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IMPACTOS E CONFLITOS NA GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS DO SUL DE SANTA CATARINA, BRASIL Héctor Raúl Muñoz Espinosa [1] Grupo de Gestão e Pesquisa em Recursos Hídricos - GRUPERH Universidade do Sul de Santa Catarina, Brasil - UNISUL Introdução Neste trabalho são salientados os impactos que três tipos diferentes de atividades antrópicas exercem sobre os recursos hídricos do sul de Santa Catarina - um dos Estados do Brasil meridional - e que configuram um cenário de desafios para a gestão sustentável destes recursos. A área em foco é constituída pelas regiões hidrográficas catarinenses RH9 e RH10, cujas águas escoam diretamente para o Atlântico (Figura 1). Os principais cursos de água na RH9 são os rios D'Una, que drena cerca de 500 km 2 , e o Tubarão com uma bacia de aproximadamente 4600 km 2 . A RH10, localizada ao sul da anterior, corresponde às bacias dos rios Urussanga - 580 km 2 -, Araranguá - 3020 km 2 - e margem esquerda - 1224 km 2 - da bacia do rio Mampituba. (Figura 2). As principais atividades econômicas na região RH9 - 21 municípios, 333.000 habitantes - são: extração e beneficiamento de carvão, produção agropecuária - especialmente arroz, batata, fumo, mandioca, suínos e leite - e atividades de pequenas e médias indústrias. Já na região RH10 - 24 municípios, 402.000 habitantes -, a mineração e beneficiamento de carvão tem sido também, por longo anos, a principal fonte de atividade econômica. Entretanto, as últimas duas décadas vem apresentando um expressivo crescimento da produção industrial, especialmente cerâmica; e da agricultura, especialmente na lavoura de arroz irrigado. As principais fontes de poluição registradas em ambas regiões hid rográficas são: extração e beneficiamento de carvão, efluentes industriais, esgotos domésticos, agrotóxicos, dejetos de suínos e salinização dos rios próximos à foz. Impactos da mineração Resumidamente, conforme descrito por diversos autores, os problema s de poluição hídrica nas regiões carboníferas, seja nos locais de lavra ou de beneficiamento, devem-se, na maior parte, à oxidação da pirita (sulfeto de ferro) - FeS 2 - que encontra-se associada ao carvão. Exposta ao ar e às chuvas, a pirita oxida-se gerando ácido sulfúrico e compostos de ferro, que acabam sendo carregados até os cursos de água. As águas ácidas solubilizam a maior parte dos metais tóxicos. No caso em pauta, ocorre solubilização de cobre, ferro, manganês e zinco (Lima, M.C. et ali, 1998). Assim, a acidificação dos cursos de água se constitui no início da cadeia de impactos causados pelas atividades de mineração e beneficiamento do carvão sobre os recursos hídricos e, portanto, num indicador do potencial poluidor. Em Santa Catarina a exploração do carvão data de 1885 e abrange áreas incluídas nas bacias hidrográficas dos rios Tubarão, Urussanga e Ararangua. Embora, gradualmente,

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IMPACTOS E CONFLITOS NA GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS DO SUL DE SANTA CATARINA, BRASIL

Héctor Raúl Muñoz Espinosa[1] Grupo de Gestão e Pesquisa em Recursos Hídricos - GRUPERH

Universidade do Sul de Santa Catarina, Brasil - UNISUL

Introdução

Neste trabalho são salientados os impactos que três tipos diferentes de atividades antrópicas exercem sobre os recursos hídricos do sul de Santa Catarina - um dos Estados do Brasil meridional - e que configuram um cenário de desafios para a gestão sustentável destes recursos. A área em foco é constituída pelas regiões hidrográficas catarinenses RH9 e RH10, cujas águas escoam diretamente para o Atlântico (Figura 1). Os principais cursos de água na RH9 são os rios D'Una, que drena cerca de 500 km2, e o Tubarão com uma bacia de aproximadamente 4600 km2. A RH10, localizada ao sul da anterior, corresponde às bacias dos rios Urussanga - 580 km2 -, Araranguá - 3020 km2 - e margem esquerda - 1224 km2 - da bacia do rio Mampituba. (Figura 2).

