análise de déficit de trabalho decente: trabalho doméstico...
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SÃO PAULO
MARÇO DE 2012
SEDE NACIONAL
Rua Dona Brígida 299 - Vila Marina – São Paulo/ SP
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Análise de Déficit de Trabalho Decente:
Trabalho Doméstico
Relatório 1ª fase de pesquisa
2
Instituto Observatório Social
DIRETORIA EXECUTIVA – CUT
Aparecido Donizeti da Silva
Vagner Freitas de Moraes
João Antônio Felício
ValeirErtle
DIRETORIA EXECUTIVA – CEDEC
Maria Inês Barreto
DIRETORIA EXECUTIVA – UNITRABALHO
Carlos Roberto Horta
DIRETORIA EXECUTIVA – DIEESE
João Vicente Silva Cayres
CONSELHO DIRETOR – CUT
Rosane da Silva
Aparecido Donizeti da Silva
Denise Motta Dau
Quintino Marques Severo
Vagner Freitas de Moraes
Jacy Afonso de Melo
João Antônio Felício
ValeirErtle
CONSELHO DIRETOR – DIEESE
Maria Luzia Feltes
João Vicente Silva Cayres
CONSELHO DIRETOR – UNITRABALHO
Francisco José Carvalho Mazzeu
Silvia Araújo
3
CONSELHO DIRETOR - CEDEC
TulloVigevani
Maria Inês Barreto
CONSELHO FISCAL EFETIVO
Alci Matos Araújo
Manoel Messias Nascimento Melo
Antônio Sabóia Barros Junior
CONSELHO FISCAL SUPLENCIA
José Celestino Lourenço
Adeílson Ribeiro Telles
Eduardo Alves Pacheco
COORDENAÇÃO TÉCNICA
Coordenador institucional: Amarildo Dudu Bolito
Coordenadora de pesquisa: Lilian Arruda
EQUIPE TÉCNICA
Juliana Sousa
Hélio da Costa
4
Sumário Introdução ................................................................................................................................... 05
Metodologia de indicadores de Trabalho Decente ................................................................. 06
1. Oportunidades de emprego ............................................................................................ 07
2. Trabalho inaceitável ........................................................................................................ 07
3. Salários adequados e trabalho produtivo ....................................................................... 08
4. Jornada Decente .............................................................................................................. 08
5. Estabilidade e garantia no trabalho ................................................................................ 09
6. Equilíbrio entre trabalho e vida familiar ......................................................................... 09
7. Tratamento justo no emprego ........................................................................................ 10
8. Trabalho seguro ............................................................................................................... 11
9. Proteção social na empresa ............................................................................................ 12
10. Diálogo social................................................................................................................. 12
11. Trabalho doméstico ....................................................................................................... 13
1. Panorama do trabalho doméstico..........................................................................................15
1.1. Breve introdução: a divisão sexual do trabalho e a sub-representação das mulheres na
política sindical.................... .................................................................................................15
1.2. Trabalho doméstico como atividade desvalorizada: a Constituição Brasileira de
1988......................................................................................................................................18
1.3 Convenção e Recomendação 189 da OIT: Trabalho Decente para as Trabalhadoras e
Trabalhadores Domésticos, 2011.......................... ...............................................................20
1.4 Outros dados sobre as trabalhadoras domésticas no Brasil...........................................25
2. Condições de trabalho- Déficit de trabalho decente...............................................................38
2.1. Oportunidades de emprego...........................................................................................38
2.2. Trabalho inaceitável.......................................................................................................41
2.3. Salário adequado e trabalho produtivo.........................................................................43
2.4. Jornada decente.............................................................................................................44
2.5. Estabilidade e garantia no trabalho...............................................................................45
2.6 Equilíbrio entre trabalho e vida familiar.........................................................................45
2.7. Tratamento digno no emprego familiar.........................................................................46
2.8. Trabalho seguro.............................................................................................................47
2.9. Proteção social...............................................................................................................49
2.10. Diálogo social (negociação coletiva e liberdade sindical)............................................49
Considerações Finais...................................................................................................................51
Referências consultadas..............................................................................................................52
Sites consultados.........................................................................................................................53
5
Introdução
O Instituto Observatório Social (IOS) tem adotado a Declaração de Princípios
e Direitos Fundamentais no Trabalho (liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do
direito de negociação coletiva, eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou
obrigatório, abolição efetiva de trabalho infantil, e a eliminação da discriminação em
matéria de emprego e ocupação) e as Convenções da OIT nelas incluídas como
principais referências para a construção de seus indicadores e metodologia. Mas a
própria OIT fixou como seu objetivo central a promoção de um trabalho decente para
todos os homens e mulheres em qualquer parte do mundo, combinando quatro pilares
estratégicos: a promoção de emprego com proteção social, respeito aos Direitos
Fundamentais do Trabalho (DFTs) e com diálogo social. Trabalho Decente é
definido como "oportunidades a que mulheres e homens possam obter um trabalho
digno e produtivo em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade
humana"1.
O Observatório Social, neste trabalho, amplia o escopo de abordagem em
suas pesquisas, adotando o conceito de Trabalho Decente desenvolvido pela OIT. Neste
sentido, o desafio do IOS foi adaptar os indicadores para o nível da empresa e incluir
dimensões até então ausentes na referência de análise. Para isso, criou um conjunto de
indicadores que norteiam o trabalho de pesquisa, a confecção desses indicadores está
assentada nas convenções da OIT.
A construção de indicadores tem o objetivo de monitorar o déficit de
Trabalho Decente mediante pesquisas, comparar realidades distintas no que se refere às
condições de trabalho, disponibilizar mais uma ferramenta para a ação sindical e,
1 ILO, Decent Work: Report of the Director General, International Labour Conference, 87
th Session.
6
simultaneamente ao processo de pesquisa, difundir o conceito de trabalho decente entre
trabalhadores e organizações sindicais.
Os indicadores são divididos em 10 temas, de acordo com o conceito de
Trabalho Decente: oportunidades de emprego, trabalho inaceitável, salários adequados
de trabalho produtivo, jornada decente, estabilidade e garantia de trabalho, equilíbrio
entre trabalho e vida familiar, tratamento digno no emprego, trabalho seguro, proteção
social, diálogo social. O tema, contexto socioeconômico, embora faça parte do conceito
de Trabalho Decente, não está entre os temas abordados pelos indicadores do IOS, uma
vez que não é aplicável ao nível da empresa, condiciona, contudo, os outros aspectos
que compõem o conceito de Trabalho Decente.
Este estudo faz parte de um projeto desenvolvido com a Central Única dos
Trabalhadores (CUT) que tem o objetivo, permeando formação sindical e pesquisa, de
estabelecer uma plataforma de negociação coletiva. Nesse sentido, a execução do
projeto é uma parceria entre as seguintes entidades da CUT: Secretaria Nacional de
Formação (SNF), Secretaria de Relações de Trabalho (SRT) e Instituto Observatório
Social (IOS) com o apoio da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
As empresas a serem estudados foram escolhidas juntamente com os ramos e
sindicatos dos setores a serem estudados: construção civil, hotelaria, têxtil e calçados,
trabalho doméstico.
Metodologia de indicadores de Trabalho Decente
A construção de indicadores de Trabalho Decente foi um trabalho coletivo dos
pesquisadores do IOS, baseado em convenções da OIT. A partir dos indicadores foram
construídas as ferramentas da pesquisa, questionários para dirigentes sindicais e
trabalhadores, com a colaboração a SNF e SRT e, posteriormente, com a colaboração de
dirigentes sindicais presentes nos módulos de formação. As convenções da OIT foram
utilizada de acordo com os temas abordados:
As normas da OIT consultadas para compor os indicadores relacionados ao tema:
7
1. Oportunidades de emprego
- Convenio 88 sobre el servicio de empleo
- Convenio 122 sobre la política del empleo, 1964
- Recomendación 122 sobre la política del empleo, 1964
- Recomendación 169 sobre la política del empleo (disposiciones
complementarias), 1984
- Convenio 181 sobre las agencias de empleo privadas, 1997
- Recomendación 188 sobre las agencias de empleo privadas, 1997
- Convenio 142 sobre desarrollo de los recursos humanos, 1975
- Recomendación 195 sobre el desarrollo de los recursos humanos, 2004
Os indicadores relativos à existência de oportunidades de emprego para todos que
procurem trabalho, referem-se às informações sobre emprego/participação entre
mulheres, jovens (15 a 24 anos) no emprego assalariado. Além disso, verifica a presença
de trabalhadores terceirizados e informais. As informações são comparadas com a
média do setor e, se necessário, da região.
2. Trabalho inaceitável
As normas da OIT consultadas para compor os indicadores relacionados ao tema:
- Convenio 29 sobre el trabajo forzoso, 1930
- Convenio 105 sobre la abolición del trabajo forzoso
- Convenio 138 sobre la edad mínima, 1973
- Recomendación 146 sobre la edad mínima, 1973
- Convenio 182 sobre las peores formas de trabajo infantil, 1999
- Recomendación 190 sobre las peores formas de trabajo infantil, 1999
A OIT identificou duas formas de trabalho inaceitáveis: trabalho escravo e
trabalho infantil. Estas sugestões não se aplicam ao nível da empresa, sendo necessário
8
partir das reflexões que o IOS já acumulou para construir os indicadores. É possível,
porém, encontrar tais formas de trabalho na cadeia produtiva e na cadeia de
fornecedores. Pode haver também, situações de trabalho de menores de idade em
condições, penosas, periculosas e insalubres.
3. Salários adequados e trabalho produtivo
As normas da OIT consultadas para compor os indicadores relacionados ao
tema:
- Convenio 131 sobre la fijación de salarios mínimos, 1970
- Recomendación 135 sobre la fijación de salarios mínimos, 1970
- Convenio 140 sobre la licencia pagada de estudios, 1974
- Convenio 95 sobre la protección del salario, 1949
- Recomendación 85 sobre la protección del salario, 1949
Estes indicadores referem-se ao trabalho que garanta rendimentos e assegure
o bem estar do trabalhador e de seus familiares. O trabalho deve assegurar o aspecto
dinâmico da continuidade da garantia de remuneração, por exemplo, o da melhoria do
trabalho futuro via treinamento e escolarização.
4. Jornada Decente
As normas da OIT consultadas para compor os indicadores relacionados ao
tema:
- Convenio 47, sobre las 40 horas, 1935
- Convenio 14 sobre el descanso semanal (industria), 1921
- Convenio 89 sobre el trabajo nocturno (mujeres) (revisado), 1948
- Protocolo de 1990 relativo al Convenio (revisado) sobre el trabajo nocturno
(mujeres), 1948
- Convenio 106 sobre el descanso semanal (comercio y oficinas), 1957
- Recomendación 103 sobre el descanso semanal (comercio y oficinas), 1957
- Convenio 132 y Convenio 52 sobre las vacaciones pagadas (revisado), 1970-
- Convenio 171 sobre el trabajo nocturno, 1990
- Recomendación 178 sobre el trabajo nocturno, 1990
9
- Convenio 175 sobre el trabajo a tiempo parcial, 1994
- Recomendación 182 sobre el trabajo a tiempo parcial, 1994
- Recomendación 116 sobre la reducción de la duración del trabajo, 1962
Três aspectos do TD estão relacionados à jornada decente: horas excessivas
de trabalho (jornada excessiva) e jornada atípica podem ser prejudiciais à saúde física
e mental e impedem o equilíbrio entre trabalho e vida familiar; jornada excessiva é um
sinal de salário inadequado; jornada de curta duração (jornada insuficiente) pode
indicar oportunidades de emprego inadequadas.
5. Estabilidade e garantia no trabalho
As normas da OIT consultadas para compor os indicadores relacionados ao
tema:
- Convenio N.° 44, sobre el desempleo; Recomendación N.° 44, sobre el
desempleo y - - Recomendación N.° 176, sobre el fomento del empleo y la
protección contra el desempleo.
- Convenio N.° 158, sobre la terminación de la relación de trabajo;
Recomendación N.° 166, sobre la terminación de la relación de trabajo.
- Recomendación 198 sobre la relación de trabajo, 2006
Aqui se trata de estabilidade e segurança do emprego, considerado um dos
mais importantes aspectos do TD. A perda do emprego afeta os custos econômicos, a
acumulação de capital humano, os sistemas e o acesso a benefícios e pensões, bem
como a vida pessoal.
Podem ser analisados os seguintes aspectos: duração do emprego inferior a
um ano; emprego temporário, percepção da segurança no emprego no futuro.
