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Rua das Mercês, 8 9000-420 – Funchal Telef (+351291)214970 Fax (+351291)223002 Email: [email protected] [email protected] http://www.madeira-edu.pt/ceha/ Vieira, Alberto(2008): MADEIRA- Um Cais de Permanentes Chegadas e Partidas, COMO REFERENCIAR ESTE TEXTO: Vieira, Alberto(2008): MADEIRA- Um Cais de Permanentes Chegadas e Partidas, Funchal, CEHA- Biblioteca Digital, disponível em: http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/avieira/2008-av- migra.pdf, data da visita: / / RECOMENDAÇÕES O utilizador pode usar os livros digitais aqui apresentados como fonte das suas próprias obras, usando a norma de referência acima apresentada, assumindo as responsabilidades inerentes ao rigoroso respeito pelas normas do Direito de Autor. O utilizador obriga-se, ainda, a cumprir escrupulosamente a legislação aplicável, nomeadamente, em matéria de criminalidade informática, de direitos de propriedade intelectual e de direitos de propriedade industrial, sendo exclusivamente responsável pela infracção aos comandos aplicáveis.

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Rua das Mercês, 89000-420 – FunchalTelef (+351291)214970Fax (+351291)223002

Email: [email protected]@madeira-edu.pt

http://www.madeira-edu.pt/ceha/

Vieira, Alberto(2008):

MADEIRA- Um Cais de PermanentesChegadas e Partidas,

COMO REFERENCIAR ESTE TEXTO:

Vieira, Alberto(2008): MADEIRA- Um Cais de Permanentes Chegadas e Partidas, Funchal, CEHA-Biblioteca Digital, disponível em: http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/avieira/2008-av-migra.pdf, data da visita: / /

RECOMENDAÇÕESO utilizador pode usar os livros digitais aqui apresentados como fonte das suas próprias obras,usando a norma de referência acima apresentada, assumindo as responsabilidades inerentes ao

rigoroso respeito pelas normas do Direito de Autor. O utilizador obriga-se, ainda, a cumprirescrupulosamente a legislação aplicável, nomeadamente, em matéria de criminalidade informática,de direitos de propriedade intelectual e de direitos de propriedade industrial, sendo exclusivamente

responsável pela infracção aos comandos aplicáveis.

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MADEIRAUm Cais de Permanentes Chegadas e Partidas

ALBERTO VIEIRAInvestigador-CoordenadorCentro de Estudos de História do Atlântico (MADEIRA)[email protected]

Vimos muito espalharportugueses no viver,Brasil, ilhas povoare às Índias ia morar,natureza lhes esquecer(Garcia de Resende, 1534)

Os descobrimentos europeus a partir do século XV não podem ser vistos apenas na perspectiva doencontro de novas terras, novas gentes e culturas, pois a isto deverá associar-se a migração dehomens, plantas utensílios, conhecimentos e doenças em vários sentidos. O movimento do Homemarrastou consigo o universo envolvente da fauna, flora, tecnologia, usos e tradições que tiveram umimpacto evidente nos novos e velhos espaços. Este processo de que os portugueses foram pioneirosno século XV é aquilo que Pierre Chaunu1 define como o desencravamento planetário que abriu asportas para o abraço entre todos os continentes ou então a chamada economia-mundo de F.Braudel2, ou ainda o processo de descompartimentação do mundo que nos refere Pierre Léon3. Emtermos actuais foi o começo do processo de globalização. Neste quadro o Atlântico define-se apartir do século XV como um novo espaço para a afirmação dos impérios europeus onde as ilhasassumem a função de ponte no cruzamento de rotas, circulação de pessoas e produtos4.

A construção da sociedade atlântica a partir do século XV resultou do movimento depopulações provocado pela expansão europeia. As ilhas que, num primeiro momento, haviam sidoas principais receptoras, assumem de imediato a função de centros difusores de mão-de-obraespecializada para a expansão da cultura e tecnologia dos novos produtos da economia agrícola

1. CHAUNU, Pierre (1976), A história como ciência social, Rio de Janeiro: Zahar Editores.2 BRAUDEL, Fernand (1989), Gramáticas das Civilizações, Lisboa, Teorema.3 LÉON, Pierre (dir.) (1984), História Económica e Social do Mundo, vol.I, Lisboa, Sá da Costa.4. De acordo com RUSSELL-WOOD, A. J. R. (1998), Um Mundo em Movimento. Os Portugueses na África, Ásia e América (1415-1808),Lisboa, Difel, p.11). «Para além de diferentes níveis de expecta tiva, de aspirações, de relutância ou de rejeição, estes contactosinauguraram inexoravelmente uma nova era de globalização transcontinental, transoceânica e transnacional, caracterizada pelainterdependência, pela acção recíproca e pelo intercâmbio entre os povos» Cf. José Manuel Azevedo e Silva, A Importância dos EspaçosInsulares no Contexto do mundo Atlântico, in História das Ilhas Atlânticas, vol. I, Funchal, 1997, pp.125-161. GRUZINSKI, Serge (2004),Les Quatre Parties du Monde. Histoire d’une Mondialisation, Paris, Editions de La Martinière. OSTERHAMMEL, Jürgen, PETERSSON,Niels P. (2005), Globalization – A Short History, Oxford/Princeton, Princeton University Press; Rodrigues, Jorge Nascimento, TessalenoDevezas, Pioneers of Globalization: Why the Portuguese surprised the World, Lisboa, 2007 [informação on-line emhttp://www.centroatl.pt/globalization/news.html] George Modelski, the Evolutionary World Politics Homepage, on linehttps://faculty.washington.edu/modelski/, Washington, University of Washington, 1997-2007)

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atlântica. Elas foram espaços de permanente movimento de populações, situação que funcionoucomo válvula de escape para as limitadas possibilidades do espaço face ao crescendo da população.A situação charneira do arquipélago madeirense no traçado das rotas oceânicas dos portugueses deida para a costa africana e o facto de ter sido o primeiro espaço de ocupação e valorizaçãoeconómica portuguesa condicionou a primeira leva de europeus e fez com que os madeirensesestivessem presentes em todos os espaços onde os portugueses chegaram, por força da exploraçãoagrícola, actividade comercial e das armas para defesa e manutenção dos espaços. A juntar a tudoisso tivemos o rápido progresso social, resultado do porvir económico, que condicionou oaparecimento de uma aristocracia terra tenente. Esta, imbuída do ideal cavalheiresco e do espíritode aventura, embrenhou-se na defesa das praças marroquinas, na disputa pela posse das Canárias enas viagens de exploração e comércio ao longo da costa africana e, até mesmo, para Ocidente.

A mobilidade social é uma das características da sociedade insular. O fenómeno daocupação atlântica lançou as bases da sociedade e a emigração ramificou-a e projectou-a alémAtlântico. As ilhas foram, num primeiro momento, pólos de atracção, passando depois a áreas dedivergência de rotas, gentes e produtos. A novidade, aliada à forma como se processou opovoamento, activaram o primeiro movimento. A desilusão inicial com as escassas e limitadaspossibilidades económicas e a cobiça por novas e prometedoras terras, definiram o segundo surto.Primeiro foi a Madeira, depois as ilhas próximas dos Açores e das Canárias e, finalmente, os novoscontinentes e demais ilhas. O madeirense, desiludido com a ilha, procurou melhor fortuna nosAçores ou nas Canárias, e depositou, na costa africana as prometedoras esperanças comerciais. Nogrupo incluem-se principalmente os filhos-segundos deserdados da terra pelo sistema sucessório. Édisso exemplo Rui Gonçalves da Câmara, filho do capitão do donatário no Funchal, que preferiuser capitão da ilha distante de S. Miguel a manter-se como mero proprietário na Ponta do Sol. Comele surgiram outros que deram o arranque decisivo ao povoamento da ilha. A Madeira evidencia-setambém no século quinze como um centro de divergência de gentes à procura do no novo mundo.Os monarcas a definiram políticas de restrição no movimento migratório em favor da fixação docolono à terra, como forma de evitar o despovoamento das áreas já ocupadas. O apelo das riquezasde fácil resgate africano ou da agricultura americana eram para o homem do século XV maisconvincentes, tendo a favor a disponibilidade dos veleiros que escalavam com assiduidade osportos insulares. A emigração era inevitável.

Todo o movimento de migrações é resultado de um conjunto variado de factores que emdiversos momentos condicionaram a maior ou menor disponibilidade para as chegadas ou partidas5.Nem sempre é o mesmo princípio que reúne todos aqueles que se aproximam do cais da partida. Háos que são obrigados a partir por força da violência, expressa na intolerância política, religiosa edesrespeito pela condição humana. São os que partem de forma forçada, na condição de escravo,ou quase escravo, como foi o caso da emigração oitocentista conhecida como escravatura branca,porque foram obrigados a entregar o seu destino nas mãos de outros. A estes juntam-se os

5 Para o debate sobre as motivações que regem os fenómenos migratórios remetemos o leitor interessado para a bibliografia que aseguir emunciamos: RAVENSTEIN, Ernest G. (1885), "The laws of migration", Journal of the Royal Statistical Society, Vol. 48,Part II, pp. 167-227 RAVENSTEIN, Ernest G. (1889), "The laws of migration", Journal of the Royal Statistical Society, Vol. 52, PartII, pp. 241-301; ZIPF, Georges K. (1946), “The P1 P2 / D hypothesis: on the intercity movement of persons”, AmericanSociological Review, Vol. 11, Nº 6, pp. 677-680;ROSSI, Peter H. (1955), “Why families move”, in P.F. Lazarsfeld e M. Rosenberg(Ed.), The Language of Social Research, Glencoe, The Free Press, pp. 457-468; THOMAS, Brinley (1968), “Migration: economicaspects”, in International Encyclopedia of the Social Sciences, Nova Iorque, Macmillan and Free Press, Vol. 10, pp. 292-300; Jansen,Clifford J.(1969), Some Sociological aspects of migration, in J. A. Jackson (ed.), Migration, Cambridge, CUP, 60-73; Zelinsky,Wilbur (1971), The hypothesis of the mobility transition, The Geographical Review, 61-2, 219-249; PETERSEN, William (1975),“The general determinants of migration”, in Population, Nova Iorque, Macmillan, pp. 279-334; CLARK, W. A. V. (1986),Human Migration, Beverly Hills, Sage; ZOLBERG, Aristide R. (1989), "The next waves: migration theory for a changing world",International Migration Review , Vol. 23, Nº 3, pp. 403-430;PORTES, Alejandro e József BÖRÖCZ (1989), "Contemporaryimmigration: theoretical perspectives on its determinants and modes of incorporation", International Migration Review, Vol. 28,Nº 3, pp. 606-630; MASSEY, Douglas S. et al. (1993), “Theories of international migration: a review and appraisal”, Populationand Development Review , Vol. 19, Nº 3, pp. 431-466; Matos, Cristina (1993), Migrações. Decisões individuais e estruturas sociais,Socius Working Papers , 5/93, SOCIUS- Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações on -line [disponível em http://pascal.iseg.utl.pt/~socius/publicacoes/wp/wp935.pdf]; Peixoto, João (2004), As teorias explicativasdas migracoes. Teorias micro e macro sociológicas, in Socius Working Papers, 11/2004, SOCIUS-Centro de Investigação emSociologia Económica e das Organizações on-line [disponível emhttp://pascal.iseg.utl.pt/~socius/publicacoes/wp/wp200411.pdf].

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perseguidos pelas suas opções religiosas e políticas. É por isso que a diáspora judaica marcou deforma evidente o processo dos descobrimentos portugueses nos séculos XVI e XVII e que tivemosa situação particular na década de quarenta do século XIX de perseguição na Madeira os seguidoresdo pastor protestante Robert Kalley. Mas depois com o advento da Revolução Francesa surgiramnovos mecanismos de afrontamento marcados pela vida politica. À força das convicções políticasjunta-se a violência da palavra e a intolerância do convívio entre adversários. Esta últimamanifesta-se através da prepotência dos regimes políticos que procura apagar toda e qualquerreacção ou obstáculo através da perseguição e deportação dos adversários políticos.

Há os que partem de livre vontade, movidos pelo espírito de aventura, a possibilidade deencontrar novas e melhores condições de vida. O sonho que comanda a partida muitas vezes sedesfaz mesmo aí à saída do cais, com um naufrágio, ataque de piratas ou qualquer outro acidente,pois nem todos chegam ao destino e conseguem lograr todas as suas expectativas. Todos elespartiram cheios de esperanças, mas nem todos chegaram a bom porto e para muitos o lugar a terrade destino foi tão madrasta como aquela que os viu nascer. Outros ainda, entregaram a sua vidapela possibilidade de títulos e honras e, por isso, partem ao encontro do inimigo na frente debatalha, quer no Norte de África ou no Índico.

Não podemos esquecer as propostas aliciadoras dos locais de destino ou resultantes dapolítica régia de ocupação e povoamento dos novos espaços. A própria coroa promoveu estemovimento. Primeiro foram os técnicos experimentados na cultura dos canaviais e fabrico doaçúcar que partiram da Madeira ao encontro de novos canaviais e engenhos nas ilhas e litoralbrasileiro. Depois a necessidade de firmar de facto a soberania através de uma ocupação doterritório tivemos incentivos à saída de casais, que serão a nossa garantia de posse das terrasbrasileiras ou angolanas. Por força da intervenção da coroa tivemos também o movimento defuncionários régios, governadores, religiosos e militares. Tudo isto gerava um rodopio permanentede homens ou de famílias. A todos estes aventureiros, perseguidos, deportados, deslocados junta-seum grupo em permanente mudança ligado como agentes e factores do próprio movimento entre oslocais de partida e de destino. Marinheiros em diversas posições têm o mar por casa e por issoestarão em todo o lugar onde haja o porto das partidas e chegadas. Mercadores e seus agentessustentam este movimento através da circulação de mercadorias e fazem disso a sua principalmotivação para aguardar no cais ou partir em busca de outros mais prósperos.

Um cais ou um porto insular e sempre um local de partidas e chegadas. Este movimento ede todos os tempos. Os que partem poderão cruzar-se com os que chegam, sendo por vezessemelhantes os motivos que conduzem a semelhante movimento. Mas quase sempre ambos osmovimentos acontecem em momentos distintas pois, as partidas quando acontecem querem dizerque as perspectivas são pouco animadoras para propiciar essas chegadas. A conjuntura quealimenta as chegadas e distinta, alenta o ânimo e as esperanças para todos. A eles anima a mesmaesperança e defrontam-se como as mesmas dificuldades à chegada para os outros que partiram. Porvezes estes imigrantes cruzam-se no mesmo cais de chegada com os que retornam de formadefinitiva ou temporária. Aqui as posturas são muitas vezes semelhantes uma vez que nem todos osque regressam assumem uma posição de afirmação social manifesta do sucesso. De novo poderãoser confundidos como imigrantes sofrendo as mesmas humilhações e dificuldades de integração nomeio que continua a rejeita-los. São estas vivências complexas que domimam o movimento dasmigrações e que na sociedade do século XXI, que se quer intercultural nos devem levar a reflectirsobre a postura de cada um de nós sobre estes protagonistas das chegadas e partidas.

O movimento das populações no espaço atlântico insular a partir do século XV apresentamúltiplas motivações. O quadro a seguir apresentado resume de forma sucinta essas redes.

MOTIVAÇÕES IMIGRAÇÃO EMIGRAÇÃO

DEGREDO: justiça Ilhas (Madeira, Açores),Portugal Continental,

Ilhas (Madeira, Açores)

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Norte de África (praçasmarroquinas), Cabo Verde,

São Tomé, Brasil, Índia

RELIGIÃO: perseguição parajudeus e protestantes

Ilhas (Madeira, Açores, S.Tomé, Canárias), Brasil

Portugal Continental,Ilhas (Madeira, Açores)

ECONÓMICA: ambição ebusca de melhores condições

de vida- Movimento de troca e

circulação de mercadorias

Ilhas (Madeira, Açores, CaboVerde, S. Tomé), Angola, N.

África, Brasil, Índia

EUROPA, PortugalContinental, Ilhas(Madeira, Açores)

ADMINISTRAÇÃO:funcionários régios

Ilhas (Madeira, Açores, CaboVerde, S. Tomé), Angola, N.

África, Brasil, Índia Portugal Continental

MILITAR: militares paradefesa de possessões

Ilhas (Madeira, Açores),Brasil, Angola, Norte de

Africa, Índia

Portugal Continental,Ilhas (Madeira, Açores)

POLÍTICA: deportaçãoIlhas (Madeira, Açores, Cabo

Verde, S. Tomé), Angola,Brasil

Portugal Continental,Ilhas (Madeira, Açores)

1. A BIBLIOGRAFIA E O TEMA.

Revestindo os estudos sobre migrações internacionais um carácter muito complexo,em que se devem entrosar métodos e instrumentos de natureza demográfica,estatística, geográfica, antropológica, sociológica e política, nunca devem serperdidos os fios condutores que relacionam os números com as pessoas; astendências colectivas com as motivações individuais; os diferentes contextos (legal,social, económico e cultural), entre si; e, finalmente, as situações circunstanciaispróprias de cada tempo e de cada par de lugares. [Maria Beatriz da Rocha Trindade, A realidade

da imigração em Portugal, in I CONGRESSO IMIGRAÇÃO EM PORTUGAL [DIVERSIDADE - CIDADANIA -INTEGRAÇÃO] 18 / 19 DE DEZEMBRO DE 2003 Lisboa, 2004, p.172]

Hoje, na verdade, as temáticas da imigração e emigração, ou se quisermos das migrações, são degrande interesse e motivam o empenho das comunidades política e científica6. Deste momento nos

6 ARROTEIA, Jorge Carvalho, e ROCHA - TRINDADE, Maria Beatriz(1984), Bibliografia da Emigração Portuguesa, Lisboa, Instituto dePortuguês à Distância, GALAP, J. Lirus(1981), Seconde génération ou enfants d'immigrés. Bibliografia internationale (1969-1979),Cahiers d'anthropologie 3-4, pp. 1-230., Miguel Monteiro, Sala do Conhecimento, Fafe, Museu do Emigrante, [on-line] Fafe, Museu doEmigrante, [disponível em http://www.museu-emigrantes.webside.pt/museu.htm], Matias, Ana Raquel e Fernando Luís Machado(2006), Bibliografia sobre imigração e Minorias Étnicas em Portugal 2000-2006), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, on-line [disponívelem http://blogsocinova.fcsh.unl.pt/mjvrosa/files/BIBLIOGRAFIA_sobre_Imigrantes.pdf]; Baganha, Maria Ioanis, Pedro Góis e JoséCarlos Marques (2006), Bibliografia sobre a Imigração em Portugal, Coimbra, Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra -Núcleo de Estudos das Migrações,. on-line [disponível emhttp://www.ces.uc.pt/nucleos/migracoes/pdfs/bibliografia_imigracao_em_portugal.pdf]; Garcia, José Luís e Nunes, Diana de Brito(2000), Migrações e Relações Multiculturais uma bibliografia, Oeiras, Celta; Teixeira, Carlos, Lavigne, Gilles (1996), Os Portugueses noCanadá-Uma Bibliografia: 1953-1996,Toronto.

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últimos anos várias entidades promoveram estudos alargados sobre os fenómenos, com o intuito deentender os seus reflexos na sociedade portuguesa. A bibliografia é extensa e permanente apublicação e projectos de estudo, quer no meio académico, quer institucional7 . Tenha-se, porexemplo em conta o trabalho do Observatório da Imigração e de diversas estruturas oficiaisentretanto criadas8. Devemos ainda considerar a dinâmica resultante da política de criação demuseus da emigração9 que se reflectiu em Portugal com a criação no ano de 2001 em Fafe doMuseu do Emigrante e das Comunidades10, secundado por idêntico projecto para os Açores em200511.

Porque Portugal foi por muito tempo terra de emigrantes a temática dominante foi quasesempre a da emigração. A obra de Joel Serrão foi e continua a ser uma referência para os estudossobre o tema12. Apenas no virar da centúria se descobriu a necessidade de voltar a atenção para ofenómeno da imigração, que assumiu uma importância primordial nestes primeiros anos do séculoXXI13 . Por outro lado o estudo das temáticas das migrações implica hoje uma formulação diferentee co-participativa de todos os domínios das Ciências Sociais, tal como se tem postulado nosúltimos anos e tem sido pratica em muitos dos encontros e publicações científicas de referência14. Eé na verdade isso que temos visto nos últimos anos, através de colóquios, seminários e publicaçõescolectivas.

O estudo das migrações madeirenses tem sido feito de modo parcelar existindo ainda umagrande lacuna sobre esta área que importa colmatar com novos estudos e análises. Na verdadedesde 1985 com os Colóquios de História realizados pelo CEHA tivemos várias apresentações econtributos para o tema, incluso no primeiro encontro aconteceu uma mesa redonda coordenada

7 Esta evidência foi constatada pelos compiladores de uma bibliografia sobre imigração e minorias étnicas em Portugal: “Poucos temassociais suscitarão presentemente um tão intenso ritmo de pesquisa e publicação, o que dá bem conta do interesse que em Portugal secoloca no conhecimento daquela que é uma das suas grandes transformações dos últimos trinta anos, a passagem a país de imigração,sem ter deixado de ser país de emigração. A principal razão para uma produção tão abundante é que o estudo deste tema, nas suasinúmeras facetas, tem mobilizado muitas disciplinas e investigadores na universidade e fora dela, dentro e fora do país. E isso explicatambém que tenhamos ficado surpreendidos e que muitos outros venham provavelmente a ficar. (Fernando Luís Machado e AnaRaquel Matias (2006), Bibliografia sobre imigração e Minorias Étnicas em Portugal (2000-2006), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, on-line[disponível em http://blogsocinova.fcsh.unl.pt/mjvrosa/files/BIBLIOGRAFIA_sobre_Imigrantes.pdf]).8 Cf página web: http://www.oi.acidi.gov.pt/. Neste contexto merece toda a atenção para o trabalho da Secretaria de Estado dasComunidades no período da Drª. Manuela Aguiar em que foi responsável do Centro de Documentação a Prof. Maria Beatriz da RochaTrindade[O período de intervenção como Secretária de Estado foi entre 1980-1981, e 1983-87. Cf. Santos, Vanda(2004), O discurso oficialdo Estado sobre a emigração dos anos 60 a 80 e emigração dos anos 90 à actualidade, Lisboa, ACIME. Maria Beatriz da Rocha Trindade, (1982),Da emigração às Comunidades Portuguesas, colecção Temas sociais nº 15, Lisboa, edições Conhecer.]8, e a partir de 1996 o ACIME[O AltoComissário para a integração das Minorias Étnicas, foi criado em 1996, on-line, [disponível em http://www.acime.gov.pt/]. ], hoje ACDI(O Alto Comissariado para a Imigração e diálogo Intercultural, desde 2007 cf. On-line, [disponível em http://www.acime.gov.pt/]), atravésdo Observatório da Imigração.9 Veja-se a Migration Museums Network, on-line, http://www.migrationmuseums.org/web/10 Cf. on-line http://www.museu-emigrantes.webside.pt/11 Cf. On-line http://intracmrg.cm-ribeiragrande.pt/mea/12 SERRÃO, Joel (dir.)( 1981) Dicionário de História de Portugal, 6 vols., Porto, Liv. Figueirinhas; SERRÃO, Joel e outros (1976),Testemunhos sobre a emigração portuguesa, Lisboa, Livros Horizonte, SERRÃO, Joel, “A emigração portuguesa para o Brasil na segundametade do século XIX (esboço de problematização)”: in Temas oitocentistas -I, Lisboa, Livros Horizonte, pp.161-186. Idem (1977), AEmigração Portuguesa, 2" edição, Lisboa, Livros Horizonte, SERRÃO, Joel, e MARTINS, Gabriela (1978), Da Indústria Portuguesa - DoAntigo Regime ao Capitalismo, Lisboa, Livros Horizonte, SERRÃO, Joel(1973), Fontes de Demografia Portuguesa, 1800-1862, Lisboa, LivrosHorizonte, idem(1965), Emigração, Dicionário da História de Portugal, 7, Iniciativas Editoriais, Lisboa, pp. 19-29; idem (1985), Sobre aemigração e mudança social no Portugal contemporâneo, Análise Social, 87-88-89 (21), pp. 995-1004; idem, A Emigração Portuguesa,sondagem histórica, Horizonte, Lisboa 1982. idem (1970), Conspecto histórico da emigração portuguesa, Análise social, 32 (8), pp. 597-617.13 Baganha, Maria (2006), Pedro Góis e José Carlos Marques, Bibliografia sobre a Imigração em Portugal, Coimbra, Centro de EstudosSociais da Universidade de Coimbra-Núcleo de Estudos das Migrações, on-line [disponível emhttp://www.ces.uc.pt/nucleos/migracoes/pdfs/bibliografia_imigracao_em_portugal.pdf]. Fernando Luís Machado e Ana RaquelMatias (2006), Bibliografia sobre imigração e Minorias Étnicas em Portugal (2000-2006), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, on-line [disponível em http://blogsocinova.fcsh.unl.pt/mjvrosa/files/BIBLIOGRAFIA_sobre_Imigrantes.pdf]. Maria Isabel RodriguesBaptista, A Demografia e os Estudos da População em Portugal: uma bibliografia, Lisboa, Associação Portuguesa de Demografia, on-line, [disponível em http://www.apdemografia.pt/bibliografia.htm.], é uma versão alargada do texto publicado em Análise Social, Vol.XLII,nº 183, 2ºtrimestre de 2007. Em 2003 o ACIME organizou o primeiro colóquio sobre a emigração em Portugal de que dispomos dasactas on-line em http://www.oi.acime.gov.pt/docs/pdf/Actas%20CongressoIm.pdf; Cf. ainda: João Peixoto, "País de emigração oupaís de imigração? Mudança e continuidade no regime migratório em Portugal, on-line, Lisboa, Socious, 2004 [disponível emhttp://pascal.iseg.utl.pt/~socius/publicacoes/wp/wp200402.pdf]. Esteves, Maria Céu (Org.) (1991), Portugal, País de Imigração, Lisboa,Instituto de Estudos para o Desenvolvimento.14 Cf. ALMEIDA, Carlos C.(1974), “Sobre a problemática da emigração portuguesa: notas para um projecto de investigaçãointerdisciplinar”, Análise Social, nº. 40, pp, 778-788.

