenheira, o aspecto mais impor-tante da intervenção. Militante nata, o que ela pretendiaera gerar um efeito midiático capaz de demonstrar a su-perioridade da proposta e, desta forma, conseguir influen-ciar outras iniciativas mais amplas. De certa forma, ela eReidy conseguiram isso quando defenderam, enquantoconselheiros da FCP, o projeto do Conjunto Residencial de

Deodoro, elaborado segundo orientações semelhantes àsdo órgão que dirigia e dos princípios urbanísticos do arqui-teto. O empreendimento gerou 1.362 unidades habitacio-nais, o dobro de tudo o que o DHP construiu.

Na sintética análise do DHP que se pretende fazer nestecapítulo, interessa identificar a concepção que orientou suaatuação e a contribuição que deu para a reflexão sobre aquestão da habitação no Brasil. A dissertação realizada so-bre o órgão pela pesquisadora Flávia Brito do Nascimento(2004), no âmbito da investigação que gerou este livro, des-

vendou de forma profunda suas origens, propósitos e atua-ção, constituindo uma das principais bases empíricas dareflexão aqui apresentada. Outras investigações sobre oDHP e sobre seus principais protagonistas, como Nobre (1999),

Portinho e Andrade (1999), Bonduki (2000a), Freire e Oliveira(2002) e Costa (2004), assim como a Revista Municipal de En-genharia e, sobretudo, os depoimentos e levantamentos do-

cumentais realizados pela pesquisa, foram importantes fon-tes desta investigação.

A trajetória e o papel do DHP foram ofuscados pela sua prin-cipal realização, o Conjunto Residencial Prefeito Mendes deMorais, o Pedregulho. Divulgado à exaustão em todo o mun-do, o conjunto se tornou uma das peças-chaves da arquite-tura moderna brasileira, que levou à exaltação do seu autor,o arquiteto Affonso Eduardo Reidy. Este acabou se tornando,para muitos dos críticos internacionais, uma referência fun-damental da arquitetura moderna brasileira por aliar a sua

plasticidade com uma visão social (Bonduki, 1999).Em consequência da importância de Pedregulho, o órgão queo promoveu foi quase sempre omitido, ou citado burocrati-camente, como se o empreendimento pudesse ter surgidoapenas da vontade do arquiteto e não como resultado deum esforço institucional de uma grande equipe, em umcontexto de crise habitacional e de reconhecimento da ne-cessidade de o Estado intervir nessa questão, situação quefacilitava a aceitação de novas experiências e que gerou umciclo importante de projetos habitacionais baseados nos

princípios modernos.Como foi mostrado em Bonduki (1998a), o protagonismoque a historiografia da arquitetura moderna brasileira emundial reservou para Pedregulho, que obscureceu o ciclode projetos investigado neste trabalho, também ofuscou aprópria instituição que possibilitou sua existência, como de-mostrou Nascimento (2004).

Ao recuperar a trajetória e a concepção de habitação for-mulada pelo DHP – em grande parte decorrente da visãode Carmen Portinho, mas também resultado da atuação de

seus inúmeros profissionais de primeira linha, arquitetos,engenheiros e assistentes sociais –, procura-se mostrar amultiplicidade de propostas promovidas pelo poder públicovisando ao enfrentamento da questão urbana e habitacionalnos anos 1940 e 1950, assim como explicitar as razões quegeraram seu fracasso.

Fotos de alguns dos profissionaisque atuaram no DHP.Nesta página, de cima para baixo:o arquiteto Affonso Eduardo Reidy,em frente ao MAM; o engenheiroSidney Santos; e a arquiteta LygiaFernandes. Na página ao lado,Carmen Portinho assina sua posse

como diretora do DHP, em 1946;Portinho, jovem engenheira feminista,entre os engenheiros da Prefeitura doDistrito Federal, na década de 1930.

Page 23: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 23/47

303

As origens do DHP: o Departamento de

Construções Proletárias

Ao contrário da LSCM, que nasceu do zero, a partir da cam-panha contra os mocambos promovida por um interventordo Estado Novo apoiado pela elite local, o DHP foi o des-dobramento de um longo processo institucional, cuja ori-gem foi um órgão já existente na Secretaria Geral de Viação

e Obras Públicas, a Divisão de Construções Proletárias,transformada, em 1940, em Serviço e, em 1942, em Depar-tamento, para assumir novas atribuições na segunda meta-de da década, quando Portinho assume sua direção.

A Divisão, posteriormente, o Serviço e finalmente Depar-tamento de Construções Proletárias atuou durante váriosanos, quase sem alarde (ao contrário do Serviço dos Par-ques Proletários, já descrito, que recebeu farta publicida-de), exercendo um papel importante no processo de difusãoda casa própria autoempreendida nos subúrbios do Rio de

Janeiro. Cabia ao Serviço conceder licenças e fiscalizar asconstruções de caráter popular. O novo Código de Obras doDistrito Federal (1937) definiu uma nova categoria de uso –“habitações proletárias de tipo econômico” – e estabeleceuque ela apenas poderia ser edificada nos subúrbios da ca-pital e na sua zona rural.

O objetivo desse dispositivo era consolidar a segmentaçãosocioterritorial da cidade do Rio de Janeiro, reservando a“nova” Zona Sul (Copacabana, Ipanema e Leblon) para osmais ricos, a “antiga” Zona Sul (Catete e Glória) e a Zona

Norte para o setor “médio” e a “periferia”, ou seja, o subúr-bio e a Zona Rural, para os pobres. A eletrificação da estradade ferro, a abertura da Avenida Brasil e a tentativa de con-centrar as indústrias ao longo desses eixos de mobilidaderumo ao subúrbio facilitariam esse plano.

Como pontua Nascimento (2004), “A lei determinava não sóo espaço geográfico das casas, mas também sua aparênciafísica: determinava as formas de habitar do povo do subúr-bio, com referências higienistas”. As normas estabeleciampadrões construtivos, sanitários e de implantação no lote.

Para liberar o proprietário do terreno da obrigação de con-tratar um profissional licenciado e de aprovar o projeto, oórgão passou a fornecer projetos de casas-tipo, que deviamser obedecidos.