6. Equilíbrio entre trabalho e vida familiar
10
As normas da OIT consultadas para compor os indicadores relacionados ao
tema:
- Convenio 156 sobre los trabajadores con responsabilidades familiares,
1981
- Recomendación 156 sobre los trabajadores con responsabilidades familiares,
1981
Esta conciliação é uma preocupação das políticas públicas em muitos países,
é basicamente uma questão de gênero. O cuidado das crianças e de outros familiares é
central para se alcançar as Metas do Milênio da ONU.
O princípio da OIT (C. 156) é que as pessoas que tenham responsabilidades
familiares possam obter emprego, sem serem discriminadas. As responsabilidades
familiares não devem ser motivo para a demissão.
Questões gerais relativas às políticas de emprego neste sentido: proteção do
emprego para empregados que tenham que se ausentar do trabalho para atender
contingências familiares (maternidade e cuidado de filhos); políticas por parte das
empresas para que trabalhadores conciliem trabalho e vida familiar.
7. Tratamento justo no emprego
As normas da OIT consultadas para compor os indicadores relacionados ao
tema:
- Convenio 111 sobre la discriminación (empleo y ocupación), 1958
- Recomendación 111 sobre la discriminación (empleo y ocupación), 1958
- Convenio 100 sobre la igualdad de remuneración, 1951
- Recomendación 90 sobre igualdad de remueneración, 1951
- Convenio 159 sobre la readaptación profesional y el empleo
(personas inválidas), 1983
- Recomendación 99 sobre la adaptación y la readaptación profesionales de
los inválidos, 1955
11
- Recomendación 168 sobre la readaptación profesional y el empleo
(personas inválidas), 1983
Este tópico refere-se principalmente às Convenções 100 e 111 da OIT. Além
delas, o significado de Tratamento Justo no Emprego compreenderia trabalho sem
assédio ou exposição à violência, autonomia no trabalho, existência de mecanismos
justos de solução de conflitos ou de tratamento de queixas (estes últimos relacionados à
existência de diálogo social).
Entre os indicadores sugeridos estão a 1) segregação ocupacional por sexo e
2) o percentual de mulheres em cargos de gerência e administração. Entre outros
indicadores já mencionados em itens anteriores, os principais referem-se à participação
das mulheres no emprego, diferenciais salariais em ocupações selecionadas. Duas outras
considerações para futuro desenvolvimento: Segregação por outros motivos (religião,
etnia, origem nacional etc.) e Assédio.
8. Trabalho seguro
As normas da OIT consultadas para compor os indicadores relacionados ao
tema:
- Convenio núm. 121 y Recomendación núm. 121
- Convenio 81 sobre la inspección del trabajo, 1947
- Recomendación 81 sobre la inspección del trabajo, 1947
- Convenio 120 sobre la higiene (comercio y oficinas), 1964
- Recomendación 120 sobre la higiene (comercio y oficinas), 1964
- Convenio 155 sobre seguridad y salud de los trabajadores, 1981
- Protocolo de 2002 del Convenio sobre seguridad y salud de los
trabajadores. 1981
- Recomendación 164 sobre seguridad y salud de los trabajadores, 1981
- Convenio 161 sobre los servicios de salud en el trabajo, 1985
- Recomendación 171 sobre los servicios de salud en el trabajo, 1985
- Convenio 167 sobre seguridad y salud en la construcción, 1988
- Recomendación 175 sobre seguridad y salud en la construcción, 1988
- Convenio 187 sobre el marco promocional para la seguridad y salud en el
trabajo, 2006
- Recomendación 194 sobre la lista de enfermedades profesionales, 2002
12
- Recomendación 197 sobre el marco promocional para la seguridad y salud en el trabajo, 2006
O tema segurança e saúde no trabalho está relacionado com condições que
preservem e promovam a integridade física e psicológica do trabalhador. Algumas
questões devem ser abordadas: número de acidentes ocorridos em determinado período;
incidência de doenças ocupacionais; avaliação da atuação da CIPA.
9. Proteção social na empresa
As normas da OIT consultadas para compor os indicadores relacionados ao
tema:
- Convenio 103, sobre la protección de la maternidad
- Convenio 102 sobre la seguridad social (norma mínima), 1952
- Convenio núm. 102
- Convenio núm. 130 y Recomendación núm. 134
- Convenio núm. 168 y Recomendación núm. 176
- Convenio núm. 128 y Recomendación núm. 131
Proteção contra as contingências da vida, tais como doenças, envelhecimento
e deficiência física e mental, bem como da pobreza.
Em estudos sobre empresas, o grau com que estas se preocupam com a
seguridade dos seus empregados poderia ser medido através de normas e sistemas
como: fundos privados de aposentadoria e pensão, plano de saúde, licença maternidade
(e paternidade). Sobre a licença maternidade, duas dimensões importantes são a duração
da licença em relação ao previsto em lei e a garantia do emprego após o retorno ao
trabalho.
10. Diálogo social
As normas da OIT consultadas para compor os indicadores relacionados ao
13
tema:
- Resolución N° 52 sobre los derechos sindicales y su relación con las
libertades civiles (adoptada el 25 de junio de 1970),
- Convenio 87 sobre la libertad sindical y la protección del derecho de
sindicación, 1948
- Convenio 98 sobre el derecho de sindicación y negociación colectiva,
1949
- Convenio 135 sobre los representantes de los trabajadores, 1971
- Recomendación 143 sobre los representantes de los trabajadores, 1971
- Convenio 151 sobre las relaciones de trabajo en la administración
pública, 1978
- Recomendación 159 sobre las relaciones de trabajo en la administración
pública, 1978
- Convenio 154 sobre la negociación colectiva, 1981
- Recomendación 91 sobre los contratos colectivos, 1951
- Recomendación 163 sobre la negociación colectiva, 1981
- Convenio 144 sobre la consulta tripartita (normas internacionales del
trabajo), 1976
- Recomendación 152 sobre la consulta tripartita (actividades de la
Organización Internacional del Trabajo), 1976
- Recomendación 113 sobre la consulta (ramas de actividad económica y
ámbito nacional), 1960
Considera-se neste tópico o quanto os trabalhadores podem se expressar no
âmbito da empresa em assuntos relativos ao seu trabalho e participar nas decisões sobre
as condições de trabalho. Distinguem formas de participação individual e coletiva,
através de representantes eleitos.
Os indicadores estão relacionados com organização sindical e à negociação
coletiva, referem-se ao respeito aos acordos e convenções coletivas, livre exercício da
ação sindical e dos trabalhadores, presença da organização no local de trabalho,
interlocução constante com a empresa.
11. Trabalho doméstico
Por fim, para subsidiar a pesquisa sobre emprego doméstico foram utilizadas
as seguintes convenções da OIT:
14
- Convenção (No 189);
- Recomendação (No 201) sobre Trabalho Decente para as Trabalhadoras e
os Trabalhadores Domésticos de 2011.
Neste caso, os indicadores abordam as especificidades do trabalho doméstico:
jornada excessiva, acúmulo de atividades e desvio de funções, o domicílio da família é o
local de trabalho.
15
1. Panorama do trabalho doméstico
1.1. Breve introdução: a divisão sexual do trabalho e a sub-representação das
mulheres na política sindical
A divisão sexual do trabalho na sociedade contemporânea tem conferido
tradicionalmente e como prioridade o trabalho doméstico às mulheres, como atividade
duplamente desvalorizada, primeiro por se tratar de uma tarefa não necessariamente
remunerada e segundo por ser primordialmente desempenhada pelas mulheres, porque
por suposição atrelada ao papel que a natureza concede a elas: de cuidado do lar e da
família. A naturalização e a cristalização dessa dinâmica que atribui papéis sociais
polarizados a mulheres e homens – e que envolvem representações simbólicas das quais
resultam a associação tipificada da mulher à imagem da dona de casa, da mãe,
responsável pelo trabalho reprodutivo (desvalorizado), e do homem à imagem do
provedor, chefe de família, autoridade, por sua vez responsável pelo trabalho produtivo
(remunerado) –, estariam ancoradas em justificativas respondidas pelos atributos
biológicos, concedidos pela natureza a ambos os sexos. A rigor, habilidades tais como
paciência, cuidado e docilidade muitas vezes não são encaradas como qualificações
culturalmente adquiridas pelas mulheres em nossa sociedade, mas como dons
supostamente natos, inerentes à “natureza feminina” e, portanto, em grande medida com
os quais nos restaria a conformidade.
Embora a tradição cultural machista esteja enraizada e fortalecida na
sociedade brasileira – as mulheres trabalhadoras2 constituem a parcela da força de
trabalho pior remunerada e são alvo privilegiado de constrangimentos e abusos de
autoridade pelas chefias – em virtude de nossa herança escravista3, bem como da
2 O termo “mulher trabalhadora” é “utilizado pelas mulheres sindicalistas como forma de autorreferir-se,
indica o desejo de apontar para a articulação entre mercado de trabalho e família e manifesta o
interesse de manter unidos, na diferença, estes dois papéis sociais” (Cappellin-Giuliani apud Soares,
1998: p. 143). Além disso, a Secretaria Nacional da Mulher Trabalhadora da Central Única dos
Trabalhadores (CUT) adota essa terminologia em suas abordagens. 3 Durante o regime escravocrata as mulheres negras desempenhavam principalmente afazeres domésticos,
atuando como cozinheiras ou arrumadeiras, e também como amas de leite. Expropriadas do livre usufruto
de sua força de trabalho, as mulheres negras também eram frequentemente violentadas sexualmente pelos
senhores brancos – em contrapartida, cabe mencionar que, além de concubinas, muitas se tornaram
16
reprodução de um modelo de sociabilidade fundamentalmente patriarcal, as assimetrias
de gênero têm sido progressivamente contestadas e o papel subalterno conferido às
mulheres, refutado. Contribuíram nesse processo os movimentos feministas, que no
Brasil tomaram impulso a partir da década de 1970, preocupados com a constituição de
um espaço público que possibilitasse a expressão das experiências cotidianas das
mulheres, retirando essas experiências da invisibilidade do âmbito privado.
Nesse sentido, o feminismo destacou-se com uma relevante intervenção
na cena política brasileira, pautando o debate de gênero e inserindo a discussão assim
como uma atuação propriamente feminista nas diferentes esferas de poder, o que
acentuou o crescimento da participação das mulheres no mercado de trabalho4 e nos
sindicatos, questionou a divisão sexual do trabalho e denunciou as assimetrias de gênero
reproduzidas no espaço sindical. Na CUT, durante o período de formação da central, em
1983, houve a preocupação em atrair as mulheres trabalhadoras e, dentre as estratégias
de luta, foram introduzidos na agenda sindical temas não diretamente associados ao
movimento dos trabalhadores, como o aborto ou a violência contra a mulher – em
decorrência da orientação de corte de gênero exercida pelo movimento feminista
classista e pelo movimento social de mulheres –, além das necessidades e problemas
sentidos pelas trabalhadoras cotidianamente.
Desde 1986, durante o II Congresso Nacional da CUT (2º CONCUT),
algumas militantes sindicais estavam empenhadas na discussão das temáticas
específicas das mulheres trabalhadoras – contando inclusive com o apoio de feministas,
que assessoravam e militavam na CUT, e de outros segmentos do movimento social – e
apresentaram no evento um documento contendo diversas propostas, dentre as quais a
criação da Comissão Nacional sobre a Questão da Mulher Trabalhadora (CNMT-CUT).
A CNMT reforçou os embates pela ampliação da atuação feminina nos espaços
sindicais e possibilitou a organização de mobilizações, em âmbito nacional, em defesa
de direitos da mulher trabalhadora – como a licença-maternidade, creche no local de
esposas legítimas dos senhores, gerando filhos mestiços ilegítimos e também legítimos. A escravatura foi
oficialmente abolida no Brasil em 13 de maio de 1888, através da assinatura da Lei Áurea pela Princesa
Isabel – momento em que o rei Dom Pedro II estava em viagem ao exterior. O Brasil foi o último país do
continente americano a decretar o fim da escravidão. 4 Dados comparativos da PNAD/IBGE de 2009 sobre a taxa de participação por sexo no mercado de
trabalho brasileiro apontam que, enquanto a participação dos homens no mercado de trabalho manteve-se
estacionada em torno de 81% em 2001 e em 2008 – respectivamente, 81% e 80,47% – a taxa de
participação das mulheres no mercado de trabalho prossegue em sua tendência de alta (verificada nas
últimas décadas), passando de 54,15% em 2001 para 57,58% em 2008 (IPEA, 2009: p. 21).
