dossiê descriminalização stf

12
Questões sobre a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal: síntese breve de evidências C om a aproximação do jul- gamento do Recurso Extra- ordinário (RE) 635659 pelo Supremo Tribunal Federal, que vai decidir sobre a constitucionalidade do Artigo 28 da Lei 11.343 de 2006, que criminaliza o porte de drogas ilícitas para consumo próprio, algu- mas dúvidas aparecem recorrente- mente no debate público. O objetivo desse breve dossiê é levantar alguns dados e análises pertinentes à discussão desse assunto. A estrutura do texto é baseada em um conjunto de três perguntas, todas apresentadas de forma simplicada, mas baseadas em levantamentos ociais e artigos cientícos publicados. 1. Descriminalizar o uso de drogas ilícitas pode levar a um aumento do consumo? 2. Descriminalizar a posse de drogas para uso pessoal pode causar aumento da violência? 3. Quais são os principais danos acarretados pela criminaliz ação do uso de drogas e que efeitos positivos a descriminalização pode trazer? DOSSIÊ PBPD

Upload: isadora-dlavor

Post on 23-Feb-2018

224 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

7/24/2019 Dossiê Descriminalização STF

http://slidepdf.com/reader/full/dossie-descriminalizacao-stf 1/12

Questões sobre a descriminalizaçãodo porte de drogas para uso pessoal:

síntese breve de evidências

Com a aproximação do jul-gamento do Recurso Extra-ordinário (RE) 635659 pelo

Supremo Tribunal Federal, que vaidecidir sobre a constitucionalidadedo Artigo 28 da Lei 11.343 de 2006,que criminaliza o porte de drogas

ilícitas para consumo próprio, algu-mas dúvidas aparecem recorrente-mente no debate público.

O objetivo desse breve dossiê élevantar alguns dados e análisespertinentes à discussão desseassunto. A estrutura do texto ébaseada em um conjunto de três

perguntas, todas apresentadas deforma simplicada, mas baseadasem levantamentos ociais e artigoscientícos publicados.

1. Descriminalizar o uso dedrogas ilícitas pode levar a umaumento do consumo?

2. Descriminalizar a posse dedrogas para uso pessoal podecausar aumento da violência?

3. Quais são os principaisdanos acarretados pelacriminalização do uso de

drogas e que efeitos positivos adescriminalização pode trazer?

DOSSIÊ PBPD

7/24/2019 Dossiê Descriminalização STF

http://slidepdf.com/reader/full/dossie-descriminalizacao-stf 2/12

Não é possível fazer essa arma-

ção. O uso de substâncias psico-ativas, chamadas comumente de

drogas, é um fenômeno inerente à expe-riência humana. Uma grande variedadede drogas psicoativas, sejam hoje lícitasou ilícitas, é consumida e esse fenô-meno está relacionado a uma série defatores – culturais, econômicos, sociais,psicológicos, biológicos etc. – os quais,segundo evidências cientícas, não po-dem ser tomados de forma isolada. 

 A criminalização da produção, do co-mércio e do uso de um conjunto desubstâncias psicoativas – chamadasentão de drogas – foi a basedas legislações de quase

todos os países ao longodo século XX, seguindo omodelo preconizado nastrês grandes conferênciasinternacionais sobre o tema(1961, 1971 e 1988). Noentanto, resultados poucoecazes dessa política -zeram com que alguns paí-

ses, a partir dos anos 1970,principalmente no continenteeuropeu, deixassem de con-siderar crime o porte e o uso

pessoal de drogas ilícitas, regulando essaconduta de diferentes maneiras.

Um levantamento de 20121 apresen-tou dados gerais de cerca de 20 paísesque tornaram as leis de drogas menosrígidas a partir de modelos diversos,despenalizando ou descriminalizandoo uso nas últimas duas décadas. Emnenhum deles houve grandes alteraçõesna prevalência de consumo – proporçãoda população que faz uso regular de dro-gas – tanto para baixo como para cima. Acomparação entre países europeus vizi-nhos, com estruturas socioeconômicas

Primeira questão: Descriminalizar ouso de drogas ilícitas pode levar aum aumento do consumo?