O objetivo era ampliar a presença do Estado na ocupaçãodas áreas de expansão urbana, limitar o crescimento dasfavelas e estimular a difusão da casa própria autoconstruí-da por iniciativa do morador. Inicialmente, foram propostostrês tipos de casas, com algumas variações, todas forma-das por um núcleo sanitário básico (banheiro e cozinha),somando no total de dois a quatro cômodos. Como afirmaNascimento (2004), “era um modelo de casa almejado porboa parte das elites interventoras para os populares, compadrões burgueses de domesticidade e privacidade”. Deuma maneira geral, esses projetos-tipo não diferiam, subs-tancialmente, das casas isoladas que estavam sendo pro-postas pelos outros órgãos que atuavam no período.

A transformação do Departamento de Construções Proletá-rias em Departamento de Habitação Popular, em 1946, nãofoi uma mera mudança de nome. Ao mesmo tempo em quea prefeitura, associada à Igreja católica, cuidaria das favelaspor meio da Fundação Leão XIII, caberia ao DHP construircasas para os funcionários de salários baixos da prefeitura,que moravam em condições precárias. Isso significava quea prefeitura aceitava institucionalmente o problema, admi-tia que os trabalhadores precisavam de moradias e que aprefeitura devia construí-las.

A iniciativa se inseria em um processo mais amplo de cres-cente atuação do poder público no enfrentamento da ques-tão habitacional. Os IAPs já atuavam desde 1937 na pro-moção de conjuntos residenciais para os seus associadose o Estado de Pernambuco tinha, desde 1939, um institutovoltado para a construção de casas para os funcionáriosestaduais, o IPSEP, além da atuação da própria LSCM. Atransformação do antigo Departamento de ConstruçõesProletárias em Departamento de Habitação Popular ocor-reu em 1946, mesmo ano em que o governo Dutra criou a

Fundação da Casa Popular.

A inovação do DHP foi sua concepção de habitação social ea possibilidade de profissionais comprometidos com a ar-quitetura moderna estarem à testa de um órgão que podiaproduzir conjuntos residenciais sem as limitações institu-cionais e econômicas que vigoravam nos IAPs.

Page 24: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 24/47

Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal: a habitação como um serviço público 304

A concepção de habitação do DHP

A criação do novo departamento, em abril de 1946, veio nasequência de uma série de artigos sobre habitação socialque Carmen Portinho publicou na imprensa assim que vol-tou da Inglaterra, no final de 1945, depois de ter visitado asáreas devastadas pela guerra e conhecido os planos urba-nísticos e habitacionais de reconstrução de suas cidades. Épossível identificar nos propósitos do novo órgão uma forterelação com o discurso e as propostas que a engenheiraestava defendendo. Não cabe aqui se alongar sobre o con-teúdo dos artigos de Carmen, nem das influências interna-cionais que recebeu, exaustivamente analisadas por Nas-cimento (2004) e Nobre (1999) e aprofundadas no Volume 3deste livro, mas analisar como ela deu concretude para asideias que trouxe para o DHP.

Quando o órgão foi criado, em 1946, o engenheiro AntônioArlindo Laviola foi indicado diretor; a engenheira ficou res-ponsável por chefiar um dos seus serviços, enquanto Reidyassumiu a chefia do serviço de Planejamento, onde os proje-tos dos conjuntos residenciais deveriam ser elaborados. Em-bora, nesse momento, tenha se iniciado o planejamento daintervenção e, sobretudo, a elaboração do projeto de Pedre-gulho, cuja primeira publicação é de 1946, a ênfase continuousendo o licenciamento e a fiscalização de habitações popu-lares, pois Laviola era contra conjuntos sofisticados comoaquele, conforme declarou posteriormente (FCP, 1954b).

A construção de conjuntos residenciais somente se tornauma prioridade do DHP quando Carmen Portinho é nomea-da diretora do órgão, em 1948, tornando-se a primeira mu-lher a assumir um cargo de direção na Secretaria de Viaçãoe Obras Públicas. No mesmo dia em que o prefeito Mendes

de Morais indicou Portinho, Reidy deixou a chefia do Ser-viço de Planejamento, que foi ocupado por Bolonha, paraassumir o cargo de diretor do Departamento de Urbanismo,função que ocupou por três períodos relativamente curtosentre 1948 e 1955, ficando lotado, nos intervalos, no DHP.

Determinada e competente, a nova diretora levou a ferro efogo sua pretensão de implantar conjuntos residenciais deum padrão excepcional de qualidade arquitetônica e com umaconcepção inovadora de enfrentamento da questão habitacio-nal: “se construídos de acordo com o plano, teremos habita-

ções maravilhosas, obedecendo ao mesmo tempo às neces-sidades sociais dos seus moradores e às exigências estéticasmodernas”, afirmou Portinho em 1949 (Nascimento, 2004).

305

Page 25: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 25/47

305

Para colocar de pé essas “habitações maravilhosas” e via-bilizar o plano, Carmen Portinho se cercou de profissionaiscompetentes nas áreas de arquitetura, engenharia e assis-tência social. Além de Reidy e Bolonha, devem ser citados,entre outros, os arquitetos Hélio Modesto e Lygia Fernan-des, o engenheiro Sidney Santos, que calculou as fenome-nais estruturas de Pedregulho e Gávea, e a assistente so-cial Anna Augusta de Almeida, pioneira no trabalho socialvoltado para a habitação. Além desses profissionais “fixos”,vários outros colaboraram com o DHP de maneira pontual,geralmente de forma voluntária, como o paisagista Rober-to Burle Marx e os artistas plásticos Candido Portinari eAnísio Medeiros.

O DHP formulou um programa habitacional prevendo umempreendimento em cada distrito da cidade, unidades au-tônomas que seriam servidas por uma gama completa de

equipamentos sociais. A ideia, de grande atualidade, eraaproximar a moradia do trabalho, de modo que o traba-lhador não precisasse perder tempo nesse deslocamento.Para Reidy, deviam

existir em cada bairro habitações baratas, já que cada bairrotem os seus trabalhadores. Além de terem que morar emalgum lugar, também é preciso que se pense sempre em […]avaliar os nossos meios de transportes, como poupar-lhesum cansaço que prejudica a saúde e o trabalho.

Com base nesse pressuposto, o plano previa a edificação de

dez conjuntos residenciais, destinados “inicialmente parafuncionários públicos municipais” (Bonduki, 2000a).

