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Informativo 851-STF (12 a 19/12/2016) Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Márcio André Lopes Cavalcante Processo excluído deste informativo por não ter sido concluído em virtude de pedido de vista: ADI 5540/MG. Julgados excluídos por terem menor relevância para concursos públicos ou por terem sido decididos com base em peculiaridades do caso concreto: ACO 758/SE; ARE 992066/SP; ARE 988549/RO. ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL DIREITO DE RESPOSTA Sentença que nega direito de resposta por não ter havido ofensa não ofende a decisão do STF na ADPF 130/DF. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Conversão da MP em lei antes que a ADI proposta seja julgada. MEDIDA PROVISÓRIA Análise dos requisitos constitucionais de relevância e urgência e MP que trate sobre situação tipicamente financeira e tributária. TRIBUNAL DE CONTAS Criação de Procuradoria do Tribunal de Contas e impossibilidade de que tal órgão seja responsável pela cobrança das multas. PODER JUDICIÁRIO Análise da constitucionalidade de resolução que permite reeleição para cargos de direção no TJ. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA CNJ, no exercício de controle administrativo, pode deixar de aplicar lei inconstitucional. MINISTÉRIO PÚBLICO Compete ao PGR decidir conflito negativo entre MPE e MPF. DIREITO ADMINISTRATIVO CONFISCO DO ART. 243 DA CF/88 Possibilidade de o proprietário afastar a sanção do art. 243 da CF/88 se provar que não teve culpa. SERVIDORES PÚBLICOS Aposentadoria compulsória não se aplica a cargos comissionados. DIREITO PROCESSUAL CIVIL COMPETÊNCIAS Competência para julgar ação ordinária contra o CNJ e mitigação da interpretação restritiva do art. 102, I, “r”, da CF/88.

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Informativo 851-STF (12 a 19/12/2016) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Márcio André Lopes Cavalcante Processo excluído deste informativo por não ter sido concluído em virtude de pedido de vista: ADI 5540/MG. Julgados excluídos por terem menor relevância para concursos públicos ou por terem sido decididos com base em peculiaridades do caso concreto: ACO 758/SE; ARE 992066/SP; ARE 988549/RO.

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

DIREITO DE RESPOSTA Sentença que nega direito de resposta por não ter havido ofensa não ofende a decisão do STF na ADPF 130/DF. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Conversão da MP em lei antes que a ADI proposta seja julgada. MEDIDA PROVISÓRIA Análise dos requisitos constitucionais de relevância e urgência e MP que trate sobre situação tipicamente

financeira e tributária. TRIBUNAL DE CONTAS Criação de Procuradoria do Tribunal de Contas e impossibilidade de que tal órgão seja responsável pela cobrança

das multas. PODER JUDICIÁRIO Análise da constitucionalidade de resolução que permite reeleição para cargos de direção no TJ. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA CNJ, no exercício de controle administrativo, pode deixar de aplicar lei inconstitucional. MINISTÉRIO PÚBLICO Compete ao PGR decidir conflito negativo entre MPE e MPF.

DIREITO ADMINISTRATIVO

CONFISCO DO ART. 243 DA CF/88 Possibilidade de o proprietário afastar a sanção do art. 243 da CF/88 se provar que não teve culpa. SERVIDORES PÚBLICOS Aposentadoria compulsória não se aplica a cargos comissionados.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

COMPETÊNCIAS Competência para julgar ação ordinária contra o CNJ e mitigação da interpretação restritiva do art. 102, I, “r”, da

CF/88.

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Informativo 851-STF (12 a 19/12/2016) – Márcio André Lopes Cavalcante | 2

DIREITO PENAL

DOSIMETRIA DA PENA Correto conceito de culpabilidade, princípio da não-culpabilidade e vedação ao bis in idem. FURTO Causa de aumento do § 1º pode ser aplicada tanto para furto simples como qualificado.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PROVAS Antecipação da prova testemunhal pela gravidade do crime e possibilidade concreta de perecimento.

DIREITO TRIBUTÁRIO

DEPOSITÁRIO INFIEL DE DÉBITOS TRIBUTÁRIOS Inconstitucionalidade da Lei nº 8.866/94. COFINS Portaria nº 655/93 e parcelamento de débitos de COFINS.

DIREITO CONSTITUCIONAL

DIREITO DE RESPOSTA Sentença que nega direito de resposta por não ter havido ofensa

não ofende a decisão do STF na ADPF 130/DF

Não cabe reclamação para o STF contra sentença que julgou improcedente pedido de direito de resposta sob o fundamento de que não houve, no caso concreto, ofensa.

Esta sentença não afronta a autoridade da decisão do STF no julgamento da ADPF 130/DF.

Como a sentença não violou nenhuma decisão do STF proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade, o que se percebe é que o autor, por meio da reclamação, deseja que o Supremo examine se a sentença afrontou, ou não, o art. 5º, V, da CF/88.

Para isso, seria necessário reexaminar matéria de fato, o que não é possível em reclamação, que se presta unicamente a preservar a autoridade de decisão do STF.

Ademais, isso significaria o exame per saltum, ou seja, "pulando-se" as instâncias recursais do ato impugnado diretamente à luz do art. 5º, V, CF/88.

STF. 1ª Turma. Rcl 24459 AgR/SP, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 13/12/2016 (Info 851).

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: O Jornal Nacional, da TV Globo, divulgou reportagem narrando os fatos envolvendo uma denúncia criminal oferecida pelo Ministério Público contra o ex-Presidente Lula. Lula formulou, extrajudicialmente, pedido de direito de resposta à TV Globo, tendo este sido negado. Inconformado, o ex-Presidente ajuizou ação de direito de resposta, que foi julgada improcedente pelo Juiz de Direito da 7ª Vara Cível da Comarca de São Bernardo do Campo/SP. Na sentença, o magistrado afirmou que, para a concessão do direito de resposta, seria preciso “ofensa mais virulenta” e “intento deliberado de se transmitir apenas uma aparência de informação”. O julgador considerou que a reportagem foi informativa e não opinativa, não tendo havido ofensa que justificasse o direito de resposta. Diante disso, Lula apresentou no STF reclamação, alegando que a decisão do juiz teria afrontado o entendimento do Supremo Tribunal Federal firmado na ADPF 130/DF (DJE de 6.11.2009). Isso porque nesta decisão o STF teria afirmado que o direito de resposta possui amparo no Texto Constitucional.

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Confira o trecho da ementa invocada pelo reclamante:

"(...) O direito de resposta, que se manifesta como ação de replicar ou de retificar matéria publicada é exercitável por parte daquele que se vê ofendido em sua honra objetiva, ou então subjetiva, conforme estampado no inciso V do art. 5º da Constituição Federal. Norma, essa, "de eficácia plena e de aplicabilidade imediata", conforme classificação de José Afonso da Silva. "Norma de pronta aplicação", na linguagem de Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto, em obra doutrinária conjunta. (...) STF. Plenário. ADPF 130, Rel. Min. Carlos Britto, julgado em 30/04/2009.

O STF concordou com a reclamação proposta? NÃO. Direito de resposta exige demonstração de "agravo" ("ofensa") Na ADPF 130/DF, o STF decidiu que a antiga Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67), em sua inteireza, não foi recepcionada pela CF/88, sendo, portanto, inválida por violar a liberdade de imprensa e as liberdades de manifestação do pensamento, de informação e de expressão artística, científica, intelectual e comunicacional. Realmente, nesta ADPF o STF afirmou que o direito de resposta é protegido pela Constituição Federal, em seu art. 5º, V, tratando-se de norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata:

Art. 5º (...) V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

Contudo, o fato de o STF ter reconhecido o direito de resposta não significa que a Corte tenha dito que é desnecessária a comprovação do “agravo” (ofensa) a que alude o dispositivo. A decisão do STF no julgamento da ADPF 130 não regulamentou o direito de resposta. O Supremo afirmou apenas que o direito de resposta deve ser assegurado, mas para isso é necessário que a pessoa demonstre ofensa. Desse modo, a sentença do juiz, ao entender que não iria conceder direito de resposta por não ter sido constatada ofensa, não afrontou a decisão do STF na ADPF 130/DF. A sentença teria violado o acórdão do STF se, por exemplo, tivesse dito que não existe direito de resposta no ordenamento jurídico brasileiro, o que não foi o caso. O que o magistrado decidiu foi que não houve, no caso concreto, ofensa. Lei nº 13.188/2015 Além disso, a sentença do magistrado foi baseada na Lei nº 13.188/2015. Essa Lei regulamentou o direito de resposta, previsto no art. 5º, V, da CF/88. E essa Lei (de 2015) é posterior à decisão da ADPF 130/DF (DJE de 6.11.2009). Per saltum Como a sentença não violou nenhuma decisão do STF proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade, o que se percebe é que o autor, por meio da reclamação, deseja que o Supremo examine se a sentença afrontou, ou não, o art. 5º, V, da CF/88. Para isso, seria necessário reexaminar matéria de fato, o que não é possível em reclamação, que se presta unicamente a preservar a autoridade de decisão do STF. Ademais, isso significaria o exame per saltum, ou seja, "pulando-se" as instâncias recursais do ato impugnado diretamente à luz do art. 5º, V, CF/88. Em suma

Não cabe reclamação para o STF contra sentença que julgou improcedente pedido de direito de resposta sob o fundamento de que não houve, no caso concreto, ofensa. Esta sentença não afronta a autoridade da decisão do STF no julgamento da ADPF 130/DF.

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Além disso, não é possível o exame per saltum do ato impugnado (sentença) diretamente à luz do art. 5º, V, CF/88. STF. 1ª Turma. Rcl 24459 AgR/SP, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 13/12/2016 (Info 851).

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Conversão da MP em lei antes que a ADI proposta seja julgada

Importante!!!

Se é proposta ADI contra uma medida provisória e, antes de a ação ser julgada, a MP é convertida em lei com o mesmo texto que foi atacado, esta ADI não perde o objeto e poderá ser conhecida e julgada.

Como o texto da MP foi mantido, não cabe falar em prejudicialidade do pedido. Isso porque não há a convalidação ("correção") de eventuais vícios existentes na norma, razão pela qual permanece a possibilidade de o STF realizar o juízo de constitucionalidade.

Neste caso, ocorre a continuidade normativa entre o ato legislativo provisório (MP) e a lei que resulta de sua conversão.

Ex: foi proposta uma ADI contra a MP 449/1994 e, antes de a ação ser julgada, houve a conversão na Lei nº 8.866/94.

Vale ressaltar, no entanto, que o autor da ADI deverá peticionar informando esta situação ao STF e pedindo o aditamento da ação.

STF. Plenário. ADI 1055/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 15/12/2016 (Info 851).

Nesse sentido, confira o seguinte precedente do STF:

(...) Não prejudica a ação direta de inconstitucionalidade material de medida provisoria a sua intercorrente conversão em lei sem alterações, dado que a sua aprovação e promulgação integrais apenas lhe tornam definitiva a vigencia, com eficacia "ex tunc" e sem solução de continuidade, preservada a identidade originaria do seu conteudo normativo, objeto da arguição de invalidade. (...) STF. Plenário. ADI 691 MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 22/04/1992.

MEDIDA PROVISÓRIA Análise dos requisitos constitucionais de relevância e urgência

e MP que trate sobre situação tipicamente financeira e tributária

O art. 62 da CF/88 prevê que o Presidente da República somente poderá editar medidas provisórias em caso de relevância e urgência.

A definição do que seja relevante e urgente para fins de edição de medidas provisórias consiste, em regra, em um juízo político (escolha política/discricionária) de competência do Presidente da República, controlado pelo Congresso Nacional.

Desse modo, salvo em caso de notório abuso, o Poder Judiciário não deve se imiscuir na análise dos requisitos da MP.

No caso de MP que trate sobre situação tipicamente financeira e tributária, deve prevalecer, em regra, o juízo do administrador público, não devendo o STF declarar a norma inconstitucional por afronta ao art. 62 da CF/88.

STF. Plenário. ADI 1055/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 15/12/2016 (Info 851).

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TRIBUNAL DE CONTAS Criação de Procuradoria do Tribunal de Contas e impossibilidade

de que tal órgão seja responsável pela cobrança das multas

É constitucional a criação de órgãos jurídicos na estrutura de Tribunais de Contas estaduais, vedada a atribuição de cobrança judicial de multas aplicadas pelo próprio tribunal.

É inconstitucional norma estadual que preveja que compete à Procuradoria do Tribunal de Contas cobrar judicialmente as multas aplicadas pela Corte de Contas.

A Constituição Federal não outorgou aos Tribunais de Contas competência para executar suas próprias decisões.

As decisões dos Tribunais de Contas que acarretem débito ou multa têm eficácia de título executivo, mas não podem ser executadas por iniciativa do próprio Tribunal.

STF. Plenário. ADI 4070/RO, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 19/12/2016 (Info 851).

É possível que exista, na estrutura do Tribunal de Contas, uma procuradoria jurídica? SIM. É possível a existência de Procuradoria do Tribunal de Contas, órgão com atribuições de representação judicial e de defesa dos atos e das prerrogativas da Corte de Contas. O STF entende que é constitucional a criação de Procuradorias próprias para atuar especificamente nas Assembleias Legislativas ou nos Tribunais de Contas. Tais procuradorias especiais poderão atuar:

nos casos em que a ALE ou o TCE necessite praticar em juízo, em nome próprio, atos processuais na defesa de sua autonomia e independência em face dos demais poderes (ex: um MS proposto pelo TCE contra Governador que não repassou o orçamento); e

também ficam responsáveis pela consultoria e pelo assessoramento jurídico de tais órgãos (ex: parecer jurídico em uma licitação realizada pelo TCE).