 As evidências sustentam que a criminalização ou não daposse de drogas ilícitas para uso pessoal tem pouca relaçãocom a proporção de pessoas que consome essas substâncias.

http://www.emcdda.europa.eu/online/annual-report/2011/boxes/p45

7/24/2019 Dossiê Descriminalização STF

http://slidepdf.com/reader/full/dossie-descriminalizacao-stf 3/12

assemelhadas, demonstra que criminali-zar o consumo de drogas impacta muitopouco na decisão de se consumir drogas.

No gráco 1, produzido pelo CentroEuropeu de Monitoramento de Drogas e

Dependência (EMCDDA)2

, os dados deprevalência de consumo de maconhaem oito países são apresentados to-mando como ponto de referência o anoem que houve alterações no status legaldessa droga. No gráco, a proporçãode consumidores de maconha no últimoano nos países que tornaram suas leismais rígidas são apresentadas por linhas

pontilhadas, sendo representado pelaslinhas cheias a prevalência de consumode maconha em países que exibiliza-ram as sanções ao uso de maconha.

 A falta de uma direção clara nas curvasdo gráco revela que não há relaçãodireta entre prevalência de consumo erestrições legais mais ou menos rígidas

ao porte de maconha para uso pessoal.Outros estudos publicadospelo EMCDDA têm apontadoque a prevalência do consu-mo de drogas, inclusive doconsumo mais problemáti-co, responde a um conjuntomuito mais amplo de fatoresentre os quais a criminaliza-ção tem pouca inuência.

Um bom exemplo disso é ocaso de Portugal, que im-plantou uma descriminaliza-ção completa da posse parauso pessoal de qualquer

droga psicoativa em 2001. Acompanha-da de uma série de políticas de atençãoprimária e de redução de danos, os indi-víduos agrados com drogas não maisforam submetidos a um processo penal,mas a uma comissão de prossionais

de diversos campos ans (direito, assis-tência social, medicina, psicologia etc.)que avalia, em conjunto com o próprio,a necessidade de algum tipo de atençãoou tratamento, sem possibilidade depena criminal. Em 2012, 78% cidadãosque passaram por essas comissõesforam agrados portando maconha e67% deles não eram considerados de-

pendentes e, portanto, não tinham ne-cessidade especíca de tratamento desaúde3. Para que fosse possível aplicaresse novo modelo, foram estabeleci-dos critérios de diferenciação de portepara uso pessoal e para venda, sendoo principal deles uma quantidade obje-tiva de drogas proibidas equivalentes àmedida de consumo de 10 dias4.

1 Rosmarin, A. & Eastwood, N, A quiet revolution: drug decriminalization polices in practice across the globe. Release Drugs:

London, 2012.2 EMCCDA. Anual Report on the state of the drugs problem in Europe, 2011.3 United Kingdom Home Oce. Drugs: International Comparators, 2014.4 Portugal implantou, como muitos outros países, um limite especíco para cada droga ilícita. No caso das duas mais con-

sumidas no Brasil, a maconha e a cocaína, a esses limites de posse que caracterizam uso pessoal são de 25 e 2 gramas,respectivamente.

Fonte: EMCCDA - Statistical Bulletin

7/24/2019 Dossiê Descriminalização STF

http://slidepdf.com/reader/full/dossie-descriminalizacao-stf 4/12

Depois de mais de uma década da des-criminalização, não houve alteraçõessignicativas na proporção de usuáriosde drogas ilícitas em Portugal. Houve,inclusive, um leve declínio da preva-lência entre faixas etárias mais jovens,

houve pequena redução no consumo dealgumas drogas. E Portugal continua,como já acontecia antes da descrimina-lização, a ter taxas de prevalência maisbaixas que a média do continente5. Issonão signica que a mudança da políticaportuguesa tenha solucionado todos osproblemas relacionados às drogas. Porexemplo, a taxa de infecção de HIV em

usuários de drogas injetáveis permane-ce como uma das mais altas da Europa,mas a aproximação dos usuários dos

serviços de atenção e de redução dedanos tem provocado melhora nessequadro (ver Questão 3).