Ao contrário dos outros órgãos que atuaram no Rio de Ja-neiro no período, o objetivo do DHP não se relacionava dire-tamente com a favela, mas estava implícito que, ao atenderfuncionários de baixa renda, contribuiria para evitar a for-mação de novos assentamentos ou para retirar moradoresque nelas viviam. Além disso, o departamento acabou sen-do acionado para produzir habitações em favelas ocupadaspor funcionários, como foi o caso de Paquetá, ou até mesmo

para intervir em um grande assentamento que nada tinha aver com a clientela prioritária do órgão, como o estudo de-senvolvido por Reidy para substituir a Favela da Catacumbapor um conjunto residencial.

Maquetes dos conjuntos residenciaisda Gávea, na página ao lado, e dePedregulho, acima, junto às fotos aéreasdesses empreendimentos em 2013, quepermitem identificar o quanto do projetooriginal foi implantado. Na Gávea, apenaso bloco serpenteante foi edificado,enquanto os blocos residenciais retos eos equipamentos sociais ficaram no papel.Em Pedregulho, com exceção do edifícioalto, quase todo o projeto foi construído.

Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal a habitação como um serviço público 306

Page 26: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 26/47

Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal: a habitação como um serviço público 306

A habitação como serviço público

Opondo-se aos defensores da casa própria e da moradia

unifamiliar, geralmente vinculados ao pensamento cató-lico e conservador, Carmen Portinho defendia a habitaçãocomo um serviço público e a relação entre habitação social,desenvolvimento urbano, modernização do modo de morar,educação e transformação da sociedade.

Justificava sua oposição à casa própria e a opção pela pro-priedade estatal da moradia como uma forma de controlaro edifício e o uso que dele faziam os moradores:

Fui acusada de comunista, apenas porque me opunha à ven-

da dos apartamentos. Defendia, a título de aluguel, a dedu-ção de percentual do salário do funcionário. Deste modo, a prefeitura mantinha a propriedade, o controle dos morado-res e a boa conservação dos prédios. Isso lá é comunismo?  (Cavalcanti, 1987, p.70)

A concepção da engenheira – que coincidia com a posiçãodo Instituto de Arquitetos do Brasil e com a orientação doPartido Comunista – propunha que as unidades habitacio-nais fossem alugadas aos funcionários por 10% do seu sa-lário, descontados em folha.

A engenheira concebia a habitação como um serviço for-necido pelo Estado que deveria se adequar, ao longo dotempo, ao tamanho da família e à localização do trabalho,possibilidade que a propriedade de moradia não propicia-va. Com essa intenção, nos primeiros blocos inauguradosem Pedregulho, foram previstas unidades de dois a quatrodormitórios, de modo que o serviço social pudesse deter-minar a unidade mais adequada para cada família e, casoesta crescesse ou diminuísse, pudesse determinar a trocapara outro apartamento, maior ou menor. Ou, então, se o

funcionário mudasse de repartição, poderia transferir suamorada para outro conjunto residencial do órgão – em tese,existiriam empreendimentos em todos os bairros – maispróximo do novo local de trabalho.

Isso podia não ser comunismo, como esbravejava Carmen

sempre que falava do assunto, mas estava coerente com opensamento que Engels desenvolve no seu famoso texto“A questão da habitação”, em que apresenta inúmeros ar-gumentos contra a propriedade privada da moradia, entrevários fatores, porque tiraria a liberdade do trabalhador deescolher a melhor oportunidade de emprego. A propostatambém estava próxima da que foi adotada nos países queseguiam a orientação da União Soviética, e, ainda, da so-cial-democracia europeia, que mantinha um parque habi-tacional de propriedade estatal, destinado ao aluguel para

os trabalhadores. A proposta pressupunha a criação de umenorme patrimônio imobiliário estatal, sobre o qual o poderpúblico exerceria um controle e acompanhamento perma-nentes, gerindo seu funcionamento e garantindo a manu-tenção dos conjuntos residenciais e, em paralelo, dandoacompanhamento social às famílias beneficiadas.

É fundamental destacar que a adoção do aluguel como for-ma de acesso às unidades habitacionais, em si, não foi umainovação introduzida pelo DHP. Como foi mostrado, pratica-mente todos os órgãos públicos promotores de habitação

do período, com exceção da FCP, adotaram essa alterna-tiva. A questão que merece ser destacada é que as razõesque levaram o DHP a assumir esta proposta diferem total-mente das que moviam os IAPs.

307

Page 27: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 27/47

307

Os textos de Rubens Porto, que orientaram o funcionamen-to das carteiras prediais dos institutos de previdência, sãoclaros na defesa da casa própria. Se fosse viável econo-micamente aos IAPs, na lógica da aplicação das reservasprevidenciárias, realizar o atendimento habitacional paraseus associados de baixa renda por meio da transferênciada propriedade, ela teria sido adotada.

Essas instituições optaram pelo aluguel não por uma opçãoideológica, mas, em primeiro lugar, porque viam na forma-ção de um patrimônio imobiliário um excelente lastro para

suas reservas e, em segundo, porque entendiam que o ren-dimento do trabalho assalariado não era suficiente para ga-rantir a compra da casa própria, ainda mais porque inexistiaum sistema de financiamento a longo prazo. Embora com ca-racterísticas diversas, o mesmo pode ser dito em relação àmaior parte dos empreendimentos estimulados pela LSCM,com exceção de algumas vilas modelares produzidas parasegmentos específicos, como as mulheres chefes de família.

Já a FCP defendia como princípio a transferência da proprie-dade para o morador, tanto por razões ideológicas como por

considerar inviável a gestão de um patrimônio habitacionalde grande escala. Assim, para compatibilizar o acesso à casaprópria com a baixa renda do trabalhador, teve de baixar aqualidade do produto, suprimindo elementos básicos da ha-bitação, o que levou, em muitos casos, a reduzi-la a poucomais que um alojamento em um assentamento urbano pre-cário. Pode se dizer que, apesar das diferenças significativasentre os IAPs e a FCP, esses órgãos tinham em comum umalógica capitalista e de defesa da propriedade, ou seja, esta-beleciam uma relação entre o produto a ser oferecido e acapacidade de pagamento dos moradores.