17
trabalho, além da licença-paternidade, direitos que estavam sob o risco de serem
suprimidos da Constituição de 1988, em função das pressões do empresariado5.
A chefe da Comissão Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT, em
1993, Maria Berenice Godinho (a Didice), em entrevista concedida a Castro6, assinalou
as reclamações mais frequentes apontadas pelas mulheres trabalhadoras acerca de suas
condições de trabalho, quais sejam: as desigualdades salariais percebidas por mulheres e
homens no exercício da mesma atividade; a seleção desfavorável às mulheres no acesso
ao treinamento, o que cerceia sua mobilidade profissional, isto é, as oportunidades de
ascensão profissional são reduzidas para as mulheres trabalhadoras; o assédio sexual por
parte do superior na hierarquia funcional das empresas; problemas de saúde decorrentes
das más condições de trabalho; irregularidades no registro da carteira de trabalho
informando a natureza do trabalho realizado, dentre outras.
Depois do 4º CONCUT, que ocorreu em 1991, as sindicalistas feministas
protagonizaram estratégias na tentativa de ampliar o acesso das mulheres aos cargos de
direção da CUT e dos sindicatos. Nesse sentido, a partir de 1992, debates para discutir a
sub-representação das mulheres trabalhadoras nas instâncias de decisão da CUT, das
confederações e dos sindicatos associados a ela passaram a ser instigados pela central,
aliados à proposição de políticas de ação afirmativa7. A proposta de cotas de 30%, em
todas as instâncias, inclusive de direção, a serem ocupadas pelas mulheres trabalhadoras
na CUT e, como recomendação, nas entidades a ela filiadas, foi aprovada em plenária
em 1993, após sofrer uma derrota no ano anterior, e implementada a partir de 1994.
A CNMT desempenhou papel fundamental na expansão dos debates
acerca das relações de gênero na CUT e nos sindicatos a ela filiados, o que repercutiu na
criação de comissões de mulheres nas entidades sindicais e na promoção de atividades
para estimular a mobilização das mulheres trabalhadoras. Entretanto, houve uma série
de dificuldades, enfrentadas ao longo dos anos e que ainda se apresentam em nossos
dias, quanto à propagação das medidas que visam à promoção da igualdade de
oportunidades entre os gêneros no mundo do trabalho e nos sindicatos. Dentre as
dificuldades presentes no mercado de trabalho, o emprego doméstico destaca-se como
um campo cuja análise revela a persistência da discrepância social e da segregação das
mulheres em categorias profissionais desfavorecidas – de acordo com o Censo do
5 Araújo; Ferreira, 1998.
6 Castro, 1995: pp. 33-34.
7 Fonte: Araújo; Ferreira, 1998; Ferreira, 2005.
18
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, as mulheres auferiram
renda correspondente a apenas 70% da auferida pelos homens8 naquele ano.
Além disso, as mulheres representaram, ao longo da primeira década do
século XXI, 93% dos trabalhadores domésticos remunerados no Brasil, sendo que as
mulheres negras corresponderam a 61,6% do total de mulheres ocupadas nessa
profissão. Ao todo, o trabalho doméstico remunerado empregava, em 2009, 7,2 milhões
de trabalhadoras e trabalhadores, conforme aponta a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílio (PNAD), realizada pelo IBGE. Segundo a PNAD, o segmento de Trabalho
Doméstico emprega atualmente cerca de 17% das mulheres ocupadas, ou 6,7 milhões de
mulheres, seguido do setor de Comércio e Reparação, que reúne 16,8% das ocupadas e
pelo segmento de Educação, Saúde e Serviços Sociais, onde estão 16,7% das
trabalhadoras9: “O emprego doméstico tem, assim, ocupado posição central nas
possibilidades de incorporação das mulheres ao mercado de trabalho, particularmente
das negras, pobres e sem escolaridade ou qualificação profissional” (IPEA, 2011: p.
4).
1.2 Trabalho doméstico como atividade desvalorizada: a Constituição
Brasileira de 1988
A legislação definiu, em 1972, o “Empregado Doméstico”10
como sendo
“aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não-lucrativa a
pessoa ou família, no âmbito residencial destas” (Lei 5.859/72). Trata-se, portanto, de
uma atividade não esporádica ou eventual e a partir da qual o(a) patrão/patroa não
obtém lucro ou benefício financeiro. O âmbito residencial a que se refere engloba o lar e
suas imediações, como o jardim, o quintal, bem como automóveis, lanchas e aviões
8 Os dados de 2010 também registram que a proporção da parcela de mulheres supera à equivalente aos
homens nas estatísticas que apontam as classes de trabalho sem rendimento (43,1% e 30,8%,
respectivamente), que recebem até meio salário mínimo (8% e 4,6%, respectivamente) e até um salário
mínimo (21,5% e 20,8%, respectivamente). Fonte: folha.com. “Mulheres ganham apenas 70% da renda
dos homens, aponta Censo de 2010” (16/11/2011). Disponível em:
<http://www.observatoriosocial.org.br/portal/noticia/1316>. Acesso em 20/01/2012. 9 Fonte: Pesquisa Emprego e Desemprego (PED). “A mulher nos mercados de trabalho metropolitanos”,
Especial – Abril/2011. 10
Embora a legislação faça referências a empregada(o) doméstica(o), nossa abordagem constrói uma
reflexão alicerçada em outros parâmetros, utilizando como categorias de análise os termos “trabalhadora
doméstica” e “trabalhador doméstico”, reforçando, dessa maneira, a tradição envolvida no histórico da
luta de classes na sociedade contemporânea, bem como a vertente clássica do pensamento social e seus
desdobramentos que têm se debruçado sobre o tema nos últimos séculos.
19
particulares de lazer. Nesses termos, compreendem a categoria as(os) seguintes
trabalhadoras(es): cozinheira(o), governanta, babá, lavadeira, faxineira(o), vigia,
motorista particular, jardineiro(a), acompanhante de idosos(as), enfermeira(o), assim
como o(a) caseiro(a), quando sua localidade de trabalho não possui finalidade lucrativa.
O artigo 7º da Constituição Federal, que versa sobre direitos e garantias
fundamentais de trabalhadoras e trabalhadores urbanos e rurais no Brasil, assegura uma
série de direitos à força de trabalho que não se estendem, porém, integralmente à
categoria dos trabalhadores domésticos. Em parágrafo único, o artigo menciona apenas
9 parágrafos (de um total de 34 parágrafos) cujos direitos estão assegurados aos
trabalhadores domésticos pela legislação: salário mínimo fixado em lei; irredutibilidade
salarial; 13º salário; repouso semanal remunerado; gozo de férias anuais remuneradas
com, pelo menos, 1/3 a mais do que o salário normal; licença à gestante, sem prejuízo
do emprego e do salário, com duração de 120 dias; licença-paternidade; aviso prévio;
aposentadoria, bem como integração à Previdência Social.
Em 2006, modificações na legislação incorporaram novos direitos às(aos)
trabalhadoras(es) domésticas(os), que passaram a contar com o direito a férias de 30
dias, estabilidade para gestantes, direito aos feriados civis e religiosos, além da
proibição de descontos de moradia, alimentação e produtos de higiene pessoal utilizados
no local de trabalho. Outra mudança significativa foi a dedução no Imposto de Renda
Pessoa Física de 12% do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), que
possibilitou incrementar a formalização dos vínculos de trabalhadoras(es)
domésticas(os). Dessa maneira, os direitos garantidos constitucionalmente às(aos)
trabalhadoras(es) domésticas(os) abrangem11
:
1. Carteira de Trabalho e Previdência Social, devidamente anotada;
2. Salário mínimo fixado em lei;
3. Irredutibilidade salarial;
4. 13º salário;
5. Repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
6. Feriados civis e religiosos;
7. Férias de 30 dias remuneradas;
8. Férias proporcionais, no término do contrato de trabalho;
9. Estabilidade no emprego em razão da gravidez;
11
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego.
20
10. Licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário;
11. Licença-paternidade de 5 dias corridos;
12. Auxílio-doença pago pelo INSS;
13. Aviso prévio de, no mínimo, 30 dias;
14. Aposentadoria;
15. Integração à Previdência Social;
16. Vale-transporte;
17. Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) – benefício
opcional;
18. Seguro-desemprego concedido exclusivamente à(ao) trabalhadora
incluída(o) no FGTS.
Com o propósito de avançar na defesa dos direitos trabalhistas, está em
tramitação, no Congresso Nacional, uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC)
478-2010, que pretende revogar o Parágrafo Único do Artigo 7º da Constituição
Federal, responsável pela exclusão da maior parte dos direitos trabalhistas a
trabalhadoras(es) domésticas(os). O texto da emenda está em consonância com a
Convenção 189 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre trabalhadores
domésticos, que recomenda aos países membros a equiparação dos direitos dos
trabalhadores em geral à categoria.
1.3 Convenção e Recomendação 189 da OIT: Trabalho Decente para as
Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos, 2011
Na proposta de defesa e promoção do Trabalho Decente12
pela OIT –
num comprometimento amplo com vistas à superação da pobreza e das desigualdades
sociais –, o trabalho doméstico ocupa posição particularmente relevante em função das
discriminações de gênero e raça que persistem na atividade, o permite a abordagem da
temática da igualdade de oportunidades e tratamento no mundo do trabalho. Como
ressalta a OIT:
12
O Trabalho Decente, conceito formalizado pela OIT em 1999, é um “trabalho adequadamente
remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, sem quaisquer formas de
discriminação e capaz de garantir uma vida digna a todas as pessoas que vivem de seu trabalho”
21
As trabalhadoras/es domésticas/os seguem, portanto, sendo
vítimas frequentes de violação dos direitos humanos e dos
direitos fundamentais no trabalho, como o trabalho forçado, o
trabalho infantil e a discriminação. (OIT, 2011: p. 2)
Com o propósito de instigar as reflexões e discussões a respeito do
trabalho doméstico e subsidiar o estabelecimento de uma efetiva proteção aos direitos
de trabalhadoras/es domésticas/os, o OIT realizou duas Conferências Internacionais do
Trabalho, em 2010 e 2011, das quais resultou a adoção da Convenção nº 189 sobre o
Trabalho Decente para as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos, de 2011,
acompanhada da Recomendação nº 201. O Escritório da OIT no Brasil desde 2009
desenvolveu diversas iniciativas – que resultaram na produção de estudos e
documentos, bem como na realização de reuniões e oficinas técnicas –, com o apoio da
ONU-Mulheres e das Secretarias de Políticas para as Mulheres (SPM) e de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), contando com a participação de
representantes das trabalhadoras domésticas, de organizações de trabalhadoras/es e
empregadores e de outros órgãos do governo brasileiro, como o Ministério do Trabalho
e Emprego (MTE) e o Ministério das Relações Exteriores (MRE).
A Convenção nº 189, assim como a Recomendação que a complementa,
resultaram portanto dessas discussões em âmbito internacional e, conforme
procedimentos adotados pela OIT, a nova Convenção estará em vigor após ser ratificada
por dois países. A ratificação é um ato soberano, em que uma nação assina a Convenção
voluntariamente e compromete-se a implementá-la em seu território, de acordo com o
arcabouço de normas e legislação em vigor no país. O quadro abaixo apresenta um
resumo da Convenção nº 189 e da Recomendação nº 201 sobre as Trabalhadoras e
Trabalhadores Domésticos (2011):
22
Resumo da Convenção nº 189 e da Recomendação nº 201 sobre
as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos, 2011
CONVENÇÃO
Artigos Conteúdo
1 e 2 Definições e cobertura: Trabalho doméstico: aquele realizado em
ou para domicílio(s); trabalhador: (sexo feminino ou masculino)
quem realiza o trabalho doméstico no âmbito de uma relação de
trabalho, estando excluídos aquelas/es que o fazem de maneira
ocasional e sem que seja um meio de subsistência. A convenção
se aplica a todas/os trabalhadoras/es domésticas/es. Há
possibilidade de exclusão de categorias, desde que justificadas
(outra proteção equivalente ou questões substantivas).
3 e 4 Direitos humanos e direitos fundamentais do trabalho:
Implementação de medidas efetivas para garantir estes direitos.
Trabalho Infantil Doméstico: Estabelecimento de idade mínima,
em consonância com convenções associadas ao tema (nº 138 e
182), e adoção de medidas com relação a trabalhadoras/es
menores de 18 anos.
5 Proteção contra abusos, assédio e violência: adoção de medidas
nestes temas.