Tais procuradorias não violam as atribuições da PGE previstas no art. 132 da CF/88. Confira precedente nesse sentido envolvendo a criação de uma Procuradoria para atuar na Câmara distrital:

(...) 3. A Procuradoria Geral do Distrito Federal é a responsável pelo desempenho da atividade jurídica consultiva e contenciosa exercida na defesa dos interesses da pessoa jurídica de direito público Distrito Federal. 4. Não obstante, a jurisprudência desta Corte reconhece a ocorrência de situações em que o Poder Legislativo necessite praticar em juízo, em nome próprio, uma série de atos processuais na defesa de sua autonomia e independência frente aos demais Poderes, nada impedindo que assim o faça por meio de um setor pertencente a sua estrutura administrativa, também responsável pela consultoria e assessoramento jurídico de seus demais órgãos. (...) STF. Plenário. ADI 1557, Rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 31/03/2004.

É possível que norma estadual preveja que compete à Procuradoria do Tribunal de Contas cobrar judicialmente as multas aplicadas em decisão definitiva do Tribunal e não saldadas no prazo? NÃO.

É inconstitucional norma estadual que preveja que compete à Procuradoria do Tribunal de Contas cobrar judicialmente as multas aplicadas pela Corte de Contas. A Constituição Federal não outorgou aos Tribunais de Contas competência para executar suas próprias decisões. As decisões dos Tribunais de Contas que acarretem débito ou multa têm eficácia de título executivo, mas não podem ser executadas por iniciativa do próprio Tribunal. STF. Plenário. ADI 4070/RO, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 19/12/2016.

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Esse é o entendimento consolidado no STF:

O art. 71, § 3º, da CF/88 não outorgou ao TCU legitimidade para executar suas decisões das quais resulte imputação de débito ou multa. A competência para isso é do titular do crédito constituído a partir da decisão, ou seja, o ente público prejudicado. STF. 2ª Turma. AI 826676 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 08/02/2011.

PODER JUDICIÁRIO Análise da constitucionalidade de resolução que permite reeleição para cargos de direção no TJ

É inconstitucional norma do Tribunal de Justiça que permite a reeleição de desembargadores para cargos de direção após o intervalo de dois mandatos.

Esta previsão viola o art. 93, caput, da CF/88, segundo o qual a regulamentação da matéria afeta à elegibilidade para os órgãos diretivos dos tribunais está reservada a lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal. Além disso, esta norma afronta o tratamento que foi dado à matéria pelo art. 102 da LOMAN (LC 35/79), que regulamenta o art. 93 da CF/88.

STF. Plenário. ADI 5310/RJ, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 14/12/2016 (Info 851).

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro aprovou uma Resolução afirmando que os Desembargadores poderiam ser novamente eleitos para cargos de direção no TJ, desde que houvesse um intervalo de dois mandatos. Ex: o Desembargador "João" foi Presidente do TJ; ele poderia ser novamente Presidente, desde aguardasse dois mandatos. Assim, logo depois da Desembargadora "Maria" e do Desembargador "Pedro" cumprirem, cada um deles, um mandato, o Desembargador "João" já estaria novamente apto para concorrer ao posto. Eis o teor da referida Resolução TJ/TP/RJ 1/2014:

Art. 3º Poderá o Desembargador ser novamente eleito para o mesmo cargo, desde que observado o intervalo de dois mandatos

ADI O Procurador-Geral da República ajuizou ADI contra este dispositivo afirmando que o art. 93 da CF/88 exige lei complementar para tratar sobre o tema e que o Estatuto da Magistratura atualmente em vigor (LC 35/79) não permite que um Desembargador volte a ocupar cargo de direção no TJ, salvo se todos os demais já tiverem ocupado. Confira o que diz a LOMAN:

Art. 102. Os Tribunais, pela maioria dos seus membros efetivos, por votação secreta, elegerão dentre seus Juízes mais antigos, em número correspondente ao dos cargos de direção, os titulares destes, com mandato por dois anos, proibida a reeleição. Quem tiver exercido quaisquer cargos de direção por quatro anos, ou o de Presidente, não figurará mais entre os elegíveis, até que se esgotem todos os nomes, na ordem de antiguidade. É obrigatória a aceitação do cargo, salvo recusa manifestada e aceita antes da eleição.

O que decidiu o STF? O art. 3º da Resolução nº 1/2014 do TJ/RJ é inconstitucional? SIM.

É inconstitucional norma do Tribunal de Justiça que permite a reeleição de desembargadores para cargos de direção após o intervalo de dois mandatos. Esta previsão viola o art. 93, caput, da CF/88, segundo o qual a regulamentação da matéria afeta à elegibilidade para os órgãos diretivos dos tribunais está reservada a lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal. STF. Plenário. ADI 5310/RJ, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 14/12/2016 (Info 851).

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O art. 102 da LOMAN é claro ao vedar a reeleição para cargos de direção dos tribunais de justiça. Vale ressaltar que a LOMAN, apesar de ser de 1979, foi recepcionada pela CF/88, sendo a lei que regulamenta o art. 93 da Carta Magna. Segundo a jurisprudência do STF, até que se elabore outro Estatuto da Magistratura, a eleição nos Tribunais deverá ser regulada pela LOMAN, nos termos do art. 93 da CF/88. Ao permitir nova eleição de desembargador para cargo no órgão diretivo do tribunal, mesmo se observado o intervalo de dois mandatos, o TJ-RJ inovou e, dessa forma, contrariou as balizas fixadas pela lei. O Poder Judiciário é um poder nacional e seus membros devem estar submetidos a regras uniformes. A LOMAN define regime jurídico para a magistratura, viabilizando tratamento nacional válido para todas as instâncias e tribunais para as questões do Judiciário, garantindo a necessária independência e autonomia que possibilitem a prestação jurisdicional pelos órgãos locais, mas sem deixar de se ter um estatuto constitucional a ser obedecido por todos.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA CNJ, no exercício de controle administrativo, pode deixar de aplicar lei inconstitucional

CNJ pode determinar que Tribunal de Justiça exonere servidores nomeados sem concurso público para cargos em comissão que não se amoldam às atribuições de direção, chefia e assessoramento, contrariando o art. 37, V, da CF/88. Esta decisão do CNJ não configura controle de constitucionalidade, sendo exercício de controle da validade dos atos administrativos do Poder Judiciário.

STF. Plenário. Pet 4656/PB, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 19/12/2016 (Info 851).

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: Na Paraíba, foi aprovada lei estadual criando 100 cargos comissionados de assistentes de administração no Tribunal de Justiça do Estado. O TJ/PB, com fundamento nesta lei, nomeou 100 pessoas para ocuparem estes cargos, sem concurso público. O CNJ, em procedimento de controle administrativo, considerou irregular a contratação e determinou que o TJ/PB exonerasse os comissionados, sob o argumento de que os cargos criados não se destinam às atribuições de direção, chefia e assessoramento, sendo utilizados para o desempenho de “atividades administrativas genéricas”, o que contraria o art. 37, V, da CF/88. O sindicato dos servidores do TJ propôs ação no STF questionando a decisão do CNJ. As duas alegações principais foram as seguintes: a) o CNJ usurpou a competência do STF porque teria, implicitamente, declarado a inconstitucionalidade da lei que criou os cargos, realizando controle de constitucionalidade de norma estadual, o que não lhe é permitido; b) o Conselho violou o princípio do contraditório, considerando que determinou ao TJ/PB a exoneração dos servidores sem que estes fossem previamente ouvidos. O STF manteve a decisão do CNJ? SIM. O STF considerou válida a atuação do CNJ. Não houve controle de constitucionalidade Em primeiro lugar, importante esclarecer que, realmente, o CNJ não pode fazer controle de constitucionalidade porque este órgão não possui atribuições jurisdicionais (mas apenas administrativas). Nesse sentido:

"O Conselho Nacional de Justiça, embora seja órgão do Poder Judiciário, nos termos do art. 103-B, § 4º, II, da Constituição Federal, possui, tão somente, atribuições de natureza administrativa e, nesse sentido, não lhe é permitido apreciar a constitucionalidade dos atos administrativos, mas somente sua legalidade." (STF. Plenário. MS 28872 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 24/02/2011).

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No entanto, no caso concreto, o STF entendeu que o CNJ não fez controle de constitucionalidade. Para o Supremo, o CNJ apenas declarou a nulidade dos atos de nomeação afirmando que, administrativamente, não se poderia aplicar aquela lei estadual. Nas palavras da Min. Cármen Lúcia: “concluo ter atuado o órgão de controle administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura (CNJ) nos limites de sua competência, afastando a validade de atos administrativos e, para tanto, adotando como fundamento a invalidade da lei estadual, que ele reputou contrária ao princípio constitucional de ingresso no serviço público, por concurso público, pela ausência dos requisitos caracterizados para a criação de cargos comissionados”. Além disso, não houve declaração de inconstitucionalidade da qual resultasse a anulação ou revogação da lei discutida, com exclusão de sua eficácia. Ou seja, houve a nulidade dos atos questionados por ser considerada inaplicável, administrativamente, lei estadual com vício de inconstitucionalidade, com a vinculação apenas da atuação de órgão judicial cujos atos administrativos foram submetidos ao controle do CNJ. Assim, o Conselho não usurpou competência do STF. Órgãos autônomos podem deixar de aplicar leis inconstitucionais As leis inconstitucionais não são normas atendíveis, porque colidem com mandamento de uma lei superior, que é a Constituição Federal. Em virtude desse entendimento, a doutrina defende que é possível que o chefe do Poder Executivo se recuse a cumprir uma lei se ela for claramente inconstitucional. O STF afirmou que esse mesmo entendimento pode ser aplicado para órgãos administrativos autônomos, como o TCU, o CNMP e o CNJ. Assim, tais órgãos, ao realizarem controle de validade dos atos administrativos, podem determinar a não aplicação de leis inconstitucionais. Inexistência de violação ao princípio do contraditório O STF entendeu que não houve desrespeito ao contraditório, considerando que a exoneração dos servidores não se configura como punição. Se fosse uma punição, aí sim seria necessária a prévia oitiva dos interessados. Neste caso, contudo, a exoneração foi uma mera decorrência da declaração de nulidade dos atos de nomeação. Ademais, eram servidores comissionados, ou seja, de livre nomeação e exoneração (exoneráveis “ad nutum”). Em suma: CNJ pode determinar que Tribunal de Justiça exonere servidores nomeados sem concurso público para cargos em comissão que não se amoldam às atribuições de direção, chefia e assessoramento, contrariando o art. 37, V, da CF/88. Esta decisão do CNJ não configura controle de constitucionalidade, sendo exercício de controle da validade dos atos administrativos do Poder Judiciário. STF. Plenário. Pet 4656/PB, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 19/12/2016 (Info 851).

MINISTÉRIO PÚBLICO Compete ao PGR decidir conflito negativo entre MPE e MPF

Compete ao Procurador-Geral da República (e não ao STF) decidir conflito negativo de atribuições entre Ministério Público estadual e Ministério Público Federal.

O PGR decide conflitos de atribuições entre MPE e MPF, seja este conflito positivo ou negativo, tanto em matéria cível como criminal.

O conflito negativo ocorre quando ambos os órgãos (MPE e MPF) entendem que não possuem atribuição para atuar no caso; o conflito positivo é o contrário, ou seja, tanto um como o outro defendem que têm atribuição para a causa.

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No caso concreto, o MPE e o MPF divergiram sobre quem teria atribuição para apurar, em inquérito civil, irregularidades em projeto de intervenção urbana que estaria causando risco de danos ao meio ambiente e à segurança da população local.

STF. Plenário. Pet 5586 AgR/RS, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Teori Zavascki, julgado em 15/12/2016 (Info 851).

DIREITO ADMINISTRATIVO

CONFISCO DO ART. 243 DA CF/88 Possibilidade de o proprietário afastar a sanção do art. 243 da CF/88 se provar que não teve culpa

Importante!!!

A expropriação prevista no art. 243 da Constituição Federal pode ser afastada, desde que o proprietário comprove que não incorreu em culpa, ainda que in vigilando ou in eligendo.

STF. Plenário. RE 635336/PE, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 14/12/2016 (repercussão geral) (Info 851).

Art. 243 da CF/88 O art. 243 da CF/88 prevê o seguinte:

Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º. Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei.

Confisco constitucional Parte da doutrina denomina este art. 243 de "desapropriação confiscatória" em virtude de não conferir ao proprietário direito à indenização, como ocorre com as demais espécies de desapropriação (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2016, p. 1044). Outros autores preferem falar em "confisco" (MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 2135). O STF também reafirmou que se trata de confisco. Veja o que disse o Ministro Gilmar Mendes: "O instituto previsto no art. 243 da CF não é verdadeira espécie de desapropriação, mas uma penalidade imposta ao proprietário que praticou a atividade ilícita de cultivar plantas psicotrópicas, sem autorização prévia do órgão sanitário do Ministério da Saúde. Portanto, a expropriação é espécie de confisco constitucional e tem caráter sancionatório." Pressupostos Existem dois motivos que geram esse confisco: a) o fato de no imóvel estarem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas; ou b) o fato de no imóvel haver exploração de trabalho escravo. Extensão da expropriação A expropriação irá recair sobre a totalidade do imóvel, ainda que o cultivo ilegal ou a utilização de trabalho

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escravo tenham ocorrido em apenas parte dele. Nesse sentido: STF. Plenário. RE 543974, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 26/03/2009. Procedimento As regras e o procedimento para essa expropriação estão disciplinados na Lei nº 8.257/91 e no Decreto nº 577/92. Trata-se de um rito muito célere, no qual a Lei estipula poucos dias para a realização de cada ato processual. Veja abaixo o resumo do procedimento: 1. Processo judicial. Para haver a desapropriação confiscatória, é necessário processo judicial que tramita

na Justiça Federal. 2. Petição inicial. A União deverá propor uma demanda chamada de "ação expropriatória" contra o

proprietário do imóvel (expropriado). Vale ressaltar que apenas a União é competente para realizar a expropriação de que trata o art. 243 da CF/88, não podendo ser feita pelos outros entes federativos.