Já a concepção que Carmen Portinho levou para o DHP,ideologicamente, era outra, pois inexistia uma relação di-reta entre o custo da unidade habitacional e o pagamentoproposto, que representava um valor fixo de 10% do salá-rio. Era uma proposta que colocava em prática um princípiosocialista: cada um devia ter a habitação de acordo com assuas necessidades, pagando de acordo com as suas possi-bilidades. Talvez a engenheira nunca tenha querido assumirclaramente essa opção, diante do fato de que o país sofria,sob Dutra, quando foi indicada diretora do DHP, uma fortereação conservadora que levou ao fechamento do Partido

Comunista, em 1947, à prisão de muitos dos seus militantese à clandestinidade, que perdurou até 1986.

Em tempo: embora grande parte dos profissionais ligados àarquitetura moderna no Brasil, nos anos 1940 e 1950, tives-se alguma ligação com o Partido Comunista do Brasil, emnenhuma das suas entrevistas ao autor Carmen Portinhoadmitiu vínculo com essa organização, revelando que ad-mirava as posições políticas de Mário Pedrosa, conhecidomilitante trotskista que se contrapunha à linha stalinistaque era adotada pelo PCB.

Na página ao lado, no alto, vista dapiscina de Pedregulho, ao lado dosvestiários e na frente do ginásio,vendo-se, ao fundo, a escola e os blocosretos; no centro, a engenheira CarmenPortinho apresenta ao diretor do MAM,Aloísio de Paula, a máquina de lavarroupa, importada dos Estados Unidos,para ser usada na lavandeira coletiva dePedregulho e, abaixo, tanques comunsna lavandeira coletiva do ConjuntoResidencial da Gávea, situada nacobertura do bloco serpenteante.

 Abaixo, os cartões desenhados pelopaisagista e artista plástico RobertoBurle Marx que foram transformados nomosaico “Crianças brincando”, colocadono recreio da escola de Pedregulho.

Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal: a habitação como um serviço público 308

Page 28: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 28/47

p b ç p b ç ç p b 308

Conjuntos residenciais para

chamar a atenção do mundo

A adoção dessa lógica tornava viável, ao menos do ponto de

vista do atendimento habitacional, a construção de conjun-tos sofisticados para a população de baixa renda, como oDHP pretendia fazer. Evidentemente, a viabilização dessesprojetos dependia de um alto investimento público. Como odepartamento tinha como fonte de recursos, basicamente,o orçamento da Prefeitura do Distrito Federal, as limitaçõeseram óbvias, o que explica o baixo número de unidades pro-duzidas e a dificuldade de realizar as obras, que se arrasta-ram por muitos anos.

A sofisticação dos projetos e a complexidade da execução

explicam-se pelo desejo dos gestores do órgão em criarexemplos modelares do que deveria ser uma proposta ade-quada como lugar de morada dos trabalhadores. Carmen eReidy defendiam que os conjuntos residenciais, mesmo sedestinados para trabalhadores de baixa renda, deveriam tero mesmo padrão de acabamento que os edifícios de arqui-tetura moderna que estavam sendo projetados para a elite,para as empresas ou para o Estado. O depoimento do pri-meiro diretor do DHP, engenheiro Laviola, que era contraesta posição e que foi derrotado politicamente no momentoem que foi substituído por Carmen Portinho, mostra que

estava longe de existir consenso, dentro da própria prefei-tura, sobre a execução do projeto:

Resolveram fazer o Conjunto Residencial de Pedregulho,que é um dos conjuntos mais caros do Distrito Federal. Noinício fui muito contra [...]. Naquela ocasião, foi feito muitoesforço para que fosse construído o núcleo contra a minhavontade. Tinha lajes duplas para não aparecerem as vigas,

 paredes finas para não aparecerem ressaltos e montantesnas salas. Em todo caso, naquela ocasião, não queriam que

se fizesse a estrutura aparecer e o operár io tinha que morarem casas de paredes e tetos lisos. O conjunto começou-sea fazer e não está ainda terminado. Em todo caso, foi umarealização. Eu fui contra. (FCP, 1954b)

 Acima, um dos raros croquis originais do projeto dePedregulho, elaborado pelo arquiteto Affonso EduardoReidy, exibindo uma seção do bloco serpenteante.O desenho mostra o pavimento intermediário com o

trecho em que ele é fechado por painéis de madeirapara uso do serviço social do DHP. À direita, o pavimentointermediário, com os pilotis cilíndricos. Abaixo, vistaaérea do bloco reto de Pedregulho e, à direita, a colunade escada, destacada do corpo principal do edifício.

Na página ao lado, o bloco serpenteante de Pedregulho,em várias vistas aéreas.

309

Page 29: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 29/47

309

É necessário mostrar, ainda, que mesmo dentro da equipedo DHP havia discordâncias, que, entretanto, não apare-

ciam por causa do receio da reação da diretora, como con-fessou Bolonha alguns anos após o falecimento de CarmenPortinho: “Você imagina, Pedregulho é uma loucura. Temcabimento os painéis de Portinari numa escola de subúr-bio? Eu nunca disse isso para a Carmen, porque ela ficariabrava comigo, mas não tinha cabimento”. Para se ter umaideia da complexidade que foi a construção do conjunto,basta dizer que foram feitas 64 concorrências públicas paracontratar inúmeras empreiteiras que durante cerca de dozeanos trabalharam na obra (Costa, 2004).

A concepção que o DHP adota é da habitação coletiva, comprojetos sofisticados que incorporam os princípios da ar-quitetura e urbanismo modernos, unidades alugadas, inse-ridas no contexto urbano, próximas ao trabalho, em con- juntos de grande dimensão, capazes de garantir a escalanecessária para uma gama variada de equipamentos cole-tivos. Não se admitia, nessa visão, construir unidades demoradia isoladas de um contexto urbano; a habitação seriaum todo formado pela célula individual e serviços sociais.Na concepção de habitação do DHP, a “casa” não era ne-

cessariamente “habitação”. Habitar englobava significadosmais amplos, somente realizados plenamente com os ser-viços adjacentes ao teto propriamente dito. Habitação eraum problema social e como tal deveria ser tratada.

Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal: a habitação como um serviço público 310

Page 30: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 30/47

A habitação como

célula mater  da cidade

Com Carmen no Departamento de Habitação e Reidy noDepartamento de Urbanismo, tinha-se uma situação privi-legiada para que os conjuntos residenciais estivessem arti-culados com o desenvolvimento urbano do Rio de Janeiro.Quando Reidy propõe seu plano para a Esplanada de SantoAntônio, no vasto terreno que seria obtido pelo montante domorro, prevê ao lado do centro cívico, do museu e dos edi-fícios de escritório um enorme edifício residencial formadopor um redan corbusiano.