Em 2015, um levantamento da Secre-taria Nacional de Política sobre Drogas

(Senad) identicou a postura legislativade países das Américas e da Europaque descriminalizaram o uso de drogas.

 A descriminalização se apresenta deforma diferente em cada um desses pa-íses, na medida em que há detalhes im-portantes, como a possibilidade de san-ções administrativas ou a diferenciaçãoentre drogas ilícitas especícas, como

a maconha. Em muitos desses países,a legislação continua criminalizando ouso de drogas, mas por decisões do

Países que DESCRIMINALIZAM oporte de drogas para uso pessoal

Países que CRIMINALIZAM o portede drogas para uso pessoal

 Alemanha Argentina

BolíviaChile

ColômbiaCosta RicaEquadorEslovêniaEspanhaHolanda

ItáliaLetôniaLituânia

LuxemburgoMéxico

Paraguai

PeruPortugalRepública Tcheca

Uruguai

 ÁustriaBélgicaBrasil

CanadáChipreCroácia

DinamarcaEl SalvadorEslováquia

Estados UnidosFinlândiaFrançaGrécia

HungriaIrlanda

Noruega

Reino UnidoRomêniaSuécia

Venezuela

Tabela 1 – Amostra de países de acordo com o estatuto legaldo porte de drogas para uso pessoal7

7/24/2019 Dossiê Descriminalização STF

http://slidepdf.com/reader/full/dossie-descriminalizacao-stf 5/12

executivo ou do judiciário,o porte de drogas para usopessoal está autorizado. Ouseja, é possível dizer que ospaíses que descriminalizamo uso de drogas não im-

põem processo criminal nemsanção penal aos indivíduosagrados com drogas parans de uso pessoal, sendoque alguns deles estabelececritérios para que seja feitaessa distinção com relaçãoao tráco6. Na tabela 1, ospaíses incluídos no levanta-

mento da Senad estão divi-didos segundo sua políticade criminalizar ou não o usu-ário de drogas. Merece des-taque os casos da Argentinae da Colômbia, cuja decisãopela descriminalização partiudas suas Supremas Cortes,e não do poder legislativo.

Os grácos 3 e 4 apresen-tam a média da prevalênciado uso de maconha e de co-caína em países europeus eamericanos de acordo com a estatuto legaldessa prática. Os dados se referem aosúltimos levantamentos ociais disponíveis.

Os grácos indicam que as diferençasentre esses países é sutil e nem um

5  Hughes, C. A. & Stevens, A. “A resounding success or a disastrous failure: Re-examining the interpretation of evidence onthe Portuguese decriminalisation of illicit drugs”. In Drug and Alcohol Review, n31, 2012.

6 Os países que criminalizam o uso de drogas também apresentam algumas particularidades, como os Estados Unidos, ondeas leis federais continuam criminalizando o porte de drogas para uso pessoal, não obstante inúmeros estados americanos játenham descriminalizado tal conduta.

7 Senad/Ministério da Justiça. Levantamento sobre legislação de drogas nas Américas e Europa e análise comparativa deprevalência de uso de drogas, 2015. É importante frisar que o levantamento da Senad se baseou em conceito genérico

de descriminalização, de forma a incluir países que tornaram o porte de drogas para uso pessoal uma prática sem sançãopenal. Há, no entanto, detalhes e diferenças importantes no ordenamento legal de cada um desses países que mereceria umtrabalho especíco.

8Degenhardt, L. et. al. “Toward a Global View of Alcohol, Tobacco, Cannabis, and Cocaine Use: Findings from the WHO

World Mental Health Survey” . Plos Medicine, V. 5 Issue 7, 2008.

pouco signicativa, ou seja, que a pro-porção de consumidores de drogas nãotem relação direta com a criminalizaçãoou não dessa prática. Tal conclusão vaiao encontro dos dados levantados emnível mundial8.