3. Citação. Recebida a inicial, o juiz determinará a citação do expropriado, no prazo de 5 dias. 4. Perito. Ao ordenar a citação, o Juiz já nomeará um perito para fazer a avaliação do imóvel. Este deverá

entregar o laudo em 8 dias. 5. Audiência. O juiz determinará audiência de instrução e julgamento, que deverá ser realizada no prazo

máximo de 15 dias, a contar da data da contestação. 6. Mandado de imissão na posse. O juiz poderá imitir, liminarmente, a União na posse do imóvel

expropriando, garantindo-se o contraditório pela realização de audiência de justificação. Em outras palavras, o magistrado poderá conceder tutela provisória de urgência determinando que o proprietário saia do imóvel e este fique na posse da União. Vale ressaltar que o INCRA é quem irá imitir-se em nome da União (art. 6º do Decreto nº 577/92).

7. Prova testemunhal. Na audiência de instrução e julgamento, cada parte poderá indicar até 5 testemunhas.

8. Oitiva do Ministério Público. A Lei nº 8.257/91 não prevê, mas o Procurador da República deverá ser ouvido como fiscal da ordem jurídica, nos termos do art. 178, I, do CPC/2015.

9. Sentença. Encerrada a instrução, o Juiz prolatará a sentença em cinco dias. 10. Haverá expropriação mesmo que o imóvel esteja em garantia. A expropriação prevalece sobre direitos

reais de garantia, não se admitindo embargos de terceiro fundados em dívida hipotecária, anticrética ou pignoratícia.

11. Recurso. Da sentença, caberá apelação. 12. Trânsito em julgado. Transitada em julgado a sentença expropriatória, o imóvel será incorporado ao

patrimônio da União. Em seguida, a gleba será destinada à reforma agrária e a programas de habitação popular.

O proprietário poderá evitar a expropriação se provar que não teve culpa pelo fato de estarem cultivando plantas psicotrópicas em seu imóvel? SIM.

A expropriação prevista no art. 243 da Constituição Federal pode ser afastada, desde que o proprietário comprove que não incorreu em culpa, ainda que in vigilando ou in eligendo. STF. Plenário. RE 635336/PE, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 14/12/2016 (repercussão geral) (Info 851).

Não se exige que o proprietário tenha participado Para que haja a sanção do art. 243, não se exige a participação direta do proprietário no cultivo ilícito. No entanto, apesar disso, trata-se de medida sancionatória, exigindo-se algum grau de culpa para sua caracterização. Assim, mesmo que o proprietário não tenha participado diretamente, mas se agiu com culpa, deverá ser expropriado. Isso porque a função social da propriedade gera para o proprietário o dever de zelar pelo uso lícito do seu imóvel, ainda que não esteja na posse direta.

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Mesmo tendo esse dever, poderá provar que não teve como evitar Esse dever de zelar pelo correto uso da propriedade não é ilimitado, só podendo ser exigido do proprietário que evite o ilícito quando estiver ao seu alcance. Assim, o proprietário pode afastar sua responsabilidade demonstrando que não incorreu em culpa. Ele pode provar, por exemplo, que foi esbulhado ou até enganado pelo possuidor ou pelo detentor. Se agiu com culpa, aplica-se o art. 243 Vale ressaltar, mais uma vez, que, se o proprietário agiu com culpa, deverá ser expropriado. Essa culpa pode ser in vigilando ou in eligendo:

Culpa in vigilando é a falta de atenção com a conduta de outra pessoa. Ocorre quando não há uma fiscalização efetiva.

Culpa in eligendo consiste na má escolha daquele a quem se confia a prática de um ato. Também chamada de “responsabilidade pela má eleição”.

Desse modo, se o proprietário agiu com culpa in vigilando ou in eligendo, deverá incidir o art. 243 da CF/88. A responsabilidade do proprietário é subjetiva ou objetiva? A responsabilidade do proprietário é subjetiva, no entanto bastante próxima da objetiva. E se houver mais de um proprietário, o que fazer neste caso? Se o imóvel pertencer a dois ou mais proprietários (condomínio), haverá a expropriação mesmo que apenas um deles tenha participação ou culpa. Restará apenas ao proprietário inocente buscar reparação daquele que participou ou teve culpa. Ônus da prova Importante destacar que cabe ao proprietário (e não à União) o ônus da prova. Em outras palavras, caberá ao proprietário provar que não agiu com culpa.

SERVIDORES PÚBLICOS Aposentadoria compulsória não se aplica a cargos comissionados

Importante!!!

Os servidores ocupantes de cargo exclusivamente em comissão não se submetem à regra da aposentadoria compulsória prevista no art. 40, § 1º, II, da CF, a qual atinge apenas os ocupantes de cargo de provimento efetivo, inexistindo, também, qualquer idade limite para fins de nomeação a cargo em comissão.

Ressalvados impedimentos de ordem infraconstitucional, não há óbice constitucional a que o servidor efetivo, aposentado compulsoriamente, permaneça no cargo comissionado que já desempenhava ou a que seja nomeado para cargo de livre nomeação e exoneração, uma vez que não se trata de continuidade ou criação de vínculo efetivo com a Administração.

STF. Plenário. RE 786540/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 15/12/2016 (repercussão geral) (Info 851).

Aposentadoria No serviço público (regime próprio de previdência) existem três espécies de aposentadoria:

Aposentadoria por invalidez (art. 40, § 1º, I)

Aposentadoria voluntária (art. 40, § 1º, III)

Aposentadoria compulsória (art. 40, § 1º, II)

Ocorre quando o servidor público for acometido por uma

Ocorre quando o próprio servidor público, mesmo tendo

A CF previu que, atingida determinada idade, o servidor

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situação de invalidez permanente, atestada por laudo médico, que demonstre que ele está incapacitado de continuar trabalhando.

condições físicas e jurídicas de continuar ocupando o cargo, decide se aposentar. Para que o servidor tenha direito à aposentadoria voluntária ele deverá cumprir os requisitos que estão elencados na Constituição.

público, independentemente de ainda possuir condições físicas e mentais de continuar exercendo o cargo, deveria ser obrigatoriamente aposentado. Atualmente, a idade da aposentadoria compulsória é de 75 anos.

APOSENTADORIA COMPULSÓRIA NÃO SE APLICA PARA CARGO EM COMISSÃO

Não há dúvidas de que a aposentadoria compulsória vale para os servidores públicos efetivos. Ela foi criada pensando nessa hipótese. A dúvida que surge, no entanto, é a seguinte:

A aposentadoria compulsória aplica-se também aos servidores ocupantes exclusivamente de cargo em comissão? Ex1: João, 69 anos, foi nomeado para ser assessor de um órgão estadual; trata-se de cargo em comissão, ou seja, de livre nomeação e exoneração (art. 37, II, da CF/88), sem necessidade de concurso público; quando João atingir 75 anos, ele terá que deixar este cargo por força da aposentadoria compulsória? Ex2: Pedro tem 76 anos; por conta de sua idade, ele está impedido de exercer cargo em comissão na Administração Pública? NÃO. A resposta para as três perguntas é não.

Os servidores ocupantes de cargo exclusivamente em comissão não se submetem à regra da aposentadoria compulsória prevista no art. 40, § 1º, II, da CF/88. Este dispositivo atinge apenas os ocupantes de cargo de provimento efetivo. Por conta disso, não existe qualquer idade limite para fins de nomeação a cargo em comissão. STF. Plenário. RE 786540, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 15/12/2016 (repercussão geral) (Info 851).

Art. 40 aplica-se aos servidores efetivos O art. 40, caput, é expresso ao afirmar que ele se aplica aos servidores efetivos. Veja:

Art. 40. Aos servidores efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações (...)

Repare que a atual redação do art. 40 não fala "aos servidores da União, dos Estados...". Ela é explícita ao restringir sua hipótese de incidência: "aos servidores efetivos". A aposentadoria compulsória está prevista no § 1º do art. 40. Como se sabe, os parágrafos estão relacionados e devem ser interpretados em conjunto com o caput. Logo, a regra do § 1º, por não trazer qualquer exceção, significa que vale para as situações trazidas no caput (servidores efetivos). Além disso, o § 1º também é expresso ao fazer remissão ao art. 40 (que trata sobre servidores efetivos):

§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17: (...) II – compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 70 (setenta) anos de idade, ou aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, na forma da lei complementar;

O § 13, por sua vez, trata sobre os cargos em comissão. Neste dispositivo, o legislador constituinte deixou claro que se aplica aos servidores ocupantes de cargo em comissão o regime geral de previdência social, administrado pelo INSS (e não o regime próprio dos servidores efetivos):

§ 13 Ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social.

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Não existe aposentadoria compulsória no RGPS Como vimos acima, o §13 do art. 40 determina que os servidores ocupantes de cargo exclusivamente em comissão deverão estar vinculados ao Regime Geral de Previdência Social, que é gerido pelo INSS e regulado pelo art. 201 da CF/88 e pela Lei nº 8.213/90. No RGPS não existe aposentadoria compulsória. A aposentadoria compulsória é um instituto que só está presente no RPPS, sendo voltada para servidores efetivos. Diferença de lógica na sistemática dos cargos efetivos e em comissão Os servidores efetivos ingressam no serviço público mediante concurso. Adquirem estabilidade e tendem a manter longo vínculo com a Administração, o que torna admissível a expulsória (aposentadoria compulsória) como forma de renovação dos quadros. Os servidores comissionados, por sua vez, adentram no serviço público para o desempenho de cargos de chefia, direção ou assessoramento, havendo a premissa de que eles gozam de uma relação de confiança e de especialidade incomum. Sendo esse o fundamento da nomeação, não há motivo para submeter o indivíduo à compulsória quando, além de persistirem a relação de confiança e a especialização, o servidor é exonerável a qualquer momento, independentemente de motivação. Inexistência de limite de idade para nomeação para cargo em comissão Se não há aposentadoria compulsória para cargos exclusivamente em comissão, significa dizer que também não há idade limite para o ingresso em cargo comissionado. Os motivos que justificam a não incidência do art. 40, § 1º, II, da CF/88 servem como argumentos para não se proibir que o maior de 75 anos seja nomeado para o exercício de cargo em comissão na Administração Pública. SERVIDOR EFETIVO APOSENTADO COMPULSORIAMENTE PODE SER NOMEADO PARA CARGO EM COMISSÃO

Outro tema correlato e que precisa ser enfrentando é o seguinte:

O servidor efetivo que foi aposentado compulsoriamente pode ser nomeado ou permanecer em cargo em comissão? Ex1: Carlos era servidor público efetivo; ao completar 75 anos, foi obrigado a se aposentar; ele poderá ser nomeado para um cargo exclusivamente em comissão? Ex2: Ricardo é servidor público efetivo, mas ocupa um cargo em comissão; ao complementar 75 anos, Ricardo terá que se aposentar do cargo efetivo, mas poderá continuar no cargo em comissão? SIM, desde que não exista nenhuma vedação na respectiva lei que rege a carreira. Do ponto de vista constitucional, não há nenhum óbice.

Ressalvados impedimentos de ordem infraconstitucional, não há óbice constitucional a que o servidor efetivo aposentado compulsoriamente permaneça no cargo comissionado que já desempenhava ou a que seja nomeado para cargo de livre nomeação e exoneração, uma vez que não se trata de continuidade ou criação de vínculo efetivo com a Administração. STF. Plenário. RE 786540, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 15/12/2016 (repercussão geral) (Info 851).

O servidor efetivo que foi aposentado compulsoriamente, quando é nomeado para um cargo em comissão, inaugura, com essa última investidura, uma segunda e nova relação jurídica com a Administração, agora relacionada com um cargo comissionado. Desse modo, não se trata da criação de um segundo vínculo efetivo, o que é terminantemente vedado pelo texto constitucional, salvo nas exceções por ele próprio declinadas, mas da coexistência de um vínculo funcional efetivo e de um cargo em comissão sem vínculo efetivo, para o que não se vislumbra vedação, inclusive sob o ponto de vista previdenciário. Não se trata, também, por óbvio, de forma irregular de continuidade do vínculo efetivo, visto que comissionados e efetivos são espécies diferentes do gênero servidor público.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

COMPETÊNCIAS Competência para julgar ação ordinária contra o CNJ

e mitigação da interpretação restritiva do art. 102, I, “r”, da CF/88

De quem é a competência para julgar demandas contra o CNJ e o CNMP:

• Ações ordinárias: Juiz federal (1ª instância)

• Ações tipicamente constitucionais (MS, MI, HC e HD): STF.

No entanto, houve um caso concreto no qual o STF conheceu e julgou uma ação ordinária proposta por sindicato de servidores públicos contra uma decisão do CNJ. Foram invocados dois argumentos para fixar a competência no STF:

1) O caso concreto discutia os poderes do CNJ para afastar lei inconstitucional. Se o STF não julgasse a causa, isso significaria conferir à Justiça Federal de 1ª instância a possibilidade de definir os poderes atribuídos ao CNJ para o cumprimento de sua missão, subvertendo, assim, a relação hierárquica constitucionalmente estabelecida.

2) Além da ação ordinária proposta pelo Sindicato, diversos servidores impetraram mandados de segurança contra a decisão do CNJ. Assim, mesmo que a ação ordinária fosse remetida para a Justiça Federal de 1ª instância, continuariam no STF os mandados de segurança individuais. Desse modo, o mais recomendável seria a reunião dessas ações a fim de garantir, com a tramitação e o julgamento conjuntos, a prolação de decisões harmônicas sobre a legitimidade da situação jurídica afetada pelo CNJ.