6 Condições de emprego equitativas e trabalho decente: adoção de
medidas efetivas nestes temas.
7 Informação sobre termos e condições, quando possível em
contratos de trabalho.
8 Proteção às/aos trabalhadoras/es domésticas/os migrantes: oferta
de emprego por escrito/contrato de trabalho com condições
estabelecidas no artigo 7, ainda no país de origem.
9 Liberdade para decidir moradia, se acompanha ou não membros
do domicílio em suas férias e quanto a manter em posse seus
documentos.
10 Jornada de trabalho: medidas para assegurar jornada,
compensação de horas extras e períodos de descanso diários,
semanais (24 horas consecutivas) e férias. Tempo em que
trabalhadores/as estão à disposição conta como horas de trabalho.
11 Estabelecimento de remuneração mínima.
12 Remunerações e proteção social: pagamentos em dinheiro, em
intervalos regulares e pelo menos uma vez ao mês. Possibilidade
de pagamento in natura, desde que estabelecidas condições para
que não seja desfavorável.
13 e 14 Medidas de saúde e segurança no trabalho; proteção social e
proteção à maternidade.
15 Agências de emprego privadas: condições de funcionamento;
proteção contra abusos de agências de emprego mediante
obrigações jurídicas.
16 Acesso a instâncias de resolução de conflitos.
17 Inspeção do Trabalho: adoção de medidas e possibilidade de
23
acesso ao domicílio, com respeito à privacidade.
18 As disposições da Convenção deverão ser colocadas em prática
por meio da legislação nacional, de acordos coletivos e de outras
medidas adicionais com relação aos/às trabalhadores/as
domésticos/as.
19 a 27 Procedimentos para adoção, ratificação e implementação da
convenção.
RECOMENDAÇÃO
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2 Liberdade de associação e direito à negociação coletiva: revisão
da legislação nacional no sentido de tornar efetivos estes direitos.
Direito das/os trabalhadoras/es domésticas/os e de
empregadores/as a terem suas próprias organizações.
3 Exames médicos: princípio da confidencialidade; impedimento de
exames de HIV e gravidez e não-discriminação em função de
exames.
4 Medidas com relação aos exames médicos: informação sobre
saúde pública.
5 Identificação e proibição de trabalho doméstico insalubre para
crianças, proteção para trabalhadoras/es domésticas/os jovens:
para estes últimos, limitação da jornada; proibição de trabalho
noturno; restrição quanto a tarefas penosas e vigilância das
condições de trabalho.
6 Informações sobre termos e condições de emprego;
estabelecimento de informações em contratos.
7 Proteção contra abuso, assédio e violência: estabelecimento de
mecanismos de queixa; programas de reinserção e readaptação de
trabalhadoras/es vítimas.
8 a 13 Jornada de trabalho: registro exato das horas trabalhadas, das
horas extras e dos períodos de disponibilidade imediata para o
trabalho de fácil acesso para as/os trabalhadoras/es;
regulamentação do tempo em que a/o trabalhador/a está
disponível para o trabalho; estabelecimento de medidas
específicas para trabalho noturno; estabelecimento de pausas
durante jornada diária; estabelecimento de descanso semanal de
24 horas, em comum acordo; compensação por trabalho em dia
de descanso; acompanhamento dos membros do domicílio nos
períodos de férias não deve ser considerado como férias da/o
trabalhador/a.
14 e 15 Proteção quanto a remunerações e pagamento in natura:
limitação de pagamento in natura; critérios objetivos para cálculo
do valor; considerar somente questão de alimentação e
alojamento; proibição de incluir artigos relacionados ao
desempenho do trabalho; informações precisas quanto aos valores
24
do pagamento.
17 Condições adequadas de acomodação e alimentação.
18 Prazo para busca de outro emprego e tempo livre durante o
trabalho em casos de término do emprego por iniciativa do
empregador/a para trabalhadoras/es que moram nas residências.
19 Saúde e segurança: Medidas e dados sobre saúde e segurança no
trabalho; estabelecimento de sistema de inspeção.
20 Adoção de medidas para contribuição à previdência social.
21 e 22 Trabalhadoras/es migrantes: sistema de visitas; rede de
alojamento de urgência; linha telefônica de assistência;
informações quanto às obrigações dos empregadores, legislação e
direitos no caso dos trabalhadoras/es nos países de origem e
destino; repatriação.
23 Agências de emprego privadas: promoção de boas práticas das
agências privadas de emprego com relação ao trabalho
doméstico.
24 Inspeção do trabalho: estabelecimento de condições para a
inspeção do trabalho.
25 Políticas e programas: para o desenvolvimento continuado de
competências e qualificação, incluindo alfabetização; para
favorecer o equilíbrio entre trabalho e família; formulação de
dados estatísticos sobre trabalhadoras/es domésticas/os.
26 Cooperação internacional para proteção dos trabalhadoras/es
domésticas/os.
Fonte: Organização Internacional do Trabalho (OIT), 2011.
Dentre os apontamentos da OIT elencados acima, a liberdade de
associação e o direito à negociação coletiva para trabalhadoras/es domésticas/os –
apresentados como uma recomendação da OIT e não no escopo da Convenção nº 189
propriamente – remete diretamente a uma outra Convenção (nº 87) do órgão, que trata
da liberdade sindical e a proteção do direito sindical de trabalhadoras e trabalhadores
em geral, que não foi ratificada pelo Brasil13
. Neste caso, essa preocupação deve-se à
baixa sindicalização especialmente verificada nos serviços domésticos.
Na tabela 1 abaixo visualizamos as estatísticas de sindicalização de
trabalhadoras e trabalhadores, segundo setor da economia e sexo, no Brasil em 2009. É
interessante observar que as mulheres trabalhadoras domésticas representaram 88% do
13
A livre associação profissional e sindical, conforme preconiza a Convenção nº 87 da OIT, é em certa
medida incompatível com o modelo sindical em vigor no Brasil em virtude do princípio da unicidade
sindical, que proíbe a criação de mais de uma organização sindical, representativa de categoria
profissional ou econômica, na mesma base territorial e cerceia, portanto, as possibilidades de escolha de
trabalhadores quanto à entidade sindical à qual desejariam se associar.
25
total de sindicalizados empregados nos serviços domésticos – uma vez que elas
somavam aproximadamente 93% do contingente total que trabalhava no setor. Mulheres
e homens empregados nos serviços domésticos representaram apenas 1,03% do total de
trabalhadores sindicalizados no Brasil em 2009, enquanto a taxa de sindicalização
referente ao total de ocupados no país, no mesmo ano, era de 17,7%14
. Essa análise
permite-nos verificar que a dificuldade de sindicalização de trabalhadoras e
trabalhadores domésticas(os) é maior do que a enfrentada por outras categorias.
Tabela 1: Trabalhadoras e Trabalhadores sindicalizados
por setor da economia e sexo – Brasil, 2009
Setor
Homens Mulheres Total
Nº
absoluto
% Nº
absoluto
% Nº
absoluto
%
Agrícola 2.543.451 61,7 1.580.778 38,3 4.124.229 100,0
Indústria 2.224.062 73,7 794.294 26,3 3.018.356 100,0
Indústria de transformação 1.971.816 72,4 753.501 27,6 2.725.317 100,0
Construção 552.967 93,0 41.405 7,0 594.372 100,0
Comércio e reparação 1.130.634 57,7 829.670 42,3 1.960.304 100,0
Alojamento e alimentação 169.137 48,1 182.580 51,9 351.717 100,0
Transporte, armazenagem e comunicação 958.840 86,9 144.011 13,1 1.102.851 100,0
Administração pública 771.801 59,7 520.414 40,3 1.292.215 100,0
Educação, saúde e serviços sociais 602.128 23,8 1.932.740 76,2 2.534.868 100,0
Serviços domésticos 21.276 12,0 155.412 88,0 176.688 100,0 Outros serviços coletivos, sociais e pessoais 217.937 54,8 179.662 45,2 397.599 100,0
Outras atividades 1.008.174 63,6 576.144 36,4 1.584.318 100,0
Atividades mal definidas 2.083 47,8 2.277 52,2 4.360 100,0
Total 10.202.490 59,5 6.939.387 40,5 17.141.877 100,0 Fonte: PNAD-IBGE.
Elaboração: DIEESE, 2010/2011.
1.4 Outros dados sobre as trabalhadoras domésticas no Brasil
Em 2010, as mulheres ocupavam cerca de 45% dos postos de trabalho
existentes nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife,
Salvador, São Paulo e Fortaleza, bem como no Distrito Federal. Essa informação
demonstra que a preocupação de estar no mercado de trabalho (por necessidade ou
14
Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-IBGE). Elaboração: DIEESE, 2010-
2011:
p. 192.
26
desejo) é uma realidade para mulheres assim como para homens, pois elas representam
quase a metade da força de trabalho brasileira. Na próxima tabela (tabela 2)
acompanhamos a distribuição das mulheres ocupadas em 2010, segundo o setor de
atividade, no Distrito Federal e nas seguintes regiões metropolitanas brasileiras:
Tabela 2: Distribuição das mulheres ocupadas por setor de atividade
nas Regiões Metropolitanas e no Distrito Federal – 2010
(Em percentagem)
Setor de atividade
Belo
Horizont
e
Distrit
o
Federal
Porto
Alegr
e
Recif
e
Salvado
r
São
Paulo Fortalez
a
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,
0
100,0
Indústria 9,2 3,1 12,6 5,5 4,2 13,7 18,9
Comércio 14,5 14,5 17,3 19,3 17,6 15,8 20,3
Serviços 60,9 64,4 57,5 55,4 61,4 53,7 43,1
Construção Civil 1,0 (2) (2) (2) (2) 0,6 (2)
Serviços
Domésticos
14,3 15,8 12,0 16,9 15,1 15,7 16,7
Outros (1) (2) 1,5 (2) 2,3 (2) (2) (2)
Fonte: Convênio DIEESE, SEADE, MTE/FAT e instituições regionais. Pesquisa de Emprego e
Desemprego-PED, Abril/2011: p. 3.
Notas: (1) Incluem agricultura, pecuária, extração vegetal, embaixadas, consulados, representações
oficiais e outras atividades não classificadas.
O setor de serviços destacou-se como o maior empregador da mão de
obra feminina em 2010, para todas as localidades pesquisadas. Os serviços domésticos
atuaram como outra possibilidade de emprego expressiva para as mulheres no mercado
de trabalho: no Distrito Federal foi a segunda maior ocupação, abrangendo 15,8% das
mulheres trabalhadoras. Apenas nas regiões metropolitanas de Fortaleza e Porto Alegre
houve mais trabalhadoras empregadas na indústria (18,9% e 12,6%, respectivamente)
27
do que nos serviços domésticos (16,7% e 12%, respectivamente, nessas duas regiões
metropolitanas). Na região metropolitana de São Paulo (assim como de Belo Horizonte,
Recife e Salvador e no Distrito Federal) havia mais mulheres empregadas em serviços
domésticos, 15,7%, do que na indústria, 13,7% – foi, nesta região metropolitana, o setor
de comércio o segundo maior agregador de mulheres trabalhadoras, com 15,8% do total
de ocupadas. Em números absolutos, na região metropolitana de São Paulo, havia
aproximadamente 640 mil trabalhadoras e trabalhadores domésticas(os) em 201115
.
A respeito da cor/raça de mulheres trabalhadoras empregadas em
serviços domésticos (tabela 3) em 2010, prevaleceu a presença de negras na maior parte
das regiões pesquisadas. Nas regiões de Belo Horizonte, Fortaleza, Recife, Salvador e
no Distrito Federal, mais de 70% das mulheres ocupadas no setor eram negras – em
Salvador, onde mais de 85% da população é negra, elas representaram quase a
totalidade, correspondendo a 96,7% das trabalhadoras em serviços domésticos. Na
região metropolitana de São Paulo houve maior equivalência: 51,1% das trabalhadoras
em serviços domésticos eram não negras e 48,9% eram negras. Já na região de Porto
Alegre, onde a população negra é menor, 73,5% da força de trabalho ocupada no setor
era não negra, enquanto 26,5% eram negras.
Tabela 3: Distribuição das ocupadas nos serviços domésticos por cor/raça
nas Regiões Metropolitanas e no Distrito Federal – 2010
(Em percentagem)
Regiões Metropolitanas e
Distrito Federal
Total Negras Não-
negras
Belo Horizonte 100,0 71,0 29,0
Distrito Federal 100,0 79,3 20,7
Porto Alegre 100,0 26,5 73,5
Fortaleza 100,0 76,7 23,3
Recife 100,0 80,9 19,0
Salvador 100,0 96,7 (1)
São Paulo 100,0 48,9 51,1
15
Fonte: Revista Folha de São Paulo. 5 a 11 de fevereiro de 2012, p. 31.