7/24/2019 Dossiê Descriminalização STF

http://slidepdf.com/reader/full/dossie-descriminalizacao-stf 6/12

Segunda questão: Descriminalizar aposse de drogas para uso pessoalpode causar aumento da violência?

 A descriminalização do usuário de drogas não está associadaao aumento de crimes violentos. Segundo as evidências, a asso-ciação das drogas com a violência está na dinâmica do mercadoilícito, o tráco, especialmente em países violentos como o Brasil.

 Anão incriminação da posse dedrogas para uso pessoal não estáassociada ao aumento de crimes

violentos. Como foi dito anteriormente,a ideia de que criminalizar o consumode drogas pode ser eciente para de-sencorajar essa prática não se sustentanos dados empíricos. No entanto, hátambém uma visão recorrente de quetirar o uso de drogas da esfera penalpode levar a um aumento geral dosíndices de violência. Se considerarmosas experiências dos países em que nãohá punição criminal em relação à possede drogas para uso pessoal, verica-mos que não há níveis de criminalidademaiores. Ao contrário, uma revisão sis-temática da literatura cientíca sobre o

tema realizada em 20119

, apontou quepaíses que adotam leis mais severascontra usuários de drogas, inclusive oencarceramento, apresentam maiorestaxas de episódios violentos, inclusivehomicídios, atribuídos à dinâmica vio-lenta do mercado de drogas.

 A violência e a criminalidade são fenô-

menos multicausais, ou seja, não res-pondem a uma só variável. Há um gran-de número de pesquisas sobre o temae algumas controvérsias persistem.

No entanto, já há consenso em tornodo fato de que a dinâmica do merca-do de drogas ilícitas não implica níveisequivalentes de violência em todas asregiões do mundo. Países com índicesde criminalidade e violência mais bai-xos, como os europeus, têm mercadosde drogas proporcionalmente maioresque muitos países latino-americanos,por exemplo. No entanto, esses últimosapresentam níveis de violência muitomaiores. Ou seja, ainda que o comér-cio de drogas ilícitas seja uma atividadeconsiderada criminosa em quase todosos países do mundo, a violência asso-ciada a esse mercado é variada e, por-tanto, diz respeito a um conjunto muitomais amplo de variáveis.

 Os países que deixaram de punir aposse de drogas para uso pessoal nãotiveram mudanças signicativas emseus níveis de violência e criminalida-de. Embora os homicídios não sejam omelhor indicador para avaliar a relaçãoentre criminalização do uso de drogase violência, posto que não há relação

direta entre o consumo de drogas e osassassinatos, os dados sobre esse tipode crime são bem mais sólidos e com-paráveis internacionalmente.

7/24/2019 Dossiê Descriminalização STF

http://slidepdf.com/reader/full/dossie-descriminalizacao-stf 7/12

Considerando realidadesmuito diferentes, os grácosindicam que não há relaçãoevidente entre a criminaliza-ção das drogas e as taxas dehomicídios, seja em regiões

com níveis historicamen-te baixos, como os paíseseuropeus, ou altos, como amaior parte dos países docontinente americano.

Como dito anteriormente,as evidências indicam quecrimes violentos não estão associados

ao uso de drogas em si, mas a dinâ-micas especícas do tráco de drogasem países já caracterizados por altosíndices de violência. Por tratar-se de ummercado de alto valor agregado e situ-ado à margem de qualquer regulaçãoestatal, o tráco de drogas potencializaa violência em contextos como o bra-sileiro, com maior impacto em grupos

socioeconomicamente vulneráveis, mui-to mais expostos aos mercados ilícitos eà repressão estatal e social. Tal fato levaa uma percepção equivocada de que o

uso de drogas em si é o motivador decrimes violentos, mas a literatura indicaque nem mesmo com drogas fortemen-te associadas ao consumo compulsivo,como o crack, essa relação se sustenta.Modelos estatísticos que pesam simul-taneamente variáveis como a apreensãode crack, prisões e índices de violência,apontam que é a a criminalização de

atividades relacionadas a drogas, muitomais do que o consumo, que inuen-ciam os níveis de violência, inclusive emcrimes contra a propriedade10.