Obs: em concursos públicos, é provável que seja indagada apenas a regra geral considerando que este julgado foi muito específico e baseado no caso concreto; contudo, é importante que você conheça a existência deste precedente para a eventualidade de ele ser cobrado; vale ressaltar que você somente deverá adotar o entendimento excepcional se isso for expressamente perguntado.

STF. Plenário. Pet 4656/PB, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 19/12/2016 (Info 851).

Competência para julgar demandas contra o CNJ e o CNMP A CF/88 prevê, em seu art. 102, I, “r”, que compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar originariamente: “as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público”. A jurisprudência do STF, no entanto, confere interpretação estrita a esse dispositivo, de forma que somente compete ao STF as demandas em que o próprio CNJ ou CNMP — que não possuem personalidade jurídica própria — figurarem no polo passivo. É o caso de mandados de segurança, mandados de injunção, habeas corpus e habeas data contra os Conselhos. Assim, a competência do STF para processar e julgar ações que questionam atos do CNJ e do CNMP limita-se às ações tipicamente constitucionais: MS, MI, HC e HD. No caso de serem propostas ações ordinárias para impugnar atos do CNJ e CNMP, quem irá figurar como ré no processo é a União, já que os Conselhos são órgãos federais. Logo, tais demandas serão julgadas pela Justiça Federal de 1ª instância, com base no art. 109, I, da CF/88. Resumindo:

MS, MI, HC e HD STF

Ações ordinárias Juiz federal (1ª instância) Mitigação da interpretação restritiva do art. 102, I, “r”, da CF/88 O entendimento acima continua válido. No entanto, foi noticiado no Informativo 851 um julgado em que o STF, com base nas peculiaridades do caso concreto, decidiu mitigar a interpretação restritiva do art. 102, I, “r”, da CF/88 e julgar uma ação ordinária proposta contra o CNJ.

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A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: Na Paraíba, foi aprovada lei estadual criando 100 cargos comissionados de assistentes de administração no Tribunal de Justiça do Estado. O TJ/PB, com fundamento nesta lei, nomeou pessoas para ocuparem estes cargos, sem concurso público. O CNJ, em procedimento de controle administrativo, considerou irregular a contratação e determinou que o TJ/PB exonerasse os comissionados, sob o argumento de que os cargos criados não se destinam às atribuições de direção, chefia e assessoramento, sendo utilizados para o desempenho de “atividades administrativas genéricas”, o que contraria o art. 37, V, da CF/88. O sindicato dos servidores do TJ propôs ação no STF questionando a decisão do CNJ. As duas alegações principais foram as seguintes: a) o CNJ usurpou a competência do STF porque teria, implicitamente, declarado a inconstitucionalidade da lei que criou os cargos, realizando controle de constitucionalidade de norma estadual, o que não lhe é permitido. b) o Conselho violou o princípio do contraditório, considerando que determinou ao TJ/PB a exoneração dos servidores sem que estes fossem previamente ouvidos. Ora, segundo a interpretação restritiva do art. 102, I, “r”, da CF/88, acima exposta, a competência para julgar ação ordinária não é do STF, mas sim da Justiça Federal de 1ª instância. No entanto, no caso concreto, o STF decidiu que deveria conhecer e julgar a causa. A Min. Relatora Cármen Lúcia invocou dois argumentos para fixar a competência no STF: 1) O caso concreto discutia os poderes do CNJ para afastar lei inconstitucional. Se o STF não julgasse a causa, isso significaria conferir à Justiça Federal de 1ª instância a possibilidade de definir os poderes atribuídos ao CNJ para o cumprimento de sua missão, subvertendo, assim, a relação hierárquica constitucionalmente estabelecida. 2) Além da ação ordinária proposta pelo Sindicato, diversos servidores impetraram mandados de segurança contra a decisão do CNJ. Assim, mesmo que a ação ordinária fosse remetida para a Justiça Federal de 1ª instância, continuariam no STF os mandados de segurança individuais. Desse modo, o mais recomendável seria a reunião dessas ações a fim de garantir, com a tramitação e o julgamento conjuntos, a prolação de decisões harmônicas sobre a legitimidade da situação jurídica afetada pelo CNJ. O que fazer em concursos? A regra geral continua a mesma. Assim, as ações ordinárias propostas contra o CNJ são de competência do Juiz federal (1ª instância). Se for cobrada essa afirmação na prova, ela estará correta. No entanto, é possível que em algum concurso seja exigido este julgado no qual houve uma mitigação da interpretação restritiva do art. 102, I, “r”, da CF/88. Neste caso, contudo, o concurso provavelmente irá descrever a situação acima explicada.

DIREITO PENAL

DOSIMETRIA DA PENA Correto conceito de culpabilidade, princípio da não-culpabilidade e vedação ao bis in idem

Determinado réu foi condenado por furto qualificado por rompimento de obstáculo (art. 155, § 4º, I, do CP).

O STF considerou incorreta a sentença do juiz que, na 1ª fase da dosimetria da pena, aumentou a pena-base com fundamento em três argumentos:

a) Culpabilidade. O magistrado afirmou que era patente a culpabilidade do réu considerando que ele tinha plena consciência da ilicitude de seu ato.

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O juiz confundiu os conceitos. Para fins de dosimetria da pena, culpabilidade consiste na reprovação social que o crime e o autor do fato merecem. Essa culpabilidade de que trata o art. 59 do CP não tem nada a ver com a culpabilidade como requisito do crime (imputabilidade, potencial consciência da ilicitude do fato e inexigibilidade de conduta diversa).

b) Antecedentes. O juiz aumentou a pena pelo fato de o agente já responder a quatro outros processos criminais.

A jurisprudência entende que, em face do princípio da presunção de não culpabilidade, os inquéritos policiais e ações penais em curso não podem ser considerados maus antecedentes (Súmula 444-STJ e STF RE 591054/SC).

c) Circunstâncias do crime. O julgador considerou que as circunstâncias do crime eram negativas porque o crime foi praticado com rompimento de obstáculo à subtração da coisa.

Aqui, o erro do magistrado foi utilizar como circunstância judicial (1ª fase da dosimetria) um elemento que ele já considerou como qualificadora (inciso I do § 4º do art. 155). Houve, portanto, bis in idem (dupla punição pelo mesmo fato).

STF. 2ª Turma. HC 122940/PI, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 13/12/2016 (Info 851).

Imagine a seguinte situação hipotética: João arrombou a porta de um comércio, de onde subtraiu uma televisão. Ficou provado que ele danificou uma grade e a porta do estabelecimento. O agente foi processado e condenado pela prática de furto qualificado (art. 155, § 4º, I, do CP). Até aqui, tudo bem. A polêmica começou na dosimetria da pena. Na 1ª fase, o juiz aumentou a pena-base invocando três circunstâncias judiciais que seriam negativas: a) Culpabilidade. O magistrado afirmou que era patente a culpabilidade do réu considerando que ele tinha plena consciência da ilicitude de seu ato. b) Antecedentes. O juiz aumentou a pena pelo fato de o agente já responder a quatro outros processos criminais. c) Circunstâncias do crime. O julgador considerou que as circunstâncias do crime eram negativas porque o crime foi praticado com rompimento de obstáculo à subtração da coisa. Agiu corretamente o magistrado na dosimetria da pena? NÃO. a) Culpabilidade Aqui o magistrado confundiu os conceitos. Para fins de dosimetria da pena, culpabilidade consiste na reprovação social que o crime e o autor do fato merecem. Ex: a culpabilidade (reprovabilidade) do crime de furto é intensa (elevada) se o agente, além de furtar os bens da casa, ainda urina no chão da residência ou nos móveis do proprietário. Neste caso, a pena-base poderia ser aumentada por causa disso. Essa culpabilidade de que trata o art. 59 do CP não tem nada a ver com a culpabilidade como requisito do crime (imputabilidade, potencial consciência da ilicitude do fato e inexigibilidade de conduta diversa). b) Antecedentes A jurisprudência entende que, em face do princípio da presunção de não culpabilidade, os inquéritos policiais e ações penais em curso não podem ser considerados maus antecedentes.

Súmula 444-STJ: É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.

Esse é também o entendimento do STF:

Ante o princípio constitucional da não culpabilidade, inquéritos e processos criminais em curso são neutros na definição dos antecedentes criminais. STF. Plenário. RE 591054/SC, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 17/12/2014 (repercussão geral) (Info 772).

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c) Circunstâncias do crime “São elementos acidentais que não participam da estrutura própria de cada tipo, mas que, embora estranhas à configuração típica, influem sobre a quantidade punitiva para efeito de agravá-la ou abrandá-la. [...] Entre tais circunstâncias, podem ser incluídos o lugar do crime, o tempo de sua duração, o relacionamento existente entre o autor e a vítima, a atitude assumida pelo delinquente no decorrer da realização do fato criminoso etc.” (SILVA FRANCO, Alberto. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial — Parte Geral. v. I, t. I, São Paulo : RT, 1997, p. 900). Aqui, o erro do magistrado foi utilizar como circunstância judicial (1ª fase da dosimetria) um elemento que ele já considerou como qualificadora (inciso I do § 4º do art. 155). Houve, portanto, bis in idem (dupla punição pelo mesmo fato).

FURTO Causa de aumento do § 1º pode ser aplicada tanto para furto simples como qualificado

Importante!!!

É legítima a incidência da causa de aumento de pena por crime cometido durante o repouso noturno (art. 155, § 1º) no caso de furto praticado na forma qualificada (art. 155, § 4º).

Não existe nenhuma incompatibilidade entre a majorante prevista no § 1º e as qualificadoras do § 4º. São circunstâncias diversas, que incidem em momentos diferentes da aplicação da pena.

Assim, é possível que o agente seja condenado por furto qualificado (§ 4º) e, na terceira fase da dosimetria, o juiz aumente a pena em 1/3 se a subtração ocorreu durante o repouso noturno.

A posição topográfica do § 1º (vem antes do § 4º) não é fator que impede a sua aplicação para as situações de furto qualificado (§ 4º).

STF. 2ª Turma. HC 130952/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 13/12/2016 (Info 851).

STJ. 6ª Turma. HC 306.450-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 4/12/2014 (Info 554).

ESTRUTURA DO FURTO

O crime de furto encontra-se tipificado no art. 155 do CP, que tem cinco parágrafos. Vejamos o que dispõe cada um deles: Caput: furto simples. § 1º: causa de aumento de pena para os casos em que o furto é praticado durante o repouso noturno. § 2º: causa de diminuição de pena, chamada pela doutrina de “furto privilegiado”. § 3º: a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico é equiparada à coisa móvel. § 4º: hipóteses de “furto qualificado”. § 5º: qualificadora para as hipóteses em que a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior. AUMENTO DE PENA PELO FURTO NOTURNO

Existe uma causa de aumento caso o furto seja praticado no período noturno. Veja:

§ 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.

Essa causa de aumento de pena do § 1º, além de se aplicar para os casos de furto simples (caput), pode também incidir nas hipóteses de furto qualificado (§ 4º)?

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SIM.

É legítima a incidência da causa de aumento de pena por crime cometido durante o repouso noturno (art. 155, § 1º) no caso de furto praticado na forma qualificada (art. 155, § 4º). Não existe nenhuma incompatibilidade entre a majorante prevista no § 1º e as qualificadoras do § 4º. São circunstâncias diversas, que incidem em momentos diferentes da aplicação da pena. Assim, é possível que o agente seja condenado por furto qualificado (§ 4º) e, na terceira fase da dosimetria, o juiz aumente a pena em 1/3 se a subtração ocorreu durante o repouso noturno. A posição topográfica do § 1º (vem antes do § 4º) não é fator que impede a sua aplicação para as situações de furto qualificado (§ 4º). STF. 2ª Turma. HC 130952/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 13/12/2016 (Info 851). STJ. 6ª Turma. HC 306.450-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 4/12/2014 (Info 554).

Exemplo: Se João e Pedro, durante a madrugada, invadem a residência da vítima enquanto esta dormia, e de lá subtraem a televisão, eles irão ter praticado furto qualificado:

§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.

Além disso, na 3ª fase da dosimetria da pena, ao analisar as causas de aumento, o juiz irá aumentar a pena em 1/3 pelo fato de o crime ter sido cometido durante o repouso noturno, conforme prevê o § 1º.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PROVAS Antecipação da prova testemunhal pela gravidade do crime e possibilidade concreta de perecimento

A antecipação da prova testemunhal prevista no art. 366 do CPP pode ser justificada como medida necessária pela gravidade do crime praticado e possibilidade concreta de perecimento, haja vista que as testemunhas poderiam se esquecer de detalhes importantes dos fatos em decorrência do decurso do tempo.

Além disso, a antecipação da oitiva das testemunhas não traz nenhum prejuízo às garantias inerentes à defesa. Isso porque quando o processo retomar seu curso, caso haja algum ponto novo a ser esclarecido em favor do réu, basta que seja feita nova inquirição.

STF. 2ª Turma. HC 135386/DF, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgado em 13/12/2016 (Info 851).

Se o acusado é citado por edital, mesmo assim o processo continua normalmente? O art. 366 do CPP estabelece que: se o acusado for citado por edital e não comparecer ao processo nem constituir advogado o processo e o curso da prescrição ficarão suspensos. Se o réu comparecer ao processo ou constituir advogado, o processo e o prazo prescricional voltam a correr normalmente. O objetivo do art. 366 é garantir que o acusado que não foi pessoalmente citado não seja julgado à revelia.