Para ele, a habitação social era indissociável no urbanismo,conforme escreveu para o Inquérito Nacional de Arquitetura(Brito, 1963):

Sendo a habitação um problema de urbanismo, o plano diretorda cidade é que deverá indicar os locais onde, preferencial-mente, deverão ser construídos os grupos residenciais, tendoem vista sua situação geográfica, suas condições econômi-cas, suas possibilidades em relação aos serviços públicos.

O arquiteto defende que os conjuntos tenham ao seu alcan-

ce fácil os serviços necessários à vida de todos os dias: esco-la, acessível a pé; posto de saúde; pequeno mercado;  play-ground ; campos de jogos; ginásio coberto; eventualmente apiscina; o clube social com biblioteca, sala de projeção etc.Essa seria a unidade básica de planejamento da cidade. Paraele, o problema da habitação está intimamente ligado aotransporte e o ideal seria morar perto dos locais de empre-go, para evitar perda de tempo e despesas com o transporte.

Assim como Reidy, Carmen critica, em seus artigos, os em-preendimentos de baixa densidade nos subúrbios. Ao se re-

ferir, em um dos seus artigos, às cidades-jardim visitadas naInglaterra, criticava o fato de estarem distantes do trabalho,vazias a maior parte do dia, transformando-se em cidadesdormitórios. Os moradores não tinham tempo para cuidardo jardim ou desfrutar da casa. Todas as tarefas cotidianas,como ir ao mercado, frequentar a escola ou procurar atendi-mento médico, eram difíceis, enquanto o custo para levar in-fraestrutura para um local de baixa densidade era altíssimo.

Reidy ainda admite as casas populares individuais, mas afir-ma que só são realizáveis em locais onde os terrenos são

de baixo custo, nos bairros mais afastados. Nos bairros maiscentrais e valorizados, onde ele considera necessária a cons-trução de habitações populares, a única solução possível é ahabitação coletiva, modalidade que teve prioridade no DHP.

O órgão, entretanto, continuou responsável pela elabora-ção, distribuição e fiscalização de projetos-tipo de moradiasindividuais, mas Carmen fez questão de alterar os projetos--tipo adotados. Em um decreto assinado duas semanasdepois de assumir o DHP, a diretora revogou alguns dosprojetos de casas proletárias que o órgão distribuía e, ummês depois, incluiu cinco novos modelos, procurando darmaior flexibilidade e um desenho mais próximo da arquite-tura moderna, “com volumes puros, evidenciados pela ado-ção de cobertura de maia água, brises e elementos vazados

para proteção das fachadas” (Costa, 2004). Vários arquite-tos do órgão, como Hélio Modesto, José Osvaldo HenriqueFerreira e Francisco Bolonha, assinam essas propostas,publicadas na Revista Municipal de Engenharia. “Mesmo ten-do movimentado inúmeros projetos e ocupado boa partedas atividades do DHP, as casas isoladas no lote tinham,conceitualmente, papel secundário” (Nascimento, 2004).

Carmen Portinho não valorizava a estratégia de apoiar o au-toempreendimento de moradias isoladas, pois elas estavamassociadas à casa própria, necessariamente distantes dos

locais de trabalho, e, como ficavam dispersas por um am-plo território, isso impossibilitava a realização de qualquertrabalho educativo e social. No entanto, a posição da direto-ra não era compartilhada por todos os seus subordinados.Bolonha – um arquiteto muito talentoso que começou a tra-balhar no DHP ainda estagiário, recém-formado foi indicadopara substituir Reidy na chefia do serviço de planejamentoe, após o fechamento do órgão, passou a adotar posiçõesmais conservadoras – considerava o programa muito bome adequado para enfrentar a questão da moradia popular,

como se vê no seguinte depoimento (Nascimento, 2004):

Se a pessoa tinha um terreno, [...] escolhia o projeto e o de- partamento, como era época da guerra, dava cota de setentasacos de cimento (na guerra e no pós-guerra o cimento eraracionado no Brasil). Este programa de casas existia antesda Carmen, quando ela chegou deu preferência aos conjun-tos. [...] Eu acho melhor as casas, mas a Carmen e o Reidy

 preferiam os conjuntos [...] que eu fiz porque estava estabe-lecido. [...] eu era empregado e tinha que obedecer, mas sefosse hoje eu faria residências.

Capa da Revista Municipal deEngenharia da Prefeitura do DistritoFederal com a maquete do projetode Pedregulho. A revista, editadapela engenheira Carmen Portinho,

foi o principal meio de divulgaçãodos projetos modernos entre asdécadas de 1930 e 1950 e publicoudiversos artigos sobre asrealizações do DHP. Por meio darevista, Portinho mantinha relaçõescom inúmeras publicações em todoo mundo, o que facilitou adivulgação de Pedregulho e dosdemais projetos de Reidy.

311

Page 31: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 31/47

Os equipamentos sociaisde Pedregulho. Ao lado,fachada frontal do ginásio,abobadada, com o painelde azulejos de CandidoPortinari em primeiroplano, os vestiários emsegundo plano e o blocoserpenteante ao fundo.

 Ao lado, vista aérea daescola e do ginásio e,à direita, vista da rampade acesso à escola.

 Abaixo, à esquerda, vistainterna do ginásio, comas portas basculantes aofundo; no centro, fachadado centro de saúde, comos azulejos de AnísioMedeiros e, à direita,vista de uma sala de aula.

Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal: a habitação como um serviço público 312

Page 32: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 32/47

Nestas páginas e nas seguintes,

os vários projetos de casas modelo,elaborados pelo DHP para seremdistribuídas a proprietários de lotesque fossem autopromover a construçãode suas casas próprias. Esses projetoseram previamente aprovados,dispensando os moradores daburocrática tramitação na prefeitura.

313

Page 33: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 33/47

Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal: a habitação como um serviço público 314

Page 34: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 34/47

315

Page 35: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 35/47

Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal: a habitação como um serviço público 316

Page 36: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 36/47

A habitação como um instrumentode reeducação para um novo

modo de morar

Ao concentrar as unidades habitacionais em grandes con- juntos, ficava viabilizado o caráter educativo desses em-preendimentos, ponto central da concepção de CarmenPortinho. A educação das classes populares por meio daarquitetura surgia com insistência no seu discurso: “A maisimportante tarefa [das assistentes sociais] era ensinar aos

mais pobres novos hábitos de higiene, saúde e, principal-mente, como ‘usar’ as construções modernas, com a prin-cipal função de reeducação completa do operário brasilei-ro” (Cavalcanti, 1987).