9 Werb, D. et al. “Eect of drug law enforcement on drug market violence: A systematic review”. In International Journal of DrugPolicy, n.22, 2011.

10 De Mello, J. M. P. “Does Drug Illegality Beget Violence? Evidence from the Crack-Cocaine Wave in São Paulo” . In Econo-

mía, Journal of the Latin American and Caribbean Economic Association, Forthcoming paper, 2015.

7/24/2019 Dossiê Descriminalização STF

http://slidepdf.com/reader/full/dossie-descriminalizacao-stf 8/12

Terceira questão: Quais são osprincipais danos acarretados pelacriminalização do uso de drogase que efeitos positivos adescriminalização pode trazer?

 A criminalização da posse de drogas para uso pessoalacarreta consequências negativas em diversas esferas:

encarceramento, atenção e cuidado em saúde, dispêndiode orçamento público e estigmatização do usuário. Asexperiências internacionais de descriminalização, mesmoque distantes de solucionarem todos os problemas rela-cionados ao uso de drogas, produziram um cenário maisadequado e barato de promoção da saúde pública.

Para além da sustentação jurídica dainconstitucionalidade da crimina-lização da posse drogas para uso

pessoa11 e da violação que ela impõe adireitos fundamentais, há inúmeras conse-quências socialmente danosas em manteressa prática no âmbito da esfera penal. Destaca-se, antes de tudo, o crescenteencarceramento no Brasil. Já são mais de600 mil presos no Brasil e, segundo o úl-timo relatório do Infopen12, cerca de 27%deles respondem por crimes ligados aotráco de drogas. No caso das mulheres,63%, número três vezes maior que o dehomens detidos pelos mesmos delitos.

Enquanto o taxa de encarceramentogeral cresceu, no período de 2006 e2012, cerca de 40%, o número de pre-sos por tráco de drogas subiu mais de

130%. Diversos estudos revelam queparte considerável dos encarcerados foiagrada em operação de rotina, desar-mada, sozinha e, principalmente, comquantidades relativamente pequenasde drogas13. Há grande seletividade nadenição dos que são encarceradospor tráco, assim como há no encar-ceramento por outros crimes. Estãoquase todos situados abaixo da médiade renda, de escolaridade e com frágilinserção no mercado de trabalho14.Sa-lienta-se também a sobrerepresentaçãoda população negra no contingente dosencarcerados. Os custos sociais desse encarceramen-

to são enormes. Uma estimativa recenteapontou que se o Brasil estabelecesseos mesmos limites quantitativos ob-

 jetivos no que diz respeito à posse de

7/24/2019 Dossiê Descriminalização STF

http://slidepdf.com/reader/full/dossie-descriminalizacao-stf 9/12

maconha e de cocaína previstos nalegislação portuguesa para diferenciar oporte de drogas para uso e o porte paratráco, seriam economizados apenas noEstado de São Paulo valores que variamde R$ 14 milhões a R$ 90 milhões de

reais por ano. Trata-se de um cálculoconservador, que contabilizou apenasos gastos diretos com prisões15.

País Quantidade Limite(em gramas)

Porcentagem de pessoas naamostra que não seriampresas por tráco caso esselimite fosse aplicado no Brasil

México 5 9%

Holanda 5 9%

Paraguai 10 12%

República Tcheca 15 15%Portugal 25 29%

Espanha 200 69%

Tabela 3 - Quantidades objetivas para dener posse para consumopessoal de maconha em alguns países e simulação de sua aplica-ção a presos por tráco em São Paulo16

Tabela 4 - Quantidades objetivas para denir posse para consumopessoal de cocaína em alguns países e simulação de sua aplicaçãoa presos por tráco em São Paulo17

País Quantidade Limite(em gramas)

Porcentagem de pessoas naamostra que não seriampresas por tráco caso esselimite fosse aplicado no Brasil

México 0,5 0%

Holanda 0,5 0%

Paraguai 1 0%

República Tcheca 2 4%Portugal 2 4%

Espanha 7,5 19%

 A esses gastos poderiam ser somadostodos os dispêndios da investigaçãoe do processo penal, como o uso doaparato policial e do sistema judiciário– incluindo o Ministério Público – o quetornaria esse montante consideravel-

mente maior.

