“integração regional, livre comércio e direitos...
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Projeto “Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho no contexto da Conferencia Interamericana de Ministros de Trabalho da Organização dos
Estados Americanos (CIMT-OEA)”
“Integração Regional, Livre Comércio e Direitos
Trabalhistas”
Pesquisadora: Maria Silvia Portela de Castro
Revisor das questões jurídicas: Bruno de Araújo Leite
Dezembro de 2004
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Agradecemos imensamente a colaboração de Lais Abramo, Patrícia Audi,
Pedro Américo Oliveira, técnicos e técnicas da OIT–Brasil que leram e
comentaram a versão preliminar deste informe e forneceram dados e
textos de análises fundamentais para o trabalho.
Agradecemos também a Leonardo Neves da OIT-Lima e Maria Luz Vega,
da OIT de Genebra que também nos ajudaram com seus comentários e
sugestões.
E agradecemos ao Dr. Ericson Crivelli que nos forneceu interessantes e
úteis comentários sobre o funcionamento da Comissão Sociolaboral do
Mercosul.
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Apresentação
O informe “Integração Regional, Livre Comércio e Direitos Trabalhistas” insere-se no projeto
“Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho no contexto da Conferência Interamericana
de Ministros de Trabalho da Organização dos Estados Americanos, (CIMT-OEA)”, patrocinado
pelo USDOL e pretende fornecer elementos para uma melhor compreensão da relação entre
integração econômica e dimensão laboral.
A pesquisa abarca o grau de aplicação dos princípios e direitos fundamentais no trabalho no
Brasil, tendo como pano de fundo a inter-relação entre livre comércio e promoção de direitos
fundamentais e os efeitos dos compromissos trabalhistas assumidos no marco dos acordos de
integração regional relativos ao cumprimento dos princípios e direitos fundamentais no
trabalho da OIT.
Uma importante preocupação do projeto da OIT é refletir sobre até que ponto os acordos de
integração e os de livre comércio podem servir como condutores do desenvolvimento da
dimensão trabalhista e contribuir para a correta aplicação das normas fundamentais do
trabalho reconhecidas internacionalmente. A avaliação dessa questão poderia comportar uma
análise teórica sobre as distintas hipóteses e recomendações que têm sido ventiladas sobre o
papel que podem cumprir os acordos comerciais em seus distintos formatos. Neste sentido o
documento da Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização, patrocinada pela
OIT, é sem dúvida o mais completo e mais avançado. Mas preferimos tratar do tema
analisando diretamente o desenvolvimento das negociações do Mercosul e suas implicações
sobre os temas trabalhistas.
A implementação do livre comércio, sem a adoção de políticas complementares que permitam
processos de reconversão produtiva e profissional e sem programas voltados à cobertura das
deficiências sociais, dificilmente permitirá uma maior inclusão social no interior das nações
envolvidas. Mesmo havendo a adoção formal de documentos de proteção trabalhista, como é
o caso de Mercosul, se o processo de integração não contemplar políticas voltadas para o
desenvolvimento produtivo, será muito difícil manter e elevar o grau de proteção social e
trabalhista existentes. Esses aspectos serão tratados na I parte do trabalho.
Tendo como pano de fundo o estado atual das negociações do Mercosul, analisamos o
tratamento dos temas relativos aos direitos trabalhistas desde o início do bloco, em 1991 até
à Declaração dos Ministros do Trabalho, de abril de 2004, propondo o desenvolvimento de
uma Estratégia de Emprego no Mercosul. Nesse percurso descrevemos a estrutura e agenda
do SGT de Relações Trabalhistas, Emprego e Seguridade Social em suas diversas etapas,
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destacando os avanços da Declaração Sociolaboral e da Comissão Sócio Laboral e a criação
do Observatório do Mercado de Trabalho do Mercosul. Concluímos com os comentários sobre
as propostas postas sobre a mesa pelos organismos estatais e pelas organizações sindicais e
com algumas sugestões de como se poderia dar maior efetividade aos instrumentos já
existentes.
Por fim abordamos a Declaração Sociolaboral, sua inter-relação com a declaração de Direitos
fundamentais da OIT, como tem sido utilizada no Mercosul e as lacunas e problemas ainda
existentes para que tenha uma cobertura mais efetiva.
Na II parte tratamos da aplicação no Brasil das normas fundamentais reunidas na Declaração
e Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho da OIT. A partir de várias fontes - relatórios
e informes dos órgãos de controle interno da OIT; informes e relatórios governamentais, do
Ministério do Trabalho e Emprego e do Ministério Público; artigos e pesquisas sobre a
erradicação do trabalho infantil, de eliminação do trabalho forçoso e a questão da igualdade
de gênero e raça; etc - procuramos traçar um quadro o mais próximo possível da realidade,
reconhecendo porém que essa averiguação exigiria uma pesquisa de campo, muito mais
detalhada, o que seria inviável no escopo desta pesquisa, tendo em vista a enorme extensão
do Brasil.
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I Parte
O Mercosul como instrumento de ampliação e promoção dos direitos fundamentais do trabalho.
Analisar os efeitos diretos – positivos ou negativos – das negociações do Mercosul sobre a
promoção dos direitos socio-laborais é uma tarefa nem sempre fácil, já que a construção desse
bloco regional tem convivido com um processo de abertura unilateral a terceiros mercados e a
adoção de medidas nacionais de ajuste fiscal e monetário, que têm tido efeitos diretos sobre
o emprego e as condições de trabalho. Isto quer dizer que uma análise do Mercosul requer
uma abordagem inicial sobre os novos parâmetros estabelecidos pela globalização de
mercados e capitais financeiros, que interferem diretamente no formato, dimensões e
gerenciamento dos processos de integração regional e por extensão na regulação e
funcionamento de seus mercados de trabalho.
Pode-se dizer que as características fundamentais da globalização são a liberalização do
comércio internacional e dos investimentos externos. Essas mudanças foram viabilizadas pela
combinação da redução e/ou eliminação das barreiras políticas nacionais às transações
econômicas internacionais e o desenvolvimento crescente das novas tecnologias,
especialmente nos campos da informação e das comunicações, que reduzem o custo da
circulação de informações e facilitam as transações econômicas internacionais, bem como a
livre circulação de bens e serviços.
A globalização levou a um aumento da competição nos mercados globais, aspecto que passou
a interferir nas decisões dos Estados nacionais. A busca de maior competitividade leva à
adoção de estratégias de produção e comércio que resultam em maior concentração de
capital e à utilização de tecnologias de produção poupadoras de mão de obra. Se no modelo
desenvolvimentista a meta das empresas de capital internacional era lograr que suas filiais se
expandissem no interior dos mercados nacionais protegidos, agora, neste novo cenário, a
estratégia das grandes empresas transnacionais é expandir-se no mercado global através do
livre comércio e para isso redirecionam seus investimentos e invertem e modificam sua
estrutura espacial, gerando estruturas globais de produção e oferta.
A combinação entre a concentração das corporações na economia global e os intensos
processos de privatização, realizado pelos países em desenvolvimento nas décadas de 80 e
90, transferiu um imenso patrimônio produtivo das mãos dos Estados nacionais para o
controle das grandes corporações, intensificou o processo de fusões e incorporações, em
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todas as áreas econômicas, motivado pelo novo padrão competitivo que pressupõe saltos
tecnológicos e busca de mercados cada vez mais globais. O resultado é que o volume de
fusões e aquisições operado no mundo evoluiu de 150 para 720 bilhões de dólares entre
1990 e 1999.
Essas mudanças se refletiram diretamente sobre os atores do cenário econômico mundial,
atingindo tanto os países centrais, quanto os países da periferia do capitalismo mundial, com
importantes decorrências sociais, políticas e culturais. A busca de maior competitividade leva
as empresas transnacionais a encadear o trabalho de diferentes tipos e diferentes regiões nas
cadeias produtivas globais, gerando um mercado de trabalho global. Um mercado que não
incorpora a regulação das normas protetivas das relações de trabalho porque a liberalização
global não inclui a livre circulação de pessoas.
Esse processo, ao largo de uma década e meia, ampliou as diferenças econômicas, produtivas
e sociais entre os países em desenvolvimento e mais pobres e os países centrais que
passaram a concentrar ainda mais os investimentos e o controle da produção tecnológica. Em
sua grande maioria, a propriedade das patentes está sob controle dos países do norte e, a
difusão e utilização das novas tecnologias processam-se através das empresas multinacionais
nos mercados globais, fator que reforça a margem de manobra das empresas nas
negociações com os governos dos países em desenvolvimento. O controle da difusão de
novas tecnologias tem impacto direto na vantagem comparativa, competitividade das
empresas, demanda de mão de obra, organização dos processos de trabalho e nas relações
de emprego1.
Neste contexto de crescente abertura econômica e maior influência das forças de mercado
globais, o comércio e os investimentos externos diretos se interligam cada vez mais e se
desenvolvem através do rápido crescimento das trocas intra-empresariais (responsáveis por
mais de 70% do comércio global), incidindo na formação de blocos regionais, através da
concentração dos empreendimentos e a ampliação das vendas nos mercados integrados.
Foi nesse contexto que, em 1991, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai decidiram criar o
Mercado Comum do Sul-Mercosul, estabelecendo como meta a liberalização comercial entre si
e a construção de um bloco comercial que possibilitasse aos países envolvidos,
1 DUPAS, Gilberto – “A lógica da economia global e a exclusão social”, mimeog., Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo - Área de Assuntos Internacionais, São Paulo, setembro de 1998. Ao analisar relação entre globalização e geração de empregos, o autor considera que “As modificações ocorridas no seio das cadeias produtivas globais alteram de modo decisivo a forma como os países e os agentes econômicos relacionam-se entre si, apropriam-se da riqueza, alteram o mapa mundial, a demanda por trabalho e a força relativa dos diversos grupos de trabalhadores. A ampla fragmentação do processo produtivo, a progressiva fragilização das fronteiras nacionais e a flexibilização dos transportes geraram uma profunda alteração dos padrões de produção, dos sistemas de gestão e da forma de utilização da mão-de-obra.”
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principalmente os dois maiores, abrir suas economias ao comércio internacional em melhores
condições, aumentar a capacidade de escala e transformar-se num novo pólo de atração de
investimentos externos. Através do Tratado de Assunção os 4 países acordaram a criação de
uma União Aduaneira em quatro anos, baseada num processo de desgravação tarifária
multisetorial e automático e no estabelecimento de uma tarifa externa comum. Este processo
se desenvolveu de forma concomitante a uma abertura comercial generalizada, não
negociada e unilateral, promovida por esses países no início dos anos 90, e a adoção de um
conjunto de medidas macroeconômicas de corte liberal, visando alcançar a estabilidade
financeira e monetária. Com a adoção de planos de ajuste fiscal e cambial pelos dois maiores
sócios, a região se tornou mais aberta, mais dependente do mercado financeiro internacional
e mais vulnerável aos vai e vem do fluxo de capitais.
1. As consequências de um processo de integração globalizado.
Na primeira metade da década de 90 a liberalização das tarifas comerciais intra-bloco
produziu um forte crescimento do comércio intra Mercosul (que cresceu 7 vezes nesse
período) e provocou também uma nova onda de reestruturação nas grandes empresas da
região, que redesenharam seu mapa produtivo visando o aumento de escala de produção e o
estabelecimento de uma rede de comércio para melhorar sua inserção no plano regional e
global
O volume de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) mais que quadruplicou, motivado em
grande parte pela privatização de importantes ativos estatais e pela possibilidade de atuação
em um mercado integrado, o que significou a compra de ativos estatais, fusão ou aquisição
de empresas locais e a ampliação de ativos já instalados. Analisando-se a distribuição dos
IEDs na Argentina e principalmente no Brasil, nota-se que cerca de 80% dirigiu-se à compra
de ativos públicos e ou empresas já instaladas, 15% teve como destino a ampliação de
empreendimentos já instalados e apenas 5% resultou em novos empreendimentos.
Nesta lógica, a especialização e a cooperação produtiva e comercial no Mercosul foram
determinadas pelas relações inter-empresariais – fusões, compras, representações
comerciais, franquias – e sua forma de inserção nas cadeias produtivas mundiais. Entre 1990
e 1998 o comércio intra-Mercosul saltou de US$ 4 para US$ 20 bilhões, sendo que 60%
desse volume veio da troca intra-cadeias industriais.
Vale dizer que o Mercosul, apesar de desenhado como um instrumento que deveria promover
de forma protegida a inserção da região na economia internacional, ao ser negociado num
cenário de “integração globalizada” e sob uma orientação política desreguladora – o Plano de
Convertibilidade na Argentina, em 1991 e o Plano Real no Brasil em 1994 – não pode evitar
sua crescente vulnerabilidade financeira e dependência dos capitais externos e sofreu
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intensamente os impactos da crise financeira internacional do final dos anos 90. A
supervalorização cambial provocou um importante déficit de sua balança comercial com os
EUA e a UE, principalmente na área de bens industriais. Em 1997 as importações de fora da
região registravam um crescimento de 146% e a exportações de apenas 61%.
O impulso do comércio intra-bloco, verificado na fase de transição, até 1994, continuou por
mais quatro anos, período em que deveriam ter sido promovidos a consolidação da Tarifa
Externa Comum, a harmonização das políticas macroeconômicas e produtivas e o
aprofundamento da institucionalidade do Mercosul. Nada disso ocorreu e, quando os dois
maiores países se viram atingidos, pelas crises financeiras do México, Ásia e Rússia, sua
defesa foi dispor das exceções permitidas pelo processo de convergência tarifária para tentar
controlar seus preços internos, debilitando mais o processo convergente da União Aduaneira.
Junte-se a esse cenário as negociações externas do Mercosul, a partir de 1995 – na ALCA,
com a CAN e com a UE – que passaram a condicionar sua agenda negociadora dos temas
relativos ao livre comércio de bens agrícolas, industriais e de serviços.
Essas escolhas debilitaram o processo de integração e quando, em 1999, os níveis de
comércio começaram a cair, os conflitos setoriais localizados se amplificaram, atingindo
esferas mais amplas. Em 2001, enquanto o Brasil recuperava alguns níveis de estabilidade, o
intercâmbio comercial retrocedeu a volumes de 10 anos antes e a crise econômica e social se
aprofundou nos demais países – culminando com a queda do Presidente de La Rua na
Argentina. Em 2002, o processo negociador se estagnou, explicitando a fragilidade do
Mercosul e suas dificuldades para se consolidar como bloco.
Os indicadores sociais e de emprego, ao longo desse período descrito, foram descendentes,
refletindo a abertura comercial e a internacionalização dos mercados nacionais. Ainda que
seja difícil distinguir os impactos diretos da liberalização comercial sobre a ocupação, devido
à concomitância com outras medidas de efeito negativo mais direto (como a privatização e a
desregulação econômica), existe um certo consenso que houve um aumento do desemprego
e da precarização do trabalho e um aumento na produtividade. A questão é quanto dos
efeitos sobre o mercado de trabalho foi conseqüência da liberalização comercial e quanto do
aumento direto da produtividade.
Segundo um estudo, de 2001, do IPEA sobre os efeitos observados a partir de 1990 sobre o
mercado de trabalho brasileiro, houve “um aumento na taxa de desemprego metropolitana
de 5% em 1992 para 8% em 1998”; houve uma inversão na tendência de “formalização do
mercado de trabalho” observada entre os anos 70 e início dos 90, “o número de empregados
sem carteira e empregos por conta própria, começou a aumentar mais rapidamente que o
numero de empregos com carteira”; ocorreu uma diferenciação na distribuição dos
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rendimentos do trabalho, beneficiando de um modo geral os trabalhadores com ensino
superior completo, ao contrário dos trabalhadores sem ensino formal; registrou-se uma
convergência nos salários dos diferentes setores industriais e inexistência de uma mudança
significativa nos diferentes salários por região e um aumento na produtividade da indústria2.
Lembram os autores do estudo que nesse período, ademais da liberalização comercial, a
economia brasileira sofreu grandes mudanças provocadas pela nova Constituição de 1988,
(principalmente no capítulo da previdência) e pela adoção de três planos de estabilização
econômica – os planos Collor I e II e o plano Real, que resultaram num processo de
flexibilização do mercado de trabalho (banco de horas, lay-off, etc.).
Maia (2001) mostra os efeitos diretos do livre comércio sobre a ocupação: “A penetração das
importações para consumo destruiu, relativamente, mais postos de trabalho no setor de
automóveis, caminhões, ônibus, outros veículos e peças; de indústrias diversas; e de
calçados. Os setores que se destacaram pela redução do emprego devido à penetração das
importações de bens intermediários foram: de farmácia e perfumaria; têxtil; de borracha;
refino de petróleo; e de material elétrico e equipamentos eletrônicos, o que sugere baixa
competitividade em relação ao mercado mundial. O setor de extração de petróleo e gás, o
único setor que gerou emprego – principalmente qualificado – mostrou-se o mais
competitivo. Já a importação de bens de capital destruiu postos de trabalho, principalmente
nos setores de máquinas e tratores, e indústrias diversas, o que indicou baixa
competitividade de seus produtos. A penetração das importações mostra, claramente, que o
processo de liberalização incentivou o consumo, principalmente o de bens intermediários.
Isso reflete que tais setores precisariam de um período maior para se adaptar ao novo
panorama econômico e reestruturarem seus processos produtivos a fim de ganharem espaço
no mercado mundial.3
Para a autora, ainda que o aumento de produtividade tenha sido responsável pela maioria
dos empregos perdidos, não se pode desvincular esse efeito da abertura comercial em
relação ao aumento do fluxo de investimentos, o aumento da composição do capital fixo e o
aumento da concorrência com os produtos importados.
“O que chamou a atenção, no entanto, foi o grau com que a mudança tecnológica, em
decorrência da produtividade do trabalho, afetou o emprego qualificado. As evidências
indicam que o processo de liberalização comercial teve um papel preponderante neste caso,
2 Soares, Sergei ; Servo, Luciana M. Santos e Arbache , Jorge Saba - O Que (não) Sabemos sobre a Relação entre Abertura Comercial e Mercado de Trabalho no Brasil , IPEA, Rio de Janeiro, 2001. (Texto para Discussão, 843 ). 3 Maia, Kátia - O Impacto do Comércio Internacional, da Mudança Tecnológica e da Demanda Final na Estrutura de Emprego, por Nível de Qualificação, no Brasil, 1985 – 1995, Anais do XXIX Encontro Nacional de Economia, ANPEC - Associação Nacional do Centros de Pós-graduação em Economia 2001.
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incentivando o mercado de trabalho a demandar relativamente mais mão-de-obra qualificada,
em conseqüência da maior exposição da economia nacional no mercado internacional,
concomitante ao aprofundamento do processo de reestruturação produtiva que normalmente
acompanha a abertura. Se associarmos a mudança tecnológica à produtividade total dos
fatores, também constataremos crescimento significativo da produtividade ao longo do
período examinado que abrange o processo de abertura. Portanto, o principal causador dos
ganhos de produtividade foi a liberalização comercial. A partir de então, aumentaram
substancialmente os requisitos de mão-de-obra qualificada das exportações brasileiras. Por
outro lado, a liberalização não alterou a proporção dos fatores usada nas importações. Estes
resultados, portanto, contrariam os preceitos teóricos. Todavia, constatamos que o padrão de
vantagem comparativa do país não foi alterado, ou seja, o Brasil manteve-se intensivo em
mão-de-obra menos qualificada após a liberalização comercial, no período analisado.” 4
Essas observações decorrentes da abertura comercial da economia brasileira podem, sem
qualquer duvida, ser estendidas à Argentina, país que sofreu um processo semelhante e com
maior dramaticidade, devido ao período mais prolongado de adoção do cambio
sobrevalorizado. Para o Uruguai são encontrados dados semelhantes aos brasileiros: “O setor
manufatureiro uruguaio, em resposta à redução de barreiras ao comércio, empreendeu uma
atualização tecnológica beneficiando tecnologias mais capital intensivas. O uso de tais
tecnologias trouxe um aumento progressivo e sistemático na produtividade média do
trabalho. (...) Ainda que abertura da economia tenha implicado tanto na criação quanto na
destruição de empregos, no geral houve uma alta taxa de destruição [de empregos] . Essas
taxas líquidas de destruição são explicadas principalmente pela diminuição e extinção de
firmas.” 5
O concreto é que ao longo dos 10 anos posteriores à assinatura do Protocolo de Ouro Preto
(1994), que deu início ao Mercosul, houve um expressivo crescimento do desemprego e do
emprego de baixa qualidade ou sem cobertura social nos quatro países, resultando no
aprofundamento da desigualdade social no Brasil e no Paraguai e uma abrupta queda nos
standards sociais da Argentina e Uruguai.
A questão social só passou a ter um lugar mais destacado nas declarações presidenciais a
partir de 2001, quando a crise social evoluiu para uma crise política na Argentina que
paralisou o Mercosul. Essa ênfase, no entanto, não saiu da esfera da retórica e no máximo
gerou declarações presidenciais como a que foi aprovada em fevereiro de 2002, pela
4 idem. 5 Casacuberta, Carlos ;Fachola, Gabriela e Gandelman, Néstor - The Impact of Trade Liberalization on Employment, Capital, and Productivity Dynamics: Evidence from the Uruguayan Manufacturing Sector, Inter-American Development Bank 2004 , Research Network Working Paper #R-479.
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erradicação do Trabalho Infantil (o documento apenas reforçava o compromisso estabelecido
pela Declaração Sociolaboral adotada em 1998). A mesma retórica pode ser encontrada nas
atas do Conselho do Mercado Comum e do Grupo do Mercado Comum desse período, mas
não há registro de medidas concretas para atenuar esses problemas, salvo o registro e/ou a
aprovação de encaminhamentos do Subgrupo de Trabalho sobre Relações Trabalhistas,
Emprego e Seguridade Social - SGT 10 e da Comissão Sociolaboral.
Essas constatações podem soar contraditórias, se recordarmos que sempre houve um espaço
específico para o tratamento dos temas trabalhistas e do emprego e que, em 1998, foi
aprovada a Declaração Sociolaboral e criada a Comissão Sociolaboral. Mas não o são, pois se
as decisões econômicas e comerciais não se direcionarem a promover o emprego de
qualidade e o progresso social, os espaços de tratamento do tema trabalhista e social
tornam-se pouco efetivos.
2. As mudanças políticas ainda não se traduziram em melhoria dos padrões trabalhistas e sociais.
Em 2003, com a posse dos novos governantes, o projeto de recuperação do Mercosul passou
a ocupar um lugar importante nas agendas governamentais - principalmente como base de
sua estratégia de relacionamento externo - colocando a necessidade de uma maior
participação dos Estados na formulação de políticas regionais e consolidação do bloco. Novas
metas foram traçadas e dentre as prioridades estabelecidas, os temas sociais passaram a ter
um lugar mais relevante nas declarações e discursos presidenciais. Há avanços nesse campo
e trataremos dos mesmos a seguir, mas não se pode dizer que o quadro anteriormente
descrito tenha se alterado, ou seja, que os projetos e propostas relativos aos temas sociais
tenham ultrapassado o estágio da retórica.
O primeiro sinal de mudança política (afora os discursos das campanhas eleitorais) veio com
as declarações bilaterais firmadas pelos Presidentes Lula e Kirchner, anunciando uma série de
medidas e iniciativas como por exemplo a criação de um Instituto Social (inicialmente
bilateral). Na sequência, ambos presidentes, assinaram, em Buenos Aires (em outubro de
2003 6), um importante documento, denominado o “Consenso de Buenos Aires”. Num claro
contraponto ao Consenso de Washington, o documento assumiu um tom bastante crítico
sobre a globalização “Manifestamos a nossa convicção de que, em um contexto mundial
6 O documento foi aprovado em 16 de outubro de 2003, durante uma visita do Presidente Lula à Argentina, ocasião em que foram assinados os seguintes instrumentos bilaterais: a) Consenso de Buenos Aires; b) Declaração sobre a Água e a Pobreza; c) Acordo sobre Simplificação de Legalizações de Documentos Públicos; d) Acordo de Cooperação entre as Autoridades de Defesa da Concorrência na Aplicação das Leis de Concorrência ; e) Acordo por Troca de Notas que Modifica o Acordo de Facilitação de Atividades Empresariais; f) Memorando de Entendimento para a criação da Comissão de Monitoramento do Comércio entre Brasil e Argentina; g) Memorando de Entendimento
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caracterizado pela aceleração de um processo de globalização que tem ampliado o horizonte
das possibilidades humanas, mas que, paralelamente, tem gerado inéditas modalidades de
concentração econômica, nossas nações devem definir seu futuro no âmbito de uma agenda
que responda às necessidades, possibilidades e desafios que singularizam nossos países no
início de século XXI”. Assim como considerou a integração regional como uma opção
estratégica para a inserção da região na economia globalizada “....Uma maior autonomia de
decisão nos permitirá enfrentar de maneira mais eficaz os movimentos desestabilizadores do
capital financeiro especulativo, bem como os interesses contrapostos dos blocos mais
desenvolvidos, amplificando nossa voz nos diversos foros e organismos multilaterais”.