28
Fonte: Convênio DIEESE, SEADE, MTE/FAT e instituições regionais.
Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED, Abril/2011: p. 6.
Nota: (1) A amostra não comporta desagregação para esta categoria.
Obs.: Cor negra= pretos + pardos. Cor não negra= brancos + amarelos.
As tabelas a seguir informam acerca da faixa etária das trabalhadoras
domésticas (tabela 4) e da proporção de trabalhadoras domésticas negras e não negras
com escolarização até o ensino fundamental incompleto (tabela 5), em 2010,
empregadas nas regiões metropolitanas brasileiras pesquisadas e no Distrito Federal:
Tabela 4: Distribuição das trabalhadoras domésticas segundo a faixa etária
nas Regiões Metropolitanas e no Distrito Federal – 2010
(Em percentagem)
Faixa etária Belo
Horizonte
Distrito
Federal
Porto
Alegre Recife Salvador
São
Paulo Fortaleza
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
10 a 17 anos (1) (1) (1) (1) (1) (1) 3,8
18 a 24 anos 6,1 12,1 (1) 7,1 10,4 4,7 13,3
25 a 39 anos 37,2 42,5 28,4 40,7 46,2 36,2 41,2
40 a 49 anos 29,4 26,3 34,2 31,9 27,3 32,0 25,9
50 a 59 anos 19,8 14,3 27,6 16,2 12,8 20,7 12,5
60 anos ou mais 6,2 (1) 5,9 (1) (1) 5,6 (1)
Fonte: Convênio DIEESE, SEADE, MTE/FAT e instituições regionais. Pesquisa de Emprego e
Desemprego – PED, Abril/2011: p. 7.
Nota: (1) A amostra não comporta desagregação para esta categoria.
29
Tabela 5: Proporção das trabalhadoras domésticas negras e não negras
com até o ensino fundamental incompleto
nas Regiões Metropolitanas e no Distrito Federal – 2010
(Em percentagem)
Regiões Metropolitanas e
Distrito Federal Total Negras
Não-
negras
Belo Horizonte 100,0 62,5 58,7
Distrito Federal 100,0 51,5 51,2
Porto Alegre 100,0 63,6 56,8
Fortaleza 100,0 62,9 57,5
Recife 100,0 64,4 58,5
Salvador 100,0 51,7 (1)
São Paulo 100,0 60,6 59,2
Fonte: Convênio DIEESE, SEADE, MTE/FAT e instituições regionais.
Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED, Abril/2011: p. 8.
Nota: (1) A amostra não comporta desagregação para esta categoria.
Obs.: Cor negra= pretos + pardos. Cor não negra= brancos + amarelos.
Em se tratando da faixa etária das trabalhadoras domésticas em 2010, de
acordo com a tabela 4, observamos que maior parcela estava em idade adulta (acima de
62% em todas as localidades pesquisadas), possuindo entre 25 anos e 49 anos. No
entanto, tratou-se de realidade também para mulheres na faixa etária de 50 anos a 59
anos: na região metropolitana de Porto Alegre, as mulheres desta faixa etária somaram
27,6% do total de trabalhadoras domésticas da região e, de São Paulo, representaram
20,7% delas. A proporção de jovens com idade entre 18 anos e 24 anos foi mais
reduzida, atingindo maior participação na região metropolitana de Fortaleza, onde
representaram 13,3% das ocupadas em serviços domésticos. Essa participação mais
restrita de jovens pode ser explicada pela expansão econômica que o Brasil vem
apresentando, com a geração de oportunidades de trabalho mais valorizadas
socialmente, com maiores salários e direitos trabalhistas. Embora o número de
adolescentes e jovens desempenhando o trabalho doméstico esteja decrescendo em todo
30
o Brasil, em 2009 havia cerca de 340 mil meninas de 10 a 17 anos ocupadas no setor,
equivalente a 5% do total de trabalhadoras16
.
Analisando a tabela 5, verificamos que a escolaridade das trabalhadoras
domésticas é baixa, sendo que a maior fração delas não havia completado o ensino
fundamental em 2010; além disso, a proporção de trabalhadoras domésticas negras que
possuem escolaridade até ensino fundamental incompleto supera a proporção de não
negras com o mesmo grau de escolarização em todas as localidades apontadas. Porém,
dentre trabalhadoras que desempenham funções como babás, trabalhadoras e
trabalhadores acompanhantes de idosos, bem como alguns profissionais da área de
saúde – em ocupações enquadradas como Serviços Domésticos –, observa-se a melhora
progressiva do nível de escolarização nos últimos anos17
. Na região metropolitana de
São Paulo, como exemplo, comparando informações entre 2011 e 2003, houve elevação
de 137,3% no número de trabalhadoras e trabalhadores domésticas(os) que possuíam 11
anos ou mais de escolarização – pelo menos o ensino médio completo.
As modalidades mensalista e diarista, bem como a formalização (ou não)
do vínculo trabalhista (com ou sem registro em carteira), também foram analisadas na
pesquisa, que constatou a redução do percentual de trabalhadoras domésticas
mensalistas, com ou sem carteira assinada, no período de 2000 a 2010, ao passo em que
houve elevação do número de diaristas. A despeito dessa observação, conforme
acompanhamos na tabela 6, a maior parte das trabalhadoras domésticas desempenhou
seu trabalho como mensalista em 2010: na região metropolitana de Salvador elas
totalizaram 78,4%, de Porto Alegre, foram 67,5% e, de São Paulo, representaram
68,7%. Contudo, boa parte das mensalistas não contou com registro em carteira em
2010: na região metropolitana de Salvador foram 45,7% e, de Fortaleza, somaram
60,5%.
16
Fonte: Agência Brasil. “Trabalhadoras domésticas tinham salário menor que o mínimo em 2009, diz
IPEA” (05/5/2011). Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br>. Acesso em 08/2/2012. 17
Fonte: Pesquisa Emprego e Desemprego (PED). “A mulher nos mercados de trabalho metropolitanos”,
Especial – Abril/2011: p. 8.
31
Tabela 6: Proporção das trabalhadoras domésticas segundo posição na ocupação
nas Regiões Metropolitanas e no Distrito Federal – 2010
(Em percentagem)
Regiões Metropolitanas e
Distrito Federal
Mensalista
com
carteira
Mensalista
sem
carteira
Diaristas
Belo Horizonte 48,9 20,2 30,8
Distrito Federal 42,0 31,2 26,8
Porto Alegre 45,2 22,3 32,6
Fortaleza 14,8 60,5 24,7
Recife 33,5 36,6 29,9
Salvador 32,7 45,7 21,6
São Paulo 37,6 31,1 31,3
Fonte: Convênio DIEESE, SEADE, MTE/FAT e instituições regionais.
Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED, Abril/2011: p. 12.
Assim como as mensalistas sem carteira, as diaristas possuem vínculos
de trabalho mais precários. Especialmente no caso das diaristas, além de maior
precarização, elas enfrentam maior instabilidade na vida profissional. Em 2010 na
região metropolitana de São Paulo, 31,3% ou aproximadamente uma a cada três
trabalhadoras domésticas atuaram como diaristas – em 2011, havia 260 mil
trabalhadoras e trabalhadores domésticas(os) que possuíam carteira assinada, o que
equivale a 40,6% do total. Na região metropolitana de Porto Alegre, as diaristas
somaram 32,6% das trabalhadoras domésticas. A opção de muitas trabalhadoras
diaristas pela modalidade pode se explicar pelo maior rendimento mensal, embora
possam não estar incluídas no sistema de proteção social, caso não contribuam como
autônomas para a Previdência Social, e não tenham direito aos benefícios decorrentes da
Seguridade Social – aposentadoria, seguro acidente de trabalho, licença remunerada por
enfermidade, férias remuneradas18
.
18
Diaristas, assim como taxistas, dentistas, advogados, médicos, síndicos remunerados, motoboys,
manicures, modelos, entre outros profissionais que trabalham por conta própria, podem contudo se
32
No Brasil, mais de 70% das trabalhadoras domésticas não possuem
carteira assinada19
. De fato, é pequena a proporção de trabalhadoras que contribuem
para a Previdência Social, conforme podemos acompanhar na tabela 7 abaixo. A região
metropolitana de Fortaleza apresenta o menor percentual de trabalhadoras domésticas
que contribuem para a Previdência Social, apenas 16,5%. Belo Horizonte é a região em
que há a maior parcela da mão de obra feminina do setor que contribui, 57,8%. Já na
região metropolitana de São Paulo, 44,7% (menos da metade) das trabalhadoras
domésticas contribui com a Previdência Social. Especialmente no que se refere às
diaristas, foi possível observar percentuais de trabalhadoras domésticas que haviam
contribuído apenas nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, 20,1%, Porto Alegre,
17,2%, e em São Paulo, 14,2%20
.
inscrever na Previdência Social como trabalhador autônomo (contribuinte individual). Esse contribuinte
contará com o direito aos benefícios como salário-maternidade, auxílio-doença, aposentadoria, auxílio-
acidente, dentre outros. 19
Fonte: Agência Brasil. “Mais de 70% das trabalhadoras domésticas brasileiras não têm carteira
assinada” (27/4/2011). Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br>. Acesso em 08/02/2012. 20
Fonte: Pesquisa Emprego e Desemprego (PED). “A mulher nos mercados de trabalho metropolitanos”,
Especial – Abril/2011: p. 13.
33
Tabela 7: Proporção de trabalhadoras domésticas que
contribuem para a Previdência Social (1)
nas Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 2010
(Em percentagem)
Localidade %
Belo Horizonte 57,8
Distrito Federal 44,9
Porto Alegre 53,6
Fortaleza 16,5
Recife 35,9
Salvador 34,9
São Paulo 44,7
Fonte: Convênio DIEESE, SEADE, MTE/FAT e instituições regionais.
Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED, Abril/2011: p. 13.
Nota: (1) No caso das mensalistas sem carteira, o número de contribuintes
foi tão baixo que não foi possível desagregar a amostra.
A jornada de trabalho doméstico não possui limitação máxima como a
relativa às demais categorias de trabalhadores, de acordo com a legislação trabalhista
brasileira. Nesse sentido, as jornadas das trabalhadoras domésticas são normalmente
bastante longas, sobretudo daquelas que moram no local de trabalho e têm de servir o
café da manhã e retirar a mesa do jantar, sem receber por isso hora extra. De acordo
com o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a trabalhadora que mora na
casa do empregador trabalha até 13 horas por semana a mais do que aquela que volta
para sua casa21
. A tabela abaixo (tabela 8) informa a respeito da jornada semanal média
desempenhada pelas trabalhadoras domésticas nas regiões metropolitanas brasileiras e
no Distrito Federal:
21
Fonte: Revista Folha de São Paulo. 5 a 11 de fevereiro de 2012, p. 29.
34
Tabela 8: Horas semanais médias trabalhadas pelas trabalhadoras domésticas1
negras e não negras segundo posição na ocupação
nas Regiões Metropolitanas e no Distrito Federal – 2010 (Em horas)
Regiões Metropolitanas
e
Distrito Federal
Negras Não negras
Mensalista
Diarist
a
Mensalista
Diarist
a com
carteir
a
sem
carteir
a
com
carteir
a
sem
carteir
a
Belo Horizonte 44 38 26 44 39 28
Distrito Federal 45 43 24 45 42 26
Porto Alegre 41 39 25 42 40 24
Fortaleza 53 49 24 52 48 24
Recife 56 50 22 57 51 21
Salvador 48 41 21 (2) (2) (2)
São Paulo 43 37 25 42 36 23
Fonte: Convênio DIEESE, SEADE, MTE/FAT e instituições regionais.
Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED, Abril/2011: p. 14.
Notas: (1) Exclusive as que não trabalharam na semana.
(2) A amostra não comporta a desagregação para esta categoria.
Obs.: Cor negra = pretos + pardos. Cor não negra = brancos + amarelos.
