infancia e conhecimento jose alfredo debortolli

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    INFNCIA E CONHECIMENTO ESCOLAR:PRINCPIOS PARA A CONSTRUO DE UMA

    EDUCAO FSICA PARA E COMAS CRIANAS

    JOS ALFREDO DEBORTOLI *MEILY ASSB LINHALES **TARCSIO MAURO VAGO ***

    RESUMO

    Neste artigo tratamos do ensino escolar da Educao Fsica para as crianas, ancorandonossa reflexo nos projetos de ensino, pesquisa e extenso universitria que realizamoscomo docentes no curso de Educao Fsica da UFMG. Num primeiro momento aborda-mos a Educao Fsica como rea de conhecimento escolar; depois, apresentamos ques-tes relativas formao de professores, identificando dilemas e necessidades de interven-o e, como ltimo ponto, ressaltamos alguns aspectos relativos infncia, aqui entendidacomo construo sociocultural e como um tempo singular no processo de formao huma-na.PALAVRAS-CHAVE: Educao Fsica - Infncia - Escola.

    INTRODUO

    As reflexes e proposies aqui apresentadas foram alimentadasnas prticas de formao que temos buscado desenvolver nocotidiano de escolas de educao infantil. Como educadores atuan-tes em um curso de formao de professores de Educao Fsica,

    * Professor Assistente do Departamento de Educao Fsica da Escola de Educao Fsica,Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EEFFTO)/Universidade Federal de Minas Gerais(UFMG), licenciado em Educao Fsica pela EEF/UFMG, mestre em Educao pelaFaculdade de Educao (FaE)/UFMG e doutorando em Educao pela Pontifcia Uni-

    versidade Catlica-RJ.* * Professora Assistente do Departamento de Educao Fsica da EEFFTO/UFMG, licen-ciada em Educao Fsica pela EEF/UFMG, mestre em Cincia Poltica pela Faculdadede Filosofia e Cincias Humanas/UFMG e doutoranda em Educao pela FaE/UFMG.

    ***Professor Adjunto do Departamento de Educao Fsica da EEFFTO/UFMG, licenciadoem Educao Fsica, mestre em Educao pela FaE/UFMG e doutor em Educao pelaFaculdade de Educao/Universidade de So Paulo (USP).

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    especialmente na rea da Educao Fsica escolar, optamos porconstruir os saberes relativos ao fazer docente e infncia no dilo-go com os professores e com as crianas, concretizando assim umprojeto educacional fortemente ancorado em princpios democrti-cos e populares. Acreditamos que a escola pblica no pode seguiroutro caminho seno constituir-se como tempo/espao de incluso,debate, construo coletiva e realizao plena de direitos sociais.Ressaltamos ainda nossa proposta de estabelecer uma relao posi-tiva entre a universidade e a escola pblica e de oferecer a alunos,professores e instituies as possibilidades de construo e as estra-tgias de superao e enfrentamento das tenses e contradies pre-sentes na esfera pblica escolar; ou seja, no nos limitamos a iden-tificar apenas as mazelas, os equvocos e o reprodutivismo.

    A realizao do direito educao no se materializa apenasno plano legal ou no plano das boas intenes polticas. Estes sonecessrios, mas no suficientes. Trata-se de uma construo coti-diana, de sujeitos concretos e historicamente situados, como aque-les de quem nos fala Guimares Rosa na sua mineiridade: o maisimportante e bonito, do mundo, isto: que as pessoas no estosempre iguais, ainda no foram terminadas mas que elas vo sem-pre mudando. Afinam ou desafinam (em Grande Serto: Veredas).

    Nossa capacidade de afinar ou desafinar est condicio-nada pelas informaes contextuais. Assim sendo, as reflexes aquiorganizadas guardam estreita relao com os projetos de ensino,extenso e pesquisa que desenvolvemos na rea da Educao Fsicaescolar. Tambm esto aliceradas em um compromisso de articularpermanentemente a universidade pblica como parceira fundamen-tal na construo de uma escola pblica popular e democrtica.