Quanto ao tema do trabalho, reconheceram a necessidade de se implementar uma política
produtiva no Mercosul e manifestaram a “convicção de que o trabalho decente, da maneira
como é concebido pela OIT, constitui o instrumento mais efetivo de promoção das condições
de vida de nossos povos e de sua participação nos frutos do progresso material e humano”.
Aparentemente a concretização dessas metas viria com a aprovação, na reunião de
Presidentes de dezembro de 2003, do Plano de Trabalho 2004-2006, que se diferenciou
marcadamente dos planos anteriores 7, ao incluir em seus objetivos o tratamento dos temas
sociais, produtivos e de direitos da cidadania. Outra diferença importante foi o fato do
documento ter incorporado (pela primeira vez na história do Mercosul) sugestões da
sociedade, através de proposta apresentada pelo Foro Consultivo Econômico e Social do
Mercosul.
O Plano de Trabalho estabeleceu como metas a criação do mercado comum até 2006; a
implantação de um Parlamento Comum; a ampliação da dimensão social e cidadã do bloco; a
materialização de todos os requisitos para a união aduaneira e uma nova agenda de
integração para os campos de produção e desenvolvimento tecnológico. Na política
macroeconômica o Plano de Trabalho não projetou mudanças do rumo anterior e no plano da
integração produtiva as tarefas e instrumentos propostos foram muito tímidos. Isto nos faz
supor que mesmo sendo implementado – o que não vem ocorrendo - não haveria mudanças
na política econômica a curto e médio prazo, o que dificultará a consolidação da dimensão
social do Mercosul.
para o estabelecimento de um mecanismo de intercâmbio de informação sobre a circulação e o tráfico ilícito de armas de fogo, munições, explosivos e outros materiais correlatos. 7 O Cronograma de Las Leñas de 1992; o Programa Mercosul 2000 de 1996 e a agenda de Relançamento de 2000.
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3. Os instrumentos e mecanismos existentes para uma maior incorporação da dimensão laboral.
Desde o princípio de sua construção, as questões relativas aos direitos trabalhistas e ao
emprego integram a agenda de negociações do Mercosul. Para Jose Robles, advogado
trabalhista e Professor de Direito do Trabalho da Universidade de Buenos Aires, o Mercosul
tem duas características muito importantes: sua experiência de integração vem sendo
impulsionada a partir das soberanias nacionais e estabeleceu um 'modelo social'
completamente original.8
No Tratado de Assunção havia apenas uma breve menção à questão social no primeiro
“considerando” de sua introdução “que a ampliação das atuais dimensões de seus mercados
nacionais, através da integração constitui condição fundamental para acelerar seus processos
de desenvolvimento econômico com justiça social;” e não se previa o estabelecimento de
um espaço para o tratamento do tema trabalhista. A proposta de criação do Subgrupo de
Relações Trabalhistas (primeiro como o 11o. subgrupo e depois de 1994 como 10o. SGT) foi
aprovada na reunião de Ministros do Trabalho realizada em dezembro de 1991, na Ciudad del
Este (Paraguai), atendendo a uma demanda das organizações sindicais. Para o Prof. Robles,
foi a partir da “notável agilidade demonstrada pelo sindicalismo de nossos países para
responder ao desafio que colocava a criação do Mercosul” que a dimensão social foi incluída
no processo adotando “características profundamente originais.” 9
Passados 12 anos esse espaço se ampliou e se fortaleceu com a adoção da Declaração
Sociolaboral-DSL e a criação da Comissão Sociolaboral-CSL (único organismo institucional de
composição tripartite – status não previsto nem no Tratado de Assunção e nem no Protocolo
de Ouro Preto); a criação do Observatório do Mercado de Trabalho-OMT, a instalação das
Reuniões Especializadas de Cooperativas e da Agricultura Familiar; as experiências
resultantes da articulação das Inspeções de Trabalho para operativos conjuntos, a aprovação
do Acordo Multilateral de Seguridade Social (1998), a Declaração Presidencial pela
Erradicação do Trabalho Infantil (2001), etc.
Sem dúvida é o bloco que mais instâncias dispõe para o tratamento dos temas sociais e
trabalhistas e é o segundo em matéria de adoção de documentos de proteção trabalhista.
Porque então o quadro social não tem melhorado? Porque então nos países do Mercosul é
8 BARZAN, Juan - Los desafíos para Lula en el campo del desarrollo regional, Argenpress.info, 09/01/2003 9 idem. “En este proceso hay que destacar el significado que tiene la Coordinadora de Centrales Sindicales del Cono Sur (CCSCS), y dentro de ella el papel protagónico desempeñado por la CGT argentina, la CUT brasileña, y el PIT-CNT uruguayo. Creada en los 80´ para responder a las amenazas que emergían en contra de la democracia en la región, reaparece en los 90´ para hacer frente al desafío del MERCOSUR, con una vitalidad que pone en evidencia que el movimiento obrero organizado es el núcleo duro de la sociedad civil y que ninguna política de bienestar social puede sostenerse en el tiempo sin contar con el movimiento sindical.”
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alto o grau de descumprimento das normas trabalhistas fundamentais (existência
comprovada de trabalho infantil e forçoso, enfraquecimento das negociações coletivas e dos
sindicatos, etc), o desemprego permanece em alta (uma taxa média de desemprego de 15%)
e cerca de dois terços dos ocupados não tem contrato de trabalho formalizado?
Responder essa questão foi a motivação de toda a análise anterior, onde fica claro que os
acordos de integração têm que se pautar por parâmetros políticos diferentes dos que foram
estabelecidos pelo modelo de globalização liberal para que os ganhos do crescimento do
comércio resultem em geração de empregos e melhor distribuição de renda.
Com isto não se quer diminuir, ou desprezar, os instrumentos existentes no Mercosul para
aplicação e promoção dos direitos laborais fundamentais internacionais. Pelo contrário, se
reconhece que estes podem e devem propor medidas protetivas e mudanças nas políticas
econômicas, comerciais e produtivas, para que estas ofereçam melhor acesso ao consumo
aos cidadãos e, principalmente, ampliem as oportunidades de trabalho e melhorem os
salários. Mas, para isso, estes instrumentos têm que ser realmente valorizados pelos
governos associados e melhor aproveitados pelos atores sociais.
O patrimônio já existente e, acontecimentos como a realização da Conferência Regional de
Emprego, ampliam essas possibilidades e serão o alvo desse capítulo, após uma breve
retrospectiva do SGT de Relações Trabalhistas, resgatando inclusive o posicionamento das
representações empresariais e sindicais nos diferentes períodos.
O SGT 11 – 1992 a 1994
Em abril de 1992, sob a coordenação dos Ministérios do Trabalho e participação de
representações sindicais e empresariais, foi instalado o Subgrupo de Relações Trabalhistas,
Emprego e Seguridade Social do Mercosul que tomou a sigla de SGT 11. Inicialmente foi
aprovada uma agenda de trabalho a ser desenvolvida por oito comissões temáticas: 1.
Direitos Trabalhistas Individuais; 2. Direitos Trabalhistas Coletivos; 3. Formação Profissional;
4. Emprego; 5. Saúde e Segurança no Trabalho; 6. Seguridade Social; 7. Questões Setoriais;
8. Normas e Princípios (que ficou encarregada de redigir um projeto de Carta de Direitos
Sociais). Desde então o SGT tem funcionado com a mesma agenda temática, tendo apenas
se alterado nominalmente a sua estrutura.
De acordo com o Cronograma de Las Leñas, nessa primeira fase, o SGT11 deveria realizar
um estudo técnico comparado e elaborar as propostas de harmonização das legislações e
superação das assimetrias existentes para garantir igualdade de trato a todos os cidadãos e
cidadãs do Mercosul.
15
Todas as Comissões realizaram os estudos comparados e algumas puderam apresentar
produtos concretos, tais como: um Nomenclador composto por 13 institutos relativos aos
direitos individuais; a harmonização de um conjunto de conceitos básicos relativos ao
emprego e o mercado de trabalho (como a PEA, trabalhadores ocupados, desemprego,
subemprego, setor informal, precariedade e emprego não registrado e migrações) tendo
como referência a matriz desenvolvida pela OIT e a construção de uma lista de 35
Convenções da OIT já ratificadas pelos 4 países e que poderiam ser aprovadas pelo bloco (a
maioria delas foi incorporada à DSL)10 .
Havia metas importantes para a construção de uma dimensão social no Mercosul, que apesar
de agendadas não foram concluídas nessa fase. Uma delas foi o Reconhecimento de
Equivalências Profissionais, a cargo da Comissão de Formação Profissional, que contaria com
o apoio do Cinterfor/OIT para a construção de um sistema de certificação. Não houve tempo
para concretizar o projeto antes de Ouro Preto e o tema não foi retomado posteriormente. Da
mesma forma, o produto mais importante, que seria a elaboração de uma Carta de Direitos
Fundamentais, não foi concluído. Em ambos os casos houve um entendimento dos
representantes governamentais, apoiado pelas representações empresariais, de que a
inexistência da livre circulação de mão obra tornava desnecessária a conclusão das tarefas
naquele período.
A Comissão de Seguridade Social construiu o Acordo Multilateral de Seguridade Social, que
permitiria a integração de tempo para requerimento de aposentadorias daqueles que
tivessem trabalhado em mais de um país do Mercosul. Apesar de terminado, o Acordo não
chegou a ser aprovado em Ouro Preto e só foi concluído dois anos depois.
Em todo esse período a Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul – CCSCS11 teve uma
atuação muito dinâmica e apresentou propostas e sugestões em todas as comissões, tendo
sido a Carta de Direitos Fundamentais o principal projeto apresentado (1994). Ressalte-se
que apenas as organizações sindicais apresentaram um projeto de Carta. A representação
sindical propôs que em todos os temas em discussão houvesse um corte de gênero12.
Os sindicatos, sempre tiveram um propósito muito claro: articular sua pauta em defesa da
cobertura de direitos laborais, com a participação e propostas em outras áreas temáticas do
10 Lista de Convênios consensuados pelo SGT 11: 1; 11; 13; 14; 19; 22; 26; 29; 30; 77; 78; 79; 81; 90; 95; 97; 98; 100; 105; 107; 111; 115; 119; 124; 135; 136; 139; 144; 151; 154; 155; 159; 162; 167 11 Coordenação independente e autônoma entre as principais centrais sindicais dos países do Mercosul e Chile (CGT e CTA na Argentina; CUT, CGT e FS no Brasil; CUT no Paraguay; PIT- CNT no Uruguay; CUT no Chile), criada em 1986 sob os auspícios da ORIT/CIOSL Atualmente sua Secretaria Geral está a cargo da CUT Brasil e sua Secretaria Técnica está sediada no Uruguay e a cargo do PIT/CNT. 12 A moção foi aprovada, mas não foi colocada em prática.
16
Mercosul (como por exemplo, o acompanhamento e participação das negociações nos
subgrupos de indústria, agricultura, transportes e energia). E sempre alertaram que se as
decisões nos âmbitos da produção e do comércio continuassem produzindo impactos
negativos sobre o emprego e os salários, não se concretizaria o projeto de desenvolvimento e
consolidação da dimensão social e trabalhista do Mercosul.
A atuação empresarial também foi constante e direcionada a detectar as implicações que o
tratamento dos temas laborais poderia ter sobre as relações comerciais. Por exemplo, a
ênfase que as representações empresariais deram à comparação dos custos dos encargos
laborais, objetivava uma avaliação do grau de assimetrias e incidência nos custos de
produção, para que as mesmas não fossem usadas como barreiras não tarifarias. Outro tema
de interesse empresarial era conhecer as ofertas de recursos de treinamento e educação
profissional na hipótese das empresas desejarem transferir pessoal de um país a outro ou
saberem com o que poderiam contar caso decidissem se deslocar geograficamente13.
Segunda fase – SGT 10- 1995 – 2002
Durante o ano de 1995, não houve reunião do SGT de Relações Trabalhistas, enquadrado
pelo Protocolo de Ouro Preto como o de no 10. Somente em maio de 1996 os trabalhos
foram retomados numa reunião em Buenos Aires, que foi marcada por uma forte polêmica
sobre a agenda de trabalho do próximo período. Os coordenadores governamentais se
reuniram separadamente e apresentaram às representações empresariais e sindicais uma
agenda bastante reduzida, que não incluía, por exemplo, o tema do Emprego, considerado
como um tema nacional e não regional e nem a Carta de Direitos Fundamentais. O tema da
Formação Profissional foi reduzido à promoção de intercâmbios e convênios e a Saúde e
Segurança ao levantamento de materiais nocivos para a saúde que não poderiam ou
requereriam cuidados no seu transporte. Com relação à estrutura do SGT 10 os governos
propunham a extinção de todas as comissões e o tratamento dos temas em plenário.
A proposta governamental contou com o apoio empresarial e total oposição dos sindicatos,
que também apresentaram uma proposta de agenda e de funcionamento do SGT 10. As
Centrais Sindicais propuseram que o SGT funcionasse “como um espaço de recebimento e
análise das denúncias encaminhadas pelo setor privado dos quatro países; estabelecesse um
mecanismo de consulta às representações empresariais e sindicais sobre o esclarecimento e
solução para as denúncias” 14 e providenciasse os demais encaminhamentos necessários ao
13 CASTRO, Maria Silvia Portella “Considerações sobre mercado de trabalho e ação sindical no Mercosul” in Impactos do processo de Integração sobre Argentina, Brasil, México e Venezuela, Editora Paz e Terra (em impressão), São Paulo, 1996. 14 Documento Sindical apresentado na reunião de maio de 1996- anexo à ata do SGT 10, maio 1996, Buenos Aires.
17
nível da coordenação e cooperação entre os países membros nas questões relativas às
relações de trabalho. Propunham a continuidade do estudo dos convênios da OIT e sua
ratificação pelos países membros e a criação da Comissão de Direitos Trabalhistas, que
deveria atualizar o Nomenclador e elaborar um Protocolo Sociolaboral contendo um conjunto
de institutos fundamentais que deveriam ser respeitados nos quatro países. Propunham ainda
que o Protocolo garantisse as negociações coletivas bi, tri ou quadri-nacionais (por setor e/ou
empresa), o direito de constituição de Comitês de trabalhadores de empresas bi, tri ou
quadri-nacionais e o fornecimento de informações pelas empresas aos sindicatos em caso de
mudanças do processo de trabalho, decorrente da integração comercial e/ou produtiva.
Outra instância proposta pelas Centrais Sindicais era a Comissão de Emprego e Formação
Profissional que deveria: criar um Observatório sobre Mercado de Trabalho para a realização
de diagnóstico dos impactos sobre o emprego e qualificação profissional nos setores de
maior intensidade comercial; debater e aprovar instrumentos de proteção aos
desempregados e de promoção da requalificação profissional e criar um sistema para a
equivalência profissional.
Depois de um período de debates, os governos aceitaram incorporar alguns dos temas
propostos pelas centrais sindicais e a nova agenda de trabalho foi aprovada no mês de
novembro de 1996, em reunião realizada em Brasília15. É importante relembrar que 1995/96
foi o período de auge dos planos de ajuste e as medidas de flexibilização trabalhista estavam
sendo adotadas nos dois maiores países. No âmbito regional a questão do trabalho havia
passado à condição de terceira categoria e seu tratamento era considerado contraditório com
o discurso do livre comércio. Frente a isso, o que explica a manutenção do SGT 10 e a
aceitação de algumas das demandas sindicais? Sem dúvida os impactos de sua extinção no
plano externo. O tratamento dos temas trabalhistas já era parte do processo e a extinção do
SGT 10 produziria um custo político indesejado, principalmente frente a União Européia,
assim como sua permanência poderia ser um bom anteparo a propostas como cláusula social,
que poderiam surgir nas duas mesas externas de negociação do bloco (com a UE e na ALCA).
Foram criadas três Comissões Temáticas: a de n. 1 – que tratava dos Direitos Trabalhistas e
elaboraria a Declaração Sociolaboral- DSL; a de n. 2 – que trataria de Emprego e Formação
Profissional e criaria o Observatório do Mercado de Trabalho no Mercosul - OMT, assim como
tratariam do Sistema de Equivalências Ocupacionais e do tema das Migrações; e a de n. 3
que trataria de Saúde e Segurança no Trabalho, intercâmbio entre os sistemas de Inspeção
do trabalho dos 4 países e a conclusão do Acordo Multilateral de Seguridade Social.
15 Foi preciso que as Centrais Sindicais ameaçassem retirar-se do SGT 10 para que a agenda fosse ampliada e fossem incluídos alguns dos temas que os sindicatos apontavam como urgentes.
18
Em 1998 registraram-se os avanços mais importantes no campo trabalho, com a criação do
Observatório do Mercado de Trabalho – OMT e a aprovação da Declaração Sociolaboral,
instrumentos que fortaleceram a dimensão social do Mercosul.
O OMT foi definido como um organismo técnico do SGT 10, com uma estrutura simples de
funcionamento: um Conselho Gestor de composição tripartite e uma Secretaria Técnica
Executiva, integrada por 4 técnicos indicados pelos Ministérios do Trabalho sendo que,
rotativamente, um deles assumiria as funções de coordenação. Dentre seus objetivos gerais
estão o acompanhamento dos mercados de trabalho nacionais e eventuais setores
selecionados, para conhecimento e difusão de informações sobre emprego, migrações
trabalhistas, formação profissional, seguridade social, normas regulatórias do mercado de
trabalho e as políticas e programas públicos sobre essas temáticas. Também se aprovou que
este teria a função de coletar, sistematizar e difundir as informações; relacionar-se com
instituições que realizam investigações e pesquisas sobre essas questões - podendo
estabelecer convênios de cooperação; realizar análises das repercussões das decisões
políticas, projetos e programas de ação governamentais ou privados sobre o emprego e a
inclusão do corte de gênero em todos os estudos a serem realizados. Em 1999 foi criada uma
página web do Observatório e, nos dois anos seguintes, foram feitas publicações como dados
estatísticos e análises sobre o comportamento do mercado de trabalho nos quatro países.
Na visão sindical, compartilhada pelos funcionários dos Ministérios do Trabalho, o OMT
deveria ser mais que uma fonte de acompanhamento estatístico do mercado de trabalho e
detectar impactos sobre o emprego que pudessem resultar do comércio regional e
estabelecer-se como um espaço de negociação e de busca de soluções para esses problemas.
Além disso, deveria priorizar o debate de medidas que pudessem ajudar a desenhar uma
futura política de emprego no Mercosul.
A Declaração Sociolaboral – DSL (objeto de análise da última seção desta I Parte) tem uma
importância intrínseca à sua natureza e ao fato de ter criado um organismo de seguimento,
tripartite, a Comissão Sociolaboral - CSL, relacionado diretamente com o Grupo do Mercado
Comum - GMC, ou seja com acesso direto aos órgãos decisórios do Mercosul. Para J.Robles, a
articulação entre DSL e CSL faz do Mercosul “um modelo social original” e único, pois
consolida o conceito de que os direitos trabalhistas devem ser construídos e sustentados pela
participação dos trabalhadores e estabelecidos através do consenso tripartite. Um modelo
democrático que fornece à sociedade ferramentas de acesso aos âmbitos supranacionais,
pensados originalmente como exclusivos dos Estados.
Além disso, a CSL supre em parte a falta de eficácia da Declaração, ao Recomendar ao GMC e
outros órgãos a superação de problemas detectados no exame das memórias nacionais e/ou
apresentados pelas organizações sociais e econômicas. Outro aspecto inovador do documento
19
é seu caráter promocional, pois pode elevar propostas ao GMC visando a obtenção de
melhores práticas pelos Estados Parte, o que não necessariamente ocorreria com um
instrumento sociolaboral de caráter sancionatório, mas diretamente relacionado às disputas
comerciais, como é o caso da cláusula social.
Novamente deve-se ressaltar o papel dos sindicatos para a aprovação desses dois
instrumentos. Na primeira fase as centrais sindicais haviam proposto a criação de um Fundo
de Financiamento e Apoio à Reconversão Produtiva e Profissional como um instrumento que
ajudaria a concretizar uma política de emprego regional e, no campo dos direitos trabalhistas,
haviam proposto a adoção de uma Carta Social. Mas diante das dificuldades em introduzir
esses temas na agenda principal e a franca oposição das representações empresariais e
governamentais, o sindicalismo demonstrou grande dose de pragmatismo e reformulou suas
propostas para garantir avanços nesses campos. Nessa mudança deve ter pesado também o
enfraquecimento da ação sindical nos quatro países e a flexibilização da legislação trabalhista
que vinha ocorrendo no Brasil e principalmente na Argentina, aspectos que fragilizavam a
idéia anterior de promover a harmonização laboral a partir dos níveis nacionais mais altos.
As perspectivas que se abriram a partir de 2003
As mudanças políticas nos governos e a revalorização dos Ministérios do Trabalho na
Argentina e no Brasil permitiram que as negociações dos temas trabalhistas e sociais
passassem a desfrutar de maior espaço na agenda dos organismos decisórios do Mercosul.
Mas isto não significa que nos dois anos de mudanças políticas do Mercosul se haja avançado
de forma concreta e se perceba sensíveis avanços em termos de maior comprometimento dos
quatro governos com a aplicação das normas fundamentais internacionais da OIT, base e
coração da DSL.
Mas há avanços em termos propositivos e estes deveriam ser melhor utilizados pelos
funcionários dos Ministérios do Trabalho e principalmente pelos atores sociais, para que de
fato o Mercosul seja um canal de promoção trabalhista e social.
a) O Plano de Trabalho 2004/2006. O capítulo do Mercosul Social lista como prioridades
os seguintes temas: Circulação de mão-de-obra e promoção dos direitos dos trabalhadores -
Avaliar, durante o ano de 2004, a inter-relação dos distintos acordos assinados, ou em
negociação, que se referem à livre circulação dos cidadãos dos Estados Partes, com o
objetivo de analisar a possibilidade de consolidá-los em um único documento, sem prejuízo
da aprovação dos instrumentos já negociados sobre circulação de pessoas. Migrações -
Realizar gestões no mais alto nível para que entre em vigência o Acordo sobre Residência de
Nacionais do Mercosul e de Regularização Migratória para cidadãos do Mercosul, para fins de
2004. Realizar a Conferência sobre Emprego, em abril de 2004, em Buenos Aires.
20
No item sobre os direitos trabalhistas, as propostas do Plano de Trabalho reforçam o papel
fiscalizador da CSL (que deveria conduzir uma avaliação mais ampla sobre o cumprimento a
DSL em cada país) e o caráter promocional da mesma, ao atribuir-lhe a tarefa de elaborar
propostas para a promoção de direitos trabalhistas até dezembro de 2004.
Mas, tão importante quanto propor, é garantir as condições para que as propostas se
viabilizem. É obvio que uma tarefa dessas dimensões, para ser levada a prática de forma
consistente, exige recursos materiais e humanos que a CSL não dispõe, possibilidade até
agora não aventada pelo GMC, o que enfraquece os objetivos traçados.
Caberia aos membros da CSL cobrar essa condição e/ou pelo menos dimensionar fórmulas
para a sua efetivação (por exemplo, o estudo de alguns casos, a realização de uma pesquisa
amostral, etc). Surpreendentemente, porém, passados 10 meses da aprovação do Plano de
Trabalho, esta proposta não foi sequer debatida na Comissão Sociolaboral - CSL16.
b) A Declaração dos Ministros do Trabalho propondo a adoção de uma Estratégia de
Emprego - A Primeira Conferência Regional de Emprego do Mercosul, realizada em abril de
2004, na cidade de Buenos Aires, foi organizada e coordenada pelos Ministérios do Trabalho,
em permanente consulta com as entidades sindicais e empresariais e com o apoio da OIT.
Analisou o quadro atual do emprego e desemprego nos países do Mercosul, relacionou suas
causas e recolheu uma série de propostas e sugestões apresentadas por distintos expositores
convidados e pela CCSCS, que apresentou um extenso documento com várias propostas
referentes à geração de emprego, cumprimento das normas trabalhistas e fortalecimento da
dimensão social do Mercosul.
A Declaração dos Ministros de Trabalho começa reconhecendo a gravidade do desemprego e
precariedade da ocupação nos 4 países e afirma que “o desafio do Mercosul é colocar o
emprego de qualidade no centro das estratégias de desenvolvimento, para construir
instrumentos de intervenção relevantes para a inclusão social” e que apesar dos esforços
que os governos estão realizando em favor do crescimento econômico este é “uma condição
necessária mas não suficiente para resolver os graves problemas socio-laborais que afligem
nossos países, para os quais requer-se a articulação de políticas de Estado que tenham como
objetivo central a geração de emprego decente.”