Analisando a jornada de trabalho semanal média das trabalhadoras
domésticas em 2010, verificamos que foram as mensalistas que possuíam registro em
carteira que exerciam as jornadas mais longas – na pesquisa não foram identificadas
diferenças em termos da jornada semanal média em função do recorte cor/raça, ou seja,
trabalhadoras domésticas negras e não negras apresentaram jornadas médias bastante
semelhantes. A região metropolitana de Recife destacou-se como a localidade em que
essas jornadas foram mais extensas, totalizando 56 horas semanais médias de trabalho
para trabalhadoras domésticas negras com registro em carteira e 57 horas semanais
médias para não negras. Com relação às diaristas, na região metropolitana de Belo
Horizonte, as trabalhadoras domésticas negras trabalharam em média 26 horas por
semana, enquanto as não negras trabalharam 28 horas em média semanalmente.
Na região metropolitana de São Paulo, as mensalistas com carteira
assinada trabalharam em média 43 horas e 42 horas por semana, se negras ou não
35
negras, respectivamente. As mensalistas sem carteira assinada, por sua vez, trabalharam
37 horas semanais em média, no caso das trabalhadoras domésticas negras, e 36 horas
semanais em média, no caso das trabalhadoras domésticas não negras. Já em se tratando
das diaristas na região metropolitana de São Paulo, desempenharam jornadas médias de
25 horas e 23 horas, no que se refere a trabalhadoras domésticas negras e não negras,
respectivamente. Particularmente nessa região metropolitana a pesquisa identificou que
as mulheres negras enfrentam uma hora de trabalho a mais em sua jornada semanal
comparativamente às mulheres não negras, para as mensalistas com ou sem carteira, e
duas horas semanais a mais no caso das diaristas negras.
O rendimento médio real por hora das diaristas, observado em 2010
(conforme tabela 9), foi mais elevado do que o das mensalistas com ou sem carteira
assinada em todas as regiões metropolitanas brasileiras e no Distrito Federal. Em Porto
Alegre verificou-se o maior rendimento médio real, auferido por diaristas não negras, de
R$ 5,33/hora trabalhada; em relação ao total analisado, ainda na região metropolitana de
Porto Alegre, as diaristas recebiam rendimento 34,5% superior em comparação ao
rendimento de mensalistas com carteira. Comparando o rendimento médio por hora das
diaristas com o das mensalistas sem carteira, o diferencial foi de cerca de 61% em
Fortaleza e no Recife, também em benefício das diaristas. O menor rendimento médio
da análise foi verificado em Fortaleza, onde as mulheres negras mensalistas sem carteira
receberam apenas R$ 1,69 por hora, equivalente à praticamente metade do rendimento
observado em São Paulo, de R$ 3,33 por hora para a trabalhadora correspondente ao
mesmo perfil.
36
Tabela 9: Rendimento médio real por hora das trabalhadoras domésticas
negras e não negras segundo posição na ocupação
nas Regiões Metropolitanas e no Distrito Federal – 2010
(Em R$ de novembro de 2010)
Regiões
Metropolitanas
e
Distrito Federal
Total Negras Não negras
Mensalista
Diarist
a
Mensalista
Diarist
a
Mensalista
Diarist
a com
carteir
a
sem
carteir
a
com
carteir
a
sem
carteir
a
com
carteir
a
sem
carteir
a
Belo Horizonte 3,35 (1) 4,1
0
3,31 (1) (1) (1) (1) (1)
Distrito Federal 3,50 3,10 4,3
9
3,52 3,02 4,47 (1) (1) (1)
Porto Alegre 3,86 (1) 5,1
9
(1) (1) (1) 3,81 (1) 5,33
Fortaleza (1) 1,76 2,8
5
(1) 1,69 2,95 (1) (1) (1)
Recife 2,30 1,72 2,7
7
2,31 1,72 2,80 (1) (1) (1)
Salvador 2,59 2,18 (1) 2,64 2,17 (1) (1) (1) (1)
São Paulo 4,22 3,47 5,0
3
4,29 3,33 5,06 4,25 3,50 5,04
Fonte: Convênio DIEESE, SEADE, MTE/FAT e instituições regionais. Pesquisa de Emprego e
Desemprego – PED, Abril/2011: p. 15.
Notas: (1) A amostra não comporta a desagregação para esta categoria.
Obs.: a) Exclusive as empregadas domésticas assalariadas que não tiveram remuneração no mês.
b) Exclusive os que não trabalharam na semana.
c) Inflatores utilizados: IPCA-BH/IPEAD, INPC-DF-IBGE, IPC-IEPE/RS, INPC-RMR/IBGE/PE, IPC-
SEI/BA, ICV-DIEESE/SP e INPC-RMF.
d) Cor negra = pretos + pardos. Cor não negra = brancos + amarelos
A região metropolitana de São Paulo registrou a menor diferença,
comparativamente às outras localidades pesquisadas, em termos de rendimento médio
total de diaristas e de mensalistas com carteira assinada, 19,2%. Embora tenha sido
menor em relação às outras regiões metropolitanas brasileiras e ao Distrito Federal, essa
disparidade foi expressiva. Na comparação entre diaristas e mensalistas sem carteira,
ainda na região metropolitana de São Paulo, a diferença foi bastante significativa, de
aproximadamente 45%: enquanto as diaristas receberam rendimento médio real de R$
37
5,03 por hora, as mensalistas sem carteira receberam R$ 3,47 por hora.
Comparativamente, para a mesma localidade, o rendimento médio de mensalistas sem
carteira negras foi menor do que o de não negras, de R$ 3,33/hora e R$ 3,50/hora,
respectivamente.
Dados do Brasil, de acordo com estudo do IPEA, informam que, em
2009, as trabalhadoras domésticas brasileiras tiveram remuneração R$ 78,55 menor do
que o salário mínimo em vigor naquele ano, cujo valor era de R$ 465,00. O estudo
também apurou que há diferença nos salários das trabalhadoras domésticas brancas e
negras: as brancas recebiam R$ 421,58, em média, enquanto as negras recebiam R$
364,84, ou seja, as trabalhadoras negras receberam, em média, 86,5% da remuneração
recebida pelas trabalhadoras brancas22
.
Rendimento mais elevado e possibilidade de maior flexibilidade da
jornada de trabalho podem explicar, quando a escolha é feita pela trabalhadora e não
pelo empregador que não quer maiores despesas, a opção por atuar como mensalista ou
como diarista. Nesta avaliação por parte da trabalhadora, há priorização de rendimento
mais elevado no curto prazo e a trabalhadora abre mão de outros benefícios assegurados
pelo registro em carteira, tais quais descanso semanal remunerado, férias, 13º salário.
De fato, no período de 2003 a 2009, segundo aponta um estudo do IBGE, o número de
trabalhadoras e trabalhadores domésticas(os) da região metropolitana de São Paulo que
trabalham em mais de uma casa cresceu de 13,1% para 23,2%23
.
Finalmente, apesar da baixa remuneração das trabalhadoras domésticas
em referência à remuneração das outras categorias profissionais, tem sido observado
aumento do número de famílias chefiadas por mulheres entre as famílias das
trabalhadoras domésticas no Brasil. Nas regiões metropolitanas de Fortaleza e Porto
Alegre, a proporção de trabalhadoras domésticas chefes de família foi de 28,3% e de
34,9% do total das trabalhadoras domésticas em 2010, respectivamente, o que indica
que aproximadamente uma em cada três trabalhadoras domésticas desempenhou a
função de chefe de família naquele ano24
.
22
Fonte: Agência Brasil. “Trabalhadoras domésticas tinham salário menor que o mínimo em 2009, diz
IPEA” (05/5/2011). Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br>. Acesso em 08/2/2012. 23
Fonte: Revista Folha de São Paulo. 5 a 11 de fevereiro de 2012, p. 31. 24
Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED, Abril/2011: p. 8.
38
2. Condições de trabalho - Déficit de trabalho decente
A oficina para elaboração deste relatório foi realizada no dia 13 de março de
2012 no Sindicato das Trabalhadoras Doméstica de Campinas Paulínia, Valinhos,
Sumaré e Hortolândia e contou com a participação de três trabalhadoras, duas dirigentes
sindicais e uma ex-diretora sindical.
A entidade sindical, filiada à Central Única dos Trabalhadores (CUT), agrega
aproximadamente 27.000 (vinte e sete mil) trabalhadores (as) em sua base. Segundo
levantamento feito pelo sindicato, somente nos condomínios da região são cerca de 6mil
trabalhadores (as) domésticos (as) em atividade.
A parte sindicalizada, que contribui com R$5,00 mensalmente, é composta por
50 trabalhadoras, dentre as quais havia a presença de apenas um homem nas reuniões.
Segundo relato da dirigente sindical, grande parte das trabalhadoras freqüentam o
sindicato apenas em situações de emergência e quando necessitam de ajuda, e por esse
motivo as sindicalistas não consideram apenas o número de inscritas (filiadas), que ao
todo chega a 2.224 (dois mil, duzentas e vinte e quatro) trabalhadores (as).
2.1. Oportunidades de emprego
Segundo uma das sindicalistas, a idade das trabalhadoras domésticas é muito
variada, mas a maioria possui entre 20 a 30 anos. Aquelas trabalhadoras que possuem
acima de 30 anos sentem muita dificuldade para serem empregadas por conta da idade
elevada e as conseqüências que esta traz ao desempenho no trabalho.
De acordo com a dirigente, muitas trabalhadoras acima de 50 anos de idade
estão procurando o sindicato quando descobrem que o INSS não está sendo pago após
20 ou 30 anos de trabalho, contudo, uma das dirigentes afirmou perceber que essa é uma
prática que vem mudando entre as jovens trabalhadoras, pois estas últimas por muitas
vezes não terem a responsabilidade de sustentar uma família, não admitem serem
cobradas injustamente e sempre procuram exigir seus direitos, o que, portanto, faz com
que muitas abandonem o trabalho a procura de outro que ofereça melhores condições.
De acordo com as exposições das sindicalistas, como o mercado de trabalho é
escasso o trabalho doméstico acaba sendo uma opção para essas jovens, pois geralmente
são de origem pobre, com baixa escolaridade e migrantes de outras regiões do país,
39
como norte e nordeste, que deixam a família no Estado de origem à procura de emprego
sem a exigência de alto nível de qualificação. Em alguns casos a trabalhadora é
considerada a pessoa responsável pelo domicilio, com baixo nível de escolaridade
(fundamental completo ou incompleto) e se sujeita às más condições de trabalho.
Na região abrangida pela representação deste sindicato existem mais de 20.000
(vinte mil) trabalhadoras domésticas com carteira assinada, mas somente cerca de
10.000 (dez mil) contribuem para o INSS. Para recorrer à justiça a fim de exigir o
cumprimento deste direito, o empregador tem que ir até a Receita Federal, para pagar as
contribuições atrasadas, pois entre as instâncias judiciais e de fiscalização não há um
acordo, pois o INSS e a Justiça do Trabalho não cobram o que o empregador sonega.
Em contraponto a essa situação, o sindicato orienta as trabalhadoras no sentido de
pressionar o patrão para que este contribua espontaneamente. Geralmente, a
trabalhadora só procura saber se contribui com o INSS quando adoece, engravida ou se
aposenta.
Segundo orientação expressa em informativo vinculado a esta base sindical, é
necessário que “trabalhadora conheça os 13 artigos que estão garantidos no parágrafo
único do art. 7º da Constituição Federal. Exija que seu patrão cumpra a lei” 25
.
Nesse sentido, de acordo com a ex-diretora do sindicado, a grande reivindicação
feita pela categoria em Genebra em julho de 201126
se debruça sobre o fato do trabalho
doméstico ser isolado, e, portanto, faz-se necessário a fiscalização no local de trabalho
através dos órgãos competentes.
Nos casos das diaristas27
há agravantes, pois além de trabalharem por dia, não
tem consciência de que irão envelhecer ou terão que se aposentar, pois apesar de
financeiramente compensar ganhando cerca de R$1200,00 por mês trabalhando três
25
Fonte: Informativo do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos de Campinas, Paulínia, Valinhos,
Sumaré e Hortolândia, 2012: p.01 26
A 100º Conferência da Organização Internacional do Trabalho (CIT) em Genebra foi responsável pela
aprovação da Convenção sobre o Trabalho Decente para trabalhadoras e trabalhadores domésticos nº 189
(2011) e a Recomendação nº201(2011), a qual se refere ao mesmo tema. Segundo estimativas esses
instrumentos irão beneficiar entre 53 a 100 milhões de trabalhadores e trabalhadoras no Brasil. Fonte:
http://www.oit.org.br/sites/default/files/topic/gender/doc/boletimgra%C3%A7a_666.pdf, acesso em
26/03/2012. 27
“O termo diarista é uma das funções da categoria das domésticas, porém os empregadores preferem
contratar por dia para economizar e se “livrar” da lei. A “diarista” que receba salário mensal é aquela
definida pela Lei 5.859/1972 regulamentada pelo Decreto 71.885/1973, e com as modificações
introduzidas pela Lei 11.324/2006” Fonte: Informativo do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos de
Campinas, Paulínia, Valinhos, Sumaré e Hortolândia de fevereiro/2012.