De acordo com a concepção habitacional do DHP, a cons-trução de um conjunto residencial deveria se iniciar pelosequipamentos coletivos – concebidos como extensão damoradia –, pois Carmen argumentava que, depois de inau-gurados os blocos residenciais, jamais se construiriam osespaços coletivos. A proposta não era construir “apenas”

unidades habitacionais, mas núcleos residenciais autôno-mos, autossuficientes, onde todas as atividades fora do tra-balho seriam realizadas, incluindo a reeducação dos traba-lhadores para a vida urbana moderna.

Segundo a engenheira, a proposta do DHP não resistiriasem os equipamentos coletivos e o serviço social. As ne-cessidades básicas da vida cotidiana – compras de merca-do, atendimento de saúde e educação, áreas de recreaçãoe esportes e, até mesmo, lavar as roupas fora da unidade– deveriam ser atendidas sem necessitar de caminhadas

longas ou meios de transporte. Por essa razão, os equipa-mentos coletivos foram projetados com cuidados especiais,tanto do ponto de vista da sua arquitetura como de seu pro-grama de atividades.

 Acima, vista de um renque desobrados em fileira do ConjuntoResidencial Paquetá, na Ilha dePaquetá, Baía de Guanabara, em fotodos anos 1950. Ao lado, a entrada doconjunto, com a casa do vigia em

primeiro plano e o pátio ao fundo.

317

Page 37: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 37/47

Em Pedregulho, o único projeto do órgão que foi elaboradoaté o fim de acordo com essa concepção, o novo modo demorar que Carmen Portinho propôs pôde ser colocado emprática. Na unidade de vizinhança, o complexo formado pelaescola, ginásio, piscina e vestiários oferecia um serviço pú-blico voltado para as crianças, que integrava a educaçãoao lazer, esporte e cultura, proposta de grande atualidade.No pátio de recreio da escola, mosaico de autoria de BurleMarx permite o contato dos estudantes com uma obra dearte com o tema “Crianças brincando”, colocando em práticanão só a integração entre as artes como um processo deaprendizado que se estende para além das salas de aula.

Um dos aspectos mais importantes da “reeducação” queela propunha se referia à alteração da postura das mu-lheres. Agindo de acordo com a visão militante feminista,Carmen defendia que as mulheres deveriam se libertar dasatividades domésticas para poder se integrar plenamenteao mercado de trabalho, ganhando autonomia e liberdade.Por isso, o DHP radicalizou no programa de equipamentosde Pedregulho, propondo uma lavanderia coletiva e meca-nizada, que requereu a importação de uma máquina de la-var profissional dos Estados Unidos.

Dessa forma, a unidade não precisaria ter um espaço des-tinado à área de serviço e as mulheres ficariam dispensa-das dessa tarefa cansativa e pouco gratificante. Embora ainstalação de lavanderia coletiva em um conjunto residen-cial não fosse uma iniciativa inédita – na Cidade-Jardimdos Comerciários, em Olaria, um equipamento parecido jáhavia sido instalado –, a visão que está por trás da propos-ta é bastante inovadora.

No alto, à direita, a Casa do Serviço Socialde Paquetá e, ao centro e à esquerda,atividades desenvolvidas pelas assistentessociais com as crianças. Acima, vista frontaldos sobrados, em foto de 2011.

Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal: a habitação como um serviço público 318

Page 38: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 38/47

319

Page 39: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 39/47

 Acima, vista da cobertura do bloco

serpenteante do conjunto da Gávea,em obras nos anos 1950. Ao lado,pavimento intermediário.

Na página ao lado, acima, vista aéreado bloco, em foto de 2013 e, abaixo,vista do pavimento intermediário,à esquerda, e do corredor de acessoda cobertura, à direita, onde estáinstalada a lavandeira coletiva.

Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal: a habitação como um serviço público 320

Page 40: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 40/47

A integração da lavanderia mecanizada com a cooperativade consumo em um mesmo edifício pressupunha pelo me-nos uma visita diária, fosse para deixar ou pegar roupas,fosse para abastecer a moradia de produtos básicos. A ideiaera facilitar a vida da mulher, liberando-a ao máximo dastarefas domésticas. A organização espacial do conjunto, emespecial a localização da escola, também facilitava a vidadas mães (ou dos pais, na visão feminista de Carmen), por-que as crianças poderiam fazer os deslocamentos internosno conjunto em absoluta segurança.

A resistência ao uso da lavanderia, assim como aos novoshábitos propostos, foi enorme. Isso, entretanto, era consi-derado normal pelos gestores do DHP. Demonstrava que oserviço social nos conjuntos era essencial para “reeducar”os trabalhadores para um novo modo de morar. Os conjun-tos residenciais autônomos do DHP, planejados e cons-truídos em moldes modernos, seriam ocupados por traba-lhadores que vinham de condições de moradia condenáveisdo ponto de vista higiênico e moral e, portanto, reagiriam àspropostas avançadas do órgão.

Assim, a habitação deveria funcionar como uma tutela so-bre os moradores, que os transformaria por meio da edu-cação e do trabalho social. Num depoimento para o Correioda Manhã, em 1951, a diretora explicita essa opinião, ao re-bater as críticas a Pedregulho, acusado de ser por demaisluxuoso para uma população de favelados:

Muitos nos advertiram: “Não vale a pena construir luxuosos prédios modernos, assim. Virarão favela, em breve!” Não vi-rarão favela porque ao mesmo tempo que se tira uma famí-lia de um meio péssimo é preciso educá-la. Educada, com-

 preende, muito mais depressa do que se pensa, que é maisagradável viver bem que mal! (Jean, 1951)

Preparar os moradores para a mudança e orientá-los paraa vida em novas condições era essencial, pois instalar umamassa de trabalhadores nos conjuntos e deixá-la aban-donada, sem orientação, seria um grave erro. Para tanto,devia ser instalado um centro social, com o objetivo deorientar os moradores a aproveitarem adequadamente osrecursos proporcionados, além de despertar o “espírito decomunidade” e a “união do povo”.