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Produção antecipada de provas urgentes e prisão preventiva O art. 366 do CPP afirma que se o acusado, citado por edital, não comparecer nem constituir advogado, o juiz poderá determinar:

a produção antecipada de provas consideradas urgentes e

decretar a prisão preventiva do acusado se estiverem presentes os requisitos do art. 312 do CPP (o simples fato do acusado não ter sido encontrado não é motivo suficiente para decretar sua prisão preventiva).

Produção antecipada das provas consideradas urgentes: No caso do art. 366 do CPP, o juiz poderá determinar a produção antecipada de provas consideradas urgentes. Para que o magistrado realize a colheita antecipada das provas, exige-se que seja demonstrada a real necessidade da medida. Assim, toda produção antecipada de provas realizada nos termos do art. 366 do CPP está adstrita à sua necessidade concreta, devidamente fundamentada. Nesse sentido, existe, inclusive, entendimento sumulado do STJ:

Súmula 455-STJ: A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no artigo 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo.

A oitiva de testemunhas pode ser considerada prova urgente para os fins do art. 366 do CPP? Sim, desde que as circunstâncias do caso revelem a possibilidade concreta de perecimento. Ex: a testemunha possui idade avançada e se encontra enferma, com possibilidade concreta de morte. Feitos os devidos esclarecimentos, imagine a seguinte situação analisada pelo STF: O réu foi denunciado pela prática de homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302 do CTB). Como estava foragido, foi citado por edital, com a consequente suspensão do processo (art. 366 do CPP). O juiz determinou, em seguida, a realização de audiência de produção antecipada de prova. A Defensoria Pública, que fazia a assistência jurídica do réu, impetrou habeas corpus alegando haver cerceamento de defesa em virtude de a antecipação de prova ter tido como único fundamento o decurso do tempo. O STF concordou com o argumento da defesa? NÃO.

A 2ª Turma do STF entendeu que a antecipação da prova testemunhal foi medida necessária pela gravidade do crime praticado e possibilidade concreta de perecimento, haja vista que as testemunhas poderiam se esquecer de detalhes importantes dos fatos em decorrência do decurso do tempo. Além disso, a antecipação da oitiva das testemunhas não traz nenhum prejuízo às garantias inerentes à defesa. Isso porque quando o processo retomar seu curso, caso haja algum ponto novo a ser esclarecido em favor do réu, basta que seja feita nova inquirição. Portanto, segundo decisão da Turma, o magistrado utilizou-se da prudência necessária a fim de resguardar a produção probatória e, em última análise, o resultado prático do processo penal. STF. 2ª Turma. HC 135386/DF, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgado em 13/12/2016 (Info 851).

Esta decisão do STF neste HC 135386/DF vai de encontro à Súmula 455 do STJ? NÃO. O STF entendeu que havia possibilidade concreta de perecimento. Desse modo, para o Tribunal, a decisão foi concretamente fundamentada. No caso, o juiz não decidiu apenas com base no decurso do tempo, tendo ele também suscitado outros argumentos, como o fato de que houve dificuldade na localização das testemunhas e que os endereços que havia nos autos eram apenas profissionais (e não residenciais). Assim, não significa que neste HC 135386/DF tenha havido mudança de entendimento sobre o tema.

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Vale ressaltar, inclusive, que a defesa, antes de impetrar o HC no STF, já havia manejado o writ no STJ, tendo ali sido igualmente negado o pedido de nulidade, conforme se pode observar pela ementa abaixo:

(...) 1. A antecipação da produção de prova, com base no art. 366 do Código de Processo Penal, encontra-se, no caso em exame, concretamente fundamentada em razão do decurso do tempo aliado à condição de policial militar de uma das testemunhas, circunstância fática relevante que autoriza a medida antecipatória e que não implica ofensa ao teor do Enunciado n. 455 da Súmula do STJ. 2. Em relação às demais testemunhas, também há motivação concreta a justificar a oitiva antecipada, uma vez que as instâncias ordinárias embasaram-se na dificuldade de localização, por não possuírem vínculo com a vítima ou com o acusado, especialmente porque constam dos autos apenas os endereços profissionais e não residenciais. (...) STJ. 6ª Turma. HC 346.603/DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. p/ Acórdão Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 24/05/2016.

DIREITO TRIBUTÁRIO

DEPOSITÁRIO INFIEL DE DÉBITOS TRIBUTÁRIOS Inconstitucionalidade da Lei nº 8.866/94

É inconstitucional a Lei nº 8.866/94, que estabelece a possibilidade de prisão do depositário infiel de débitos tributários.

Esta é uma ferramenta desproporcional de aumento de arrecadação, que viola os princípios do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e as súmulas vinculantes 28 e 25.

STF. Plenário. ADI 1055/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 15/12/2016 (Info 851).

Lei nº 8.866/94 A Lei nº 8.866/94 trata sobre o depositário infiel de valor pertencente à Fazenda Pública. Segundo esta Lei, é considerado depositário da Fazenda Pública a pessoa a que a legislação tributária ou previdenciária imponha a obrigação de reter ou receber de terceiro, e recolher aos cofres públicos, impostos, taxas e contribuições, inclusive à Seguridade Social (art. 1º). Desse modo, pelo texto legal, se a pessoa tiver a responsabilidade de reter o tributo pago por um terceiro (ex: empregador em relação às contribuições previdenciárias do empregado), esta pessoa seria considerada depositária da Fazenda Pública. Ainda de acordo com a Lei, se a pessoa não entregasse à União esses valores que ela deveria recolher, seria considerada depositária infiel, podendo ser presa. Pela Lei, a União poderia ajuizar ação de depósito fiscal contra o depositário e se ele não depositasse o valor referente à divida na contestação, ou após a sentença, no prazo de 24 horas, seria preso. Vale ressaltar que o devedor poderia sofrer este processo judicial de depósito mesmo sem que tivesse chegado ao fim o processo administrativo fiscal. Esta Lei é compatível com a Constituição Federal? NÃO. O STF declarou a inconstitucionalidade da Lei nº 8.866/94.

É inconstitucional a Lei nº 8.866/94, que estabelece a possibilidade de prisão do depositário infiel de débitos tributários. Esta é uma ferramenta desproporcional de aumento de arrecadação, que viola os princípios do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e as súmulas vinculantes 28 e 25. STF. Plenário. ADI 1055/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 15/12/2016 (Info 851).

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Violação ao princípio da proporcionalidade O Fisco já dispõe de mecanismos para a execução fiscal, como a possibilidade de penhora de bens e a inscrição do devedor em cadastro de inadimplentes, sendo desnecessária a ferramenta prevista na Lei nº 8.866/94. Na verdade, esta Lei cria uma situação desproporcional para maximizar a arrecadação. Ofensa aos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa Além disso, a lei questionada permitia o ajuizamento de ação judicial apenas com base em “declaração feita pela pessoa física ou jurídica, do valor descontado ou recebido de terceiro, constante em folha de pagamento ou em qualquer outro documento fixado na legislação tributária ou previdenciária, e não recolhido aos cofres públicos” (Lei 8.866/94, art. 2º, I), sem exigir a o término do processo administrativo fiscal, o que fere o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, da CF/88). Exigência de depósito da quantia para contestar viola a SV 28 A Lei nº 8.866/94, ao exigir que a contestação seja apresentada com o depósito do numerário sob pena de revelia, equivale a exigir depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial, o que é manifestamente proibido pelo STF, nos termos da Súmula Vinculante 28 ("É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário"). Vale ressaltar, ainda, que a jurisprudência do STF veda a utilização de meios coercitivos indiretos de cobrança de dívida. Inconvencionalidade da prisão por dívida do depositário infiel Outros Ministros que acompanharam o voto mencionaram, ainda, um outro fundamento de ordem convencional: o fato de o Brasil ser signatário do Pacto de San José da Costa Rica, que veda a prisão por dívida. Foi justamente com base neste tratado internacional que, em 2008, o STF declarou a impossibilidade de prisão por dívida do depositário infiel. Esta decisão resultou, posteriormente, na edição da Súmula Vinculante 25, que tem a seguinte redação: "É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito." Ações de depósito em curso Em suma, a Lei nº 8.866/94 foi declarada inconstitucional. No entanto, para evitar insegurança jurídica ou qualquer prejuízo ao erário em relação aos prazos prescricionais, o STF definiu que as ações de depósito fiscal em curso que haviam sido propostas com base nessa legislação deverão ser transformadas em ação de cobrança, de rito ordinário, com oportunidade ao Poder Público para a sua adequação ou para requerer a sua extinção. DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR TRIBUTOS Os contribuintes possuem uma série de direitos fundamentais, que estão previstos nos arts. 150 a 152 da CF/88 e que se constituem em limitações impostos aos poder de tributar. Existe, no entanto, uma corrente de pensamento no Direito Tributário que defende que, por outro lado, os contribuintes possuem também um dever fundamental de pagar os tributos. Desse modo, é como se fosse um outro lado da moeda. Se por um lado, os contribuintes possuem garantias, por outro, possuem também um dever: o de pagar regularmente os tributos cobrados. Existe, inclusive, um livro muito famoso sobre o tema chamado "O dever fundamental de pagar impostos" (Editora Almedina), de autoria do Professor português José Casalta Nabais. Quando se entende que existe um dever fundamental de pagar tributos, isso traz algumas consequências jurídicas, como por exemplo: a) é possível, em tese, utilizar isso como argumento para declarar constitucional uma lei que imponha enorme controle para evitar sonegação; b) é possível, em tese, declarar inconstitucional uma lei que conceda isenções de impostos de forma desproporcional, sem justificativas.

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Este dever fundamental de pagar tributos existe porque o Estado possui obrigações para com as pessoas e estas somente podem ser atendidas se houver arrecadação. Assim, o Poder Público precisa fornecer saúde, educação, segurança, direitos sociais e isso é custeado, em sua grande parte, pelos recursos arrecadados com os tributos. O dever fundamental de pagar tributos está previsto na CF/88? SIM. Esta é a opinião do Ministro Gilmar Mendes. Em seu voto, ele afirma que tal dever está previsto no art. 145, § 1º, que tem a seguinte redação:

§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Isso tem grande importância para o debate acadêmico sobre o tema e poderá também ser cobrado na sua prova. Por essa razão, fique atento. Confira o trecho do Informativo que transcreve as palavras do Ministro: "É cediço que há o dever fundamental de pagar tributos, entretanto os meios escolhidos pelo Poder Público devem estar jungidos à necessidade da medida, à adequação e à proporcionalidade, em sentido estrito, de restringir os meios de adimplemento em caso de cobrança judicial, as quais não estão presentes na apreciação da legislação ora questionada. O Estado brasileiro baseia-se em receitas tributárias. Um texto constitucional como o nosso, pródigo na concessão de direitos sociais e na promessa de prestações estatais aos cidadãos, deve oferecer instrumentos suficientes para que possa fazer frente às inevitáveis despesas que a efetivação dos direitos sociais requer. O tributo é esse instrumento. Considera-se, portanto, a existência de um dever fundamental de pagar impostos. No caso da Constituição, esse dever está expresso no § 1º do art. 145."

COFINS Portaria nº 655/93 e parcelamento de débitos de COFINS

Não viola o princípio da isonomia e o livre acesso à jurisdição a restrição de ingresso no parcelamento de dívida relativa à Contribuição para Financiamento da Seguridade Social - COFINS, instituída pela Portaria nº 655/93, dos contribuintes que questionaram o tributo em juízo com depósito judicial dos débitos tributários.

STF. Plenário. RE 640905/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 15/12/2016 (repercussão geral) (Info 851).

Programa de parcelamento para contribuintes da COFINS A COFINS (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) é uma espécie de tributo instituída pela Lei Complementar 70/91, nos termos do art. 195, I, “b”, da CF/88. Em 1993, o Ministério da Fazenda editou uma portaria (Portaria nº 655/93) possibilitando que as pessoas que estivessem devendo COFINS pudessem parcelar estes débitos. Veja o que disse o art. 1º:

Art. 1º Os débitos para com a Fazenda nacional, decorrentes da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social-COFINS, instituída pela Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991, vencidos até 30 de novembro de 1993, poderão ser objeto de parcelamento em até oitenta prestações mensais e sucessivas, se requerido até 15 de março de 1994.

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Ocorre que o art. 4º da Portaria afirmou que os débitos que fossem objeto de depósito judicial, em razão do questionamento do tributo na Justiça, não seriam incluídos no parcelamento.

Art. 4º Os débitos que foram objeto de depósito judicial não poderão ser parcelados.

Diversos contribuintes que ficaram impedidos de aderir ao parcelamento por conta desta vedação ingressaram com ações judiciais questionando a constitucionalidade do art. 4º da Portaria. Argumentavam que este ato violou os princípios da isonomia e da universalidade do acesso à jurisdição, considerando que deram tratamento diferente aos contribuintes pelo simples fato de eles terem recorrido ao Poder Judiciário para questionar o tributo. O argumento dos contribuintes foi aceito pelo STF? O art. 4º da Portaria nº 655/93 é inconstitucional? NÃO.

Não viola o princípio da isonomia e o livre acesso à jurisdição a restrição de ingresso no parcelamento de dívida relativa à Contribuição para Financiamento da Seguridade Social - COFINS, instituída pela Portaria nº 655/93, dos contribuintes que questionaram o tributo em juízo com depósito judicial dos débitos tributários. STF. Plenário. RE 640905/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 16/12/2016 (repercussão geral) (Info 851).