As principais atividades econômicas na região RH9 - 21 municípios, 333.000 habitantes - são: extração e beneficiamento de carvão, produção agropecuária - especialmente arroz, batata, fumo, mandioca, suínos e leite - e atividades de pequenas e médias indústrias. Já na região RH10 - 24 municípios, 402.000 habitantes -, a mineração e beneficiamento de carvão tem sido também, por longo anos, a principal fonte de atividade econômica. Entretanto, as últimas duas décadas vem apresentando um expressivo crescimento da produção industrial, especialmente cerâmica; e da agricultura, especialmente na lavoura de arroz irrigado.

As principais fontes de poluição registradas em ambas regiões hidrográficas são: extração e beneficiamento de carvão, efluentes industriais, esgotos domésticos, agrotóxicos, dejetos de suínos e salinização dos rios próximos à foz.

Impactos da mineração

Resumidamente, conforme descrito por diversos autores, os problemas de poluição hídrica nas regiões carboníferas, seja nos locais de lavra ou de beneficiamento, devem-se, na maior parte, à oxidação da pirita (sulfeto de ferro) - FeS2 - que encontra-se associada ao carvão. Exposta ao ar e às chuvas, a pirita oxida-se gerando ácido sulfúrico e compostos de ferro, que acabam sendo carregados até os cursos de água. As águas ácidas solubilizam a maior parte dos metais tóxicos. No caso em pauta, ocorre solubilização de cobre, ferro, manganês e zinco (Lima, M.C. et ali, 1998). Assim, a acidificação dos cursos de água se constitui no início da cadeia de impactos causados pelas atividades de mineração e beneficiamento do carvão sobre os recursos hídricos e, portanto, num indicador do potencial poluidor.

Em Santa Catarina a exploração do carvão data de 1885 e abrange áreas incluídas nas bacias hidrográficas dos rios Tubarão, Urussanga e Ararangua. Embora, gradualmente,

as práticas estejam evoluindo para formas menos agressivas ao ambiente e muitas minas tenham sido fechadas, o processo poluidor continua enquanto houver material piritoso exposto à oxidação. É o caso de aproximadamente 4700 hectares no interior das ditas bacias (Amaral, 1998), um passivo ambiental que contribui diretamente para a acidificação dos recursos hídricos regionais.

Figura 2 - Bacias hidrográficas e principais sedes municipais no Sul de SC

Estudos efetuados por Gothe (1993) mostraram que a bacia do rio Araranguá era a mais intensamente atingida. O rio Mãe Luzia - um dos formadores do Araranguá - e dois dos seus afluentes - os rios Sangão e Fiorita - apresentaram teores extremamente altos de acidez (3,5 > pH > 2,0). Como conseqüência, entre outras, o abastecimento da cidade de Criciúma - a maior da região sul, com 170.000 habitantes - não pode ser feita a partir dos cursos de água das suas imediações.

Os resultados mostraram, também, que na bacia do rio Urussanga - 4 municípios, 93.000 habitantes -, os efeitos se faziam sentir praticamente ao longo de todos os quase 60 km de extensão do rio principal, apresentando teores de pH da ordem de 3.

Já na bacia do rio Tubarão, cujo principal polo urbano é a cidade do mesmo nome, com 87.000 habitantes, a mineração está concentrada ao sudoeste, nas sub-bacias dos formadores. Bender (1998) em trabalho referente à sub-bacia do Rio Rocinha - um destes formadores, com 48 km2 - apresentou resultados correspondentes a duas campanhas de medições efetuadas em 1995. A figura 3 apresenta um diagrama esquemático com a localização relativa de cinco dos pontos de coleta e o quadro 1 apresenta os resultados das medições no referente à acidez.

Figura 3 - Diagrama topológico dos pontos de amostragem no trabalho de Bender (1998)

Quadro 1 - Valores de pH no Rio Rocinha e alto Tubarão

R1 R3 R5 R7 T1

Maio 1995 6,49 4,25 2,72 2,29 2,29

Outubro 1995 6,4 5,22 4,20 3,6 3,55

Fonte: Bender (1998)

Os valores registrados nos pontos R3, R5, R7 e T1, quando contrastados com aqueles registrados no local R1, à montante da área de mineração e beneficiamento, mostram claramente o impacto destas atividades, pelos baixos valores de pH registrados em todos os pontos à jusante.

Valores indicativos do perfil de acidez ao longo do Rio Tubarão foram obtidos em julho de 1997 (Lima et ali, 1998) e em abril de 1998 (SC/UNISUL,1998). A figura 4 apresenta um diagrama topológico com a localização de sete dos pontos de amostragem correspondentes e o quadro 2 apresenta os valores de pH obtidos nas respectivas coletas.