Os Ministros relacionaram sua declaração às diretrizes da XIII Conferência Interamericana
realizada em Salvador (Bahia, Brasil, setembro de 2003), que apontou a necessidade de se
incorporar às políticas nacionais e regionais de integração, metas econômicas e sociais
comuns, com o objetivo de reduzir as desigualdades que hoje caracterizam nosso presente e
21
o de fomentar ações de desenvolvimento e crescimento capazes de gerar mais e melhores
empregos e, para tanto, afirmaram que: “para priorizar o tema do emprego no âmbito
regional torna-se imprescindível que os Ministérios de Trabalho tenham um ativo
desempenho, em estreita coordenação com os Ministérios de Economia, Produção,
Desenvolvimento, Planejamento e similares.”
Como proposta solicitaram ao Conselho do Mercado Comum-CMC que elaborasse uma
Estratégia Mercosul para o crescimento do Emprego, de acordo com os objetivos e
diretrizes da Declaração, com a participação dos Ministérios citados e das organizações
sindicais e empresariais (através da Comissão Sociolaboral e do Foro Consultivo Econômico e
Social).
Os Ministros recomendaram que essa estratégia cumprisse com alguns objetivos principais,
tais como: integração das políticas macro-econômicas, comerciais, produtivas, de
infraestrutura, migratórias, educativas, de seguridade social, visando o emprego de
qualidade; promoção de políticas específicas para a integração de cadeias produtivas (com
maior capacidade de atrair investimentos e gerar empregos); promoção de políticas
específicas para o desenvolvimento de setores intensivos em mão de obra e em apoio às
micro e pequenas empresas, micro-crédito, etc; reformulação das políticas de proteção ao
desempregado, buscando sua reinserção no mercado de trabalho; promoção de sistemas e
serviços de formação profissional de qualidade, articulados com políticas educativas, de
emprego e econômicas; redução substancial da desigualdade de gênero, promovendo a
diminuição das disparidades existentes entre homens e mulheres no mundo do trabalho e
impulsionando a coordenação de políticas de igualdade de oportunidades e de combate a
todas as formas de discriminação no emprego; harmonização de políticas de Estado pela
eliminação do trabalho infantil em todas suas manifestações e fortalecimento do diálogo
social no bloco regional, para aprofundar o processo tripartite de construção da dimensão
social “que comprometa os atores governamentais e sociais num modelo de desenvolvimento
com equidade.”
Os Ministros propuseram o fortalecimento do Observatório do Mercado de Trabalho-OMT
como instrumento auxiliar da Estratégia de Emprego, propondo que o mesmo promovesse a
“coordenação de políticas de emprego na região, apontando para a identificação de
assimetrias, harmonização de estatísticas trabalhistas e .... promoção de uma Pesquisa de
Domicílios Comum” para conhecimento e análise da realidade ocupacional do Mercosul.
16 Foram levantados alguns aspectos relativos ao tema pela representação sindical brasileira na CSL, mas a mesma não foi reforçada pelas demais centrais e nem teve o apoio das demais representações empresariais e governamentais.
22
Os Ministros recomendaram ainda a harmonização das políticas trabalhistas e de seguridade
social para garantir a livre circulação dos trabalhadores (referindo-se mais especificamente
ao Acordo sobre Residências Nacionais do Mercosul e ao Acordo de Regularização Migratória
dos Cidadãos do Mercosul17) e a garantia de trabalho decente para os trabalhadores
migrantes no interior da região, coordenando programas específicos visando o cumprimento
destes objetivos nas zonas fronteiriças.
Relacionando diretamente a política inter-regional com o processo de globalização, os
ministros propuseram a inclusão do “objetivo do emprego em todas as áreas de integração
regional e na política comercial extra-zona” além de “promover medidas que favoreçam a
promoção de políticas de emprego regionais, compatíveis com os acordos políticos e
econômicos para a integração, de acordo com o que foi estabelecido pela Resolução No.
02/03 do Conselho Mercado Comum 18, rechaçando o uso indevido das normas trabalhistas”.
Os Ministros vincularam também a Estratégia de Emprego à Decisão 27/0319 de
estabelecimento de Fundos Estruturais para o Mercosul, “destinados a aumentar a
competitividade dos sócios menores e das regiões menos desenvolvidas, reafirmando que
tais estudos devem contemplar a promoção do trabalho decente e a reconversão econômica,
identificando as regiões e setores com maior desemprego relativo do Mercosul, para que
possam ser potenciais beneficiários dos fundos mencionados.”
A Declaração Ministerial foi analisada pelo CMC em sua XXVI reunião, em Porto Iguaçu no dia
8 de julho de 2004 e foi remetida para o GMC20.
17 Acordos emanados da XXII Reunião de Ministros de Interior do Mercosul, da República da Bolívia e da República do Chile.- Acordo N° 11/02 – Regularização Migratória Interna de Cidadãos do Mercosul; Acordo N° 12/02 – Regularização Migratória Interna de Cidadãos do Mercosul, Bolívia e Chile; Acordo N° 13/02 – Residência para Nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL; Acordo N° 14/02 – Residência para Nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL, Bolívia e Chile, transformados na Decisão CMC N° 28/02 , aprovada na XXIII CMC – Brasília, 06/XII/02. 18 MERCOSUL/CMC/REC. Nº 02/03 - Caráter Prioritário do Emprego, aprovada em Assunção na XXIV reunião do CMC em 17/06/03 – O GMC recolhe a análise efetuada pela Comissão Sociolaboral com respeito ao cumprimento do Artigo 14 da Declaração Sociolaboral do Mercosul, que constata o agravamento do nível de desemprego, a deterioração na qualidade do emprego e o incremento do trabalho não registrado e que considera que a consolidação e aprofundamento do processo de integração do Mercosul deve ser um fator de promoção e criação de emprego e faz uma Recomendação para que “os Estados Partes mantenham a questão do emprego em caráter prioritário em todas as instâncias institucionais, cujas decisões tenham implicâncias com o referido tema.” 19 Aprovada na XXV Reunião do Conselho do Mercado Comum- Montevidéu, 15 e 16 de dezembro de 2003 e que integra também o Plano de Trabalho 2004-2006. 20 Na ata da LV reunião do GMC o encaminhamento do tema aparece sob a seguinte forma: “ A Presidência Pró Tempore Brasileira - PPTB comprometeu-se a apresentar, até o LVI GMC, um projeto de Decisão para a aprovação de uma estratégia regional de emprego, conforme mandato emanado do XXVI CMC, com vistas ao seu exame no XXVII CMC. O projeto de Decisão encontra-se em análise interna pelos órgãos governamentais competentes, com a colaboração da seção nacional brasileira do FCES. A delegação argentina solicitou que se considerem os trabalhos realizados no âmbito do SGT Nº 10 e da Comissão Sócio-Laboral do Mercosul.”
23
No mês de setembro de 2004 a CCSCS manteve audiências com cada um dos quatro
Ministros de Trabalho para apresentar uma proposta e principalmente para pedir seu
empenho junto aos órgãos decisórios do Mercosul para o tratamento do tema, até então
inexistente.
As centrais sindicais 21 propuseram quatro eixos centrais para a formulação das diretrizes
para o desenvolvimento de políticas de geração de emprego nos países do Mercosul – a)
desenvolvimento de una política ativa de geração de emprego com ênfase às medidas de
apoio ao desenvolvimento e durabilidade das pequenas e micro empresas e políticas
específicas para diminuição do desemprego juvenil; b) elevação da formalidade das relações
de trabalho; melhora da educação geral e da formação profissional; c) desenvolvimento local
através da implementação de projetos e associações com o conjunto de agentes econômicos
interessados (economia solidária) e d) programas específicos para as mulheres visando
melhor acesso ao mercado de trabalho e medidas para promover a igualdade de
oportunidade. E propõe a criação de um Comitê Permanente de Emprego no Mercosul
(inspirado na experiência da UE), integrado pelas áreas governamentais e a representação
social e empresarial, com hierarquia correspondente à importância do mesmo e para que
suas recomendações tenham tratamento adequado nos quatro países.
c) O SGT 10 - Na reunião realizada em maio de 2004, em Buenos Aires, o SGT 10 realizou
uma avaliação de seu funcionamento e concluiu pela necessidade de trabalhar de forma
interdisciplinar e em torno de prioridades claras, que incorporassem os objetivos e metas
traçadas pela Declaração Ministerial sobre o Emprego e os temas trabalhistas e sociais mais
prementes no quadro atual do Mercosul. A nova agenda foi dividida em 3 eixos temáticos, em
torno dos quais as Comissões devem trabalhar de forma integrada. O primeiro eixo é o
Geração de Emprego Decente onde se estabelecem metas de fortalecimento e maior
operacionalização do OMT, responsabilizando-o pela realização de estudo comparado das
políticas de emprego, elaboração de metodologia para a realização de pesquisa unificada
sobre os indicadores de mercado de trabalho e outras tarefas menores. O segundo eixo é o
de Livre Circulação de Mão de Obra, onde se estabelecem tarefas como o estudo e
avaliação dos problemas migratórios, os impactos da aplicação do Acordo de Reconhecimento
de Residência (já aprovado na Argentina e pelo Congresso brasileiro), destacando-se a
urgência na adoção do Acordo Multilateral de Seguridade Social (ainda não ratificado pelo
Paraguai) e a construção de um sistema de certificação ocupacional. O terceiro eixo é o do
Fortalecimento da Dimensão Sociolaboral, onde se insere a atualização do Nomenclador
dos principais direitos trabalhistas. Uma agenda sem dúvida potenciadora se tratada de
21 A proposta sindical completa da “Estratégia Mercosul para gerar Emprego” pode ser encontrada na pagina da CCSCS – www.ccscs.org
24
forma adequada pelos atores sociais e principalmente pelos representantes dos Ministérios do
Trabalho.
d) O Grupo de Alto Nível sobre Emprego - Na XXVII Reunião do Conselho do Mercado
Comum-CMC, realizada nos dias 15 e 16 de dezembro de 2004, uma das Decisões adotadas
foi a criação de um “Grupo de Alto Nível para a Elaboração da Estratégia MERCOSUL de
Crescimento do Emprego, a ser integrado pelos órgãos governamentais responsáveis pelas
políticas de geração de emprego, bem como pelas entidades que compõem o Foro Consultivo
Econômico e Social do Mercosul”22, tendo se estabelecido o prazo de um ano para que o
Grupo apresente suas primeiras conclusões.
Apesar de constituir-se em uma decisão modesta, o CMC acatou integralmente a
recomendação dos Ministros do Trabalho ao propor que o Grupo seja inter-ministerial – ou
seja que dê um enfoque interdisciplinar ao tema do emprego – o que sem dúvida
hierarquizará o tratamento da questão que corretamente deixa de ser um tema apenas afeto
à área do Trabalho. A Decisão é também um logro da área sindical que apresentou um
projeto e realizou gestões para a sua aprovação. Este novo espaço, onde as centrais sindicais
e as organizações empresariais que atuam no FCES e na CSL terão participação direta,
permitirá significativos avanços na área social e trabalhista, já que o produto esperado é a
formulação de um conjunto de diretrizes a serem aprovadas e recomendadas pelos
Presidentes na XXIX Cúpula Presidencial que se realizará em Montevidéu em dezembro de
2005.
4. A Declaração Sociolaboral do Mercosul: o que é e como vem sendo aplicada23
A Declaração Sociolaboral do Mercosul, instrumento jurídico adotado em dezembro de 1998,
estabeleceu um conjunto de normas internacionais de trabalho aplicáveis aos Estados Parte
do Mercosul e um sistema de controle de normas próprio. O seu texto é composto de 19
direitos individuais e coletivos e cinco artigos que compões o seu sistema de seguimento. Seu
texto revela uma atitude cautelosa dos negociadores, ao tratar da aplicação do seu conteúdo,
usando o termo seguimento. Desta forma foram deixadas de lado as expressões controle ou
supervisão, como vêm sendo adotadas, habitualmente, nas regulamentações no plano
internacional. Um outro termo, também de uso corrente em tratados de normas
22 A decisão foi mencionada no Comunicado dos 4 Presidentes do Mercosul que, além disso “ Reafirmaram sua determinação de inserir o tratamento de medidas de combate ao desemprego e de geração de emprego de qualidade de forma prioritária na agenda de trabalho do Mercosul. Recordaram, nesse sentido, que, na Conferência Regional de Emprego do Mercosul, realizada em abril de 2004, em Buenos Aires, os Ministros do Trabalho dos Estados Partes concordaram com a elaboração de uma estratégia de crescimento do emprego no Mercosul.” 23 O objetivo de analisarmos este instrumento jurídico do Mercosul é verificar como os princípios e direitos fundamentais definidos pela OIT são tratados neste processo de integração econômica, seja pelos seus documentos
25
internacionais do trabalho, é acompanhamento, como está previsto no próprio texto da
Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho da OIT.
A grande novidade apresentada pela DSL foi, sem dúvida, a criação da Comissão
Sociolaboral-CSL. Esta Comissão tem uma composição tripartite, sendo integrada por doze
membros representando os governos, trabalhadores e empregadores de cada um dos quatro
Estados-membros que compõem o bloco econômico, creditados perante à coordenação pró-
tempore da Comissão.
Apesar de ter sofrido influência direta do modelo existente na OIT, poderíamos dizer que a
solução adotada na constituição do órgão do Mercosul avança mais, pois a CSL adota o
sistema 1-1-1 e não o sistema 1-2-1 como ocorre na OIT.
A CSL se reúne, segundo o artigo 21 do texto da Declaração, uma vez por ano. O artigo 17
do Regulamento Interno, no entanto, previu duas reuniões ordinárias anuais,
respectivamente, nos meses de abril e outubro. Em face da quantidade de encargos
estabelecidos à Comissão, o Regulamento previu também a realização de reuniões
extraordinárias. Ainda no campo das novidades institucionais, esse órgão deverá ser dirigido
por uma coordenação tripartite composta, além do representante do governo que estiver com
a presidência pró-tempore do Mercosul, dos atores sociais deste país, como ficou estabelecido
no artigo 5 do Regulamento Interno da CSL Regional.
Aqui, portanto, o modelo formal adotado pelo Mercosul distancia-se, mais uma vez, do
padrão adotado pela OIT, porque nesta organização, todas as funções de comando estão
entregues às representações governamentais. No que pese a existência deste preceito no
Mercosul, ele não vem sendo aplicado na prática.
O sistema de controle que está funcionando no âmbito regional, desde janeiro de 2001,
também tem instâncias nacionais. Mas os efeitos jurídicos de suas Recomendações regionais
necessitam aprovação do Grupo Mercado Comum (GMC) 24, porque, como seu texto previu,
expressamente, a CSL tem uma função promocional e não sancionatória e funciona como
órgão auxiliar do GMC.
O sistema de controle e promoção de normas, admitido pela Declaração, estabeleceu três
tipos básicos de mecanismos. O primeiro deles é chamado de regular ou automático. A
Declaração prevê a obrigação dos Estados-parte de elaborarem, anualmente, memórias sobre
a aplicação dos direitos contidos no seu texto. A obrigação de elaborar Memórias encontra-se
jurídicos como pelos seus órgãos internos. Ou seja, verificar o esforço que esta organização, destinada à integração regional, está fazendo para garantir a efetivação destes direitos.
26
regulado, ainda, nos artigos 21 e 23 da Declaração Sociolaboral. Estas devem, antes de ser
enviadas a CSL, ser submetidas às organizações mais representativas de empregadores e
trabalhadores.
O segundo tipo de mecanismo é o extraordinário ou provocado. E por fim, o terceiro tipo, o
de suas normas de promoção e cooperação. Todos os três tipos estão contidos na série de
alíneas previstas no artigo 20 da Declaração Sociolaboral.
No Mecanismo de controle extraordinário ou provocado, previsto no artigo 20 da Declaração,
nas suas letras “c” e “d”, inscrevem-se algumas formas de seguimento atribuídas à CSL que,
entretanto, dependem de uma provocação de algum interessado. Apesar de ainda não terem
sido utilizadas, merecem um detalhamento neste trabalho. Vejamos o que nos dizem as
normas mencionadas:
“c) examinar observações e consultas sobre dificuldades e incorreções na
aplicação e cumprimento dos dispositivos contidos na Declaração;
d) examinar dúvidas sobre a aplicação dos termos da Declaração e propor
esclarecimentos;”
O parágrafo único desse artigo ainda prevê que as formas e mecanismos de encaminhamento
dos assuntos a serem examinados, em conformidade com os itens “c” e “d” acima citados,
serão definidos pela CSL regional. Enquanto o artigo 3 do Regulamento Interno dessa
comissão previu a utilização desses mecanismos nas letras “c” e “d”, mas não avançou em
uma definição mais precisa das formas de utilização. Compreende-se esse comportamento da
CSL, em função das dificuldades políticas para obtenção do consenso dos três setores que a
compõem. O esforço regulatório na CSL passou um longo e difícil processo de formulação do
consenso.
Segundo entende Crivelli25, de todos os meios de acesso à CSL, as maiores possibilidades
disponíveis para apresentar-se as controvérsias e conflitos trabalhistas sobre a aplicação da
Declaração residem, sobretudo, na formulação das Observações, Consultas e, ainda, nas
Dúvidas. Não há, até o presente momento, uma definição e nem distinção precisas entre os
três mecanismos previstos no texto da Declaração ou de seu Regulamento Interno, o que não
impede, mas dificulta a apresentação de denúncias de casos concretos que poderiam ser alvo
de investigação e, dessa forma, reforçar o papel da CSL como um organismo a ser utilizado
pelo movimento sindical.
24 O Grupo Mercado Comum é o órgão executivo do Mercosul. É esse órgão, e suas instâncias auxiliares, que administram o funcionamento do Mercosul no seu dia-a-dia.
27
4.1. Os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho previstos pela DSL
Entre os 19 artigos que tratam dos direitos individuais e coletivos, sete referem-se aos
direitos declarados como fundamentais pela OIT. Transcrevemos abaixo os artigos que
portam, na Declaração Sociolaboral do Mercosul, o conjunto de quatro princípios e direitos
fundamentais no trabalho.
“Não discriminação
Art. 1º Todo trabalhador tem garantido a igualdade efetiva de direitos,
tratamento e oportunidades no emprego e ocupação, sem distinção ou
exclusão por motivo de raça, origem nacional, cor, sexo ou orientação sexual,
idade, credo, opinião política ou sindical, ideologia, posição econômica ou
qualquer outra condição social ou familiar, em conformidade com as
disposições legais vigentes.
Os Estados Partes comprometem-se a garantir a vigência deste princípio de
não discriminação. Em particular, comprometem-se a realizar ações
destinadas a eliminar a discriminação no que tange aos grupos em situação
desvantajosa no mercado de trabalho.
Promoção da igualdade
Art. 2º As pessoas portadoras de necessidades especiais serão tratadas de
forma digna e não discriminatória, favorecendo-se sua inserção social e no
mercado de trabalho.
Os Estados Partes comprometem-se a adotar medidas efetivas, especialmente
no que se refere à educação, formação, readaptação e orientação profissional,
à adequação dos ambientes de trabalho e ao acesso aos bens e serviços
coletivos, a fim de assegurar que as pessoas portadoras de necessidades
especiais tenham a possibilidade de desempenhar uma atividade produtiva.
Art. 3º Os Estados Partes comprometem-se a garantir, mediante a
legislação e práticas trabalhistas, a igualdade de tratamento e oportunidades
entre mulheres e homens.
............................................................................................................
...........
25 Ver, de Ericson Crivelli, Integração Econômica e Normas Internacionais do Trabalho no Mercosul, série documentos Sindicales del Mercosur, Montevidéu, Friedrich Ebert Stifitung, 2001, pp. 28-30.
28
Eliminação do trabalho forçado
Art. 5º Toda pessoa tem direito ao trabalho livre e a exercer qualquer ofício
ou profissão, de acordo com as disposições nacionais vigentes.
Os Estados Partes comprometem-se a eliminar toda forma de trabalho ou
serviço exigido a um indivíduo sob a ameaça de uma pena qualquer e para o
qual dito indivíduo não se ofereça voluntariamente.
Ademais, comprometem-se a adotar medidas para garantir a abolição de toda
utilização de mão-de-obra que propicie, autorize ou tolere o trabalho forçado
ou obrigatório.
De modo especial, suprime-se toda forma de trabalho forçado ou obrigatório
que possa utilizar-se:
a) como meio de coerção ou de educação política ou como castigo por não
ter ou expressar determinadas opiniões políticas, ou por manifestar oposição
ideológica à ordem política, social ou econômica estabelecida;
b) como método de mobilização e utilização da mão-de-obra com fins de
fomento econômico;
c) como medida de disciplina no trabalho;
d) como castigo por haver participado em greves;
e) como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa.
Trabalho infantil e de menores
Art. 6º A idade mínima de admissão ao trabalho será aquela estabelecida
conforme as legislações nacionais dos Estados Partes, não podendo ser
inferior àquela em que cessa a escolaridade obrigatória.
Os Estados Partes comprometem-se a adotar políticas e ações que conduzam
à abolição do trabalho infantil e à elevação progressiva da idade mínima para
ingressar no mercado de trabalho.
O trabalho dos menores será objeto de proteção especial pelos Estados
Partes, especialmente no que concerne à idade mínima para o ingresso no
29
mercado de trabalho e a outras medidas que possibilitem seu pleno
desenvolvimento físico, intelectual, profissional e moral.
A jornada de trabalho para esses menores, limitada conforme as legislações
nacionais, não admitirá sua extensão mediante a realização de horas extras
nem em horários noturnos.
O trabalho dos menores não deverá realizar-se em um ambiente insalubre,
perigoso ou imoral, que possa afetar o pleno desenvolvimento de suas
faculdades físicas, mentais e morais.
A idade de admissão a um trabalho com alguma das características antes
assinaladas não poderá ser inferior a 18 anos.
............................................................................................................
...........
Liberdade de associação
Art. 8º Todos os empregadores e trabalhadores têm o direito de constituir
as organizações que considerem convenientes, assim como de afiliar-se a
essas organizações, em conformidade com as legislações nacionais vigentes.
Os Estados Partes comprometem-se a assegurar, mediante dispositivos
legais, o direito à livre associação, abstendo-se de qualquer ingerência na
criação e gestão das organizações constituídas, além de reconhecer sua
legitimidade na representação e na defesa dos interesses de seus membros.
Liberdade sindical
Art. 9º Os trabalhadores deverão gozar de adequada proteção contra todo
ato de discriminação tendente a menoscabar a liberdade sindical com relação
a seu emprego.
Deverá garantir-se:
a) a liberdade de filiação, de não filiação e desfiliação, sem que isto
comprometa o ingresso em um emprego ou sua continuidade no mesmo;
b) evitar demissões ou prejuízos a um trabalhador por causa de sua filiação
sindical ou de sua participação em atividades sindicais;
30
c) o direito de ser representado sindicalmente, de acordo com a legislação,
acordos e convênios coletivos de trabalho em vigor nos Estados Partes.
Negociação coletiva
Art.10 Os empregadores ou suas organizações e as organizações ou
representações de trabalhadores têm direito de negociar e celebrar
convenções e acordos coletivos para regular as condições de trabalho, em
conformidade com as legislações e práticas nacionais.”
4.2. Uma primeira avaliação
Apesar dos mecanismos jurídicos disponíveis na Declaração e nos regulamentos da Comissão
Sociolaboral e de suas seções nacionais, dos seis anos de sua adoção, os resultados práticos
de sua aplicação e o funcionamento do seu órgão de seguimento têm se caracterizado por um
baixo perfil e com pouca relevância para a institucionalidade do Mercosul.
A Comissão Sociolaboral iniciou as suas atividades em maio de 1999, com uma primeira
reunião em Assunção, no Paraguai.26 Com mais de cinco anos de atividades, este órgão,
encarregado do seguimento da aplicação do conteúdo normativo da Declaração, não
conseguiu completar um ciclo de memórias de todos os seus artigos.
Para se avaliar as dificuldades políticas enfrentadas pela Comissão sociolaboral, basta
mencionar o fato que apesar de ter iniciado as suas atividades em maio de 99, só logrou
aprovar o regulamento regional e o regulamento comum das seções nacionais, em outubro
de 2000 em sua sétima reunião. Levando-se em conta que este órgão realizou 16 reuniões
até a presente data, em mais de 40% do tempo ocupado em reuniões, até o presente
momento, foi utilizado quase que exclusivamente para definir as suas próprias regras de
funcionamento.27
Nesta sétima reunião, realizada na cidade do Rio de Janeiro, deu-se o inicio do processo de
seguimento da Declaração. A comissão iniciou seu trabalho normativo aprovado um modelo
para os formulários de memórias que iniciou o sistema de controle regular da Declaração.