40
vezes por semana, dificilmente possuem uma poupança ou contribuem com o INSS.
Além disso, estão sujeitas a vários tipos de doenças, pois a cada dia elas são expostas a
um material de limpeza diferente e podem desenvolver LER/DORT, devido à
concentração da realização das tarefas mensais em apenas dois dias, além de não possuir
a segurança de um vínculo empregatício.
Por este motivo, segundo a orientação expressa no informativo do Sindicato dos
Trabalhadores Domésticos de Campinas, Paulínia, Valinhos, Sumaré e Hortolândia de
faveiro de 2012, a trabalhadora que presta seu serviço na mesma casa duas vezes na
semana deve ser “classificada” enquanto mensalistas e receber todos os direitos
conforme rege a lei, e, portanto, deve pedir o registro em carteira.
Não há um número preciso de diarista e mensalistas na região, mas mesmo
diante da constatação das péssimas condições de trabalho, as entrevistadas afirmaram
que muitas deixam os trabalhos como mensalistas para se tornarem diaristas.
Geralmente, poucas trabalhadoras domésticas dormem no local de trabalho, isso
é exigido com mais freqüência entre as babás. Aqueles ou aquelas que se submetem a
dormir onde trabalham são, na maioria das vezes, de outro Estado ou estão com
problema financeiro, como por exemplo, pagamento de dívidas e aluguel.
O acúmulo de função ocorre em muitos casos relatados pelas trabalhadoras,
como por exemplo, no caso de uma babá que foi incumbida de limpar a casa enquanto
seu patrão viajava com a família.
Ainda de acordo com o informativo sindical, “a função da diarista é limpar
vidros, móveis, azulejos, lavar chão e quintal, isto dentro das 8 horas de trabalho diária.
Todas as atividades a serem realizadas na residência não incluem limpeza dentro de
armários, arrumar guarda-roupas, lavar calçados, lavar louças, limpar geladeira,
cozinhar e passar, recolher fezes de cachorro, etc. As demais funções devem ser
tratadas a parte do dia da faxina”28
.
28
Fonte: Informativo do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos de Campinas, Paulínia, Valinhos,
Sumaré e Hortolândia, 2012: p.02
41
2.1 Trabalho inaceitável
Dentre as trabalhadoras presentes na oficina algumas começaram a trabalhar
muito jovens, a partir dos 14 anos, e outras somente na fase adulta, na faixa dos 50 anos
de idade.
Segundo o relato pessoal de uma das sindicalistas presentes, aos sete anos de
idade foi doada a uma família no Paraná, para a qual era obrigada a cumprir os afazeres
domésticos durante toda sua infância e adolescência, não lhe sendo permitido discernir
as brincadeiras infantis e os horários de lazer do trabalho doméstico. Com o passar dos
anos a trabalhadora percebeu que não fazia parte daquela família, pois somente a seus
“irmãos” era permitido freqüentar a escola e trabalhar fora, conforme descreve na
seguinte fala:
“Eu me sentia da família, não tinha salário. Demorei a
amadurecer, os patrões faziam com que eu fosse “tapada” e não
estudasse. Minha patroa queimou muito dos meus documentos e depois
que comecei a estudar já mais velha, fui expulsa de casa”.
Atualmente, não há denuncias recentes de trabalho de adolescentes, contudo, as
sindicalistas afirmaram que ainda há trabalho de menores. Nos dois últimos casos que
chegaram ao sindicato houve a intermediação entre o patrão e a trabalhadora, fazendo
com que o primeiro pagasse os direitos trabalhistas à menor.
Segundo relatos, houve um caso específico de uma trabalhadora doméstica que
levava sua filha para ajudar nos afazeres domésticos, contudo, o empregador alegou que
esta última somente acompanhava a mãe e não realizava nenhum tipo de trabalho.
Diante de situações como essas as dirigentes sindicais afirmaram que sempre buscam
fiscalizar o que ocorre no local de trabalho, principalmente no caso da presença de
grávidas e adolescentes29
, conforme elucida o relato a seguir:
“Às vezes aparece caso de menores trabalhando, daí a gente liga
para o empregador explicando, e nessas vezes que ligo o empregador já
paga o direito dessa pessoa de menor, mas é muito pouco [ocorrências de
29
Este tema é tratado na Convenção nº 189 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) relativa às
Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos, especificamente no Artigo 4º , no qual define o
estabelecimento de idade mínima, em consonância com convenções associadas ao tema (nº 138 e 182), e
adoção de medidas com relação a trabalhadoras/es menores de 18 anos.
42
casos envolvendo trabalho de menores] (...) aconteceu duas vezes, num
dos casos eu entrei em contato e falei, e a empregadora disse que a mãe
que trabalhava ali e trazia a criança e que a mãe estava cuidando dela.
Daí eu expliquei que ela não podia trabalhar ali, conversei com a mãe da
adolescente e com a adolescente, falei que ela deveria que voltar a
estudar e mãe concordou porque a adolescente estava „dando
trabalho‟(...) Duas coisas que a gente sempre procura é acompanhar a
grávida e o adolescente, daí a gente sempre procura ligar ou se dá fazer
visitas para ver como está, e no caso dessa adolescente eu acabei ligando
(...)”
Outro tipo de abuso aos quais as trabalhadoras domésticas estão submetidas se
refere às contratações por algumas agências, pois além de serem mal atendidas nesses
estabelecimentos, é exigido o pagamento de até 30% sobre o primeiro salário futuro30
.
As representantes sindicais afirmaram que atualmente há muitos problemas
relacionados à agência conhecida entre as trabalhadoras pelo nome de “Dona Geni”, a
qual não possui sede física e não responde como pessoa jurídica, funcionando como
uma espécie de empresa “fantasma”, pois quando o sindicato a procura para
responsabilizá-la dos problemas não a encontra, conforme exemplifica a fala das
dirigentes sindicais a seguir:
“ Muitas trabalhadoras quando acontece algum problema no
serviço voltam nessa agência e essa “Dona Geni” manda a trabalhadora
se virar (...) e vem muita trabalhadora no sindicato reclamar dessa
agencia, só que não se acha. É uma coisa muito desorganizada, mais do
que essas agências que existe por aí”
30
Embora não ratificada pelo Brasil, a Convenção nº 181 da OIT (Organização Internacional do
Trabalho) Relativa às Agências de Emprego Privadas se opõe a esse tipo de prática e esclarece precisamente no Artigo 7º que as agências de emprego privadas não devem impor aos trabalhadores,
direta ou indiretamente, no todo ou em parte, o pagamento de honorários ou outros encargos.
43
Outra agência citada pelas trabalhadoras é a Red House, que segunda elas, as
descrições das vagas de trabalho não condizem com as solicitações reais do
empregador.
2.3. Salário adequado e trabalho produtivo
As categorias dos trabalhadores domésticos, bem como agropecuários,
pescadores, contínuos e serviços de limpeza correspondem a primeira faixa salarial no
valor mínimo do Estado de São Paulo de R$690,00 (seiscentos e noventa reais) 31
.
Os relatos de algumas trabalhadoras domésticas revelaram que recebem abaixo
do salário mínimo. Conforme o relato de uma diarista, ela chegou a receber
mensalmente cerca de R$120,00 a R$150,00, pois trabalhava de 15 em 15 dias, mas já
chegou a receber somente R$70,00 por mês, impossibilitando-a de arcar com os custos
de vida básicos como aluguel e as demais despesas.
Há casos isolados de trabalhadores (as) domésticos que ganham entre
R$1.500,00 a R$3.000,00, os quais são considerados pelas sindicalistas como a
“pseudo-elite” da categoria, como é o caso dos enfermeiros (as) e motoristas que
trabalham nas residências de seus empregadores.
O pagamento é feito regularmente a todas trabalhadoras entrevistadas na oficina,
e não houve relatos de pagamento através de algum tipo de mercadoria. Somente em
alguns casos o empregador não paga os salários nos dias previamente acordados.
Segundo orientação do sindicato expressa em informativo de fevereiro de 2012
“o valor do dia de trabalho de uma diarista é no mínimo R$90,00 e nele deve
acrescentar os valores de: INSS, transporte, alimentação, 13º salário, férias mais 1/3”. O
sindicato disponibiliza uma tabela indicativa do valor a ser cobrado em 2012, conforme
o exemplo abaixo:
31
O último reajuste do salário-mínimo do Estado de São Paulo foi de 15%, em vigorar a partir de 1º de
março de 2012, passando de R$600,00 para R$690,00. Fonte: http://www.casacivil.sp.gov.br/biblioteca-
ccivil/noticias/MostraNoti.asp?par=212, acesso em 28/03/2012.
44
Tabela 10: Exemplo do valor a ser cobrado por uma diarista
Diária
mínima
INSS
11%
Transporte 13º
1/12
Férias 1/12
mais 1/3
Alimentação Total
R$ 90,00
R$ 9,90 R$ 6,00 R$ 7,50 R$10,00 R$ 10,00 R$
133,10
Fonte: Sindicato dos Trabalhadores Domésticos de Campinas, Paulínia, Valinhos,
Sumaré e Hortolândia.
Elaboração: IOS. Fevereiro/2012.
2.4. Jornada decente
Geralmente, a jornada de trabalho entre as trabalhadoras da categoria é de 10 a
12 horas por dia, e muitas delas têm insegurança em recusar as atividades realizadas
além da jornada usual de trabalho. O trabalho noturno também é comum, sem o
pagamento do adicional, bem como durante aos sábados intercalados.
Houve um caso que a trabalhadora chegou a ficar de 12 a 18 horas trabalhando,
e quando foi reclamar para sua patroa, a princípio ela concordou em diminuir a carga
horária, mas depois recuou na decisão. Em outro episódio, quando a doméstica
reclamou por trabalhar de domingo a domingo, sem o pagamento do transporte aos
finais de semana, foi dispensada do serviço.
Nos casos em que as trabalhadoras tiveram que esperar o patrão retornar de
alguma atividade fora, essas horas não são contabilizadas como extras. O mesmo ocorre
quando os patrões viajam.
Portanto, o tempo disponível no domicílio não é contabilizado como hora extra,
e as trabalhadoras recebem somente o salário do mês. São raros os casos de viagens
com a família da residência onde trabalham, mas segundo uma das trabalhadoras, no seu
caso em específico não foi pago nenhum adicional, somente o salário do mês.
As férias geralmente são repartidas entre 15 e 15 dias, ou 10 e 20 dias.
Dificilmente são concedidos os trinta dias corridos e sempre é pago 1/3 do salário.
45
2.5. Estabilidade e garantia no trabalho
De acordo com as sindicalistas, existem diversos casos de aposentadas que ainda
continuam trabalhando. Geralmente, as mais velhas permanecem mais tempo
empregadas, pois aceitam as condições trabalho. Existem profissionais neste perfil que
estão 24 anos trabalhando sem contribuir com o INSS, contudo, as trabalhadoras mais
jovens não aceitam essas condições, e deixam seus empregos com mais facilidade, o
que explica a alta rotatividade entre as trabalhadoras dessa faixa etária.
2.6. Equilíbrio entre trabalho e vida familiar
Quando questionadas se podem acompanhar seus filhos, cônjuges e pais em
consultas médicas, muitas trabalhadoras disseram que é uma pratica comum entre os
patrões aceitarem o atestado, mas pedirem para que compensem a falta, mesmo que
justificada, em outro dia. Ocorre muitas vezes do empregador não acreditar que o
atestado seja verdadeiro.
Caso seja necessário acompanhar filhos em atividades escolares as entrevistadas
relataram que os patrões reclamam.
Recentemente houve um caso de uma trabalhadora que engravidou e logo foi
demitida. Em outro caso uma trabalhadora procurou o sindicato pelo mesmo motivo,
mas não tinha carteira assinada. Nestes casos, o sindicato entra em contato com
empregador para advertir que por lei a trabalhadora tem ainda direito a um mês de
estabilidade, e, portanto, deve ser remunerada pelo mês correspondente.