Figura 4 - Diagrama topológico dos pontos de amostragem no Rio Tubarão

Quadro 2 - Valores do pH ao longo do Rio Tubarão

P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7

Julho 1997 (1) 2,96 3,56 3,35 4,37 4,20 5,53 5,80

Abril 1998 (2) 3,95 4,30 - 6,23 6,91 7,52 7,65

Fontes: 1) Lima et ali, 1998; 2) SC/UNISUL, 1998

O perfil de pH ao longo do rio, obtido na campanha efetuada em julho 1997, apresenta caráter ácido praticamente até a foz, na Lagoa de Santo Antônio, evidenciando o impacto da mineração até no sistema lagunar. A recuperação dos valores de pH após confluência com o Rio Braço do Norte, mostra a influência deste rio na qualidade das águas do Rio Tubarão. Este efeito é mais notável nos resultados obtidos na campanha de abril 1998. De fato, o ponto P4 registra a influência dos aportes de matéria orgânica e ambiente alcalino causado pelo alto teor de uréia proveniente dos dejetos da suinocultura praticada na bacia do Rio Braço do Norte. As águas do rio Capivari, levemente alcalinas e, em geral de boa qualidade, que ingressam ao Rio Tubarão a 32 km da sua foz, contribuem, também, para diminuir a acidez proveniente de montante.

Voltando ao caso da bacia do Rio Araranguá (Figura 5), em 1996, técnicos da Universidade do Extremo Sul de Santa Catarina - UNESC, efetuaram medições em 59 pontos distribuídos na rede hidrográfica da referida bacia.

Figura 5 - Diagrama topológico da rede de drenagem (parcial) da bacia do Rio Araranguá

Os resultados indicaram uma situação não diferente daquela reportada por Gothe (1993). A sub-bacia do rio Mãe Luzia, que nas décadas de 1970 e 1980 abrigava cerca de 70% das atividades produtoras de carvão mineral do país, confirmou-se como a mais afetada pelos efeitos negativos desta atividade.

Os levantamentos confirmaram que os rios Fiorita e Sangão somam as maiores cargas poluidoras que afluem ao rio Mãe Luzia. O Sangão encontra-se degradado desde as suas nascentes até a foz. Na sua nascente principal apresenta altos níveis de acidez (pH < 3), sulfatos e metais pesados. Recebe contribuições de efluentes industriais (cerâmicas, metal mecânica, vestuários, curtumes e outras), hospitalares e urbanos, além de estar exposto a atividades ligadas à exploração e beneficiamento de carvão mineral. Na época de cheia, nas ocasiões em que as águas invadem as áreas agricultáveis, toda a área fica recoberta por uma camada de óxido de ferro.

A sub-bacia do Rio dos Porcos, que drena a zona industrial de Criciúma e as áreas onde no passado foi explorado carvão, apresentou valores de pH compreendidos entre 2,5 e 3,5. Isto é, águas extremamente ácidas. Apresentou, também, altos teores de manganês e zinco. Este rio e a maioria dos afluentes do rio Mãe Luzia, pela margem esquerda, apresentam qualidade que os caracterizam como impróprios para uso humano ou animal. A

realidade factual, entretanto, é que estas águas são usadas e que os impactos antrópicos sobre os recursos hídricos se propagam de diversas formas. Nas épocas de estiagens, por exemplo, quando os níveis dos cursos de água locais são muito baixos, os agricultores aduzem água do rio Mãe Luzia. Através dos canais de irrigação parte destas águas aflui para outros cursos que não apresentam problemas de poluição pelo carvão mas que, por efeito da referida afluência, ficam com suas águas acidificadas.

Impactos de origem orgânica

Somente três municípios do Sul do Estado tem coleta e tratamento de esgotos sanitários. Paralelamente, hábitos culturais na população regional contribuem no sentido da contaminação. Um destes é o hábito de tratar as redes de drenagem pluvial como se fossem redes de esgotos sanitários. Da mesma forma, o hábito de lançar os efluentes das atividades agropecuárias diretamente nos cursos de água. São fatores que contribuem para a contaminação dos recursos hídricos regionais, comprometendo os ecossistemas e o consumo humano das águas.

O caso da suinocultura no Município de Braço do Norte - 184 km2, 23.000 habitantes (2000) e 130.000 cabeças de suínos -, configura uma situação digna de atenção quanto a impactos de origem orgânica.