Discutiu-se as informações que seriam requeridas sobre a aplicação do artigo 6. da
Declaração, que regula o trabalho infantil e de menores, que passaram a servir, desde então,
como padrão para a elaboração dos formulários de memórias para os demais artigos.28
26 Cf. a ata MERCOSUL/GMC/COMISSÃO SOCIOLABORAL DO MERCOSUL/ATA N. 01/99. 27 Cf. a ata da última reunião, realizada na cidade de São Paulo, MERCOSUL/GMC/COMISSÃO SOCIOLABORAL DO MERCOSUL/ATA N. 02/04. 28 Cf. a ata da reunião do Rio de Janeiro, MERCOSUL/GMC/COMISSÃO SOCIOLABORAL/ATA 03/00.
31
O que se verifica no processo de discussão e deliberação dos formulários de memórias, é que
os princípios e direitos fundamentais não foram considerados prioritários. Na oitava reunião
da comissão, quando se inicia o esforço maior para a definição dos formulários, foram
definidos mais quatro formulários – sempre a partir do padrão adotado no caso do artigo 6. -,
a saber: promoção da igualdade entre homens e mulheres (artigo 3.); diálogo social (artigo
6.); fomento de emprego (artigo 14.) e formação profissional (artigo 16.).
Nesta mesma reunião a Comissão Sociolaboral exerceu, pela primeira vez, um papel
interpretativo do conteúdo normativo da Declaração Sociolaboral. A comissão adotou, como
esclarecimento técnico-jurídico, que a expressão “disposições legais” refere-se às normas e
princípios constitucionais, às leis, às normas e regulamentos administrativos e às convenções
e acordos coletivos.29
A nona reunião da Comissão Sociolaboral, realizada em Assunção em maio de 2001, uma das
mais produtivas, quase concluiu a adoção dos formulários de memórias. Foram aprovados 13
formulários, que com os anteriores, somaram 18 artigos sobre os direitos e princípios
contidos na Declaração a serem analisados e relatados nacional e regionalmente. Nesta
reunião ficou sem decisão o artigo 7 que se refere aos direitos dos empregadores 30. Este
artigo – de adoção inédita no campo do Direito Internacional do Trabalho – permanece
gerando dificuldade à construção de decisões consensuais no interior da comissão.
A décima reunião da comissão, realizada em Montevidéu, iniciou o processo de análise das
memórias nacionais. Antes de iniciar este trabalho, aprovou uma metodologia de análise das
memórias nacionais. Concluída a decisão de método, analisou as memórias nacionais
referentes ao artigo 3., 14. e 16., que se ocupam, como se mencionou, respectivamente, da
igualdade de gênero, do fomento do emprego e da formação profissional. Portanto, ao iniciar
o trabalho de seguimento das práticas nacionais, a comissão mesclou as suas prioridades,
sem uma ênfase nos direitos fundamentais. Aliás, a análise das memórias sobre o trabalho
infantil foi adiada por decisão da comissão.31
Em maio de 2002, em sua 11a. reunião, realizada em Buenos Aires, a CSL reformulou o
formulário de memórias sobre o trabalho infantil e, ainda, produziu um informe sobre o
trabalho infantil e uma recomendação ao GMC, para que se adotasse uma resolução sobre o
29 Cf a ata da oitava reunião, realizada na cidade de Florianópolis, MERCOSUL/GMC/COMISSÃO SOCIOLABORAL/ATA 04/00. 30 Cf, MERCOSUL/GMC/COMISSÃO SOCIOLABORAL/ATA 01/01. 31 Cf. a ata, MERCOSUL/GMC/COMISSÃO SOCIOLABORAL/ATA 01/01
32
assunto.32 Em novembro do mesmo ano, em sua décima segunda reunião, a comissão iniciou
um processo de discussão sobre os resultados obtidos pela sua atuação. Na conclusão
adotada constatou, por consenso, um “desempenho modesto da Comissão Sociolaboral diante
da dimensão e o alcance de sua função”.33 Nenhum outro direito fundamental foi tratado
nesta reunião, que concluiu outros três informes sobre a análise de memórias nacionais.
Em outubro de 2003 a comissão realizou uma reunião extraordinária, cujo tema central foi a
proposta de realização da Conferência Regional de Emprego.34 Na 14. reunião, realizada em
Montevidéu, em novembro de 2003, foi adiada a discussão dos informes regionais sobre a
liberdade de associação e liberdade sindical (artigos 8 e 9). A decisão mais importante
adotada nesta ocasião foi a realização da Conferência Regional de Emprego35 em Buenos
Aires, em março de 2004 (posteriormente foi adiada para abril).
As últimas duas reuniões realizadas giraram, quase que exclusivamente, em torno dos
desdobramentos que se deverá dar a Declaração assumida pelos quatro Ministros do Trabalho
em Buenos Aires. Resolveu-se realizar seminários nacionais tripartites sobre os resultados da
Conferência Regional. Novamente foram adiados, na 16. reunião da comissão, os informes
sobre o restante dos direitos fundamentais.36
Como se verificou ao longo da série de reuniões realizadas até o presente, a Comissão não
logrou completar o ciclo do que se denominou de controle regular. E mais que isso, os poucos
informes adotados em relação aos direitos e princípios fundamentais, como o do trabalho
infantil, não permite avaliar a aplicação efetiva destes no Brasil. As informações carecem de
dados estatísticos e, no mais das vezes, repetem as mesmas informações apresentadas nas
memórias nacionais devidas à OIT.
32 Cf., para a Resolução sobre trabalho infantil, aprovada no GMC em junho de 2002, ver a ata, MERCOSUL/GMC/COMISSÃO SOCIOLABORAL/ATA 01/02 33 Para ver a análise pessimista a que se chegou por consenso dos três setores, cf. a ata, MERCOSUL/GMC/COMISSÃO SOCIOLABORAL/ATA 02/02. 34 Curiosamente esta reunião não seguiu a numeração das reuniões da comissão e foi intitulada I Reunião Extraordinária. Uma análise da sequência histórica prova que outras reuniões extraordinárias receberam a numeração sequencial correta. Ver MERCOSUL/GMC/CSL/ATA 01/03. 35 Ver MERCOSUL/GMC/COMISSÃO SOCIOLABORAL DEL MERCOSUR/ACTA N. 2/2003 36 Ver, sobre a XVI reunião, MERCOSUL/GMC/COMISSÃO SOCIOLABORAL DEL MERCOSUR/ACTA N. 2/2004.
33
II Parte
A aplicação dos princípios e direitos fundamentais no Brasil: uma visão panorâmica.
Esta segunda parte, que contou com a colaboração do advogado Bruno de Araújo Leite,
destina-se a verificar a aplicação da Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos
Fundamentais no Trabalho no Brasil.
Para facilitar a avaliação dos progressos alcançados e déficits persistentes, optamos por fazer
uma divisão esquemática da abordagem, enfocando separadamente cada uma das
convenções que integram a Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais da OIT, tendo
como referência os relatórios e recomendações da Comissão de Peritos em Convenções e
Recomendações, da Comissão de Aplicação de Normas da Conferência Internacional do
Trabalho e do Comitê de Liberdade Sindical, todos órgãos da OIT. Na sequência analisamos
os progressos que o Estado brasileiro tem alcançado nesses temas, tomando como fonte os
textos e as apresentações realizadas pelos técnicos e técnicas do escritório da OIT no Brasil*,
informes do Ministério do Trabalho e outras áreas governamentais, fontes sindicais e notícias
de jornais.
Introdução.
Em 1995, o Conselho de Administração da OIT definiu um conjunto de sete Convenções
Internacionais do Trabalho como sendo o conjunto de normas e direitos fundamentais no
trabalho37. Desta forma, foram consideradas como as convenções fundamentais: as C. 29 e
105, que tratam da proibição do trabalho forçado; as C. 87 e 98, que tratam da liberdade
sindical e de negociação coletiva; as C. 100 e 111, que tratam da igualdade de remuneração
* No seminário nacional sobre a aplicação dos princípios e direitos fundamentais do trabalho no contexto da integração regional, realizado em Brasília nos dias 6 e 7 de dezembro de 2004, os técnicos do Escritório da OIT fizeram detalhadas apresentações sobre o trabalho que vem sendo desenvolvido e os avanços alcançados. Participaram: Lais Abramo – Especialista Regional em Gênero e responsável pelo Programa de Igualdade de Oportunidades (temas de gênero e raça); Patrícia Audi – Coordenadora Nacional do Projeto de Combate ao Trabalho Escravo e Pedro Américo Oliveira – Coordenador Nacional do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil-IPEC. 37 Cf. § do INFORME da Comissão de Expertos em Aplicação de Convenções e Recomendações: Informe III (Parte IA), 279a Reunião do Conselho de Administração, Genebra, Suíça, GB. 279/LILS/4. Genebra: OIT, 2000. p. 17.
34
e igualdade de trato na ocupação; a C. 138, que define a idade mínima para o trabalho. A
convenção 182, que regula as piores formas de trabalho infantil, foi aprovada na conferência
de junho de 1999, passando a compor a relação de convenções que contém os direitos e
princípios fundamentais no trabalho em 2000, quando entrou em vigor com o número mínimo
de ratificações.
Todos os países membros da OIT seriam convidados a ratificar e aplicar todas as convenções
que expressavam os direitos fundamentais no trabalho. A relação de direitos considerados
fundamentais, por sua vez, é aquela que vinha sendo insistentemente mencionada por
diversas organizações internacionais em diferentes eventos. Uma vez definida esta relação, o
Conselho de Administração aprovou o início imediato de uma campanha internacional pela
ampliação das ratificações das convenções relativas a cada um dos direitos fundamentais.38
Em março de 1997, o grupo de empregadores sugeriu na reunião do Conselho de
Administração, em resposta à pressão pela adoção de um novo instrumento de aplicação dos
direitos fundamentais, que a conferência internacional adotasse uma Declaração com estes
direitos. A partir desta proposta, iniciou-se um processo de negociação para definir o
conteúdo e eficácia do novo instrumento jurídico.
O debate concentrou-se em dois pólos, ou seja, de um lado, na definição da natureza dos
direitos e princípios definidos como fundamentais e, por outro, no mecanismo de controle que
deveria ser adotado. Nos debates travados no curso de 1997, foram sugeridas e debatidas
várias alternativas.
Na discussão da natureza dos direitos fundamentais, venceu o argumento de que a
declaração não deveria ter um conteúdo constitutivo dos direitos fundamentais apontados.
Em função disto, a aplicação da Declaração deve ser sempre verificada à luz dos direitos
previstos nos textos das respectivas Convenções fundamentais. Este é o escopo da
Declaração. É o que será analisado a seguir.
No ano de 1998 a OIT adotou a Declaração dos Direitos e Princípios Fundamentais no
Trabalho. O texto da Declaração é composto por cinco artigos, e a este texto segue-se um
anexo que se ocupa do seguimento do seu conteúdo normativo. O texto do artigo 1o recorda
que os direitos e princípios fundamentais inscritos na Constituição, assim como na Declaração
38 Cf., de BÖHNING, W. R. The annual review concerning unratified Conventions. Haia: Ministério do Trabalho da Holanda, 2003. Paper apresentado no seminário From Declaration in Action: Perspectives on ILO’s Activities to Promote Fundamental Principles and Rights at Work, promovido pelo Ministério do Trabalho da Holanda, realizado em Haia, 24 e 25 de novembro de 2003. O relatório anual da Comissão de Expertos em Aplicação de Normas e Recomendações Internacionais do Trabalho da OIT traz no seu Informe Geral, todos os anos, um quadro estatístico que mostra, passo a passo, o avanço no número de ratificações das Convenções Internacionais consideradas Fundamentais.
35
de Filadélfia, estão expressos nos direitos e obrigações específicas inscritas nas convenções
internacionais reconhecidas como fundamentais dentro e fora da OIT. O artigo 2o, por sua
vez, prevê expressamente que os Estados, tendo ou não ratificado as convenções relativas
aos direitos e princípios reafirmados na Declaração, por serem membros da OIT, têm o
compromisso de promovê-las e torná-las realidade. O artigo prevê, desta forma, os quatro
direitos e princípios considerados fundamentais pela Declaração.
“a) a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva;
b) a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório;
c) a abolição efetiva do trabalho infantil; e
d) a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.”39
A Declaração abrange 4 áreas, cada uma delas com duas convenções correspondentes, assim
dispostas: a) - Liberdade de Associação e Liberdade Sindical e o direito a Negociação
Coletiva: Convenções 87 e 98; b) – Eliminação do Trabalho Forçado e Obrigatório:
Convenções 29 e 105; c) – Abolição do Trabalho Infantil: Convenções 138 e 182; e d) –
Eliminação da Discriminação no Local de Trabalho: Convenções 100 e 111. Seguiremos então
essa dinâmica na apresentação de sua aplicação em quatro tópicos, cada um dele abordando
uma dessas respectivas áreas.
O Sistema de Seguimento da Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho da OIT.
Atendendo aos objetivos de promoção de normas e cooperação técnica, os dispositivos de
seguimento da Declaração criaram, portanto, três elementos principais: seguimento anual
relativo às convenções não ratificadas; um relatório global; identificação das prioridades de
cooperação técnica e planos de ação.
Para a aplicação dos mecanismos de seguimento anual das convenções não ratificadas,
estabelecidos no item II do anexo da Declaração, o Conselho de Administração da OIT
constituiu um Comissão de Peritos Conselheiros, com sete técnicos de variada formação
profissional, não formada exclusivamente por juristas, como é o caso da Comissão de Peritos
em Convenções e Recomendações.40
39 Cf. DECLARAÇÃO da OIT sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho e seu seguimento. Brasília: OIT-Brasil, 1998. p.9. 40 Decisão sobre a Comissão de Peritos Conselheiros, GB 277/3/2, março de 2000, parágrafos 9o ao 12º cf., também, TREBILCOCK, A. La Declaración de la OIT relativa a los principios y derechos fundamentales en el trabajo y su seguimiento. op. cit. p. 21.
36
A Comissão de Peritos Conselheiros está encarregada de elaborar o relatório anual relativo às
convenções fundamentais não ratificadas. O relatório anual é preparado pela Comissão com
base naqueles outros relatórios enviados pelos Estados, em cumprimento da obrigação
prevista no artigo 19, parágrafo quinto, letra “e”, da Constituição da OIT.
Como foi falado acima, por se tratar de convenções não ratificadas, o Estado tem a obrigação
de informar, através de relatórios periódicos, a consulta à qual está obrigado: submeter as
convenções às autoridades nacionais com o objetivo da sua ratificação e, ainda, em que
medida está colocando em execução, e através de quais meios, os direitos previstos nas
convenções ainda não ratificadas.
O envio desses relatórios pelos Estados membros passou a ser uma obrigação anual em
relação às convenções fundamentais não ratificadas e, desde a adoção da regulamentação do
sistema de seguimento da Declaração, os relatórios não são mais remetidos à Comissão de
Peritos em Convenções e Recomendações, mas a esta Comissão de Peritos Conselheiros,
criada especificamente para este fim.
Com base nesses relatórios anuais das convenções fundamentais não ratificadas, os peritos
conselheiros, por sua vez, elaboram uma introdução em que adicionam comentários sobre a
aplicação e a respeito dos esforços realizados pelos Estados membros em cada um dos quatro
grupos de direitos e princípios fundamentais. À introdução se seguem alguns anexos com
informações técnicas.41 Os peritos conselheiros podem ainda sugerir alterações nos
formulários dos relatórios das convenções não ratificadas. A introdução é, ao final, remetida à
apreciação do Conselho de Administração da OIT para sua aprovação.
O relatório global, previsto no inciso III do anexo da Declaração, por sua vez, é
responsabilidade do próprio Diretor-Geral da OIT. Este relatório se ocupa de uma categoria
de direitos e princípios fundamentais cada ano. O propósito específico deste relatório é
fornecer uma imagem global e dinâmica de cada uma das categorias de direitos e princípios
fundamentais no trabalho.
E, ainda, com relação às atividades de cooperação técnica desenvolvida pela OIT, com vistas
à aplicação das convenções fundamentais, o relatório global objetiva, por um lado, medir a
eficácia da assistência técnica prestada pela organização e, por outro, estabelecer as
prioridades destes programas no período seguinte.
Na elaboração do relatório global, o serviço jurídico do Escritório Internacional do Trabalho
toma como fonte de informação os relatórios das convenções não ratificadas e, ainda, os
41 TREBILCOCK, A. La Declaración de la OIT relativa a los principios y derechos fundamentales en el trabajo y su seguimiento. op. cit. p. 22.
37
relatórios devidos pelos Estados sobre as convenções ratificadas. O relatório global,
entretanto, é submetido a discussão tripartite em sessão especial realizada durante a
conferência internacional e votado na sua plenária final. Um resumo dos debates travados na
sessão especial é enviado ao Conselho de Administração para ser utilizado como orientação
na definição das atividades de cooperação técnica.
Os relatórios globais anuais sobre os direitos e princípios fundamentais no trabalho foram,
respectivamente, sobre a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de
negociação coletiva, discutido em 2000; a eliminação de todas as formas de trabalho forçado
ou obrigatório, em 2001; a abolição do trabalho infantil, em 2002; a eliminação da
discriminação em matéria de emprego e ocupação, em 2003. Após ter completado o ciclo dos
quatro princípios e direitos fundamentais, reiniciou em 2004 com a liberdade sindical e
negociação coletiva.
1. A Aplicação dos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho no Brasil
A seguir iremos apontar os comentários e considerações que fazem os órgão de controle da
OIT sobre aplicação das oito Convenções fundamentais no Brasil42. Serão consideradas as
observações existentes, separadamente, de cada um dos quatro grupos de princípios e
direitos fundamentais no trabalho, na Comissão de Peritos em Convenções e Recomendações
Internacionais do Trabalho, da Comissão de Aplicação de Normas da Conferência
Internacional do Trabalho e do Comitê de Liberdade Sindical. E, na sequência analisaremos os
avanços resultantes de medidas recentes adotadas pelo Estado brasileiro.
1.1. Liberdade de Associação e Sindical e o Direito à Negociação Coletiva.
Os princípios da liberdade sindical e o direito à sindicalização e negociação coletiva são
objetos de verificação nos órgãos da OIT, da Comissão de Peritos, da Comissão de Aplicação
de Normas da Conferência, Comitê de Liberdade Sindical e Comissão de Peritos Conselheiros
prevista na Declaração de 98.
A plena aplicação do princípio da liberdade sindical no Brasil não é possível devido à sua
incompatibilidade com a Constituição e legislação nacionais, que estabelecem a figura do
monopólio sindical, figura que se contrapõe com o disposto na Convenção 87. Em função da
diversidade de órgãos de controle que se manifestaram expressamente sobre a aplicação da
liberdade sindical no Brasil, o tema será apresentado com o enfoque em cada um destes.
42 Cumpre ressaltar que das oito convenções consideradas fundamentais o Brasil não ratificou apenas a n.º 87, que trata da Liberdade Sindical e de Associação.
38
Preliminarmente porém apresentaremos os traços gerais da estrutura sindical brasileira,
destacando seu maiores problemas e as tentativas de mudanças efetuadas na década de 90.
Depois de apresentar a visão dos órgãos da OIT, apresentaremos os resultados do Fórum
Nacional do Trabalho, que atualmente trata da Reforma Sindical, introduzindo elementos que
podem reforçar as organizações sindicais brasileiras.
1.1.1. Os problemas da legislação sindical brasileira e as perspectivas de mudanças
O modelo de relações trabalhistas brasileiro foi finalizado em l943 quando Getulio Vargas
reuniu toda a legislação laboral em um único documento, a Consolidação das Leis do Trabalho
- CLT. Através desse modelo o Estado brasileiro assumiu a gestão dos principais aspectos da
vida sindical, desde o outorgamento do "monopólio de representação sindical", até a
resolução dos conflitos coletivos e a aplicação dos direitos individuais. Enfim um modelo que
se caracteriza por um forte controle estatal das relações entre capital e trabalho e irradiador
de uma cultura sindical corporativista.
A CLT definiu também a estrutura sindical confederativa (sindicatos, federações e
confederações) relegando às entidades de segundo e terceiro graus a um papel burocrático,
já que apenas os sindicatos (entidades de 1o. grau) teriam a representação jurídica nos
processos negociais. Vale salientar que essa estrutura também foi aplicada aos profissionais
de nível universitário, denominados “categoria de profissionais liberais" e , no início dos anos
60, foi estendida ao setor rural 43. Como forma de garantir a sustentação financeira das
organizações sindicais, em l939, foi estabelecido por lei o "imposto sindical", posteriormente
denominado de "contribuição sindical" 44, desconto em folha das empresas do equivalente a
um dia de trabalho ao ano de cada trabalhador - do montante arrecadado 60% era destinado
aos sindicatos, 15% às federações, 5% às confederações e 20% ao Ministério do Trabalho 45.
Como instrumentos de negociação coletiva foram definidos: a convenção coletiva de trabalho,
firmada entre o sindicato de empregados e de empregadores e o acordo coletivo de trabalho,
negociado entre o sindicato e uma ou mais empresas 46. Os dois instrumentos têm eficácia
43 Os Sindicatos de Trabalhadores Rurais- STRs, as Federações de Trabalhadores Rurais e a Confederação Nacional da Agricultura - CONTAG, representam tanto os pequenos agricultores, meeiros, parceiros, como os assalariados e diaristas agrários. O Brasil é o único país da América Latina em que os pequenos agricultores integram a estrutura sindical. 44 A mudança de nome foi feita no início do Regime Militar. 45 Hoje ainda prevalece a lei, mas os 20% do Ministério do Trabalho são recolhidos para o Fundo de Amparo ao Trabalhador- FAT, que entre outras atribuições financia o Seguro Desemprego. Recentemente alguns sindicatos filiados à CUT tem bloqueado através da Justiça o recolhimento desse imposto, tendo como base de argumentação a dubiedade da legislação vigente. 46 A Convenção Coletiva foi consagrada pela primeira vez na Constituição de 1934 e na Constituição outorgada de 1937 aparece com a denominação de contrato coletivo de trabalho, mas sempre caracterizando um mesmo instituto:
39
erga omines em seus âmbitos de cobertura e se aplicam obrigatoriamente a toda à base de
representação do sindicato patronal (empresa ou categoria econômica).
A Constituinte de 1988 introduziu mudanças significativas na legislação sindical brasileira que
ampliaram seu grau de independência e reforçaram o papel dos dirigentes sindicais. Não há
dúvidas que o fim da intervenção direta do Estado no processo de constituição e
funcionamento das entidades sindicais (extinção da Carta Sindical e da Comissão de
Enquadramento; não interferência na formulação dos estatutos47; fim do controle fiscal por
parte do Ministério do Trabalho; etc) deram muito mais liberdade de ação às organizações
sindicais. Assim como, a obrigatoriedade de participação dos sindicatos nas negociações
coletivas e a constitucionalização das garantias sindicais, reforçaram o papel das diretorias
das entidades, principalmente dos sindicatos de primeiro grau.
Outro importante avanço da nova Constituição foi o reconhecimento do direito de
sindicalização para os empregados públicos. Direito limitado no entanto pelo não
reconhecimento da negociação coletiva para essas entidades.
Mas, ao mesmo tempo, a nova Constituição não aprovou a autonomia sindical, pois manteve
a exigência de um único sindicato, ou federação ou confederação por categoria profissional e
base territorial e manteve em lei a contribuição financeira anual. Desta forma manteve-se o
impedimento do direito de escolha dos trabalhadores e trabalhadoras e se reforçou a
concepção “cartorial” da estrutura sindical brasileira, ao manter o conceito da representação
automática e da sustentação financeira compulsória. A outorga da representação que antes
se dava via concessão da Carta Sindical, foi facilitada pelos novos procedimentos que
facilitaram a constituição e registro em cartório civil das novas entidades. Mesmo havendo a
possibilidade de recurso à Justiça do Trabalho para impedir desmebramentos e surgimento de
novas entidades em categorias e bases territoriais já representadas por alguma entidade
sindical, a falta de jurisprudência e muitas vezes a subjetividades das decisões, dificultam o
processo de reversão.
Assim, se a estrutura sindical saiu reforçada, o fato de nunca ter se regulamentado os termos
contraditórios do artigo 8º – sindicato livre e unicidade estabelecida por lei – gerou uma
situação posterior conflitiva e o crescimento da pulverização da organização sindical.
A soma de três fatores- maior facilidade para a criação de sindicatos, a manutenção da
sustentação financeira compulsória e do monopólio de representação dos sindicatos nas
negociações coletivas – tornou-se um forte incentivo para a criação de novos sindicatos – via
“o instrumento que consagra as condições de trabalho negociadas entre categorias, esferas dentro das quais se aplicam coercivamente”. Ver “Las Relaciones Laborales en Brasil”, Informe Relasur , OIT, Montevideo, 1996.
40
desmembramentos ou criação de novas entidades – fazendo crescer ainda mais a
pulverização organizativa, mas também os conflitos entre as diferentes centrais sindicais,
devido às disputas pela representação sindical48.