Quando questionados se há tempo para se dedicar ao estudo, a maioria afirmou
positivamente, mas os patrões reclamam devido ao horário exigido, conforme o relato
de uma babá:
“Terminei meu segundo grau (...) e daí comecei a fazer um curso
técnico e ela [a patroa] concordou, mas antes de terminar o curso ela
perguntava se estava acabando porque estava difícil chegar muito tarde
(...), isso porque as meninas [crianças] também estudavam de manhã”
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Antes de se candidatar a uma vaga de emprego, as domésticas podem optar por
aceitar ou recusar morar no local de trabalho. Nos casos daquelas que já moram no
local, o direito a descanso e lazer fora da jornada diária é garantido.
2.7. Tratamento digno no emprego familiar
As representantes das trabalhadoras afirmaram que não revelam aos patrões que
exercem atividades sindicais, pois já sofreram discriminação por esse motivo.
Contudo, os principais relatos de discriminação foram direcionados à questão de
cor e raça. Segundo as entrevistadas, há uma diferença nítida no tratamento dos
empregadores entre trabalhadoras negras e brancas, pois se algum objeto não é
encontrado pelo empregador sempre se desconfia primeiramente da trabalhadora negra,
sobre a qual sempre recai a acusação. Em outros casos, a trabalhadora negra, na maioria
das vezes, é submetida ao trabalho mais pesado da casa. Segundo um relato de uma
trabalhadora negra, ela foi a única a ser submetida, dentre as demais trabalhadoras
brancas onde trabalhava, a esfregar o chão com palha de aço.
Nos casos em que as trabalhadoras são de outro Estado esse tipo de situação
piora, pois os empregadores tendem a subjugar as trabalhadoras devido ao fato de
estarem sozinhas, longe de um apoio familiar. Segundo uma das entrevistadas, muitas
vezes os patrões acreditam que podem “manter no trabalho e fazer o que querem da
gente”. Há casos de empregadores que ameaçam as trabalhadoras com seus advogados
quando estas reivindicam os direitos trabalhistas, como por exemplo, o pagamento
correspondente ao aviso prévio.
Há relatos de discriminação por opção religiosa, principalmente contra as
trabalhadoras evangélicas. Nos casos de discriminação por opção política, em muitos
casos, na época de eleições, há influência no sentido de que a trabalhadora dê
preferência ao candidato dos patrões, e se ocorre o contrário, corre o risco de ser
demitida.
A discriminação por idade também ocorre entre as trabalhadoras mais jovens,
principalmente por não possuir referências, limitando-as na procura por novas
oportunidades de emprego.
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De modo geral as trabalhadoras se sentem muito ameaçadas pelos patrões.
Houve um episódio em que a patroa mandou a trabalhadora se calar, ameaçando-a e
questionando se ela saberia o que poderia acontecer caso não se calasse, a trabalhadora,
numa atitude sobrepujada, respondeu a patroa que “o pau sempre quebra nas costas do
mais fraco”. Há também algumas insinuações de que a trabalhadora não consegue
realizar determinados serviços devido sua estrutura física, com afirmações do tipo:
“Vejo você tão magrinha (...) acho que não dá conta do serviço”
Sobre os casos de assédio sexual, as representantes sindicais relataram que
alguns anos atrás uma sindicalista foi assediada pelo seu ex-patrão, o qual queria ter
relações sexuais com ela. Em outros casos, as trabalhadoras afirmaram que já foram
assediadas em circunstâncias parecidas, mas nunca foram pressionadas para manterem
relações sexuais com o respectivo patrão. Durante a oficina, uma trabalhadora relatou
que algumas vezes seu patrão demonstrava atitudes com conotação sexual, como por
exemplo, encostar a boca próxima ao seu ouvido.
Segundo o relato de outra trabalhadora, todas às vezes quando preparava o café
pela manhã o patrão encostava órgão genital em suas costas, e diante dessa situação a
trabalhadora ficava sem reação. O assédio se repetiu inúmeras vezes até sua patroa
presenciar a ocorrência, a qual foi previamente alertada pela trabalhadora, e impedir que
os abusos continuassem.
2.8. Trabalho seguro
Sobre as condições do local de trabalho as opiniões foram variadas por não se
tratar de um lugar em comum de trabalho entre elas, porém, muitas trabalhadoras
relataram que às vezes há infiltrações nas casas, a instalação elétrica da residência é
comprometida ou o piso é quebrado. Os banheiros utilizados pelas trabalhadoras
domésticas geralmente são os mesmos utilizados pelos patrões ou somente o lavabo da
residência.
Outra reclamação é que nas janelas não há proteção adequada para que sejam
limpas do lado de fora, mesmo que seja de uma casa alta. As queixas também ocorrem
devido ao peso que carregam, pois tem que fazer grande esforço físico ao levantar e
transportar cargas (malas de viagens, colchões, etc.)
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Em relação às condições de acomodação e alimentação, muitas entrevistadas
comentaram que não recebem alimentação no local de trabalho. Segundo o relato de
uma trabalhadora, durante o café da manhã os pães eram divididos somente entre a
família; uma das entrevistadas disse que leva sua comida porque o almoço onde trabalha
é servido muito tarde.
Em relação aos acidentes de trabalho há sempre a ocorrência de muitos tombos
que nunca são registrados. De acordo com as sindicalistas, houve um caso que durante o
desvio de função cortando as plantas do jardim, a trabalhadora se cortou com uma
planta espinhosa, sofrendo um processo infeccioso no local. Segundo o relato de uma
das trabalhadoras, certa vez quando acidentalmente fez um corte profundo no dedo
lavando a louça, precisou ir sozinha ao hospital, pois a empregadora não prestou
socorro.
De acordo com as sindicalistas, houve também um acidente envolvendo uma
trabalhadora que sofreu queimaduras de primeiro grau perdendo parte do cabelo devido
à explosão de uma panela de pressão. Outro caso exposto durante a oficina ocorreu com
uma trabalhadora grávida que caiu da escada e ficou quatro dias internada, sem a
prestação de socorro por parte do empregador.
O ritmo de trabalho prejudica tanto a saúde física como a mental das
trabalhadoras. A pressão que o trabalhador ou a trabalhadora doméstica sofre é muito
grande, ocorrendo muito estresse, pois muitas vezes são ofendidas/os pelos patrões.
A exposição a alguns produtos químicos, também afeta a saúde física da
trabalhadora doméstica, ocasionado alergias. O cheiro de água sanitária irrita a garganta,
e nas casas onde há animais de estimação o cheiro forte de urina provoca náuseas.
As doenças ocasionadas pela atividade doméstica costumam ser: dor na coluna,
nas pernas e no estomago.
Praticamente todas entrevistadas disseram que não há uso de EPIS nos locais de
trabalho porque não são fornecidos pelos empregadores. Segundo a fala de uma
trabalhadora:
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“(...) fazia onze meses que estava trabalhando lá [residência da
empregadora] e só comprou uma luva e só comprava um produto de
limpeza pequeno para limpar a casa inteirinha”.
2.9. Proteção social
Na maioria dos casos quando a trabalhadora afirma que está grávida o patrão
pressiona para que ela comece a trabalhar mais e após retorno da licença de 120 dias o
empregador a dispensa, sem cumprir o período de estabilidade garantida
constitucionalmente desde 2006. O papel do sindicato diante dessa ação é informar o
empregador sobre a lei que garante a estabilidade de um mês à trabalhadora e seu
respectivo pagamento. Muitas vezes o empregador omite ou apenas desconhece essa lei,
contudo, é comum o mesmo ocorrer entre próprias trabalhadoras.
Segundo as sindicalistas, as trabalhadoras domésticas não têm direito de
estabilidade por lei, apenas nos casos de AIDS, gravidez e câncer, e mesmo assim no
caso de gravidez somente de um mês.
2.10. Diálogo social (negociação coletiva e liberdade sindical)
O processo de sindicalização ocorre através do convite a reuniões e encontros.
De acordo com as sindicalistas, no final do ano de 2012 haverá eleições para direção do
sindicato, e se não houver sócios (as) para votar será preciso fechar a decisão, contudo,
pelo estatuto são necessários 50% destes para legitimar o pleito, no qual somente os (as)
afiliados (as) podem votar.
A participação dos trabalhadores domésticos nas atividades sindicais ocorre uma
vez por semana, às terças-feiras, quando as sindicalistas fazem o atendimento. Por esse
motivo, o sindicato acaba sendo entendido como uma espécie de “pronto-socorro dos
trabalhadores”, cuja maioria dificilmente retorna. As sindicalistas informaram que são
feitas reuniões todo terceiro sábado do mês às 15h no centro da cidade em salas
emprestadas do sindicato da construção civil para incentivar os (as) trabalhadores (as) a
se sindicalizarem, e com o intuito de reforçar a participação, sempre comemoram o mês
dos aniversariantes. Há também as reuniões mensais nos bairros, que contam com a
participação de até 10 trabalhadoras somente.
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Embora a questão sobre de que maneira ocorre a divulgação de informações
sindicais não tenha sido levantada durante a oficina, a equipe de pesquisa presenciou a
distribuição de informativos e panfletos entre as trabalhadoras no decorrer da mesma, o
que sugere que há materiais de divulgação para distribuição.
Geralmente, as sindicalistas montam oficinas, fazem faixas de impacto, mas não
tem livre acesso aos locais de trabalho.
Quando ocorre a rescisão de contrato as trabalhadoras procuram o sindicato para
calcular o valor e apresentá-lo ao patrão, o qual tem até 10 dias para efetuar o
pagamento. O sindicato procura sempre fazer a negociação antes de chegar às instâncias
justiça, pois o trabalho doméstico é isolado e pela a lei a residência é um espaço
inviolável, impossibilitando a presença de testemunhas. Por este motivo o sindicato
orienta que todas as provas sejam recolhidas para comprovar o desvio de função ou
outro tipo de abuso. Essas provas podem ser bilhetes dos patrões ou até mesmo listas de
tarefas realizadas no dia, como por exemplo, alimentar os animais, passar roupas,
jardinagem, etc. O sindicato também orienta para que trabalhadoras saibam o nome e
endereço completo para quem trabalham, pois muitas não sabem.
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Considerações Finais:
A partir das análises sistematizadas após oficina sindical envolvendo
trabalhadores, dirigentes e ex-dirigentes sindicais, e com o auxílio de informativos
sindicais e fontes secundárias32
, nota-se que praticamente em todos os aspectos do
trabalho doméstico há déficits de Trabalho Decente, no entanto, alguns temas foram
destacados durante a oficina, tais como: baixa remuneração, seguida da não
contribuição por parte dos empregadores ao INSS; jornada excessiva de trabalho, com
conseqüente malefício à saúde física e mental das trabalhadoras; discriminação por
raça/cor, assédio moral e assédio sexual.
No que concerne a não contribuição do INSS, seja pela omissão ou
desconhecimento dos empregadores, torna-se imperativo a reivindicação das
trabalhadoras para criação de condições de inspeção do trabalho com o intuito de
fiscalizar o cumprimento da legislação, assim como outros excessos cometidos pelos
empregadores, os quais são combatidos pela atua Convenção nº 189 da OIT.
Neste sentido, a jornada excessiva e o conseqüente adoecimento devido à
atividade laboral tornam-se um agravante em potencial, pois ao adoecer ou se aposentar
a trabalhadora permanece sem nenhum tipo de cobertura social, sujeitas a aumentar o
contingente de trabalhadores excluídos pela falta de alternativas de meios de
subsistência.
O tratamento no emprego familiar diante do contexto de discriminação por
cor/raça e do assédio moral e assédio sexual, revelam a realidade de um ambiente
laboral contrário aos direitos humanos e aos direitos fundamentais do trabalho, e,
portanto, faz-se prontamente necessário a criação de mecanismos de proteção contra
abusos, assédio e violência no local de trabalho conforme prevê o Artigo 7º da
Recomendação nº201 da OIT.
32
Fontes secundárias são consideradas páginas na internet, jornais e revistas de grande circulação, artigos e livros relacionados ao tema.
52
Referências consultadas:
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Belo Horizonte, 27 (57): 69-75, Jul. 97/Dez. 97.
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Participação das Mulheres no Movimento Sindical (1978-1988). Revista de
Sociologia e Política. Curitiba, 10/11: 55-81, 1998.
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3, N.º 1, IFSC/UFRJ, Rio de Janeiro, 1995.
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FERREIRA, Verônica Clemente. Sindicatos: Espaços para a Atuação das Mulheres?
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FREIRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. Editora Record, Rio de Janeiro, 1998.
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Situação Atual das Trabalhadoras
Domésticas no País. Comunicado do IPEA Nº 90, 5 de maio de 2011.
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53
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