A exceção feita ao parcelamento do débito fiscal, prevista no art. 4º da Portaria, não ofende os princípios da isonomia e do livre acesso à Justiça. Isonomia Não se pode aplicar um regime isonômico para pessoas em situação desigual perante o Fisco. Em outras palavras, não se pode tratar igualmente o contribuinte que deposita os valores em discussão e o contribuinte que nada faz. A portaria em questão não afronta o princípio da isonomia, uma vez que se distinguem duas situações completamente diferentes: a do contribuinte que voluntariamente efetuou o depósito judicial do débito, ficando imune aos consectários legais decorrentes da mora, e a do contribuinte que se quedou inerte em relação aos débitos que possuía com o fisco. São pessoas que estão em situação jurídica absolutamente diferentes. Se fosse aceita a tese do contribuinte, ele seria autorizado a retirar o dinheiro que depositou judicialmente com o objetivo de poder ir para a via extrajudicial parcelar o débito. No entanto, se ele não conseguisse pagar as parcelas, a Fazenda Pública teria que voltar a acioná-lo judicialmente, havendo, no caso, um desperdício de força processual imenso. Acesso ao judiciário Também não se pode falar em afronta ao princípio do livre acesso à jurisdição, uma vez que não se impõe o depósito judicial para ingressar em juízo. O contribuinte poderia ter questionado a COFINS sem fazer o depósito judicial. Ele opta por fazer o depósito judicial para ficar imune aos consectários legais decorrentes da mora.

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) Não cabe reclamação para o STF contra sentença que julgou improcedente pedido de direito de

resposta sob o fundamento de que não houve, no caso concreto, ofensa. ( ) 2) Se é proposta ADI contra uma medida provisória e, antes de a ação ser julgada, a MP é convertida em

lei esta ADI perde o objeto. ( )

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3) (TRF1 - prova oral - 2013) O STF se permite fazer o controle dos pressupostos de relevância e urgência da MP, em se tratando de um controle político?

4) É constitucional a criação de órgãos jurídicos na estrutura de Tribunais de Contas estaduais, vedada a atribuição de cobrança judicial de multas aplicadas pelo próprio tribunal. ( )

5) É inconstitucional norma estadual que preveja que compete à Procuradoria do Tribunal de Contas cobrar judicialmente as multas aplicadas pela Corte de Contas. ( )

6) Não é possível a existência de Procuradoria do Tribunal de Contas considerando que a atribuição para a representação judicial é privativa das Procuradorias do Estado, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. ( )

7) (Juiz TRF1 2015 CESPE) O TCU, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade dos atos administrativos do poder público, mas não a constitucionalidade das leis. ( )

8) Compete ao STJ decidir conflito negativo de atribuições entre Ministério Público estadual e Ministério Público Federal. ( )

9) A expropriação prevista no art. 243 da Constituição Federal pode ser afastada, desde que o proprietário comprove que não incorreu em culpa, ainda que in vigilando ou in eligendo. ( )

10) Os servidores ocupantes de cargo exclusivamente em comissão não se submetem à regra da aposentadoria compulsória prevista no art. 40, § 1º, II, da CF, a qual atinge apenas os ocupantes de cargo de provimento efetivo, inexistindo, também, qualquer idade limite para fins de nomeação a cargo em comissão. ( )

11) Ressalvados impedimentos de ordem infraconstitucional, não há óbice constitucional a que o servidor efetivo aposentado compulsoriamente permaneça no cargo comissionado que já desempenhava ou a que seja nomeado para cargo de livre nomeação e exoneração, uma vez que não se trata de continuidade ou criação de vínculo efetivo com a Administração. ( )

12) (Juiz Substituto TJDFT 2016 CESPE) Conforme entendimento do STF, sua competência originária contra atos do CNJ deve ser interpretada de forma restrita e se limita às ações tipicamente constitucionais. ( )

13) É legítima a incidência da causa de aumento de pena por crime cometido durante o repouso noturno (art. 155, § 1º) no caso de furto praticado na forma qualificada (art. 155, § 4º). ( )

14) (Juiz TRF1 2015 CESPE) Será válida a decisão que autorizar a produção antecipada de provas fundamentada no mero decurso do tempo, quando estiverem suspensos o processo penal e a prescrição diante da ausência de citação pessoal do réu. ( )

15) Em que consiste o chamado dever fundamental de pagar tributos? Ele está previsto na CF/88?

Gabarito

1. C 2. E 3. - 4. C 5. C 6. E 7. E 8. E 9. C 10. C

11.C 12.C 13.C 14.E 15. -

JULGADOS NÃO COMENTADOS

Direito Constitucional - Conflito Federativo. Fundo de Participação dos Estados e descontos relativos ao PROTERRA e ao PIN - 5 O Plenário, em conclusão e por maioria, julgou procedente o pedido formulado em ação cível originária para condenar a União a pagar as diferenças devidas — observado o prazo prescricional de cinco anos, considerada a data do ajuizamento da ação — concernentes aos repasses do Fundo de Participação dos Estados (FPE). Tal situação ocorreu devido à redução na base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), ante as deduções nos valores recolhidos das contribuições do Programa de Integração Nacional (PIN) e do Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste (PROTERRA), criados pelos Decretos-Leis 1.106/1970 e 1.179/1971 — v. Informativos 544 e 777. O Tribunal observou que a controvérsia versava sobre a repartição das receitas tributárias e, de acordo com o art. 159, I, a, da Constituição, a União deve entregar ao FPE 21,5% do produto da arrecadação do IRPJ e

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do imposto sobre produtos industrializados (IPI). Assim, as balizas referentes à regência dos tributos estariam bem definidas, não se podendo considerar outras políticas norteadas pelo interesse da União, sob pena de esvaziamento do que estabelecido no Diploma Maior. Aduziu ser sintomática norma que discipline cálculo e, de forma exaustiva, disponha sobre a exclusão de certa parcela ligada à técnica de arrecadação do IRPJ. Ressaltou que a única possibilidade de desconto permitida pela Constituição seria referente à quota-parte alusiva ao desconto na fonte relativamente a servidores dos Estados e do Distrito Federal (art. 157, I) e dos Municípios (art. 158, I), porque procedido pelas próprias unidades da Federação. Frisou que a consideração de outras parcelas para desconto dependeria de emenda constitucional, da mesma forma como se dera em relação ao Fundo Social de Emergência, instituído pela Emenda Constitucional de Revisão 1. Desta forma, o que arrecadado pela União, mediante sistema conducente à diminuição do que devido a título de IRPJ, presentes os programas federais PIN e PROTERRA, destinados a financiar despesas públicas, não poderia, sob o ângulo negativo, ser distribuído entre os Estados. Citou, ainda, o que decidido pelo Supremo no julgamento do RE 572762/SC (DJE de 5.9.2008), no sentido de assentar que, relativamente à participação dos Municípios alusiva ao que arrecadado a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), não caberia ao Estado a submissão à política implementada. Vencidos os ministros Menezes Direito, Eros Grau, Gilmar Mendes e Edson Fachin, que julgavam improcedente. O ministro Menezes Direito sublinhava que a receita em questão seria dedutiva com relação à arrecadação do imposto de renda, porque ela decorreria de uma opção individual do contribuinte. Por isso, deixaria de entrar, especificamente, como receita vinculada. O ministro Eros Grau sustentava que Estados e Municípios detêm mera expectativa de participar do produto da arrecadação. O ministro Gilmar Mendes afirmava que, do ponto de vista estritamente constitucional, entender que apenas a União deva suportar a repercussão econômica da instituição de benefícios fiscais de tributos de sua competência, ainda que o produto de sua arrecadação seja partilhado, parece tolher sua competência constitucionalmente prevista e inverter o modelo de federalismo de cooperação. Além disso, pertence aos Estados apenas o produto da arrecadação na forma do art. 159, I, da Constituição. A União é livre para exercer sua competência tributária ativa, até mesmo para promover medidas de incentivo fiscal, sem prejuízo da adoção de medidas políticas compensatórias. ACO 758/SE, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 19.12.2016. (ACO-758)

Direito Processual Civil - Prazos. Novo CPC e contagem de prazo em matéria penal A Segunda Turma afetou ao Plenário o julgamento de agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. A discussão é sobre o prazo para interpor agravo regimental em matéria criminal, bem como a sua forma de contagem, com o advento do Novo Código de Processo Civil. ARE 992066/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 13.12.2016. (ARE-992066) ARE 988549/RO, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 13.12.2016. (ARE-988549)

OUTRAS INFORMAÇÕES

R E P E R C U S S Ã O G E R A L DJe de 12 a 19 de dezembro de 2016

REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 905.149-RJ RELATOR: MIN. ROBERTO BARROSO

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LIBERDADES DE EXPRESSÃO E REUNIÃO. PROIBIÇÃO DE

MÁSCARAS EM MANIFESTAÇÕES. SEGURANÇA PÚBLICA. REPERCUSSÃO GERAL.

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Informativo 851-STF (12 a 19/12/2016) – Márcio André Lopes Cavalcante | 26

1. Constitui questão constitucional saber se lei pode ou não proibir o uso de máscaras em manifestações públicas, à luz das

liberdades de reunião e de expressão do pensamento, bem como da vedação do anonimato e do dever de segurança pública.

2. Repercussão geral reconhecida.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE 805.681-SC RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO. CONCURSO POR SORTEIO. GÊMEOS. MATRÍCULA DO GÊMEO

QUE NÃO FOI SORTEADO, SOB O FUNDAMENTO DE QUE TERIA DIREITO À MATRÍCULA NA MESMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO DO IRMÃO

GÊMEO. SÚMULAS 279 E 454 DO STF. OFENSA REFLEXA. INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

I – O Tribunal de origem decidiu a discussão acerca de se matricular irmão gêmeo no mesmo colégio no qual o out ro alcançou vaga

por meio de um sorteio com fundamento nos fatos e na legislação infraconstitucional aplicável ao caso. Para divergir desse en tendimento,

seria necessária a análise de fatos e das normas infraconstitucionais, além da interpretação das cláus ulas do edital que regem o sorteio.

Incidência das Súmulas 279 e 454 desta Corte.

II – Controvérsia que não ultrapassa o interesse das partes que atuam nos autos, não possuindo relevância do ponto de vista

econômico, político, social ou jurídico a justificar o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal.

III – Inexistência de repercussão geral da questão suscitada, nos termos do art. 1.035, caput, do Código de Processo Civil.

REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 995.539-SP RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. SERVIDOR PÚBLICO. JUROS DE MORA SOBRE PARCELA

REMUNERATÓRIA ATRASADA. RECONHECIMENTO ADMINISTRATIVO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

1. Não tem repercussão geral, em razão de sua natureza infraconstitucional, a controvérsia relativa à legitimidade de o Poder

Público reconhecer administrativamente a incidência de juros de mora pelo pagamento atrasado de parcela remuneratória devida a

servidor.

2. É cabível a atribuição dos efeitos da declaração de ausência de repercussão geral quando não há matéria constitucional a ser

apreciada ou quando eventual ofensa à Carta Magna ocorra de forma indireta ou reflexa (RE 584.608-RG, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJe de

13/3/2009).

3. Ausência de repercussão geral da questão suscitada, nos termos do art. 1.035 do CPC/2015.

Decisões Publicadas: 3

C L I P P I N G D O D JE 12 a 19 de dezembro de 2016

AP N. 695-MT RELATORA: MIN. ROSA WEBER

DEPUTADO FEDERAL. OPERAÇÃO SANGUESSUGA. RÉU MAIOR DE 70 ANOS. BENEFÍCIO ETÁRIO DO ART. 115 DO CP. REDUÇÃO À

METADE DO LAPSO PRESCICIONAL. PRESCRIÇÃO PELAS PENAS EM ABSTRATO QUANTO AOS CRIMES DE QUADRILHA E LAVAGEM DE CAPITAIS.

PRESCRIÇÃO RETROATIVA PELA PENA CONCRETAMENTE FIXADA QUANTO AOS CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA. CONDENAÇÃO PREJUDICADA.

EXTINÇÃO DO PROCESSO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.

1. Considerando que réu é maior de 70 anos, reduz-se o prazo prescricional pela metade, ex vi do artigo 115 do CP. Favor etário que leva à

prescrição dos delitos de quadrilha e lavagem de capitais, tendo em vista o tempo transcorrido entre a data de recebimento da denúncia no

primeiro grau de jurisdição e o julgamento da causa. Extinção da punibilidade quanto aos crimes do artigo 288 do CP, e do art. 1º, V e VII, da Lei nº

9.613/1998, nos termos do artigo 109, II e III, c/c artigo 115, todos do CP.

2. Delito de corrupção passiva previsto no art. 317 do CP, com a causa de aumento do § 1º do mesmo dispositivo legal, configurado pelo

recebimento direto e indireto de vantagens financeiras sem explicação causal razoável, pela inferência de liame entre o recebimento e o exercício

do mandato parlamentar, e, ainda, a prática de atos funcionais concreta ou potencialmente benéficos ao responsável pelos pagamentos. Extinção

da punibilidade pela prescrição retroativa da pena concretamente fixada, restando prejudicada a condenação quanto aos crimes do art. 317, § 1º,

do CP, nos termos do artigo 109, III, c/c art. 115 e art. 119, todos do CP.

AG. REG. NO ARE N. 952.458-SP RELATORA: MIN. ROSA WEBER EMENTA: DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO.

REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA. PROCEDIMENTO VEDADO NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. NEGATIVA DE SEGUIMENTO A RECURSO

EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO QUE NÃO ATACA TODOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. IRREGULARIDADE FORMAL. ART. 1.021, §

1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E ART. 317, § 1º, DO REGIMENTO INTERNO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO MANEJADO SOB

A VIGÊNCIA DO CPC/2015.

1. Não preenchimento do requisito de regularidade formal expresso nos arts. 1.021, § 1º, do Código de Processo Civil e 317, § 1º,

do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal: “Na petição de agravo interno, o recorrente impugnará especificadamente os

fundamentos da decisão agravada” e “A petição conterá, sob pena de rejeição liminar, as razões do pedido de reforma da decisão

agravada”. Ausência de ataque, nas razões do agravo regimental, aos fundamentos da decisão agravada.