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pelo Prof. Joel Serrão. Depois tivemos em 2001 um seminário sobre a Emigração e Imigração nasIlhas. A isto podemos juntar estudos esparsos publicados em revistas e partes de livros15 . Masacontece que não existe um estudo aprofundado sobre os fenómenos migratórios e o seu impacto naeconomia, sociedade e cultural madeirense. Aliás olhando retrospectivamente para tudo o que foifeito podemos afirmar que ainda há muito para descobrir neste campo, pois ainda estamos no inícioe apostados em pesquisas preliminares. Assim fazem falta estudos sistemáticos sobre o movimentoda emigração madeirense para os quatro cantos do mundo e estudos que permitam mostrar o queforam e são essas comunidades madeirenses.

Hoje continua a insistir-se no movimento estatístico e na ideia de sangria populacional queo fenómeno gerou na ilha. Ainda estamos por saber de forma clara qual o impacto deste fenómenona demografia da ilha e a ignorar-se a importância do retorno e as implicações que teve e continuaa ter na ilha. Algumas épocas, como o século XIX e destinos, como o Brasil16 , América Central17,Havai18 continuam a monopolizar a atenção dos especialistas, sendo pouca ou nenhuma atençãodada a destinos e comunidades como a Austrália, África do Sul19, Venezuela20, Estados Unidos daAmérica21 e ex. colónias, como foram o caso do território da actual Republica Popular de Angola22.

O estudo da emigração madeirense passa ainda por outras posturas cientificas einstitucionais que vão desde a necessidade de criação de um museu centro de documentação aexemplo do que existe em Fafe e na Ribeira Grande Açores, como pela valorização dos contributosda História oral através de Histórias de vida. Desde 1986, altura em que tivemos oportunidade deestar em Toronto a convite The Multicultural History Society of Ontário23, temos insistido na

15 Atente-se nas Revistas Atlântico e Islenha onde podemos encontrar os seguintes trabalhos:Para os estudos integrados em livros assinalamos os seguintes. Já quanto a comunicações em colóquios e seminários tivemos:16 GOUVEIA, Horácio Bento (1948), “Aspectos da emigração madeirense para o Brasil nos reinados de D. João V e D. José”, Das Artes eda História da Madeira, pp. 17-20; GUEDES, Max Justo (1990), As Ilhas Atlânticas e sua contribuição à restauração do nordeste brasileiroII Colóquio Internacional de História da Madeira, p. 565; FERRAZ, Maria de Lourdes de Freitas (1988), “Emigração madeirense para oBrasil no séc. XVIII. Seus condicionalismos”, Islenha, 2, pp. 88-101; COUTO, Adelaide B., GAMA, Edina L.N., SANT'ANA, M.( 1990),“O povoamento da Ilha de Santa Catarina e a vinda dos casais ilhéus”, II Colóquio Internacional de História da Madeira, P. 247. PIAZZA,Walter F. (1999), A Epopeia Açórico-Madeirense (1746-1756), Funchal, CEHA, Idem (1990)“Madeirenses no povoamento da Santa Catarina(Brasil) Século XVIII”, I Colóquio Internacional de História da Madeira, p. 1268, idem (1990) “Raízes madeirenses em Santa Catarina,Brasil”, II Colóquio Internacional de História da Madeira, p. 355; SANTOS, Maria Licínia Fernandes dos (1999), Os Madeirenses naColonização do Brasil, Funchal, CEHA. JANES, Emanuel (2000), “Emigração Madeirense para o Brasil durante a 2.ª Guerra Mundial(1939-1945.” In As Ilhas e o Brasil, Funchal, Ceha, pp.481-508.17. MENEZES, Mary Noel (1988), “A sociedade portuguesa de beneficiência na Guiana Britânica”, Atlântico, Nº 15, pp.210-216, IDEM(1988), “Os portugueses da Madeira e o estabelecimento da igreja católica na Guiana Britânica”, Atlântico, Nº 15, pp.217-219, IDEM(1989), The Wingwd Impulse.The Madeiran Portugueses in guyana na Economic Social-Culture Perspective, I Colóquio Internacional deHistória da Madeira, Funchal, DRAC., vol II, pp.1322-1335, IDEM(1986), Scenes from the History of the Portugueses u«in Guyana, Londres,Idem(1990), “The First Twenty-Five Years of Madeiran emigration to British Guiana 1835-1860”, II Colóquio Internacional de História daMadeira, Funchal, CNDP, pp.415-440. SILVA, Mariana Xavier da (1988), “O Demerarista”, Islenha, Nº 2, pp. 102-112. SOARES, MariaJosé(1985), “Destino Curaçau”, Atlântico, Nº 2, pp.114-119. FERREIRA, Jo-Anne Sharon(1996), Do atlântico às Antilhas : o casoTrinidad, Islenha, 19 (Jul.-Dez.), 95-107, (2001), A imigração Madeirense a Trinidad durante o Século XIX, in Emigração e Emigração nasIlhas, Funchal, Ceha, pp.123-144.18. KNOWLTON JR., Edgar Colby (1990), “Madeirans in Hawaii”, I Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, DRAC, p. 1287;Silva, Joaquim Palminha (1996), Portugueses no Havai: sécs. XIX e XX: (da imigraçäo à aculturaçäo) /. - [Angra do Heroísmo]: Gabinete deEmigraçäo e Apoio às Comunidades Açorianas; Luís Francisco de Sousa Melo (1988), E contudo eles foram.. . : a emigração madeirensepar o Hawai no séc. XIX In: Islenha. - Funchal. - Nº 2 (Jan.-Jun.). - p. 81-87; FERNANDES, Ferreira(2004), Madeirenses errantes, 1ª ed. -Lisboa: Oficina do Livro; History of Hawai`i: The Pokiki: Portuguese Traditions [disponível na Internet via WWW, http://www.islander-magazine.com/port.html] Arquivo capturado em 3 de Janeiro de 2001; Spranger, Ana Isabek (2001), O Quotidiano dos Ilhéus no Havaiapós o contrato no século XIX, in Imigração e Emigração nas Ilhas, Funchal, CEHA, pp.159-172.19 Para este país apenas conhecemos o estudo de Victor Pereira da Rosa e Salvato Trigo, Islands in a segregated land: The Portuguese inSouth Africa, in Higs, David (1990), Portugueses Migration in Global Perspective, Toronto, MHSO, pp.182-199. Cf. Ainda Carlos Fontes,Emigração Portuguesa na África do Sul, on-line [disponível em http://imigrantes.no.sapo.pt/page6AfricSul.html]. Rovisco, MariaLuís (2001), Panorama histórico da emigração portuguesa, Jaunus, on-line, [disponível emhttp://www.janusonline.pt/sociedade_cultura/sociedade_2001_3_2_2_c.html#1]; Pina, António (2001), Os Portugueses na África doSul, Jaunus, on-line[disponível em http://www.janusonline.pt/sociedade_cultura/sociedade_2001_3_2_11_c.html]20 GOMES, Nancy (2001), Os portugueses nas Américas: Venezuela, Canadá e EUA, Janus, on-line [disponível emhttp://www.janusonline.pt/sociedade_cultura/sociedade_2001_3_2_5_c.html]21 Sobre Estados Unidos temos agora o livro de Mendonça, Duarte (2007), da Madeira a New Bedford. Um Capitulo Ignorado da EmigraçãoPortuguesa nos Estados Unidos da América, Funchal, Funchal, DRAC.22 . Neste caso apenas tem sido dada atenção à saída de madeirenses para Mossamedes. Cf. Leandro de Mendonça, ColonizaçãoMadeirense no sul de Angola, Das Artes e da História da Madeira, vol.1, n.5, 1951; Carlos Alberto Medeiros, Colonização das Terras Altas daHuíla(Angola).Estudo de Geografia Humana , Lisboa, 1976; ARRIMAR, Jorge de Abreu (1997), Os Bettencourt da ilha da Madeira ao Planaltoda Huíla, Funchal.23 Veja-se actas do encontro em Higs, David (1990), Portuguese Migration in Global Perspective, Toronto, MHSO.

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necessidade de se apostar nas Histórias de vida através da História oral ou memórias biográficas24,como repositório fundamental para reconstituir o quotidiano da emigração de forma a que se tornepossível construir a História do mesmo fenómeno de forma abrangente e global. A oportunidadeque nos foi dada de ter acesso a alguns registos sonoros sobre as peripécias vividas nos primórdiosda emigração para o Canadá foi motivo suficiente para abalizarmos da importância desta técnicanos estudos sobre a emigração. Mais tarde, em 1991, com o Museu da Pessoa em S. Paulo25, ondepodemos encontrar algumas memórias vivas de madeirenses, foi a prova de que necessitamos deavançar por esta via caso queiramos preservar as memórias da emigração madeirense. Foi com basenestes resultados e na pertinência desta opção que propomos a António Abreu Xavier umametodologia semelhante para o estudo da emigração madeirense para a Venezuela, de que resultouo projecto Histórias de Vida do Correio da Venezuela26. Da primeira colheita de 234 entrevistasfeitas por António Abreu Xavier resultou importante informação que foi condensada na tese dedoutoramento defendida pelo mesmo em 200727.

O tema da imigração parece ser uma página em branco na produção científica madeirense.Foi quase sempre defendido que a Madeira era um mercado de origem de emigrantes e nunca comodestino de imigrantes. Embora a palavra imigração não pareça constar da História madeirensetemos que dizer que este fenómeno foi uma constante na nossa História, não obstante só a partir definais do século XX a comunicação social e o universo político se terem apercebido destarealidade. As grandes obras especializadas para a construção do aeroporto e da rede viáriaobrigaram necessariamente à entrada de mão-de-obra do continente português e de outras origens,nomeadamente do Brasil e dos países de leste.

Na verdade, quase sempre se ignora que a sociedade madeirense foi fruto da imigração degentes do reino e de outras proveniências europeias que se misturaram com escravos de Canárias,N. de África e Costa da Guiné. A etnogenia da sociedade madeirense despertou desde sempre ointeresse da literatura, etnografia e História, mas não existem consensos sobre as origens daquelesque estiveram no princípio do povoamento da Madeira28. Foi aqui que se manteve o debate pormuito tempo, esquecendo-se a multiplicidade de origens do fermento da sociedade madeirense.Esta permanente abertura do porto funchalense à entrada de passageiros com estadia passageira ouprolongada mercê ser melhor equacionada. Povoadores, escravos, funcionários, mercadores,foragidos da justiça, das perseguições religiosas e políticas, deportados, doentes em busca de curae, finalmente, trabalhadores fazem parte desta mistura de raças, culturas e povos que identificam asociedade madeirense na actualidade. Temos dados e informações sobre este movimento depermanente entrada de imigrantes, mas faltam-nos estudos sobre a sua importância na sociedade edemografia madeirenses29. A situação dos últimos decénios é uma realidade desconhecida e apenastemos informação em estudos de âmbito nacional30. Falta, diga-se em boa razão, um estudo sobreas vagas de imigração dos últimos decénios.

Devemos ainda considerar o retorno de madeirenses da Venezuela e África do Sul, que temtido nos últimos anos um impacto evidente na sociedade. Estamos perante uma realidade ainda não

24 É o caso de Sardinha, Adelino (1996), Adelino´s dream. Na American Story , Funchal, edição de autor.25 Cf página web http://www.museudapessoa.net/26 Cf. On-line, Pagina web [disponível em http://www.correiodevenezuela.com/_Historias/Historias.php].27 (2007), Com Portugal en la maleta, Caracas, Editorial Alfa.28 . MATOS, A. T. (1983), "Origem e reminiscências dos povoadores das ilhas Atlânticas", in Congresso Internacional Bartolomeu Dias e asua época, actas, III, Porto, 241-252. MELO, Luís de Sousa (1988), "O Problema da origem geográfica do povoamento", in Islenha , 3, 20-34,(1991) “Contribuição açoriana na formação da população madeirense no século XVI”, Girão , 7, pp. 327-331.PINTO, Maria Luís e TeresaMaria Ferreira Rodrigues (1993), "Aspectos do Povoamento das Ilhas da Madeira e Porto Santo nos séculos XV e XVI", i n III ColóquioInternacional de História da Madeira, Funchal, 403-471. SILVA, José Manuel Azevedo e (1995), A Madeira e a Construção do Mundo Atlântico(séculos XV-XVII), 2 vols, Funchal, CEHA.29 Tenha-se em atenção: Rodrigues, Teresa [2007], Portugal nos séculos XVI e XVII. Vicissitudes da dinâmica demográfica, Lisboa, Cepese,on-line [disponivel em http://cepese.up.pt/ficheiros/WP%20TRodrigues%202.pdf]; OLIVEIRA, Isabel Tiago (2004), A transição dafecundidade nas ilhas da Madeira e de S. Miguel, Revista de Demografía Histórica, XXII, II, segunda época, pp. 85-104.30 Cf. Baganha, Maria, Pedro Góis e José Carlos Marques (2006), Bibliografia sobre a Imigração em Portugal , Coimbra, Centro de EstudosSociais da Universidade de Coimbra-Núcleo de Estudos das Migrações, on-line [disponível emhttp://www.ces.uc.pt/nucleos/migracoes/pdfs/bibliografia_imigracao_em_portugal.pdf]. Fernando Luís Machado e Ana RaquelMatias (2006), Bibliografia sobre imigração e Minorias Étnicas em Portugal (2000 -2006), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, on-line[ disponível em http://blogsocinova.fcsh.unl.pt/mjvrosa/files/BIBLIOGRAFIA_sobre_Imigrantes.pdf].

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devidamente quantificada e quase desconhecida em termos de estudos sociodemográficos. Todostemos conhecimento e contacto no dia à dia com estes, que se identificam facilmente através daforma como falam, mas parece que queremos ignorar a sua presença e a considera-los como umobstáculo. Neste sentido do discurso da intolerância face aos emigrantes recordo aquilo que diziaRoberto Carneiro31 na apresentação de um livro, quando assinalava o facto de sermoshistoricamente um pais gerador de emigrantes, os tais imigrantes, iguais ou certamente menosqualificados32 que os que hoje recebemos, pelo que o discurso da reciprocidade deve ser umapalavra de ordem das politicas e dos nossos comportamentos sociais face a estes imigrantes.

2.-IMIGRAÇÃO NA MADEIRA. A ilha, porque um espaço desabitado, começou a sua inserçãono mundo europeu atlântico através de um processo de povoamento com gentes de diversasproveniências. A primeira chegada foi marcada pela curiosidade e aventura associados ànecessidade de encontrar terra que escasseava no reino. Depois a riqueza que estes primeirospovoadores conseguiram arrancar do solo chamou outros, seja mercadores nacionais e estrangeiros,seja diversos oficiais mecânicos necessários à composição harmónica do quadro sócio-profissional.Assim os séculos XV e XVI foram marcados por esta chegada dos europeus a que se associaram osescravos africanos, primeiro das Canárias e depois da Costa de Guiné. A grande atracção doprimeiro momento foi paulatinamente sendo desvalorizada pelo aparecimento de novos espaçoscom idênticas garantias e novas motivações que motivaram novos rumos para as migrações, a quenão ficaram alheios estes que acabavam de chegar. A mobilidade social é assim uma dascaracterísticas mais evidentes destas novas sociedades. A partir do de meados século XVI aatracção do solo madeirense é desvalorizada em favor de novos espaços atlânticos, mas isso nãoimpediu que as portas se mantivessem abertas para novas chegadas, de mercadores, soldados,aristocratas, deportados. Deste modo os séculos XIX e XX, por questões ligadas à conjunturapolitica e económica foram marcados por diversos momentos de forte atracção. Aqui as motivaçõese as condições das migrações são distintas. Continuamos a ter os que chegam de livre vontade e osque são forçados de forma violenta a fazer esse movimento, mas enquanto no momento anteriorestes eram os que apareciam na condição de escravos agora são as convicções politicas que levam aesta situação e que fazem com que as ilhas se transformem muitas vezes em presídios parapolíticos. Por outro lado na década de setenta as mudanças políticas deram lugar a uma novarealidade para o arquipélago madeirense. O processo de autonomia politica foi o motor de arranquepara uma política de desenvolvimento económico assente num conjunto variado de obras públicas.Estas criaram necessidades de mão-de-obra que a ilha não tinha condições de assegurar pelo que apartir dos anos noventa do século XX a Madeira passou também a ser um destino para emigrantesda Guiné-Bissau, Brasil e países do leste europeu. Esta baixa capacidade do mercado de trabalhomadeirense em dar resposta a esta demanda, por força do volume de obras públicas, doaparecimento de novos serviços na hotelaria, restauração e comércio levou a esta inversão comimplicações sócio-demograficas evidentes. Deste modo para a Madeira à realidade da emigração,que ainda continua e manter-se-á presente, veio juntar-se a de imigração, com todas as situaçõesdecorrentes da integração destas comunidades que geram mais motivos de intervenção no quadropolítico regional.

31 Santos, Vanda (2004), O discurso oficial do Estado sobre a emigração dos anos 60 a 80 e emigração dos anos 90 à actualidade, Lisboa, ACIME,p.9. Refere o mesmo a propósito: Um país que é simultaneamente fornecedor de mão-de-obra para economias mais desenvolvidas eque é importador de mão-de-obra imigrante para sustentação das necessidades da sua economia doméstica vive uma tensãopermanente. (ibidem, p.10)32 Sobre a situação dos novos imigrantes cf. Jorge Malheiros org. (2007), Imigração brasileira em AA.VV. (2002), A Imigração em Portugal.Os Movimentos Humanos e Culturais em Portugal, Lisboa, SOS Racismo; Jorge Malheiros org. (2007), Imigração brasileira em Portugal,Lisboa ACIDI; Cádima, Francisco Rui (2003), Representações (imagens) dos imigrantes e das minorias étnicas na imprensa, Lisboa,OBERCOM; LAGES, Mario e outros (2006), Os Imigrantes e a População Portuguesa Imagens Recíprocas Análise de duas Sondagens, Lisboa,ACIME. SANTOS, Pedro Filipe (2004), Vento de Leste: a nova imigração em Portugal; rev. Piedade Góis. - 1ª ed. - Lisboa: Edeline, Portugal,Lisboa ACIDI; Góis, Pedro e José Carlos Marques (2007), Estudo Prospectivo sobre Imigrantes Qualificados em Portugal, Lisboa, ACIDI.,Peixoto, João (1998), As Migrações dos Quadros Altamente Qualificados em Portugal- Fluxos migratórios inter-regionais, Internacionais emobilidade inter-organizacional, Lisboa, Dissertação de Doutoramento em Sociologia Económica e das Organizações, ISEG/UTL.

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2.1.Séculos XV e XVI: A CHEGADA DE EUROPEUS E AFRICANOS. As ilhas atlânticasassumiram uma situação particular no contexto das migrações portuguesas do século XV. Peranteos portugueses deparam-se ilhas desertas, que pela riqueza do solo ou posição geográfica sãoocupadas33. Para isso foi necessário encontrar, não só marinheiros, mas também, lavradores,homens braçais e de diversos ofícios disponíveis para esta tarefa de montar a nova sociedade eeconomia no meio do atlântico nestes espaços ermos. Ate ao século XX não se torna fácil saberquantos imigrantes de diversas proveniências a ilha acolheu. A informação e apenas qualitativa,pois através da documentação disponível só poderemos saber dos principais momentos destas levasmigratórias e da importância que as mesmas comunidades assumiram na economia e sociedademadeirense em diversos momentos. A presença de escravos, judeus, comerciantes italianos,flamengos, franceses, espanhóis e ingleses foi uma realidade ao longo dos tempos que não pode sermensurável de forma estatística. Os dados que se seguem têm a finalidade de evidenciar essaimportância.

OS POVOADORES. No momento da ocupação as dificuldades sentidas foram inúmeras, variandoà medida que se avançava para Ocidente ou rumo ao Sul. A coroa e o senhorio sentiram nanecessidade de atribuir incentivos à fixação de colono através da entrega de terras de sesmaria,privilégios e isenções fiscais variadas e a saída forçada daqueles que eram sentenciados em pena dedegredo. Tudo isto começou na Madeira, alargando-se depois às restantes ilhas.

A concessão de terras foi, a par dos inúmeros privilégios fiscais, um dos principais incentivos àfixação de colonos, mesmo em áreas inóspitas como Cabo Verde e S. Tomé. A avidez de terras etítulos por parte dos filhos-segundos e da pequena aristocracia do reino contribuiu para alimentar adiáspora. Sabe-se, de acordo com um capítulo de uma carta de D. Joio I inserido noutra de 1493,que foi o rei quem regulamentou a forma de entrega das terras na Madeira. Ela deveria ser feita deacordo com o estatuto social do colono. Assim os vizinhos de mais elevada condição e possuidoresde proventos recebem-nas sem qualquer encargo. Os pobres e humildes que viviam do seu trabalhosó a elas tinham direito mediante requisitos especiais, e apenas as terras que pudessem arrotear etornar aráveis num prazo de dez anos. Com estas cláusulas restritivas favorecia-se a concentraçãoda propriedade num reduzido número de povoadores.

Aos primeiros obreiros e cabouqueiros seguiram-se diversas levas de gente, entusiasmadascom o progresso atingido pela ilha. Neste grupo surgem trinta e seis apaniguados da casa doinfante, na sua maioria escudeiros e criados, que adquiriram uma posição proeminente ao níveladministrativo e fundiário. Mesmo assim João Gonçalves Zarco sentiu dificuldade em encontrarvarões de qualidade para desposarem as suas filhas, tendo solicitado ao monarca o seu envio doreino. Isto poderá ser o indicativo de que a aristocracia reinol apostava mais nas façanhas bélicasem Marrocos do que num projecto de povoamento. A enxada não lhes era familiar. Por outro ladoconfirma o fracasso de Zarco no recrutamento de gente nobilitada, que teve de ser suprida comaqueles que pretendiam "buscar vida e ventura".

O processo de povoamento decorreu de forma faseada. Primeiro tivemos na década de vinte osaventureiros e companheiros de João Gonçalves Zargo e TristãoVaz. Depois em meados dacentúria surge novo grupo, atraído pela fama das riquezas da ilha, alguns filhos-segundos defamílias nobilitadas oriundas do norte. Por fim, a partir da década de sessenta, após a morte doinfante, foi o entusiasmo de estrangeiros, nomeadamente, oriundos das cidades italianas, a quem asportas se abriram.