Nessa perspectiva, o serviço social deveria ser incorporadocomo elemento central dos empreendimentos habitacionaisdo DHP. A qualidade arquitetônica e urbanística dos conjun-tos residenciais não poderia correr o risco de degradar-serapidamente, o que ocorreria se fosse deixada à mercê douso, sem orientação.

Segundo Carmen Portinho,

a assistência social deverá fazer parte obrigatória dos pro-gramas de realização dos núcleos residenciais. O trabalha-dor precisa, antes de mais nada, ser educado para a vida

em sociedade, o que será relativamente fácil, desde que selhe ofereçam os meios de educação necessários ao lado decondições de vida condigna. (Portinho, 1946a)

Como parte do trabalho social, era necessário aprovar umregimento interno de cada conjunto, definindo as funçõese subdivisões do trabalho social. A organização estava ba-seada na divisão clássica dos trabalhos assistencialistas doperíodo: serviço social de família e serviço social de gru-po, este dividido em cultural-recreativo, médico, escolar eeconômico. As assistentes ficavam encarregadas, por re-gulamento, de “promover o bem-estar social e garantir as-sistência social sob todos os seus aspectos aos servidoresmunicipais e respectivas famílias, residentes no Conjunto”(Departamento de Habitação Popular, 1950, p.2).

Apesar de toda a teoria desenvolvida por Carmen Portinhosobre o papel do trabalho social nos conjuntos habitacio-nais e pelo competente projeto implementado pelo grupode assistentes sociais do DHP, liderado por Anna Augusta deAlmeida, de fato o serviço só foi implantado de forma com-pleta em Paquetá e, com inúmeros problemas, em Pedre-gulho, pois os demais conjuntos residenciais não foramfinalizados sob a gestão da engenheira, quando o órgãopassou a ter outra orientação.

No alto, barracos da favela instaladana parte baixa da gleba onde estavaem construção o bloco serpenteantedo Conjunto Residencial da Gávea,nos anos 1950. Acima, criançasbrincam em frente ao bloco do Gávea,em construção. Na página ao lado,vista geral do conjunto.

321

Page 41: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 41/47

Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal: a habitação como um serviço público 322

Page 42: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 42/47

Da utopia à melancolia inevitável

Os quatro conjuntos residenciais autônomos do DHP – Pe-dregulho, Paquetá, Gávea e Vila Isabel – foram projetadosentre o final dos anos 1940 e o início dos 1950. Ao longo dadécada de 1950, com exceção de Paquetá, inaugurado em1949, ficaram em um ritmo moroso de obras em decorrên-cia da falta de recursos. Em 1950, foi inaugurada a primeiraetapa de Pedregulho, situada na parte baixa do terreno, comos equipamentos coletivos e os dois blocos retos, enquantoo bloco serpenteante, peça principal do conjunto e razão doseu sucesso, permaneceu em obras durante toda a déca-da. Com farta documentação, os quatro conjuntos do DHPestão apresentados no Volume 2, sendo que Pedregulho ePaquetá foram analisados em profundidade no Volume 3.

Reidy, em 1951, ganhou o principal prêmio da Exposição In-ternacional de Arquitetura da 1ª Bienal de São Paulo peloprojeto de Pedregulho, que passou a ser divulgado, em todoo mundo, como uma das mais importantes obras da arqui-tetura moderna. Os excelentes contatos que Carmen Porti-nho tinha no exterior, em especial com críticos e revistas dearquitetura, engenharia e arte, decorrente da sua condiçãode editora da Revista Municipal de Engenharia e, posterior-mente, de diretora do Museu de Arte Moderna, permitiramuma difusão sem par dos projetos do DHP e das obras deReidy em geral, de quem ela foi, de forma apaixonada, a

principal defensora e divulgadora.

Aclamado pela crítica internacional, ele se tornou um ar-quiteto de grande destaque no âmbito da profissão e Pe-dregulho se consolidou como uma referência mundial, umademonstração da concepção de habitação que a diretorapretendia colocar em prática para difundir suas ideias e,ainda, de que a arquitetura moderna brasileira podia com-patibilizar riqueza plástica e objetivos sociais.

 Acima, a primeira maquete do conjuntoVila Isabel, um redan com sete seções.Na página ao lado, no alto, a maquetecom três seções e, abaixo, com umaúnica, alternativa que foi finalmenteconstruída, como se vê nas demaisfotos à direita.

O arquiteto Francisco Bolonha, em1999, quando, em depoimento aoautor, expos as limitações do DHP ecriticou a maneira como CarmenPortinho conduziu o órgão. Para ele,“o final do DHP foi melancólico”.

323

Page 43: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 43/47

Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal: a habitação como um serviço público 324

Page 44: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 44/47

Isso era eletrizante e gerava muito glamour, mas o restan-te era decepcionante: as obras do bloco serpenteante dePedregulho nunca acabavam. A implantação do bloco ser-penteante da Gávea se arrastava, sem horizonte para serfinalizada, ao passo que os demais blocos e edifícios dosequipamentos sociais nem sequer foram detalhados. O pro- jeto de Vila Isabel, um redan corbusiano, sem perspectivade ser implantado na sua forma original por falta de recur-sos, a cada nova maquete perdia uma seção, até se trans-formar em um edifício lâmina. As assistentes sociais seretiraram de Pedregulho, em protesto pelo desvirtuamentodo centro de saúde, promovido pela prefeitura. O alto custoe a complexidade desses empreendimentos inviabilizavam

sua conclusão e o início de novos projetos, dentro da con-cepção original de implantar um conjunto residencial emcada distrito da cidade.

Paquetá era o único conjunto que funcionava razoavelmen-te de acordo com o planejado, com um ativo trabalho so-cial. Era um projeto arquitetônico primoroso, mas estavamuito distante da concepção grandiosa que a engenheiraconcebeu para o DHP: não passava de um pequeno correrde 27 casas, em fileira, sem equipamentos coletivos, comexceção das áreas de lazer e esporte e do centro social.

Ademais, sua segunda etapa, um interessante projeto emforma de arco, com unidades em fileira sobre pilotis, nemsequer foi detalhado.

A partir de 1952, Carmen e Reidy começam a se envolverde maneira cada vez mais profunda com o projeto e a obrado Museu de Arte Moderna, que se tornou o centro de aglu-tinação e agitação cultural do Rio de Janeiro, em que ocu-pavam um papel de destaque. Para o arquiteto, projetá-lofoi uma oportunidade de dar continuidade ao sucesso quehavia começado com Pedregulho.