7/24/2019 Dossiê Descriminalização STF

http://slidepdf.com/reader/full/dossie-descriminalizacao-stf 10/12

Mas não são apenas os gastos diretosdo orçamento público que devem serconsiderados ao analisar as conse-quências da criminalização do usuáriode drogas. O encarceramento acarretagrande impacto socioeconômico, afe-

tando parcela importante da populaçãoeconomicamente ativa em uma faixaetária sensível (adultos até 35 anos),rompe laços familiares e afetivos eacrescenta uma marca indelével à bio-graa de cidadãos, estigmatizando-os.

 Além disso, mesmo que a lei brasileiranão puna com prisão a porte de drogaspara uso pessoal, há um número consi-

derável de pessoas detidas por trácoque provavelmente são apenas usuáriosou estavam fazendo pequeno comérciopara ter acesso à droga, como acon-tece nas regiões urbanas degradadasque concentram consumidores de cra-ck18. Quando são encarcerados, mesmoaqueles que fazem uso problemático dedrogas terminam não recebendo aten-

ção ou tratamento adequado.

 Ainda é importante considerar outroefeito negativo da criminalização dousuário de drogas: o afastamento dosserviços de atenção e de tratamento.

 A possiblidade de um processo penalmarginaliza os usuáriosde drogas de drogas ilíci-tas tanto simbólica quantoconcretamente. Quando étratado como um crime, ouso de drogas é visto prio-ritariamente como questãopolicial, diminuindo a im-portância da educação, daprevenção e do sistema de

atenção biopsicossocialpara aqueles que fazemuso problemático. Alémdisso, o fato do uso de

drogas ser criminalizado é um obstáculopara a realização de pesquisas cientí-cas, inclusive para aferir a prevalênciade uso na população.

O m da criminalização do usuário de

drogas traria impactos positivos emtodos esses aspectos. A OrganizaçãoMundial da Saúde considera a descri-minalização do usuário de drogas umpré-requisito para a redução da trans-missão do HIV/Aids e de outras doen-ças infecciosas e para um cenário depromoção concreta da saúde pública19.Outro exemplo dos impactos positivos

da retirada do uso de drogas da justiçacriminal é a experiência portuguesa, queem 2015 completa catorze anos.

 A economia de gastos com indivíduosaprisionados, processos penais e per-das econômicas por conta da interrup-ção do mercado de trabalho foram sig-nicativos. Por outro lado, os serviços

de atenção e tratamento foram aprimo-rados, o que também foi decorrênciada maior aproximação dos usuários dedrogas dos serviços de assistência so-cial, de redução de danos e de saúde.Quando os custos diretos e indiretos re-lacionados ao uso de drogas são soma-

7/24/2019 Dossiê Descriminalização STF

http://slidepdf.com/reader/full/dossie-descriminalizacao-stf 11/12

dos, ca claro que Portugal economizouum montante considerável, como podeser visto no gráco 620.

Evidentemente, a realidade portuguesadifere da brasileira, e todos as peculiari-

dades nacionais e regionais devem serconsideradas. No entanto, as evidên-cias cientícas apontam que, vencido oargumento de que a criminalização dousuário de drogas tem impacto na pre-valência do consumo (ver questão 1),não há nenhum tipo de ganho econômi-co, social ou de saúde na incriminaçãodessa prática. Pelo contrário, a crimina-

lização de uso de drogas leva a perdasem todas essa esferas.