É comum afirmar-se que os primeiros povoadores da Madeira são oriundos do Algarve. Aprimeira questão que se deve colocar quando pretendemos abordar a presença do Algarve naHistória da Madeira é a da origem dos primeiros colonos que povoaram a ilha. É comum afirmar-se

33 ALBUQUERQUE, Luís de, "O avanço no Atlântico. Necessidade estratégica de ocupação das ilhas atlânticas", in Portugal no Mundo,vol. I, pp.201-211.

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que os primeiros povoadores da Madeira são oriundos do Algarve34. Esta ideia filia-se na tradiçãoalgarvia da gesta expansionista e na seguinte expressão de Jerónimo Dias Leite: «muitos doAlgarve»35. Mais uma vez estamos perante uma dedução apressada, uma vez que faltam provasque a corroborem. Os mais eminentes investigadores madeirenses hesitam entre a procedênciaminhota ou algarvia dos primeiros colonos36. Ernesto Gonçalves, no entanto, é peremptório emapontar a ascendência minhota dos primeiros obreiros do povoamento do arquipélago37. Tendo emconsideração que o povoamento da Madeira é um processo faseado, em que intervêm colonosoriundos dos mais recônditos destinos, e que de todo o reino surgem gentes empenhadas nestatentadora experiência, é de prever a confluência de várias localidades, em especial a norte do Tejo -Aveiro, Porto e Viana -, adestradas no arroteamento de terras incultas ou nas lides do mar. Se écerto que do Algarve partem muitos dos apaniguados da casa do infante, com uma funçãoimportante no lançamento das bases institucionais do senhorio, não é menos certo que do norte dePortugal, nomeadamente da região de Entre Douro e Minho, provêm os cabouqueiros das ilha.

2.2- OS DEGREDADOS. A política de penas de degredo pela justiça acompanhou de perto oprocesso da expansão portuguesa, sendo a forma mais comum da coroa proceder à ocupação denovos espaços38. O primeiro sentenciado de degredo para a Madeira, de que ficou notícia, foi JoãoAnes. Ele, entretanto, fugira para Ceuta e em 1441, passados onze anos, veio a solicitar o perdãorégio. Para os Açores o encaminhamento dos degredados passou a ser feito por pedido expresso doinfante D. Henrique no período da regência de D. Pedro. Mas as ilhas pouco cativavam a suaatenção, como se depreende do requerimento feito por João Vaz para que lhe fosse comutada apena para Ceuta, pois no seu entender "as dictas ilhas nom eram taes pera em ellas homenspoderem viver".

ETNOGENIA MADEIRENSE. O povoamento dos arquipélagos atlânticos faz-se em consonânciacom as condições oferecidas pelo meio, o satisfazer as necessidades cerealíferas ou válvula deescape para os atritos sociais e políticos da península. No caso português a inexistência depopulação nas ilhas entretanto ocupadas levou à canalização dos excedentes populacionais ou osdisponíveis no reino.

O fenómeno de transmigração da época quatrocentista apresenta, ao nível da mobilidade social,um aspecto particular das sociedades insulares. Elas foram, primeiro, pólos de atracção e, depois,viveiros disseminadores de gentes para a faina atlântica. No começo, a novidade aliada aosinúmeros incentivos de fixação definiram o primeiro destino, mas, depois, as escassas e limitadaspossibilidades económicas das ilhas e o fascínio pelas riquezas das Índias conduziram a novosrumos. No primeiro caso a Madeira, porque foi rápida a valorização económica, galvanizou asatenções portuguesas e mediterrâneas. Só depois surgiram novos destinos insulares, como asCanárias, Açores, Cabo Verde e S. Tomé, onde os madeirenses jogaram um importante papel.Desta forma a Madeira do século XV poderá ser definida como um pólo de convergência eredistribuição do movimento migratório no mundo insular.

34 MATOS, A.T. (1987), "Do contributo algarvio no povoamento de Madeira e dos Açores" in Actas das I Jornadas de História do Algarve eAndaluzia, Loulé, 173-183; IDEM (1989), "Origem e reminiscências dos povoadores das ilhas atlânticas", in Congresso Internacional.Bartolomeu Dias e a sua época, Vol. III, Porto, 241-252.35. Ob. cit., 16; Gaspar FRUTUOSO, ob.cit., 54.36. Fernando Augusto da SILVA, «Do começo do povoamento madeirense», in Das Artes e História da Madeira, Vol. VIII, nº 37, 5;SERRÃO, Joel (1961), «Na alvorada do mundo atlântico», in Ibidem, VI, nº 31, 6.37. (1955), «No Minho ao sol de Verão», in Ibidem, IV, nº 21, 45-46; Vaz, Fernando M., Famílias da Madeira e Porto Santo, vol. I, Funchal,s.d., pp. 224 (nº 1) e 248 (nº 1).38 Cf. COATES, Timothy J. (1998), Degredados e Orfãs: Colonização Dirigida pela Coroa no Império Português. 1550-1755, Lisboa, ComissãoNacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses.

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OS PORTUGUESES. Os fermentos da geografia humana das ilhas foram peninsulares, de origensdiversas, cuja incidência as fontes históricas nos impedem de afirmar com firmeza. Insiste-se para aMadeira, Açores e Cabo Verde que as primeiras levas de povoadores foram de proveniênciaalgarvia, mas não há dados suficientemente claros sobre a sua dominância. Esta dedução resulta dofacto de o infante D. Henrique ter fixado morada no litoral algarvio e de lá terem partido asprimeiras caravelas de reconhecimento e ocupação das ilhas. Mas como encontrar colonosdisponíveis gente numa área que carecia deles? Os que partiam do Algarve eram mesmo daíoriundos ou gentes que aí afluíam atraídas pela azáfama marítima que lá se vivia?39

Orlando Ribeiro40 afirma, a este propósito, que nas ilhas da Madeira, Porto Santo, Santa Mariae S. Miguel, ao primeiro impacto de gente do sul se seguiu o nortenho. Numa listagem sumária dosprimeiros povoadores, onde foi possível reunir 179, a presença nortenha é maioritária: a norte doTejo temos a maior incidência dos nacionais. Além disso os registos paroquiais da freguesia da Sépara o período de 1539 a 1600 corroboram a ideia, dando-nos um número maioritário de nubentesdas regiões de Braga, Porto e Viana do Castelo41. Esta mesma ideia é corroborada nas restantesfreguesias da ilha42. Também na listagem do grupo de mercadores, nos primeiros anos édominante a presença de gentes de Entre-Douro-e-Minho, nomeadamente dos portos costeiros dePonte Lima, Vila Real e Vila do Conde43.

OS ESTRANGEIROS. A presença de estrangeiros é evidente desde os primórdios da ocupação daMadeira. Eles actuaram primeiro na condição de estantes e depois conseguiram a necessárianaturalização que lhes permitiu uma participação activa na sociedade madeirense. O primeirogrupo, atraído pelo comércio do açúcar foi dominado pelos italianos, flamengos e franceses,seguindo-se os ingleses à procura do vinho e, finalmente, os sírios e os alemães à conquista dobordado. A Madeira atraiu a partir de meados do século XV uma vaga de forasteiros, atraídos pelaexploração do açúcar. Apenas as ordenanças limitativas de residência na ilha impostas pelos locaisos impediram de uma maior penetração

O monarca facultara a entrada e a fixação de italianos, flamengos, franceses e bretões, pormeio de privilégios especiais, como forma de assegurar um mercado europeu para o açúcar. Estainfluência foi considerada lesiva para os mercadores nacionais e coroa, pelo que se determinou aproibição de permanência na ilha como vizinhos. O problema foi levado às cortes de Coimbra(1472-1473) e de Évora (1481), reclamando a burguesia do reino contra o monopólio, de facto, dosmercadores genoveses e judeus no comércio do açúcar e propondo que tal se fizesse a partir deLisboa nas mesmas condições. O monarca, comprometido com a posição vantajosa assumida pelosestrangeiros, mercê dos privilégios que lhes concedera, actuou de modo ambíguo, procurando aomesmo tempo salvaguardar os seus compromissos e atender às solicitações que lhe eram dirigidas.Assim estabeleceram-se limitações à residência de estrangeiros, fazendo-a depender de licençasespeciais. Quanto à Madeira definiu-se a impossibilidade da vizinhança sem licença sua, ao mesmotempo que se interditava a revenda no mercado local. A Câmara do Funchal, baseada nestasordenações e no desejo dos moradores, ordenou a sua saída até Setembro de 1486, no que foiimpedida pelo duque. Somente em 1489 foi consensual o reconhecimento da utilidade da presençade estrangeiros na ilha. Deste modo João II ordenou a D. Manuel, Duque de Beja e senhor da ilha,que os estrangeiros fossem considerados como “naturais e vizinhos de nossos reinos”.

39 Veja-se o contributo de Alberto IRIA (O Algarve e a ilha da Madeira no século XV (documentos inéditos), Lisboa, 1974) e a crítica deFernando Jasmins PEREIRA (1991) ("O Algarve e a ilha da Madeira. Críticas e aditamentos a Alberto Iria", in Estudos sobre História daMadeira, Funchal, pp. 283-296). O tema foi retomado por Artur Teodoro de MATOS (1987) ["Do contributo algarvio no povoamento daMadeira e dos Açores", in Actas das I Jornadas de História medieval do Algarve e Andaluzia, Loulé], que releva a importância das gentesalgarvias no povoamento da Madeira e Açores.40. (1962),"Aspectos e problemas da expansão portuguesa", in Estudos de Ciências Políticas e Sociais , nº.59, Lisboa.41 MELO (1988), Luís de Sousa, "O problema da origem geográfica do povoamento", in Islenha, nº.3, 20-34.42 PINTO, Maria Luís Rocha e Teresa Maria Ferreira RODRIGUES (1993), "Aspectos do povoamento das ilhas da Madeira e PortoSanto nos séculos XV e XVI", in Actas do III Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, 403-471.43 VIEIRA, Alberto (1987), O Comércio inter-insular nos séculos XV e XXXVI. Madeira, Açores e Canárias, Funchal, pp.87-89.

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Os problemas surgidos no mercado açucareiro a partir da década de 1490 conduziram aoressurgimento da política xenófoba. Os estrangeiros passaram a dispor de três ou quatro meses, istoé entre Abril e meados de Setembro, para comerciar os seus produtos, não podendo dispor de loja efeitor. Foi D. Manuel quem em 1498reconheceu o prejuízo que as referidas medidas causavam àeconomia madeirense, afugentando os mercadores, revogando as interdições anteriormenteimpostas. A partir daqui as facilidades concedidas à estadia destes agentes forasteiros permitiram aassiduidade da sua frequência, bem como à fixação e intervenção na estrutura fundiária eadministrativa.

Genoveses, Florentinos e Venezianos. No início a comunidade de mercadores estrangeiros naMadeira estava dominada pelos florentinos, genoveses e venezianos, a que se seguiam osflamengos e os franceses. Todos eles foram atraídos pelo tão solicitado ouro branco. Em especialflorentinos e genoveses, conseguiram, desde meados do século XV, afirmar-se como os principaisagentes do comércio do açúcar, alargando, depois, a actuação ao domínio fundiário, por meio dacompra e laços matrimoniais. A actividade comercial, principal móbil de fixação destesestrangeiros, não absorveu por completo a sua intervenção, pois que se subdividiam entre ocomércio, o transporte, a banca, a produção e a administrações local e central. As primeirasactividades complementavam-se e garantiam-lhes um pecúlio vantajoso, enquanto a última lhesassegurava as condições e os meios preferenciais da sua acção.

Aquilo que mais favoreceu a presença desta comunidade italiana na ilha, para além doconhecimento dos "segredos" da produção e comércio do açúcar, foi a fácil naturalização dedireito, adquirida por alvará régio, ou de facto, por meio do relacionamento matrimonial com asprincipais famílias da ilha. A forma mais eficaz de naturalização e de plena intervenção do

estrangeiro na vida do madeirense estava no casamento, que foi para muitos a via depenetração na sociedade e de conquista de uma posição de relevo ao nível fundiário e

institucional.A presença destes cidadãos das Repúblicas de Itália deriva, não só da sua implantação na

Península Ibérica e manifesto empenho na revelação do novo mundo, mas também, do facto da ilhase tornar numa importante área de produção e comércio do açúcar. Assentaram morada nos portosribeirinhos de maior animação comercial, evidenciando-se como mercadores, mareantes ebanqueiros. Os de Génova e Florença, cidades de grande animação comercial e marítima, abriram,nos locais de fixação, novas vias para o comércio com o mercado mediterrânico. Os genovesesacompanharam o périplo da cana-de-açúcar para Ocidente e depois além-Atlântico. O empenhogenovês no mercado atlântico resulta da perda de posição no mercado mediterrânico, mercê darivalidade com Veneza e das ameaças propiciadas com o avanço turco. A perda de influência nomercado açucareiro cipriota é compensada com a intervenção privilegiada nas ilhas atlânticas.

Foi, na realidade, a partir da década de setenta que o açúcar ganhou uma posição dominantena produção e comércio da ilha. A sua íntima ligação ao açúcar é manifesta quando procuramosindagar da sua presença em momentos de crise de produção e comércio da cultura. A partir dadécada de trinta da centúria quinhentista é difícil encontrar o seu rastro na ilha. Apenas os que nelacriaram raízes familiares. Os demais debandaram rumo aos novos e mais promissores mercados. Asevidências desta realidade são notórias. Na década de 70, mediante o contrato estabelecido com osenhorio da ilha para o comércio do açúcar, detinham uma posição maioritária na sociedade criadapara o efeito, sendo representados por Baptista Lomellini, Francisco Calvo e Micer Leão.

Os mercadores-banqueiros de Florença evidenciaram-se nas transacções comerciais efinanceiras em torno do açúcar madeirense no mercado europeu. A partir de Lisboa, onde detinhamuma privilegiada posição junto da coroa, mantiveram uma extensa rede de negócios que abrangia aMadeira e as principais praças europeias. Primeiro conseguiram, por meio do contrato com aFazenda Real, o quase exclusivo comércio do açúcar resultante dos direitos reais. Depoisapoderaram-se do açúcar em comércio, tomando o exclusivo dos contingentes estabelecidos pelacoroa, em 1498. A manutenção desta rede de negócios fazia-se por intervenção directa dosmercadores ou com o recurso a procuradores e agentes substabelecidos. Não obstante os obstáculos

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colocados pelos madeirenses podemos considerar a sua presença na ilha como benéfica. Estes, paraalém de propiciarem o desenvolvimento das relações de troca em torno do açúcar, foram portadoresde novas técnicas e meios de comércio, imprescindíveis para as dimensões que o trato assumiu. Deentre estes destacam-se os florentinos que promoveram as companhias e sociedades comerciais e ouso das letras de câmbio nas vultuosas operações comerciais.

O negócio do açúcar foi promovido pelos mercadores que, através de familiares e amigos,lançaram uma rede que atingiu as principais praças europeias. O domínio atingiu, não só associedades criadas no exterior com intervenção na ilha, mas também, o numeroso grupo de agentesou feitores e procuradores substabelecidos no Funchal.

A afirmação desta comunidade mercantil na sociedade madeirense foi acentuada. O usufrutode privilégios reais e o relacionamento familiar conduziram à plena inserção na aristocracia terratenente e administrativa. Foram proprietários e mercadores de açúcar, dominando as terras demelhor e maior produção. Também não se coibiram de intervir na vida local, desde a vereação àsrepartições da Fazenda Real, áreas administrativas cuja acção tinha incidência na economiaaçucareira. Foram almoxarifes e provedores da fazenda, como responsáveis pela arrecadação dosdireitos reais e rendeiros.

Franceses e Flamengos. Franceses e flamengos, a exemplo dos cidadãos das diversas cidades-estado italianas, surgem, desde finais do século XV, atraídos pelo comércio do açúcar, mas semcriarem raízes na sociedade insular. O interesse estava única e exclusivamente na aquisição doaçúcar a troco dos artefactos, alheando-se da realidade produtiva e administrativa. João Esmeraldo,António Leme e os irmãos Henrique e Guirarte Terra Nova são a excepção.

Os franceses pautaram a sua presença na ilha por uma activa intervenção no comércio doaçúcar da primeira metade do século XVI. Eles iam referenciados com frequência nas comarcas doFunchal, Ponta do Sol, Ribeira Brava e Calheta, onde adquiriam grandes quantidades de açúcar quetransportavam em embarcações próprias aos portos franceses.

A presença flamenga torna-se visível a partir da década de setenta do século XV,estabelecendo uma rota directa de comércio de açúcar entre a Madeira e as praças de Bruges eAntuérpia. Uma das mais evidentes contrapartidas deste relacionamento comercial está ainda hojevisível na presença das diversas oficinas de pintura da Flandres, dispondo a Madeira de uma dasmais importantes e valiosas colecções de arte flamenga fora do seu espaço.

Ingleses Em 1873 Álvaro Rodrigues de Azevedo44 chamava a atenção para a posição assumidapelos ingleses na Madeira, sendo corroborado em 1924 pelo testemunho de Raul Brandão45 . Ocosmopolitismo britânico era um facto e coroava todo o impacto da sua histórica presença. Osingleses foram os últimos a se envolverem pelo fascínio da ilha mas os que mais deixaram marcasvisíveis da sua presença. A eles se deve a descoberta das qualidades terapêuticas, as espéciesbotânicas e a fruição das belezas do interior, em passeios a pé, a cavalo ou em rede.

A afirmação da hegemonia britânica no Atlântico e Índico, a partir do século XVII, fez comque a Madeira se transformasse num dos pilares deste vasto império, uma base imprescindível parao corso marítimo e porto obrigatório de abastecimento das embarcações do comércio de vinho. Noséculo XVIII ficou reforçada a vocação atlântica, contribuindo para isso o facto dos ingleses nãodispensarem o porto do Funchal e o vinho madeirense na sua estratégia colonial. Os diversos Actosde Navegação (1660, 1665), corroborados pelos tratados de amizade, como o de Methuen (1703),abriram o caminho para que a ilha entrasse na área de influência do mundo inglês. A presença eimportância da feitoria inglesa, no século XVIII, são uma realidade. A Madeira funcionava para osingleses como uma colónia com um papel fundamental nas ligações entre a metrópole e aspossessões americanas e das Índias Ocidentais e Orientais.

A presença de armadas inglesas no Funchal era constante e o relacionamento com asautoridades locais sempre foi amistoso, pois eram recebidos pelo governador com toda a

44 Anotações, Frutuoso, Gaspar (1873), As Saudades da Terra, Funchal, 720.45. (1926)Ilhas Desconhecidas, Lisboa, 264.

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hospitalidade. Destas relevam-se as de 1799 e 1805, compostas, respectivamente de 108 e 112embarcações. Era também assídua a presença de uma esquadra inglesa a patrulhar o marmadeirense Os britânicos concretizaram uma velha ambição, fazendo da ilha mais um recanto deSua Majestade. O primeiro indício desta apetência surgiu em 1660 com as negociações para o dotedo casamento da infanta portuguesa D. Catarina com o rei inglês Carlos II em que a parte inglesaterá reivindicado a inclusão da ilha da Madeira. A situação baseava-se no facto da infanta serdetentora de uma doação de 1656.

A conjuntura política decorrente das ambições imperiais de Napoleão Bonaparte repercutiu-sede forma evidente no espaço atlântico, provocando uma alteração no movimento comercial. Omútuo bloqueio continental entre a França e a Inglaterra lançou as bases para uma nova era naeconomia atlântica. Os tradicionais circuitos comerciais que se iniciavam e finalizavam nos portoseu O bloqueio não foi assumido e fiscalizado na totalidade. E significou apenas a alteração dealgumas rotas comerciais. A Madeira perdeu os portos do reino e do norte da Europa, mas emcontrapartida ganhou nos contactos com os Açores e com as colónias inglesas do Índico.

Perante tudo isto só faltava hastear a bandeira no torreão do palácio de S. Lourenço, proclamara soberania britânica na ilha e reclamar do madeirense o juramento de fidelidade a Sua Majestade.Esta situação persistiu até 1814. Note-se que anos antes (entre 24 de Julho de 1801 e 25 de Janeirode 1802) a conturbada conjuntura europeia e os pactos estabelecidos pela velha aliança levaram aque os ingleses se limitassem apenas a ocupar a ilha, mantendo-se a soberania portuguesa. Osingleses, fiéis às ordens de Sua Majestade acataram as determinações régias de 16 de Maio de1806, favorecendo, inevitavelmente, a Madeira. A partir daqui todas, ou quase todas asembarcações que se dirigiam aos portos franceses e castelhanos foram desviadas para a Madeira.As principais casas comerciais reforçaram a sua posição, acabando por dominar o mercado daexportação do vinho e de importação de artefactos e alimentos.

A posição privilegiada dos ingleses está expressa no estabelecimento a partir de 1765 dafeitoria britânica. De acordo com os tratados, eles usufruíam de regalias especiais, sendo isentosdos direitos de exportação do vinho, e dispunham de conservatória e juiz privativo. O século XIXmarcou o fim desta situação, primeiro com a perda do juiz em 1812 e a definitiva extinção dafeitoria em 1842. A feitoria, através das cotizações dos mercadores, construiu o cemitério britânicoem 1808 e a Capela da Sagrada e Indivisa Trindade em 1822. A mesma manteve no hospital daMisericórdia uma enfermaria para uso exclusivo da comunidade.

Os ingleses ao mesmo tempo que se serviam da ilha para a afirmação da estratégia colonial,procuraram fruir da riqueza controlando o comércio do vinho e desfrutar das belezas e climaameno, fazendo do Funchal uma das mais importantes estâncias de Inverno e de cura da tísicapulmonar. Deste modo podemos afirmar que foram eles que definiram o mercado do vinho nosséculos XVII e XVIII, lançaram as bases do turismo madeirense e divulgaram, em estudoscientíficos, a fauna e flora do arquipélago. Tudo isto porque a coroa portuguesa preferiu entregar ocontrolo da ilha aos súbditos de Sua Majestade através das cedências expressas nos inúmerostratados luso-britânicos.

Em síntese poder-se-á afirmar que as comunidades estrangeiras, de origem italiana e flamenga,deram um contributo relevante ao povoamento e valorização económica das ilhas. Na Madeira enas Canárias evidenciaram-se os genoveses como principais arautos da economia açucareira,enquanto nos Açores os segundos afirmaram-se como povoadores de algumas ilhas e principaispromotores da cultura do pastel. A presença flamenga na Madeira e Canárias é tardia, o que nãoprejudicou a sua vinculação à cultura e comércio do açúcar. Entre eles merece especial referênciaos Weselers com importantes interesses na Madeira e em La Palma.

ESCRAVOS. A migração de escravos assume uma situação particular no contexto das emigraçõesem que o movimento e comandado de fora por interesses económicos que conduzem a uma formade dominação e subordinação de outros povos. Esta forma de migração forcada, que marcou a

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Historia do Atlântico por mais de quatro séculos foi responsável por diversas assimetrias sociaisentre os dois lados do oceano. Neste contexto dominador e opressivo do ser humano a Madeira temum papel de abertura a nova realidade.

O GUANCHE. O guanche foi a primeira vítima dos assaltos peninsulares. Eles surgem comalguma frequência na Madeira e Algarve, sendo raros nos Açores. Aqui contam a assiduidade doscontactos e a vinculação destas gentes às diversas tentativas de conquista henriquina de algumasilhas do arquipélago.

A sua presença na Madeira é um facto natural. Para isso contribuíram a proximidade da Madeirae o total comprometimento dos madeirenses na empresa henriquina. Decorridos, apenas 26 anosapós o início do povoamento da Madeira, os madeirenses embrenharam-se na complexa disputapela posse das Canárias ao serviço do senhor, o infante D. Henrique. Tais condições supracitadasdefiniram a intervenção madeirense neste mercado de escravos, surgindo, na primeira metade doséculo XV, algumas incursões de que resultou o aprisionamento de escravos. Destas referem-se três(1425, 1427, 1434) que partiram da Madeira. Mais tarde, com a expedição à costa africana de 1445o madeirense Álvaro de Ornelas fez um desvio à ilha de La Palma onde tomou alguns indígenasque conduziu à Madeira. Aliás, nas inúmeras viagens organizadas por portugueses entre 1424 e1446, surgem escravos que, depois, são vendidos na Madeira ou em Lagos.