Estudos recentes (EPAGRI/CIRAM, 2000) registram que na sub-bacia do Rio Bonito/Coruja, afluente, pela margem esquerda, do Rio Braço do Norte, à jusante da sede do município do mesmo nome, com uma área de 52 km2, suporta aproximadamente 69.000 suínos, isto é, mais de 1300 animais por cada km2. Avalia-se que este contingente suinícola produz um volume de dejetos correspondente a uma população de aproximadamente 600.000 pessoas. Em termos volumétricos, os dejetos produzidos pelo rebanho correspondem a uma carga de 140.000 m3/ano.

Uma alternativa de solução pensada para o destino dos dejetos é a possibilidade de utiliza-los como adubo para produção de milho. Mas conforme os estudos reportados, somente 42% da área da sub-bacia - 2.169 ha - possui condições de solo e relevo para a eficácia desta prática. Considerando que o valor recomendado para uma cultura de milho é de 44 m3/ha/ano, haveria um excedente de 44.600 m3/ano de dejetos. A solução do problema, portanto, requereria de medidas complementares.

Conseqüência concreta da situação acima descrita é a contaminação das águas. Medições efetuadas pela UNISUL na foz do Rio Bonito/Coruja, em abril de 2000, mostraram um conteúdo de 56.000 coliformes fecais/100ml. Medições mais recentes apresentam valores entre 22.000 e 35.000 (Hadlich, 2001). Isto é, muito acima de todos os padrões estabelecidos pela legislação brasileira para qualquer classe de uso das águas que implique em consumo ou contato humano e irrigação.

A figura 6 apresenta um diagrama topológico dos pontos de amostragem e teores de coliformes fecais registrados numa das campanhas de coleta de amostras efetuadas por Bortoluzzi e outros (2000) ao longo do Rio Braço do Norte, que permitem visualizar o perfil do rio em relação a este parâmetro de qualidade hídrica. A influência dos aportes da suinocultura e dos esgotos do Município de Braço do Norte manifestam-se claramente nos valores observados no ponto P6, localizado à jusante da sede do Município e da confluência do Rio Bonito/Coruja. Embora os valores apresentados correspondam a somente uma das

campanhas efetuadas, eles são ilustrativos dos impactos da suinocultura e, em geral, da poluição de origem orgânica, no Rio Braço do Norte.

Figura 6 - Número de coliformes fecais e diagrama topológico da localização dos pontos de amostragem nos trabalhos de Bortoluzzi et ali (2000)

Impactos da rizicultura

Disponibilidade de solos adequados, água aparentemente farta e um mercado garantido, têm estimulado o aumento significativo das culturas de arroz irrigado que marcam a paisagem de extensas planícies litorâneas do sul catarinense.

A previsão de área plantada com arroz para a safra 2000/01 foi de 17.218 ha na região hidrográfica RH9 e de 59.405 ha na região RH10. (Paul, 2000). Assim, considerando um consumo de 1 litro/seg/ha (EPAGRI, 1998) o total de água consumida pela irrigação do arroz na RH9 - 17,2 m3/s médios durante o período da safra - corresponde ao consumo urbano de uma população de mais de 7 milhões de pessoas. E a consumida na RH10 - da ordem de 60 m3/s - permitiria o abastecimento urbano de uma população de mais de 25 milhões de habitantes. Em síntese, o consumo da irrigação de arroz é muito hidrointensivo e representa um enorme potencial de conflito nos anos de águas baixas.

De fato, estimativas efetuadas com parâmetros obtidos mediante regionalização hidrológica apontam para vazões de estiagens (média das vazões mínimas de 7 dias de duração e 10 anos de retorno) de 22 m3/s na região RH9, do Rio Tubarão e Complexo

Lagunar; e de 10 m3/s na região RH10, do Urussanga, Araranguá e Mampituba. Isto é, a demanda da rizicultura nesta região é quase 6 vezes superior à vazão de estiagem. Na região RH9 a rizicultura consome o equivalente a mais de 76% da disponibilidade em toda a região, nos períodos de estiagem. Embora a margem de erro nas estimativas possa ser alta, a importância dos resultados não está nos números em si, mas no cenário que refletem quanto ao potencial de conflito.