A Pesquisa Sindical do IBGE49 de 198950 mostrou que dos mais de 5 mil sindicatos de
trabalhadores existentes cerca de dois terços não tinham mais que 2.000 sócios e 81%
tinham até 5.000 associados. Com mais de 50 mil sócios registravam-se apenas 7 sindicatos
de empregados urbanos. Em 1991 e 1992 a Pesquisa Sindical do IBGE mostrou que o mesmo
quadro permanecia51.
Com o fim da comissão de enquadramento sindical poderia se esperar que o sindicalismo
brasileiro passasse por uma reconformação, promovesse fusões, redefinisse a abrangência de
sua representação, tanto profissional, quanto territorial, mas entre 1990 e 1996, segundo
registro do Ministério do Trabalho foram criados 2.135 novos sindicatos de assalariados do
setor privado - urbano (74% deles na indústria e no comércio); 178 sindicatos de
trabalhadores rurais e 1.281 de servidores públicos, ou seja 3.594 novos sindicatos, o que
elevou o número de entidades sindicais para além dos 10 mil. Ou seja, num período de pouco
mais de seis anos o número de entidades sindicais cresceu 87%.
A maior concentração da criação de novos sindicatos deu-se no período entre 1990 e 1992,
caindo um pouco nos três anos seguintes e significativamente em 1996. Provavelmente essa
queda pode ser explicada pela diminuição do poder de barganha dos sindicatos – seja pelo
crescimento da ocupação precária e do desemprego, seja pela queda da inflação e com ela
das campanhas pela recuperação dos salários.
Segundo estimativas da Secretaria de Relações de Trabalho do MTB em 1998 havia cerca de
16 mil os sindicatos cadastrados (trabalhadores e empregadores). Somados os pedidos de
depósito de novas entidades (muitos deles sob questionamento no judiciário e outros não
aceitos) esse número chegaria a 22 mil.
Porque esse novo boom de criação de sindicatos depois da inflexão anterior? Muitas razões
podem ser aventadas: a primeira delas é provavelmente a possibilidade de desfrutar de
plenas garantias de estabilidade laboral e a possibilidade de aceder deslocamento de grandes
empresas para regiões do interior que antes integravam bases de outros sindicatos; busca de
47 A abolicão do Estatuto Padrão já havia se dado em 1985, por iniciativa do Ministro do Trabalho Almir Pazzianoto e a nova Constituição apenas reafirmou a medida. 48 Como foi extinta a Comissão de Enquadramento Sindical e se manteve a unicidade sindical por lei as disputas entre novos e antigos sindicatos vêm sendo dirimidas pela Justiça que, na ausência de uma regulamentação, opta pela legislação anterior. 49 IBGE- Indicadores Sociais, Pesquisa Sindical, 1988. A Pesquisa Sindical foi feita anualmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística entre 1985 e 1991, tendo como fonte de informações os sindicatos. 50 Pesquisa Sindical IBGE 1989.
41
estabilidade laboral para um maior número de militantes; acesso a eleições de Juízes
Classistas; divergências política e/ou disputas pessoais de poder; acesso a programas de
formação profissional financiados pelo CODEFAT e outros.
O enfraquecimento das negociações coletivas
Outro aspecto importante a mencionar é o fato da Constituição de 1988 ter mantido
praticamente intocável o sistema de negociações coletivas limitado por seu instrumento de
pactuação e pela poder de interferência já conhecida da Justiça do Trabalho. Esse fato foi
crucial para a perda do poder de barganha dos sindicatos que ocorreu, principalmente, em
decorrência das transformações na estrutura econômica e produtiva brasileira nos anos 80 e
90 e a sucessão de planos e medidas de ajuste monetário nos anos 90.
Nos anos 80 a economia brasileira apresentou um comportamento pendular no que se refere
à ocupação. Alternaram-se períodos de desaceleração (1981-1983); recuperação (1984-
1986) e de estagnação do produto (1987-1989)52 que foram acompanhados de elevada
instabilidade monetária, incertezas nas decisões empresariais e forte insegurança para os
trabalhadores. Apesar disso, o processo hiperinflacionário e a inexistência de significativas
alterações nas formas de gestão da produção e da mão de obra contribuíram para a
concentração da ação sindical em torno de negociações coletivas de trabalho e a realização
de greves como mecanismo recorrente de reposição das perdas salariais.
A partir dos anos 90, com a transformação da economia e do modelo produtivo brasileiro -
gerados pela abertura comercial e redução do papel gerenciador e investidor do Estado -
produziu-se uma nova alteração no mercado de trabalho. As consequências dessas mudanças
são bastante conhecidas: a reestruturação e enxugamento da produção industrial, a
internacionalização do processo produtivo, a entrada de investimentos externos via fusões e
privatizações e mais recentemente, a internacionalização do sistema bancário.
Com a intensificação da descentralização da produção industrial nos últimos 5 anos (tanto
nos setores menos dinâmicos, como nos setores de ponta), os pólos industriais mais antigos
passaram a ser reduzidos e, ao mesmo tempo, os novos núcleos de indústria manufatureira
vêm se utilizando de tecnologias organizacionais de baixa incidência de mão de obra, de
maior precariedade da ocupação e salários muito mais baixos. O efeito desse processo vem
afetando o segmento assalariado como um todo – não há reposição dos empregos perdidos
- e mais diretamente o sindicalismo industrial que passa a ser pressionado a trocar suas
51 Anuário Estatístico do IBGE, 1994. 52 POCHMANN, Marcio, BARRETO, Reginaldo e MENDONÇA, Sérgio – “Ação Sindical no Brasil – transformações e perspectivas”, in São Paulo em Perspectiva, Revista Fundação SEADE, vol. 12 n. 1, outubro 1998.
42
conquistas laborais e benefícios sociais pela manutenção dos empregos, isto é pela não
deslocação das unidades fabris.
Paralelo a isso houve a privatização dos principais segmentos estatais, no período 1993 a
1998 (siderurgia, petroquímica, eletricidade e telecomunicações) que, além da forte
reestruturação dos mesmos, produziu a concentração e internacionalização dos grupos
empresariais que controlam esses segmentos, contribuindo para uma maior redução da
ocupação, seja pela via do corte de pessoal, seja pela via das mudanças organizacionais.
Completa o quadro o uso intensivo da terceirização nos segmentos industriais e de serviços e
a larga utilização das cooperativas de trabalho nos segmentos agro-industriais e nas novas
áreas de concentração de indústrias exportadoras (calçados, eletroeletrônica, para citar
alguns exemplos). Processos que levam à pulverização de antigos segmentos e a mudanças
profundas nas formas de relação entre capital e trabalho, tendo sido essa a matriz geradora
das mudanças legislativas que regulam o contrato de trabalho (trabalho temporário,
domiciliar, etc) aprovadas pelo Congresso durante os anos 90.
O resultado de todas essas mudanças e do aprofundamento da flexibilização trabalhista,
levaram a uma maior dispersão e fragmentação das negociações coletivas.
Apesar de haver se mantido a convenção coletiva para toda a categoria, as negociações de
acordos coletivos pelas grandes empresas passaram a ser cada vez mais frequentes,
concentrando seu foco na flexibilização de alguns direitos, sob a justificativa de aprofundar
modernização tecnológica para alcançar maior produtividade e competitividade. Esse formato
se impôs pelo poder da empresa, mas também pelo atrativo de poder proporcionar mais
benefícios sociais aos seus empregados, assim como ganhos de seus rendimentos, devido à
negociação da Participação nos Lucros e Resultados – PLR (criada pela constituição de 1988 e
regulamentada em 1994).
Com este cenário as negociações coletivas centralizadas perderam poder na maioria dos
casos (a mobilização sempre toma como base a dinâmica organizativa das grandes
empresas) e, nos anos 90, principalmente após a adoção do plano real, pode-se perceber a
perda do poder de barganha dos sindicatos, resultando em perdas salariais e crescimento de
acordos e convenções coletivas com cláusulas flexibilizadoras, principalmente nos estatutos
da jornada de trabalho e contrato de trabalho.
E por último, há que se mencionar que na constituição de 1988 não se aprovou as garantias
de organização sindical nos locais de trabalho e a figura do “representante dos trabalhadores”
prevista no artigo 12 nunca foi regulamentada.
43
Tentativas frustradas de mudanças
Ao longo dos anos 90 várias vezes surgiram propostas de mudanças dessa legislação em
direção a autonomia sindical. Praticamente todas elas contaram com a oposição de grande
parte das entidades sindicais e a quase totalidade das organizações empresariais, como da
mesma forma foram rejeitadas todas as tentativas de ratificação da Convenção 87 da OIT. A
proposta que mais avançou foi o projeto de PEC (Projeto de Emenda Constitucional)
apresentado ao Congresso, em 1998, pelo então Presidente, Fernando Henrique Cardoso, e
que previa profunda alteração da estrutura sindical brasileira ao promover a extinção do
sindicato único, ou seja do monopólio de representação sindical.
A oposição de grande parte das organizações sindicais e patronais e os efeitos da crise
financeira de janeiro de 1999, impediram que o projeto fosse adiante. A única mudança, de
importância, no período, foi extinção do cargo de Juiz Classista em 1999.
1.1.2. A visão dos órgãos de controle da OIT
Casos de Violação da Liberdade Sindical no Brasil examinados pelo Comitê de Liberdade Sindical
Apesar de o Brasil não ter ratificado a Convenção 87, o país está obrigado a respeitar e
aplicar o princípio da liberdade sindical, como foi dito, estando submetido ao controle
provocado do Comitê de Liberdade Sindical. Esta obrigação decorre da previsão da obrigação
de respeitar o princípio da liberdade sindical prevista na Constituição da OIT e de o país ter
ratificado a Convenção 98 que é aplicada de forma integrada com a Convenção 87.
Entre 1985 e 2003 o Comitê de Liberdade Sindical examinou 24 casos relativos ao Brasil. As
várias reclamações eram dirigidas contra a prática de atos anti-sindicais, ou seja, aspectos
conjunturais das relações trabalhistas e, ainda, também enfocaram aspectos estruturais do
modelo sindical corporativo. Deste último objeto de reclamações, especificamente, o Comitê
extraiu recomendações de natureza normativa, que recomendam a adoção de mudanças
constitucionais e legais no ordenamento jurídico brasileiro.
Em 1985 o CLS adotou uma recomendação sobre uma reclamação do Sindicato dos
Trabalhadores Metalúrgicos de João Monlevade referente a prática de atos anti-sindicais
adotados pela siderúrgica Belgo Mineira (caso n. 1.270 do CLS). Em 2003 o CSL examinou
reclamação apresentada pela Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres
(CIOSL), enfocando o assassinato de um dirigente do Sindicato dos Trabalhadores na
Citricultura de Sergipe (caso n. 2.156 do CLS). Em ambos os casos o Comitê recomendou a
adoção de um comportamento que o Comitê considera compatível e adequado com o respeito
ao exercício da liberdade sindical.
44
No caso dos trabalhadores metalúrgicos de João Monlevade, o Comitê recomendou ao
governo brasileiro que fizesse a empresa respeitar o exercício legitimo de greve e não
praticasse atos anti-sindicais contra os dirigentes do sindicato de trabalhadores. Na
reclamação da CIOSL, por sua vez, o Comitê recomendou ao governo brasileiro que
determinasse às autoridades o imediato esclarecimento dos fatos relativos ao assassinato e
das respectivas responsabilidades, de maneira que se possa punir os culpados.
Entre os casos examinados pelo Comitê, estão diversos que, no entanto, foram concluídos
com recomendações que, uma vez adotados, levariam a alterações de natureza estrutural do
modelo de relações trabalhistas existente no Brasil. Esta foi a tônica de diversas
recomendações adotadas pelo Comitê. Um exemplo é o caso da reclamação que a Central
Única dos Trabalhadores (CUT) apresentou em 1997 contra o governo brasileiro em função
das medidas punitivas adotadas em decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) sobre a
greve ocorrida na petrolífera Petrobrás (caso n. 1889 do CLS).
No caso em questão, o Comitê adotou, entre outras recomendações, que o governo tomasse
medidas para modificar a legislação brasileira para que o submetimento de conflitos coletivos
de interesses às autoridades judiciais só fosse possível havendo comum acordo entre as
partes – princípio da negociação livre e voluntária prevista na Convenção n. 98. Recomendou
que se admitisse a intervenção judicial no conflito só no caso dos serviços essenciais, no
sentido estrito do termo, ou seja, aqueles nos quais a interrupção do trabalho colocasse em
risco a vida, a saúde ou a segurança de parte ou de toda a população.
O Comitê estava se referindo, no caso dos trabalhadores petroleiros, ao poder normativo
concedido aos tribunais trabalhistas no Brasil para solucionar, compulsoriamente, a pedido de
uma parte ou do Ministério Público, os conflitos coletivos de trabalho através do processo
judicial do dissídio coletivo.
O Comitê voltou, ainda uma vez, ao tema do mecanismo de controle compulsório do conflito
coletivo, no caso apresentado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Instituições
Financeiras (CNTIF), contra o governo brasileiro pelo julgamento do dissídio coletivo proposto
pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Crédito (CONTEC). A CNTIF
reclamou perante o Comitê que, apesar de representar a maioria ampla dos trabalhadores do
setor, sofria uma restrição compulsória na sua representação sindical com a intervenção
judicial proposta por outra Confederação, que é a detentora do monopólio da representação
(caso do CLS n. 2.099 de 2001).
Neste caso, a decisão do Comitê acabou atacando dois pontos estruturais do sistema
brasileiro de solução de conflitos. O Comitê reafirmou o primado normativo da voluntariedade
da negociação coletiva e dos respectivos mecanismos de solução dos conflitos coletivos,
45
conforme disposto na Convenção 98 e, ainda, declarou o monopólio sindical incompatível com
o princípio da liberdade sindical e exorta o governo brasileiro que ajuste a sua legislação a
este princípio.
A Liberdade Sindical e o Direito de Sindicalização no Brasil à luz da Comissão de Peritos em Convenções e Recomendações
Quanto à aplicação dos preceitos constantes na convenção n. 98, o Brasil tem enfrentado
uma série de questionamentos, por parte da Comissão de Peritos na aplicação das
Convenções e Recomendações. Antes de avançar estas considerações, devemos, mais uma
vez, recordar que a Convenção 87 é interpretada, pela Comissão de Peritos, de forma
integrada com a Convenção n. 98.
Em 1998 o caso brasileiro foi levado a debate na Conferência Internacional do Trabalho e, no
ano seguinte (26 a 30 do mês de abril de 1999) uma missão técnica foi enviada ao Brasil53
para verificar as dificuldades encontradas à aplicação da Convenção 98.
A Comissão de Peritos tem feito reiteradas considerações sobre a incompatibilidade do
instituto jurídico do Dissídio Coletivo frente aos preceitos da Convenção n. 98,
recomendando, inclusive, que o governo tomasse as medidas cabíveis para que fosse
restringido o seu uso apenas para os casos, nos quais, for requerido por ambas as partes, ou,
então, que seja restringido o seu uso unilateral para o caso de conflitos que envolva os
serviços essenciais, no estrito sendo da palavra, como definido pelas decisões do Comitê de
Liberdade Sindical.
Outro ponto problemático para a efetiva aplicação da Convenção n. 98, segundo os peritos da
OIT, é o artigo 623 da Consolidação das Leis do Trabalho, que prevê a possibilidade de um
Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho – instrumentos de contratação coletiva previstos
na legislação brasileira - serem declarados nulos quando adotam reajustes que afrontem a
política econômico-financeira do Estado. Segundo a Comissão, isto afeta a independência dos
atores sociais no processo de negociação coletiva, razão pela qual requereu ao governo
brasileiro a adoção de medidas necessárias para garantir a revogação do referido artigo,
ainda que o mesmo não viesse sendo utilizado na prática.54
53 Para ver os debates ocorridos na CIT de 1998 ver o Informe da Comissão de Aplicação de Normas Internacionais, 1998, in ILOLEX, CD-ROOM editado pelo Departamento de Normas da OIT, Genebra, 20003. As informações públicas da missão técnica – o relatório não se encontra disponível – estão relatadas no Informe da Comissão de Peritos em Convenções e Recomendações Internacionais, 2000, ILOLEX, CD-ROOM editado pelo Departamento de Normas da OIT, Genebra, 20003. 54 Cf. o Informe da Comissão de Peritos em Convenções e Recomendações Internacionais, de 1998, ILOLEX, CD-ROOM editado pelo Departamento de Normas da OIT, Genebra, 20003.
46
Por último, devemos registrar a negociação e contratação coletiva no setor público como o
ponto no qual existe o maior distanciamento entre as garantias da Convenção n.98 e a
prática jurídica brasileira.
A Comissão de Peritos foi informada, pela memória enviada pelo governo brasileiro, que o
Supremo Tribunal Federal (STF), tribunal de natureza constitucional, considerou
inconstitucional o artigo 240 da lei 8.112/91 – o qual regulava a negociação e contratação
coletiva. Após a apresentação do relatório da missão técnica, a Comissão de Peritos concluiu
que seria necessária uma emenda constitucional para se garantir o direito a negociação e
contratação coletiva dos funcionários públicos. A Comissão constatou, ainda, que durante a
visita da missão técnica surgiu a conveniência de realizar-se um seminário nacional tripartite,
com o acompanhamento da OIT, para discutir o tema da negociação coletiva em geral,
incluída a abrangência da negociação na administração pública e do setor público.55
No relatório da Comissão de Peritos de 2004 foi relatado o comentário feito pelo governo
brasileiro a um longo informe enviado pela CUT, no qual prestou informações sobre a
instalação do Fórum Nacional do Trabalho e afirmou expressamente a realização de estudos
para uma reforma administrativa que estenda aos servidores públicos o direito à negociação
e contratação coletivas.56
Na Conferência de 2004 o Brasil figurou inicialmente numa lista de casos a ser examinada
pela Comissão de Aplicação de Normas, mas foi retirado nas negociações ocorridas em
Genebra na véspera do exame dos casos individuais.57
De outro lado, não podemos ignorar a mais recente iniciativa do governo em adequar a
legislação aos preceitos da liberdade sindical previstos na Convenção, com a criação do
Fórum Nacional do Trabalho58, órgão responsável pela elaboração dos projetos de emenda
constitucional e de lei para as reformas trabalhista e sindical no ordenamento jurídico
brasileiro.
A Liberdade Sindical e o Direito de Sindicalização no Brasil à luz dos Mecanismos de Seguimento da Declaração dos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho
Os Relatórios Anuais sobre a aplicação da Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais
no Trabalho, realizados pelo Escritório Internacional do Trabalho, nos anos de 2002, 2003 e
55 Cf. o Informe da Comissão de Peritos em Convenções e Recomendações Internacionais, de 2000, ILOLEX, CD-ROOM editado pelo Departamento de Normas da OIT, Genebra, 20003 56 Cf. Cf. o Informe da Comissão de Peritos em Convenções e Recomendações Internacionais, Genebra, OIT, 20004. 57 Entrevista com Ericson Crivelli, representante dos trabalhadores brasileiros na Comissão de Aplicação de Normas da CIT de 2004, em Genebra. 58 O regimento interno foi criado pela portaria 1.029 de 12 de agosto de 2003 do Ministério do Trabalho e Emprego.
47
2004, incluem comentários apresentados pela Central Única de Trabalhadores-CUT, sobre os
seguintes aspectos:
1. Monopólio da representação sindical e seus mecanismos constitucionais
de controle;
2. A possibilidade de solução judicial compulsória dos conflitos coletivos;
3. Controle governamental sobre o registro sindical no Ministério do
Trabalho como limitador da existência de sindicatos fora do monopólio
sindical;
4. Impossibilidade dos sindicatos que não detenham o monopólio de
registrarem convenções e acordos coletivos;
5. Inexistência do direito à negociação coletiva e contratação aos
servidores públicos civis;
6. Limitação legal dos sindicatos dos dirigentes sindicais protegidos contra
a possibilidade de dispensa imotivada;
7. Existência legal de representação compulsória dos sindicatos, por
federações e confederações.
No Relatório Anual de 2004 o governo brasileiro anunciou a instalação, como já se fez
menção, do Fórum Nacional do Trabalho (FNT), objetivando a realização de uma ampla
Reforma Sindical e Trabalhista que permita a ratificação da Convenção 87 e aplicação das
demais convenções fundamentais.
1.1.3. Os resultados alcançados pelo Fórum Nacional do Trabalho
Um dos temas caros ao atual governo, que tem boa parte de seus responsáveis oriundos no
sindicalismo, é a reforma da legislação sindical e trabalhista brasileira. No ano de 2003 esse
processo teve início com a criação do Fórum Nacional do Trabalho- FNT, um organismo
tripartite que deve elaborar os projetos de mudança da constituição (PEC) e da legislação em
vigor, iniciando-se pelo capítulo da organização sindical e negociações coletivas.
A equipe técnica da Secretaria de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego
está em fase de conclusão da redação do projeto de lei e um projeto de emenda
constitucional para a Reforma Sindical. Ambos deverão ser enviados ao Congresso Nacional
no início de 2005.
48
A redação dos dois projetos constitui o resultado obtido pelas negociações travadas no
âmbito do Fórum Nacional do Trabalho. Em novembro de 2004, após 14 meses de
discussões, resultaram em projeto de lei com 238 artigos e uma Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) destinada a alterar o art 8o da Constituição Federal brasileira.
Organização Sindical: resumo das mudanças previstas
Troca do Conceito de Unicidade por Exclusividade: Os sindicatos podem optar pelo novo
sistema de representação chamado de Exclusividade. Aqueles que não aderirem ao novo
sistema ficam sujeitos a possibilidade de existência de uma pluralidade sindical. Àqueles que
optarem, no prazo estabelecido na lei, poderão gozar de uma Exclusividade da
Representação, através da qual gozarão de privilégios legais do atual monopólio, ou seja, a
uma nova forma de monopólio da representação. Para isso, devem submeter-se a alguns
critérios:
a) Submeter-se às normas do Estatuto Sindical
Consistirá em um conjunto de normas a ser estabelecido pelo Conselho Nacional de Relações
do Trabalho do Ministério do Trabalho, órgão previsto nos projetos da Reforma Sindical.
Estas normas deverão estabelecer critérios de democracia sindical, regime de prestação de
contas, forma e mecanismos de aferição da representatividade, etc.
b) Optar pela Exclusividade Originária ou Derivada
A primeira modalidade de representatividade é a obtenção da exclusividade a partir da
comprovação da sindicalização de 20% dos trabalhadores do setor profissional representado
pela entidade sindical que a estiver pleiteando. A exclusividade derivada, por sua vez, como o
próprio nome diz, derivará da filiação do sindicato a uma Federação, Confederação, ou
Central Sindical, que ficará obrigada - não o sindicato ou entidades filiadas isoladamente nos
seus respectivos territórios - a comprovar a representação de 15% dos trabalhadores do
setor no âmbito de sua representação territorial.
c) Reconhecimento dos Sindicatos
Os sindicatos e as centrais sindicais serão “fiscalizados” pelo Conselho Nacional de Relações
do Trabalho, fórum tripartite (governo, trabalhadores e empresários) que está sendo criado.
No conselho as câmaras bipartites (governo/trabalhadores) e (governo/empresários)
poderão opinar e fiscalizar as respectivas estruturas.
d) Setores econômicos
Será eliminado o conceito de categoria atualmente existente no modelo sindical brasileiro. O
novo conceito de grupo social será definido pelo Conselho Nacional do Trabalho.
49
e) Financiamento dos sindicatos
O imposto sindical e as atuais contribuições, assistencial e confederativa, serão extintos. O
imposto sindical – atualmente denominado contribuição sindical – deverá ser extinto em
quatro anos, período no qual será gradativamente reduzido. Serão substituídos por uma taxa
negocial, vinculada à negociação salarial. Esta taxa não poderá ultrapassar o limite máximo
de 1% do salário líquido mensal.
f) Representação no local de trabalho
As empresas ou estabelecimentos com 30 trabalhadores, ou mais, deverão admitir a
presença de um representante do sindicato no local de trabalho. A representação será
instalada pelo sindicato detentor da Exclusividade de Representação. Quando não houver
uma exclusividade da representação da categoria, esta deverá ser instalada pelos diversos
sindicatos em conjunto. Os empregados não poderão ser punidos pela organização.
g) Fundo de Promoção Sindical
O Fundo será bipartite e responsável por criar e impulsionar campanhas de fortalecimento da
estrutura sindical e dos sindicatos. Sua fonte de recursos será um percentual da arrecadação
da contribuição da negociação coletiva.
Negociação Coletiva
A negociação coletiva será sempre coordenada pelos sindicatos. Mesmo quando a negociação
ocorrer em instância de nível superior (federação, confederação ou central) os sindicatos de
base deverão ser consultados para aprovar a negociação e se rejeitá-la ficará de fora do que
for negociado.