A partir de meados do século XV, são assíduas as referências a escravos canários na ilha daMadeira como pastores e mestres de engenho46. A sua presença na ilha deveria ser importante nasúltimas décadas do século XV. Os documentos clamando por medidas para acalmar a sua rebeldiasão indício disso. Muitos deles, fiéis à tradição de pastoreio, mantiveram-se na Madeira fiéis a esteofício. Estranhamente, nos testamentos do século XV, não encontramos indicação de qualquerescravo guanche. Para além dos dois escravos que possuía o capitão Simão Gonçalves da Câmara,sabe-se que João Esmeraldo, na Lombada da Ponta do Sol, era também detentor de escravos destaorigem, sem ser referido o número47. Cadamosto, na primeira passagem pelo Funchal em 1455,refere ter visto um canário cristão que se dedicava a fazer apostas sobre o arremesso de pedras48.Será que o Pico Canário (Santana) e o lugar do Canário (Ponta de Sol) se referem ao escravo ou aopássaro tão comum nestes arquipélagos?

Nos anos de 1445 e 1446 estão documentadas diversas expedições às Canárias, quecontribuíram para o aumento das presas de escravos do arquipélago na Madeira. Em 1445 ambosos capitães da ilha - Tristão Vaz e Gonçalves Zarco - enviaram caravelas de reconhecimento àcosta africana, mas o fracasso da viagem levou-os a garantirem a despesa com uma presa em LaGomera. Álvaro Fernandes fez dois assaltos em La Gomera e em 1446 foi enviado por JoãoGonçalves Zarco, referindo Zurara a intenção de realizar alguma presa. A última expedição, bemcomo as acima citadas revelam que os escravos canários adquiriram uma dimensão importante nasociedade madeirense pela sua intervenção na pastorícia e actividade dos engenhos. Aqui, aexemplo das Canárias, eles, nomeadamente, os fugitivos foram um quebra-cabeças para asautoridades. Por tudo isto podemos concluir que as Canárias se afirmaram no século XV como oprincipal fornecedor de escravos, complementando com as presas dos assaltos à costa marroquina eviagens para sul. Os canários foram na ilha pastores e mestres de engenho.

O MOURISCO. Os cronistas do século XV e XVI relevam o activo protagonismo dos madeirensesna manutenção e defesa das praças de Marrocos. A principal aristocracia da ilha fez delas o meiopara o reforço das tradições da cavalaria medieval, uma forma de serviço ao senhor e fonte

46. SIEMENS, Lothar y Liliana BARRETO (1974), "Los esclavos aborigenes canarios en la isla de la Madera (1455-1505)", in Anuário deEstudios Atlanticos, nº 20, 111-143. Aqui utilizamos o termo canário para designar os escravos oriundos do arquipélago das Canárias,não obstante esse termo querer significar os habitantes de Gran Canária. Mas segundo Gaspar FRUTUOSO (livro primeiro das Saudadesda Terra, p. 73) "desta (Gran Canaria) tomaram o nome geral de canários os habitadores das outras, ainda que também seus particularesnomes".47. FRUTUOSO, Gaspar (1979), Livro primeiro das Saudades da Terra. P. Delgada, 124.48. GARCIA, José Manuel (1983), Viagens dos Descobrimentos, Lisboa, p. 86.

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granjeadora de títulos e honras. Esta acção foi evidente, e imprescindível à presença portuguesa, naprimeira metade do século XVI, destacando-se diversas armadas de socorro a Arzila, Azamor,Mazagão, Santa Cruz de Cabo Gué, Safim. Aí os protagonistas foram os capitães do Funchal eMachico, bem como a aristocracia da Ribeira Brava e Funchal.

A dupla intervenção dos madeirenses na conquista e manutenção das praças marroquinas eportos da costa além do Bojador contribuiu para a abertura das rotas de comércio de escravos, daíoriundos. No caso de Marrocos a assídua participação deles na defesa trouxe-lhes algumascontrapartidas favoráveis em termos das presas de guerra. Daí terão resultado os escravosmouriscos que encontrámos.

O NEGRO DA GUINÉ. O comprometimento dos madeirenses com as viagens de exploração ecomércio ao longo da costa africana, e a importância do porto do Funchal no traçado das rotasdefiniram para a ilha uma posição preferencial no comércio dos escravos negros da Guiné. Destemodo não seria difícil de afirmar, embora nos faltem dados, que os primeiros negros da costaocidental africana chegaram à Madeira muito antes de serem alvo da curiosidade das gentes deLagos e Lisboa.

A situação da Madeira e dos madeirenses nas navegações supracitadas, a par da extremacarência de mão-de-obra para o arroteamento das diversas clareiras abertas na ilha pelos primeirospovoadores, geraram, inevitavelmente, o desvio da rota do comércio de escravos, surgindo oFunchal, em meados do século XV, como um dos principais mercados receptores. Em nenhumoutro local o escravo era tão importante como na Madeira.

É pouca a informação disponível mas o suficiente para revelar a importância que assumiu naMadeira o comércio com o litoral africano, onde os escravos deveriam preencher uma posiçãodominante. Todavia ela impede-nos de avaliar com segurança o nível deste movimento e aimportância que os mesmos escravos assumiram, no século XV, na sociedade madeirense.

A prova da existência deste activo comércio de escravos entre a Madeira e Cabo Verde temo-laem 156249 e 156750. Nesta década as dificuldades sentidas na cultura do açúcar levaram oslavradores a solicitarem junto da coroa, facilidades para o provimento de escravos na Guiné, com oenvio de uma embarcação para tal efeito. O rei acedeu a esta legítima aspiração dos lavradoresmadeirenses e ordenou que, após o terminus do contrato de arrendamento com António Gonçalvese Duarte Leão - , isto é, em 1562, aqueles pudessem enviar anualmente uma embarcação a buscarescravos. Em 1567 foi necessário regulamentar, de novo, o privilégio atribuído aos madeirenses,sendo-lhes concedido o direito de importar anualmente, por um período de cinco anos, de CaboVerde e dos Rios de Guiné, cento e cinquenta peças de escravos, dos quais cem ficariam noFunchal e cinquenta na Calheta.

A COMUNIDADE SEFARDITA DA MADEIRA. No Portugal dos séculos XV e XVI a presençade comunidade sefardita era importante detendo um papel destacado na economia e finanças. Note-se que judeu era sinónimo de negociante51. O despoletar do processo dos descobrimentos atlânticose os consequentes mercados e rotas comerciais fez com que a sua atenção estivesse para aí viradaassumindo idêntico protagonismo52. Neste contexto, a Madeira, porque assumir um papel evidenteem todo o processo, será o primeiro pólo de atracção desta comunidade. As perspectivas erampromissoras, pois o lançamento em meados do século XV da cultura açucareira transformou aMadeira num dos principais mercados atlânticos. A atracção principal era o açúcar que tinhamercado no Mediterrâneo e norte da Europa. E por ele a Madeira acolheu, primeiro os judeus,genoveses e venezianos e, depois, flamengos e franceses. Com o açúcar estavam encontrados osingredientes fáceis para atrair os agiotas da finança e comércio internacional.

49. A.R.M., Documentos Avulsos, cx. 2, nº 194.50. Idem, C.M.F., t. 3, fl. 137 vo-138.51 . cf. Salvador, José G. (1978), Os Cristãos-novos e o comércio no Atlântico meridional, S. Paulo, 149; Saraiva, António José (1994), Inquisiçãoe Cristãos Novos, Lisboa, 134-135.52. Vide Tavares, Maria José Ferro (1995), os judeus na época dos descobrimentos, Lisboa.

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Um dos factos comprovativos do interesse da comunidade sefardita pelo açúcar revela-seem meados do século XVI em que a crise da produção madeirense fez alargar a diáspora a novosmercados mais promissores como Pernambuco no Brasil. Para a comunidade judaica a Madeira foio primeiro alvo da expansão europeia que os levou depois aos quatro cantos do Novo Mundo,acompanhando o rasto do açúcar e do tráfico dos escravos no espaço atlântico. Perante isto importaconhecer qual o papel que estes assumiram neste primeiro poiso da diáspora atlântica. Até aoestabelecimento do tribunal de inquisição em Portugal (1536) não é fácil identificar a comunidadejudaica na documentação. Todavia a sua presença fazia-se sentir de forma evidente em múltiplosdomínios de sociedade e economia portuguesa. A evidente xenofobia, testemunhada peladocumentação, fazia com estes procurassem iludir as suas crenças religiosas, apagando todo o rastopossível. Apenas com a instituição do tribunal do santo ofício foi possível estabelecer o rasto dogrupo destes convertidos ao cristianismo, e por isso considerados cristãos-novos53 .

A Madeira não foge à regra de modo que a xenofobia é uma das armas entre a concorrênciadas diversas sociedades mercantis. Na década de sessenta o principal alvo dos madeirenses era osjudeus e genoveses que monopolizavam o comércio do açúcar. Deste modo os moradoresreclamaram em 1461 perante o infante D. Fernando no sentido de proibir a sua actividade na ilha,como compradores de açúcar ou arrendadores dos direitos54 . É fácil encontrar os judeus em ligaçãoestreita aos genoveses, controlando parte significativa do comércio rendoso gerado pelos novosespaços atlânticos. E deste modo a sua presença nas ilhas é evidente desde os inícios de suaocupação. Difícil é encontrar o rasto da sua presença, pois tal como nos diz José GonçalvesSalvador55 “muitos vão para as ilhas e se acobertam sob a capa de cristãos”.

Os judeus estão envolvidos em todas as actividades, todavia, como nos refere Maria JoséFerro Tavares, “a actividade mercantil e a ocupação principal”. E dentro destas parecem ter umapredilecção especial pelos negócios baseados no açúcar. Pelo menos é a opinião de José GonçalvesSalvado56, que é peremptório em afirmar que “os hebreus sefarditas aparecem identificados com asactividades ligadas ao açúcar primeiro nas ilhas adjacentes a Portugal e depois nas demaispossessões”.

A estratégia dos judeus para o domínio do mercado açucareiro do espaço atlântico passa poruma estreita aliança com os mercadores flamengos e italianos nomeadamente os genoveses. Estaaliança fora já denunciada nas Cortes de 1471-72, mas continuará a progredir nos decéniosseguintes. No caso do comércio do açúcar da Madeira é comum encontrar-se esta forma deactuação. Assim quando o comércio do açúcar estava sujeito a um monopólio da Coroa, mandado asociedades estes surgem aliados aos Lema, Lomellini e Marchione. No caso do monopólio docomércio do açúcar com a Flandres é uma sociedade entre os Leme e Abravanel que controla oprocesso. Já para as cidades italianas são Moisés Latam e Guedelha Palaçam que se associam a B.Marchione.

De acordo com o livro de estimos do açúcar do Funchal em 149457 é evidente a presença dejudeus, como Isaac Abeacar, Moisés Benagaçam e David de Negro nas transacções açucareiras,achando na ilha através de procuradores italianos como era o caso de Dinis Sernige, Lucas César,Sisto Lomellini. Ainda segundo V. Rau os judeus junto com outros estrangeiros, aqui dominadospelos genoveses, dominavam em 1494 as transacções açucareiras com 11.373 arrobas, oequivalente a 64% do total em causa58. Esta posição não está longe da realidade desta e posteriorcentúria, uma vez que os dados por nós apurados entre 1490 e 1550 apontam de novo para esta

53. Para a Madeira não existe estudo completo sobre a inquisição como é o caso de Braga, Paulo (1997), A Inquisição nos Açores, P.D.Mesmo assim temos os estudos de Olival, Fernanda (1990),"A Inquisição e a Madeira: a visita de 1618", in Actas do I ColóquioInternacional de História da Madeira - 1986, Vol. II, Funchal, Governo Regional da Madeira - Secretaria Regional do Turismo, Cultura eEmigração - Direcção Regional dos Assuntos Culturais, , pp.764-810, IDEM (1993), A Visita da Inquisição à Madeira em 1591-92, IIIColóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, CEHA, pp.492-519;Guerra, Jorge Valdemar (2003), Judeus e Cristãos-novos naMadeira. 1461-1650, in Arquivo Histórico da Madeira, Série Transcrições documentais.1, Funchal, Arquivo Regional da Madeira, pp.9-252.54. AHM, Vol. XV, 1972, 14-15, 3 de Agosto de 1461.55. (1978) Os cristãos novos e o comércio Atlântico Meridional, S. Paulo, 246.56. (1981) Os magnatas do Tráfico Negreiro, S. P., 87.57. Publ. Rau, V. (1962), O açúcar na Madeira, Funchal.58. Ob.cit., p. 24

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esmagadora presença dos mercadores italianos com 80% das operações comerciais do açúcarmadeirense59.

Os aferidores mais importantes da religiosidade dos madeirenses são, sem dúvida, ostestemunhos exarados, primeiro nos diversos livros das visitações e depois nos processos perante oSanto Ofício. A inquisição exercia a actividade através do tribunal de Lisboa, a quem pertenciatodo o espaço atlântico. A acção do tribunal nestas paragens não era permanente e fazia-se atravésde visitadores aí enviados. Na Madeira e nos açores realizaram-se três visitas: em 1575 por MarcosTeixeira, em 1591-93 por Jerónimo Teixeira Cabral e em 1618-19 por Francisco Cardoso Tornéo,mas só é conhecida a documentação das duas últimas.

Nas ilhas foi evidente a conivência das autoridades com a presença da comunidade judaica,o que resultou em facilidades à sua fixação quando perseguidos no reino. Em finais do séculodezasseis foram arrolados 94 cristãos novos, mas em 1618 o seu número não passou de 5, quandosabemos que em 1620 eram 58 os judeus que pagavam a taxa. A presença da comunidade judaicaera evidente. Os judeus, maioritariamente comerciantes, estavam ligados, desde o início, ao sistemade trocas nas ilhas, sendo os principais animadores do relacionamento e comércio a longa distância.

A criação do tribunal do Santo Ofício em Lisboa conduziu a que avançassem no Atlântico:primeiro nas ilhas e depois no Brasil. Tal diáspora fez-se de acordo com os vectores da economiaatlântica pelo que deixavam atrás um rasto evidente na sua rede de negócios. O açúcar foi semdúvida um dos principais móbeis da sua actividade, quer nas ilhas, quer no Brasil. Orelacionamento destes espaços com os portos nórdicos conduziu a uma maior permeabilidade àsideias protestantes, o que gerou inúmeras cuidados por parte do clero e do Santo Ofício. Aincidência do comércio da Madeira no açúcar, pastel e vinho conduziu ao estabelecimento decontactos assíduos com os portos da Flandres e Inglaterra, que não era bem visto pelo tribunal. Istodeverá ter favorecido a presença de uma importante comunidade, o que veio a avolumar aspreocupações dos inquisidores.

As perseguições movidas pelo Santo Ofício conduziram a que muitos destes judeus serefugiassem nas ilhas Canárias, Cabo Verde, S. Tomé e, finalmente o Brasil. A juntar a isto está acrise da produção açucareira madeirense em contrastante com a promissora cultura nas terrasbrasileiras que conduziu a que a diáspora se alargasse até aqui. E de novo os judeus estarão ligadosà produção açucareira60.

IMIGRAÇÃO e UNIÃO IBÉRICA. A14 de Setembro de 1580 Filipe II é aclamado rei emLisboa, sendo confirmado nas cortes realizadas no ano seguinte em Tomar. O processo depacificação das regiões do império português que no mês de Junho haviam aclamado D. António,Prior do Crato, é lenta e só nos Açores, por ser um dos pilares dos interesses em jogo, serádemorada. Na verdade a conjuntura política definida pela união das duas coroas apresentava-sefavorável para os ilhéus, ao sedimentar o intercâmbio entre os arquipélagos. Os contactos e afamiliaridade entre estes eram tão evidentes, que o processo de passagem dos poderes para a novacoroa filipina deveria ser obrigatoriamente pacífica para os insulares.

No arquipélago açoriano as hostilidades aos novos soberanos foram sangrentas e demorou trêsanos o processo de pacificação61 . Já na Madeira o processo foi distinto. D. António fora apenasaclamado no Porto Santo62 e na Ponta de Sol, pois a ideia dominante na aristocracia local estava nonovo monarca. Note-se que António Carvalhal mobilizou homens para defender o Funchal de

59. (1987) O Comércio Inter-Insular, Funchal, 130.60 MELLO, José António Gonsalves de (1989), Gente da nação: cristãos-novos e judeus em Pernambuco, Recife; RIBEMBOIM, José Alexandre(1995), Senhores de Engenho judeus em Pernambuco colonial 1542-1654, Recife; SALVADOR, José Gonçalves (1976), Os Cristãos-Novos.Povoamento e Conquista do Solo Brasileiro (1530-1680), S. Paulo.61 MENEZES, Avelino de Freitas (1987), Os Açores e o Domínio Filipino.I- A Resistência Terceirense e as Implicações na Conquista Espanhola,Angra do Heroismo.62 A atitude deste município foi imputada ao capitão Diogo Perestrelo, que foi em 1586 alvo de múltiplas acusações do município,sendo devassado em 1606, com a perda da capitania; veja-se Anais do Município do Porto Santo, Porto Santo, 1989, p. 16, nota 10; AlbertoArtur SARMENTO (1946), Ensaios Históricos da Minha Terra. Ilha da Madeira , vol.I, Funchal, p.173

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qualquer assalto da esquadra francesa. Aqui os representantes da coroa filipina só se tiveram quehaver com um grupo restrito de personalidades afectas a D. António, uma vez que alguns desteshaviam-se juntado às suas hostes na ilha Terceira63. Foi a ameaça de ocupação da ilha por parte deuma armada franco-inglesa, surgida a 24 de Julho de 158264, que levou Filipe II a ordenar em 19de março de 1582 a D. Agustin de Herrera que fosse defender a ilha com uma armada de 300homens. O desembarque no Funchal teve lugar a 29 de Maio, com a maior quietação para evitarqualquer alvoroço. No dia imediato, na presença de todas as autoridades e povo, fez-se juramentode fidelidade ao novo rei.

O Conde permaneceu na ilha com as suas tropas enquanto duraram as hostilidades na ilha Terceira.Com a batalha decisiva de conquista da ilha a 26 de Julho de 1582, por D. Álvaro Bazan, festejadano Funchal a 1 de Setembro, ele recebeu a 2 de Setembro autorização para abandonar a ilha,ficando em seu lugar, como chefe do presídio, D. Juan de Aranda, com uma guarnição de 500Homens, incluídos os 200 soldados andaluzes que haviam chegado em Junho. As grandesdificuldades porque passaram as forças ocupantes da ilha, mais conhecida por tropa do presídio,não derivaram tanto do possível afrontamento da população local, mas sim dos problemas surgidoscom o seu abastecimento5. A cidade debatia-se já com esta situação vendo-a agora agravada com apresença de mais 500 homens. A conjuntura foi deveras difícil no período que decorredesde158965 .

D. Agustin de Herrera, conde de Lanzarote7, ao assumir em 1582 a posse, ainda quetemporariamente, do governo da ilha, veio a permitir mais assíduos contactos entre a Madeira eLanzarote. Ali s o próprio conde proporcionou esta situação através de vínculos familiares com ocasamento da sua filha bastarda, dona Juana de Herrera, filha de Dona Bernaldina, com FranciscoAcciauoli, filho de Zenóbio Acciouli, um dos mais destacados mercadores e terra tenentesitalianos, estabelecidos na ilha desde 151566. O exemplo foi seguido por muitos dos militares que oacompanharam67 . Por isso no período de 1580 a 1600 os castelhanos adquiriram uma posiçãomaioritária na imigração madeirense, como se poderá verificar pelos registos de casamento da Sédo Funchal68

2.2. Séculos XVIII-XX: NOVAS CHEGADAS. A partir do século XVIII o movimento de gentesna cidade do Funchal anima-se com o chamado turismo terapêutico e as expedições científicas.Esta situação perdura nas centúrias seguintes. Enquanto nos cientistas a permanência é reduzida, jáno caso dos visitantes, ou turistas, nomeadamente aqueles que a ilha acolhe por razões terapêuticasa permanência é mais demorada. É de acordo com esta situação que à Madeira pode muito bem seratribuído o epíteto de salas de visitas do espaço atlântico, pois foi desde os primórdios da ocupaçãoeuropeia um espaço aberto à presença quase assídua de forasteiros. A hospitalidade madeirense é umaconstante da História que não se cansa de assinalar a frequência de aventureiros, marinheiros,mercadores, aristocratas, políticos, artistas, escritores, cientistas69. Uns surgem apenas de vista fugaz

63 Confronte-se A.RUMEU DE ARMAS (1984), "El Conde de Lanzarote, capitán general de la isla de la Madera (1582-1583)", in Anuariode Estudios Atlânticos, nº.30, pp.404-406.64 Ideia defendida já por SIMENS HERNANDEZ L. ( 1979), "La expedición a la Madera del Conde de Lanzarote desde la perspectiva delas fuentes madeirenses", in Anuario de Estudios Atlânticos, nº.25, pp.289-305. O texto de Gaspar Frutuoso (Livro Segundo das Saudades daTerra, Ponta Delgada, p. 406-407) é muito sugestivo sobre isso: "...depois quer foi julgado Portugal ser do católico rei Filipe, senhor nosso, eteve posse àele, mandou a ilha da Madeira por capitão-mor e governador dela o desembargador João Leitão, depois que chegou à ilha, de mandado domesmo rei Filipe, por capitão-mor dela e da do Porto Santo, dom Agustinho Herrera, Conde de Lançarote e Senhor de Forteventura; no qual tempo,na era de mil e quinhentos e oitenta e dois anos, foi, da banda do Norte, António do Carvalhal à cidade do Funchal, com trezentos homens, quemanteve à sua custa cinco meses, do de Maio até Setembro, em serviço do Católico rei Filipe, para ajudar a defender a desembarcação dos franceses daarmada de Dom António, que em aquele tempo na ilha se esperava". RUMEU DE ARMAS, A., ibidem, pp.436, 455-45965 SARMENTO, A.A., ob.cit., vol.I, p. 188 e segs.66 . SARMENTO, A.A. (946)., Ensaios históricos da Minha Terra, vol. I, Funchal, p.27; Nobiliario de Canarias, tomo I, pp.50-63.67 Arquivo Regional da Madeira, Misericórdia do Funchal, 684, fls.710-711; MELO, Luís de Sousa e (1979), " A imigração naMadeira.paróquia da Sé.1571-1600", in História e Sociedade, 3, (republicado em Islenha, 3, 1988, pp.20-34), pp.52-53.68 MELO, Luís de Sousa e, art.cit.69 Bibliografia sobre visitantes: Visconde do Porto da Cruz (1953), Algumas da Figuras Ilustres Estrangeiras que Visitaram a Madeira,

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de passagem, outros vêm ao encontro da ilha, em busca da cura para as doenças ou do tédio dosambientes aristocráticos. A todos a ilha acolheu de braços abertos.

ARISTOCRATAS, POLÍTICOS e ESCRITORES. A Madeira cedo ganhou o epíteto de estânciaturística do atlântico, firmando-se como um espaço destacado da história do turismo no Ocidente.A revelação da Madeira como estância de turismo terapêutico aconteceu a partir da segundametade do século XVII. As qualidades profiláticas do clima na cura da tuberculose cativaram aatenção de novos forasteiros70. Foi a busca da cura para a tísica que propiciou aos madeirenses oconvívio com poetas, escritores, políticos e aristocratas.

Dos visitantes que a ilha merecem especial atenção quatro grupos distintos: invalids(=doentes), viajantes, turistas e cientistas. Os primeiros fugiam ao Inverno europeu e encontravamna temperatura amena o alívio das maleitas. Os demais vinham atraídos pelo gosto de aventura, denovas emoções, da procura do pitoresco e do conhecimento e descobrimento dos infindáveissegredos do mundo natural. O viajante diferencia-se do turista pelo aparato e intenções que operseguem. É um andarilho que percorre todos os recantos na ânsia de descobrir os aspectos maispitorescos. Na bagagem constava sempre um caderno de notas e um lápis. Através da escrita, dodesenho e gravura regista as impressões do que vê. Daqui resultou uma prolixa literatura deviagens, que se tornou numa fonte fundamental para o conhecimento da sociedade oitocentista dasilhas. O turista, ao invés, é pouco andarilho, preferindo a bonomia das quintas, e egoísta, guardandopara si todas as impressões da viagem. O testemunho da sua presença é documentado apenas pelosregistos de entrada dos vapores na alfândega, pelas notícias dos jornais diários e pelos "títulos deresidência".