    Para problematizar o ensino escolar da Educao Fsica paraas crianas organizamos este texto em trs partes. Trataremosinicialmente dessa disciplina como rea de conhecimento escolar;depois abordaremos a formao de professores identificando dile-

    mas e necessidades de interveno; como terceiro e ltimo pontoressaltaremos alguns aspectos relacionados infncia, aqui enten-dida como construo sociocultural e como um tempo singular noprocesso de formao humana. Esperamos que essa proposta esteja

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    em consonncia com a realizao de uma educao pblica capazde se afirmar como um direito social para todos.

    A EDUCAO FSICA PARTE DA ESCOLA

    Pensar a presena da Educao Fsica na escola pressupe acompreenso de que ela construda na e, ao mesmo tempo, cons-trutora da cultura escolar. Isso exige que seus professores estejamplenamente envolvidos com o projeto pedaggico da escola em queatuam, sensveis ao dilogo crtico com a realidade social e com ascrianas, com suas necessidades e seus interesses, e sempre atentos dimenso cultural das prticas corporais de movimento.

    Essas referncias iniciais, quando consideradas, colaborampara o desvelamento do que tem sido a construo escolar da Edu-cao Fsica e dos limites e avanos que essa histria comporta.Pensar a Educao Fsica escolar pensar sua prtica docente e omodo como esta se incorpora escola. A Educao Fsica e seusprofessores esto presentes na escola desde o sculo XIX, e estapresena se organizou em um dilogo tenso, complexo e muitasvezes contraditrio com as diferentes concepes de mundo, deeducao e de ser humano que acompanham a realizao cotidiana

    da educao escolarizada.So vrias as questes pedaggicas que, ao longo das dca-

    das de 1980 e 1990, vm sendo destacadas e analisadas por profes-sores de Educao Fsica. Os estudos e as pesquisas que se ocupamda presena dessa disciplina nos estabelecimentos de ensino inves-tigam sua histria, os mtodos e processos de ensino e aprendiza-gem, a formao dos professores e as concepes de corpo, movi-mento e cultura em que estes pretendem fundamentar seu saber es-colar. Outros temas so analisados de maneira sistemtica, colabo-rando na organizao de um campo disciplinar que se encontra empleno desenvolvimento.

    Tambm no dilogo cotidiano com professores e alunos dasescolas pblicas, as circunstncias que envolvem a Educao Fsicaafloram muitas vezes como problemas que exigem enfrentamento:o reforo nas prticas escolares da dualidade corpomente, materia-lizado no isolamento pedaggico, espacial e temporal da disciplina;

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    a interpretao do conhecimento atinente Educao Fsica comoum saber escolar da quadra, considerado, portanto, como de forada escola; ou como saber escolar realizado no ptio e, assim, tra-tado como tempo de descanso e de recomposio para novos traba-lhos srios em sala de aula; o desprezo por seu potencial educativoe formador; a demanda escolar e social por uma Educao Fsicaconsiderada como sinnimo de disciplinarizao e adestramento doscorpos; a esportivizao das prticas corporais, que muitas vezestenta naturalizar um aprendizado que socialmente construdo (porexemplo, tratam-se os processos de seleo e excluso como natu-rais, e no como sociais); o fato de os professores reduzirem suaao educativa tarefa de separar times e distribuir bolas, dentreoutras questes.