Se não houver consenso até o vencimento do prazo do acordo coletivo, suas garantias serão
prorrogadas por 90 dias. Em caso de impasse, haverá a mediação pública ou privada, com o
intuito de forçar um consenso. Se, ainda assim, não houver um resultado, o caso poderá ser
arbitrado por um árbitro privado ou pela Justiça do Trabalho, conforme decisão de comum
acordo das partes.
Algumas Críticas ao Projeto do Fórum Nacional do Trabalho
Não há garantias efetivas de uma futura rotação da Exclusividade, caso um novo sindicato
pleiteie a Exclusividade. Os Estudos Especiais da Comissão de Peritos em Recomendações e
Convenções da OIT, dos anos de 1983 e 1994, definiram alguns critérios para as garantias ao
exercício da liberdade sindical que, no entanto, não estão claros ou efetivamente assegurados
no projeto brasileiro:
50
I. Direito do sindicato minoritário a uma checagem periódica da representatividade dos
sindicatos majoritários, que lhes permitam acessar esta posição e seus respectivos privilégios
legais;
II. O órgão regulador do sistema da representação que fiscalizará o funcionamento do
sistema e solucionará os conflitos, o Conselho Nacional do Trabalho, é constituído pelos
próprios interessados, mecanismo que é condenado pela interpretação que os peritos fazem
da aplicação das convenções 87 e 98.
III. A adesão ao sistema da Exclusividade da Representação implica na submissão à
algumas regras de funcionamento, como financeiras, estatutos sindicais, eleições, etc. O
sistema proposto parte do pressuposto que o acesso a privilégios legais devem ser
condicionados a aceitação de regras limitadoras da denominada liberdade interna corporis.
Progressos Existentes no Projeto
Apesar dos problemas apresentados, o projeto apresenta indiscutíveis avanços em relação ao
atual modelo sindical corporativo existente no Brasil. A seguir elencamos algumas das
alterações que merecem uma avaliação positiva.
I. Uma maior representatividade dos sindicatos e das organizações de segundo e terceiro
graus. A introdução dos conceitos de representatividade, apesar das dificuldades para a sua
alternância, representará um indiscutível acréscimo de representatividade ao sistema de
representação.
II. As diversas contribuições são concentradas em uma única fonte, além da mensalidade
sindical que subsistirá. O sistema inibirá os atuais abusos que são cometidos, com o limite
que está previsto. Além do que estará vinculado à negociação coletiva, o que dará um
conteúdo de retributividade à contribuição. Desta forma, impedir-se-á que os sindicatos sem
representatividade obtenham vantagem econômica sem uma representatividade e atividade
sindical que a justifiquem.
III. O instrumento da substituição processual será consideravelmente ampliado, permitindo a
defesa judicial dos direitos dos trabalhadores em caso de macro lesão de direitos
homogêneos.
IV. A existência de uma representação no local de trabalho viabilizará, finalmente, a aplicação
da convenção 135 da OIT, há muito ratificada pelo Brasil.
51
1.2. Eliminação do Trabalho Forçado e Obrigatório59
Entre 1980 e 1991, a Associação Brasileira de Inspetores do Trabalho (AGITRA) documentou
3.144 casos de pessoas submetidas a trabalho forçado em 32 propriedades na região Sul do
Estado do Pará. A AGITRA observou, na ocasião, que o trabalhou forçado aumentava
consideravelmente no país, enquanto a inspeção do trabalho estava diminuindo.
Incidência de trabalho forçado por tipo de atividade
Fonte: SIT/MTE 60
De acordo com uma estimativa da Comissão Pastoral da Terra, pelo menos 25 mil
trabalhadores estão em situação de submissão. Geralmente são homens adultos, na faixa de
20 a 35 anos e, eventualmente, mulheres que atuam como coadjuvantes em serviços de
cozinha e lavagem de roupas. A fase da exploração do ser humano começa com a chegada
dos trabalhadores nas fazendas já devendo ao dono da propriedade, o custo da passagem e
gastos com alimentação, ferramentas e remédios. Tudo é debitado do trabalhador, que não
consegue quitar a dívida, tornando-se um escravo da fazenda. Os estados do Maranhão e
Piauí são os mais cobiçados pelos "gatos" pelo alto índice de pobreza e desinformação dos
trabalhadores que são seduzidos pelas promessas de garantia de emprego e salário
compensador.
A OIT do Brasil utiliza a expressão Trabalho Escravo, entendido como Trabalho Degradante e
Privação Liberdade, a qual pode se dar de diferentes formas: servidão por dívida; retenção de
documentos; dificuldades das condições geográficas que não permitem o deslocamento e por
fim a presença de capatazes armados. Segundo a OIT a principal causa dessa prática deve
59 Site traz reportagens sobre trabalho escravo no Brasil - O Repórter Brasil (www.reporterbrasil.org.br) apresenta a situação de famílias privadas de sua liberdade e obrigadas a trabalhar em troca de comida. 60 Gráfico apresentado por Patrícia Audi no seminário em Brasília de 6 e 7/12/04
43%
28%
24%
1%4%
Pecuária Desmatamento Agricultura Madeireiras Carvoarias
52
ser atribuída à impunidade dos que se utilizam do trabalho forçado, mas também são fatores
de causa a vulnerabilidade do trabalho (trabalho sem registro e sem a mínima cobertura
legal), principalmente nas regiões de mais difícil acesso geográfico, e a ausência muitas
vezes da fiscalização do trabalho.
1.2.1. A visão dos órgãos de controle da OIT
Segundo avaliações da Comissão de Peritos da OIT existiam problemas de ordem legal que
prejudicavam a efetiva aplicação dos preceitos previstos nas Convenções 29 e 105. Razão
pela qual foram realizadas alterações no ordenamento jurídico que regula tipificação penal
destes crimes, para que o trabalho escravo, previsto na legislação penal, passasse a
englobar as figuras jurídicas de trabalho forçado ou escravidão por débito. Entre os
problemas remanescentes, mencionados frequentemente nos comentários da Comissão de
Peritos, está a persistência do conflito de competência entre a justiça comum estadual, que
seria mais suscetível às pressões políticas, e a Justiça Federal, para o julgamento dos casos
envolvendo o trabalho forçado. Em diversas ocasiões a Comissão de Peritos recomendou a
federalização destes crimes, providência ainda não adotada na legislação brasileira.
A Comissão de Peritos notou, ao longo de vários anos, que haviam ocorrido pouquíssimas
condenações penais com base nos artigos 132, 149, 203 e 207 do Código Penal – que
prevêem e tipificam os crimes relacionados com o trabalho forçado. Estes artigos da
legislação penal foram modificados pela lei 9.777/98, atendendo algumas exigências das
Convenções da OIT, porém até o presente momento não foi ainda possível verificar-se se são
mais eficazes no combate ao trabalho forçado. Os peritos observaram que as últimas
memórias enviadas pelo governo brasileiro não traziam informações suficientes para uma
avaliação61. Não se deve esquecer, ainda, que a morosidade do judiciário brasileiro,
frequentemente recordada em relatórios da Comissão de Peritos 62.
Também foi alvo de crítica pelos peritos a pequena porcentagem de processos instaurados
em relação ao número de autuações efetuadas pelos inspetores e fiscais do trabalho,
afirmando que é inútil uma atuação desses a não ser que apoiados por um sistema jurídico e
administrativo que imponha severas sansões aos responsáveis, sendo citado a extrema
burocracia envolvida para instauração das ações penais, o que leva ao descumprimento do
artigo 25 da Convenção 29, que recomenda penas efetivas àqueles que a descumprem.
61 Cf. Informe da Comissão de Peritos na Aplicação de Convenções e Recomendações, OIT, Genebra, 2004, p.136. 62 Cf. Informe da Comissão de Peritos na Aplicação de Convenções e Recomendações, op. cit, p.134.
53
O relatório mais recente menciona as autuações realizadas no Estado do Pará, confirmadas e
que deram ensejo a condenações por dano moral coletivo e convertido também em
indenizações pelo Tribunal Regional do Trabalho do Pará.63
Lembra também a Comissão de Peritos a necessidade em estabelecer responsabilidade civil e
criminal para todos os envolvidos, ressaltando também o fato de somente pequenos
proprietários terem sofrido punições. Este assunto foi debatido no plenário da Comissão de
Aplicação de Normas da Conferência, em 1997.64 Um dos problemas centrais na repressão ao
trabalho forçado é a necessidade de punição de todos os envolvidos na cadeia produtiva, que
sempre serve, no final de sua linha, a grandes corporações nacionais ou transnacionais.
Em decorrência da dificuldade de identificação e punição de empresas contratantes daqueles
que se valem do trabalho forçado, vários proprietários rurais, mesmo tendo sido autuados
pelo uso de trabalho forçado, acabam conseguindo financiamentos públicos, o que não é
permitido.
A Comissão de Peritos criticou em reiteradas oportunidades, o decreto 5.889/73 que prevê
multas menores aos produtores rurais do que as previstas na CLT, principalmente por se
concentrar no âmbito rural a maior incidência dos casos de violação as Convenções
mencionadas. Em função da morosidade do poder legislativo brasileiro em aprovar um
projeto de lei alterando o artigo 18 do referido texto legal – que regula o valor das multas
aplicáveis ao setor rural - o poder executivo editou uma Medida Provisória n. 2.164/01.
Reconhecem os peritos da OIT os esforços do governo para erradicação do problema e,
ainda, que ano a ano vem melhorando a atuação do Estado no combate ao trabalho forçado.
Apesar disso, subsiste ainda a necessidade de uma melhor comunicação entre os diversos
órgãos públicos envolvidos nesse combate, bem como dar melhores condições a esses
órgãos, seja com o aumento do número de servidores envolvidos ou uma infra-estrutura mais
moderna e condizente com o tamanho do desafio que enfrentam.
Não poderíamos deixar de citar, por fim, que a Comissão dirigiu três solicitações diretas ao
governo para que apresentasse respostas a comunicação apresentada pela CIOSL,
denunciando a existência de crianças sujeitas a servidão por débito e obrigadas a se prostituir
no Estado de Rondônia. Inicialmente, havia o governo brasileiro alegado que não deveria o
caso ser analisado sobre a ótica do disposto na Convenção 29, porém tal argumento foi
prontamente rejeitado pela Comissão de Peritos. Desde então, a Comissão aguarda uma
63 Cf. Informe da Comissão de Peritos na Aplicação de Convenções e Recomendações, op. cit, p.138. 64 Cf. Informe da comissão de Aplicação de Normas, CIT de 1997, ILOLEX, OIT, 2003.
54
manifestação governamental que explique os fatos ocorridos, bem como o que vem sendo
feito para sanar à situação dessas 3.000 crianças.65
1.2.2. As iniciativas do Estado brasileiro e os avanços registrados
A partir da metade dos anos 90, o Estado brasileiro tem realizado significativos avanços para
eliminar o problema e a partir de 2001 os resultados são mais significativos. Mas sem dúvida
foi a partir da gestão do governo Lula (em curso) que o combate ao trabalho forçoso avançou
mais. Colocado como uma prioridade da fiscalização o número de resgates e de resgatados
em 2003 e 2004 supera todo o período anterior em conjunto.
De 1995 até o início de julho de 2004, foram resgatados 11.969 trabalhadores rurais que se
encontravam em condição análoga à de escravo. Quase metade (5.224) dos casos ocorreu no
Pará, seguido por Mato Grosso (2.435) e Bahia (1.139). Depois, vêm Maranhão, Tocantins e
Rondônia.
Trabalhadores resgatados pela fiscalização no Brasil
Fonte:SIT-OIT-BR
65 Estas e outras informações e denúncias surgidas ao longo de anos nos relatórios da Comissão de Peritos, vem mencionadas expressamente no relatório de 2004. Cf. Informe da Comissão de Peritos na Aplicação de Convenções e Recomendações, op. cit, idem.
77
21995 47 56 88 144 91 19484
425394 159
725527
1174
2306
4932
0
1000
2000
3000
4000
5000
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Fazendas Fiscalizadas Trabalhadores Libertados (10.726)(1.011)
55
Segundo a CPT, em 2002 foram libertados 2.156 trabalhadores, que receberam R$ 2 milhões
a título de indenização; até setembro de 2004, o número de libertados já atingia 3.500 e as
indenizações pagas somavam R$ 4,8 milhões 66.
Esses resultados revelam uma disposição política da atual administração pública, mas
também coroam iniciativas institucionais que vêm sendo tomadas há mais tempo.
Em 28/01/02 foi criada, através da Resolução n. 05 do Conselho dos Direitos da Pessoa
Humana da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, uma Comissão Especial encarrregada
do combate ao trabalho forçado. Esta Comissão Especial foi responsável pela elaboração do
Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, lançado em 11/03/03.67
Diversas ações são desenvolvidas também no âmbito do Ministério Público do Trabalho. Em
28/01/02 foi criado, pela Portaria n. 231, a Coordenadoria Nacional de Combate ao Trabalho
Escravo (CNCTE). Segundo a estatística disponível neste órgão, de março de 2003 – não
muito recente -, ele participou de 48 operações de fiscalização com o Grupo Móvel de
Combate ao Trabalho Escravo. Existem, atualmente, 248 procedimentos administrativos em
andamento e 210 arquivados.
Desde que iniciou sua política de combate ao trabalho forçado, o Ministério Público do
Trabalho firmou 101 Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta e impetrou sete
Ações de Execução de Título Extrajudicial. Ingressou com Ações Civis Públicas (ACP), sendo
42 ainda em andamento, nove Ações Civis Coletivas (ACC), uma Ação Cautelar (AC), 12
Reclamações Trabalhistas (RT) e uma Ação Anulatória (AA).
Das operações que o Ministério Público do Trabalho tomou parte, 22 ocorreram no Estado do
Mato Grosso do Sul, 12 no Estado do Pará. O Estado do Pará segue sendo o Estado brasileiro
recordista em ocorrência de trabalho forçado e reincidência. Das ACPs impetradas pelo MPT,
onze delas foram no Estado do Pará e quatro ACCs.
Na 10a Região, que inclui o Estado de Tocantins e o Distrito Federal, há o maior número de
procedimentos em andamento: 96. No Estado do Pará são 46, São Paulo, 26, Maranhão, 18,
Mato Grosso, com 16, Rondônia, com 13, e Campinas (SP), com 10. A região com o maior
número de Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TCAC) firmados é a do
Mato Grosso, com 21, seguido por Minas Gerais, com 19, Piauí, com 16, Rio de Janeiro, com
11 e o Pará com nove.
66 Singer, Paul - Prevenção do trabalho escravo no Brasil, FSP, 20/10/03 . 67 Informações disponíveis no endereço www.mpt.gov.br/publicacoes/escravo/planonacional.pdf, informação de 03/11/04.
56
Entre as doze Reclamações Trabalhistas ajuizadas, nove foram impetradas no Estado do Mato
Grosso do Sul, uma de Goiás e outra do Pará. Em apenas duas regiões do MPT não foi
registrada nenhuma ação relacionada com o tema do trabalho forçado: nos Estados de
Sergipe e Rio Grande do Norte.68
O atual governo priorizou o combate à escravidão. Em abril de 2003, adotou um Plano para a
Erradicação do Trabalho Escravo e, em 31/07/03, o presidente assinou decreto que cria a
Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, a CONATRAE, formada por nove
representantes de ministérios e nove de "entidades privadas não-governamentais (...) que
possuam atividades relevantes relacionadas ao combate ao trabalho escravo".
Ainda em 2003, a Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego
formou criou o Grupo Especial de Fiscalização Móvel que combate o trabalho escravo no
campo, composto por auditores do trabalho e agentes da Polícia Federal, que vai aos locais
em que há trabalho escravo e liberta as vítimas, que recebem algum auxílio em dinheiro e
são recambiadas aos municípios de onde provêm. Os responsáveis pela escravização de
trabalhadores são processados, mas até o momento quase nenhum foi punido69.
As diligências feitas pelo Grupo Móvel em 2003 libertaram 4.995 trabalhadores, sendo que os
grandes focos do trabalho escravo no Brasil estão concentrados nos Estados do Pará, Mato
Grosso, Maranhão e Goiás. O número de fazendas fiscalizadas aumentou significativamente
desde a criação do Grupo Móvel, tendo sido 77, em 1995, alcançando 194 fazendas em 2003.
Outra iniciativa legislativa ocorrida em 2004, foi a aprovação, em primeiro turno, pela
Câmara dos Deputados, de uma emenda constitucional que permite a expropriação das
propriedades rurais onde tenha sido encontrado trabalhadores em regime forçado ou análoga
ao trabalho escravo. Trata-se da Emenda Constitucional n. 438-A que, após a aprovação em
segundo turno nesta casa do parlamento brasileiro, deverá ser enviada à aprovação no
Senado Federal.70
Por último, é importante mencionar que a partir de outubro de 2004, os produtores rurais
flagrados explorando mão-de-obra escrava estão enfrentando dificuldade de excluir seus
nomes das listas sujas do governo. O Ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, assinou uma
portaria criando o Cadastro dos Empregadores que tenham mantido trabalhadores em
condições semelhantes à de escravo. Os 166 produtores e empresas rurais constantes deste
68 Para as informações referentes as ações do Ministério Público do Trabalho em combate ao trabalho forçado, ver o endereço, www.mpt.gov.br/escravo/geral/estatisticas.html , acessado em 03/11/04. 69 SINGER, Paul, Prevenção do trabalho escravo no Brasil, artigo publicado na Folha de São Paulo, em 20/10/03. 70 Informação obtida do site da Câmara dos Deputados, www.camara.gov.br/sileg/Prop_detalhe.asp?id=36162, em 03/11/04.
57
cadastro terão mais dificuldades para obter acesso a recursos públicos, em especial dos
fundos constitucionais.
1.2.3. O papel da sociedade civil
Durante cerca de 30 anos o tema foi tratado de forma quase solitária pela Comissão
Pastoral da Terra e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
(CONTAG). Essas entidades desde a década de setenta vêm denunciando, inclusive
internacionalmente, as recorrentes incidências da prática de trabalho forçado não só na
Amazônia, como em regiões industrializadas do sul e sudeste do país. As informações estão
presentes nos Relatórios de Conflitos de Terra divulgados pela CPT desde sua criação (1975).
Com o aumento da fiscalização e resgate de trabalhadores cresceu também a consciência na
sociedade, que tem contribuído para os avanços mencionados. Segundo o Escritório da OIT,
no período de 2001 a 2003, o registro do tema aumentou 1900% na mídia impressa,
refletindo assim o crescimento da preocupação da sociedade com o problema. São várias as
Organizações Não Governamentais que hoje atuam sobre a questão, somando-se às já
mencionadas.
Uma das entidades que tem colaborado de forma importante é o Instituto Ethos que aderiu
ao programa da ONU Global Compact e tem trabalhado junto às empresas principalmente
para conscientizar sobre a necessidade imperiosa de se abolir este tipo de prática. Outra
organização que tem contribuído de forma importante para a eliminação do trabalho forçoso
é o Observatório Social, instituto criado pela CUT em meados da década de 90 com o objetivo
de acompanhar a atuação das multinacionais no Brasil e especialmente seu respeito ás
Normas Fundamentais da OIT.71
Foi por iniciativa dessas duas ONGs, a OIT e mais o Instituto Brasileiro de Siderurgia -IBS e a
Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT, que em 13 de agosto de 2004 as empresas
siderúrgicas brasileiras assinaram compromisso público com a promoção do trabalho decente
– em especial a erradicação do trabalho forçado em sua cadeia produtiva – deixando de
comprar de fornecedores que se utilizassem de trabalho forçado e infantil.
Outra iniciativa das organizações sociais e do escritório da OIT no Brasil, em novembro de
2004, foi a ampla divulgação à lista de proprietários agrários que já foram autuados pela
prática do trabalho escravo, iniciativa essa que passou a ser chamada de Lista Suja e que
visa contribuir justamente para que esses empregadores não tenham acesso a
financiamentos e outros benefícios e sobretudo contribuir para o fim da impunidade deste
71 O Instituto Ethos, assim como o Observatório Social da CUT, também atua em defesa do cumprimento e aplicação das 8 Convenções Fundamentais.
58
crime.
1.3. Abolição do Trabalho Infantil.
Em 1992, o Brasil contava com pouco mais de 146 milhões de habitantes. Nos dez anos
seguintes, o país alcançou algo em torno dos 170 milhões de habitantes. O número de
crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos, representava 28.8% da população geral em
1993, e 25.5 %, em 2002.
Em relação ao trabalho infantil, a tendência da última década é marcada pela diminuição
quantitativa dos índices de trabalho infantil. Na pesquisa de Schwartzman (2001), a curva
evolutiva do trabalho infantil parte, em 1992, com 9.6 milhões de crianças e adolescentes
(incluindo as crianças entre 5 e 9 anos de idade), mantém-se com 9.5 milhões ainda em
1995 e, já em 1998, desce para 7.7 milhões de trabalhadores infantis.
Isto significa que, em 1992, 22.3% das crianças entre 5 a 17 anos eram trabalhadoras,
enquanto que em 1998 a proporção era de 17.9%, pondo assim em evidência uma queda
importante na incidência de trabalho infantil no país.
Essa tendência foi confirmada pelos dados de 1999 e 2001 da PNAD. Em 1999, de um total
de 43.8 milhões de crianças e adolescentes com idade entre 5 e 17 anos, 6.6 milhões
estavam trabalhando. Em 2001, das 43.1 milhões de pessoas da faixa etária de referência,
5.4 milhões estavam ocupadas. 72
O trabalho infantil apresentou um ritmo de queda mais forte no setor urbano do que no setor
rural. Embora seja significativa a diminuição nas duas áreas, é relevante perceber que, no
setor urbano, passou-se de 5.3 milhões de crianças e adolescentes trabalhando, em 1990,
para 2.5 milhões de crianças trabalhando, em 2001. Enquanto isso, no setor rural, passou-se
de 4.1 milhões de trabalhadores infantis, em 1992, para 2.3 milhões, em 2001.
Quanto aos níveis de remuneração, em 2001, quase metade do contingente de pequenos
trabalhadores não recebiam qualquer remuneração. A pesquisa da PNAD também mostrou
que 1.83 milhões de crianças trabalhadoras cumpriam jornadas de trabalho integrais: 40
horas ou mais por semana. Dentre as crianças remuneradas, 41,5% ganhavam até meio
salário mínimo e 35,5% de meio a um salário mínimo. Somente 0,4% delas ganhava mais
que três salários mínimos de remuneração.
72 SCHWARTZMAN, Simon, in: Trabalho Infantil no Brasil. Brasília: OIT, 2001.
59
Sendo assim, a remuneração do trabalho das crianças e adolescentes é, em geral, menor do
que um salário mínimo, apresentando ainda uma alta presença de trabalho não remunerado.
A idade é outro fator que a pesquisa revelou influir na remuneração. Assim, quanto maiores
as crianças, também são maiores as opções de ter um salário melhor.
Dentre os que estudam e trabalham, 30% tem uma jornada semanal de 40 horas de
trabalho, isto é, cumprem jornadas de adultos. Entretanto, existem Estados como São Paulo
e Rondônia onde mais de 50% das crianças trabalham mais de 40 horas por semana. A PNAD
de 2001 também constatou que a taxa de escolarização das crianças e adolescentes de 5 a
17 anos que não trabalhavam era muito superior à das crianças que trabalhavam.
1.3.1. A visão dos órgãos de controle da OIT
Quanto às convenções para abolição do trabalho infantil ainda não tivemos até apresente
data nenhuma manifestação do Comitê de Peritos na aplicação das Convenções e
Recomendações quanto a primeira memória detalhada de cada uma delas, convenções n. 138
e 182, uma vez que foram recentemente ratificadas pelo Brasil.
A Convenção 138, que trata da idade mínima para o trabalho, foi ratificada em 28 de junho
de 2001, enquanto a Convenção 182, que trata das piores formas de trabalho infantil, foi
ratificada em 02 de fevereiro de 2000, sem que até agora tenhamos qualquer manifestação
quanto à adequação das práticas governamentais e do ordenamento jurídico nacional ao
disposto nesses convênios, sendo certo que a legislação nacional está de acordo aos
princípios norteadores dessas convenções 73.
Por não figurar entre as convenções ratificadas pelo Brasil, quando da adoção do sistema de
seguimento da Declaração de 1998, os Relatórios Anuais fizeram menção ao problema nas
diversas oportunidades. Vários dos institutos legais existentes no Brasil são mencionados no
relatório de 2000, como as normas constitucionais citadas e o Estatuto da Criança e do
Adolescente (lei n. 8.060/90).
Estes mecanismos jurídicos estabelecem o patamar de escolaridade obrigatória às crianças e
adolescentes, período no qual o trabalho é vedado. Para fazer cumprir estas exigências, o
poder executivo criou o Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes. O
Relatório de 2001 aponta a informação do governo brasileiro da criação do Grupo de Combate
73 Em seu artigo 7º, inciso XXXIII a Constituição Federal proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.
60
ao Trabalho Infantil e Proteção do Trabalho dos Adolescentes (GECTIPA)74. Com a ratificação
das convenções relativas a matéria, como foi dito, o tema deixa de ser objeto do envio de
memórias de seguimento da Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho.