A Madeira foi desde então um espaço aprazível de acolhimento para a maior parte daaristocracia europeia. Bulhão Pato diz-nos que, de entre os numerosos visitantes da década de 50 doséculo XIX, muitos são oriundos da aristocracia de dinheiro e de sangue. Alguns rendidos pelofascínio das suas belezas, testemunhando em inúmeros livros publicados em inglês, francês, alemão,outros pela necessidade de encontrar no clima da ilha as condições de alívio e cura para a tuberculose.Neste grupo podemos enquadrar escritores, como Júlio Dinis (1869), António Nobre (1898-1899),Bernard Shaw (1924), John dos Passos (1905, 1921, 1960) e muitos outros que deixaram testemunhoescrito da passagem pela ilha. Um grupo significativo de doentes e visitantes situava-se entre a maisdestacada aristocracia europeia e mesmo de algumas casas reais, como foi o caso da Rainha Adelaidede Inglaterra (1847), Princesa Dona Maria Amélia (1853), da Imperatriz Isabel da Áustria, maisconhecida por Sissi (1860-1861, 1893-1894), a imperatriz Carlota do México(1859, 1864), Alberto I,Rei da Bélgica(1909), o imperador da Áustria, Carlos de Habsburgo (1921), Ferdinando I, rei daBulgária(1936), Marash de Barodá, soberano indiano(1932), Wilhem Prinz zu Wied, ex-rei daAlbânia(1932).

Também, por força das circunstâncias de o Funchal ser um porto de escala das rotas europeiasque ligavam à América e África, tivemos várias personalidades em passagem obrigatória no Funchal,sendo quase sempre alvo do melhor acolhimento pelas autoridades do arquipélago, que improvisavamcais de desembarque e faustosas recepções. Em alguns casos a ocorrência resultou de condiçõesdifíceis para os próprios, sendo a ilha porto de escala de caminho para o exílio, como sucedeu comNapoleão Bonaparte (1815), o imperador da Áustria, Carlos de Habsburgo (1921), Fulgêncio Baptistay Zaldivar, ex-presidente de Cuba (1959). Outros mais políticos desfilaram pelo porto e ruas da cidadefunchalense, como os Generais Luís Botha (1909) e Jan Christian Smuts (1921) da União Sul-Africana.

Revista Portuguesa, 72. Silva, A. Marques da (1985), Visitantes Estrangeiros na Madeira. Uma Tradição de Violência. O Tipo Físico e o Carácterdo Madeirense, Atlântico, nº1. Sainz-Trueva, José de (1990), Forasteiros na Madeira Oitocentista. Uma Estação de Turismo Terapêutico, Funchal.70 Sobre turismo terapêutico: Albizzi, Marquis Degli (1891), Guide Pratique pour Malades et Touristes, Zurique; Benjamin, S. W. G. ( 1878), TheAtlantic Islands as resorts of health and pleasure, Londres; González Lemus, Nicolás (1995), Las Islas de la Macaronesia como los Nuevos HealthResorts del Siglo XIX, Islenha, 17, 64-74. Barral, F. A. ( 1854), Notícia sobre o clima do Funchal e sua Influência no Tratamento da Tísica Pulmonar,Lisboa. Johson, James(1885), Madeira its Climate and Scenery, Londres; Wilhelm, Eberhard Axel (1993), A Madeira entre 1850 e 1900. UmaEstância de tísicos Alemães, Islenha, 13. IDEM (1990), Visitantes de Língua Alemã na Madeira (1815-1915), Islenha 6. IDEM (1995), Seis Mesese Meio na Madeira (1854-1855) Os Diários da Governante Alemã Augusta Werlich, Islenha, 16, 60-71.

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EXPEDICIONISTAS E CIENTISTAS. As ilhas entraram rapidamente no universo da ciênciaeuropeia. Os séculos XVIII e XIX foram momentos de assinaláveis descobertas do mundo atravésde um estudo sistemático da fauna e flora. A procura e descoberta da natureza circundante cativoutoda a Europa, mas foram os ingleses que marcaram presença mais assídua nas ilhas, sendo menora de franceses e alemães. Aqui são protagonistas as Canárias e a Madeira. A Inglaterra apostavanas ilhas como pontos fundamentais da estratégia colonial, acabando por estabelecer na Madeirauma base para a guerra de corso no Atlântico.

Se as embarcações de comércio e as expedições militares tinham cá escala obrigatória, maisrazões assistiam à passagem quase que obrigatória de inúmeras expedições científicas. Foraminúmeras as expedições científicas europeias que escalaram o Funchal. Desde a segunda metade doséculo XVIII que o porto do Funchal se animou com a passagem assíduas destas expedições. Deentre estes expedicionários podemos contar com alemães (1860, 1874, 1910, 1937), americanos(1838, 1915, 1939), austríacos (1857), belgas (1897, 1911, 1922), dinamarqueses (1845, 1921),franceses (1785, 1883, 1903, 1908, 1911, 1913,1923, 1933), ingleses (1755, 1764, 1766, 1768,1772, 1792, 1816, 1824, 1839, 1841, 1842-1846, 1901, 1902, 1910, 1914, 1921, 1922, 1929, 1934,1937) e noruegueses (1910, 1914, 1922, 1930).

Instituições, como o Museu Britânico, Linean Society, e Kew Gardens, enviaramespecialistas às ilhas proceder à recolha de espécies, enriquecendo os seus herbários. Os estudos nodomínio da Geologia, Botânica e Flora são resultado da presença fortuita ou intencional doscientistas europeus. E por cá passaram destacados especialistas da época, sendo de realçar JohnOvington(1695), John Byron(1764), Joseph Banks(1768), James Cook(1768, 1772), Humboldt,John Forster(1772), John Barow(1792), Robert Scott(1910). O próprio Darwin deslocou-se àsCanárias e aos Açores (1836), deixando os estudos sobre a Madeira nas mãos de um discípulo.James Cook escalou a Madeira por duas vezes em 1768 e 1772, numa réplica da viagem de circum-navegação apenas com interesse científico. Os cientistas que o acompanharam intrometeram-se nointerior da ilha à busca das raridades botânicas para a classificação e depois revelação àcomunidade científica.

DEPORTADOS POLITICOS e MILITARES. A deportação foi nos séculos XIX e XX umapoderosa arma ao serviço dos regimes políticos. Em todo o mundo foi evidente a utilização destaforma de migração forçada como meio para impedir a acção dos opositores políticos71 . A práticanão é recente sendo uma constante do processo histórico em que se demarcam a diáspora judaica eescravatura dos negros africanos. O processo de deportação por razões políticas poderá serassinalado a partir de 1797 com a ida dos opositores da Revolução Francesa para a Guiana, práticaque os franceses mantiveram a partir de 1852 com as chamadas ilhas presídio, como foi o caso dasilhas do Diabo, Caiena, e de Saint-Laurent-du-Maroni72. No século XX esta situação foiresponsável pela mobilidade humana, sendo a situação mais considerada a dos judeus para oscampos de concentração nazistas.

71 Tenha-se em conta os livros de Alexander Soljenitsin (1918-2008]. Cf. o livro polémico Stéphane Courtois, Nicolas Werth, Jean-LouisPanné, Andrzej Paczkowski, Karel Bartosek, Jean-Louis Margolin, O livro negro do comunismo. Crimes, terror e repressão, Bertrand Brasil,Rio de Janeiro, 1999, Veja-se ainda Robert Conquest, The Harvest of Sorrow: Soviet Collectivization and the Terror-Famine, OxfordUniversity Press, 1987, IDEM(2005), The Dragons of Expectation: Reality and Delusion in the Course of History, Duckworth.72 O relato desta situação ficou documentado no romance Pappillon de Henri Charrièrre. Cf. Narrative of the Deportation to Cayenne,of Barthélemy, Pichegru, Willot, Marbois, La Rue, Ramel, &c. &c. in Consequence of the Revolution of the 18th Fructidor, (September 4,1797).: Containing a Variety of Important Facts Relative to that Revolution and to the Voyage, Residence and Escape of ... Por Ra mel,Ramel (Jean Pierre), Jean Pierre Ramel, William Gregory Publicado por J. Wright, 1799; Histoire du dix-huit fructidor. La déportation desdéputés à la Guyane, leur évasion et leur retour en France: La déportation des députés a la Guyane. Leur évasion et leur retour en France Por Isaac-Étienne Larue, chevalier de Isaac-Étienne Larue Publicado por E. Plon, Nourrit, 1895; Narrative of the Deportation to Cayenne, andShipwreck on the Coast of Scotland, of J. J. Job Aimé Por Jean-Jacques Aymé Publicado por Printed for J. Wright, 1800. Guide des sourcesdocumentaires sur la déportation conservées en France: conservées en France, Fondation pour la mémoire de la déportation, Direction desarchives de France Publicado por La Fondation, 2000; Andre-Daniel Laffon-Ladebat, Journal de Ma Deportation a la Guyane Francaise,1912.

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Em Portugal a conjuntura politica oitocentista post revolução liberal provocou migrações forçadaspor força de perseguições políticas. Neste caso as ilhas, da Madeira, Açores e Cabo Verde serviramde espaços de deportação de alguns políticos e militares menos gratos aos diversos regimespolíticos ou grupos com controlo do poder. Militares, advogados, escritores e mesmo trabalhadorese lavradores experimentaram a condição amarga de serem separados dos seus e conduzidos à forçapara as ilhas, ficando cativos em fortalezas, asilos ou espaços especialmente preparados para oefeito como foi o caso do Tarrafal em Cabo Verde.

A par disso temos de considerar o movimento ocasional de militares para a Madeira,ocorrido por diversas vezes, em situação de instabilidade politica ou não. Assim em 28 de Janeirode 1856 desembarcou o Regimento de Infantaria 1, que ficou marcado pela chegada do cólera-morbus trazido por algumas praças já doentes, que provocou a morte de mais de 10.000madeirenses. Por outro lado a Madeira acolheu também alguns fugitivos, militares ou políticos, dediversas proveniências. Assim temos em 1876 a presença de 70 militares espanhóis adeptos deCarlos, duque de Madrid, pretendente carlista ao trono espanhol com o nome de Carlos VII, emoposição à Rainha Isabel II. Em 1919 a Madeira recebe outra leva de prisioneiros políticosresultantes das revoltas que assolavam o país. São 289 políticos monárquicos que se haviamenvolvido na revolta do Monsanto e que por isso são conduzidos ao Funchal no vapor África, comuma escolta da marinha ficaram internados no Lazareto de Gonçalo Aires.

Com o novo regime político saído da revolta de 28 de Maio de 1926 tivemos o período deDitadura Militar, marcado pela instabilidade governativa que se manteve até a chegada ao poder deSalazar em Abril de 1928, como Ministro das Finanças. Em Fevereiro de 1927, duas revoltas umano Porto e outra em Lisboa, tentaram o regresso à democracia. O general Sousa Dias, líder darevolta do Porto, preso e enviado com residência fixa para a Madeira juntamente com outrosrevoltosos. O general Sousa Dias. Encontrava-se deportado na Madeira por participação emFevereiro de 1927 no movimento revolucionário no continente. Foi chefe da Junta Militar queassumiu o comando após a revolta de 4 de Abril. Terminada a “República” da Madeira foi demitidodo exército em 12 de Maio de 1931 e deportado para Cabo Verde onde morreu a 27 de Abril de193473. Aquando da revolta de 1931 a Madeira acolhia mais de três centenas de políticoscontinentais que aí estavam deportados.

O último grupo de deportados pela política chegou à Madeira em 26 de Abril de 1974, acaminho do exílio no Brasil. A Junta de Salvação Nacional decidiu deportar para o Funchal oPresidente da República, o Presidente do Conselho de Ministros e os Ministros da Defesa eInterior.

A instabilidade politica dos séculos XIX e XX para além de terem provocado algumassaídas de políticos e militares são ainda responsáveis por uma mobilidade de militares em serviço.Assim para o período de 1823 a 1931 assinala-se a presença, ainda que temporária, destas forçasem missão de defesa da costa ou de restabelecer e manter a ordem pública. Certamente que omomento em que fomos confrontados com a maior mobilização de tropas do continente foi em1931 com a revolta da Madeira. Primeiro em Fevereiro e depois em Abril.

Guarnição PeríodoPermanencia

NumeroHomens observações

Regimento de Infantaria n.º 7 eDestacamento de artilharia nº.2

1823-1826

Força de Artilharia 1823

73 . Sobre a Chamada Revolta da Madeira: Alves, Ferro (1935), A Mornaça: a revolta nos Açores e Madeira em 1931 , Parceria A. Pereira,DIONÍSIO, Fátima Pitta (1987), “A Revolução da Madeira de 1931”, Atlântico, N.º 9, Primavera de 1987, pp.43-59, FERRONHA,António Luís Alves (1987), “Revolta na Madeira” 1931, Atlântico, nº 12, pp.303-308, SOARES, João (1979), A Revolta da Madeira, Lisboa,Perspectivas e Realidades; BRAZÃO, Maria Elisa de França, e Maria Manuela Abreu (1994, com reedição em 2008) A Revolta da Madeira,1931, Funchal, Secretaria Regional do Turismo e Cultura e Direcção Regional dos Assuntos Culturais.

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Batalhão de Infantaria nº.1 e 2,Contingente de Caçadores nº.11Regimento de Infantaria nº.13,

-1829 Durante governo D. Miguel

4 companhias do Regimento deCaçadores da Beira Alta e 1º.Batalhão do Regimento deInfantaria de Lagos.

1831

Batalhão de Infantaria nº6. 1847-1852 Foram responsáveis pela revolta de 29 deAbril de 1847, regressando em Lisboa emAgosto

Batalhão de Caçadores nº.4 eDestacamento de Artilharia nº.2

1847- Dos Açores a pedido da Junta Governativa

Batalhão de Caçadores nº.6 1847-1852 420Batalhão de Infantaria nº.7 1852-1853 241Batalhão de Infantaria nº.13 1853-1854 250Batalhão de Caçadores nº.2 1854-1855 Com quatro companhiasBatalhão de Infantaria nº.4 1855-1856Batalhão de Infantaria, nº.1 1856-58 Portadores da cólera-morbusBatalhão de Infantaria, nº.1 1858-59 306Batalhão de Infantaria, nº.10 1859-1860Batalhão de Infantaria, nº.2 1860-1861Batalhão de Caçadores nº.1 1861-62Batalhão de Caçadores nº.5 1862-64 218Batalhão de Caçadoresº.12 1864-69 82Batalhão de Caçadores nº.5 1869-1870Regimento de Infantaria nº.1 eCompanhia de Caçadores nº.5

1887 Revolta eleições para junta de Paroquia

Batalhão de Caçadores nº.2 1911 Epidemia coléricaCompanhia de Artilharia 1918-19 Defesa ilhaCompanhia de Caçadores nº.5 1931 1ª força comando de Silva Leal, enquanto a

segunda pelo Capitão Botelho Moniz.

O século XX foi um momento de grandes transformações no mundo ocidental, marcado pordiversos conflitos mundiais cujo impacto foi evidente na mobilidade das populações insularesatlânticas. A primeira metade da centúria foi um dos momentos mais importantes e de dificuldadepara os insulares. As duas guerras mundiais na Europa reflectiram-se na navegação oceânica e navida das gentes ribeirinhas. Durante o período da Segunda Guerra Mundial Portugal serviu derefúgio para muitos dos gibraltinos que fugiam aos constantes bombardeamentos alemães aGibraltar. Destes cerca de dois mil permaneceram na Madeira, hospedados em hotéis e pensões,que na época se encontravam vazios por força da falta de turismo provocada pela guerra74.

A partir das décadas de sessenta e setenta o turismo adquire uma importância fundamentalna economia da região. A procura pelo destino madeirense foi em crescendo, nomeadamente apartir do momento que surgiu como alternativa o transporte aéreo com a construção do aeroporto.As constantes melhorias no transporte aéreo fizeram com que o turismo fosse em crescendo,afirmando-se hoje o sector com o principal da economia madeirense. Esta evolução condicionou oaumento do número de turistas, bem como diversificou as possibilidades de permanência destesmesmos. Assim se nos primórdios do turismo a permanência era prolongada por alguns meses,nomeadamente o período de inverno na Europa. Já a partir da segunda metade do século XX estaspassam a ser encurtadas pelas possibilidades de comunicação, como pelo perfil do visitante e aforma como se estruturava o turismo. Hoje a situação é diferente, pois desapareceram aspermanências prolongadas e a aposta está nas curtas permanências que se ajustam às programaçõesdos operadores turísticos, definindo-se diversas épocas de actuação.

74 Janes, Emanuel (2001), Reflexo da 2º Guerra Mundial na Madeira. A Imigração Gibraltina, in Imigração e Emigração nas Ilhas , Funchal,CEHA, pp.191-200.

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A evolução do turismo foi significativa a partir da década de oitenta. A reactivação dosinvestimentos hoteleiros a partir de 1 979 e as diferentes apostas do Governo Regional, quer eminfra-estruturas, nomeadamente aeroportuárias, quer na divulgação do mercado turísticomadeirense conduziram a que o turismo assumisse esta posição dominante na sociedademadeirense. Aumentou o parque hoteleiro e múltiplos serviços de apoio, desde a restauração,agências de viagem, rent-a-car foram também em crescendo. Entre 1975 e 1985 o número dehóspedes duplicou, mantendo-se sempre em subida nas décadas seguintes.

Fonte: Retrospectiva-Estatisticas do Turismo (1946-75), FUNCHAL, DRE, 1978; Série Retrospectiva-Estatisticas do Turismo (1976-2007), FUNCHAL, DRE, 2007.

OBRAS PUBLICAS E IMIGRANTES. A partir da década de setenta as mudanças políticasocorridas conduziram a uma viragem no quadro de desenvolvimento da região. A partir de 1978com o primeiro governo regional a Madeira passou a poder definir uma politica dedesenvolvimento regional que procurará colmatar as assimetrias que entravavam uma evoluçãointegrada do arquipélago. O regime autonómico propiciou a definição de politicas sectoriais que sematerializaram em importantes obras públicas nas décadas seguintes. Apostou-se no sector dostransportes com a ampliação do aeroporto, a melhoria e construção da rede portuária de ambas asilhas, bem como da definição de uma rede viária capaz de aproximar os diversos núcleospopulacionais. Até então a politica de construção da rede viária ia ao encontro das políticas deturismo, enquanto agora estas alargam-se a outras necessidades e têm como alvo os madeirenses.Nos anos cinquenta o Estado Novo completou o circuito de estradas à volta da ilha, mas o esbaterdas distâncias foi uma conquista apenas dos anos oitenta com a política de viadutos, túneis levou aoestabelecimento de vias rápidas na vertente sul e desta com o norte. A realização de todos estesempreendimentos só foi possível com o apoio financeiro da Comunidade Económica Europeia. Aadesão de Portugal à CEE, partir de 1986, facilitou à Madeira o financiamento das obrasnecessárias e o superar das dificuldades proporcionando um desenvolvimento integrado. Para issocontribuiu a aposta a partir de 1975 na política regional como forma de reforçar o espíritocomunitário. A rede viária em 1975 resumia-se a 265 Km que com o processo autonómico dosúltimos 25 anos do século XX foram ampliados para o dobro. A partir daqui a aposta da políticaregional assentou num programa de obras públicas no sentido de favorecer as acessibilidades entreos diversos pólos de desenvolvimento económico do arquipélago. O programa começou porprivilegiar a vertente sul, com a via rápida Ribeira Brava / Aeroporto (1997/2000), seguindo-sedepois outras vias radiais no sentido de uma maior aproximação à encosta norte com o túnel daEncumeada e via Machico-Faial-Santana-S.Vicente.

A esta rede de estradas, pontes e túneis que invadiu a ilha de lés a lés temos a juntar umconjunto de outras obras de carácter social e cultural. Enfim um conjunto de infra-estruturas quepara a sua construção demandaram muita mão-de-obra que a ilha não dispunha. É na sequênciadesta nova realidade que a Madeira se torna num destino privilegiado de mão-de-obra para aconstrução. Primeiro recruta-se no continente, mas depois surge a oportunidade dos emigrantesafricanos, brasileiros e dos países de leste. As diversas comunidades de emigrantes que hojepersistem na ilha são herdeiras desta situação e da grande demanda de mão-de-obra para o sectorde serviços, nomeadamente a hotelaria. Esta conjuntura desenvolvimentista permitiu também que oretorno de alguns emigrantes não criasse instabilidade no mercado de trabalho, mercê da rápidaabsorção. Tenha-se em conta que esta aposta governamental foi acompanhada de perto pelos

Anos Numero de hóspedes1946-49 5.4821950-59 101.5161960-69 356.3321970-79 2.046.7831980-89 3.703.1381990-99 6.324.8542000-07 7.702.384

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privados através da construção hoteleira de redes de serviços diversos, como grandes superfícies devenda ao público, como supermercados.

A situação acima descrita aponta para uma demanda temporária de mão-de-obra para osgrandes empreendimentos a cargo do Governo Regional, nomeadamente a obra de ampliação doaeroporto, a realização do plano viário e as diversas infra-estruturas a cargo das Sociedades deDesenvolvimento. A isto junta-se outra demanda permanente resultante de novos serviços docomércio e hotelaria, de que se destaque as redes de super e Hipermercados, Centros comerciais. Apresença de significativas comunidades de países africanos, como Guiné, de países de leste, como aUcrânia, e Brasil, não é alheia a esta situação do mercado de trabalho do arquipélago das últimasdécadas. A contabilização destas presenças e permanências não se torna fácil de quantificar, tendoem conta que a Madeira não actua como fronteira de entrada para a maioria destes, que entramquase sempre pelo continente português. O registo de estrangeiros residentes é um indicativo quepode ser usado para aferir deste movimento de imigrantes.

A partir da informação estatística sobre os estrangeiros residentes na ilha podemos fazeruma ideia da sua entrada e permanência nos últimos anos. Os fluxos imigrantes estão de acordocom a situação geral do país, evidenciando-se as mesmas tendências75. O número de pedidos deestatuto de residente aumentou nos inícios da presente centúria, o que é revelador da demanda demão-de-obra para o grande boom de empreendimentos públicos nos dois últimos mandatos doGoverno Regional76. O abrandamento do ritmo de obras públicas nos últimos anos não se fezreflectir número dos estrangeiros residentes que em vez de diminuir continuou a aumentar. Estasituação evidencia que a entrada destes não se regeu apenas pelas necessidades de força de trabalhopara as obras públicas, mas que esta entrada foi ao encontro da maior demanda de mão-de-obrapara o sector dos serviços, em que se destaca a hotelaria77 . Por outro lado podemos dizer que omercado regional de trabalho teve capacidade para absorver e integrar estes imigrantes.

Ano pedidos estatutoresidente

Residentes

197719781979198019811982198319841985198619871988198919901991

75 Sobre a imigração cf: Jorge Malheiros org. (2007), Imigração brasileira em Portugal, Lisboa ACIDI; Góis, Pedro e José Carlos Marques(2007), Estudo Prospectivo sobre Imigrantes Qualificados em Portugal, Lisboa, ACIDI., Peixoto, João (1998), As Migrações dos QuadrosAltamente Qualificados em Portugal- Fluxos migratórios inter-regionais, Internacionais e mobilidade inter-organizacional, Lisboa, Dissertação deDoutoramento em Sociologia Económica e das Organizações, ISEG/UTL. AA.VV. (2002), A Imigração em Portugal. Os MovimentosHumanos e Culturais em Portugal, Lisboa, SOS Racismo; Jorge Malheiros org. (2007), Imigração brasileira em Portugal, Lisboa ACIDI;Cádima, Francisco Rui (2003), Representações (imagens) dos imigrantes e das minorias étnicas na imprensa, Lisboa, OBERCOM;LAGES, Mario e outros (2006), Os Imigrantes e a População Portuguesa Imagens Recíprocas Análise de duas Sondagens, Lisboa, ACIME.SANTOS, Pedro Filipe (2004), Vento de Leste: a nova imigração em Portugal; rev. Piedade Góis. - 1ª ed. - Lisboa: Edeline, João Peixoto,"País de emigração ou país de imigração? Mudança e continuidade no regime migratório em Portugal, on-line, Lisboa, Socious, 2004[disponível em http://pascal.iseg.utl.pt/~socius/publicacoes/wp/wp200402.pdf]. Esteves, Maria Céu (Org.) (1991), Portugal, País deImigração, Lisboa, Instituto de Estudos para o Desenvolvimento. Maria Beatriz da Rocha-Trindade, A realidade da imigração emPortugal, in I Congresso Imigração em Portugal [Diversidade - Cidadania - Integração] 18 / 19 de Dezembro de 2003, Lisboa, 2004, p.17276 Cf. (2006) 30 anos de Autonomia Desenvolvimento Equipamentos e obras públicas e Privadas- Res non Verba(Actos e não Palavras), Funchal,Governo Regional Da Madeira/Secretaria Regional dos Recursos Humanos, 12 vols.77 De acordo com J. Macaísta Malheiros (A Imigração Brasileira em Portugal, Colecção Comunidades, 1, Lisboa: ACIDI, 2007) a entradade brasileiros entre 1999 e 2004, no Algarve e Madeira está direccionada para o turismo.