2. Majoração em 10% (dez por cento) dos honorários anteriormente fixados, obedecidos os limites previstos no artigo 85, §§ 2º, 3º

e 11, do CPC/2015.

3. Agravo regimental não conhecido.

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AG. REG. NO ARE N. 969.831-SC RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO – MATÉRIA FÁTICA E LEGAL. O recurso extraordinário não é meio próprio ao revolvimento da prova, também

não servindo à interpretação de normas estritamente legais.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Descabe a fixação de honorários recursais, preconizados no artigo 85, § 11 do Código de Processo Civil de

2015, quando tratar-se de extraordinário formalizado no curso de processo cujo rito os exclua.

MS N. 33.759-DF RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

CONCURSO PÚBLICO – PROVAS SUBJETIVAS – CORREÇÃO – ILEGALIDADE – AUSÊNCIA – MANDADO DE SEGURANÇA – INDEFERIMENTO DA

ORDEM. Não verificada situação de ilegalidade, descabe ao Judiciário adentrar o mérito das avaliações realizadas no decorrer de concurso público.

HC N. 134.383-MT RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Ementa: HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. REQUISITOS. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. DIREITO DE APELAR

EM LIBERDADE. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. DIREITO NÃO ABSOLUTO EM FACE DA GARANTIA DA ORDEM ORDEM PÚBLICA E DA APLICAÇÃO

DA LEI PENAL. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO. IMPROCEDÊNCIA. ORDEM DENEGADA.

I – O decreto de prisão preventiva que preenche os requisitos legais por meio de fundamentação idônea não viola a garantia da

presunção de inocência. Precedentes.

II – O fato de o paciente permanecer livre durante o trâmite da ação penal não gera o “direito adquirido” de aguard ar o julgamento

do recurso de apelação em liberdade. A prisão cautelar pode ser decretada em qualquer fase da investigação policial ou do pro cesso penal,

ou seja, ainda que na fase instrutória não tenha sido necessária, ao prolatar a sentença condenatória, sendo lícito ao magistrado

determinar a segregação cautelar, se presentes, de forma superveniente, os requisitos autorizadores. Inteligência do art. 311 do Código de

Processo Penal.

III – Não há excesso de prazo quando a alegada demora no julgamento dos recursos de apelação tem origem no direito à ampla

defesa e na complexidade do caso, não podendo ser imputada aos órgãos do Estado (Poder Judiciário, Ministério Público ou auto ridade

policial). Precedentes.

IV – Habeas Corpus denegado.

AG. REG. NO ARE N. 990.063-SP RELATOR: MIN. EDSON FACHIN

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO TRIBUTÁRIO. IPTU. EXIGIBILIDADE DA EXAÇÃO.

PUBLICAÇÃO DE PLANTAS GENÉRICAS. BASE DE CÁLCULO. RECURSO POSTERIOR AO ADVENTO DO CPC/15.

1. A controvérsia relativa à publicidade da planta de valores tomadas como base de cálculo do IPTU cinge-se ao âmbito infraconstitucional.

Súmulas 279 e 280 do STF.

2. Majoração em ¼ (um quarto) dos honorários fixados anteriormente. Art. 85, §11, do CPC.

3. Agravo regimental a que se nega provimento, com aplicação de multa, nos termos do art. 1.021, §4º, do CPC.

Acórdãos Publicados: 699

TRANSCRIÇÕES

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais

aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham

despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Anteprojeto de Lei de Iniciativa Popular Autuado como Projeto de Lei de Iniciativa Parlamentar - Desvirtuação da Essência do

Projeto (Transcrições)

MS 34.530/DF*

RELATOR: Ministro Luiz Fux

DIREITO CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. INTERESSE DE PARLAMENTAR À OBSERVÂNCIA DO

DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO CONSTITUCIONAL. CONTROLE PREVENTIVO DE CONSTITUCIONALIDADE

ADMITIDO. ANTEPROJETO DE LEI DE INICIATIVA POPULAR AUTUADO COMO PROJETO DE LEI DE INICIATIVA

PARLAMENTAR. DESVIRTUAÇÃO DA ESSÊNCIA DO PROJETO. VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 14, III, E 61, § 2º, DA

CONSTITUIÇÃO. VULNERAÇÃO DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. MEDIDA

LIMINAR DEFERIDA.

Decisão: Cuida-se de mandado de segurança impetrado por Deputado Federal no exercício do mandato em face de ato da Mesa Diretora da Câmara

dos Deputados no que se refere à tramitação da Emenda de Plenário (EMP) nº 4, acessória ao Projeto de Lei (PL) nº 4.850/2016.

Narra a inicial que a referida emenda de plenário acrescentou ao substitutivo do Projeto de Lei nº 4.850/2016 título que dispõe sobre crimes de abuso de autoridade de Magistrados e membros do Ministério Público, além de dispor sobre a responsabilidade de quem ajuíza ação civil pública e de

improbidade temerárias, com má-fé, manifesta intenção de promoção pessoal ou visando perseguição política. Informa o impetrante que a emenda foi

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Informativo 851-STF (12 a 19/12/2016) – Márcio André Lopes Cavalcante | 28

votada em separado no Plenário da Câmara, aprovada e encaminhada ao Senado Federal por meio do Ofício nº 1.769/2016/SGM-P, de 30 de

novembro de 2016.

Alega o impetrante violação ao devido processo legislativo, por violação à iniciativa privativa do Supremo Tribunal Federal para proposição de lei complementar que disponha sobre o estatuto da magistratura (art. 93 da CRFB) e do Procurador-Geral da República para lei complementar

sobre estatuto do Ministério Público (art. 128, § 5º, da CRFB). Argumenta-se, ainda, que a emenda de plenário violou o âmbito do anteprojeto de

iniciativa da lei anticorrupção, tratando de matéria que foge ao objeto do projeto. Requer medida liminar inaudita altera parte para a anulação da votação da Emenda de Plenário (EMP) nº 4, acessória ao Projeto de Lei (PL)

nº 4.850/2016, bem como a cessação de seus efeitos na redação final da Câmara dos Deputados e, consequentemente, a supressão do Título III (arts.

8º e 9º) do Projeto de Lei da Câmara nº 80/2016, em tramitação no Senado Federal. A inicial foi aditada apenas para inserir o pedido principal, de confirmação dos efeitos da liminar.

É o relatório. Passo decidir.

Verifico presentes os requisitos para a concessão da medida de urgência postulada.

No que diz respeito ao cabimento, é assente a jurisprudência desta Corte admitindo a impetração de Mandado de Segurança por Parlamentar, no exercício do mandato, a fim de tutelar direito líquido e certo à observância do devido processo legislativo constitucional. A esse respeito, convém a

transcrição do seguinte precedente:

“Ementa: CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTROLE PREVENTIVO DE CONSTITUCIONALIDADE

MATERIAL DE PROJETO DE LEI. INVIABILIDADE. 1. Não se admite, no sistema brasileiro, o controle jurisdicional de constitucionalidade material de projetos de lei (controle preventivo de normas em curso de formação). O que a jurisprudência do STF tem

admitido, como exceção, é “a legitimidade do parlamentar - e somente do parlamentar - para impetrar mandado de segurança com a

finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de lei ou emenda constitucional incompatíveis com disposições

constitucionais que disciplinam o processo legislativo” (MS 24.667, Pleno, Min. Carlos Velloso, DJ de 23.04.04). Nessas excepcionais

situações, em que o vício de inconstitucionalidade está diretamente relacionado a aspectos formais e procedimentais da atuação

legislativa, a impetração de segurança é admissível, segundo a jurisprudência do STF, porque visa a corrigir vício já efetivamente

concretizado no próprio curso do processo de formação da norma, antes mesmo e independentemente de sua final aprovação ou não.

2. Sendo inadmissível o controle preventivo da constitucionalidade material das normas em curso de formação, não cabe atribuir a

parlamentar, a quem a Constituição nega habilitação para provocar o controle abstrato repressivo, a prerrogativa, sob todos os aspectos mais abrangente e mais eficiente, de provocar esse mesmo controle antecipadamente, por via de mandado de segurança. 3. A prematura intervenção

do Judiciário em domínio jurídico e político de formação dos atos normativos em curso no Parlamento, além de universalizar um sistema de

controle preventivo não admitido pela Constituição, subtrairia dos outros Poderes da República, sem justificação plausível, a prerrogativa constitucional que detém de debater e aperfeiçoar os projetos, inclusive para sanar seus eventuais vícios de inconstitucionalidade. Quanto mais

evidente e grotesca possa ser a inconstitucionalidade material de projetos de leis, menos ainda se deverá duvidar do exercício responsável do papel

do Legislativo, de negar-lhe aprovação, e do Executivo, de apor-lhe veto, se for o caso. Partir da suposição contrária significaria menosprezar a seriedade e o senso de responsabilidade desses dois Poderes do Estado. E se, eventualmente, um projeto assim se transformar em lei, sempre

haverá a possibilidade de provocar o controle repressivo pelo Judiciário, para negar-lhe validade, retirando-a do ordenamento jurídico. 4.

Mandado de segurança indeferido.” (MS 32033, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Relator(a) p/ Acórdão: Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em

20/06/2013)

O fumus boni iuris resta presente, ante a multiplicidade de vícios que, primo ictu oculi, são observáveis no processo legislativo do Projeto de Lei (PL) nº 4.850/2016, atualmente em curso no Senado Federal como Projeto de Lei da Câmara nº 80/2016.

A iniciativa popular de leis é, ao lado do voto, do plebiscito e do referendo, forma de exercício da soberania do povo no regime democrático

brasileiro (art. 14, III, da Constituição), assegurando-se, por esse mecanismo, participação direta dos cidadãos na vida política da República. A via contemplada pela Carta Magna para a reverberação da vontade da sociedade exige, para que se resguarde sua efetividade mínima, duas características

fundamentais do devido processo legislativo constitucional.

Em primeiro lugar, o projeto subscrito pela parcela do eleitorado definida no art. 61, § 2º, da Constituição deve ser recebido pela Câmara dos Deputados como proposição de autoria popular, vedando-se a prática comum de apropriação da autoria do projeto por um ou mais deputados. A

assunção da titularidade do projeto por parlamentar, legitimado independente para dar início ao processo legislativo, amesquinha a magnitude

democrática e constitucional da iniciativa popular, subjugando um exercício por excelência da soberania pelos seus titulares aos meandros legislativos nem sempre permeáveis às vozes das ruas. Nesse ponto, é relevante destacar que desde 1988 não houve nenhum projeto sequer autuado formalmente

como de iniciativa popular na Câmara dos Deputados, atestando não apenas o completo desprestígio com que este instrumento democrático é tratado,

mas também a eliminação de qualquer efetividade das normas constitucionais que regem o tema.

Vale lembrar que a autuação do anteprojeto de iniciativa popular como se apresentado à Casa por parlamentar, tem consequências relevantes

em termos procedimentais, malferindo o devido processo legislativo constitucional adequado. Conforme o art. 24, II, ‘c’, do Regimento Interno da

Câmara dos Deputados, as Comissões não podem discutir e votar projetos de lei de iniciativa popular, que seguem o rito previsto no art. 252 do referido diploma. Deve a sessão plenária da Câmara ser transformada em Comissão Geral, sob a direção de seu Presidente, para a discussão de projeto

de lei de iniciativa popular, com a presença de orador para defendê-lo (art. 91, II). Além disso, as proposições de iniciativa popular não são arquivadas

ao final da legislatura (art. 105, IV). Todo esse iter, formulado especialmente para assegurar um exame de maior profundidade quanto à proposta diretamente apresentada pela sociedade, é indevidamente afastado quando parlamentares subtraem a iniciativa do projeto, originariamente popular, e a

assumem em nome próprio.

Como corolário da primeira exigência, figura uma segunda: a de que o projeto de lei de iniciativa popular seja debatido na sua essência, interditando-se emendas e substitutivos que desfigurem a proposta original para simular apoio público a um texto essencialmente distinto do subscrito

por milhões de eleitores. Note-se que, nos termos do art. 57, IV, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, a Comissão, ao apreciar qualquer

matéria, pode: (i) propor a sua adoção ou a sua rejeição total ou parcial; (ii) sugerir o seu arquivamento; (iii) formular projeto dela decorrente; (iv) dar-lhe substitutivo; e (v) apresentar emenda ou subemenda. Já o art. 191, ao tratar do processamento da votação, dispõe que o substitutivo de

Comissão tem preferência na votação em relação ao projeto, sendo que a aprovação do primeiro torna prejudicado o segundo (incisos II a IV). Dessa

maneira, antes que seja submetido a qualquer reflexão aprofundada na Casa legislativa, o projeto é extirpado em seu nascedouro quando é apresentado um substitutivo por proposta de parlamentar, não sendo sequer apreciada e rejeitada a formulação popular.

À míngua desses elementos, ocorre evidente sobreposição do anseio popular pelos interesses parlamentares ordinários, frustrando a ratio

essendi da figura constitucional, destinada a abrir à sociedade uma porta de entrada eficaz, no Congresso Nacional, para que seus interesses sejam

apreciados e discutidos nos termos apresentados. Há apenas simulacro de participação popular quando as assinaturas de parcela significativa do

eleitorado nacional são substituídas pela de alguns parlamentares, bem assim quando o texto gestado no consciente popular é emendado com matéria

estranha ou fulminado antes mesmo de ser debatido, atropelado pelas propostas mais interessantes à classe política detentora das cadeiras no Parlamento nacional. Essas conclusões não amesquinham, senão ampliam os canais democráticos nas Casas legislativas, considerada a legitimidade

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de qualquer Parlamentar para apresentar projeto próprio, que será apensado ao de iniciativa popular para tramitação conjunta (artigos 139, I; 142 e

143 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados).