    Problemas pedaggicos como esses no devem ser despreza-dos. Da mesma forma, no pode ser perdido de vista o potencialinovador e inventivo presente no trabalho de muitos professoresque incorporam, ao desenvolvimento da Educao Fsica escolar, ocompromisso com a formao humana e com a construo de umasociedade justa e digna. Fortalecer esse movimento e colaborar naconsolidao da sua legitimidade uma interveno possvel e po-tencialmente capaz de envolver os professores como sujeitos de sua

    prpria qualificao, e da qualificao de sua prtica educativa.Outro aspecto a merecer considerao o fato de que a Edu-

    cao Fsica escolar apresenta-se, para a grande maioria das crian-as e dos jovens matriculados no sistema pblico de ensino, quaseque como a nica possibilidade de conhecimento, sistematizao,vivncia e problematizao dos saberes relacionados s prticascorporais de movimento culturalmente organizadas. Aqui, o direitoa uma Educao Fsica de qualidade agrega-se ao direito social educao pblica. Essa disciplina, como os demais saberes escola-res, deve constituir um tempo/espao de aprendizagem que consi-dere: a participao de todos na reconstruo permanente da vida

    em sociedade, a democracia como princpio orientador das aespolticas e a cidadania como condio legtima de pertencimento vida social.

    Diante dessas questes, fica a certeza de que a EducaoFsica no pode ser pensada de maneira isolada, nem seus professo-

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    res tratados margem do processo educativo que organiza os sen-tidos e significados socioculturais da instituio escolar: Pensar aEducao Fsica pressupe pensar a escola como instituio histori-camente situada e que vive hoje um rico e tenso processo deressignificao de sua funo poltica e social (Linhales, 1999, p.33).

    Tambm merece meno o fato de que os ordenamentos le-gais promulgados para a educao escolar a Lei de Diretrizes eBases da Educao Nacional (LDB) de 1996, e as DiretrizesCurriculares Nacionais do Conselho Nacional de Educao, de 1997e 1998 desestabilizaram de forma significativa a presena daEducao Fsica na escola, naquilo que apontam para a autonomiadas instituies escolares na organizao de seus projetos poltico-pedaggicos. No se trata de um fim de sua obrigatoriedade con-forme tem sido anunciado na mdia educativa ou por segmentoscorporativistas. Mas a exigncia posta desde ento a de que apresena da Educao Fsica na escola precisa ser qualificada, siste-matizada e realizada como parte indissocivel da escolarizao b-sica, considerando-se a que a escola tem uma dinmica culturalespecfica e nela que a educao fsica constituda como disci-plina (Vago, 1999b, p. 24).

    Nestes termos, para alm da legalidade e/ou obrigatoriedade,a Educao Fsica, como rea de conhecimento escolar, precisa, como

    j assinalou Valter Bracht, realizar a sua legitimidade, afirmar o quepode contribuir na educao escolar de crianas, jovens e adultos ecomo essa contribuio se pode dar. Por certo no se trata de umaconstruo harmnica ou linear, mas que se d em meio a uma rela-o de tenso permanente entre as prticas escolares e as demaisprticas sociais, que tambm educam (Vago, 1999a, p. 38). Tem-sea um campo aberto de possibilidades de interveno por parte doprofessorado da Educao Fsica, que, ao contrrio de ser subesti-mado, deve ser ocupado e potencializado (Vago, 1999a, p. 39).

    Partilhamos do entendimento de que a Educao Fsica, comorea do conhecimento escolar, realiza sua prtica pedaggica tendocomo objeto de ensino a cultura corporal de movimento. Nessacondio e em integrao com os diferentes conhecimentos eprticas escolares temos o compromisso de garantir o direito de

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    acesso riqueza dos temas e contedos de ensino da Educao F-sica, especialmente sua partilha, reinveno e reconstruo coleti-va. Assumimos, assim, responsabilidades com a produo de no-vas snteses, intervenes e condies necessrias para uma forma-o humana fundamentada em princpios de autonomia e cidada-nia.

