infancia &-consumo-2010

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& estudos no campo da comunicação Artigos produzidos especialmente para Programa de Bolsas para Trabalhos de Conclusão de Curso - Agosto de 2009 a Janeiro de 2010

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  • 1. &estudos no campo da comunicaoArtigos produzidos especialmentepara Programa de Bolsas paraTrabalhos de Concluso deCurso - Agosto de 2009 aJaneiro de 2010
  • 2. Infncia & Consumo:estudos no campo da comunicao Braslia, 2010 Agncia de Notcias dos Direitos da Infncia (ANDI) Projeto Criana e Consumo do Instituto Alana
  • 3. ANDI Agncia de Notcias Projeto Criana e Consumodos Direitos da Infncia Instituto AlanaPresidente: Presidente:Oscar Vilhena Vieira Ana Lucia de Mattos Barretto VillelaVice-Presidente: Coordenadora Geral:Geraldinho Vieira Isabella HenriquesSecretrio Executivo: Coordenadora de Educao e Pesquisa:Veet Vivarta Lais Fontenelle PereiraSDS Ed. Boulevard Center, Bloco A , Sala 101 Rua Sanso Alves dos Santos 102 / 4 andarCep: 70.391-900 Cep: 04571-090Braslia - DF So Paulo - SPTelefone: (61) 2102-6508 Telefone: (11) 3472-1631Fax: (61) 2102-6550 E-mail: [email protected]: [email protected] Site: www.criancaeconsumo.org.brSite: www.andi.org.brO uso de um idioma que no discrimine e nem marque diferenas entre homens e mulheres oumeninos e meninas uma das preocupaes da ANDI e do Instituto Alana. Porm, no h acordoentre os lingistas sobre a maneira de como faz-lo. Dessa forma, com o propsito de evitar a so-brecarga grfica para marcar a existncia de ambos os sexos em lngua portuguesa, na presenteobra optou-se por usar o masculino genrico clssico na maioria dos casos, ficando subentendidoque todas as menes em tal gnero representam homens e mulheres.
  • 4. ApresentaoO conceito de infncia no natural e sim construdo scio-historicamente. Ou seja, cadapoca e cultura tendem a proferir um discurso sobre a infncia que apresenta caracters-ticas prprias, contribuindo assim para moldar e estabelecer o lugar social das crianas.Atualmente, cabe lembrar, cada vez mais predominante a presena das mdias no cotidia-no de crianas e jovens, ditando padres de socializao, transmitindo valores, circulandoinformaes e, tambm, estimulando o consumo. inegvel que uma outra pedagogia se instalou na vida das crianas brasileiras, as quaisesto, por exemplo, entre as campes mundiais no que se refere ao tempo dirio passadoem frente s telas da televiso quase 5 horas, segundo dados do Ibope. Assim, no pode-mos mais relegar a segundo plano a existncia deste mecanismo educacional informal. Damesma forma torna-se que alcana este estrato da sociedade por meio dos mais diversoscanais de comunicao e informao. Conseqentemente, nota-se imprescindvel articularpolticas pblicas que promovam a produo de qualidade dirigida a meninos e meninas.Ao mesmo tempo, devemos implementar medidas para proteg-los de contedos inade-quados a seu desenvolvimento integral. nesse cenrio que se situa a presente publicao, iniciativa da Agncia de Notcias dos Di-reitos da Infncia - ANDI e do Projeto Criana e Consumo do Instituto Alana. Reunindo 7 artigosredigidos por alunos de graduao da rea de Cincias Humanas de todo o pas, em parceriaou com apoio de seus orientadores. As pginas a seguir perpassam trs grandes temticas quemobilizam tanto a academia quanto os formuladores de polticas pblicas: Criana, Consumo eMdia; Representaes da Infncia na Mdia; e Educomunicao e Consumo. Os artigos apresentam alguns dos resultados obtidos nos Trabalhos de Concluso de Curso(TCCs) produzidos pelos autores, todos eles bolsistas da 4 edio do InFormao - Programade Cooperao para Qualificao de Estudantes de Jornalismo, mantido pela ANDI com apoiodo FNPJ - Frum Nacional de Professores de Jornalismo. As monografias foram defendidasem universidades pblicas ou privadas de ensino superior, no final do ano de 2009. Ao conceder essas bolsas de estudo, o objetivo das duas organizaes estimular a pro-duo de trabalhos sobre alguns dos temas considerados mais urgentes para agenda pblicaquando esto em foco os direitos da infncia e da adolescncia. Acreditamos, tambm, que osartigos aqui presentes registram os passos iniciais de um processo maior de aprendizagemque se abre para estes futuros profissionais. Esperamos que os textos possam contribuir para a ampliao e fortalecimento do de-bate acadmico acerca da relao da criana com a mdia na atualidade, alm de iluminara responsabilidade a ser compartilhada por diferentes atores para construo de uma so-ciedade que honre a infncia como prioridade absoluta, garantindo o exerccio pleno dosdireitos de crianas e adolescentes.Boa leitura! Veet Vivarta Isabella Henriques Secretrio Executivo Coordenadora geralANDI - Agncia de Noticias dos Direitos da Infncia Projeto Criana e Consumo do Instituto Alana Realizao: Apoio:
  • 5. SUMRIOO controle da publicidade de alimentos no saudveis dirigidos s crianas:autocontrole ou sistema misto?(Aline Vasconcelos) | pg 6Criana de papel:representaes das crianas nos jornais pernambucanos.(Andra Maciel Aquino e Isaltina Maria de Azeredo Mello Gomes) | pg 22As representaes de infncia na publicidade pelapercepo de crianas de cinco a seis anos.(Clarissa Borges Muller) | pg 35H educomunicao na televiso brasileira?(Flvia Vasconcelos Paravidino) | pg 45Consumo cultural na web:as prticas de crianas e adolescentes de escolas pblicas de Gravata / RS.(Simone Luz Ferreira e Nilda Jacks) | pg 61A criana adultizada na publicidade televisiva:Uma anlise da recepo infantil.(Tarcsio de Souza Filho) | pg 73Blog, cincia e educao:construindo o conhecimento nas crianas.(Tierri Rafael Ribeiro Angeluci e Zeneida Alves de Assumpo) | pg 86 Realizao: Apoio:
  • 6. 6O controle da publicidade de alimentosno saudveis dirigidos s crianas:autocontrole ou sistema misto?1 [Aline Vasconcelos]2IntroduoO assunto deste artigo representa uma das vrias nuances da discussoque h muito se trava no meio jurdico acerca da publicidade abusiva des-tinada criana. Trata-se da ineficcia da auto-regulamentao publici-tria como nica sada para a resoluo do problema da publicidade abu-siva de alimentos no-saudveis, tendo em vista a observncia de umaduplicidade de comportamento por parte de algumas multinacionais comrelao s suas prprias normas em diferentes pases. Por essa razo, otema sobre o qual se discorre versa sobre a necessidade de instituio deum sistema misto de controle, que alm da auto-regulamentao contecom a regulamentao estatal expressa. A referida pesquisa que atestou a diversidade de comportamento porparte das empresas multinacionais foi realizada pelo Instituto Brasileirode Defesa do Consumidor (Idec) e pelo Projeto Criana e Consumo e, embreve sntese, constatou que, embora algumas multinacionais instaladasno Brasil tenham assumido, atravs da auto-regulamentao, compromis-sos com outros pases mais desenvolvidos de restringir ou at mesmo deabster-se de realizar a publicidade de alimentos nocivos sade dirigidosa crianas, no Brasil o mesmo no ocorre, afinal, neste pas, essas mes-mas empresas utilizam-se de padres publicitrios diferentes dos que fo-ram estabelecidos nos compromissos.3 Insta salientar que este trabalho foi apoiado pela ANDI Agncia deNotcias dos Direitos da Infncia, no mbito do Programa InFormao(Programa de Cooperao para a Qualificao de Estudantes de Jorna-lismo) e do Instituto Alana no mbito do Programa Criana e Consumo,ambas desenvolvendo suas atividades voltadas para a temtica abor-dada de forma primorosa. Registre-se, desde j, o agradecimento peloapoio que, inclusive, deixou transparecer a importncia do tema que sepassa a apresentar.1 O presente artigo foi apoiado pela ANDI Agncia de Notcias dos Direitos da Infncia, no mbito do Programa InFormao Programa de Cooperao para a Qualificao de Estudantes de Jornalismo e do Instituto Alana no mbito do Projeto Criana e Consumo. Os contedos, reflexes e opinies constantes deste trabalho, bem como do Projeto que a ele deu origem, no representam, necessariamente, as opinies das instituies apoiadoras.2 Graduanda em direito pela Faculdade de Direito de Vitria.3 INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Publicidade infantil: multinacionais no aplicam padres internacionais no Brasil. Disponvel em: . Acesso em: 13 nov. 2009. Realizao: Apoio:
  • 7. 71. O Contexto em que o tema se situaPrimeiramente, a fim de delimitar o problema ora exposto, cabe aduzir queo presente trabalho se especifica na questo da criana. Tal limitao ne-cessria para que se possa detalhar ainda mais a pesquisa, levando-se emconsiderao as caractersticas peculiares do pblico infantil. No Brasil, o legislador definiu como criana aquele indivduo de at 12(doze) anos de idade incompletos, conforme estabelecido pelo art. 2 do Es-tatuto da Criana e do Adolescente (ECRIAD). A criana, justamente por ser um ser em formao fsica, psicolgica, emo-cional e social, pode ser considerada vulnervel em sua essncia e, por isso, re-quer uma ateno diferenciada em seu tratamento, razo pela qual os ditamesconstitucionais e infraconstitucionais tendem para a chamada tutela jurisdicio-nal diferenciada, que aquela que atenta para a necessidade de uma proteoa mais para este indivduo, alm daquela conferida a todos os outros cidados,at mesmo por ser a criana considerada absolutamente incapaz (art. 3, I, doCdigo Civil), ou seja, realmente necessitada de uma tutela especfica, pelo quea tutela jurisdicional diferenciada se configura a prpria expresso do princpioda igualdade, que se traduz no tratamento igualitrio aos iguais e diferenciadona medida das diferenas existentes entre os indivduos.4 Justamente pelo fato das crianas serem pessoas em desenvolvimen-to, a norma pice do ordenamento jurdico brasileiro dedicou a elas espe-cial ateno em um captulo permeado de normas que visam a proteg--las, estabelecendo, especialmente no art. 227 que dever da famlia,da sociedade e do Estado assegurar criana e ao adolescente, com ab-soluta prioridade os direitos bsicos conferidos a todos os cidados, aj instituindo o princpio da prioridade, cuja idia a de que os direitosdas crianas esto em um escalo elevado no que diz respeito a outrosdireitos, inclusive em relao ao direito de realizar a publicidade, aindamais quando esta se configura abusiva. No bastasse a criana por si s j ser considerada vulnervel, sua con-dio enquanto consumidora torna essa vulnerabilidade ainda mais intensa.Alis, frise-se que consumidor no apenas aquele indivduo que celebraum contrato de consumo, sendo que na tnica apresentada no trabalho, con-sumidor aquele que o simplesmente por estar exposto publicidade,tendo em vista que esta atividade puramente comercial e busca a adesodas pessoas ao produto ou servio que est sendo oferecido. Assim, de con-cluir-se que a criana duplamente vulnervel: primeiro por ser criana,segundo por ser consumidora. A publicidade abusiva no tema que se apresenta aquela que segundo o art. 372 do CDC se vale da deficincia de julgamento e experincia da criana. Umainteressante conceituao, que servir de norte ao leitor, merece ser citada:54 HENRIQUES, Isabella Vieira Machado. Publicidade abusiva dirigida criana. So Paulo: Juru, 2008. p. 137.5 BENJAMIN, Antnio Herman V.; MARQUES, Cludia Lima; MIRAGEM, Bruno. Comentrios ao Cdigo de Defesa do Consumidor. 1.ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 482. Realizao: Apoio:
  • 8. 8 A publicidade abusiva , em resumo, a publicidade antitica, que fere avulnerabilidade do consumidor, que fere valores sociais bsicos, que fere aprpria sociedade como um todo. A publicidade abusiva direcionada criana permite que os direitos li-berdade, dignidade e ao respeito criana no sejam observados, devendohaver um espao para a livre formao do pensamento das crianas en-quanto pessoas e ser a elas possibilitada a experincia de criar valores econceitos sadios a partir da sua prpria perspectiva de mundo e no da pers-pectiva da publicidade abusiva que preconiza mais o ter do que o ser. Entrando no cerne da temtica, cabe aduzir que quando se fala em ali-mentos no-saudveis a questo passa a ser muito mais complexa porquea exposio a esse tipo de publicidade, que instiga o consumo de alimentosnocivos, traz danos sade e vida da criana. De ver-se que o debate acerca desses prejuzos indispensvel eis que nose atm apenas a uma mera discusso sobre o poder publicitrio e sua influ-ncia no consumo da sociedade, mas tambm a uma abordagem que refletena sade pblica, tema notadamente relevante eis que, comprovadamente,as crianas e adolescentes, em mbito nacional e at mesmo mundial, tmadquirido muitas doenas decorrentes dos maus hbitos alimentares.6 Nesta questo, insta esclarecer que, embora a publicidade no seja a ni-ca causa, ela, definitiva e comprovadamente, contribui para a evoluo daepidemia de obesidade no Brasil. Os nmeros da obesidade no pas so alar-mantes. De acordo com Ana Beatriz Vasconcelos, na regio Norte constatou--se que 5,2% delas estavam acima do peso; no Nordeste 6,0%; no Sudeste,6,7%; no Centro-Oeste, 7,0%; e, por fim, 8,8% na regio Sul.7 Indiscutivelmente, esses dados preocupam. E por isso que se faz ne-cessria a instituio de uma regulamentao expressa acerca da publici-dade de alimentos no-saudveis voltados para o pblico infantil, que atueem harmonia com a auto-regulamentao, tendo em vista a ausncia denormas no ordenamento jurdico estatal sobre o tema e a patente inefic-cia da utilizao da auto-regulamentao como nico conjunto de normasa tutelar a publicidade de alimentos nocivos criana, conforme pode-severificar no tpico a seguir.2. O problema apresentado: a ineficcia da auto-regulamentao na publicidade destinada a crianasAbstraindo toda a situao at ento exposta, deve-se, a princpio, reconhe-cer o importante papel da auto-regulamentao, sendo certo que a mobili-zao da prpria classe publicitria para coibio de abusos em sua ativida-de uma iniciativa louvvel e que merece destaque.6 CRESCE o ndice de obesidade infantil no pas. Jornal Ponto Final. Disponvel em: . Acesso em: 14 nov. 2009.7 VASCONCELOS, Ana Beatriz. Regulamentao da Publicidade de Alimentos: A Viso da Sade Publica. In: MESA REDONDA SOBRE Publicidade de alimentos dirigida ao pblico infantil, 2009, So Paulo. Disponvel em: . Acesso em: 27 ago.2009. Realizao: Apoio:
  • 9. 9 Neste pormenor, no se deve deixar de falar sobre o Cdigo de Auto--Regulamentao Publicitria, fruto da integrao entre veculos de co-municao, agncias publicitrias e anunciantes, e que constitui o nortede toda a atividade do Conar, encarregado de dar efetividade s disposi-es ali constantes.8 Esclarecida a importncia do Conar e do Cdigo de Auto-RegulamentaoPublicitria, cabe, neste momento, aduzir o que dispem as novas propostasde auto-regulamentao estabelecidas no ano de 2009 firmadas perante aABIA (Associao Brasileira das Indstrias da Alimentao) e ABA (Associa-o Brasileira de Anunciantes) acerca da restrio da publicidade de alimen-tos e bebidas para crianas no Brasil. O acordo foi firmado por vinte e quatro empresas, sendo que tanto a ABIAquanto a ABA pretendem ampliar o nmero de empresas que adotaro osparmetros do acordo, que observar, inclusive, as normas previstas no C-digo Brasileiro de Auto-Regulamentao.9 Em um primeiro momento, as disposies deste acordo podem parecerinteressantes, porm, no difcil haver quem reconhea que as previsesso um tanto quanto restritivas e dependentes de aes das prprias in-dstrias que iro, inclusive, estabelecer suas prprias polticas individuais ecritrios nutricionais. Veja-se:10 1. No fazer, para crianas abaixo de 12 anos, publicidade de alimentos ou bebidas; com exceo de produtos cujo perfil nutricional atenda a critrios especficos baseados em evi- dncias cientficas. 1.1. Os critrios mencionados sero adotados especfica e indi- vidualmente pelas empresas signatrias. 1.2. Para efeito desse compromisso, as limitaes so para in- seres publicitrias em televiso, rdio, mdia impressa ou internet que tenham 50% ou mais de audincia constitu- da por crianas de menos de 12 anos. 2. Nas escolas, no realizar, para crianas com menos de 12 anos, qualquer tipo de promoo com carter comercial relacionada a alimentos ou bebidas que no atendam aos critrios descritos anteriormente, exceto quando acordado ou solicitado pela admi- nistrao da escola para propsitos educacionais ou esportivos. 3. Promover no contexto de seu material publicitrio e promo- cional, quando aplicvel, prticas e hbitos saudveis, tais como a adoo de alimentao balanceada e/ou a realizao de atividades fsicas.8 CONSELHO NACIONAL DE AUTORREGULAMENTAO PUBLICITRIA. Uma breve histria do CONAR. Disponvel em:. Acesso em: 14 nov. 2009.9 INDSTRIAS de alimentos assumem compromisso espontneo sobre publicidade dirigida s crianas. Disponvel em: . Acesso em 10 out. 2009.10 INDSTRIAS de alimentos assumem compromisso espontneo sobre publicidade dirigida s crianas. Disponvel em: . Acesso em 10 out. 2009. Realizao: Apoio:
  • 10. 10 Desta feita, embora, a princpio, a iniciativa seja boa, parece que a mes-ma tende para o rumo que tem tomado a auto-regulamentao da publici-dade de alimentos no-saudveis voltados para crianas at o momento:normas ineficazes e mortas, o que se pode afirmar com base nas muitasrestries impostas no pacto. Nesse sentido, a ttulo de exemplo, ficou estabelecido que se um ali-mento ou bebida estivesse em conformidade com critrios nutricionaisespecficos estabelecidos to-somente pelas empresas signatrias, apublicidade desses produtos poderia ser direcionada crianas menoresde doze anos. Embora haja uma ressalva de que devem esses critriosbasear-se em evidncias cientficas, de ver-se que, conforme conclu-ses extradas pela indigitada pesquisa realizada pelo Projeto Crianae Consumo e pelo IDEC, resta cristalino que os padres nutricionais dasempresas no so claros11, fato que obviamente ser causa de confusoentre os consumidores que no tero um referencial no qual se pautar.Assim, continuar o consumidor sem saber se est consumindo um ali-mento saudvel ou no. No se deve olvidar tambm que a mesma pesquisa salientou que ospadres nutricionais estabelecidos pelas empresas tm se demonstradoum tanto quanto flexveis, atendendo, por bvio, aos interesses das in-dstrias12, razo pela qual pode-se afirmar mais uma vez que, emboraseja uma boa iniciativa, a proposta possui inmeras brechas que maisrepresentam uma falcia, sendo essa apenas uma das muitas crticasque podem ser feitas a esse acordo. Ainda frise-se que as normas presentes no ordenamento jurdico as quaisversam sobre a publicidade que fere os direitos fundamentais inerentes scrianas no so muitas e, ainda assim, as que existem so pouco espec-ficas, fazendo-se necessria, a partir da, uma regulamentao expressa eespecfica sob o assunto em anlise. Alis, como so especficas sobre o tema interao entre publicidade econsumidores, as normas de auto-regulamentao tm sido amplamenteutilizadas, muitas vezes at mais do que essas normas estatais. Neste por-menor, frise-se que a proposta da auto-regulamentao realmente boae eficaz em diversos setores da economia, entretanto, a realidade tem semostrado diferente quando a abordagem refere-se publicidade de alimen-tos no-saudveis destinados ao pblico infantil. que conforme frisou-se at o momento, a auto-regulamentao, nessesetor em especfico, no tem cumprido efetivamente seu papel. Os com-promissos realizados por multinacionais ferem de forma patente a ques-to isonmica ao pautar-se em duplo padro de conduta, em outros ter-11 HENRIQUES, Isabella; TRETTEL, Daniela. Publicidade de Alimentos Dirigida ao Pblico Infantil. In: MESA REDONDA SOBRE PUBLICIDADE DE ALIMENTOS DIRIGIDA AO PBLICO INFANTIL, 2009, So Paulo. Disponvel em: Acesso em: 07 set.2009.12 Ibid. Realizao: Apoio:
  • 11. 11mos, essas empresas assumiram compromissos globais de restringir ouat mesmo de eliminar a publicidade dirigida crianas menores de dozeanos, cumprindo-os somente em pases desenvolvidos como os EstadosUnidos e mantendo inobservncia no que diz respeito ao Brasil.13 Grandiosos compromissos, como o realizado junto Organizao Mundialda Sade (OMS) em 2008 prevem a reformulao da composio nutricionaldos produtos comercializados pelas empresas, o estmulo aos hbitos sau-dveis s crianas, a restrio da publicidade para crianas de at doze anosde idade, dentre outras disposies importantes.14 Tomando como parmetro esses compromissos, o Projeto Criana e Con-sumo do Instituto Alana e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor,realizaram uma pesquisa observando o comportamento de doze empresasque atuam tanto nesses pases desenvolvidos quanto no Brasil e que assu-miram esses compromissos internacionais.15 Para a realizao da pesquisa, foram analisadas a publicidade na televi-so, nas prprias embalagens dos produtos, inclusive analisando sua com-posio nutricional tendo como base a proposta de regulamento tcnica daANVISA, e na internet, mais especificamente no site das empresas que co-mercializam os alimentos no-saudveis destinados ao pblico infantil.16 O resultado foi desanimador para aqueles que acreditam na eficcia daauto-regulamentao no que diz respeito publicidade desses alimentosno Brasil: no pas, dez das doze empresas analisadas realizaram a publi-cidade infantil no perodo em que foram observadas. A pesquisa ainda res-salva que as outras duas apenas no realizaram esse tipo de publicidadedurante o perodo de anlise, o que no impede que tenham feito ou quefaam em outros momentos.17 De ver-se ainda que as doze empresas analisadas valeram-se de algumatcnica que chamasse a ateno das crianas e as incitasse ao consumo,tais como personagens, cores e figuras, em total desconformidade com aproposta elaborada pela ANVISA18 (vide item 3, abaixo), restando evidenteque aqueles acordos realizados internacionalmente por essas empresasnem de longe esto sendo aplicados no Brasil. Na mesa redonda onde a pesquisa foi apresentada concluiu-se com a an-lise que necessria a atuao do Poder Pblico a fim de uniformizar ascondutas que sero aceitveis ou no com relao publicidade direcionadas crianas brasileiras o que, certamente, facilitaria a sua proteo.1913 INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Publicidade infantil: multinacionais no aplicam padres internacionais no Brasil. Disponvel em: . Acesso em: 13 nov. 2009.14 HENRIQUES, Isabella; TRETTEL, Daniela. Publicidade de Alimentos Dirigida ao Pblico Infantil. In: MESA REDONDA SOBRE Publicidade de alimentos dirigida ao pblico infantil, 2009, So Paulo. Disponvel em: Acesso em: 07 set.2009.15 Ibid.16 Ibid.17 Ibid.18 Ibid.19 Ibid. Realizao: Apoio:
  • 12. 12 O fato que a sociedade est, de forma incontroversa, exposta publici-dade abusiva, independentemente de a auto-regulamentao estar agindoou no, pelo que se faz necessrio urgentemente que o Poder Pblico sevalha de suas prerrogativas para impor normas que verdadeiramente res-guardem e efetivem os direitos constitucionalmente postos uma vez que aauto-regulamentao, sozinha, no eficiente nesse sentido, razo pelaqual deve o Estado elaborar normas que, juntamente com a auto-regula-mentao, cumpram esse papel.3. A soluo proposta o sistema misto de controleConforme j se percebeu, o tema ora abordado se volta para a ineficciada auto-regulamentao publicitria como nica sada para a resoluo doproblema da publicidade abusiva de alimentos no-saudveis dirigida scrianas, tendo em vista a observncia de uma duplicidade de comporta-mento por parte de algumas multinacionais com relao s suas prpriasnormas em diferentes pases. nesse ponto que repousa o elemento eficcia da proposta. Reconhece--se a importncia da auto-regulamentao, entretanto, ante a anlise des-sa diversidade de comportamento por parte das empresas no Brasil, restaevidente a necessidade de uma soluo efetiva para o problema, qual seja, aintegrao, auto-regulamentao, da regulamentao expressa por partedo Estado nesse tema, de forma a resguardar os interesses das crianasatravs de instrumentos legtimos e democrticos. Trata-se do chamadosistema misto de controle da publicidade. Frise-se que a questo a ser defendida no o monoplio estatal na re-gulamentao da problemtica e sim a harmonizao entre as normas deauto-regulamentao e as estatais, pelo que defende-se esse sistema aoadmitir que ele permite tanto a participao de organismos auto-regula-mentares quanto do prprio Estado, enquanto instituio legitimada paraatuao nesse sentido. Destarte, para que haja real cumprimento de quaisquer normas referen-tes publicidade de alimentos no-saudveis destinados ao pblico infantil, necessria a atuao estatal, at mesmo para que as normas sejam maisabrangentes e efetivamente cumpridas. Em virtude de uma possvel reduo de lucros por parte das indstriasem razo das restries publicidade, as medidas por elas mesmo ado-tadas podem perder sua eficcia para atender aos interesses mercado-lgicos. Certamente as normas impostas pelo Estado, com suas carac-tersticas peculiares universais, dotadas de coercibilidade, abstratas,pblicas e anteriores aos fatos que, em ocorrendo, ensejaro sua aplica-o confeririam sociedade uma maior estabilidade, e, por conseqn-cia, mais segurana jurdica. Observe-se a partir da que a regulamentao estatal da publicidade, mui-to embora aos olhos daqueles que so eminentemente contra a sua imposi- Realizao: Apoio:
  • 13. 13o possa parecer censura e privao de direitos, na realidade, um instru-mento que proporciona aos mais diversos sujeitos sociais, dentre os quaisas crianas, a possibilidade de definir livremente suas escolhas de acordocom o que necessitam e no com o que a publicidade impe ser necessrio,resguardando assim, direitos fundamentais como sade, liberdade e vida, conforme j citado neste trabalho. Alis, cumpre salientar que os prprios organismos publicitrios, como oCONAR, podem atuar para que o prprio Estado, no exerccio da regulamen-tao, siga os limites e os princpios basilares da democracia, requerendoa quem compete as providncias cabveis caso o Estado eventualmente seexceda ao impor suas normas. Observe-se que a necessidade de regulamentao expressa no s umaquesto social mas tambm de eficcia jurdica das normas dispostas naConstituio Federal de 1988, que lanou as bases para que o Estado agissena imposio de normas restritivas (ou at mesmo impeditivas) da publici-dade abusiva de alimentos dirigida crianas, pelo que resta evidente que,uma vez no havendo a efetiva regulamentao expressa acerca da publi-cidade de alimentos no-saudveis voltados para o pblico infantil, essasdisposies constitucionais mostram-se incuas. Assim, de ver-se que a prpria Constituio j prev a possibilidade deregulamentao expressa da publicidade, pelo que se faz interessante evi-denciar as seguintes disposies constitucionais: Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer na- tureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes: XXXII - o Estado promover, na forma da lei, a defesa do consumidor; Art. 220. A manifestao do pensamento, a criao, a expresso e a informao, sob qualquer forma, processo ou veculo no sofrero qualquer restrio, observado o disposto nesta Constituio. [...] 3 - Compete lei federal: II - estabelecer os meios legais que garantam pessoa e famlia a possibilidade de se defenderem de programas ou programaes de rdio e televiso que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, prticas e servios que possam ser no- civos sade e ao meio ambiente. Realizao: Apoio:
  • 14. 14 4 - A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcolicas, agro- txicos, medicamentos e terapias estar sujeita a restries legais, nos termos do inciso II do pargrafo anterior, e conter, sempre que necessrio, advertncia sobre os malefcios decorrentes de seu uso. Destarte, pela simples leitura do artigo 5 evidencia-se que o fato de oEstado agir, atravs de lei, para que o consumidor seja protegido direitofundamental conferido a todos. Assim, se se parte do postulado segundo oqual, sem regulamentao expressa no h eficcia da proteo da crianacontra a publicidade abusiva de alimentos no-saudveis, necessria ur-gentemente a atuao estatal nesse sentido, sob pena de estar-se tornandointeis normas constitucionais basilares. Tambm no tocante ao art. 220, pargrafo 3, fica clarividente que as dis-posies constitucionais so no sentido de haver a regulamentao expressada publicidade de produtos nocivos sade, como os alimentos no-saud-veis direcionados s crianas, sendo certo que a disposio do pargrafo 3 complementada acertadamente pelo pargrafo 4 que, embora no preve-ja de forma expressa a publicidade de alimentos no-saudveis em seu rol, amesma pode ser facilmente encaixada ali: a uma, porque o rol meramenteexemplificativo, admitindo elementos to ou mais passveis de causar danosdos que os expressamente previstos; a duas, porque, de fato, os alimentosno-saudveis so eminentemente perigosos e tm, de forma indiscutvel,ceifado a sade e a vida de crianas. Para Antnio Herman de Vasconcellos e Benjamin, o legislador deve es-tabelecer normas especficas acerca da publicidade e complementares aoCdigo de Defesa do Consumidor, entendendo-se a expresso legislaocomplementar como mais rigorosa que a do CDC por ser este diploma legalevidentemente um tanto quanto geral, especialmente no que diz respeito publicidade. Para o ilustre jurista, o sistema do CDC caracteriza-se por serum verdadeiro piso mnimo de tutela do consumidor.20 (grifos do autor) Atento a eminente necessidade de interveno na atividade publicitriaque se vale da vulnerabilidade e da hipossuficincia das crianas para atin-gir lucros cada vez mais exorbitantes, o Estado Brasileiro comeou a tomaralgumas iniciativas nesse sentido para resguardar os direitos infantis. No obstante as iniciativas estatais, de ver-se que elas chegam tardetendo em vista que at mesmo o debate acerca da publicidade abusiva diri-gida a crianas demorou a chegar no Brasil, sendo esse um tema um tantoquanto recente no Pas. Mesmo tarde, sempre oportuna a discusso daproblemtica e a conseqente proposio de iniciativas que possam resol-ver a situao em tela. A primeira proposta que se apresenta de iniciativa do Executivo, qualseja, o Regulamento Tcnico advindo da Consulta Pblica n 71/2006 re-alizada pela ANVISA.20 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Cdigo de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2007. p. 359. Realizao: Apoio:
  • 15. 15 A proposta, que versa sobre a publicidade de alimentos no-saudveis,foi publicada no dia 10 de novembro de 2006 e, durante um perodo de140 (cento e quarenta) dias recebeu contribuies e consideraes dosmais diversos setores da sociedade. A partir da j se pode observar oelemento democrtico do regulamento tcnico, que no foi simplesmen-te imposto, mas ouviu e recebeu inmeras contribuies e, inclusive, tevesua minuta original alterada.21 Seguidamente, a proposta vlida e j alterada foi submetida AudinciaPblica em 20 de agosto de 2009 onde puderam se manifestar diversos seto-res da sociedade, tanto contra como a favor das disposies do regulamento. Tal regulamento tcnico fora aprovado estabelecendo condies, dentreoutros, para a publicidade cujo objetivo seja a divulgao e a promoo co-mercial de alimentos considerados com quantidades elevadas de acar, degordura saturada, de gordura trans, de sdio, e de bebidas com baixo teornutricional (art. 1), estabelecendo ainda o objetivo de proteo sade e infncia, contribuindo para a promoo da alimentao saudvel da popu-lao, em especial das crianas (art. 2). Em princpio, importante observar que o regulamento tcnico j se mos-trava interessante por um aspecto essencial e at ento no observado pornenhuma regulamentao: em seu artigo 4 foram especificados os termosempregados durante a sua redao, o que, por certo, tornou sua aplicao faci-litada e gerou maior segurana jurdica tanto para publicitrios e comerciantes,quanto para o prprio consumidor. Assim, exemplificativamente, o regulamen-to definiu com preciso o que alimento com quantidade elevada de acar(inciso IV), o que consumo excessivo (inciso XVI) e o que propaganda/publi-cidade/promoo comercial de alimentos destinada s crianas (inciso XXXII). Nesse nterim, interessante consignar ainda que a proposta de regula-mento tcnico vedou de forma evidente a publicidade clandestina ou no--identificvel, na medida em que estabeleceu que toda publicidade, fosseela oral ou impressa, deveria estar claramente destacada no meio de todo ocontexto em que se inseria (art. 5 em seus incisos e alneas). Da mesma forma que o art. 220, pargrafo 4 da Constituio Federal oqual, rememore-se, dispe que sempre que produtos como tabaco, bebidasalcolicas, medicamentos e terapias forem objeto de pea publicitria devehaver uma advertncia sobre possveis malefcios que possam os mesmoscausar ao consumidor, o regulamento tcnico trouxe inmeras frases de ad-vertncia que deveriam ser veiculadas junto com a propaganda de alimentosno-saudveis consumidos em excesso, justamente para cientificar de for-ma clara o consumidor sobre o perigo desses produtos (art. 6, III). Em captulo especialmente direcionado crianas, a proposta de regula-mento tcnico da ANVISA restringiu as propagandas, as publicidades ou aspromoes especificamente referentes a alimentos potencialmente nocivos21 AGNCIA NACIONAL DE VIGILNCIA SANITRIA. Propaganda de produtos sujeitos vigilncia sanitria: detalhes da consulta pblica n. 71/2006. Disponvel em: . Acesso em: 14 nov. 2009. Realizao: Apoio:
  • 16. 16ao pblico infantil e vedou expressamente a utilizao de figuras, dese-nhos, personalidades e personagens que sejam cativos ou admirados poresse pblico alvo (art. 8). O regulamento restringiu a veiculao publicitria em rdio e televisodas vinte e uma s seis horas (art. 9). Tambm nos ambientes educacionaisou que prestam cuidados a crianas foi vedada a realizao da publicidadede alimentos no-saudveis (art. 10). Ainda o regulamento tcnico vedou aaluso ou incluso desses alimentos em materiais educativos (art. 13). Na mesma esteira seguia o artigo 12 que vedou qualquer tipo de propa-ganda, publicidade ou promoo comercial, inclusive merchandising, dire-cionada s crianas, de alimentos com quantidades elevadas de acar, degordura saturada, de gordura trans, de sdio e de bebidas com baixo teornutricional em brinquedos, filmes, jogos eletrnicos, pginas de internet,veculo ou mdia. Seguidamente, o regulamento proibiu que instituies deensino de qualquer natureza ou outras entidades pblicas ou privadas desti-nadas a fornecer cuidados s crianas recebessem incentivos financeirosou materiais quando da aquisio de alimentos (art. 17). Pois bem. Este regulamento tcnico, que mostrou-se to democrtico eque, por fim, buscou proteger de alguma forma as crianas contra a publici-dade nociva sua sade, fora submetido nova audincia pblica realizadaem 20 de novembro de 2009 a fim de que se discutissem os ltimos detalhesdo texto j consolidado. Ocorre que no ano de 2010 o regulamento sofreu um imensurvel retro-cesso ao suprimir do texto consolidado os ttulos II (Requisitos para propa-ganda, publicidade ou promoo destinada s crianas) e III (Requisitospara distribuio de amostras grtis, cupons de desconto, patrocnio e ou-tras atividades promocionais), reduzindo em muito os ganhos obtidos naproteo ao pblico infantil. Assim sendo, vrias disposies acima descritas foram alteradas (como,a ttulo de exemplo, os arts. 2 e 5), muitas outras excludas e, quanto sdisposies especialmente voltadas para o pblico infantil tem-se que nonovo regulamento tais disposies se resumiram ao captulo III, o qual pos-sui apenas um artigo, cujo teor se restringe a obrigar a veiculao do alertareferente aos perigos que os alimentos no-saudveis podem ocasionar sade das crianas. A impresso que se tem a de que, quanto a situao em voga, houve realdesperdcio de esforos e de oportunidade eis que tal modificao trans-formou possveis avanos na regulao da publicidade de alimentos no--saudveis voltados para o pblico infantil em meras disposies que poucacapacidade possuem de coibir efetivamente as prticas publicitrias ilegais. Ainda cabe salientar a iniciativa primorosa por parte do Legislativo, oprojeto de lei n 5.921/2001, que contou com diversas modificaes desdea apresentao de seu texto original elaborado pelo Deputado Luiz CarlosHauly, tendo o seu resultado atual desvirtuado em partes a idia original. Realizao: Apoio:
  • 17. 17 O projeto original previa a criao de um pargrafo 2-A em complemen-to ao artigo 37 do Cdigo de Defesa do Consumidor, que veda a publicida-de abusiva que se aproveite da deficincia de julgamento e experincia dacriana. A proposta proibia a publicidade que promova a venda de produtosvoltados apenas para o pblico infantil.22 Vrios substitutivos seguiram, che-gando ao atual. Este substitutivo, de autoria do Deputado Osrio Adriano, relator na CDEIC,contempla no uma lei especfica sobre a publicidade dirigida criana, massim um acrscimo ao pargrafo 2 do artigo 37 do Cdigo de Defesa do Con-sumidor. Atravs dessa proposta, inclui-se como abusiva a publicidade queseja capaz de induzir a criana a desrespeitar os valores ticos e sociais dapessoa e da famlia e que estimule o consumo excessivo.23 Algumas manifestaes surgiram contra a aprovao desse substituti-vo, tendo sido proposta at mesmo uma composio por parte do Deputa-do Jos Guimares que, em curta sntese, proibia todo e qualquer tipo depublicidade para crianas, inclusive de alimentos no-saudveis, porquantouma vez abusiva, vedada est a publicidade, com as ressalvas referente acampanhas de utilidade pblica referentes a informaes sobre boa alimen-tao, segurana, educao, sade, entre outros itens relativos ao melhordesenvolvimento da criana no meio social.24 O que ocorre que, uma vez na CDEIC, fora aprovado o substitutivo deautoria do Deputado Osrio Adriano, exatamente aquele mais convenientepara a indstria e para a publicidade. Curiosamente, o relator da CDEIC empresrio de um grupo econmico franqueado a grandes marcas mun-diais, dentre as quais est a Coca-Cola.25 Por fim, o substitutivo do projeto de lei aprovado passar por outras duasComisses na Cmara dos Deputados, quais sejam, a Comisso de Cincia eTecnologia, Comunicao e Informtica (CCTCI) e pela Comisso de Consti-tuio, Justia e Cidadania (CCJC) para que, ento, seja votada em plenrio.26 Finalmente, tendo por base tudo o que at agora foi falado, no h dvidasde que a publicidade de alimentos no-saudveis dirigida crianas deveser regulamentada por intermdio de lei especfica para que, em detrimentodas ganncias do mercado na busca do poder econmico e do lucro, sejamos direitos fundamentais desses seres to vulnerveis resguardados, afinal,22 BRASIL. Projeto de lei, n 5.921, de 12 de dezembro de 2001. Acrescenta pargrafo ao art. 37, da Lei n 8078, de 11 de setembro de 1990, que Dispe sobre a proteo do consumidor e d outras providncias. Disponvel em: . Acesso em: 14 nov. 2009.23 BRASIL. Substitutivo ao Projeto de lei, n 5.921, de 12 de dezembro de 2001. Acrescenta pargrafo ao art. 37 da Lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990, que dispe sobre a proteo do consumidor e d outras providncias. Disponvel em: . Acesso em: 14 nov. 2009.24 PUBLICIDADE infantil: proibio. Disponvel em: . Acesso em: 15 nov. 2009.25 HISTRIA da Brasal: de mos dadas com a histria. Disponvel em: . Acesso em: 14 nov. 2009.26 INSTITUTO ALANA. Projeto de Lei n: 5921/01: probe a publicidade dirigida criana e regulamenta publicidade dirigida a adolescentes. Disponvel em: . Acesso em: 14 nov. 2009. Realizao: Apoio:
  • 18. 18a sua exposio publicidade abusiva no os afeta to-somente mas tam-bm toda sociedade, razo pela qual a proteo dos direitos de poucos, narealidade, ser de todos.Consideraes Finais A publicidade de alimentos no-saudveis voltados especialmente para opblico infantil, de forma incontroversa, pode-se considerar um problemado mundo moderno. Tal afirmativa s possvel quando se perpassa pelaanlise do comportamento infantil frente a esse tipo de atividade comercial:a criana vulnervel aos apelos da propaganda, projetando seus anseiossobre o que a ela demonstrado, sem saber diferenciar o que bom ou ruime at mesmo sem saber que est exposta publicidade, tendo em vista quecrianas muito pequenas possuem dificuldades de identific-la. a partir da que pode-se afirmar que a publicidade voltada para crianastorna-se um problema, especialmente aquela referente a alimentos no--saudveis: a criana se alimenta de um produto que, muitas vezes, anun-ciado como algo inofensivo sade ou at mesmo como fonte de importan-tes nutrientes e, por fim, acaba se sujeitando a inmeras mazelas como aobesidade ou at mesmo doenas coronarianas. Nesse aspecto, no obstante a vida e a sade restem prejudicadas, tambmos direitos fundamentais liberdade, dignidade e ao respeito so violadosporquanto a publicidade busca influenciar negativamente a criana ao se valerde sua inexperincia e de sua imaturidade para vender um produto que, po-tencialmente, a far mal. Da poder-se afirmar que dita publicidade abusiva. Certo que as normas de auto-regulamentao publicitria possuemum importante papel na coibio desses abusos, entretanto, por si s, esseinstrumentos no so capazes de barrar de forma definitiva a propagandaabusiva de alimentos no-saudveis destinados crianas, especialmenteno Brasil, local onde comprovadamente as grandes multinacionais no pa-recem estar muito interessadas em seguir padres ticos na publicidade dealimentos que comercializam. Mesmo os acordos que tm sido realizadoscom a finalidade de exterminar a publicidade abusiva e de estabelecer maiorsegurana para o consumidor acerca do que se est ingerindo atravs deuma propaganda verdadeira, genuna, na verdade no passam de falcias. Assim, entra em cena a necessidade de regulamentao expressa, ou seja,aquela realizada pelo Estado, a fim de dar efetividade s normas constitucionaise infra-legais que visam a proteo da criana contra a publicidade abusiva. Frise-se que o que se prope no uma legislao arbitrria que vedetodo e qualquer tipo de publicidade dirigida criana, mas sim uma normalegtima, que atente para os princpios democrticos, que seja especfica so-bre o tema em evidncia e que vede de forma efetiva os abusos cometidos napublicidade de alimentos no-saudveis dirigidos crianas. Imperioso se faz salientar que o Poder Pblico j tem se movimentadonesse sentido, como pode-se inferir pela proposta de regulamento tcnico Realizao: Apoio:
  • 19. 19lanada pela ANVISA e pelo Projeto de Lei n. 5.921/2001, todos referentes publicidade voltada para o pblico infantil, muito embora sobre a temticaalimentos no-saudveis a proposta da ANVISA se mostre mais pertinentepor possuir um nvel de especificidade maior. Finalmente, a concluso a que se pode chegar a de que no pretende--se com a regulamentao expressa exterminar a publicidade por comple-to, mas sim evitar que abusos se configurem nela, at porque reconhece--se a importncia da publicidade para o desenvolvimento, seja ele social oueconmico-financeiro. A idia a harmonizao entre auto-regulamentaoe regulamentao expressa, de forma que juntos esses dois instrumentosnormativos, consubstanciados no chamado sistema misto de controle, pos-sam proteger de forma eficaz os direitos fundamentais da criana, seres tovulnerveis e dependentes da proteo do Estado, da famlia e da sociedade. Realizao: Apoio:
  • 20. 20Referncias bibliogrficas AGNCIA NACIONAL DE VIGILNCIA SANITRIA. Propaganda de produtos sujeitos vigilncia sanitria: detalhes da consulta p- blica n. 71/2006. Disponvel em: . Acesso em: 14 nov. 2009. BENJAMIN, Antnio Herman V.; MARQUES, Cludia Lima; MIRA- GEM, Bruno. Comentrios ao Cdigo de Defesa do Consumidor. 1.ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 482. BRASIL. Projeto de lei, n 5.921, de 12 de dezembro de 2001. Acres- centa pargrafo ao art. 37, da Lei n 8078, de 11 de setembro de 1990, que Dispe sobre a proteo do consumidor e d outras pro- vidncias. Disponvel em: . Acesso em: 14 nov. 2009. BRASIL. Substitutivo ao Projeto de lei, n 5.921, de 12 de dezembro de 2001. Acrescenta pargrafo ao art. 37 da Lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990, que dispe sobre a proteo do consumidor e d outras providncias. Disponvel em: . Acesso em: 14 nov. 2009. CONSELHO NACIONAL DE AUTORREGULAMENTAO PUBLICIT- RIA. Uma breve histria do CONAR. Disponvel em: . Acesso em: 14 nov. 2009. CRESCE o ndice de obesidade infantil no pas. Jornal Ponto Final. Disponvel em: . Acesso em: 14 nov. 2009. GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Cdigo de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9.ed. Rio de Janeiro: Fo- rense Universitria, 2007. p. 359. HENRIQUES, Isabella; TRETTEL, Daniela. Publicidade de Ali- mentos Dirigida ao Pblico Infantil. In: MESA REDONDA SOBRE PUBLICIDADE DE ALIMENTOS DIRIGIDA AO PBLICO INFAN- TIL, 2009, So Paulo. Disponvel em: Acesso em: 07 set.2009. Realizao: Apoio:
  • 21. 21HENRIQUES, Isabella Vieira Machado. Publicidade abusiva dirigida criana. So Paulo: Juru, 2008. p. 137.HISTRIA da Brasal: de mos dadas com a histria. Disponvel em:. Acesso em: 14 nov. 2009.INDSTRIAS de alimentos assumem compromisso espontneo sobrepublicidade dirigida s crianas. Disponvel em: . Acesso em 10 out. 2009.INSTITUTO ALANA. Projeto de Lei n: 5921/01: probe a publicida-de dirigida criana e regulamenta publicidade dirigida a adoles-centes. Disponvel em: . Acesso em: 14 nov. 2009.INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Publi-cidade infantil: multinacionais no aplicam padres internacio-nais no Brasil. Disponvel em: . Acesso em: 13 nov. 2009.PUBLICIDADE infantil: proibio. Disponvel em: .Acesso em: 15 nov. 2009.VASCONCELOS, Ana Beatriz. Regulamentao da Publicidade deAlimentos: A Viso da Sade Publica. In: MESA REDONDA SO-BRE PUBLICIDADE DE ALIMENTOS DIRIGIDA AO PBLICO IN-FANTIL, 2009, So Paulo. Disponvel em: . Acesso em: 27 ago.2009. Realizao: Apoio:
  • 22. 22Criana de papel: representaes dascrianas nos jornais pernambucanos1 [Andra Maciel Aquino]2 [Isaltina Maria de Azevedo Mello Gomes]3Em um mundo exaustivamente dito fragmentado e mltiplo parece haverum lugar estvel, sempre igual para todos: a infncia. De fato, todos os ho-mens e mulheres nascem pequeninos e, aos poucos, podem ganhar alturae peso at que param de crescer. Por esse ngulo, a infncia seria um traocomum, um tipo de comunidade que une a toda a humanidade em algummomento. E, alm disso, ainda teria o atributo (mgico em tempos de mu-danas aceleradas) de ser a nica comunidade eterna afinal, ainda queseus membros mudem, enquanto houver novas vidas, haver infncia. Essa impresso de imutabilidade enganosa. Pertencer a uma mesma fai-xa etria no suficiente para garantir unidade. Para notar isso basta olharos meninos e meninas nas esquinas dos semforos, para quem chicletes sofontes de renda, e no apenas objetos de desejo. Talvez eles nunca tenhamprovado a infncia-doce que outros experimentam. Mas no so apenas elesque mostram o avesso da ideia de infncia comum. Menores, meninos derua, estudantes, aprendizes, anjos, pequenos - o amplo vocabulriotestemunha contra a pretensa identidade nica e imutvel da infncia. Emsuma, no se pode definir o que ser criana tendo em vista apenas trans-formaes biolgicas da chamada fase de crescimento isso seria tornarnatural uma categoria que histrica e social. Categoria essa que, como asdemais percepes de mundo, se faz presente nos textos jornalsticos.Mdia e construo social da realidadeNas sociedades contemporneas, a mdia mediadora entre o ser huma-no e o seu amplo mundo (MEDITSCH, 1992). As informaes circulam, emgrande medida, atravs dos meios de comunicao massivos, criando umaviso ampliada do presente social, que no fica restrita ao universo ime-diato, como a famlia, a vizinhana e o ambiente de trabalho (VILCHES apudPEREIRA JNIOR, 2006). Ao ampliar a viso e concepo de mundo, o jornalismo atua como umconstrutor social da realidade. Essa construo se d ainda pelo fato de ojornalismo recortar os acontecimentos de seus contextos e hierarquiz-los,1 O presente artigo foi apoiado pela ANDI Agncia de Notcias dos Direitos da Infncia, no mbito do Programa InFormao Programa de Cooperao para a Qualificao de Estudantes de Jornalismo e do Instituto Alana no mbito do Projeto Criana e Consumo. Os contedos, reflexes e opinies constantes deste trabalho, bem como do Projeto que a ele deu origem, no representam, necessariamente, as opinies das instituies apoiadoras.2 Graduada em Comunicao Social com habilitao em Jornalismo, pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Atualmente trabalha como assessora de comunicao do Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia de Pernambuco-IFPE.3 Professora do Departamento de Comunicao Social e do Programa de Ps-Graduao em Comunicao da Universidade Federal de Pernambuco da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Realizao: Apoio:
  • 23. 23indicando o que deve ser considerado atual e relevante. Alm disso, os textosjornalsticos pautam a sociedade gerando conhecimento, dando respostasaos problemas do dia-a-dia e agendando debates que podem proporcio-nar pontos de vista e intervenes sobre o mundo. As matrias em jornaisno so meros reflexos da realidade e podem influenciar na forma comoas sociedades e seus participantes se configuram. As notcias participamda realidade social em que se inserem, constituindo referentes coletivos,modificando e construindo tal realidade (SOUSA, 2002). E, portanto, tambmmoldam as ideias que se tem da infncia. Essas definies e observaes sobre o jornalismo e seu papel de cons-trutor dialtico da realidade so as que a Anlise de Discurso Crtica (ADC)estende aos discursos com um todo. Como afirma Fairclough, os discursosno apenas refletem ou representam entidades e relaes sociais, eles aconstroem ou as constituem (2001, p.22). O discurso uma prtica, noapenas de representao do mundo, mas de significao do mundo, cons-tituindo e construindo o mundo em significado (Ibidem, p.91). Em outraspalavras, o discurso contribui para a construo dos tipos de eu e das iden-tidades sociais, das relaes sociais entre as pessoas e dos sistemas deconhecimento e crena. Dessa forma, ele se constitui como prtica tantopoltica quanto ideolgica. Enquanto prtica poltica, o discurso estabelece,mantm e transforma as relaes de poder e os grupos entre os quais essasrelaes de estabelecem; como prtica ideolgica, age sobre os significa-dos do mundo de posies diversas nas relaes de poder, constituindo-os,naturalizando-os, mantendo-os e transformando-os (FAIRCLOUGH, 2001).O que est em jogo nesses processos o poder de grupos, estabelecido emforma de hegemonia, ou seja, em constante negociao, no sentido de ummodo de dominao que se baseia em alianas, na incorporao de grupossubordinados e na gerao de consentimento (ibidem, p. 28). Tais acordosso temporrios, sempre passveis de renegociao e redefinio. Para a presente anlise, dois pontos so de essencial interesse: o esta-belecimento de sensos comuns (os acordos hegemnicos) em relao infncia e as mudanas pelas quais eles passam historicamente. Para Fair-clough, baseado em Gramsci, no senso comum as ideologias se tornamnaturalizadas ou automatizadas (p. 123). A essa viso, consideramos im-portante acrescentar a de senso comum como representao social, termousado no mbito da Psicologia Social. As representaes sociais so smbolos construdos e compartilhados poruma sociedade. S (1996), referindo-se ao conceito usado por Denise Jo-delet, afirma que a representao social uma forma de saber prtico queliga um sujeito a um objeto, este ltimo podendo ser de natureza social, ma-terial ou ideal. Em relao ao objeto, a representao se encontra em umarelao de simbolizao (est no seu lugar) e de interpretao (confere-lhesignificados), sendo expresso de um senso comum, de uma naturalizaode ideias, conceitos e prticas, e, como tal, constituinte da vida cotidiana das Realizao: Apoio:
  • 24. 24pessoas (FORGAS apud ALEXANDRE, 2004). Nos textos jornalsticos (sejam notcias, artigos, editoriais, fotografias),essas representaes sociais, que do sentido ao cotidiano, so apresenta-das e, por vezes, contestadas na busca da construo de um novo sentido ede um novo senso comum (MORETZSOHN, 2007). Por isso, consideramos ojornalismo lugar privilegiado de observao das representaes sociais dainfncia, das formas que elas se relacionam entre si, de duas formas de re-lao de poder, de como elas se modificam e ainda como buscam em outrosdiscursos (cientficos, religiosos, econmicos etc.) argumentos e autoridadepara sua legitimao.A pesquisaO objetivo da pesquisa foi observar a variabilidade e a mudana histricanos sensos comuns sobre a infncia. Para tanto, foram analisados os jornaispernambucanos Dirio de Pernambuco e Jornal do Commercio publicadosem pocas festivas geralmente relacionadas infncia (o Dia das Crianase o Natal) entre 1939 e 1999. Todo o material foi coletado no Arquivo PblicoEstadual Jordo Emerenciano (APEJE), exceto parte da Semana da Crianade 1995 do Diario de Pernambuco, em que acessamos a verso online doperidico disponvel na Internet. As dcadas escolhidas para compor o corpus marcam pontos importantespara a histria da criana no Brasil. O Dia das Crianas, 12 de outubro, foiinstitudo nacionalmente alguns anos antes de 1930 (em 1924). Em 1930,foi criado o Ministrio da Educao e Sade Pblica, um dos primeiros atosdo governo provisrio de Getlio Vargas. No perodo getulista, o Brasil davaseus primeiros passos no desenvolvimento do capitalismo industrial e ascrianas eram vistas como o futuro da nao, a mo de obra que deveriaser educada para promover esse desenvolvimento do pas. A preocupao com a infncia se intensificou nas dcadas seguintes. Apartir, principalmente, da dcada de 1960 se intensifica a representaoda criana ligada no apenas ptria e seus destinos, mas sociedadede consumo. Os produtos tornam-se uma forma de adentrar a vida mo-derna. Os anncios so voltados para os pais, apesar de apontar produtosdestinados aos filhos. Com o passar dos anos, a criana foi includa na so-ciedade de consumo no apenas como o filho do consumidor, mas comoo prprio consumidor, fenmeno que se intensificou com o surgimento epopularizao da televiso. No final da dcada de 1980 e comeo dos anos 1990, ganha fora o movi-mento pela redemocratizao do pas. As agendas sociais brasileiras sefortalecem, entre elas a dos direitos da criana, tendo como pice a priorida-de constitucional dos direitos de crianas e adolescentes e ainda o Estatutoda Criana e do Adolescente, em 1990.Representaes sociais das crianas Realizao: Apoio:
  • 25. 25O corpus da pesquisa composto por 894 textos. Dele fazem parte matriasescritas para o pblico adulto e que falam diretamente sobre Natal e Dia dasCrianas. O objetivo foi fazer um inventrio das representaes sociais dainfncia nesse perodo do sculo XX e ajudar a compreender como os sensoscomuns sobre a infncia se configuram e como eles contribuem para legiti-mar ou modificar os papeis das crianas na sociedade. Entre os pontos que buscamos identificar nos textos esto: de que crian-a se fala; quem fala; como essa criana includa nas festividades e nasociedade; como a voz das crianas includa (ou no) nos textos; quepapis sociais ocupam cada representao de criana. A partir desses cri-trios, delineamos as representaes de criana mais frequentes, as quaisexplicaremos a seguir.Criana pobre a que precisa de ajuda. A criana pobre aparece principalmente nos textospublicados durante o Natal e representada como receptora dos frutos dasolidariedade. Os textos comemoram a filantropia promovida por grupos di-versos em cada poca - damas da sociedade at os anos 1960, entidadesde assistncia at os anos 1990, governos entre 1970 e 1980 etc. Os filantro-pos distribuem presentes, fazem festas, levam alegria criana pobre, serindefinido que s existe enquanto massa. Nos textos sobre as aes filantrpicas, a definio da criana pobre umprocesso de violncia simblica: ela sempre representada como carente,dependente do auxlio e da caridade de quem pode ajudar. A incluso de suavoz no texto o humaniza, mas tambm serve para reforar sua dominao,naturalizando-a e incentivando-a. A criana apresentada apenas como olado passivo e receptor da relao de poder. A expresso criana pobre para definir uma massa de seres indistintosentre si e sem voz torna-se mais escassa nos textos a partir de 1970. O adje-tivo pobre substitudo por outros ou, no texto, usado junto a diferentesqualificaes carente, abandonada, de rua. Nos anos 1980 e 1990, asmatrias sobre as entidades beneficentes, ainda que citem as festas em si eos filantropos, do maior nfase descrio das atividades das instituies.O jornal usado como espao de visibilidade e legitimao das organiza-es: cabe ao peridico usar sua credibilidade para apontar exemplos deboas aes, aquelas que merecem aplausos e, principalmente, doaes ouapoio pblico para se manterem.Menor delinqente No Natal dos anos 1950, a criana pobre ganha mais duas alcunhas:menor delinquente e menor abandonado. Os novos rtulos se configuramcomo olhares institucionalizados da criana baseados, principalmente nosdiscursos Policial e Jurdico4. A representao social da criana delinquente4 O Cdigo de Menores de 1979, substituto do de 1927, eliminava as rotulaes abandonado, delinquente, transviado, infrator, exposto etc. Os casos de competncia do juiz de Menores passaram a ser os denominados de situao irregular. Realizao: Apoio:
  • 26. 26, desde o princpio, um processo disciplinar: o menor apresentado comoalgum que precisa ser recuperado para trabalhar e ser til sociedade. Em um pas que buscava o progresso, a modernizao econmica, defendia--se uma moral baseada na produtividade e na negao do cio, como vemosnum trecho de texto de 23 de dezembro de 1959, publicado no DP, referente ampliao de um reformatrio, numa rea afastada do centro do Recife: [...] Agora, os menores criminosos que proliferam, de preferncia, no centro comercial, sero levados para o Reformatrio de Pacas, onde as autoridades acreditam que se recuperaro. [...] reportagem do DIARIO adiantou o delegado Moazyr Sampaio que a limpeza na cidade no ser realizada, como at agora vem sen- do, apenas pelo pessoal da Delegacia de Investigaes e Capturas. Investigadores de menores e os prprios componentes da Polcia Especial de Menores j tm ordens para deter todo menor que for encontrado perambulando pela cidade. Os desocupados sero le- vados para o Juizado. Caso seus genitores se mostrem alheios ou indiferentes situao, ento o pequeno ser encaminhado para o Reformatrio de Pacas, onde aprender a ganhar a vida honesta- mente. [grifos nossos] Os meninos que perambulavam pelo centro comercial eram a sujeiraque se queria eliminar do espao urbano. Seu atributo principal estaremdeslocados, fora do lugar, como prprio da sujeira. Eles so consumi-dores falhos (BAUMAN, 1998), os que, no templo do consumo, no podemou no querem consumir. So enfim, um obstculo para a pureza, para aordenao do ambiente. Nos anos 1970 e 1980, h tanto textos exaltando o papel dos reformatriosquanto os que questionam a recluso. No havia, portanto, unanimidade so-bre o que se deveria fazer com essas crianas - o nico ponto de acordo quese deveria fazer algo. O destino dos infratores torna-se questo bastantediscutida na dcada de 19905. O jornal se configura, ento, como um lugarem que diferentes pontos de vista se encontram e confrontam em busca devisibilidade e legitimao. Na discusso, os leitores participam atravs decartas, personalidades so entrevistadas e o jornal tambm se posicionavaem editoriais. A disputa do tratamento da infncia passa a ser claramentediscursiva, feita atravs dos jornais, independente do lado o qual se escolha.Criana vtimaPobreza, abandono da famlia, violncia. A partir de 1979, Ano Internacionalda Criana, problemas sociais da infncia surgem no espao discursivo do5 Entre os fatores que parecem ter contribudo para que questes relacionadas infncia e criminalidade entrassem em pauta esto o advento do Estatuto da Criana e do Adolescente (1991), a ao de grupos de extermnio de crianas (1991) e rebelies nos reformatrios (1995). Realizao: Apoio:
  • 27. 27jornal. A criana representada como um ser que precisa ser protegido demales que passam a ser encarados como chaga da sociedade: trabalho in-fantil, prostituio, problemas na educao, altas taxas de mortalidade. A primeira criana vtima o menor abandonado. Em um editorial do DPpublicado 24 de dezembro de 1959, os nomes abandonado e delinquen-te so usados como sinnimos. Mas esse no o principal sentido que aexpresso menor abandonado assume. S a partir de 1979 os menoresabandonados passam a ser representados explicitamente como vtimas: soos que no tm residncia, nem assistncia (pblica, privada ou da famlia).O menor abandonado era o que circulava sozinho ou em bando pelas ruasda cidade cometendo pequenos crimes. Mas mesmo quando representadocomo delinquente, os textos apelam para sua condio de vtima. A questo dos menores/crianas abandonados apresentada no tex-to por um enunciador que pretende causar indignao e cobra solues.Quando o texto no tem a voz de crianas especficas (identificadas, porexemplo, pelo nome), a representao do menor abandonado limita-se aestatsticas, generalizaes e juzos de valor publicados, principalmente,em colunas a artigos de opinio. Quando a voz e a identificao da criana so includas no texto, a crianadeixa de ser estatstica e humanizada, mas ainda vista dentro da catego-ria englobante: ao mesmo tempo em que a criana-personagem desse tipode matria aparea com suas caractersticas individuais, ela metonmia,parte de um todo a massa dos abandonados. Alm da criana abandonada, vtima de problemas diversos, h tambmas vtimas especficas, representadas como sofredoras de males particu-lares, como a prostituio e o trabalho infantil. Tal representao da crian-a, filha do Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), surge nos anos1990 e localiza a resoluo dos problemas na esfera das polticas pblicasnacionais, com participao dos governos e da sociedade. Nessa represen-tao, o espao miditico esfera fundamental, parte da prpria poltica dedefesa: o Dia das Crianas usado como gancho jornalstico para que asrepresentaes aflorem.Criana vencedoraNa dcada de 1960, surge a representao de um tipo de infncia que nasceno seio do crescimento da importncia comercial do Dia da Criana e da po-pularizao da TV como lazer infantil. Se, antes, a ddiva (a alegria, a bonda-de, os presentes etc.) era representada como algo comum a toda e qualquercriana, a infncia da emergncia da sociedade de consumo aquela dadiferena, que se destaca, seja por sorteio ou outro critrio. a criana vencedora seja a que comprou uma boneca de marca (Con-curso Estrela Premiou 3 Felizardos: Edilene E Seu Pai Viajaram Ontem A SoPaulo - DP, 13 de outubro de 1963) ou a que tira boas notas (Boa aluna re-cebe distino - JC, 12 de outubro de 1967). Essa representao fortemente Realizao: Apoio:
  • 28. 28ligada a promoes de grandes empresas, mas tambm a atividades em es-colas. O que h em comum a todos os textos dessa categoria que os presen-tes so prmios s crianas com mrito, e no ddivas a qualquer criana.Criana da TVAs representaes de crianas como telespectadoras se dividem em doismomentos. O primeiro deles da chamada poca de ouro da televiso per-nambucana, nos anos 1960. O segundo nas dcadas de 1980/90, com oboom dos programas infantis produzidos por redes do eixo Rio-So Paulo.Entre esse dois momentos, h um intervalo, a dcada de 1970, quando tantoo DP e quanto o JC ficaram mudos em relao ao tema da criana telespec-tadora. Esse perodo coincidiu com o perodo de crise das emissoras locaisde TV, TV Rdio Clube e TV Jornal. Nos anos 60, os programas televisivos eram extremamente ligados aosseus patrocinadores, que promoviam tambm concursos dentro da progra-mao, o que nos permite identificar que a representao da criana queassiste TV, desde os primeiros anos da telinha, j estava relacionada aoconsumo. A mistura de contedo e propaganda que marca as produes au-diovisuais infantis se estende aos textos jornalsticos sobre a programao.Os textos, que citam diversas empresas, tm um duplo carter: notciacom cara de publicidade, ou vice-versa. As crianas aparecem como pblicoe atrao do programa de auditrio, mas no tm rosto ou voz. O programa mostrado, principalmente, como um espao ldico para que elas e o pais sedivirtam. No texto no h qualquer referncia a contedo educativo.6 Nos anos 1980, quando as crianas voltam a ser representadas como te-lespectadoras, as notcias se voltam para programas transmitidos para todoo Brasil e produzidos nas chamadas cabeas de rede, emissoras do Riode Janeiro e de So Paulo. As notcias sobre os programas especiais (comoos transmitidos no Natal) citam pontos que podem gerar interesse no es-pectador sem, contudo, explic-los detalhadamente - indicam, por exem-plo, locaes do programa, convidados especiais, sinopse do roteiro. J asreportagens sobre a programao cotidiana so estruturadas tanto comoapresentao quanto como crtica/comentrio do que exibido. Nesses ca-sos, os textos impem-se como o do especialista em televiso e educao,que aponta aos pais o que h de bom no programa infantil. A tendncia, po-rm, criminalizar os pais ausentes (e no as emissoras) pelos problemasque a TV pode causar s crianas. A culpa dos danos seria dos pais que notm tempo nem nimo para controlar seus filhos.Criana do consumoAntes dos anos 1960, as crianas dos textos dos jornais no eram relacio-nadas ao consumo. A relao criana, produto e notcia inaugurada comtextos sobre programas de televiso, citando o nome dos patrocinadores do6 Em 1999, como especial do Dia das Crianas, a TV Jornal fez um programa ao vivo do antigo auditrio da Rdio Jornal, num claro resgate do formato que marcou os tempos ureos da emissora. Realizao: Apoio:
  • 29. 29espetculo. Mas o tema s surge com fora nos anos 1980. O movimento docomrcio, os presentes mais procurados, a angstia dos pais na hora dascompras emolduram a representao de uma criana que feliz por ter pre-sentes e que amolam os pais para t-los. Nos textos, os pais aparecem como vtimas de filhos insensveis, influen-ciados pelas propagandas de TV, crianas que esperneiam para ter os brin-quedos que desejam. Os pais, tios, avs cedem ou no aos pedidos porpresentes especficos, mas no cedem ao ato de comprar os presentes. Ho-menagear as crianas dar presentes. Essa relao quase obrigatria no nova j existe, por exemplo, no texto do DP publicado em 25 de dezem-bro de 1959 e nas distribuies de brindes a crianas pobres. A partir dosanos 1980, porm, as crianas no aparecem como pacficas receptoras dospresentes: elas no mediam esforos para conseguir o brinquedo favorito(JC, 11 de outubro de 1987), brinquedo que tambm no um annimo qual-quer: a boneca da Xuxa, a Barbie, a bicicleta da Gatina. O consumo a ordem do Dia das Crianas. E tambm do Natal, ainda que seja menosrecorrente nos textos do perodo natalino a ligao direta entre criana econsumo no perodo. A sugesto de presentes marcante em diversas matrias publicadas.Diferente da publicidade, que busca seduzir para o consumo, os textos jor-nalsticos tentam convencer que os pais estaro comprando o melhor paraseus filhos e seus bolsos. Nessa ponte comercial entre a data e os peque-nos homenageados, os textos, em menor proporo, tambm representamos pais que no podem dar presentes e as crianas que apenas sonham combrinquedos. Geralmente, aparecem ao lado de informaes sobre comprasno perodo festivo e, dessa forma, reforam a ideia de um pas e de uma ci-dade de contrastes, em que o desejo igual para todos (igualmente estimu-lados pela TV), mas o consumo (e a alegria) no para todo mundo. Nos anos 1990, surge um hbrido do discurso comercial e o do Estatuto daCriana e do Adolescente: a criana, sujeito de direito... ao consumo. Os ttulosdas matrias sobre produtos e eventos so quase palavras de ordem: Crianastm direito a brinquedos e shows no Centro Esportivo (JC, 12 de outubro de1991), Criana tem direito a conforto nos ps (DP, 13 de outubro de 1991), So-nhar com Papai-Noel um direito (JC, 24 de dezembro de 1995). Tambm nosanos 1990, os protagonistas dos textos passam a ser as crianas, representadascomo independentes, com vontades prprias de consumo e que quase sempreconseguem o que querem: brinquedo, celular, biscoito, vdeo-game...Criana no espao pblicoLugar de criana era em casa ou na instituio de ensino - consequente-mente, as notcias sobre festas das crianas, o Natal e o Dia das Crianas,relatavam eventos nesses respectivos espaos. Mas isso s se deu at o finaldos anos 1960, quando encontramos as primeiras matrias sobre a ocupa-o infantil do espao pblico. Realizao: Apoio:
  • 30. 30 Controle, planejamento e nenhum contratempo so as caractersticasdos primeiros registros dos jornais de uma presena aceita (e pontual) dacriana nos espaos pblicos7. As programaes so em locais isolados oufechados temporariamente s para as crianas. Entre os temas recorrentesesto os passeios de trem ou metr, voltados principalmente para gruposescolares previamente inscritos. A partir do final dcada de 1980, a criana representada como provo-cando um alegre descontrole nos espaos pblicos. Os eventos de que par-ticipam (no Dia das Crianas) so em praas e parques abertos a qualquerparticipante. So comuns os usos de verbos e expresses como invadiram,tomaram conta e termos afins. Nos textos, o Dia das Crianas apresentadocomo perodo em que se pode ser criana idilicamente - ao ar livre, brincan-do, sem hora marcada, sem regras, sem tantos cuidados e controles. Tudoo que no ocorreria nos demais dias do ano. A data apresentada como ummomento ocasional de liberdade infantil.Criana encantada e criana antenadaNos textos natalinos de 1959 surge um arqutipo de criana angelical, aque chamaremos de criana encantada. A criana representada comosinal de paz, concrdia e bondade. Seja de qualquer classe social, ela estalienada de toda preocupao. Essa paz infantil ressaltada nos textosem oposio desordem e aos problemas do mundo. H uma idealizaoda infncia que serve de instrumento para criticar a sociedade de ento. Acriana vista como professora do homem e da mulher, e no o contr-rio: ser como criana, mesmo quando se adulto, seria uma soluo paraconstruo de um mundo melhor. H outro tipo da criana, que lembra a encantada por ser usada paracriticar o mundo e seus problemas, mas a essa chamaremos criana ante-nada. Ela est longe da alienao: com voz e rosto, ela fala dos problemasda atualidade e aponta solues. A criana antenada representada comoa dona de um saber escondido na inocncia e tambm como uma crianamais adulta. O argumento dos textos que o mundo das crianas de suaspocas j no era tanto da fantasia: elas refletiriam sobre o mundo e seusproblemas. Na introduo de cada discurso relatado infantil, geralmenteo enunciador-jornalista interpreta o que foi dito pela criana, complexifi-cando o sentido da fala. Os discursos relatos das crianas so utilizados notexto para embasar uma crtica ao contexto poltico, econmico e social. Avoz da criana usada, no Dia da Criana, como a de uma autoridade, maso enredo e a crtica (e a tendncia de sentido crtico) so moldados pelasintervenes do enunciador-jornalista.Criana na polticaComo o Carnaval o perodo do reinado de Momo, o Dia da Criana tambmtem (ou teve) os seus governantes: os polticos-mirins. Eles so os pri-7 Em contraponto presena que no era desejada: a da criana de rua e do menor delinquente. Realizao: Apoio:
  • 31. 31meiros personagens de um envolvimento (ainda que de brincadeira) dascrianas com o mundo poltico. Mas no so os nicos. H ainda reporta-gens sobre os pequenos-cidados, as crianas questionam polticos sobreos destinos da cidade e do pas. Nomeados por sorteio ou eleitos, a partir de 1971, os polticos-mirinspassaram a ser assunto de uma inusitada cobertura jornalstica que,em alguns momentos, pendeu para a propaganda oficial e, em outros,para a crtica s polticas pblicas. Cada passo do mini-poltico era no-ticiado. Sua trajetria, porm, no era mostrada como algo de sua es-colha. A criana aparece como passiva, levada ao bel prazer dos adultose polticos de fato. A saga dos polticos-mirins s aparece nos jornais da dcada de 1970.Mas a poltica no deixou de ser assunto de criana, ainda que s nos diasprximos ao 12 de outubro. A voz da criana convocada para questionargovernantes sobre polticas pblicas para a infncia e tambm questesmais abrangentes, como desemprego, meio ambiente e violncia. Os tex-tos costumavam ser publicados em formato de entrevista, em sucessesde perguntas e respostas, o que cria um efeito de autenticidade. As crianas so representadas como francas, naturais, alegres, capazesde eliminar os protocolos mesmo em situaes que seriam formais, comoencontrar o presidente da Repblica no Palcio do Planalto e, justamen-te por essa espontaneidade, capazes tambm de fazer perguntas difceisde forma simples e despreocupada. Nos casos em que os encontros entrecrianas e polticos foram promovidos pelos meios de comunicao, a es-pontaneidade foi substituda por seriedade e regulao a partir das regrasdo meio. A criana vira reprter, entrevistador, e assim apresentada,portando-se seriamente como um profissional.ConclusoInfncia, etimologicamente, deriva do latim infans, incapaz de falar vi. esseexatamente o principal papel que coube a tantas representaes de crianas nostextos publicados no DP e no JC8: a criana terceira pessoa, aquilo sobre o quese fala, sem ser pontuada por qualquer marca de fala seja em discurso diretoou indireto. Os textos se configuraram como espaos feitos por um eu adultoque fala sobre crianas genricas sejam as delinquentes, vtimas, encantadas... Se se pode falar em alguma revoluo na representao da infncia nostextos jornalsticos do sculo XX, essa foi, de certo, a entrada da voz da crian-a nos enunciados. At a dcada de 1960, as crianas eram representadascomo grupo, nunca individualizadas. A partir de 1963, encontramos textosem que a criana tem nome, e sua opinio, em discurso direto ou indire-to, compe a polifonia do texto. Essa mudana, porm, ocorreu dentro dasrepresentaes sociais da infncia: as vozes passaram a ser exemplos dosgrupos de crianas. O paradoxo que quando se escapa da mudez infantil,8 Latin Dictionary and Grammar Aid (University of Notre-Dame). Disponvel em: . Acesso em: 26 out. 2009. Realizao: Apoio:
  • 32. 32as vozes das crianas aparecem como argumento de um sentido costuradopara alm da prpria criana, reforando, por vezes, relaes de poder oupontos de vista dos enunciadores adultos. Os lugares impostos s crianas so to mltiplos quanto as suas represen-taes. As crianas que perambulam pelas ruas so abandonadas ou delin-quentes. As que ocupam o espao pblico nas comemoraes de 12 de outubroso apenas crianas. As pobres j foram definidas como a dos morros, crregose alagados e depois se tornaram as que frequentam instituies beneficentes.Em todas as representaes, porm, h uma preocupao de se enquadrar ascrianas no tempo e no espao contra o cio, em alguns momentos; a favor dalivre brincadeira em outros; por vezes apoiando a ocupao do espao pblico,mas tambm criminalizando a livre circulao pelo centro comercial. As crianas so representadas majoritariamente como moldveis, edu-cveis, modificveis, como argila nas mos de oleiros (adultos). As diversasrepresentaes convergem para a ideia de uma criana como ser em cons-truo. O momento presente das crianas, ento, deveria ser controlado emfavor de um futuro que pode ser o da Nao ou o do adulto. Por causa da correlao constante entre controle e utilidade, conside-ramos que as representaes da criana inscrevem-se como parte de umprocesso disciplinar. As disciplinas, de acordo com Foucault (1987), so m-todos que permitem o controle minucioso das operaes dos corpos, sujei-tando suas foras e impondo-lhes uma relao de docilidade-utilidade. A criana passiva, enquadrada ou enquadrvel no texto e na sociedade,torna-se ativa quando representada como consumidora. com a ascensodo mercado em fase de crescimento que as crianas passam a surgir nostextos com vontades prprias, s vezes opostas dos pais e responsveis.As crianas amolam os pais na hora das compras, tm suas marcas favo-ritas e so o centro de todo um universo de opes de consumo que vai debiscoitos a celulares, de programas de TV a parques temticos. Esse tipo derepresentao est diretamente relacionado ao crescimento da publicidadee do marketing voltado ao pblico infantil. A publicidade pode usar, como estratgia de vendas, a necessidade dascrianas de sentir-se no controle. A criana estimulada autonomia, ain-da que apenas em relao ao consumo. Isso pode aumentar a tenso quemarca a transio da total dependncia da infncia independncia da vidaadulta, provocando conflitos familiares. A criana, de fato, mais vulnervel aos apelos da publicidade por no en-tenderem seus reais objetivos: estimular vendas e fidelizar clientes. Crian-as em idade pr-escolar no sabem a diferena entre comerciais e progra-mas de TV. As um pouco mais velhas entendem a diferena, mas tendem aacreditar na publicidade de produtos infantis. At os oito anos, as crianasno conseguem entender que a publicidade tenta persuadir. Quando somais velhas, j so cientes disso, mas ainda assim esse conhecimento noparece afetar a vontade de comprar o que vm nos anncios (LINN, 2006). Realizao: Apoio:
  • 33. 33 Contudo, no podemos pensar o consumo como uma relao de manipu-lao de audincias passivas, seja essa platia formada por crianas ouadultos. O consumo o conjunto de processos socioculturais em que serealizam a apropriao e o uso dos produtos (CANCLINI, 2008, p. 60). Noconsumo se constri parte da racionalidade integrativa e comunicativa deuma sociedade (Ibidem, p. 63). Ns, seres humanos, intercambiamos objetos para satisfazer ne- cessidades que fixamos culturalmente, para integrarmo-nos com outros e para nos distinguirmos de longe, para realizar desejos e para pensar nossa situao no mundo, para controlar o fluxo err- tico dos desejos e dar-lhe constncia ou segurana em instituies ou rituais. [...] Podemos atuar como consumidores nos situando so- mente em um dos processos de interao o que o mercado regula e tambm podemos exercer como cidados uma reflexo e uma experimentao mais ampla que leve em conta as mltiplas poten- cialidades dos objetos, que aproveite seu virtuosismo semitico nos variados contextos em que as coisas nos permitem encontrar com as pessoas. (Ibidem, p. 71) Pensar o consumo tambm rever as formas de comunicao e relaosocial. Atravs dele, as crianas puderam se inscrever ativamente no mundoe expor seus desejos, que em outros mbitos no so levados em conside-rao. Esse papel ativo pode permitir que as crianas sejam vistas pelosadultos no s como sujeitos de direitos, mas tambm como atores comdireitos, com vozes que devem ser respeitadas e levadas em conta seja naconstruo de polticas para sua proteo seja na incluso de sua fala nasmatrias dos jornais. Realizao: Apoio:
  • 34. 34Referncias Bibliogrficas ALEXANDRE, M. Representao Social: uma genealogia do concei- to. Comum, Rio de Janeiro, v. 10, n. 23, p.122-138, jul./dez. 2004. Disponvel em: . Acesso em: 20 out. 2009. BAUMAN, Z. O mal-estar da ps-modernidade. Traduo de Mauro Gama, Cludia Martinelli Gama; reviso tcnica Lus Carlos Frid- man. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. BOURDIEU, P. Meditaes pascalianas. Traduo de Srgio Miceli. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. CANCLINI, Nestor Garca. Consumidores e cidados: conflitos mu- liculturais da globalizao. Traduo de Maurcio Santana Dias. 7. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008. FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudana social. Traduo por Izabel Magalhes et al. Braslia: Editora Universidade de Braslia, 2001. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Traduo de Laura Fraga de Almeida Sampaio 16. ed. So Paulo: Edies Loyola, 2008. LINN, Susan. Crianas do consumo: a infncia roubada. Traduo de Cristina Tognelli. So Paulo: Instituto Alana, 2006. MEDITSCH, E. 1992. O Conhecimento do Jornalismo. Florianpolis: Editora da UFSC, 1992. MORETZSOHN, S. Introduo. In: __________________. Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crtico. Rio de Janeiro: Revan, 2007. Disponvel em: . Aces- so em: 20 out. 2009. PEREIRA JNIOR, A. Jornalismo e representaes sociais: algumas consideraes. Revista Famecos, Porto Alegre, n. 30, p. 33-38, ago. 2006. Disponvel em: . Acesso em: 8 out. 2009. S, C. Sobre o ncleo central das representaes sociais. Petrpo- lis: Vozes, 1996. SOUSA, J. Teorias da otcia e do Jornalismo. Chapec: Argos, 2002. Realizao: Apoio:
  • 35. 35As representaes de infncia napublicidade pela percepo de crianas decinco a seis anos.1 [Clarissa Borges Mller]2IntroduoO objetivo desse artigo apresentar os principais resultados de uma pesquisaterica e emprica, embasada na Teoria das Representaes Sociais (MOSCO-VICI, 1961), realizada com o propsito de investigar as percepes de crianasde cinco a seis anos sobre as representaes d