Bottini, P. “Porte de drogas para uso próprio e o Supremo Tribunal Federal” . Viva Rio, 2015.

2 Departamento Penitenciário Nacional/Ministério da Justiça. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – IN-

OPEN, junho de 2014.

3 Boiteux, L. et. al. “Tráco de Drogas e Constitução” . Série Pensando o Direito. Ministério da Justiça, 2009. Marques deesus, M. G. et. al. “ Prisão Provisória e Lei de Drogas: um estudo sobre os agrantes de tráco de drogas na cidade de São

aulo” . Núcleo de Estudos da Violência, 2011. Instituto Sou da Paz. Relatório da Pesquisa Prisões em Flagrante na Cidade deão Paulo. 2012.

4 Infopen (op. cit).

5 Carlos, J. “Drug Policy and Incarceration in São Paulo, Brazil”. Brieng Paper - International Drug Policy Consortium, 2015.

6 Tabela traduzida e adaptada de Carlos, J (op. cit).

7 Tabela traduzida e adaptada de Carlos, J (op. cit).

8 Campos, M. S. “Pela metade: as principais implicações da nova lei de drogas no sistema de justiça criminal”.  Tese apre-

enta ao Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosoa, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo,

015.

9 Organização Mundial de Saúde. Consolidated guidelines on HIV prevention, diagnosis, treatment and care for key popula-

ons. 2015

0 Gonçalves, R. et al. “A social cost perspective in the wake of the Portuguese strategy for the ght against drugs” . In Interna-

onal Journal of Drug Policy, V. 26, N. 2, 2015.

7/24/2019 Dossiê Descriminalização STF

http://slidepdf.com/reader/full/dossie-descriminalizacao-stf 12/12

• Associação Brasileira para Cannabis -

 ABRACannabis• Associação Brasileira de EstudosSociais do Uso de Psicoativos - ABESUP

• Associação Brasileira de Lésbicas,Gays, Bissexuais, Travestis eTransexuais - ABGLT

• Associação Brasileira Multidisciplinarde Estudos sobre Drogas - ABRAMD

• Associação Brasileira de Redutoras eRedutores de Danos - ABORDA 

• Associação Brasileira de SaúdeColetiva – ABRASCO AssociaçãoBrasileira de Saúde Mental - ABRASME

• Associação Horizontes• Associação Juízes para a Democracia

– AJD• Centro Brasileiro de Estudos de Saúde

– CEBES

• Centro Brasileiro de Informações sobreDrogas Psicotrópicas – CEBRID

• Centro de Estudos de Segurança eCidadania (CESeC) da UniversidadeCândido Mendes

• Centro de Direitos Humanos eEducação Popular do Campo Limpo-CDHEP

• Centro de Referência Sobre Drogas e

 Vulnerabilidades Sociais (UNB-FCE)• Comitê Latino-Americano e do Caribe

para Defesa dos Direitos da Mulher -CLADEM

• Conectas Direitos Humanos

• Growroom• Grupo de Trabalho do Programa Álcool, Crack e Outras Drogas daFundação Oswaldo Cruz

• Grupo de Pesquisa Política de Drogase Direitos Humanos – FND/UFRJ

• Instituto Brasileiro de CiênciasCriminais – IBCCRIM

• Instituto de Defesa do Direito deDefesa – IDDD

• Instituto Igarapé• Instituto Sou da Paz• Instituto Terra, Trabalho e Cidadania -

ITTC• Laboratório de Estudos

Interdisciplinares sobre Psicoativos –LEIPSI

• Núcleo de Estudos Interdisciplinaressobre Psicoativos – NEIP

• Observatório Baiano sobreSubstâncias Psicoativas – CETAD

• Plantando Consciência• Programa de Orientação e Atendimento

a Dependentes - PROAD• Rede Brasileira de Redução de Danos

e Direitos Humanos – REDUC• Rede Cidade Fala• Rede Latino-Americana de Pessoas

que Usam Drogas - LANPUD• Rede Pense Livre

MEMBROS