    OS PROFESSORES DE EDUCAO FSICA, SUAS PRTI-CAS E SUAS EXPERINCIAS DE FORMAO

    Sabemos que a formao de professores de Educao Fsicaencontra-se, ainda, bastante impregnada por uma lgica instrumen-tal que supervaloriza o desenvolvimento de competncias e habili-dades tcnicas sustentadas pelo paradigma da aptido fsico-espor-tiva. Esse modelo de formao, forjado especialmente durante adcada de 1970 e legitimado na escola pela Lei n. 5.692/1971 epelo Decreto n. 69.450/1971, colaborou bastante na conformaode uma educao fsica escolar pouco comprometida com a forma-o humana e com a construo de uma escola pblica crtica edemocraticamente organizada pelos cidados que a freqentam.

    Ainda no foram superadas as representaes socialmente

    construdas acerca dos professores de Educao Fsica, vistos comoprofessores rola-bola, descomprometidos e sem um conjunto deresponsabilidades pedaggicas, professores disciplinrios ou ani-madores das festas e dos torneios escolares. Essa uma tarefa detoda a escola, e no s da Educao Fsica. Tais representaes,com seus reducionismos, levam a um desprestgio social e educacio-nal que demanda cuidado e diviso de responsabilidades, e reque-rem estratgias para a construo de um fazer pedaggico diferentedestes. Como salienta Miguel Arroyo (2000),

    onde no h uma viso de Educao Bsica universal, de educao

    como direito humano, formao, no haver possibilidade de afirmaruma cultura profissional especfica. A est o cerne de nosso prestgioou desprestgio social e profissional, na viso estreita ou alargada deensino ou de educao que afirmemos.

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    A atuao de professores habilitados em Educao Fsica emtodos os nveis de escolarizao do sistema de ensino s poder serconsiderada um avano se esses profissionais estiverem em condi-es de participar efetivamente do projeto pedaggico escolar. Aescola precisa legitimar essa participao.

    A qualificao poderia incluir um programa de formao con-tinuada capaz de envolver todos estes professores que realizam,cotidianamente, a Educao Fsica escolar. Poderia ainda trazer paraos momentos de estudo e de reflexo os saberes relativos prticapedaggica que se constroem na experincia vivida (Dayrell, 1996,p. 140), no dilogo com os alunos e demais sujeitos da comunidadeescolar. Ningum mais que os prprios professores sabem dos pro-blemas enfrentados na prtica escolar, e da necessidade permanentede qualificao.

    Muitas vezes esses problemas e necessidades se confundemcom outros, relativos s condies objetivas de trabalho no siste-ma pblico de educao, como carreira, salrio, gesto escolar,materiais e equipamentos, dentre outros. Essas condies no po-dem ser desprezadas, ao mesmo tempo em que no podem substi-tuir ou mascarar a necessidade de construo de um projeto polti-co-pedaggico para o ensino da Educao Fsica escolar.

    Tomando como ponto de partida as ponderaes at aqui apre-sentadas, destacamos alguns princpios orientadores para a consoli-dao da Educao Fsica na educao infantil e nas sries iniciaisdo ensino fundamental.

    A qualificao permanente um direito dos educadores e,como tal, precisa constituir uma ao educativa capaz de identifi-car e enfrentar os problemas j arrolados e, ao mesmo tempo, apre-sentar-se como estratgia de superao das fragmentaes presen-tes na histria da educao escolar e, tambm, na histria da Educa-o Fsica.

    A fragmentao dos saberes escolares, bem como a sua con-

    seqente hierarquizao, reduz o fazer pedaggico da EducaoFsica ao lugar de atividade eminentemente prtica, destituda desaberes e possibilidades de reflexo. O movimentar-se humano tratado apenas como ato motor, descontextualizado e descul-turalizado. Tal fragmentao refora a lgica dual que separa cor-

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    po/mente, sensibilidade/razo, agir/pensar e prtica/teoria, retiran-do da Educao Fsica elementos necessrios sua organizao comorea de conhecimento escolar e ao seu dilogo com os demais sabe-res escolares.