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19921993199419951996199719981999 23692000 25322001 2713 28382002 1027 31382003 99 33962004 655 37842005 526 39622006 1912 56292007 6959

Fonte: SEF

3. EMIGRAÇÃO MADEIRENSE

“Deus deu-nos tão pouca terra para onascimento, e tantas terras para a sepultura,Para nascer pouca terra, para morrer toda aTerra, para nascer Portugal, para morrer oMundo” (Pe. António Vieira,)

O fenómeno da emigração madeirense pode ser definido em dois momentos distintos. Primeirotivemos a intervenção dos madeirenses no processo de descobrimento, conquista e ocupação deespaços no atlântico e indico. Depois foram as condições propiciadas por todos estes espaços,associadas as dificuldades da vida na ilha, a motivar a saída de muitos madeirenses.

A primeira descoberta e aventura. A elevada mobilidade social é uma característica da sociedadeinsular. O fenómeno da ocupação atlântica lançou as bases da sociedade e a emigração ramificou-ae projectou-a além Atlântico. As ilhas foram assim, num primeiro momento, pólos de atracção,passando depois a actuar como áreas centrífugas. A novidade do novo espaço, aliada à forma comose processou o povoamento, activaram o primeiro movimento. A desilusão associada às escassas elimitadas possibilidades económicas e a cobiça por novas e prometedoras terras geraram o segundomovimento.

Primeiro foi a Madeira, depois as ilhas próximas dos Açores e das Canárias e, finalmente, osnovos continentes ou ilhas. O madeirense, desiludido com a ilha, procurou melhor fortuna nosAçores ou nas Canárias, e depositou, depois, na costa africana as prometedoras esperançascomerciais. Neste grupo incluem-se principalmente os filhos segundos desapossados da terra pelosistema sucessório. É disso exemplo Rui Gonçalves da Câmara, filho do capitão do donatário noFunchal, que preferiu ser capitão da ilha distante de S. Miguel a manter-se como mais um meroproprietário na Ponta do Sol. Com ele surgiram outros que deram o arranque decisivo aopovoamento desta ilha. Deste modo a Madeira evidencia-se também no século quinze como umcentro de divergência de gentes no novo mundo.

A elevada mobilidade do ilhéu levou os monarcas a definirem uma política de restrições nomovimento emigratório em favor da fixação do colono à terra, como forma de se evitar odespovoamento das áreas já ocupadas. Mas o apelo das riquezas fáceis, do resgate africano ou da

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agricultura americana eram mais convincentes, tendo a seu favor a disponibilidade dos veleiros queescalavam com assiduidade os portos insulares. A emigração era inevitável.

A Madeira desfrutava no século XV, a exemplo das Canárias, de uma posição privilegiadaperante a costa e ilhas africanas. Deste modo ela afirmou-se por muito tempo como um importantecentro emigratório para os arquipélagos vizinhos ou longínquos continentes. Para isso contribuiu ofacto de estar associada ao madeirense uma cultura que foi a principal aposta das arroteias doAtlântico, isto é, a cana sacarina. Os madeirenses aparecem nas Canárias, Açores, S. Tomé e Brasila dar o seu contributo para que no solo virgem brotem os canaviais, apareçam os canais de rega oude serviço aos engenhos, a que também foram seus obreiros nos avanços tecnológicos. A crise daprodução açucareira madeirense, gerada pela concorrência do açúcar das áreas que os seushabitantes contribuíram para criar, empurrou-nos para destinos distantes.

Nesta diáspora atlântica, iniciada na Madeira, é de referenciar o caso da emigração inter-insulardos arquipélagos do Mediterrâneo Atlântico. As ilhas, pela proximidade e forma similar de vida,aliadas às necessidades crescentes de contactos comerciais, exerceram também uma forte atracçãoentre si. Madeirenses, açorianos e canários não ignoravam a condição de insulares e, por issomesmo, sentiram necessidade do estreitamento destes contactos. A Madeira, mais uma vez, pelaposição charneira entre os Açores e as Canárias e da anterioridade no povoamento, foi, desdemeados do século XV, um importante viveiro fornecedor de colonos para estes arquipélagos e elode ligação entre eles. A ilha funcionou mais como pólo de emigração para as ilhas do que comoárea receptora de imigrantes. Se exceptuarmos o caso dos escravos guanches e a inicial vinda dealguns dos conquistadores de Lanzarote, podemos afirmar que o fenómeno é quase nulo, nãoobstante no século dezasseis os açorianos surgirem com alguma evidência no Funchal. Note-se,ainda, a presença de uma comunidade de açorianos nas ilhas Canárias, principalmente nas ilhas deGran Canaria, Tenerife e Lanzarote, dedicados à cultura dos cereais, vinha, cana sacarina e pastel.Mas açorianos e canarianos, bem posicionados no traçado das rotas oceânicas, voltaram a suaatenção para o promissor novo mundo.

A MADEIRA E AS CANÁRIAS. Um dos aspectos reveladores das conexões madeirenses eaçorianas foi o relacionamento com as Canárias. Para Perez Vidal78 a presença portuguesa noarquipélago resultou da sua intervenção em dois momentos decisivos: um primeiro, demarcadopelas acções da coroa e do infante D. Henrique, nos séculos XIV e XV que terá o seu epílogo em1497 com o tratado de Alcáçovas; o segundo, de iniciativa particular, abrangendo os séculos XVI eXVIII, em que os impulsos individuais se sobrepõem à iniciativa oficial. Este último foi omomento de expressão plena da presença lusíada e do seu paulatino definhar em face daRestauração da monarquia portuguesa e da guerra de fronteiras mantida até 1665.

A questão ou disputa pela posse das ilhas Canárias foi o prelúdio de novos confrontos com oobjectivo de monopólio das navegações atlânticas. O inicial afrontamento foi entre Portugal eCastela, tendo como palco as ilhas Canárias. Esta disputa começou em meados do século catorzemas só na centúria seguinte por iniciativa do infante D. Henrique teve a sua maior expressão.

A expedição de Jean de Betencourt em 1402 marca o início da conquista das Canárias enquantoa sua subordinação à soberania da coroa castelhana e o reconhecimento em 1421 pelo papado destanova situação fez reacender a polémica do século XIV. Ao infante português restavam apenas duaspossibilidades: a solução diplomática, fazendo valer os seus direitos junto do papado e o recurso auma intervenção bélica, legitimada pelo espírito de cruzada que a ela se pretendia associar. Destaúltima situação resultaram as expedições de D. Fernando de Castro (1424 e 1440) e de AntónioGonçalves da Câmara (1427). Mas em todas as frentes as conquistas foram efémeras e de poucovaleu, por exemplo, a compra em 1446 da ilha de Lanzarote a Maciot de Bettencourt, por 20.000reais brancos ao ano e regalias na ilha da Madeira. Disso apenas resultou a ramificação desta

78. "Aportación portuguesa a la población de canarias. Datos", in Anuario de Estudios Atlânticos, nº 14, 1968. Este e outros estudos foramreunidos em Los portugueses en Canarias. portuguesismos, Las Palmas, 1991.

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importante família à Madeira e, depois, aos Açores. O litígio encerra-se em 1480 com a assinaturade um tratado em Toledo. Desde então a coroa portuguesa abandona a sua reivindicação pela possedessas ilhas com garantias de que a burguesia andaluza não se intrometerá no trato da Guiné.

A conjuntura destas ilhas e do relacionamento das coroas peninsulares acompanhou desde oinício as conexões canário-madeirenses. No século XV a vinculação da Madeira a Lanzarote filia-se na célebre na disputa das coroas peninsulares pela posse das Canárias. Em finais do séculoseguinte a sua reafirmação e alargamento a todo o arquipélago canário foram resultado daocupação da ilha em 1582 por D. Agustin Herrera, acto que materializou na Madeira a união dasduas coroas peninsulares79. Entretanto nos Açores tivemos desde 1582 a presença de importantescontingentes militares espanhóis, mas sendo reduzida a presença de canários. Todavia o efeitosocial dos dois fenómenos em ambos os arquipélagos foi diverso. O primeiro permitiu a afirmaçãomadeirense em Lanzarote, enquanto o segundo, para além do natural reforço da realidadecondicionou a presença canária no Funchal, que nunca foi muito significativa. Talvez o momentode maior intervenção seja o do século XV com a presença dos aborígenes canários, como escravos,ao serviço da pastorícia e safra do açúcar80.

Se à componente política se deverá conceder o mérito de abertura e incentivo das conexõeshumanas, ao económico ficou a missão de reforçar e sedimentar este relacionamento. Desta formaos contactos comerciais surgem em simultâneo como consequência e causa das migraçõeshumanas. Todavia tal intercâmbio só adquiriu a plenitude no século XVI, incidindopreferencialmente no comércio de cereais dos mercados de Tenerife, Fuerteventura e Lanzarote.

A proximidade da Madeira ao arquipélago canário e o rápido surto do povoamento e valorizaçãosócio-económica do solo orientou as atenções do madeirense para esta promissora terra. Assim,decorridos apenas vinte e seis anos após a ocupação do solo madeirense, embrenharam-se nacontroversa disputa pela posse das Canárias ao serviço do infante, em 1446 e 1451.

A presença madeirense na empresa canária conduziu a uma maior aproximação dos doisarquipélagos ao mesmo tempo que influenciou o traçado de vias de contacto e comércio entre osdois arquipélagos. Pela Madeira tivemos, primeiro, o saque fácil de mão-de-obra escrava para asafra do açúcar e, depois, o recurso ao cereal e à carne, necessários à dieta alimentar domadeirense. Pelas Canárias foi o recurso à Madeira com o porto de abrigo das gentes molestadascom a conturbada situação que aí se viveu no século XV. Em 1476 com a conquista levada a cabopor Diogo de Herrera, muitos dos descontentes com a nova ordem emigraram para a Madeira ouCastela. De entre eles podemos referenciar Pedro e Juam Aday, Juan de Barros, Francisco Garcia,Bartolomé Heveto e Juan Bernal.

Esta corrente migratória resultante do descontentamento gerado em face da conquista eocupação do arquipélago canário iniciara-se já por volta de meados do século XV, sendo seu arautoMaciot de Bettencourt. O sobrinho do primeiro conquistador das Canárias, amargurado com oevoluir do processo e em litígio com os interesses da burguesia de Sevilha, cedeu o direito dosenhorio de Lanzarote ao infante D. Henrique mediante avultada soma de dinheiro, de fazendas eregalias na Madeira. Iniciava-se assim uma nova vida para esta família de origem normanda quedas Canárias passa à Madeira e aos Açores, relacionando-se aí com a principal nobreza da terra, oque lhe valeu uma lugar de relevo nas sociedades madeirense e micaelense do século XV.

Acompanharam o desterro de Maciot de Bettencourt a sua filha Maria e os sobrinhos e netosHenrique e Gaspar. Todos eles conseguiram uma posição de prestígio e avultadas fazendas mercêdo relacionamento matrimonial com as principais famílias da Madeira. D. Maria Bettencourt, porexemplo, casou com Rui Gonçalves da Câmara, filho segundo do capitão do donatário do Funchale futuro capitão do donatário da ilha de S. Miguel.

79 SIEMENS HERNANDEZ, Lothar (1979), "La expedición de la Madera del Conde de Lanzarote desde la perspectiva de las fuentesmadeirenses", in Anuario de Estudios Atlânticos, nº.25, Las Palmas; RUMEU DE ARMAS (1984), A., "El conde de Lanzarote, capitángeneral de la Madera", in ibidem, nº.30.80 SIEMENS HERNANDEZ, Lothar e Liliana BARRETO (1974), "Los esclavos aborigenes canarios en la isla de la Madera (1455-1505)",in Anuario de Estudios Atlânticos, nº.20, 111-143.

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A compra em 1474 por Rui Gonçalves da Câmara da capitania da ilha de S. Miguel implicou aramificação da família aos Açores. Com D. Maria Bettencourt seguiu para Vila Franca o seusobrinho Gaspar, que mais tarde viria a encabeçar o morgado da tia em S. Miguel, avaliado em2.000 cruzados. Os filhos, Henrique e João evidenciaram-se na época pelos serviços prestados àcoroa, tendo recebido em troca muitos benefícios. Henrique de Bettencourt preferiu o sossego dasterras da Band'Além, na Ribeira Brava, onde viveu em riquíssimos aposentos. Aí instituiu ummorgado e participou activamente na vida municipal e nas campanhas africanas. Os descendentesdestacaram-se na vida local e nas diversas campanhas militares em África, Índia e Brasil.

Se esta primeira vaga migratória traçou o rumo e destino madeirense, a expedição pacificadorade D. Agustin Herrera, conde de Lanzarote, em 1582, sedimentou e estreitou os contactos entre aMadeira e Lanzarote81. O próprio conde de Lanzarote, na curta estadia na ilha, foi um dos arautosdeste relacionamento, pois ligou-se aos Acciaiolis, importante casa de mercadores e terra tenentesflorentinos, fixada na ilha desde 1515. As suas hostes seguiram-lhe o exemplo, tendo muitos dostrezentos homens do presídio criado família na ilha. No período de 1580 a 1600 os espanhóissurgem em primeiro lugar na imigração madeirense82.

O descerco em 1640 trouxe consigo consequências funestas para tal relacionamento. Assim osmadeirenses residentes em Lanzarote foram alvo de represálias, sendo de referir o confisco dosbens do filho varão de Simão Acciaioli que casara com a filha do Conde de Lanzarote.

O impacto da presença lusíada nas Canárias notou-se muito cedo, tendo a Madeira como um dosprincipais eixos do movimento. A presença alargou-se às ilhas de La Palma, Lanzarote, Tenerife eGran Canaria. Os portugueses assumiram um lugar de relevo, situando-se entre os principaisobreiros da valorização económica das ilhas. Eles foram exímios agricultores, pescadores,pedreiros, sapateiros, mareantes, deixando marcas indeléveis da portugalidade na sociedadecanária83.

A tradição bélica e aventureira de alguns madeirenses levou-os a participar activamente nascampanhas de conquista de Tenerife, recebendo por isso, como recompensa, inúmeras dadas deterra. Daí resultou a forte presença lusíada nesta ilha, onde em algumas localidades, como Icode eDaute, surgem como o grupo maioritário. O mesmo se poderá dizer para a ilha de La Palma ondeos portugueses marcaram bem forte a sua presença, tendo a testemunha-lo a existência de algunsregistos paroquiais feitos em português. Entretanto em Lanzarote o forte impacto madeirense estácomprovado pelas inúmeras referências da documentação e pelo testemunho de Vieira y Clavijo deque a Madeira era familiar para os lanzarotenhos que era aí conhecida como a "ilha".

A acentuada participação lusíada no arquipélago foi resultado das possibilidades económicasque o mesmo oferecia e as necessidades em mão-de-obra e da possibilidade de penetração nocomércio com a costa africana e depois com o novo continente americano. Assim, num primeiromomento, fomos confrontados com um numeroso grupo de aventureiros dos quais se recrutaram osoficiais mecânicos e agricultores e só depois surgiram os agentes de comércio e transporte, todoseles com uma acção decisiva na economia do arquipélago nos séculos XV e XVII.

É fácil testemunhar a assiduidade dos contactos mas difícil se torna avaliar a dimensão assumidapela presença portuguesa neste arquipélago, quanto à sua origem geográfica. Nos diversos actosnotariais, que compulsámos, ignora-se, muitas vezes, a origem geográfica dos intervenientesportugueses. O facto de muitos surgirem em diversos actos relacionados com outros da Madeira ououtorgando poderes para a cobrança de dívidas e administração das heranças leva-nos a suspeitar asua origem madeirense.

Uma vez que os contactos entre a Madeira e as Canárias foram mais frequentes é natural apresença de uma importante comunidade madeirense nesse arquipélago, com principal relevo paraas ilhas de Lanzarote, Tenerife e Gran Canária. Aí foram agentes destacados do comércio e

81. SIEMENS HERNANDEZ, Lothar (1979), "La expedicion a la Madera del Conde de Lanzarote desde la perspectiva de las fuentesmadeirenses", in Anuario de Estudios Atlanticos, nº.25.82. Melo, Luís Francisco de Sousa 1979), "Imigração na Madeira. Paróquia da Sé 1539-1600, in História e Sociedade, nº 3, 52-53.83 Cf Perez Vidal, J.( 1991), Los portugueses en Canarias. portuguesismos, Las Palmas.

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transporte entre os dois arquipélagos ou artífices, nomeadamente sapateiros. Os açorianos,maioritariamente das ilhas Terceira e S. Miguel, surgem em menor número e preferentementeligados à faina agrícola.

A classe mercantil de origem madeirense nas Canárias segue um rumo peculiar. Eles aocontrário dos flamengos e italianos não se avizinham de imediato, mantendo o estatuto de estantes.A necessidade de fixação é quase sempre o corolário do progresso das suas operações comerciais edos investimentos fundiários.

As mudanças operadas na conjuntura política a partir dos acontecimentos do ano de 1640condicionaram a presença do madeirense. Ele que até então usufruía de um estatuto preferencial nasociedade e economia lanzarotenha, por exemplo, desaparece paulatinamente do palco de acção. E,facto insólito, os poucos que conseguimos rastrear na documentação procuram ignorar ou apagar asua origem, surgindo apenas como vizinhos sem outra referência. Esta situação coincide com o fimdo relacionamento comercial incidindo sobre os cereais de Canárias pois a partir de 1641 deixou deaparecer no Funchal, sendo substituído pelo açoriano ou por novos mercados como a Berberia eAmérica do Norte. Será ela resultado da crise da cultura cerealífera canária ou fruto da ambiênciade mútua represália peninsular ? Note-se, ainda que a partir de então surgiram novos e maispromissores destinos para a emigração, como o Brasil, que terão motivado a mudança.

MADEIRA E AÇORES. O movimento emigratório entre a Madeira e os Açores é posterior e teveinício em 1474 com Rui Gonçalves da Câmara, que a partir desta data foi capitão da ilha de S.Miguel. Não obstante estar referenciada em época anterior a estância de Diogo de Teive84 na ilhaTerceira como companheiro de Jácome de Bruges, que em 1452 teria descoberto as ilhas das Florese Corvo, o certo é que só a partir da década de setenta se generaliza esse movimento, que conduziuàs ilhas de S. Miguel, Terceira Santa Maria e Pico muitos filhos segundos da aristocraciamadeirense. Aliás, a carta da infanta D. Beatriz, autorizando a venda da capitania refere que "a ditailha des o começo da sua povoação até o prezente he muy mall aproveitada e pouco povoada"85.

Na Madeira havia-se esgotado a possibilidade de livre aquisição de terras, coisa que nos Açoresera facilitado. Note-se, ainda, que o incentivo de culturas, como a cana sacarina e a vinha, estãotambém ligados os madeirenses. Daqui resulta uma forte presença madeirense nas ilhas de SantaMaria, São Miguel, Terceira, S. Jorge, Graciosa, Faial e Flores86. O movimento inverso foi poucofrequente e só teve lugar a partir de princípios do século XVI. Para isso deverá ter contribuído aassiduidade dos contactos entre os dois arquipélagos provocada pelo comércio de cereais e, ainda,o temor das crises sísmicas que asilaram as ilhas açorianas, com especial relevo para as de 1522 e156387.

AS ILHAS DA GUINÉ As ligações dos arquipélagos da Madeira e Açores com os dois da costa egolfo da Guiné não foram frequentes, sendo a primeira motivação a busca de escravos negros.Neste contexto a abordagem feita pelas gentes insulares é quase sempre sazonal, o tempo suficientepara as operações comerciais. Todavia encontramos em S. Tomé e Santiago referências à presençade madeirenses e açorianos avizinhados. Esta presença é resultado da ida de técnicos ligados àcultura do açúcar e, depois, de comerciantes interessados no comércio de escravos para a Madeiraou para as Antilhas, como sucedeu no século XVII. Um caso exemplificativo disso é Francisco

84 AGOSTINHO, José (1943), "Diogo de Teive povoador da ilha Terceira, descobridor das ilhas das Flores e do Corvo, explorador dosmares do ocidente, não foi o responsável pelo desaparecimento de Jácome de Bruges", in Boletim do Instituto Histórico da ilha Terceira,nº.1, Angra do Heroísmo; GONÇALVES, Ernesto (1992), "Diogo de Teive", in Portugal e a ilha, Funchal, pp. 85-110; IDEM (1992), "Para oconhecimento dum percursor de Colombo", ibidem, pp.111-118.85. ARRUDA, Manuel Monteiro Velho (1977), Colecção de documentos relativos ao descobrimento e povoamento dos Açores, Ponta Delgada,p.CXLV.86 Esta situação é evidenciada por Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra, livros terceiro, quarto e sexto.87.Confronte-se MELO, Luís de Sousa (1991), "Contribuição açoriana na formação da população madeirense no século XVI", in Girão,nº.7, pp.328-331.

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Dias88. Ele fixou-se na Ribeira Grande, donde coordenava uma rede de negócios que ligava osRios da Guiné aos Açores, Madeira e Antilhas de Castela.

DAS ILHAS AO LITORAL. Os fenómenos emigratórios insulares ultrapassaram as barreiras doseu mundo e projectaram-se além fronteiras no Brasil e no Oriente. Num e noutro espaço osinsulares foram importantes como povoadores, guerreiros e descobridores. Esta era únicaalternativa para muitos filhos-segundos em que a sociedade possibilitava o acesso a comendas,títulos e cargos.

No caso madeirense existiu uma relação permanente, desde o século quinze, com as praçasmarroquinas, sendo eles que acudiam com o cereal e mais mantimentos para as guarnições daspraças, os homens para as defender, o dinheiro e materiais de construção para as fortalezas. Muitosaí morreram na defesa das possessões e outros que adquiriram títulos e honras. As praças eram umlocal de "diversão" para a cavalaria madeirense, nomeadamente para os filhos-segundos, sedentosde aventura e benefícios89.

OS INSULARES E O BRASIL. O Brasil exerceu junto dos insulares ao longo da História umcerto fascínio sobre os insulares, que se encontram ligados ao processo da sua construção desde oinício. A História dos arquipélagos da Madeira, Açores, Cabo Verde e Canárias têm relevado nosúltimos anos a presença dos insulares como lavradores, mercadores, funcionários e militares. Paraos séculos XVI e XVII valorizou-se a presença de madeirenses, de Norte a Sul, como lavradores emestres de engenho, que foram pioneiros na definição da agricultura de exportação baseada nacana-de-açúcar, funcionários que consolidaram as instituições locais e régias, ou militares que sebateram em diversos momentos pela soberania portuguesa. O forte impacto madeirense nosprimórdios da sociedade brasileira levou Evaldo Cabral de Mello a definir a capitania de S. Vicentecomo a Nova Madeira.90

Os primórdios da colonização do Brasil estão ligados à Madeira, tendo-se estabelecido umaponte entre a ilha e as colónias do Brasil. Os primeiros engenhos açucareiros foram construídos pormestres madeirenses. Em S. Vicente (Santos) foram feitas escavações no engenho do senhorgovernador, o primeiro que terá sido construído no Brasil por carpinteiros madeirenses. António ePedro Leme terão sido os primeiros a chegar aqui com as primeiras socas de cana. A culturaexpandiu-se entretanto para norte. Na Baia e Pernambuco e Paraíba de novo encontramos muitosmadeirenses ligados à safra açucareira, como técnicos ou donos de engenho. Aos agricultores etécnicos de engenho seguiram-se os aventureiros, os perseguidos da religião (= os judeus) e algunsforagidos da justiça. Deste modo a presença de madeirenses, ainda que mais evidente nas terras decanaviais de Pernambuco, espalhou-se a todo o espaço com focos de maior influência em S.Vicente, Baía, Caraíbas e Ilhéus. A situação tem eco na Historiografia brasileira. Afrânio Peixotoafirmava em 1936 que a Madeira foi entreposto, estancia de passagem para o Brasil, enquantoGilberto Freire em 1952 define de forma clara esse relacionamento: A irmã mais velha do Brasil éo que foi verdadeiramente a Madeira. E irmã que se extremou em termos de mãe para com a terrabárbara que as artes dos seus homens... concorreram para transformar rápida e solidamente comnova Lusitânia.