A época da safra de arroz vai de meados de novembro até a primeira quinzena de março. O período hidrológico de águas baixas corresponde, em geral, aos meses de entresafra. Entretanto, há que ter em conta a variabilidade interanual da pluviometria regional que, conforme os sistemas atmosféricos dominantes no correspondente ano, podem dar origem a deslocamentos sensíveis dos períodos de máximos e mínimos fluviais. Portanto, há que considerar a possibilidade de anos secos nas épocas de máximas demandas, como já acontecido, com sérios conflitos pela disputa em torno ao uso dos recursos hídricos pelos diferentes usuários. Há que considerar, também, a ausência de sistemas de acumulação com reservatórios e de outras fontes potenciais de suprimento, como as águas subterrâneas, por exemplo. Por outra parte, o caráter localizado da rizicultura faz que, na época da irrigação, a expressiva extração dos cursos de água mais próximos chegue a "secar" muitos deles. Isto é, mesmo nas condições hidrológicas normais, os conflitos pelo uso da água são inevitáveis e, na medida que as áreas sob irrigação aumentam, cresce também o potencial de conflito.

Expectativas no cenário da Política Nacional de Recursos Hídricos

Face ao quadro anterior, a política nacional de recursos hídricos, atualmente em fase de implementação, gera expectativas quanto à possibilidade de reverter as práticas usuais na região. A política visa garantir, às gerações atual e futuras, a disponibilidade quanti-qualitativa de água adequada aos respectivos usos e coloca todas as categorias de usuários em igualdade de condições em termos de acesso a esse recurso natural. Proclama entre os seus pilares básicos, o princípio da gestão descentralizada e participativa (Princípio da Subsidiaridade), tendo como peça fundamental o Comitê de Bacia, tipo de organização novo na administração dos bens públicos do país e que conta com a participação dos usuários, dos municípios, da sociedade civil organizada e dos diversos níveis de governo. Trata-se de órgãos colegiados com atribuições normativas, deliberativas e consultivas a serem exercidas na bacia hidrográfica de sua jurisdição. Na região foco deste trabalho, encontramos o Comitê da bacia do Rio Tubarão e Complexo Lagunar em fases iniciais de funcionamento e o Comitê da Bacia do Rio Araranguá ainda em fase de estruturação. Estes comitês tem como assunto prioritário a definição de um programa de metas de despoluição, em cuja discussão e compromissos de implementação estão participando os usuários, agentes institucionais e população da bacia. Para isso, a lei estabelece o instrumento enquadramento dos corpos de água segundo os usos prioritários previstos para eles. Trata-se da definição de metas de qualidade. A discussão a respeito dos usos e dos custos, prazos e compromissos associados, permite decidir qual o cenário que a sociedade deseja atingir. Aos técnicos compete subsidiar o comitê com propostas realistas, com os correspondentes custos econômicos e ambientais de cada uma delas, como também, auxilia-lo nas decisões de alternativas para definição de prazos para atingir as metas pretendidas.

No caso em discussão, programas de metas de despoluição e de medidas preventivas para o futuro, legitimados social e politicamente através dos mecanismos participativos do Comitê, deverão tender a resolver os problemas de degradação qualitativa. Há que prever, é claro, muita discussão para estabelecer os planos e os correspondentes mecanismos de financiamento. É conhecida a posição dos mineradores e suinocultores, no sentido de considerar que a responsabilidade da degradação é, em boa medida do governo federal e que, portanto, é a este que corresponde financiar a recuperação. Se não houver acordo a respeito do financiamento será impossível estabelecer um programa com perspectivas de implementação real. No caso dos conflitos pela deterioração qualitativa das águas, da qual são responsabilizados os suinocultores, rizicultores e fecularias, há ainda o problema da poluição difusa. Neste sentido, provavelmente haverá que estabelecer compromissos a nível de cooperativas de produtores, pois dificilmente será possível estabelecer as contribuições individuais. Já a questão das disputas de água entre os rizicultores e destes com usuários de outros setores deverá ser resolvido através do instrumento da outorga de direitos de uso da água. Este é outro dos instrumentos previstos na lei da política de recursos hídricos. Para isso o poder público - outorgante - tem que ter condições de saber se o correspondente curso de água oferece, ou não, as quantias requeridas. E em caso que as ofereça, saber quais as medidas ou as obras de engenharia necessárias para disponibilizar a água nos períodos que os usuários a requerem. É a partir deste conhecimento objetivo que deverão ser feitas as conversações e os acertos, entre os diferentes usuários, para dirimir suas diferenças. E, no caso de impossibilidade de atender todas as demandas na forma requerida pelas partes, é o comitê da bacia que terá que definir as atividades a serem priorizadas.