    Outro processo de fragmentao que toca significativamentea Educao Fsica diz respeito aos tempos/espaos escolares. Arti-culados fragmentao dos saberes, os tempos e espaos pedag-gicos dessa disciplina tm sido tratados como dispositivos de com-pensao dos desgastes e insatisfaes presentes no cotidiano esco-lar, promovendo na maioria das prticas a idia de um fazer com-pensatrio, pouco ou nada sistematizado e destitudo deintencionalidade. Tempos/espaos dos quais a escola pode dispor,dispensando-os sempre e como quiser.

    Por certo, todas essas fragmentaes recaem sobre os sujei-tos. Na verdade, o olhar fragmentado sobre os seres humanos queproduz as demais fragmentaes. Ao valorizar a dimenso motoraem detrimento das demais dimenses humanas, certas representa-es de Educao Fsica acabam reforando aqueles projetos querestringem o fazer pedaggico da disciplina ao trato das aptidesfsica, esportiva ou do movimento corporal desencarnado edescontextualizado. Alunos e professores podem, assim, perder a

    dimenso de totalidade necessria s experincias educativas paraque as mesmas sejam significativas e capazes de estabelecer rela-es entre o mundo da escola e a realidade social.

    Ao enfrentar esses dilemas aproximamo-nos da EducaoFsica que trata dos sujeitos que se movimentam e, ao faz-lo, ex-perimentam, conhecem, problematizam e reconstroem um amplouniverso de prticas corporais de movimento impregnadas de senti-dos e significados socioculturais forjados pelo tempo/espao em quese situam e que lhes confere, ou no, legitimidade na cultura esco-lar. Essa demarcao fundamental no projeto curricular e nas es-tratgias de formao continuada. Associa-se a ela a necessidade de

    considerar os professores como sujeitos do conhecimento e, comotais, possuidores de saberes relativos ao fazer docente.Assim sendo, eles devem assumir um lugar de centralidade

    no dilogo crtico com os saberes que vm sendo sistematizados nocampo acadmico da Educao Fsica escolar, em sua articulao

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    com os demais saberes e prticas escolares e em sintonia com arealidade social. Devem ainda ocupar um lugar relevante na demar-cao da especificidade pedaggica da Educao Fsica, para queela estabelea parcerias em projetos coletivos de ensino sem correro risco de diluir-se em relaes de subordinao a outras reas deconhecimento escolar. Pensar a Educao Fsica como a rea deconhecimento escolar que trata das prticas corporais de movimen-to culturalmente constitudas hoje a delimitao que melhor searticula com os projetos de mudana em curso na educao brasi-leira.

    Os professores de Educao Fsica so educadores que apren-dem, criam e transformam os processos de ensinoaprendizagemnos quais se inserem. As possibilidades de reflexo na e sobre aprtica pedaggica s fazem sentido se estabelecidas em uma rela-o estreita com o cotidiano escolar e em articulao com a realida-de social na qual os usos do corpo, da brincadeira, do movimentar-se, do lazer e das prticas corporais ganham sentidos e significadosculturais, polticos e, portanto, humanos.

    A EDUCAO FSICA E A INFNCIA

    Sabemos que educar crianas tomando-as como mero campode projees uma massa amorfa, um ser de natureza ideal epadronizada, um projeto de vir-a-ser linear, ordenado ehierarquizado no cabe mais diante dos desafios colocados para aformao humana, para uma organizao escolar e pedaggica ca-paz de incorporar as crianas como sujeitos coletivos que devemparticipar de sua construo cultural e poltica.

    Mas bem verdade que essas representaes ainda esto im-pregnadas no imaginrio social e, em especial, nos iderios e nasprticas pedaggicas. Do casamento entre a pedagogia e a psicolo-gia herdamos a mania de selecionar, classificar e hierarquizar o de-

    senvolvimento das crianas como se estas constitussem pginas embranco nas quais, pouco a pouco, fssemos deixando as marcasmais adequadas segundo o modelo evolutivo que temos em mente.Esse tipo de entendimento s faz aumentar a incompetncia da

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    criana diante do adulto, desqualificando sua maneira singular deapreender o mundo que a cerca.