Por outro lado os ilhéus evidenciaram-se na defesa do território brasileiro. A libertação doMaranhão em 1642 foi obra de António Teixeira Mello, enquanto em Pernambuco a resistência aoholandês foi organizada desde 1645 por João Fernandes Vieira. Ainda, a defesa da soberanialusíada foi conseguida também com o envio de companhias de soldados desde a ilha. Assim temos:em 1631 de João de Freitas da Silva, 1632 de Francisco de Bettencourt e Sá e em 1646 de

88.Arquivo Regional da Madeira, Misericórdia do Funchal, nº.684, fls.785-790vº.89. SOUSA, João José de (1985), "Emigração madeirense nos séculos XV a XVII", in Atlântico, nº.1, pp.46-52.90.Conferência, in As Ilhas e o Brasil, Funchal, CEHA, 2000, p.13. Evaldo Cabral de Mello Neto, como José António Gonsalves de Mello,são raros exemplos na historiografia brasileira de valorização da presença madeirense. Cf. Costa, José Pereira da (2000) [O Brasil,…, inAs Ilhas E o Brasil, Funchal, pp.22-23]refere que a Historiografia brasileira dedica pouca atenção às ilhas.

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Francisco Figueiroa. Esta situação continuou no último quartel do século XVII com o envio desoldados para o Maranhão e Rio de Janeiro e Santa Catarina.

O processo ganha uma nova vertente no século XVIII com a emigração de casais. Esta foi asolução para resolver os problemas sociais das ilhas e de garantir a soberania das terras do Sulbrasileiro. Em 1746 temos o envio de casais açorianos e madeirenses para o sul como garantia dedefesa das fronteiras do Tratado de Madrid. A fundação da cidade de Portalegre é feita por ummadeirense, sendo aqui a presença de colonos, fundamentalmente, açoriana. As evidências dasituação estão ainda hoje presente no estado de Santa Catarina através de diversas manifestaçõescomo as festas do Espírito Santo. Nos séculos XIX e XX o Brasil continuou a ser um destinocobiçado dos insulares. A História e o quotidiano registam de forma evidente esse movimento. Esteprotagonismo das ilhas nas ligações com o Brasil é um marco importante que importa realçar nomomento que se evoca o descobrimento do Brasil.

Nos séculos XVIII e XIX as ligações comerciais das ilhas mantêm-se suportadas na ofertade vinho, vinagre, mantendo-se o retorno de açúcar e aguardente. A relação alargou-se a partir de1746 à presença de casais insulares no Sul e à forte emigração da segunda metade do século XIX.No século XX o Brasil continuou a ser ainda o El Dourado para os insulares, nomeadamente osmadeirenses, que encontram no Rio e Santos, a fuga às dificuldades da guerra ou às difíceiscondições de sobrevivência.

Hoje são ainda evidentes os vestígios da secular ligação dos ilhéus ao Brasil. OsMadeirenses mantêm a tradição do bordado, nomeadamente em S. Paulo. A Sul, no Estado deSanta Catarina (em Blumenau, Camboriú, Florianópolis...) é evidente a influência das tradiçõesculturais açorianas com as festas do Espírito Santo. Por outro lado as ilhas não ficaram imunes àsinfluências brasileiras. Estas evidenciam-se na arquitectura com as chácaras, como nas artesdecorativas, com o recurso às madeiras brasileiras (jacarandá, sicupiru) para a construção demobiliário. A última situação encontra vestígios nomeadamente nos Açores no mobiliário religioso.Também as madeiras das caixas que transportaram o açúcar tiveram uma reutilização quer naMadeira, quer nos Açores. Tenha-se em consideração que o retorno tem a ver com a existência deuma rota comercial entre as ilhas e o Brasil e no caso dos Açores o papel assumido no traçado dasrotas oceânicas.

A EMIGRAÇÃO nos Séculos XIX e XX. A emigração do século dezanove assume característicasdiferentes das situações. Até então estávamos perante uma saída de acordo com as solicitaçõesexternas, em que se aliava o desejo de aventura aos interesses económicos e políticos. Omovimento de gentes era da iniciativa da coroa ou particular e tinha por objectivo a ocupação dosespaços não habitados como forma de consolidação da soberania. A partir do século XIX osmovimentos migratórios passaram a estar dominados por factores internos da própria ilha. A terra,que os recebera há quatrocentos anos apresentava-se agora madrasta e incapaz de satisfazer as suasnecessidades vitais e, por isso mesmo, impelia-os para fora rumo às terras americanas na esperançade uma mudança das condições de vida.

A emigração foi uma constante da sociedade madeirense, na segunda metade do século XIXsendo alimentada pelas incessantes solicitações do mercado internacional da mão-de-obra comopelas difíceis condições de vida dos madeirenses provocadas pela crise económica, ou pela formaopressiva como se definiu o sistema de propriedade da terra, através do contrato de colonia. Aemigração era assim considerada a única fuga possível à fome como a esta servidão.

No século XIX as condições não foram favoráveis ao madeirense. A crise do comércio eprodução do vinho pautou a conjuntura económica, provocando crises de fome. Destas ficouconhecida a de 1847, quando era governador civil José Silvestre Ribeiro. Do outro lado doAtlântico estávamos perante um momento de euforia económica, com a mineração ou safra agro-industrial, que não se compadecia com as medidas de abolição da escravatura. Perante isto o ilhéu,desapossado da terra pelo regime sucessório e de mando económico, abandonou o próprio meio esaiu rumo a estes destinos, aliciado pelas propostas dos engajadores ao serviço dos ingleses que osprocuravam para substituir a mão-de-obra escrava. Por esta razão, muitos políticos da época

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consideravam esta forma de recrutamento de mão-de-obra como uma nova escravidão, ou seja,uma “escravatura branca”.

Nos anos de 1844 - 46, o proselitismo religioso, protagonizado por R. Kalley, veio a forçar asaída de muitos madeirenses que haviam aderido ao protestantismo, quando o Estado decidiupersegui-los. A segunda fase da diáspora, mais importante que a primeira, atingiu o apogeu a partirde 1847, sendo resultado da crise económica, agravada depois pela situação da viticultura. Asdoenças que atacaram a cultura da vinha (o oídio em 1852 e a filoxera em 1872) deitaram por terraa única esperança económica dos madeirenses, obrigando-os a sair rumo às ilhas de Havai.

A partir de agora os destinos da emigração madeirense diversificam-se e articulam-se deforma directa com as alterações da conjuntura do mercado de mão-de-obra. Os rumos da emigraçãopara os séculos XIX e XX expressam da seguinte forma:

DATAS E PRINCIPAIS DESTINOS DA EMIGRAÇÃO MADEIRENSE

Anos de início Destino1792, 1966 Estados Unidos1748-1751, 1939, 1952 Brasil1840 Guiana e Demerara1872, 1950 Cabo, África do Sul1878 Sandwich1884 Huíla1936-1938, 1948, 1953 Curaçau1951 União Sul Africana1953 Venezuela

O continente americano foi o principal porto de destino da emigração madeirense no século XIX,recebendo 98% dos emigrantes saídos da Madeira. São três as principais áreas de destino: Antilhasinglesas, América do Norte e Brasil. As Antilhas inglesas foram o principal mercado receptor damão-de-obra madeirense com 86% dos saídos legalmente, que se distribuíram de forma irregularpor St. Kitts, Suriname, Jamaica e Demerara, áreas conhecidas do madeirense e ligadas à ilhaatravés do comércio do vinho. Demerara pode ser considerado o principal destino dos emigrantes,tendo recebido 70%. Apenas entre 1841 a 1889 recebeu 36724 madeirenses.

Os dados disponíveis dão conta de dois momentos da emigração: a década de quarenta e as desetenta e oitenta. O último coincide com o aparecimento de um novo destino, o Havai. Demerarafoi nas décadas de quarenta e cinquenta, o Eldorado do madeirense, disputando esta posição nasdécadas de setenta e oitenta com o recém-descoberto paraíso havaiano. No período de 1853 a 1881entraram nas Antilhas inglesas mais de quarenta mil madeirenses, maioritariamente para a ilha deDemerara.

A emigração para as ilhas Canecas (Sandwich, Havai) surge a partir de 1878 mercê da acçãoda agência de W. H. Hillebrand, residente à data no Funchal, que a solicitação do governo deHonolulu, lançou um novo destino e rota da emigração madeirense. O primeiro grupo de casaisseguiu no navio “Priscilla” e demorou cento e vinte dias a alcançar o arquipélago. A duração edureza do cruzeiro, do Funchal a este recôndito arquipélago no Pacífico, não foi óbice à suaabertura, pois as promessas aliciadoras das autoridades compensavam o risco da demorada viagem.A chegada a Honolulu, a 30 de Setembro de 1878, do navio “Priscilla” com o primeiro grupo demadeirenses foi saudada pela imprensa da comunidade havaiana. Das vinte e sete embarcações queaportaram ao referido arquipélago, dez eram provenientes da Madeira, nove dos Açores e oitotiveram escalas diversas na Madeira, Açores e Continente. Os navios transportaram das ilhas18.285 (78%) insulares, sendo 4.352 (18%) da Madeira e 6.533 (27%) dos Açores. A viagem paraestas ilhas do Pacífico foi para muitos uma aventura sem retorno. As condições de vida a bordo emtão longa travessia não eram as melhores como testemunham alguns dos sobreviventes. É o caso dodiário da viagem de João Baptista de Oliveira e Vicente Ornelas, que saíram do Funchal a 8 de

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Novembro de 1887 no navio “Thomas Bell” e que só atingiu o seu destino a 14 de Abril de 1888,após 156 dias de viagem.

Com a assinatura em 1882 do tratado de emigração entre Portugal e o Havai ficaramestabelecidas as regras reguladoras do movimento emigratório das ilhas e continente para estearquipélago, ao mesmo tempo que foram criadas as condições para que aumentassem as saídas deportugueses. Foi neste momento que se atingiu o maior volume da emigração madeirense. Aemigração para estas paragens tinha um tratamento privilegiado, existindo no governo civil umlivro para o registo dos passageiros que embarcaram para lá. A partir dele sabe-se da saída, em1883, de 2293 madeirenses nos navios Hancow, City of Paris e Bourdeaux. Esta forma deemigração contribuiu para o rápido enraizamento do madeirense na sociedade dos locais dedestino.

A escalada da emigração continuou, na última década do século dezanove e princípios do XXmantendo-se os países de destino, com especial destaque o Brasil e Estados Unidos. A grandedepressão dos anos trinta levou ao encerramento das portas de alguns, enquanto se abriram outrosnovos, como a África do Sul, e reabriu-se de novo em 1939 o Brasil. As duas guerras mundiais(1914-18, 1939-45) provocaram nova leva de emigrantes. O Brasil continuou a ser um dos destinospreferenciais da maioria dos madeirenses, mas as possibilidades de opção alargaram-se a outrosmercados receptivos de mão-de-obra. Nos anos de 1936 e 1948 tivemos a emigração orientada pelacompanhia Shell para o Curaçau que permitiu a saída de muitos madeirenses91. De acordo comJosé Fernandes Moreira da Cunha a Madeira teria enviado para aí 7734 emigrantes, entre 1937 e194092. Muitos destes deram o salto para a Venezuela que conjuntamente com o Canadá, Austrália,América do Sul e as colónias portuguesas de Angola e Moçambique foram os novos destinos.

As sequelas económicas da segunda guerra mundial fizeram-se sentir em toda a ilha, mas demodo especial no norte. Deste modo quando se abriram as portas da emigração na América,nomeadamente no Brasil, Venezuela e África do Sul, a saída foi geral. O recrutamento deemigrantes contou com o apoio do Governo Civil e dos consulados no Funchal, que actuavamcomo angariadores de potenciais emigrantes. A Venezuela manteve desde princípios do século XXaté 1958 uma política de portas abertas o que permitiu a emigração de muitos europeus e no casoportuguês de um grupo importante de madeirenses. Em 1960 a população portuguesa na Venezuelaera superior a 40.000, sendo constituída na sua maioria por madeirenses. Nos anos cinquenta estefoi o principal destino da emigração madeirense, tendo acolhido 14.424 emigrantes da ilha93.

A presença madeirense alargou-se também a outros quadrantes, sendo de salientar a África doSul e Austrália. No primeiro a vinculação portuguesa é muito antiga, remontando à viagem deVasco da Gama, mas foi a partir do século XVIII que tivemos notícia dos primeiros portugueses noCabo (Capetown). No século XIX a rota regular dos vapores do cabo que escalavam o Funchalpermitiu a definição de um novo rumo para a emigração madeirense. Mas esta presença torna-semais notada a partir de 1904 no sector da pesca, mas foi nos anos cinquenta que este destinoganhou dimensão, tendo saído 5118.

As décadas de cinquenta e sessenta foram momentos de forte imigração tendo como principaisdestinos a Venezuela, Brasil, África do Sul, Estados Unidos, Canadá e Austrália. A crise queenvolveu a ilha lançando a mão-de-obra para o desemprego, as dificuldades de recrutamento deimigrantes no velho continente, onde eram necessários na frente de batalha, conduziram a que aMadeira se apresentasse como um centro importante de recrutamento de homens para as

91 Um dos testemunhos destes emigrantes foi recolhido por António Ribeiro Marques da (1989), Manuel Falarás as Trovas daEmigração, Islenha, 4 (Jan-Jun), 89-92. Aí se dá conta da experiência de Manuel da Silva que em 19 de Fevereiro de 1944 partiu comoutros madeirenses no navio Cuba para o Curaçau.92 Viagem à Venezuela, Caracas, 1998, p.141. Cf. Xavier, António de Abreu (2007), Com Portugal en la Maleta, Caracas, Editorial Alfa.93 Sobre a História da Emigração na Venezuela veja-se: Saignes, Miguel Acosta (1997), Los Portugueses en Venezuela, Caracas; Freitas,Anitza e Irene Lasique (1989), Los Portugueses en Venezuela, Caracas; Perazza, Nicolás, Acerca da emigração Portuguesa na Venezuela,Caracas; Romero, Dália (1992), Los Portugueses en Venezuela, Caracas; Eugénia Zaldivar, Maria (1986), Un Estudio de Inmigración Recientea Venezuela. El caso português, Caracas; Cunha, José Fernando Moreira da (1998), Viagem a Venezuela, Caracas; Xavier, Antonio de Abreu(2007), Con Portugal en la Maleta, Caracas, Editorial Alfa; GAMA, Manuel da Encarnação Nóbrega da(2001), Os Padrões de Fé naVenezuela, Funchal.

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actividades da Shell no Curaçau, ou para o incremento da indústria brasileira, venezuelana e sul-africana.

Os dados oficiais disponíveis atestam da evolução destes rumos da emigração madeirenseapós a segunda guerra mundial e evidenciam que os destinos da emigração madeirense sediversificaram de acordo com a demanda de mão-de-obra e as oportunidades oferecidas pelosprincipais mercados de trabalho:

EMIGRAÇÃO MADEIRENSE. 1945-2007Destino 1945-49 1950-59 1960-69 1970-79 1980-89 1990-99 2000-2007Brasil 3.279 22.233 4.534 497EUA 726 290 326 1.202Canadá 249 412 763Venezuela 2.150 15.904 22.833 15.758África do Sul 2.526 5.118 579 683França 31 1.017Alemanha 2 51Antilhas Holandesas 2.115 129Outros 823 519total 11.619 44.442 28.717 5.788

Um fenómeno particular ocorreu a partir de 1952 com a emigração sazonal para Inglaterra,principalmente para as Ilhas do Canal. Estes madeirenses, ocupados na hotelaria, deslocavam-se naépoca de Verão rumo a este destino para trabalhar no mesmo sector, regressando à ilha para aépoca invernal. Hoje mantém-se esta tradição mas ligada ao sector agrícola, uma vez que o turismomadeirense perdeu a sazonalidade que então mantinha94.

A viragem no processo da emigração madeirense aconteceu na década de setenta. Asmudanças políticas resultantes da Revolução do 25 de Abril de 1974 conduziram à valorização doespaço sócio-económico da ilha, condicionando a emigração. As mudanças políticas ao nívelmundial, a situação dos habituais mercados receptores de mão-de-obra madeirense em contrastecom a melhoria das condições de vida na ilha, fizeram com que o madeirense buscasse o Eldoradona sua própria terra e que muitos regressassem. Primeiro foram os chamados “retornados” das ex-colónias e depois os da Venezuela e África do Sul. Hoje a emigração madeirense adquiriu outroscontornos. Assim, a saída definitiva deu lugar à temporária para a Europa, nomeadamente a Suíça eIlhas do Canal. Esta realidade reflectiu-se no movimento da população que contraria a situação dasdécadas de 60 e 70.

94 Cardoso, Agostinho(1968), O Fenómeno Económico-Social da Emigração Madeirense, Coimbra, p.16.

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Emigração Madeirense: temporária e definitiva 1977-1999

DEPORTADOS POLITICOS. No quadro das migrações madeirenses para os séculos XIX e XXdevemos assinalar a intervenção de vários factores. Nesta fase não foi apenas o factor económico apropiciar esta fuga quase generalizada da população, pois outras situações de carácter políticoconduziram a que muitos madeirenses fossem forçados a sair da sua terra por causa das suasconvicções políticas ou religiosas. A fuga às perseguições de origem política, ou a deportação porforça das suas convicções políticas obrigaram muitos madeirenses a sair da sua terra para ocontinente, Açores, Cabo Verde, Angola e Brasil.

As transformações políticas resultantes da revolução liberal de 1820 criaram uma novasituação para a vida politica do reino e do arquipélago. Em Julho de 1823 as primeirasmanifestações de hostilidade na vida politica iniciam um processo de emigração de algumaspersonalidades, como foi o caso de Nicolau Caetano Pitta, editor do primeiro jornal madeirense, oPatriota Funchalense, que teve que se acolher na Terceira onde veio a falecer. O golpe chefiado porD. Miguel inicia o regime de deportação para punir os adversários políticos. Esta conjuntura forçouigualmente a fuga generalizada de famílias, comprometidas com D. Pedro para Inglaterra, Brasil eAmérica do Norte. Em 1844 a Madeira recebe um grupo de 21 insurgentes da revolta de TorresVedras, ocorrida a 4 de Fevereiro de 1844 contra o governo de Costa Cabral.

O processo político liberal sofreu um recuo em 1823 com a Vilafrancada. As Cortes foramsuspensas e a Constituição foi abolida. A Madeira aderiu à nova situação aclamando rei a 13 deJunho o príncipe D. Miguel. O governador Manuel de Noronha foi substituído por Manuel dePortugal e Castro. O novo governador fez-se acompanhar de um Regimento de Infantaria e umaalçada de seis magistrados para comandar a repressão aos liberais madeirenses. As consequênciasda mudança foram imediatas, ocorrendo as primeiras perseguições no funcionalismo público com aexpurga dos liberais e mações, enquanto os demais foram obrigados a assinar um compromisso denão filiação em nenhuma sociedade secreta. Por sentença de 26 de Outubro foram condenados 24indivíduos na sua maioria pertencentes às lojas maçónicas União, Fidelidade e Constância, em quese contavam padres, morgados, militares e intelectuais. Numa segunda sindicância, foram presos56 membros da Grande Loja Maçónica, entre outros, o morgado João de Carvalhal Esmeraldo,Francisco de Paula Medina de Vasconcelos, Nicolau Bettencourt Pita, etc. deportados para Angola,Ilha Terceira e Lisboa.

Entre 1828 e 1834 o reino esteve a saque e a política fazia-se com violência, sangue e morte. Aguilhotina de Robespierre chegara a Portugal pelas mãos de D. Miguel que durante esse períodofoi o símbolo da implacável justiça. Até Julho de 1831 as alçadas, ordenadas por D. Miguel,conduziram à prisão nas cadeias do Limoeiro e S. Julião de 26 270 indivíduos, à deportação paraÁfrica de 16 000, à emigração forçada de 13 000 e ao enforcamento de 37 inimigos da sua causa.

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No período do governo da ditadura sucederam-se diversas convulsões contra o regimesendo de assinalar a revolta da Madeira em 1931. Este movimento de 4 de Abril está relacionadocom outro ocorrido em Fevereiro do mesmo ano e que ficou conhecido como a Revolta da Farinha.A publicação de um decreto regulando o sector moageiro foi o principal motivo da agitaçãopopular. Para conter a revolta o governo enviou um contingente de tropas e quando se preparavapara deportar os principais intervenientes do movimento decidiu-se por uma segunda convulsãocom a participação dos militares que aqui se encontravam deportados. Todavia a “republicamadeirense” foi efémera e o governo central com o envio de tropas conseguiu reaver a posse dailha em princípios de Maio, iniciando-se aqui o processo de deportação aos principais cabecilhas eintervenientes da revolta. Uns foram conduzidos para o Porto Santo, enquanto outros seguiram paraa ilha de S. Nicolau em Cabo Verde.

Cinco anos mais tarde, em 1936, tivemos a chamada revolta do Leite contra um decretoregulador dos lacticínios na Madeira, que viria a lançar o alvoroço em muitas das freguesias rurais,conduzindo a que mais uma centena de madeirenses deportados e presos para o continente. Entreeles contava-se o Padre Teixeira da Fonte, considerado pelas autoridades como o principalinstigador da revolta.

GUERRA COLONIAL. O ano de 1961 é assinalado nos anais de História Colonial como um anonegro. Perderam-se as possessões de Goa, Damão e Diu e iniciou-se a guerra provocada pelosmovimentos de libertação de Angola, seguindo-se a Guiné em 1963 e Moçambique em 1964. Estasituação obrigou à mobilização de tropas, correspondendo ao apelo de Salazar: “Para a Angola,rapidamente e em força”.

A primeira questão aconteceu na Índia. A partir de 1947 com a retirada inglesa e a fundaçãoda União Indiana abriu-se a porta para a integração de Goa, Damão e Diu. Os problemas surgiram apartir de 1954 e levam o governo a mobilizar tropas, seguindo do Funchal uma companhia decaçadores para Diu. Mas em 1961 a União Indiana invadiu as possessões portuguesas, anexando-asdefinitivamente no seu território.

Entretanto em África o movimento pró-independência atingiu as colónias portuguesas,surgindo movimentos de libertação em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. O assalto à cadeia deLuanda a 4 de Fevereiro de 1961 motivou a pronta resposta do regime com o envio de forçasmilitares. Na Madeira foram recrutados muitos jovens em 5 batalhões e 64 companhias constituídasno Batalhão de Infantaria Independente n.º 19, e no grupo de Artilharia e Guarnição n.º 2. Emboraos dados disponíveis não sejam muito fiáveis, aqui os deixamos para que se possa fazer uma ideia.Durante os treze anos de guerra foram mobilizados 820 000 militares de que resultaram 8 831mortos e 32 195 feridos. De entre estes os mortos contam-se pelo menos 169 madeirenses.

Perante este conjunto de situações tivemos a saída de muitos madeirenses que fugiam aindajovens ao recrutamento militar e à mobilização para a guerra colonial, a que se juntaram opositoresao regime político, perseguidos pela polícia política. Muitos tomaram esta decisão de livrevontade95, mas outros foram obrigados a sair por força das perseguições a que estavam sujeitospela polícia politica ou então porque foram conduzidos à prisão ou degredo, como sucedeu em194996.