Conclusões

Os trabalhos comentados a respeito da acidificação das águas fluviais pelas atividades de exploração do carvão mineral no sul de Santa Catarina, apresentam resultados correspondentes a diversas épocas e condições hidrológicas. Evidenciam, entretanto, que o impacto destas atividades nos recursos hídricos regionais não são somente coisas do passado mas, também, uma realidade do presente. Por outra parte, a poluição de origem orgânica, como conseqüência de atividades e atitudes antrópicas como as comentadas em relação à suinocultura no Município Braço do Norte, constitui-se num exemplo concreto de um tipo de impacto sobre os recursos hídricos do Sul de Santa Catarina que, embora não tão divulgado quanto os da mineração e beneficiamento do carvão, merece, também, atenção, controle e soluções. Também a rizicultura provoca impactos que, no caso, se traduzem em conflitos pelo uso da água, pela alta demanda hídrica desta atividade.

Devido à sua natureza, as soluções para a neutralização dos impactos apontados passam, entre outros caminhos, pela negociação entre os diversos atores sociais. Neste sentido, as possibilidades que oferecem os comitês de bacias hidrográficas previstos nas políticas nacional e estadual de recursos hídricos, constituem-se em fóruns privilegiados de negociação. Neste contexto, os passos iniciais do Comitê Tubarão e o processo em curso que visa a criação do Comitê Araranguá, devem ser estimulados e fortalecidos.

Os caminhos apontados não são fáceis nem simples. Por uma parte, pelos interesses econômicos em jogo. Por outra, pelos aspectos tecnológicos e pelas dificuldades de fiscalização para verificação dos compromissos assumidos pelas partes. Mas têm que ser decididos e trilhados na própria bacia com participação das entidades de fomento, de

assistência técnica, de controle ambiental, universidades regionales, cooperativas de usuários, sindicatos de produtores, e demais participantes envolvidos no assunto. É neste sentido que os setores sociais atuantes estão avançando.

Agradecimentos

O autor registra o seu agradecimento ao professor Ismael Bortoluzzi, da UNISUL, pela autorização para citar resultados parciais do trabalho ainda em andamento no Rio Braço do Norte.

Fontes de consulta

AMARAL, E. 1998. Relatório JICA. Estudo de viabilidade da recuperação das áreas mineradas na região sul de Santa Catarina - RESUMO. Florianópolis: Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente-SDM. (Documento de trabalho).

BENDER, M. 1998. Zoneamento Ambiental e avaliação dos recursos hídricos na sub-bacia do Rio Rocinha, Município de Lauro Müller, SC. Florianópolis: UFSC. Dissertação de Mestrado em Geografia.

BORTOLUZZI, I. P. 2000. Comunicação pessoal. Tubarão: UNISUL.

EPAGRI. 1998. Sistema de produção de arroz irrigado em Santa Catarina: (Pré-germinado). Florianópolis. 79p. (Epagri. Sistema de Produção, 32).

GOTHE, C. A. V. 1993. Avaliação dos impactos ambientais da indústria carbonífera nos recursos hídricos da região sulcatarinense. Florianópolis: UFSC. Dissertação de Mestrado em Geografia.

HADLICH, G.M. 2001. Comunicação pessoal. Tubarão: UNISUL/GRUPERH

LIMA, M. C.; MICHELS, M.L.; BORTOLUZZI, I.P; STÜPP, V. e ZÜGE, F. 1998 Estudo de sedimentos e águas do Rio Tubarão em termos de metais pesados. Rev. Episteme, v. 5, n. 14. Tubarão: UNISUL.

PAUL, J. M. 2000. Comunicação pessoal. Florianópolis: ICEPA.

SANTA CATARINA. Secretaria de Estado do Desenvolvimento Rural e da Agricultura. (Execução: EPAGRI/CIRAM). 2000. Inventário das Terras da Sub-bacia Hidrográfica do Rio Coruja/Bonito. Município de Braço do Norte, SC. Florianópolis.

SANTA CATARINA. Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente. (Execução: UNISUL). 1998. Diagnóstico dos recursos hídricos e organização dos agentes da Bacia Hidrográfica do Rio Tubarão. Florianópolis.

SANTA CATARINA. Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente. (Execução: Instituto CEPA, UNESC e EPAGRI/CLIMERH). 1997. Plano de gestão e gerenciamento da Bacia do Rio Araranguá. Zoneamento da disponibilidade e da qualidade hídrica. Florianópolis.

[1]Professor do Curso de Engenharia Ambiental. E-mail: [email protected]