    Ao partir de uma prtica pedaggica de pretenses teraputi-cas, sempre operando com estgios, fases ou etapas construdas abs-tratamente, tem-se a presuno do controle e da previsibilidade. Emdefesa ou obsessivamente em busca de um padro ideal, so muitasas histrias escolares de excluso, violncia simblica e preconcei-tos legitimados cientificamente por essas opes (como a teoriada privao cultural, ou da educao compensatria, por exemplo).Paradoxal que muitos educadores persistem em adotar determina-das referncias desenvolvimentistas, mesmo vivendo, nas suas rela-es com as crianas, tenses demonstradoras de que tais refernciasno guardam nenhum tipo de correspondncia com a realidade.

    Estamos cotidianamente experimentando uma histria real,muitas vezes brutal, da infncia com que trabalhamos. Crianas que,muitas vezes, j perderam, prematuramente, a infncia: pelo traba-lho, pelas relaes sociais opressoras, pelo consumo, pela privaodo direito de ser criana e de saborear a infncia, pela prpria au-sncia de sentido da escola no seu processo de formao. Crianasportadoras de direitos freqentemente usurpados; crianas que nosconvidam a voltar nossa prpria infncia, que pode tambm ter

    sido usurpada, adulterada; e que, apesar de tudo, vo construindosua condio humana nas relaes sociais, econmicas, culturais epedaggicas que vivem a cada dia.

    So essas as crianas com quem nos relacionamos, possuido-ras de infncias reais e contraditrias, infncias cuja idealizao no mais cabvel, infncias atravessadas por todos os limites, mas tam-bm por todas as possibilidades contemporneas. E desse dilogomarcado por condies sociais concretas da infncia que tambmse apresentam perspectivas de constituio de uma escola e de umaEducao Fsica baseadas em direitos, legitimadas pelo fato de po-derem ser construdas para e com as crianas, tanto no seu nvel

    organizacional quanto poltico.Como educadores que trabalham com crianas, no podemosnos esquivar de tais reflexes. Elas precisam ocupar um lugar decentralidade na construo de nossos projetos poltico-pedaggi-cos. ainda (e ser sempre) necessrio perguntar: Qual o compro-

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    misso da escola com as crianas? Conseguimos aproximar nossodiscurso sobre a infncia de nossas prticas cotidianas com ascrianas? Educamos para a submisso ou para a emancipao?

    Em relao ao fazer especfico da Educao Fsica: Quais osolhares historicamente construdos sobre a infncia? Considera-mos nossos alunos apenas como sujeitos que podem vir a ser atle-tas, reduzindo o contedo das aulas a uma repetiodescontextualizada de gestos, padres de movimento ou capacida-des coordenativas? Como massinhas amorfas a seremgradativamente modeladas pelas prescries contidas nas apostilasde psicomotricidade? Como sujeitos indisciplinados, sem limites ehiperativos, que devem fazer Educao Fsica para disciplinar seuscorpos e ficar mais calmos, menos agressivos e em melhores con-dies para freqentar a escola, respondendo s suas exigncias econtedos preestabelecidos?

    Julgamos nossos alunos incapazes para a reflexo e a com-preenso scio-histrica das prticas que realizam e, assim, em nomede uma idia de ldico reduzida imagem de uma escola que devese transformar em tempo e espao de consumo de atividadesprazerosas, ou da idia de uma abstrata espontaneidade dascrianas, acabamos por reduzir a aula a um brincar pelo brincar, ao

    passatempo, recreao, ou mesmo ao abandono das crianas ssuas prprias relaes e construes?