Em semelhante prisma, o Plenário desta Corte já entendeu ser vedada pela Constituição a prática de introdução de matéria estranha ao conteúdo de medida provisória no processo legislativo destinado à sua conversão, por meio de emenda parlamentar, precisamente por vulnerar o

princípio democrático e o devido processo legislativo. Eis a ementa do julgado:

“DIREITO CONSTITUCIONAL. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. EMENDA PARLAMENTAR EM PROJETO DE

CONVERSÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA EM LEI. CONTEÚDO TEMÁTICO DISTINTO DAQUELE ORIGINÁRIO DA MEDIDA PROVISÓRIA. PRÁTICA EM DESACORDO COM O PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO E COM O DEVIDO PROCESSO LEGAL (DEVIDO

PROCESSO LEGISLATIVO). 1. Viola a Constituição da República, notadamente o princípio democrático e o devido processo

legislativo (arts. 1º, caput, parágrafo único, 2º, caput, 5º, caput, e LIV, CRFB), a prática da inserção, mediante emenda parlamentar

no processo legislativo de conversão de medida provisória em lei, de matérias de conteúdo temático estranho ao objeto originário da

medida provisória. 2. Em atenção ao princípio da segurança jurídica (art. 1º e 5º, XXXVI, CRFB), mantém-se hígidas todas as leis de

conversão fruto dessa prática promulgadas até a data do presente julgamento, inclusive aquela impugnada nesta ação. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente por maioria de votos.”

(ADI 5127, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 15/10/2015)

Se há afronta aos preceitos democráticos e ao devido processo legislativo quando o Parlamento desvirtua o conteúdo de projeto cunhado pelo

Chefe do Executivo, com maior razão a citada afronta existe nos casos de distorção da matéria versada em proposta de iniciativa popular. Considerada a análise conglobante entre as normas constitucionais e as contidas no Regimento Interno das Casas Legislativas, é de se ressaltar

a impropriedade da visão que qualifica as discussões sobre transgressões a normas regimentais como questões interna corporis, imunes ao controle

judicial. Subjacente a tal orientação encontra-se um resquício da concepção ortodoxa do princípio da separação de poderes, que, de certa forma, ainda visualiza a existência de domínios infensos à intervenção judicial, reservados que seriam à instituição parlamentar, responsável pela solução final de

toda e qualquer matéria emergente no seu interior.

Tal concepção, todavia, não é a mais adequada. Em um Estado Democrático de Direito, como o é a República Federativa do Brasil (CF, art. 1º, caput), é paradoxal conceber a existência de campos que estejam blindados contra a revisão jurisdicional, adstritos tão somente à alçada exclusiva do

respectivo Poder. Insulamento de tal monta é capaz de comprometer a própria higidez do processo legislativo e, no limite, o adequado funcionamento

das instituições democráticas. Daí por que se impõe revisitar esta atávica jurisprudência do Tribunal. Há pelo menos quatro razões substantivas para não se transigir com este entendimento ortodoxo e, consequentemente, encampar um elastério

no controle jurisdicional nas questões jurídicas porventura existentes nas vísceras de cada Poder.

Em primeiro lugar, as disposições regimentais consubstanciam, em tese, autênticas normas jurídicas e, como tais, são dotadas de imperatividade e de caráter vinculante. Sua violação, ademais, habilita a pronta e imediata resposta do ordenamento jurídico. Nesse cenário, é

inconcebível a existência de normas cujo cumprimento não se possa exigir coercitivamente. Não há aqui outra alternativa: (i) ou bem as normas

regimentais são verdadeiramente normas e, portanto, viabilizam sua judicialização, (ii) ou, a rigor, não se trata de normas jurídicas, mas simples recomendações, de adesão facultativa pelos seus destinatários. Este último não parece ser o caso.

Em segundo lugar, conforme assentado supra, o papel das normas constitucionais é puramente estabelecer balizas genéricas para a atuação do

legislador, sem descer às minúcias dos diferentes assuntos nela versados. E isso é verdadeiro também para o processo legislativo constitucional. Seus detalhes ficam a cargo do próprio corpo legislativo quando da elaboração dos Regimentos Internos. A fixação de tal regramento denota autolimitação

voluntária por parte dos próprios legisladores, enquanto produção normativa endógena, que traduz um pré-compromisso com a disciplina interna de suas atividades. Disso decorre que se, por um lado, há um prévio espaço de conformação na elaboração da disciplina interna das Casas Legislativas,

por outro lado, não menos certa é a assertiva segundo a qual, uma vez fixadas as disposições regimentais, tem-se o dever de estrita e rigorosa

vinculação dos representantes do povo a tais normas que disciplinam o cotidiano da atividade legiferante. É dizer, o seu (des)cumprimento escapa à discricionariedade do legislador.

Em terceiro lugar, como corolário do pré-compromisso firmado, as normas atinentes ao processo legislativo se apresentam como regras

impessoais que conferem previsibilidade e segurança às minorias parlamentares, as quais podem, assim, conhecer e participar do processo interno de deliberação. Justamente porque fixadas ex ante, as prescrições regimentais impedem que as maiorias eventuais atropelem, a cada instante, os grupos

minoritários. As normas de funcionamento interno das casas legislativas assumem aí colorido novo, ao consubstanciarem elemento indispensável para

a institucionalização e racionalização do poder, promovendo o tão necessário equilíbrio entre maioria e minoria. Similar advertência foi feita pelo i. Ministro Marco Aurélio, que em lapidar lição assentou que o desrespeito às regras regimentais “não se faz ao abrigo de imutabilidade jurisdicional,

sob pena de reinar no seio das Casas Legislativas a babel, passando a maioria a ditar, para cada caso concreto, o que deve ser observado. As

normas instrumentais, tenham ou não idoneidade constitucional, conferem a certeza quanto aos meios a serem utilizados e exsurgem como garantia maior à participação parlamentar.” (STF, MS nº 22.503-DF, rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 06.06.1997).

Em quarto lugar, há um argumento de cidadania para admitir a sindicabilidade judicial nas hipóteses de estrito descumprimento das

disposições regimentais. Trata-se de zelar pelo cumprimento das regras do jogo democrático, de modo a assegurar o pluralismo necessário e exigido constitucionalmente no processo de elaboração das leis. Por oportuno, vale transcrever a percuciente análise do professor da Faculdade de Direito da

Universidade de Minas Gerais Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira, em sua tese de doutoramento intitulada Devido Processo Legislativo, quando

afirma que “(...) esses requisitos formais são, de uma perspectiva normativa, condições processuais que devem garantir um processo legislativo democrático, ou seja, a institucionalização jurídica de formas discursivas e negociais que, sob condições de complexidade da sociedade atual, devem

garantir o exercício da autonomia jurídica – pública e privada – dos cidadãos. O que está em questão é a própria cidadania em geral e não o direito

de minorias parlamentares ou as devidas condições para a atividade legislativa de um parlamentar “X” ou “Y”. Não se deve, inclusive, tratar o exercício de um mandato representativo como questão privada, ainda que sob o rótulo de ‘direito público subjetivo’ do parlamentar individualmente

considerado, já que os parlamentares, na verdade, exercem função pública e representação política; e é precisamente o exercício necessariamente

público, no mínimo coletivo ou partidário, dessa função que se encontra em risco. Trata-se da defesa da garantia do pluralismo no processo de produção legislativa, na defesa da própria democracia enquanto respeito às regras do jogo (...)”. (OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Devido

Processo Legislativo. Belo Horizonte: Mandamentos, 2001, p. 25-26).

No que diz respeito à Emenda de Plenário (EMP) nº 4, aprovada pela Câmara dos Deputados para acrescentar ao PL nº 4.850/2016 os artigos 8º e 9º, que tratam de crimes de abuso de autoridade de Magistrados e Membros do Ministério Público, para além de desnaturação da essência da

proposta popular destinada ao combate à corrupção, houve preocupante atuação parlamentar contrária a esse desiderato, cujo alcance não prescinde da

absoluta independência funcional de julgadores e acusadores. Obiter dictum, para afastar interpretações indevidas sobre a tese ora fixada, não há que se falar em violação à segurança jurídica em razão da

existência de leis já aprovadas em desacordo com os preceitos ora firmados. A fim de evitar o questionamento da validade de todos os atos

normativos editados por rito diverso, revela-se adequada a modulação dos efeitos da decisão para abranger apenas os projetos de lei ainda não publicados após sanção do Presidente da República ou derrubada do veto, inclusive o projeto de lei impugnado no presente feito. Tratando-se de

meros projetos, que ainda não geraram efeitos jurídicos, não configura mácula à segurança jurídica a invalidação do rito já observado, para que o

Congresso Nacional promova a necessária adequação, caso julgue conveniente retomar a sua tramitação. Cuida-se da técnica denominada “limited prospectivity”, pela qual a nova orientação jurisprudencial se aplica para o futuro, incluindo a causa que lhe deu origem (BODART, Bruno Vinícius

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Informativo 851-STF (12 a 19/12/2016) – Márcio André Lopes Cavalcante | 30

Da Rós. “Embargos de Declaração como meio processual adequado a suscitar a modulação dos efeitos temporais do controle de constitucionalidade”.

In: Revista de Processo, vol. 198, p. 389, ago./2011). Malgrado em sede de Mandado de Segurança, caso o Plenário assim reconheça quando instado a

enfrentar a temática, será pertinente a modulação dos efeitos do entendimento por configurar controle preventivo de constitucionalidade incidenter tantum, motivo pelo qual a orientação firmada será utilizada como norte para casos futuros, considerando o dever do Tribunal de manter a sua

jurisprudência estável, íntegra e coerente (art. 926 do CPC/2015).

Em relação ao periculum in mora, o caso requer imediata solução jurisdicional, sem possibilidade de aguardo da apreciação pelo Plenário, sob pena de perecimento do direito. É que, consoante indica o andamento processual do Projeto de Lei da Câmara nº 80/2016 no sítio eletrônico do

Senado Federal, foi “submetido ao Plenário o Requerimento nº 917, de 2016, de autoria de Líderes, que solicita urgência e inclusão em Ordem do

Dia da presente matéria, nos termos do art. 336, inciso III e 281 do RISF”. Apesar da rejeição do referido requerimento pelo Plenário, está em curso na casa outra proposição, o Projeto de Lei do Senado nº 280/2016, o qual “Define os crimes de abuso de autoridade e dá outras providências”, este

incluído na Ordem do Dia da sessão deliberativa de 14.12.2016. Nos termos do art. 258 do Regimento Interno do Senado Federal, havendo em curso

naquela Casa duas ou mais proposições regulando a mesma matéria, pode ser requerida a sua tramitação conjunta, inclusive das que já constem da Ordem do Dia, sendo que o requerimento, nesse caso, deve ser submetido à deliberação do Plenário, nos termos do parágrafo único do referido artigo.

Desse modo, há fundado risco de que o projeto de lei impugnado nestes autos seja deliberado ainda hoje, em franca violação ao devido processo

legislativo constitucional. Ex positis, defiro a medida liminar inaudita altera parte para suspender, na forma do art. 7º, III, da Lei nº 12.016/2009 e do art. 203, § 1º, do

Regimento Interno deste Supremo Tribunal Federal, os efeitos dos atos praticados no bojo do processo legislativo referente ao Projeto de Lei (PL) nº

4.850/2016, determinando, por consequência: (i) o retorno do Projeto de Lei da Câmara nº 80/2016, em tramitação no Senado Federal, à Casa de origem e (ii) que a Câmara dos Deputados autue o anteprojeto de lei anticorrupção encaminhado àquela Casa legislativa com as assinaturas de

2.028.263 (dois milhões, vinte e oito mil e duzentos e sessenta e três) eleitores, como Projeto de Iniciativa Popular, observando o rito correlato

previsto no seu Regimento Interno, consoante os artigos 14, III, e 61, § 2º, da Constituição. Destaco, ainda, que ficam sem efeito quaisquer atos,

pretéritos ou supervenientes, praticados pelo Poder Legislativo em contrariedade à presente decisão.

Oficie-se às mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com urgência, comunicando o teor da presente decisão.

Com a chegada das informações já solicitadas, ao Ministério Público Federal para prolação de parecer nos autos. Publique-se. Int.

Brasília, 14 de dezembro de 2016.

Ministro Luiz Fux Relator

*decisão publicada no DJe em 19.12.2016

INOVAÇÕES LEGISLATIVAS 12 a 19 de dezembro de 2016

Lei nº 13.369, de 12.12.2016 - Dispõe sobre a garantia do exercício da profissão de designer de interiores e ambientes e

dá outras providências. Publicada no DOU, Seção nº 1, Edição nº 238, p. 1, em 13.12.2016.

Lei nº 13.371, de 14.12.2016 - Altera a remuneração de servidores públicos; estabelece opção por novas

regras de incorporação de gratificação de desempenho às aposentadorias e pensões; e dá outras providências. Publicada no DOU, Seção nº 1, Edição nº 240, p. 1, em 15.12.2016.

Emenda Constitucional nº 94, de 15.12.2016 - Altera o art. 100 da Constituição Federal, para dispor sobre o regime de

pagamento de débitos públicos decorrentes de condenações judiciais; e acrescenta dispositivos ao Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias, para instituir regime especial de pagamento para os casos em mora. Publicada no DOU, Seção nº 1,

Edição nº 241, p. 1, em 16.12.2016.

Emenda Constitucional nº 95, de 15.12.2016 - Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir

o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Publicada no DOU, Seção nº 1, Edição nº 241, p. 2, em 16.12.2016.