1.3.2. Iniciativas e medidas do Estado Brasileiro e resultados alcançados
A partir da década de 90 registram-se várias ações do governo e de organizações
internacionais (OIT/IPEC) e também nacionais visando a erradicação do trabalho infantil.
Iniciativas que têm contribuído para diminuir sensivelmente sua incidência, como se viu no
capítulo anterior. A seguir listamos algumas delas.
Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) - Criado
no final de 1994, em reunião convocada pela OIT e UNICEF, da qual participaram
representantes de 22 instituições, entre as quais, CUT, CGT, CONTAG, CNI, CNBB, INCRA,
MTE, MPT, OAB, PNBE, Presidência da República, entre outros.
O FNPETI foi criado com o objetivo de propiciar uma instância aglutinadora e articuladora de
agentes sociais institucionais, envolvidos com políticas e programas de promoção de medidas
destinadas a prevenir e erradicar o trabalho infantil no Brasil.
Em todos esses anos o Fórum tem sido muito procurado por instituições de todo o país para
dar orientações sobre como planejar e implementar ações de erradicação do trabalho infantil,
avaliar atividades em andamento, acompanhar novos programas de ação integrados, entre
outros. E em 1999 formou a Rede Nacional de Fóruns Estaduais de Combate ao Trabalho
Infantil, incluindo todos os estados da federação com a exceção dos estados de Rondônia e
Roraima, que já contavam com a Rede Moara para promover todas as articulações
necessárias.
A formação desta rede foi fundamental para a elaboração da primeira versão do documento
intitulado “Diretrizes para a Formulação de uma Política Nacional de Combate ao Trabalho
Infantil”, que tinha como objetivo servir como base para a construção de políticas públicas de
combate ao trabalho infantil no Brasil.
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) - órgão
nacional, criado em 1995, que tem a função de monitorar os direitos da criança no Brasil,
que tem entre suas diretrizes o mandato de contribuir na elaboração do Plano Nacional de
Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil.
74 Os relatórios encontram-se disponíveis: www.ilo.org/dyn/declaris/DECLARATIONAR.Show_ARHTML.
61
Grupos Especiais de Combate ao Trabalho Infantil e Proteção do Adolescente
Trabalhador (GECTIPAs) – criados em 1995 pelo MTE para funcionar com a participação
das Delegacias Regionais do Trabalho (DRT’s) e a Unidade de Inspeção Móvel da Secretaria
de Inspeção do Trabalho (STI) do Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE).
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil- PETI- criado em 1996 por parte da
Secretaria Nacional de Assistência Social (SEAS), já mencionada anteriormente. Esse
programa devia atuar nas regiões e atividades econômicas priorizadas pelo Fórum Nacional.
O PETI previa a concessão de um auxílio financeiro às famílias de crianças com idade entre 7
e 14 anos cadastradas e retiradas do trabalho, e logo matriculadas na escola, onde
participavam de atividades extra-classe dentro da então implementada Jornada Ampliada. A
partir de 2003, esse programa foi integrado a outros programas sociais (fome zero, renda
mínima, etc) gerenciados pelo Ministério de Ação Social, denominado Bolsa Família.
No que tange ao acompanhamento da implementação das Convenções no Brasil, em 1999, os
participantes conferiram autonomia ao Fórum Nacional para indicar um grupo de trabalho,
com quatro membros (composição quadripartite), incluindo um representante; o CONANDA,
para, em articulação com os Fóruns ou Comissões Estaduais, realizar o acompanhamento
necessário.
O recente ingresso da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho
(ANAMATRA) e da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores (ABMP) no Fórum
Nacional pode ser percebido como um sinal de que o estabelecimento dessas novas parcerias
já está iniciando seu processo de consolidação. De igual maneira, a nomeação do Fórum
Nacional como membro efetivo da Comissão Nacional para a Eliminação do Trabalho
Infantil (CONAETI), instituída pelo Ministério do Trabalho e Emprego no final de 2002,
também pode ser um indicativo do advento de uma nova fase do Fórum no estabelecimento
de canais de interlocução diferentes sobre a questão do trabalho infantil.
A experiência positiva da bolsa escola – programa lançado pelo governador do Distrito
Federal, em 1994, constava de entrega de uma bolsa-escola para que as famílias
mantivessem seus filhos na escola. Analisando-se uma série histórica verifica-se que o
programa, adotado depois a nível nacional, contribuiu para a elevação do índice de
alfabetização no Brasil. Em 1981, 58.5% das crianças e adolescentes eram alfabetizadas. Já
em 1992, esse índice de alfabetização alcançou 72% dessa população de referência, deixando
evidente um esforço social no sentido de inserir as crianças e adolescentes na escola.
A relação entre alfabetizados e não-alfabetizados confirma uma tendência de inclusão no
processo escolar. O grupo dos não-alfabetizados começa a diminuir a partir de 1996,
62
momento no qual inicia uma curva marcadamente descendente, que vai diminuir o número
de analfabetos de mais de 15 milhões, para perto de 10 milhões, em 1992.
A partir de 2004 esse programa se integrou a outros programas sociais e está sendo
gerenciado pelo Ministério do Desenvolvimento Social (resultado da junção dos Ministérios de
Ação Social e Segurança Alimentar).
O Ministério Público do Trabalho desenvolve uma grande ação de combate ao trabalho
infantil. Em 2000, através da Portaria 299, o MPT criou a Coordenadoria Nacional de Combate
à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente. O MPT adotou uma política centrada
no combate às chamadas piores formas de trabalho infantil, ou atividades que criam
situações de risco para crianças e adolescentes. Com este enfoque, o MPT adotou uma
relação de áreas consideradas prioritárias:
1. trabalho infantil doméstico;
2. trabalho infanto-juvenil em atividades ilícitas (especialmente prostituição e tráfico
de drogas);
3. trabalho infanto-juvenil em lixões;
4. trabalho de crianças e adolescentes no regime de economia familiar;
5. regularização do trabalho do adolescente.75
Não poderíamos também deixar de citar que no ano de 1992 foi implementado76 no país o
Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil77 (IPEC), sendo certo que nesses
12 anos em que o programa funciona no país foram inúmeras as realizações e melhorias
propiciadas por essa ilustre parceria78.
1.3.3. O papel da sociedade civil organizada
Também nessa esfera poderiam ser citadas inúmeras iniciativas da sociedade civil organizada
desde o final da década de 80 com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Os
programas, organizações e iniciativas são inúmeros e exigiriam um trabalho a parte. É
75 ver o endereço, www.mpt.gov.br , acessado em 03/11/04. 76 Com a assinatura, em 04 de junho de 1992, do Memorando de Entendimento entre o Brasil e a Organização do Trabalho. 77 Tal programa, uma iniciativa conjunta do Diretor Geral da Organização Internacional do Trabalho e do Ministro do Trabalho da Alemanha, iniciou-se no ano de 1990, com a seleção de seis países membros para receber a ajuda financeira do governo alemão e suporte logístico da OIT, sendo eles: Brasil, Índia, Indonésia, Tailândia, Turquia e Quênia. 78 O Relatório Boas Práticas de Combate ao Trabalho Infantil – A Atuação do Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC) no Brasil apresenta um quadro mais abrangente e detalhado dos resultados do programa.
63
importante ressaltar, no entanto, que a condenação do trabalho infantil já está incorporada a
agenda urbana nacional e é crescente o nível de conscientização da sociedade a respeito.
Neste campo contribuíram decisivamente organizações como a OIT que em 1992 iniciou o
convenio do IPEC, organismos da Igreja e também as organizações sindicais. Em 1994, a
OIT-Brasil apoiou a CUT e o Sindicato de Sapateiros de Franca a realizarem uma pesquisa
sobre a incidência do trabalho infantil na indústria de calçados, da cidade de Franca-SP, na
época o maior pólo produtor e exportador de calçados. A pesquisa foi realizada pelo DIEESE e
foi um marco na ação sindical no combate ao trabalho infantil, assim como tem sido
importante a ação da CONTAG para combater a incidência de trabalho infantil na produção
agrícola e na agricultura familiar.
1.4. Eliminação da Discriminação em matéria de emprego e ocupação
Como parte de seus esforços para promover o Trabalho Decente a OIT-Brasil realizou um
estudo em 2001, com base nos dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios), que mostrou “uma realidade caracterizada pela persistência e a reprodução de
profundas desigualdades e discriminações de gênero e raça no mercado de trabalho brasileiro
e, portanto, na sociedade brasileira em seu conjunto”79. A pesquisa faz parte do relatório
global A Hora da Igualdade no Trabalho que foi apresentado à Conferência Internacional do
Trabalho em junho passado pelo Diretor Geral da OIT, Sr. Juan Somavia, como parte do
mecanismo de seguimento da Declaração dos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho,
aprovada pelos constituintes da OIT em 1998.
No Brasil, as mulheres correspondem a 42% da PEA e os negros a 44,5%. Somados,
correspondem a 55 milhões de pessoas (68% da PEA) e somente as mulheres negras
correspondem a 18% da PEA (14 milhões de pessoas, dados da PNAD 2001). Ou seja,
quando falamos em discriminação por gênero e raça neste país , estamos falando de maioria
e não minorias como se costuma dizer.
Segundo Abramo80, as desigualdades de gênero e raça são significativas em todos os
principais indicadores do mercado de trabalho: taxas de atividade econômica, desemprego e
ocupação; níveis de rendimento; informalidade e precarização. Entende a autora que a
persistência dessas diferenças indicam que estas são eixos estruturantes dos padrões de
desigualdade social no Brasil.
79 Abramo, Lais - Desigualdades e discriminação de gênero e raça no mercado de trabalho brasileiro, texto apresentado ao Fórum Internacional Erradicação da Pobreza, Geração de Emprego e Igualdade de Gênero e Raça, Brasília, 13-15 de outubro de 2003. 80 Idem.
64
Fonte: Elaboração OIT a partir dos microdados da PNAD/IBGE
Fonte: Elaboração OIT a partir dos microdados da PNAD/IBGE
Além desses dois aspectos, outros mais são motivo de discriminação no local de trabalho e
têm cobertura das convenções 100 e 111, tais como: idade; etnia; pessoas portadoras de
deficiências; pessoas vivendo com o hiv-aids; orientação sexual.
65
No caso deste informe, no entanto, analisaremos apenas os temas de raça e gênero,
enfocando o quadro atual, a visão dos organismos da OIT e as medidas e políticas que vêm
sendo efetivadas pelo Estado brasileiro para reduzir o problema.
1.4.1. As desigualdades no mercado de trabalho entre negros e não-negros
De acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 47,7% da população brasileira é de origem afro
(pretos/pretas - 5,6% e de pardos/pardas - 40,5%).
A grande maioria dos descendentes afro vivem numa dramática situação de exclusão social –
segundo a PNAD/IBGE no 1% mais rico da população brasileira há 86% de brancos/brancas,
12,6% de pardos/pardas e 1,4% de pretos/pretas.
A análise da série histórica (1998/2002) da Pesquisa de Emprego e Desemprego, realizada,
conjuntamente, pelo DIEESE/SEADE/MTE-FAT demonstra uma situação de reiterada
desigualdade para os trabalhadores negros, de ambos os sexos, no mercado de trabalho das
seis regiões metropolitanas estudadas (Distrito Federal, Belo Horizonte, Porto Alegre, São
Paulo, Recife e Salvador).
A coerência dos resultados em nível nacional revela que a discriminação racial é um fato
cotidiano, interferindo em todos os espaços do mercado de trabalho brasileiro.
Nenhum outro fato, que não a utilização de critérios discriminatórios baseados na cor dos
indivíduos, pode explicar os indicadores sistematicamente desfavoráveis aos trabalhadores/as
negros/as, seja qual for o aspecto considerado. Mais ainda, os resultados permitem concluir
que a discriminação racial sobrepõe-se à discriminação por sexo, combinando-se a esta para
constituir o cenário de aguda dificuldade em que vivem as mulheres negras, atingidas por
ambas.
Em 2000 o DIEESE elaborou o "Mapa da População Negra no Mercado de Trabalho" para o
INSPIR - Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial, estudo que nos dá uma
visão compreensiva desta situação81 e que apresentamos resumidamente a seguir.
A comparação das taxas de desemprego nas diferentes regiões mostra que, em Salvador, a
taxa de desemprego entre os negros é 45% maior que entre os não-negros, apresentando
cerca de 8 pontos percentuais de diferença (25,7% entre os negros e 17,7% entre os não-
negros). Em São Paulo, ocorre fenômeno semelhante, com uma distância de 40% entre as
66
taxas de desemprego entre as duas raças. Ainda que em proporções elevadas, os menores
diferenciais ocorrem no Distrito Federal e em Recife.
No total das regiões, 50% dos desempregados eram negros, o que correspondia a 1.479.000
pessoas, em 1998. Em Salvador, os negros eram 86,4% dos desempregados e, em Recife e
no Distrito Federal, cerca de 68%. Já em Porto Alegre, representavam 15,4% do total de
desempregados. Em São Paulo os negros desempregados eram 650 mil pessoas,
correspondendo a 40% dos desempregados desta região metropolitana.
Tabela 1 - Taxas de Desemprego segundo Raça Brasil –
Regiões Metropolitanas 1998 (em %)
Regiões Metropolitanas Taxas de desemprego
Negros Não-negros
Diferença entre as taxas de negros e
não-negros
São Paulo 22,7 16,1 41%
Salvador 25,7 17,7 45%
Recife 23,0 19,1 20%
Distrito Federal 20,5 17,5 17%
Belo Horizonte 17,8 13,8 29%
Porto Alegre 20,6 15,2 35%
Fonte: DIEESE/SEADE e entidades regionais. PED - Pesquisa de Emprego e Desemprego Elaboração: DIEESE Obs.: Raça negra: pretos e pardos; raça não-negra: brancos e amarelos
Nas regiões metropolitanas de São Paulo, Salvador e Porto Alegre, a cor discrimina mais no
desemprego que o sexo do trabalhador, ou seja, as taxas de desemprego são maiores entre
os homens e mulheres negros que entre as mulheres não-negras. Por sua vez, em Belo
Horizonte e Recife as faixas de desemprego das mulheres não negras é mais elevada que a
dos homens negros, e no Distrito Federal elas se equivalem.
O mesmo efeito discriminatório da cor se verifica na comparação entre as taxas de
desemprego entre os homens negros e os não-negros. As maiores diferenças nestas taxas
encontram-se em Salvador, onde o desemprego entre os homens negros é 57,9% maior que
entre os homens não-negros, e em São Paulo, onde esta diferença é de 51,4%.
Em todas as regiões, as mulheres negras apresentam as maiores taxas de desemprego. No
entanto, as diferenças destas taxas entre as mulheres negras e não-negras são
81 Em 2002 o DIEESE publicou um boletim especial com dados de 2001 e 2002 – A desigualdade Racial no Mercado de Trabalho e em 2003 publicou o estudo “Mulher Negra: Dupla discriminação nos mercados de trabalho metropolitanos” – ambos podem ser encontrados na pagina web do DIEESE (www.dieese.org.br )
67
consideravelmente menores do que entre os homens, variando do maior patamar, 36,0% de
diferença em Salvador, até o menor (6,7%), no Distrito Federal.
Taxas desemprego total por sexo e cor – Regiões Metropolitanas – 2002
O rendimento é um indicador fundamental para estabelecer a qualidade de vida e trabalho.
Os rendimentos dos trabalhadores e trabalhadoras negros são sistematicamente inferiores
aos rendimentos dos não-negros, quaisquer que sejam as situações ou os atributos
considerados.
Essa desigualdade expressa um conjunto de fatores que incluem: a entrada precoce no
mercado de trabalho, a maior inserção da população negra nos setores menos dinâmicos da
economia, a elevada participação em postos de trabalho precários e em atividades não-
qualificadas e as dificuldades que cercam as mulheres negras no trabalho.
É necessário considerar que os patamares de rendimentos da população em geral são baixos.
Mas, a desigualdade que caracteriza a situação dos negros se mostra com bastante clareza
quando constatamos que os rendimentos dos negros são, em média, cerca de 60% dos
auferidos pelos não-negros.
Tomando como base os homens não-negros, que estão no topo da escala de rendimentos, as
diferenças são bastante acentuadas não apenas no que se refere aos homens, mas
especialmente às mulheres negras, que apresentam os níveis mais baixos de rendimentos em
todas as situações.
68
Proporção do rendimento médio mensal por raça, cor e sexo – regiões metropolitanas – 2002 - rendimentos hs não negros = 100
Fonte DIEESE/SEADE/MTE/FAT e Convênios Regionais – PED Dados com base na média de janeiro a junho de 2002 - Elaboração: DIEESE
Em 2001, segundo estudo do DIEESE82 a renda média brasileira era de 2,9 salários mínimos
e os pretos e pardos receberam a metade do rendimento dos brancos.
Os dados apresentados revelam que a maior exclusão social da população negra é a
somatória da já conhecida desigualdade social no Brasil e as diferenciações e
comportamentos discriminatórios disseminados por todo o país.
Neste sentido, o cumprimento das Convenções 100 e 111 da OIT sobre a não discriminação
nos locais de trabalho possui um papel extremamente importante, pois a justiça social, a
igualdade de oportunidades, a cidadania plena, enfim, as condições que ofereçam a todos
uma igual distribuição das possibilidades de obter seu sustento e a plena realização de suas
capacidades passam, necessariamente, pela construção da igualdade racial no Brasil.
1.4.2. As desigualdades no mercado de trabalho entre homens e mulheres.
Em 1992 o percentual feminino na PEA era 39,4% e em 2002 havia passado a 42,5%
(PNAD-IBGE). Em 2001, 46% do total das mulheres ocupadas trabalhavam como
assalariadas. Deste total de mulheres assalariadas, 18,3% eram domésticas e 16,3%
autônomas; 9,8% tinham trabalho sem remuneração, evidenciando a vulnerabilidade do
69
trabalho feminino.
Nos últimos seis anos, o desemprego feminino cresceu mais do que o dos homens, como
evidencia o quadro abaixo.
A remuneração média por hora trabalhada das mulheres em relação aos homens em 2003
variava entre 74,3% (Belo Horizonte) e 83,2% (Porto Alegre). Se comparados com os dados
de 1998, houve maior aproximação das remunerações em Porto Alegre, Salvador e São Paulo
e Recife.
Para os assalariados, em especial para aqueles que têm carteira assinada, a diferença entre
as remunerações é menor e o salário da mulher equivale, em média, a pelo menos 82,5% do
valor recebido pelos homens.
A diferença entre a remuneração entre homens e mulheres, paradoxalmente, aumenta
quanto maior é o nível de escolaridade.83 Na PNAD de 2002, p.e, entre as pessoas com até
três anos de escolaridade, as mulheres recebiam 85% da remuneração dos homens,
enquanto entre as pessoas com escolaridade de 15 anos ou mais, as mulheres recebiam 61%
da remuneração dos homens.
1.4.3. A Visão dos Órgãos de Controle da OIT.
A Comissão de Peritos em Convenções e Recomendações tem se manifestado de maneira
muito favorável às medidas legais e administrativas tomadas pelo Estado brasileiro para
implementação dos princípios das Convenções 100 e 111.
82 A Desigualdade Racial no Mercado de Trabalho, Boletim DIEESE- Edição Especial- novembro de 2002 83Abramo, 2003.
1998 2003Regiões Metropolitanas Mulheres Homens Mulheres HomensBelo Horizonte 18.7 13.7 23.3 17.1Distrito Federal 22.1 17.4 25.7 20.2Porto Alegre 18.6 13.7 20.2 13.9Recife 24.9 19 27 20Salvador 27.1 22.9 30.1 26.1São Paulo 21.1 16.1 23.1 17.2
Fonte: Convenio Dieese/SEADE /MTE/FAT e PED Elaboracão: Dieese
70
Dentre as medidas legais adotadas pelo governo, a Comissão de Peritos destaca as leis
n.9.02984, de 13 de abril de 1995, a n. 9.459 85, de 13 de maio 1997, a n. 9.799 86, de 26
de maio de 1999, e, por último, a de n. 10.224 87, de 15 de maio 2001.
Dentre as medidas administrativas tomadas, por sua vez, mereceram uma menção especial
da Comissão de Peritos às seguintes: a criação, em maio de 1996, Programa Nacional para
Direitos Humanos88, criação dos Núcleos de Prevenção a Discriminação no Emprego e
Ocupação89, o lançamento, em julho de 1997, da campanha Brasil – Gênero e Raça:
Unidos pela Igualdade de Oportunidades e, anda, a instalação, em janeiro de 2003, do
Conselho Nacional de Combate a Discriminação.
Mas se, por um lado, os peritos fazem menção expressa aos avanços do governo, de outro,
eles também fazem críticas ao fato de, até meados de 2004, não terem sido apresentados à
organização e seus órgãos de controle, os resultados de todas as medidas acima citadas,
sendo, portanto, impossível mensurar seu efeito no problema da discriminação no país.
A Comissão de Peritos faz uso também dos dados de comissões em outros órgãos das Nações
Unidas, entre eles o Comitê para Eliminação da Discriminação Racial, que apurou que a
despeito da promulgação da Constituição Federal de 1988 e da criação da Comissão de
Direitos Humanos, subsistem desigualdades profundas no tratamento dispensado às
populações negra e indígena. 90
A Comissão tem citado também as conclusões do Comitê das Nações Unidas de Direitos
Humanos, que apontam que, apesar das melhoras recentes, as mulheres continuam a
enfrentar uma grande discriminação, inclusive quanto ao acesso ao mercado de trabalho.
É importante frisar que esses dados são requeridos ao Estado brasileiro desde o ano de 2001.
A Comissão de Peritos aguarda, em especial, informações não apenas sobre medidas
adotadas ou pretendidas, mas também sobre o impacto dessas medidas em prevenir a
ocorrência de discriminação na contratação de negros de ambos os sexos em postos de
84 Que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho. 85 Que altera os arts. 1º e 20 da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, e acrescenta parágrafo ao art. 140 do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. 86 Que insere na Consolidação das Leis do Trabalho regras sobre o acesso da mulher ao mercado de trabalho. 87 Altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para dispor sobre o crime de assédio sexual. 88 Vinculado ao Ministério da Justiça. 89 Vinculados às Delegacias Regionais do Trabalho. 90 CERD/C/263/Add. 10; CERD/C/SR.1157-1159; CCPR/C/81/Add.6; and CCPR/C/SR.1506-1508.
71
trabalho em que eles tradicionalmente são excluídos, como serviços de atendimento ao
público, sistema financeiro, hotéis e postos de comando e chefia em negócios e empresas.
Entendem os peritos que é inaceitável a subrepresentação de pretos e pardos nos postos
mais qualificados, bem como o fato da grande maioria da população afrodescendente
trabalhar no mercado informal, sendo certo que medidas positivas devem ser adotadas para
garantir o ingresso dessas populações ao mercado de trabalho.91
1.4.4. As iniciativas do Estado Brasileiro
Em 1965 o Estado brasileiro ratificou a Convenção nº 111 – OIT - assumindo o compromisso
de "formular e aplicar uma política nacional que tenha por fim promover, por métodos
adequados às circunstâncias e aos usos nacionais, a igualdade de oportunidades e de
tratamento em matéria de emprego e profissão com o objetivo de eliminar toda discriminação
nessa matéria."
Mas somente em junho de 1995, durante a 83ª Conferência OIT, o governo brasileiro
assumiu oficialmente a existência de discriminação no mercado de trabalho e solicitou a
cooperação técnica da OIT para a implementação dos compromissos assumidos com a
ratificação da convenção 111.
No âmbito do poder executivo foram adotadas algumas decisões que se podem classificar
como ações afirmativas. O Ministério da Justiça, por exemplo, adotou a Portaria n. 1.156
(PNDH – 1996), de 20/12/01, estabelecendo cotas no âmbito do Ministério da Justiça e para
a contratação de prestadores de serviços. Em outubro de 2001, através do Decreto
Presidencial nº. 3952 foi criado o Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD), de
caráter interministerial.
Constituição de 1988: aprovou a ampliação dos direitos relacionados à proteção à
maternidade, criminalização do racismo e reconhecimento do direito de propriedade da terra
por parte dos remanescentes de quilombos.
Programa de combate à discriminação no trabalho - Em 1996 o governo brasileiro
lançou o Programa Nacional de Direitos Humanos (que foi revisto depois em 2002), que tinha
algumas medidas relacionadas ao mundo do trabalho.
Programa Brasil Gênero e Raça e dos Núcleos de Combate à Discriminação- a partir
da denúncia feita pela CUT do não cumprimento da C. 111 pelo Brasil e posterior
91 Ver o Cf. Informe da Comissão de Peritos na Aplicação de Convenções e Recomendações, 2004, op. cit, pp. 214 e 215.
72
reconhecimento oficial pelo governo da existência de discriminação racial no país, em 1996
foi lançado “O Programa Brasil Gênero e Raça”, resultado de um projeto de cooperação
técnica entre o MTE e a OIT .