OS REGRESSOS. No estudo das migrações o retorno tem sido quase sempre esquecido. Tambémnão se torna fácil o seu estudo, nomeadamente em termos quantitativos. Todavia nos últimos anos,talvez porque o retorno seja uma evidência na sociedade portuguesa, o tema tem merecido aatenção dos estudiosos97. Não podemos esquecer o caso dos retornados da ex-colónias no período

95 Por exemplo, Asdrúbal Vieira, em Vencedor Vencido conta a sua aventura e fuga para a Suécia no tempo de Salazar.96 Nepomuceno, Rui (2006), História da Madeira. Uma Visão Actual, Porto, Companhia das Letras, p.418.97. Sobre o retorno Cf. KUBAT, Daniel (ed.) (1984) The Politics of Return - International Return Migration in Europe, New York/ Roma,Center for Migration Studies; GARMENDIA (1981), José A., La Emigracion Española en la Encrucijada - Marco General de la Emigracion deRetorno, Madrid, Centro de Investigaciones Sociologicas, Madrid; KING, Russel e outros(1984), "Return Migration and theDevelopment of the Italian Mezzo-giorno", in KUBAT, Daniel (ed.), The Politics of Return - International Return Migration in Europe, New

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de 1974 a 197598 e depois, no caso especifico da Madeira o retorno de emigrantes da África do Sule da Venezuela. Mas sem dúvida a imagem que mais permanece no imaginário e na literatura aevocar este processo é a do brasileiro99. Na actualidade a imagem do retorno é denunciada pelapresença de emigrantes e descendentes da Venezuela. Aliás este país terá sido o que proporcionoumais regressos nos últimos 25 anos. A conjuntura política e económica não tem sido muitofavorável a estes emigrantes que têm regressado à ilha de forma regular. A primeira leva aconteceuna década de oitenta do século XX, com os motins populares de 1989, seguindo-se depois outra nosfinais da década seguinte, provocada pela instabilidade politica e enxurradas de Vargas. No totalassinala-se o regresso de 5553 madeirenses. Destes madeirenses e descendentes regressados nãotemos grande conhecimento da forma como se integraram na nova sociedade, mas também nãotemos notícias de que tenha surgido alguma questão social de significativo interesse, o que poderáser a prova de que a sua integração na sociedade madeirense terá sido pacifica100. Aqui estamosperante um campo em aberto para a investigação em Ciências Sociais e que deveria merecer aatenção de políticos e investigadores.

Todos, ou quase todos iam com a intenção de regressar mas poucos o fizeram e nem semprepelas mesmas razões. A imagem do imigrante que regressa está quase sempre presente noimaginário popular como o de uma figura distinta que manifesta a riqueza por todas as formas. Aaparência física, o vestir de branco ou com trajes vistosos ou distintos do comum, o falar e a formadesinibida dos seus comportamentos denunciam facilmente a figura de um emigrante de regressotemporário ou definitivo. Não são conhecidos como regressados ou retornados, mas sim como odemerarista, o da Guiana, o brasileiro, o venezuelano ou de forma depreciativa de miras, e oamericano. Mas de uma forma genérica é conhecido no século XX como o emigrante, não importaaqui a sua origem, seja do Brasil, Venezuela, França, África do Sul, Canadá, Curaçau ou Austrália.Enquanto no continente português ficou evidente a figura do brasileiro101 e do francês, aqui na

York/ Roma, Center for Migration Studies, pp. 79-87; PEREZ, Jose Cazorla (1981), Emigracion y Retorno: una perspectiva europeia, Madrid,Instituto Español de Emigracion; SERRA-SANTANA, Ema (1984), "Return of Portuguese: economic goals or retention of one's identity",in KUBAT, Daniel (ed.), The Politics of Return - International Return Migration in Europe , New York/ Roma, Center for Migration Studies,pp. 55-56. RICHMOND, A.H.,(1984),"Explaining Return Migration", in KUBAT, Daniel (ed.), The Politics of Return - International ReturnMigration in Europe, New York/ Roma, Center for Migration Studies, pp. 269-275. CHEPULIS, Rita L. (1984), "Returnal Migration: ananaytical framework", in KUBAT, Daniel (ed.), The Politics of Return - International Return Migration in Europe, New York/ Roma, Centerfor Migration Studies, , pp. 239-245.Para Portugal Cf. SILVA, Manuela, e outros (1984), Retorno, Emigração e Desenvolvimento Regional em Portugal, Lisboa, I.E.D; POINARD,Michel (1983), "Emigrantes Portugueses: o Regresso", Análise Social, nº 75, pp. 29-56, (1983), "Emigrantes Retornados de França: aReinserção na Sociedade Portuguesa", Análise Social, nº 76, 261-296; BRANDÃO, M. de Fátima (1993), "O bom emigrante à casa torna?",in PEREIRA, Miriam Halpern, e outros (eds.), (1984), Emigração/imigração em Portugal, Lisboa, Fragmentos, pp. 163-183; CÓNIM,Custódio N. P. S.(1983/4), "Emigrantes Portugueses: o regresso", Revista do Centro de Estudos Demográficos, nº 26, pp. 73-126; PORTELA,Irene ,e OLIVEIRA, M. Ermelinda (1987), Migrantes Portugueses no Brasil: o paradoxo do retorno, Porto, S.E.E.98 Dacosta, Fernando e Leonel Brito [1984], Os retornados estão a mudar Portugal , Lisboa, Distribuição, Dijornal; Pires, Rui Pedro Pena eManuela Silva (1984), Os Retornados: um estudo sociográfico,Lisboa, Instituto de Estudos para o Desenvolvimento; Carrington, William J.The Impact of 1970s Repatriates from Africa on the Portuguese Labor Market; Pires, Rui Pena (2003), Migrações e integração. Teoria eAplicações à Sociedade Portuguesa, Lisboa, Celta Editora. O tema é também motivo na literatura de que referenciamos: António Pires(1976), Desalojados: a tragédia nacional dos "retornados", portugueses expulsos de Angola : romance, Livraria Popular de F. Franco; Pires, RuiPena e outros (1987), Os Retornados. Um Estudo Sociográfico, Lisboa Instituto de Estudos para o Desenvolvimento; Calamoto, Albertino(2006), O Retornado.Crónicas, Lisboa, ed. Autor,, on-line,[disponível em http://two.xthost.info/alsica/Retornado.pdf]; Magalhães, Júlio(2008), Os Retornados. Um amor nunca se esquece, Lisboa, Esfera dos Livros; Antunes, António Lobo (1988), As Naus, Lisboa,Publicações D. Quixote; Viegas, Aida (2002), abandonar Angola-Um olhar à Distância, Aveiro, ed. A; Pizarro, Teresa (2004), Os Retornados,Almargem do Bispo, Padrões culturais Editora;99 "A designação de "brasileiro" adquiriu para nós uma significação singular e desconhecida para o resto do mundo. Em Portugal, aprimeira ideia, talvez , que suscita este vocábulo é a de um indivíduo cujas características principais e quase exclusivas são viver commaior ou menor largueza e não ter nascido no Brasil; serum homem que saíu de Portugal na puerícia ou na mocidade mais ou menospobre eque, anos depois, voltou mais ou menos rico." HERCULANO, Alexandre, Opúsculos - II , (organização, introdução e notas deJorge Custódio e José Manuel Garcia), Lisboa, Presença, p. 68. Cf. REGO, Santos, Diogo Pinho dos (1961), Os "Brasileiros" de Camilo,V.N. de Famalicão, Centro Gráfico; CESAR, Guilhermino(1969), O "Brasileiro" na Ficção Portuguesa, Lisboa, Parceria A. M. Pereira;Cabral, A. M. Pires (1985), A emigraçäo na literatura portuguesa: uma colectânea de textos , [Lisboa] : Secret. de Estado da Emigraçäo, imp..100 A problemática do retorno de emigrantes madeirenses não tem merecido até ao momento qualquer atenção por parte da pesquisa.Apenas se assinalam algumas reportagens jornalísticas e do mais todos nós testemunhamos por experiencia própria fruto da nossaobservação directa no dia a dia. 2007 por Pereira, Ana Cristina, “Depois da emigração, o regresso-Portugueses da Venezuelaregressam” à Madeira por causa da falta de segurança”, reportagem do Público de 28.10.2007, on-line [disponível emhttp://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1308972, http://ibericos.wordpress.com/2007/10/30/venezuela-madeira-o-regresso/] visita em 15-09-2008.101 Cf. CESAR, Guilhermino (1969), O "Brasileiro" na Ficção Portuguesa, Lisboa, Parceria A. M. Pereira; LOUREIRO, José Carlos (1989), "Acasa do Brasileiro", Os Portugueses e o Mundo - Conferência Internacional (1985), vol. VI, Fundação Engº António de Almeida, pp. 33-36;

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madeira foram estas figuras as que marcaram o retorno da emigração. Para o século XIXassinalam-se as figuras do demerarista e do brasileiro. Este último perdura no século XXassinalando uma nova vaga emigratório para o Brasil durante a segunda guerra mundial, juntando-se a imagem emblemática do venezuelano, que chega ao cumulo de importar carros ao estilo norte-americano, que não se adequam às reduzidas dimensões das estradas rurais madeirenses

A memória colectiva e a literatura madeirenses retiveram estas imagens, por vezesburlescas, do emigrante retornado à sua terra natal102. A primeira foi a do demerarista, definidoassim por Fernando Augusto da Silva: O demerarista que à custa de penosissimos trabalhos e deflagelos de toda a espécie conseguia amontoar capitais, não se esquecia em geral da sua terra, eera aqui que gostava de vir passar o resto da sua vida, rodeado de comodidades e confortos a quenão fora habituado na sua mocidade. Era ele quem nas freguesias fazia com maior empenho asfestas do Senhor, festas em que havia sempre grande abundância de tiros e foguetes, cousas estasmuito do agrado do povo rude da nossa ilha103. A sua presença deveria ser tão evidente na cidade eem toda a ilha que muitos forasteiros a ela se referem, como foi o caso de R. Burton104 que ocompara ao estatuto do brasileiro ao nível de Portugal continental. Tenha-se em conta que ÁlvaroRodrigues de Azevedo105 publicou em 1859 um drama em que abordava esta situação particular doemigrante madeirense retornado.O tema foi retomado em 1893 por João de Nóbrega Soares na peçaintitulada “A Virtude Premiada”.106 . Tal como refere Agostinho Cardoso este emigrante não era tãoafirmativo como o brasileiro ou venezuelano107 . A figura do emigrante da Guiana inglesa foi

Monteiro, Miguel (1996); Migrantes, Emigrantes e “Brasileiros” (1834-1926)- territórios, itinerários e trajectórias, Braga, Instituto deCiências Sociais, Universidade do Minho,(1996) “Migrantes, Emigrantes e Brasileiros", Actas do 2º Congresso Histórico de Guimarães, Vol.7, Câmara Municipal de Guimarães - Universidade do Minho, pp. 285 – 330(1999) O Papel dos “Brasileiros” nas vilas do Minho: o casode Fafe, in Os “Brasileiros” da Emigração, Jorge Fernandes Alves (Coord), Vila Nova de Famalicão, Museu Bernardino Machado ,(2000),Marcas da Arquitectura de Brasileiro na Paisagem do Minho,” O Brasileiro de Torna Viagem, CNCDP - Portugal, Comissão Nacional para ascomemorações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa(2000) “O Público e o Privado”, O Brasileiro de Torna Viagem, Lisboa, CNCDP –Portugal, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa (2000), “Representações materiais do«Brasileiro» e construção simbólica do retorno”, Camões, Número 11, Outubro-Dezembro, (2005) “Representações Materiais do‘brasileiro’ e Construção Simbólica do Retorno”, in Turbulência Cultural em Cenários de Transição – O século XIX Ibero – americano, NeideMarcondes e Manoel Bellotto (orgs.), São Paulo, Edusp – Editora da Universidade de São Paulo, pp.165-189, (2006) ´O Museu daEmigração e os “Brasileiros” do Rio: o público e o privado na construção de modernidade em Portugal', I Encontro luso-Brasileiro de Museus -casas: Espaço, Objeto e Museografia, Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro. in Revista da Faculdade de Letras HISTÓRIA, Porto,III Série,, vol. 8, 2007, PP.443-458; BENIS, Maria Ioannis, “Uma contra - imagem do “Brasileiro”, in Revista de História Económica e Social,nº7, 1981, pp. 129-137; BRAGA, Jorge Salazar, A Casa do "brasileiro" e a paisagem rural do século XIX, Lisboa, 1986; BRANDÃO, Maria deFátima, “ O bom emigrante à casa torna”, in PEREIRA, Míriam Halpern, e outros (eds.), Emigração/imigração em Portugal, Lisboa,Fragmentos, 1993, pp. 163-183; CÉSAR, Guilhermino, O “Brasileiro” na Ficção Portuguesa, Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 1969;GONÇALVES, Albertino, “O Presente Ausente - 0 emigrante na sociedade de origem”, in Cadernos do Noroeste, vol.l/l, Braga. 1987. pp.7-30; GONÇALVES, Albertino, “O Presente Ausente II - Vias e desvios na intelecção da emigração e da sociedade portuguesa”, inCadernos do Noroeste, vol. 112/3, 1989, pp. 125-153; LOUREIRO, José Carlos, “A casa do Brasileiro”: Os Portugueses e o Mundo -Conferência Internacional (1985), vol. VI, Fundação Eng.º António de Almeida, 1989, pp. 33-36; MONTEIRO, Miguel, RepresentaçõesMateriais do "Brasileiro" e Construção Simbólica do Retorno in Turbulência Cultural em Cenários de Transição – O século XIX Ibero –americano, Neide Marcondes e Manoel Bellotto (orgs.), São Paulo, Edusp – Editora da Universidade de São Paulo, 2005, pp.165-189;PINA-CABRAL, João de e outros, “A casa do noroeste - um encontro pluridisciplinar”, in Análise Social, nº95, 1987, pp.151-163;QUEIRÓS, Eça de, O brasileiro, Uma Campanha Alegre (de «As farpas»), Porto, Vol. 2, Lello, 1978, pp. 87-89; REGO, Diogo Pinho dosSantos, “Os Brasileiros» de Camilo , V. N. de Famalicão, Centro Gráfico, 1961; ROCHA-TRINDADE, M. Beatriz , “Remigratório: migraçãoe retorno”, História, nº 98. 1986, pp. 4-15; Figueiredo, Cláudia, Maria da Conceição Amaral [org.] (2000), Os brasileiros de torna-viagem,Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses; coord. - Lisboa: Comissão Nacional para asComemorações dos Descobrimentos Portugueses.102 Não existe qualquer levantamento e estudo sobre a temática da emigração na literatura madeirense. As referências que podemoscompilar são avulsas e vão desde Manuel Gonçalves [Emigração da Madeira (1902)], Elmano Vieira [Última Bênção (1917)], RicardoJardim [Saias de Balão-na ilha da Madeira (1945)], Herberto Hélder [Os Passos em Volta (1963)], João França [O Emigrante( 1978)], HorácioBento de Gouveia [Torna-viagem-romance do emigrante (1979), Helena Marques [O Último Cais (1993), Os íbis Vermelhos de Guiana (2002)].Lilia Mata[Contos de Embarcar (2002)]. A estes podemos ainda juntar José Rodrigues Miguéis,[Gente da Terceira Classe (4ª edição, 1984)].Sobre este ultimo romance cf. Duarte Mendonça, Em busca do American Dream: Emigrante madeirense imortalizada no livro Gente da TerceiraClasse, [on-line], [disponível em http://www.arquivo-madeira.org/item2_detail.php?lang=0&id_channel=23&id_page=200&id=30]103 Silva, Fernando Augusto da (1984), Elucidário Madeirense, Funchal, Drac, vol.I, p.392.104 Another important change is being brought about by the emigrant. During the last few years the old rule has been relaxed, andwhole families have wandered abroad in search of fortune. Few Madeirans in these days ship for the Brazil, once the land of theirpredilection. They prefer Cape Town, Honolulu, the Antilles, and especially Demerara; and now the ’Demerarista’ holds the position ofthe ’Brasileiro’ in Portugal and the ’Indio’ or ’Indiano’ of the Canaries: in time he will buy up half the island.[ Burton, Richard F. andVerney Lovett Cameron[1883], To the Gold Coast for Gold, A Personal Narrative, Londres].105 A Família Demerarista. Drama em um acto, Funchal, Typ. do Funchalense. Cf. Brereton, Bridget, Kevin A. Yelvington (1999), TheColonial Caribbean in Transition: Essays on Postemancipation Social and Cultural History, Florida, University Press of Florida, p.170.106 Temos ainda um outro texto de Xavier, Mariana (1988), O Demerarista, Islenha, nº.2, 102-112.107 “ O demerarista retornado, era um tipo curioso de homem do povo, enriquecido à custa do trabalho, regressado à ilha para aqui

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também motivo de referência sarcástica no quotidiano e literatura. Todavia só se conhece umpoema, a Guyaneida, escrito por várias mãos, que ainda se encontra inédito108. Depois foi oreavivar a memória deste destino da emigração madeirense através dos romances de HelenaMarques.

A imagem do venezuelano é sem duvida a que mais perdura no imaginário popular pela suaexuberante chamada de atenção em público e acima de tudo pela forma exibicionista com quecumprem as promessas aos oragos da sua freguesia, organizando de forma ostentatória osfestividades109 . A situação do emigrante venezuelano mudou nas últimas décadas. As mudançaspolíticas decorrentes da eleição de Hugo Chaves em 1998

As conquistas da Revolução de 1974 e o processo autonómico conduziram a múltiplastransformações na sociedade madeirense que conseguiram estancar a emigração, uma constanteque se reconverte para uma dimensão sazonal assente na saída temporária de jovens madeirensespara trabalhar nas ilhas do Canal em Inglaterra. Os fluxos migratórios para os tradicionais destinosforam perdendo importância e interesse para a maioria da mão-de-obra disponível na ilha que estesdestinos mais aliciantes de um trabalho temporário nas épocas de maior demanda de trabalho nasilhas inglesas. Estamos perante um destino que começou em 1952 em relação directa com ahotelaria e que se foi alargado até as actividades do sector primário.

Desde o início do processo autonómico que as autoridades regionais tiveram consciência dadimensão e importância das comunidades madeirenses espalhadas por todo o mundo,nomeadamente na Venezuela e África da do Sul. Deste modo em 1977 o primeiro governoRegional, presidido pelo Engº Ornelas Camacho, reuniu no Porto Santo em 1977 diversosemigrantes chamados à ilha pela mão do mensageiro do governo, o actor Vergílio Teixeira, paraque o processo que se iniciava pudesse contar com a colaboração de todos os madeirenses,residentes ou não no arquipélago. O encontro, Congresso do emigrante, Madeirem, teve lugar noPorto Santo e foi encerrado a 30 de Junho pelo então Presidente da República, o General RamalhoEanes. Entretanto a 2 de Julho de 1976 o Governo Regional havia decidido criar o Centro doEmigrante Madeirense, que passou a funcionar na Presidência. A partir de 1988 este centro passoupara a alçada da então criada Secretaria Regional do Turismo Cultura e Emigração e no mandatoseguinte, em 1992, mudou para a tutela da Secretaria Regional dos Assuntos Parlamentares eComunicações., hoje Secretaria Regional dos Recursos Humanos.

Na década de oitenta consolida-se a ideia das comunidades madeirenses alargada a todo ouniverso dos madeirenses residentes também no estrangeiro, ao mesmo tempo que estes passam aser um referencial importante na política governamental. A homenagem e valorização destascomunidades estão expressas no monumento inaugurado em 1982 na Avenida do Mar e dasComunidades Madeirenses. Depois foi a chamada dos mesmos para uma participação indirecta napolítica local através do Congresso das Comunidades Madeirenses, que teve o seu primeiroencontro em 1984, a que se associou a criação do Conselho das Comunidades Madeirenses peloDecreto Regional nº6/84/M. Ainda, em 1989 o dia 1 de Julho, oficialmente o dia da Região, foideclarado Dia da Região Autónoma da Madeira e das Comunidades Madeirenses. Entretanto em2006 foi criada a Convenção das Comunidades Madeirenses e o Conselho Permanente dasComunidades Madeirenses pelo decreto legislativo Regional 39/2006/M de 4 de Agosto.

A emigração passou já a sua fase negra e difícil. Durante muito tempo ela foi apenasencarada pela vertente fúnebre, mas hoje passaram-se esses tempos e o tema está presente de formadistinta no nosso quotidiano. A emigração definitiva deixou de ser uma constante da nossasociedade e a sociedade do século XXI propicia mecanismos de aproximação mais fáceis entre os

exercer a sua actividade ou passar, em merecidas férias, o resto da vida, mais sóbrio que o brasileiro de Camilo, ou do que ovenezuelano, que volta com grande automóvel e começa por despender dezenas de contos ao promover, com exagerada e inútilpompa, a festa do orago da sua freguesia.”Cardoso, Agostinho (1968) O Fenómeno Económico-Social da Emigração Madeirense, [sep. DaRevista de Direito Administrativo, t. XII, nº.3], Coimbra, p.7108 Cf. Silva, Fernando Augusto da (1984), Elucidário Madeirense, Funchal, Drac, vol.II, pp.111-112.109 Pereira, Eduardo (1968), Ilhas de Zargo, Funchal, CMF, vol.II, p.276.

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que partiram e os que ficaram. Assim sendo sair da sua terra não é mais uma aventura quasesempre no desconhecido, como o era até então. Por outro lado, hoje em dia o tema torna-sepresente noutro sentido, pelo retorno de muitos que haviam partido e que as condições dos destinosde origem os obrigaram a retorno a casa. Nos últimos anos o retorno acentuado de muitosemigrantes madeirenses na Venezuela e África do Sul obrigou a um reajustamento da políticagovernamental, assumindo o centro do emigrante um papel fundamental de apoio ao regresso. Poroutro lado surgiram associações para apoiar e defender os interesses destes imigrantes de que sedestaca a o Clube Social das Comunidades Madeirenses, criado em 30 de Maio de 2000110.Entretanto nos meses de Verão sucedem-se encontros e semanas culturais tendo como tema oemigrante111

Por fim não podemos esquecer as grandes transformações ocorridas nas últimas décadasque conduziram a profundas transformações nos fluxos migratórios. O transporte melhorou deforma apreciável, passando-se a usufruir de melhores condições para a viagem por via aérea, queem alguns casos, como sucedeu com a Inglaterra e Venezuela se faz através de ligação directa.Acresce ainda que as comunicações, com especial destaque para a Internet e a Televisão viasatélite, permitiram esbater muitas fronteiras e manter relações de proximidade entre os quepartiram e os que ficaram. Parece que tudo mudou, mas para quem transita pelos circuitos dasmigrações a realidade é distinta, pois continuam em pleno século XXI continuam a manter-se oscircuitos da emigração clandestina, marcados por um exploração dos que se sujeita a tal condição,que ainda se tem que haver com comportamentos racistas e xenófobos das sociedades deacolhimento, muitas delas também com história marcada pela emigração. A condição do emigranteou imigrante, dependendo da perspectiva como se veja este homem que parte ou que chega embusca de melhores condições de vida, ainda apresenta situações pouco claras e merecedoras darecriminação de todos.

A ilha como espaço aberto ao mundo é um permanente cais de chegadas e partidas. Hoje,mais do que nunca, as condições do transporte favorecem a mobilidade em todos os sentidos. Osritmos históricos internos e do entorno definiram diversas formas e ciclos da mobilidade dosmadeirenses e da atracção da ilha para outras gentes. De entre estes últimos a História assinalouprimeiro os colonos povoadores, os escravos, os mercadores, aventureiros(...), depois oprotagonismo do arquipélago no espaço atlântico definiu outra forma de atracção e novas formasde imigração com os cientistas, turistas, foragidos e perseguidos pela política, deportados. Nopassado os momentos de partida distanciavam-se dos de chegada, mas hoje as condições e aconjuntura são diferentes e no mesmo cais podemos nos encontrar com os que partem e chegam,num permanente rodopio de gentes, produtos, usos e costumes. Hoje uma ilha de emigrantes podemuito bem acolher imigrantes, pois as expectativas de uns e outros são distintas. A ilhapermanecerá sempre como um espaço aberto e acolhedor.

110 De acordo com os estatutos a sua missão é: “ARTIGO SEGUNDO – A Associação tem por objecto promover as relações de caráctercultural, recreativo, desportivo e social; fomentar a solidariedade e fraternidade entre todos os emigrantes madeirenses espalhadospelo mundo.”111 No ano de 2008 o Clube Social das Comunidades Madeirenses dedicou a VI Semana Cultural ao “Emigrante no ArraialMadeirense”, A Associação Desportiva do Campanário dedicou um dia aos “Encontros de Cá e Lá- Madeira e Venezuela” e a Casa doPovo da Freguesia da Ilha (Santana) com o “dia do Emigrante”.