    Essas questes nos remetem a uma anlise crtica de algumasproposies construdas no campo acadmico da Educao Fsica.1

    So proposies bastante limitadoras da presena da Educao Fsi-ca na escola, na medida em que retiram das crianas o direito deacesso ao saber historicamente acumulado (o que no significa quepretendemos ater-nos a concepes conteudistas e racionalistas daescola e da educao). Esse acesso a saberes e conhecimentos noimplica apenas assimilao de contedos, mas, fundamentalmente,a reconstruo crtica e coletiva das prticas corporais de movimen-

    to, estando a aberta a possibilidade de sua permanente reinvenoe da constituio da escola como um projeto cultural em cuja elabo-rao participam diferentes atores.

    Ao organizar a Educao Fsica para e com as crianas, pre-cisamos, tambm, levar em considerao que o brincar uma lin-

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    guagem fundamental na infncia, podendo se constituir em umaforma singular de produo e apropriao do conhecimento, emsuas mltiplas dimenses. Inserir essa reflexo sobre o brincar nosprocessos de construo da cultura e produo do conhecimentosignifica buscar na linguagem sua plena possibilidade emancipadora,o que implica a descoberta de formas de expresso que possam iralm do recurso da palavra e se materializarem como gesto senti-do ampliado da palavra, que inclui o corpo e a memria como ele-mentos da experincia humana de coletivamente dar significado aomundo (Debortoli, 1999).

    Finalmente destacamos que o acesso das crianas aos saberesda Educao Fsica precisa abranger o humano e portanto sensvel,afetivo, tico, esttico, elementos componentes do nosso processode desenvolvimento, que no comporta prescries, mas que impli-ca identificar na criana a possibilidade humana, e portanto coleti-va, de aprender e de ser. As crianas so sujeitos nesses processos enos convidam muitas vezes a duvidar de nossas certezas sobre o

    jogo, a dana, o esporte, a ginstica, pois as coisas que no tmnome so mais pronunciadas por crianas (Barros, 2000).

    Nosso desafio tem sido o de construir uma prtica pedaggi-ca fundamentada nas representaes de Educao Fsica, de forma-

    o profissional e de infncia aqui problematizadas. Para isso, tor-na-se fundamental considerar que a cultura corporal de movimen-to, com sua diversidade de contedos e prticas, tambm, naeducao de crianas, a especificidade pedaggica da disciplina.Acreditamos, sobretudo, em uma prtica de Educao Fsica comoconhecimento escolar que se aproxima de crianas para encontr-las em seu tempo de descobertas, de inveno de conhecimentos,de vivncias de infinitas formas humanas de expresso e linguagemcontidas no movimentar-se humano.

    Infancy and School Knowledge:Principles for the Construction of Physical Edu-

    cation Practice For and With Children

    ABSTRACTIn this article we discuss the teaching of Physical Education for Chilldren at school, and webase our reflections on university teaching, research and extension projects that wedeveloped as professors of the Physical Education Course at UFMG. We first approach

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    Physical Education as a school field of knowledge and then we ask questions related to theeducation of teachers, identifying dillemas and the need for intervention and, in the lastpart, we highlight a few aspects related to infancy, here understood as a social-culturalconstruction and as a unique moment in the process of human growth.KEY WORDS: Physical Education - Infancy - School.

    NOTA

    1. Uma importante referncia na produo de uma crtica Educa-o Fsica na infncia foi a publicao do trabalho realizado emparceria pelo Ncleo de Estudos e Pesquisas de Educao Fsica(UFSC) e pela Secretaria Municipal de Educao de Florianpolis(1996).

    REFERNCIAS

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    BARROS, Manuel de. O livro das ignoras. 9.ed. Rio de Janeiro:Record, 2000.

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    Recebido: Setembro de 2002Aprovado: Novembro de 2002

    Endereo para correspondnciaJos Alfredo Oliveira Debortoli

    Rua Orlando Lima Melo, 653Xangril

    Contagem - Minas Gerais

    CEP 32186-010

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