SEPPIR e SPM – Em 2003 o Presidente Lula reforçou a ação do Executivo na promoção da
igualdade de oportunidades e a não discriminação nos locais de trabalho ao criar duas
Secretarias Especiais (com status de ministérios) a SEPPIR-Secretaria Especial de Política
de Promoção da Igualdade Racial e a SPM-Secretaria Especial de Políticas para a
Mulher. As duas secretarias vêm desenvolvendo um conjunto de programas e “ações
afirmativas” como o estabelecimento de quotas para negros e negras nas Universidades, em
áreas de governo como o Ministério de Relações Exteriores, valorização da história da
população afrodescendente no Brasil, etc., e, com a colaboração principalmente da OIT, têm
concentrado sua atuação nas esferas de geração de emprego e renda e qualificação
profissional, para garantir igualdade de acesso ao mercado de trabalho.
Em novembro de 2003, como parte das comemorações do "Dia da Consciência Negra" o
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou a criação do Conselho de Promoção da
Igualdade Racial, organismo que faz parte da estrutura da SEPPIR.
Vários avanços se observaram em 2004. Em janeiro desse ano a SEPPIR realizou atividade
que consolidou a rede de promoção da igualdade racial, com apoio da Fundação Friederich
Ebert/Ildes e da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essa articulação começou com
22 organismos estaduais e municipais que tratam dessa temática – entre coordenadorias,
assessorias e secretarias.
Os participantes se comprometeram em intensificar a troca de experiências, a fim de
implementar a política nacional de promoção da igualdade racial em nível nacional. Entre as
metas estabelecidas pela rede está a realização de uma conferência de caráter nacional, que
ocorrerá em junho de 2005.
Em julho a SPM organizou a 1a Conferência Nacional das Mulheres que foi precedida por
encontros estaduais e debateu temas relativos à Política Nacional para as mulheres. Houve,
ainda, a criação da Comissão Tripartite de Igualdade de Oportunidades e Tratamento de
Gênero e Raça no Emprego, por iniciativa do MTE, com a participação da SEPPIR, SPM, SDH e
Ministério do Planejamento e com a assessoria técnica permanente da OIT. Ainda em 2004 foi
lançado o Programa Brasil sem Homofobia e começou a ser adotado o programa de
quotas para negros nas Universidades.
73
O papel da OIT
A OIT vem desenvolvendo mundialmente o Programa de Fortalecimento Institucional para a
Igualdade de Gênero, a Erradicação da Pobreza e a Promoção do Emprego, que tem como
objetivo contribuir com o esforço realizado pelos governos e a sociedade civil organizada
(sindicatos, organizações empresariais e outras) buscando tratar de forma transversal a
questão de gênero nas políticas de combate à pobreza e geração de emprego e renda. Esse
Programa vem sendo executado atualmente em oito países da América Latina (Argentina,
Bolívia, Chile, Equador, Honduras, Paraguai, Peru e Nicarágua). No Brasil o Programa foi
ampliado com a inclusão da dimensão racial e assumiu a denominação de Programa de
Fortalecimento Institucional para a Igualdade de Gênero e Raça, a Erradicação da
Pobreza e a Promoção do Emprego- GRPE92.
O programa foi lançado em outubro de 2003, ocasião em que a OIT assinou um Protocolo de
Intenções com 7 Ministérios e as 4 Secretarias Especiais vinculadas à Presidência da
República (entre elas a SEPPIR e a SPM), estabelecendo o compromisso de se fortalecer as
dimensões de gênero e raça nas políticas de combate à pobreza e geração de emprego. Seu
principal objetivo é incorporar e fortalecer as dimensões de gênero e raça nas políticas e
programas de combate à pobreza e à exclusão social e de geração de emprego e renda.
A estratégia do GRPE é a de promover o fortalecimento das capacidades institucionais dos
gestores públicos encarregados da formulação, implementação e monitoramento dessas
políticas, assim como prestar assistência técnica para a formulação-reformulação-
aperfeiçoamento-avaliação das políticas. Promover o fortalecimento da capacidade
institucional de outros atores sociais (sindicatos, associações de empregadores, organizações
da sociedade civil) e dar apoio à criação e/ou o fortalecimento de instâncias de diálogo social.
Além disso, desenvolver a base de conhecimentos sobre as inter-relações entre pobreza,
emprego, gênero e raça (e outras formas de discriminação). A implementação do projeto
vem se dando através do desenvolvimento de algumas experiências piloto e parcerias
localizadas como o Acordo com a Câmara Regional e o Consórcio Intermunicipal do
Grande ABC, assinado em Fevereiro de 2004 e o Protocolo de Intenções com a
Prefeitura Municipal de S.Paulo, assinado em Abril de 2004. Nos dois casos, as
prioridades do Plano de Ação, que vem sendo desenvolvido, são: a inclusão dos quesitos sexo
e cor-raça nos registros dos programas sociais implementados; os programas de
transferência de renda, microcrédito e intermediação de mão de obra; assim como ajudar a
na definição de sistemas de monitoramento e avaliação das políticas e programas que levem
em conta as dimensões de gênero e raça. Também está previsto o desenvolvimento de
pesquisas e publicações.
92 Abramo, Lais – op.cit.
74
O programa desenvolve a capacitação dos gestores(as) públicos responsáveis por projetos e
programas relacionados ao combate à pobreza e à geração de emprego e trabalho decente
por meio do manual de formação da OIT aplicado nos demais países da América Latina e que
foi traduzido pela OIT e adaptado à realidade brasileira num esforço conjunto com o MTE, sob
o título: Manual de Gênero, Pobreza e Emprego para ser disseminado ao nível local
através de parcerias com prefeituras e entidades da sociedade civil. Nos dois projetos, com
as Prefeituras Municipais citadas, foram desenvolvidos cursos de capacitação em 2004.
Outro projeto em andamento é o “Desenvolvimento de uma política nacional para
eliminar a discriminação no emprego e na ocupação e promover a igualdade racial
no Brasil” que tem como principais objetivos: apoiar a SEPPIR na elaboração e
desenvolvimento de uma política nacional de promoção da igualdade racial, tendo como
principal foco o emprego; apoiar o MTE no aperfeiçoamento do trabalho dos Núcleos de
Combate à Discriminação; apoiar a transversalização da dimensão racial nas políticas e
programas do MTE, com ênfase especial na situação das mulheres negras; apoiar o debate
sobre as políticas de ação afirmativa que se desenvolvem no país, com base na experiência
internacional e desenvolver um melhor “entendimento sobre o efeito positivo das políticas de
ação afirmativa, que podem reforçar e maximizar o impacto de outras medidas e políticas de
emprego dirigidas à redução das desigualdades de raça e gênero, e vice-versa.”
Nesta esfera inserem-se as ações que vem sendo desenvolvidas pela OIT com o MTE no
âmbito do Plano Nacional de Qualificação-PNQ, que na sua concepção original incluiu vários
elementos relativos aos temas de gênero e raça.
Dentre as ações específicas da OIT com o MTE sobre gênero e raça destacam-se, entre
outras:
•••• Análise estatísticas do mercado de trabalho (RAIS), com enfoque de gênero.
•••• Estatísticas de fiscalização referentes ao quantitativo de empregados desagregados por
sexo.
•••• Ações específicas de fiscalização, nas atividades com expressiva participação de mão-de-
obra feminina.
•••• Protocolo para ampliação de políticas de igualdade racial e étnica para o mercado de
trabalho, em torno da qualificação profissional e geração de trabalho e renda.
•••• Projetos na área de qualificação profissional com critérios de atendimento preferencial por
sexo, idade, raça/cor; pessoas com necessidades especiais de visão, locomoção, audição
e mentais; pobreza; escolaridade .
75
Destaca-se também nesse processo, o Projeto de cooperação técnica com a OIT, que busca
alcançar um avanço conceitual e metodológico na formação profissional no campo da
certificação e da diversidade.
Projeto Quilombos – vem sendo desenvolvido pela OIT e busca implementar um programa
de empregabilidade dirigido especificamente a homens e mulheres descendentes de cinco
quilombos que foram selecionados através de consulta à Comissão Nacional de Quilombos do
Brasil à Secretaria Especial para a Integração Racial (SEPPIR).93
Direitos e Oportunidades de Emprego e Treinamento de Pessoas Portadoras de
Deficiência- PPD 94 – esse programa insere-se no âmbito do objetivo estratégico da OIT de
promover melhores oportunidades para mulheres e homens para que obtenham trabalho
decente e produtivo em condições de liberdade, igualdade, segurança e dignidade humana.
O Programa da OIT apoia a negociação de normas internacionais (convenções e
recomendações) e a aplicação de seus mecanismos de controle; além disso, promove a
elaboração de pesquisas e estudos, a prestação de assistência técnica para apoiar a
formulação e implementação de políticas e programas nacionais, o treinamento de recursos
humanos e a conscientização da sociedade sobre a importância deste tema.
O Ministério Público do Trabalho também desenvolve uma ação de combate a
discriminação no trabalho. Desta forma, criou em 28/10/02, através da Portaria 273, a
Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da
Discriminação no Trabalho. A Coordenadoria formou as seguintes comissões temáticas:
1. Assédio Sexual ou Moral;
2. Gênero;
3. Idade;
4. Índios;
5. Lista Discriminatória;
6. Orientação Sexual;
7. Orientação Religiosa;
8. Origem;
9. Pessoa Portadora de Deficiência;
93 Revista OIT Trabajo, n. 50, marzo 2004 94 Informações da página da OIT no Brasil- http://www.oit.org/public/portugue/region/ampro/brasilia/index.htm
76
10. Portador de HIV e outras Doenças Transmissíveis;
11. Raça/Cor/Etnia;
12. Outros.
Cada uma destas comissões é composta por três ou mais membros de diferentes Estados,
observadas as estatísticas de concentração dos grupos discriminados. A Procuradoria Federal
dos Direitos dos Cidadãos criou, através da Portaria 03 de 16/10/01, o Grupo Temático de
Trabalho sobre a Discriminação Racial.95
1.4.4. As iniciativas da sociedade civil
Assim como nos casos da erradicação do trabalho infantil e do trabalho forçado, também no
caso da discriminação nos locais de trabalho, as iniciativas da sociedade civil organizada,
sobretudo dos sindicatos, tem tido uma importância crescente na conscientização da
sociedade e adoção de medidas para inibir a discriminação e promover a igualdade de
oportunidades.
No âmbito sindical podemos citar várias iniciativas que vêm sendo adotadas nos últimos 10 a
12 anos, tais como: quotas para mulheres nas diretorias das centrais sindicais, fortalecimento
das Secretarias da Mulher, criação de secretarias de Igualdade Racial, introdução do tema
nas negociações coletivas, criação da Mesa de Igualdade de Oportunidades no setor bancário,
acordos de estabelecimento de quotas para negros em empresas do setor comercial, etc.
95 Para maiores informações sobre a atuação do Ministério Público do Trabalho nesta área, consultar o endereço: www.mpt.gov.br/discrimina/coord/index.html , acessado em 03/11/04.
77
III Conclusões
O Brasil tem progredido na aplicação da Declaração de Princípios e Direitos no Trabalho? Em
que medida o Mercosul contribui ou poderia contribuir para que o Brasil e toda a região
melhorassem e aprofundassem seu comprometimento com a de implementação dos
Princípios e Direitos Fundamentais da OIT? Foram as duas questões que tratamos neste
informe e, para as quais, buscamos apresentar um conjunto de informações e algumas
análises que permitissem formular essas conclusões parciais.
Sem dúvida o breve relato sobre as opiniões e recomendações dos órgãos de controle da OIT
apontam que há um considerável esforço do Brasil para melhorar a implementação dos
direitos fundamentais da OIT com a adoção de uma série de mudanças legislativas e
implementacão de programas pelo poder executivo, o legislativo e o Ministério Público do
Trabalho. Esforço que já vem se desenvolvendo há mais de 10 anos, mas que teve um
impulso decisivo após a eleição do Presidente Lula, que se comprometeu publicamente com a
campanha mundial pelo Trabalho Decente no início de 2003.
Tomamos como base de avaliação os pareceres e recomendações dos órgãos de controle da
OIT, que mostram que falta muito para que se possa afirmar que os princípios e direitos
fundamentais no trabalho estejam sendo devidamente respeitados no Brasil. E, certamente,
se tivéssemos tomado também os processos em curso na Justiça do Trabalho, verificaríamos
que o déficit é ainda maior. Porém, isto não foi possível porque as estatísticas disponíveis no
âmbito da Justiça do Trabalho estão organizadas por setores econômicos demandados e não
por temas objeto de demandas judiciais.
Assim, a primeira conclusão a ser apontada é que há motivos para ser otimista, mas a
sociedade brasileira e os organismos internacionais têm que seguir pressionando por mais
avanços, pois a permanência da enorme desigualdade social do país mantém em patamares
elevados o desrespeito dos direitos humanos universais, da cidadania.
As razões são conhecidas e resultam em primeiro lugar de uma prática contínua de várias
décadas, de políticas que têm promovido uma forte acumulação e concentração de capital,
resultando no empeoramento constante de distribuição de renda. No regime militar
(1964/1985) o espetacular crescimento do PIB e da indústria foi seguidamente acompanhado
de uma política de arrocho salarial e destruição do aparato estatal voltado para as políticas
sociais e a educação. E, as quase duas décadas de democracia subsequentes, caracterizaram-
se pela adoção de políticas desreguladoras e privatistas que só agravaram esse quadro.
78
O processo negociado de reforma sindical e trabalhista (em debate no FNT) pode ser uma
ótima oportunidade para se avançar na consolidação de mecanismos mais rígidos que
garantam a aplicação e pleno respeito aos direitos fundamentais do trabalho.
Se analisarmos a situação do ponto de vista legal, veremos que a Constituição de 1988 foi
pródiga em matérias relacionadas com as Convenções da OIT. Mesmo em relação à liberdade
e autonomia sindical, apesar da Constituição não ter adotado os preceitos da Convenção 87,
promoveu significativos avanços quando diminuiu sensivelmente o poder de intervenção do
Executivo na vida sindical e tornou obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações
coletivas. No entanto, mais de 15 anos depois de aprovada a Constituição, mais da metade
de seus artigos segue sem regulamentação, entre esses vários referentes às questões sociais
e trabalhistas (por exemplo, nunca foi regulamentada a proibição da dispensa imotivada e
nem a existência de representantes dos trabalhadores nas empresas). Sem dúvida esta
ausência de regulação dos artigos constitucionais tornou sem efeito os níveis de proteção
social e trabalhista que anunciavam defender. A Constituição tornou-se retórica em alguns
aspectos e não há pronunciamentos nas três esferas do Estado e nem na sociedade em favor
dessa regulamentação, ao passo que há pronunciamentos considerando o texto constitucional
coorporativo, protecionista e ultrapassado e alguns advogam sua mudança. Essas diferenças
deverão se acirrar em 2005, quando se iniciem os debates no FNT, conforme já anunciado
pelo Ministro do Trabalho, visando à reforma trabalhista.
A pressão de vários segmentos empresariais será por promover uma forte flexibilização da
legislação trabalhista, sob o argumento principal que esta encarece a contratação e demissão
de trabalhadores e trabalhadoras e que, portanto favorece a precarização das relações de
emprego (a PNAD estima que mais da metade da população ocupada não tenha contrato
formal de trabalho). As organizações sindicais, de uma maneira geral reconhecem que há
necessidade de mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, mas não aceitam a
descontitucionalização de um conjunto de direitos fundamentais e nem o aprofundamento da
flexibilização das normas de regulação das relações do trabalho.
Além disso, é preciso lembrar que o projeto de reforma sindical resultante do FNT e que
deve ser mandado pelo MTE ao legislativo no início de 2005 (o texto do projeto já foi
aprovado pelo MTE e encontra-se em análise na Casa Civil) terá que passar por um longo
debate nas duas casas do Congresso e certamente sofrerá inúmeras mudanças (fruto de
lobies corporativos e resistências ideológicas como é o caso da recusa do setor empresarial
em relação à existência de delegados/as sindicais), poderá ser desvirtuado e, problemas já
apontados, poderão tornar-se ainda mais graves.
Neste sentido, consideramos que a reforma da legislação trabalhista e sindical pode significar
um avanço ou um retrocesso na trajetória do país pela aplicação correta das convenções
79
internacionais do trabalho. A nosso ver apesar do tema ser conhecido e seguido pela OIT, é
crucial um envolvimento maior dessa organização no acompanhamento dos debates da
Reforma Sindical no Congresso e principalmente das discussões da futura Reforma
Trabalhista pelo FNT. O escritório local da OIT tem acompanhado de perto o funcionamento
do FNT e apoiou diretamente a contratação de técnicos para auxiliar o MTE na condução das
discussões, mas acreditamos que, tendo em vista a dimensão e complexidade do tema, isto
não é suficiente e os escritórios central e regional da OIT deveriam ter mais presença no
processo, entendendo o peso estratégico dessas reformas para o avanço do Brasil no
cumprimento das normas e convenções internacionais que já adotou.
Outro aspecto que queremos abordar nestas conclusões é a questão do reforçamento da
fiscalização do trabalho. Assim como os demais países da América Latina essa área do serviço
público foi dilapidada na última década. Segundo relatório estatístico da Inspeção do Trabalho
exposta na página web do MTE, entre 1990 e 2002 houve uma redução de 30% no número
de fiscais; de 36% nas empresas fiscalizadas; de 14% no número de empregados alcançados
pela fiscalização e de 54% das empresas autuadas; em 2003 e 2004, esta situação não se
alterou – são praticamente os mesmos números de 200296.
Pode-se concluir, portanto, que no governo do Presidente Lula o quadro de fiscais parou de
diminuir, mas não cresceu como seria esperado tendo em vista a ênfase dada à Campanha
pelo Trabalho Decente, combate ao trabalho escravo e trabalho infantil. Acreditamos que o
aumento do número de fiscais, o treinamento eficiente dos mesmos e o fornecimento das
condições necessárias à plena fiscalização trabalhista devem ser metas reconhecidas pelo
governo e cobradas pelas demais esferas do Estado e, sobretudo, pelas organizações
sindicais e sociais, pois é crucial a existência da fiscalização pública para aumentar o grau de
cumprimento das normas fundamentais internacionais do trabalho e não transformar os
inúmeros programas anunciados em peças de retórica. Também nesta esfera é importante
uma maior presença da OIT.
Outro tema importante que queremos ressaltar é a questão da impunidade dos que violam a
aplicação desse conjunto de princípios fundamentais do trabalho. Nos referimos
especificamente à necessidade de ampliação da legislação penal de forma a possibilitar o
indiciamento de pessoas jurídicas, além da responsabilização de pessoas físicas e jurídicas
colocadas na cadeia produtiva que se utilizar do trabalho forçado; bem como a federalização
dos crimes relacionados ao trabalho forçado e submissão de crianças ao trabalho.
Com relação ao Mercosul tentamos demonstrar que existem condições objetivas para que se
avance na implementação de uma política de geração de emprego de qualidade e no
80
cumprimento da Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais e da Declaração
Sociolaboral, desde que se concretizem as metas e tarefas traçadas no Plano de Trabalho do
Mercosul 2004-2006.
É preciso reconhecer que os objetivos traçados pelo Plano 2004-2006 (e embutidos nas
declarações presidenciais mencionadas na primeira parte deste informe97) e a tarefa de
aprofundar o processo de integração não são simples e dependem de decisões que impliquem
mudanças de caráter estrutural, como por exemplo o fato das matrizes econômicas e
monetárias não terem ainda se alterado; e a adoção de instrumentos e políticas que reduzam
as assimetrias existentes, assim como mecanismos claros e permanentes para a solução de
pendências no plano comercial.
A superação da crise econômica e social exige mudanças políticas macro e a recuperação da
credibilidade política exige a adoção de um conjunto de medidas concretas, visíveis, que
enfrentem os problemas mais agudos e que sejam incorporadas rapidamente pelos quatros
Estados parte.
Sem dúvida esses dois temas são centrais e cruciais para o futuro e solidificação do projeto
Mercosul. Para alcançar a coordenação macroeconômica é preciso que se integre (e não
apenas se harmonize) as políticas cambial, tributária e fiscal e que se estabeleçam regras
comuns de tratamento dos investimentos externos visando o desenvolvimento da produção e
a geração de um mercado regional de consumo. A atração desses investimentos tem que se
basear no estabelecimento de parâmetros e regras comuns – para impedir a guerra fiscal, o
crescimento apenas do comércio intra-empresas e para fortalecer uma política comercial
externa comum.
A estabilidade e a integração macroeconômica têm que estar voltados à implementação de
políticas de geração de emprego e renda e para a redução da exclusão social. Problemas
centrais que se resolvem a médio e longo prazo, mas que têm que ser tratados com medidas
sociais emergenciais imediatas e fundamentalmente com uma estreita vigilância da aplicação
pelos quatro Estados de normas e direitos básicos para a vigência da cidadania.
O Plano de Trabalho 2004-2006 atribui à Comissão Sociolaboral a tarefa de avaliar o
cumprimento da Declaração Sociolaboral e de sugerir formas e medidas de reforço e melhoria
de sua atuação. Para que essas condições se materializem é preciso que os órgãos decisórios
96 Provavelmente não estão contabilizadas as missões de fiscalização do GERTRAF. 97 Também deve ser incluído nesse conjunto de documentos a Ata de Copacabana, assinada pelos Presidentes do Brasil e da Argentina, em abril de 2004, na cidade do Rio de Janeiro, que questiona o protecionismo comercial dos países centrais e as regras que regem os acordos financeiros, como fatores que limitam e impedem o desenvolvimento dos países menos industrializados.
81
do Mercosul garantam as condições (políticas e materiais) para um melhor funcionamento
dos órgãos existentes (o SGT 10, a CSL). Mas é preciso também que os Ministérios do
Trabalho e os atores sociais (principalmente os sindicatos) assumam a tarefa, proponham
uma forma de como implementá-la e cobrem das autoridades do Mercosul as formas e as
condições para desenvolver essas tarefas. É inexplicável que, depois de dois anos de
aprovado o Plano de Trabalho, a Comissão Sociolaboral não tenha sequer pautado o tema.
Acreditamos que duas iniciativas poderiam ser tomadas para reverter esse quadro. A primeira
deve ser a CSL assumir a tarefa estabelecida pelo Plano de Trabalho 2004-2006 e definir uma
metodologia e plano de pesquisa que permita avaliar de forma mais ampla e abrangente o
grau de aplicação da DSL, propondo formas e iniciativas para o seu aprimoramento. A
segunda diz respeito às condições de funcionamento da CSL – a existência de recursos
designados para as reuniões e para a realização das pesquisas e verificações que sejam
necessárias.
Na 27a reunião do CMC foi aprovada a criação de um Fundo Estrutural e Institucional que,
entre outras atribuições, deve captar e destinar recursos que garantam o pleno
funcionamento da estrutura institucional do Mercosul.
Estas questões poderiam ser abordadas pela OIT com as representações governamentais,
sindicais e empresariais, não só incentivando esse debate, como também colaborando para
sua concretização.
Complementa esse quadro o reconhecimento por parte do Mercosul da necessidade de
tratamento específico do tema do Emprego. A realização da Conferência Regional e a
aprovação da Declaração de Ministros do Trabalho em 2004 foram avanços concretos, que
progridem mais com a recente decisão do Conselho Mercado Comum (aprovada na reunião
de Ouro Preto de dezembro de 2004) de criar um Grupo de Trabalho de Alto Nível, de
composição inter-ministerial e com a participação das entidades sindicais e empresariais, que
terá que debater e formular as diretrizes básicas da estratégia de Emprego, devendo
apresentar suas conclusões aos Presidentes em dezembro de 2005. A consolidação desse
espaço e principalmente a adoção de um conjunto de medidas concretas que ajudem os
quatro Estados parte a ter progressos na promoção do emprego decente é quase que uma
condição para fazer avançar os níveis de cobertura trabalhista e o cumprimento das normas
que integram a Declaração Sociolaboral do Mercosul. Para isso será preciso que o SGT 10 e
principalmente o Observatório do Mercado de Trabalho articulem suas agendas com essa
esfera e que as organizações sindicais se preparem – técnica e politicamente – para incidir no
processo de elaboração das diretrizes a serem formuladas.
82
O que tratamos de demonstrar é que existem vários instrumentos e organismos no Mercosul
para que este tenha um papel impulsionador do desenvolvimento social e para que haja uma
elevação do grau de cumprimento dos direitos trabalhistas fundamentais. Para que isto se
materialize é preciso que os governos passem da retórica à prática e, fundamentalmente, que
os atores sociais se utilizem, de forma melhor, os espaços existentes e principalmente
pressionem pela efetivação das Declarações e Decisões já aprovadas.