Nesse contexto, é possível entender por que a experiênciado DHP começou a se esvaziar e a perder o interesse, in-clusive para seus protagonistas, em meados da década de1950. Com a força política do Correio da Manhã, Carmen semantinha na direção do departamento porque lhe era con-veniente e porque entendia que sua permanência era fun-damental para que os projetos iniciados – sobretudo Pedre-gulho – pudessem ser concluídos minimamente de acordocom a concepção original. Reidy, como funcionário públicomunicipal, tinha no DHP um porto seguro no qual podia fi-

car lotado, quando tinha de se afastar da direção do Depar-tamento de Urbanismo, geralmente por desentendimentocom os prefeitos.

Enquanto o DHP funcionava por inércia, em 1956, a prefeituracriou um novo órgão, o Serviço Especial de Remoção de Fa-

velas e Habitações Anti-Higiênicas (Serfha), sem que ele es-tivesse minimamente articulado com o DHP, que continuavaisolado, sem possibilidade de avançar na formulação de umaestratégia efetiva para enfrentar o cada vez mais dramáticoproblema da habitação e das favelas do Rio de Janeiro.

É certo que o DHP continuava a manter um dinâmico setorde concessão de plantas padrão e licenciamento de cons-truções proletárias nos subúrbios. De acordo com levan-tamento de Nascimento (2004), o setor chegou a atendercerca de um terço das construções licenciadas do Rio de

Janeiro entre 1946 e 1960, concedendo plantas padrão econtribuindo para reduzir a informalidade nos loteamentospopulares. Mas o serviço não tinha interesse para a diretora,o que é lamentável, pois se tratava de um trabalho pioneirode assistência técnica à moradia popular que, se desenvol-vido com criatividade, teria um grande potencial. Assim,vivendo da extraordinária fama e do grande marketing dePedregulho, nada mais podia se esperar do DHP no que serefere à implementação da concepção habitacional que foiformulada por Carmen quando ela retornou da Inglaterraem 1945 e, menos ainda, do equacionamento do dramático

problema da habitação popular no Rio de Janeiro.

Essa trajetória, embora muito marcada pela especificidadeda história pessoal e profissional dos seus gestores, não émuito diferente da dos demais órgãos que atuaram no pe-ríodo, com exceção do IAPB. Depois de terem sido impul-sionados nos anos 1940, quando se viveu um momento decriatividade e de procura por alternativas em diferentes as-pectos da questão habitacional, com destaque para o IAPI,perderam a força na década de 1950 porque seus esforçosse defrontaram com os limites que as condições políticase institucionais impunham e pela incapacidade de enten-der as características do processo de urbanização do Brasilnesse período de grande migração campo-cidade.

325

Page 45: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 45/47

A utopia de Carmen Portinho e de Affonso Eduardo Reidyestava tão distante do que era possível se esperar do poderpúblico brasileiro nos anos 1950, que não surpreende o es-

vaziamento e o isolamento que sofreram. Por inércia e pelaforça política e determinação de Carmen, o DHP e sua utopiasobreviveram por doze anos, mas seu fim era apenas umaquestão de tempo. E ele chegou antes ainda do golpe mili-tar de 1964.

Com a mudança da capital para Brasília, a Prefeitura doDistrito Federal é transformada em Estado da Guanabarae Carlos Lacerda é eleito governador. Líder da oposição aosgovernos herdeiros do getulismo, entre 1945 e 1964, Lacer-da inicia uma profunda transformação nos programas ha-bitacionais no Rio de Janeiro. Em dezembro de 1960, Car-men Portinho é exonerada da diretoria do Departamento deHabitação Popular e, logo em seguida, ela e Reidy se apo-sentam. Os demais funcionários envolvidos com a propos-ta da engenheira, como Lygia Fernandes, Anna Augusta deAlmeida e Francisco Bolonha, deixam o órgão e são lotadosem outras secretarias do estado.

O DHP passa a ser dirigido por Stelio de Alencar Roxo, quehavia sido diretor do Serviço de Vilas e Parques Proletá-rios. Em 1962, o DHP é definitivamente extinto, no âmbitode uma profunda reestruturação institucional que gerou

a criação da Cohab-GB, dando início a uma nova e trágicaexperiência de programas habitacionais no Rio de Janeiro,que redundou na remoção de inúmeras favelas da Zona Sul

e o alojamento de seus moradores em conjuntos habitacio-nais situados nos subúrbios distantes.

O fim do DHP foi, para o arquiteto Francisco Bolonha, “mui-to melancólico” (Nascimento, 2004). É compreensível, masnão parece que a experiência tivesse muito mais para ofe-recer no contexto em que o órgão estava inserido. A pers-pectiva de tratar a questão da habitação, cada vez maiscomo um problema financeiro e de construção de unidadesdesvinculadas de uma proposta urbana, chocava-se comuma concepção que pensava a moradia como um direitosocial – cinquenta anos antes de esse direito ter sido inclu-ído na Constituição – e habitação como elemento central dodesenvolvimento urbano.

Apesar dos seus equívocos e do seu isolamento, graças àteimosia e empenho de Carmen Portinho em realizar em-preendimentos de grande complexidade, o DHP deixouheranças, tanto do ponto de vista conceitual como de ex-periências concretas, que até hoje são fundamentais paraa reflexão sobre uma política habitacional na qual o direitoà cidade, a qualidade da arquitetura e a adequada inserçãourbana possam ocupar um lugar de destaque.

Na página ao lado, cenas do sucesso nosanos 1950. No alto, Reidy e Portinho,com amigos nas fundações do Museu deArte Moderna (MAM); no centro, Reidy

apresenta a maquete do edifício do MAMao presidente Juscelino Kubistchek;abaixo, Reidy com Maria Roberto, naabertura da exposição sobre arquiteturabrasileira em Nova York, onde expôsseus projetos habitacionais.

Nesta página, acima, com o blocoserpenteante de Pedregulhorecém-inaugurado, no início dos anos1960, moradores sofrem com falta de

água. No alto, vista aérea do conjunto em2013, com a favela em primeiro plano.

389

Page 46: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 46/47

390

Page 47: Os pioneiros da habitação social

8/17/2019 Os pioneiros da habitação social

http://slidepdf.com/reader/full/os-pioneiros-da-habitacao-social 47/47